IRENEU BRUNO JAEGER
É HORA DE COLHER 1ª EDIÇÃO
SINOP/MT Eplot Gráca 2016
Um bem-te-vi plantou ideias... nasceram POEMAS, CONTOS E CRÔNICAS
É hora de colher
CATALOGAÇÃO Jaeger, Ireneu Bruno Título: É Tempo de Colher Crônicas – Ireneu Bruno Jaeger Sinop – Mato Grosso 126 páginas ISBN 13.10637
Sistemático: Crônicas, Literatura Brasileira 869- 93 Autor: Ireneu Bruno Jaeger Ilustrações: Edson Borges de Moura Revisão: Isabela Norma Jaeger Projeto Gráco: Cris Oliveira Gráca: Eplot Gráca Capa: o autor
CDD 869- A
DedicatÓria Aos acadêmicos da Academia Sinopense de Ciências e Letras pelo prazer de conviver. Cadeira nº 1: Ireneu Bruno Jaeger Cadeira nº 2: Josemar Nunes Cadeira nº 3: Luiz Erardi dos Santos Cadeira nº 4: Bernadete Crecêncio Laurindo Cadeira nº 5: Adélia Stédile de Matos Cadeira nº 6: Rosana de Barros Varella Cadeira nº 7: Jeferson Odair Diel Cadeira nº 8: Jaqueline Sandra Diel Cadeira nº 9: Marieta Prata de Lima Dias Cadeira nº 10: Klaus Henrique Santos Cadeira nº 11: Cristiane Oliveira Cadeira nº 12: Pe. Ramiro Perotto Cadeira nº 13: Fábio Kawati Cadeira nº 14: Vinícius Dallagnol Reis Familiares, este trabalho é mais de vocês do que meu.
IMPRESSÃO Gráca Eplot Ltda. Av. dos Jacarandás, 1813 Jardim Botânico | 78 556 020 Sinop | Mato Grosso Tel.: 66 3532 3755 E-mail: eplotgraca@hotmail.com
Introdução É orgulho e grande honra poder falar da obra “É hora de Colher” e de seu autor, o Professor Ireneu Bruno Jaeger, um dos homens inteligentes que conheci. A cada obra que publica, ele se supera, pois tem como compromisso melhorar sempre. Além disso, quem começa a ler o livro, descobre o prazer da leitura. Ele conta histórias com muito humor, fáceis de serem entendidas e que envolvem os leitores. Fala de suas experiências e de experiências vividas por outros. Dá conselhos, mas lembra também dos conselhos que recebeu. Passa ensinamentos, principalmente cita pessoas que o ensinaram muito. O Professor Ireneu é formado em Filosofia, Ciências e Letras pela Universidade Católica do Paraná, foi diretor da Escola “Nilza de Oliveira Pipino” e Coordenador da Universidade do Estado de Mato Grosso, campus de Sinop e hoje ocupa a cadeira número 01 de Academia Sinopense de Ciências e Letras, da qual é um dos fundadores. Mesmo com toda essa bagagem, esse senhor mostra, no seu livro, que tem um espírito jovem e brincalhão. Realmente vale a pena ler “É Hora de Colher”, pois ele faz o leitor viajar, e verificar como as pessoas fazem das suas vidas uma aventura. Todas as crônicas são excelentes, mas destaco: “As Bolsas”, “Pobre do Dog”, “Dia Marcado”, “Pedra Angular”, “Geladinha”, “O Jumento” e “Voltando a Escrever”, como as que mais chamaram a minha atenção. Parabéns, professor Ireneu, “É Hora de Colher” é realmente uma verdadeira obra-prima. JOSEMAR NUNES, formado pela Academia Militar “Agulhas Negras”, autor da revista “Testando seus Conhecimentos”, ocupante da cadeira nº 2 da Academia Sinopense de Ciências e Letras. 07
É hora de colher
ÍNDICE
É hora de colher Catalogação Dedicatória Prefácio Índice Medicina Moderna O Ultrassom O Conde Drácula Tire a Conclusão As Bolsas Logo Secretário! Pobre do Dog Dia Marcado Quem é Quem? Idade não é Documento Etiqueta ou Frescura O Número do Telefone A Pedra Angular Geladinho Doação de Sangue Esses meninos aprontam... Bate-papo Modernidade O Carrapato e a Anta Cabeça de Vento Mas que profissão é essa! Quatro Horas O Tio Sovina Quanto vale uma vida? Barbudo Não! Candidato Segundo Tempo As Terras Sonhadas O Jumento Homenagem aos Balseiros Pit Bull Utopia x Realidade Voltando a Escrever 09
