Correspondencia

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Queridos Bruno e Clarice, Espero que estejam bem. Escrevo estas linhas após um ano de Lote#5. Muita coisa aconteceu em 2017, não é mesmo? E quantos tremores rolaram por whatsapp hein? Teve gente que até saiu de grupo batendo a porta, mas logo voltou! Bem, como vocês sabem, nesta edição do projeto a minha intenção foi a manutenção de um campo de pesquisa – dar tempo e condições para estudar, promover encontros de ideias e pessoas, além de manter vivo um repertório de peças e uma rede de afetos. Iniciei o projeto ativando meu campo com a pergunta O que realmente está acontecendo quando algo acontece? Uma pergunta que não deseja resposta, e sim conduzir a atenção para camadas mais profundas de uma experiência. Mas, junto dela, existiu uma outra perguntatentáculo que abraçou um momento ácido no início do ano e do projeto como um todo – Assim não, pero cómo? Uma parceria com dois artistas espanhóis que admiramos muito e que já estiveram em outros Lotes. Ambas perguntas atravessaram os acontecimentos da esfera política do nosso contexto, mais especificamente o início das ações da nova gestão municipal da cidade de São Paulo, que deslocou violentamente os alicerces que apoiavam um dos modos de produção em dança contemporânea em nossa cidade, e que fazia dela uma referência. Obviamente nos afetou diretamente, já que o Lote tem existido via o Programa de Fomento à Dança. Não vou me ater a descrever a ética com que iniciaram suas mudanças. Direi apenas que chegaram como efeitos coadjuvantes, alinhados ao golpe presidencial no Brasil. E para deixar tudo ainda mais gostoso, há um Trump nos EUA. Ou seja, que ano sísmico! Permeado por este acontecimentos, a pergunta do meu campo, que além de estar intimamente ligada a uma curiosidade estética, ganhou ainda mais sentidos, e o que eu imaginava se tratar de um momento mais calmo de estudos com a dança, precipitou-se em uma série de laboratórios, ensaios e experimentos para uma performance que atraiu mais pessoas do que eu imaginava. Muitas delas também motivadas por encontrar alguma oportunidade para escoar suas indignações que, a esta altura, se tornaram depressões, por serem sentimento e emoção alimentados por doses diárias de injustiças e humilhações em nosso país. Nada de novo na verdade, apenas a sensação de que a naturalização disso parece ter encontrado neste tempo seu nível mais espetacular. Assistimos a perdas de direitos, violações da constituição, abusos de poder, censuras, delações premiadas, juízes políticos e uma gente organizada em movimento fantasiado com a camiseta da CBF, fazendo circular seus ódios nas redes sociais. As mesmas redes que deletam nudes e abastecem efeitos especiais em suas


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