03 04 05 07 09 13 17 21 25 29 31 35 39 43 47 51 55 59 63 67 71 73 75 79 83 87 89 93 95 97 99 101 103 111 113 121 123 125
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Medicina Moderna Fiquei deveras impressionado com uma notícia que ouvi: ilustre pós-doutorada da Inglaterra afirma que se pode detectar a doença de Alzheimer pelo cheiro. E como os caninos têm o melhor olfato para descobrir tudo, até maconha dentro de tanque, um cachorro bem treinado, seria um ótimo auxiliar do esculápio. Nem precisa muita imaginação para supor como funcionariam as consultas: um doutor de óculos e jaleco, sentado numa cadeira de alto espaldar e ao lado em cadeira igualmente maravilhosa um pit bull, sem óculos mas também de jaleco. (Claro que poderia ser um dog ou pastor alemão, quiçá um minúsculo pintscher, poodle ou terier tibetano). Mas por enquanto vamos ficar com o pit bull. Mandam entrar o primeiro paciente. Trata-se de uma senhora de seus setenta invernos, mal vividos. Ao entrar, depara com a cena inusitada e desmaia. Todos acodem: o médico, a enfermeira, o cão e ela é levada ao Pronto Atendimento. Restabelecida a ordem, o médico diz para a enfermeira explicar para os que aguardam, deixando claro que o cão é inofensivo e que ele só vai dar uma cheiradinha e o resultado é colocado no computador para, depois de três meses, vir o resultado. O seguinte a entrar era um vô, ainda ativo, de seus 65. Depois da explicação ele pergunta: — Mas vai cheirar onde? — Não tem perigo, uma passadinha só. — A pois, senhorita, agora me lembrei que tenho mais o que fazer. Saiu e os outros atrás dele. 13
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O cão é inofensivo... só uma cheiradinha...
“Recupere o tempo perdido lendo um livro.”
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O Ultrassom Esperavam três na apertada antessala de ultrassom: Marialva que enfim esperava um bebê, seu belo marido, que coçava a cabeça pensando nas despesas que viriam junto com a criança e a senhorita Sabrina, que não tinha nada a ver com a história. — Pode entrar, Marialva. Ela entrou cautelosa, andar macio. Começaram os preparativos para o ultrassom. A atendente então perguntou ao maridinho se não queria assistir para ver sua prole se mexer. De imediato ele adentrou o recinto. Aí apareceu uma senhora que dizia ser a sogra da Marialva. Também entrou. E no encalço dela entrou também o sogro. Quando a gentil funcionária finalmente tinha acomodado a todos e quis fechar a porta, surgiu um senhor de idade, declarando-se o avô materno da nova vida. Foi preciso um pequeno “empurra-empurra” para caber. Mas, pasmem! Estupefação! Leitores amigos, queria entrar ainda um cadeirante. (claro que por lei com mais direitos). Vinha empurrado por uma fiel servidora. O cadeirante dizia-se bisavô. Por Deus! Também já era demais! O médico suava frio ao ver toda plateia interessada em saber o sexo do nenê. Tiveram que empurrar toda a parafernália mais para um canto afim de caber mais o cadeirante. Finalmente a moça foi fechar a porta e viu a Sabrina ali sentada sorrindo do teatro que presenciara: — E você, não quer entrar também ? — Mas claro que quero. Por nada vou perder essa. E entrou. 17
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O médico suava frio ao ver toda plateia.
Se você perdeu a conta de quantas pessoas entraram, então releia.
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O Conde Drácula O pequeno Olímpio era incrível. Um ano e oito meses bem vividos. Alegria dos pais e avós. Haviam ido a uma apresentação onde apareceram muitas figuras, inclusive o Drácula. É com este que o pequeno Olímpio se engraçou. Olhava figuras nos livros e prontamente “Olha o Drácula”. Naquele dia o programa era diferente: crisma da sua irmã maior. Todos compenetrados, esperando... esperando... o bispo, que enfim veio. Entrou solene, bondoso, leve sorriso, aparamentado como manda a Madre Igreja. O pequeno herói ficou sério. Encarou aquela figura por um curto espaço de tempo, depois começou a bater palmas e falou bem alto: — Olha o Drácula! Foi constrangimento geral. Uns secretamente riam. A vovó tomouo no colo e explicou: — É o bispo, não Drácula. — Bipo... bipo. A cerimônia foi sublime e comprida... muito comprida. Mas o Olímpio aguentava firme. Só numa ocasião teve de enfrentar um outro moleque que o provocava. Usou para a luta o guarda-chuva da vovó. (Daqueles antigos, bem comprido com ponta de metal). Mas a leitora amiga pode ficar tranquila que não houve consequências funestas porque o vovô de pronto se interpôs entre os contendores. Ao final da cerimônia, depois de abraços aos crismados por parte do bondoso pastor, ele veio cumprimentando a todos até chegar ao malandrinho do Olímpio. O menino ficou sério: — Você sabe quem eu sou? — O bipo, não o Drácula. 21
Todos riram. Depois, na hora da confraternização, sentaram todos juntos e Sua Excelência Reverendíssima até pegou o menino no colo.
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— Quem é que eu sou? — O bipo, não o Drácula.
Palavras valem por muitas imagens
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Tire a Conclusão Dois pesquisadores se propuseram a fazer pesquisas valendo como “pós lato sensu”. Um estudaria a Atlanta, sumida no fundo do oceano, e o outro partiu para uma área mais prática, menos teórica: estudaria o comportamento das aranhas. O PRIMEIRO, o da terra submersa, leu uns dez livros sobre o assunto e teve que comprovar conhecimento em quatro línguas. Após concluída a tese, fez uma comemoração na casa de colega. Foi um festim soberbo. Depois das caipirinhas, veio peixe frito e assado à moda cubana. O doutor, entre um copo de vinho e outro, dissertava sobre o que aconteceu com o grande cataclismo que engoliu a Atlanta, separando pelo oceano o Brasil da África. Ele até se ergueu para dar mais ênfase à grande explosão e no gesto didático que fez, um pedaço de peixe voou pelos ares. Um dos garçons, que trazia mais vinho, parou e ouviu atentamente a explicação e depois acrescentou: — Houve o grande cataclismo e deu tanta sorte que os índios voaram todos pro Brasil e os negros todos para a África. O segundo pesquisador já tinha presas centenas de aranhas. Até conversava com elas, media a resistência de suas teias e finalmente partiu para a prática: pegou uma aranha, colocou-a na mesa e separou delicadamente uma perna em cada lado e ordenou: — Anda, aranha. E ela andou. Então separou mais uma perna em cada lado de sorte que ela ficou com apenas uma perna no lado direito e uma no lado esquerdo. Aí ele ordenou: 25
— Anda! E ela andou. Em seguida partiu para o sacrifício derradeiro e tirou as restantes pernas. E disse em voz alta: — Anda! E ela não andou. Ele pegou rapidamente de suas anotações e escreveu: Conclusão: Uma aranha sem pernas é surda.
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Aranha sem pernas é surda.
No avião, no ônibus, leia livros e ganhe elogios.
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As Bolsas Dona Beda dominava as conversas. Falava pelos cotovelos. Entendia de tudo. As últimas notícias na TV eram cuidadosamente analisadas. Discorria com desembaraço sobre as novelas: a das 6, das 7, das 8 etc. Contudo, a sabedoria dela era de terceira série do antigo primário. Por isso dava cada fora: confundia o Egito com a Índia, colocava o coitado do Machado como autor de novelas. Trocava as mãos pelos pés, confundia alhos com bugalhos. E todos na roda chacoalhavam a cabeça. O Sabino, amante de ironia, combinou com a rapaziada que, da próxima vez que tomassem chimarrão no grande círculo, ele questionaria a Dona Beda. E que os malandros, se preciso, apoiassem. A próxima vez foi no seguinte final de semana. Preparava-se uma costela gorda e tiravam-se pequenas lascas de aperitivo. Enquanto isso Dona Beda referia-se aos ataques terroristas de Paris, todos da autoria dos “chineses”. Teriam explodido bombas na torre de Eiffel, que, segundo ela, fica em Berlim. Os americanos teriam entrado na briga usando “clones” não tripulados para reduzir os adversários a cinzas. Estava ela de pé, com garfo na mão, com um pedaço de costela, referia-se aos milhares de “judeus” mortos na ocasião. Então o Sabino entrou em ação. Tentaria passar uma taramela na boca de Dona Beda. Disfarçou um escárnio no sorriso: — Com a devida licença, Sra. Dona Beda, gostaria que esclarecesse sobre bolsas. Tenho um dinheirinho e gostaria de aplicar bem. Ajuda a escolher. — Muito boa pergunta, começou Dona Beda, em tempos de crise é muito importante que aplique a verba de forma correta. Nesta história de bolsa sugiro que compre uma marca “Victor Hugo”. Tá certo? Os gozadores largaram os copos de cerveja para aplaudir. 29
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Compre uma marca “Victor Hugo”.
f cil comprar um livro. Precisa também ler, entender e interpretar.
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Logo Secretário! Jairo pertencia ao Clube Esportivo “Sete de Setembro”. Naquele dia teria reunião com eleição da nova diretoria. Como ele queria esquivar-se de pegar algum cargo, resolveu de não ir. No horário de início tocou o telefone: — Você não vem para a reunião? Estamos aguardando. — Não posso. É que tive de viajar subitamente. Estou chegando na cidade vizinha. Tenho que desligar porque a polícia está ali na frente. A reunião teve início e o presidente justificou a ausência de Jairo. — Como assim, questionou alguém. Eu vi o Jairo entrando na padaria quando vinha vindo. Houve um silêncio constrangedor. Todos estranharam. A reunião transcorreu lisinha e depois de tudo resolvido, foram tirar a limpo a história do Jairo. A nova diretoria eleita foi em peso até a casa dele. Ali estava estacionado o carro dele. Tocaram a campainha. Nosso “herói” espiou pela janela entreaberta. Quase desmaiou ao ver os colegas ali fora rindo. Pensou em não abrir, pois estaria na cidade vizinha... mas e o carro ali no abrigo? Podia ter disfarçado melhor, levando o veículo para um estacionamento. “Sero piaste”. E os colegas, ali fora dando gargalhadas e entraram num coro: — Abre! Abre! Abre! ... Foi difícil levantar a carapuça do chão. Criou coragem e foi apresentar-se penitente. O novel presidente eleito tomou da palavra e foi logo dizendo: — Meus parabéns! Você foi eleito secretário!
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E os colegas ali fora dando gargalhadas.
Combata a depressĂŁo lendo um bom livro.
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Pobre do Dog! Ele tivera um dia muito nervoso no seu consultório. Muito cafezinho e pouca causa produtiva. Ao sair elétrico e esfaimado, fez cantar os pneus do carro. Ela passara a tarde tentando dar vermífugo para o Páris, grande gato siamês. Tudo em vão. O bicho não engolia a droga. Ela fez então bolinhos de carne moída e no interior colocou o vermífugo. Em vão. O Páris não “caiu na ratoeira” e ameaçou até arranhar a patroa. Desolada, ela foi ao jardim com uma revista de modas. Esperaria o marido para ajudar a medicar o gato, mesmo que contra a vontade. Lá pelas 5:30h ouviu o companheiro entrar na garagem. Demorou um pouco e ele veio. — Oi, querida, o que manda? — Ajuda a dar vermífugo para o Páris, por favor. — Pois não. Mas só espera que preciso ir ao banheiro primeiramente. E o tempo passava e nada de o maridão sair do WC. — O que foi, amor, você está bem? — Leva-me ao Pronto Atendimento que não estou bem. Foi uma correria. Diarreia extrema, com ânsias. ............................................................................... Passou a noite no PA. Lá pelas 8h da manhã seguinte recebeu alta. — Mas o que foi, querido? — Não sei ao certo, mas podem ter sido aqueles bolinhos supimpas de carne que você deixou em cima da pia e eu comi dois. Os outros três dei para o Dog. — O quê! Você comeu aquilo? Era com recheio de vermífugo. Santo Deus! 35
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Chegados em casa, encontraram o Dog em petição de miséria e tiveram que levá-lo ao Doutor Veterinário.
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Você comeu aquilo? Era com recheio de vermífugo.
Descubra o gosto do dever cumprido, escrevendo um livro.
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Dia Marcado José faria o exame do ENEM pela primeira vez para ver quais eram as chances de entrar numa universidade. Quase chegou tarde. Ainda conseguiu entrar por baixo do portão eletrônico, segundos antes de fechar. Maristela viu a cena: — Cara, quase que você chega tarde! — Pois é. O trânsito estava complicado. — Qual é o seu nome? — José. E o seu? — Maristela. Sou do interior. E você? — Da capital mesmo. — Mas vamos procurar a sala. A minha é 34 e a sua? — 34 também. Que bom! Sentaram perto um do outro. Enquanto suavam para responder às perguntas, de vez em quando, espichavam um olhar para o lado. “Bonita”. “Charmoso”. “Uma florzinha vermelha no tamanquinho”. “Ele tem uma pinta na orelha”. Depois de entregues as provas, saíram: — Como foi, Zé? — Apanhei na matemática. E você? — Pequena esperança de passar. Se não conseguirmos desta vez, a gente tenta de novo no ano que vem. Que tal? — Isso mesmo, está marcado. Trocaram telefones. “Tchau e até o seguinte ENEM”. No portão: — E vê se chega em tempo. Na despedida um pequeno abraço. 39
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......................................................................... Maristela tentou telefonar e o aparelho dizia: “Este número não existe.” Também não recebeu chamada dele. O ano foi muito comprido. Mas chegou a data do seguinte exame. Maristela esperava perto do portão. Quando faltavam cinco minutos demorados, ele apontou. Estava diferente, bem apresentável. E os lindos olhos negros dela resplandeceram. — Pensei que não viesse. — Eu também temia por isso. — Pensei muito em você. O que acha, depois da prova, sentarmos naquele banco e conversarmos? — Boa ideia. Fizeram a prova a jato. O banco registrou o primeiro beijo.
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O banco registrou o primeiro beijo.
Os poetas pensamos em poesia 24 horas por dia e se for preciso pegamos também a noite.
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Quem é Quem? Aconteceu nas Índias. Casamento do ano! Duas noivas gêmeas casariam com dois noivos gêmeos e para completar o ato religioso seria presidido por dois padres gêmeos. Outrossim, eram gêmeos os pajens que acompanhariam as noivas. Imaginem a entrada soleníssima: o locutor convida a entrar. Aparece o primeiro casal. - Vamos aplaudir o primeiro casal: o noivo Nasrin e a noiva Simin. Estrugem as palmas, mas o casal que entrava voltou. Eles eram o Sr. Nimo e a Srta. Ali. Desfeita a pequena confusão, com escusas do comentarista, finalmente entraram os noivos Nasrin e Simin. Novas palmas. Foram seguidos por dois meninos encantadores, também gêmeos. Quando estavam na metade do templo, entrou o outro casal Nimo e Ali. Ovacionados pelos presentes, só que houve outro atrapalho. A sogra de Nimo interrompeu o cortejo dizendo que os pajens do primeiro casal eram do segundo e vice-versa. As crianças trocaram aos sorrisos. Os padres gêmeos Jafar e Nosradam já começavam a demonstrar nervosismo. O locutor continuou então: — Teremos agora o solene casamento do primeiro casal (evitou dizer os nomes para não se equivocar). Tudo foi bem até o momento de trocar as alianças. O anel não cabia no dedo de Simin. O noivo verificou (haviam colocado o nome no lado de dentro) e percebeu que estava escrito Ali. As sogras resolveram rapidamente o problema, trocando a maravilhosa cestinha, em forma de rosa, por outra em forma de orquídea. A cerimônia religiosa foi longa, como eles gostam, mas não teve 43
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mais enganos até a bênção final. O Pe. Jafar impôs as mãos em Nasrin e Simin e disse solene: Eu os declaro, Nimo e Ali, marido e mulher. O padre Nosradan cutucou o colega: — Este não é o casal Nimo e Ali. — Desculpem. Agora nós dois juntos vamos abençoar os quatro. E entoaram juntos ”Em nome do Deus Uno e Trino desça sobre vós a bênção.” Todos se abraçaram efusivamente. Os noivos receberam intensas ovações. Ninguém arriscava dizer o nome das pessoas cumprimentadas para não se enganar. Só um pequeno mau-mau houve depois na hora de distribuir os pedaços de bolo embrulhados ricamente. O Pe. Jafar, sendo diabético, devia receber um pedaço camuflado, sem açúcar e entregaram esse especial ao seu colega e Jafar imprudentemente comeu um pedaço dulcíssimo... e veio a passar ligeiramente mal.
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As sogras resolveram rapidamente o problema.
Escrever é uma aventura... e com o tempo se torna um vício bom.
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Idade não é Documento Astor estava estacionando seu carro no Supermercado, quando apareceu um guarda do estabelecimento: — Aqui não pode estacionar. — Não pode por quê? — Aqui é para idoso. — Mas eu sou idoso. — Conta outra, cara. Com essa cara e esse cabelo pretinho! — É que eu pinto o cabelo. — Então prove que tem a idade. Ele puxou da identidade: — Veja aqui: nasci em 1946. — Não vale identidade. Precisa ter aquele cartão do órgão da prefeitura, que dá direito a estacionar. — Eu tenho, só preciso achar no meio da minha bagunça organizada neste porta-luvas. Mas afinal o que vale é a idade. E continuou a procurar. Finalmente achou a dita cuja “licença para idoso estacionar”. Esfregou na cara do guarda. Este pegou do documento, devidamente plastificado e: — Não pode não. Seu documento está vencido . Veja aqui “validade para dois anos”. — Como assim? Então depois de dois anos fiquei mais novo e não sou mais idoso?! Que brincadeira é essa? E se fosse uma mulher grávida que quisesse estacionar, teria direito? —? — E depois que ela tiver o nenê, ainda pode? —? 47
— Então posso estacionar? — Não pode. Não importa a idade, importa o documento. Ou quer que mande guinchar seu carro?
Os rigores da lei s vezes são absurdos.
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Etiqueta ou Frescura? Martinha perguntou à professora de Português: — Professora, qual é a diferença entre etiqueta e frescura? A mestra, mui amiga de Machado e Drummond, pensou... pensou e respondeu: — Como não entendo de nenhuma das duas, respondo NÃO SEI. Na seguinte aula entrou a professora de OSPB, narizinho empinado, sapato de salto Luís XV isso se não era XVI. A Martinha logo interrogou: — Fessora, qual é a diferença entre etiqueta e frescura? A professora enrubesceu, perdeu as estribeiras e desabou um tremendo sermão: — Isso é coisa que se pergunte? Estamos aqui para estudar Organização Social e Política do Brasil e você vem com frescura?! No fundão da sala alguns risinhos foram abafados. A última aula era de Educação Física. O professor entrou bem humorado, fechou o guarda-chuva... — Profe., qual é a diferença entre frescura e etiqueta? — Boa pergunta. Prestem atenção. Dividiu o quadro em três partes horizontais e escreveu na mais de cima, CLASSE A, na segunda, CLASSE B e na terceira, CLASSE C. — Vejam a classe A: dá muito valor à etiqueta. Por exemplo: num jantar à luz de vela, há vários pratos e vários tamanhos de copo. Não pode tomar vinho francês no copo menor... Um espertinho replicou: — Não é o contrário? — Pode até ser. Mas vamos à classe B, classe média como se diz. 51
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Eles tomam, de preferência, cervejinha gelada, cada um com seu copinho de vidro preferido. Vocês entendem? — E agora a classe C: eles tomam mais quissucos, laranjinha... e em copos plásticos. Vocês veem no outro dia tudo jogado, criando mosquito da dengue e tantas outras doenças. Mas agora saiu o sol e vamos para a aula de Educação Física. Nós vamos primeiramente dar uma corrida de aquecimento em volta da pista. Mas antes tomem água... — Fessor., tomar água com copo de vidro ou de plástico? — Não tem nenhum dos dois, com a mão mesmo.
Leitura: tua saúde física e mental merecem essa terapia.
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Qual é a diferença entre frescura e etiqueta?
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O Número do Telefone Pedro é um bom garfo. Quando escolhe o hotel, dá preferência para aquele que tem o melhor restaurante. Em especial, leva em conta o café reforçado, que resolve logo o problema do almoço. Naquele dia, Pedro, após servir e comer frutas, fora renovar o estoque com pão, queijo, café com leite, ovos mexidos etc. e tal... Quando volta para a mesa, esta está ocupada por uma linda senhorita. Ela olha o Pedro de cima abaixo, sorri e diz qualquer coisa como: ”I`m sorry”. Pedro olha seus cachos de cabelo, seus lábios carnudos, seu corpo de violão, saia xadrez... Tenta puxar do seu inglês mas não sai nada. A suposta inglesa ou americana servira um pedaço de melancia... de imediato levanta-se e vai procurar outra mesa. Pedro aboleta-se à mesa e vai devorando o bolo com leite e outros quitutes. Ainda não saciada a invejável fome, vai repetir algo mais. Por precaução encosta a cadeira na mesa para evitar outra invasão. Quando volta, pasmem, lá está a mesma senhorita, desta vez de pé. Entreolharam-se e ela pediu, em português fluente: —Você pode dar-me o número do seu telefone?!
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A suposta americana ou inglesa havia servido um pedaço de melancia.
A natureza não se vinga. As intempéries são consequências dos abusos da humanidade.
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A Pedra Angular Serginho era um moleque bom de bola. Defendia o “Caxias F.C.” da pequena cidade. Fazia sucesso. Marcava de cabeça... de calcanhar... enfim buscava o gol com sofreguidão. Por anos seguidos foi o goleador e recebeu inúmeros prêmios. Mas o tempo é carrasco. Ele passa. Melhor: nós é que passamos. E a certidão começa a amarelecer. Após anos de dedicação do Sérgio, os dirigentes se reuniram e houveram por bem (mal?) dispensar o atleta porque completara 35 anos. Achavam eles que não atraía mais multidões. O técnico lamentou, porque achava que o jogador ainda estava em forma. Durante bastante tempo ninguém soube do Sérgio. O “Caxias” entrou numa fase ruim. No último ano foi lanterninha do campeonato. ........................................................................... Certo dia, apareceu na city um indivíduo estranho. Dizia que viera da parte setentrional do Irã, de lugar escondido em longínquos sertões. Tinha figuras persas pintadas no corpo. Cabelo atado com fitinha. Falava de magias estranhas ... mas veio apresentar-se como jogador de futebol. Os comentários na cidade corriam soltos. “Mas o que um budista sabe de futebol?” “Budista não, ele é lá da Pérsia, quem manda lá é o Alá”,” Pode até ser um terrorista camuflado”. Apesar de tudo, foi aceito pela sociedade. As mocinhas logo acharam um defeito: aliança no dedo. Enfim o persa ia fazer um teste no time de futebol. Faltou lugar de tanta gente que queria ver. 59
O preenchimento de sua ficha foi bastante superficial: nome esquisito, origem desconhecida... No teste de “meio-campo” ele fez proezas. Até um gol de bicicleta, deixando a bola alojar-se no ninho da coruja. A torcida ruidosa encantava-se com a índole varonil do persa. E ele foi contratado. Não é preciso dizer que o “Caxias” novamente ficou campeão. Atribuía-se o sucesso ao novo jogador. No dia da premiação vieram repórteres até da capital. Uma locutora mais afoita perguntou ao ovacionado jogador: — Afinal, quem é você? Donde veio? Explique-se! — Meu verdadeiro nome é Sérgio dos Santos. Minha família mora em Santa Catarina. Quando saí daqui fiz implante de cabelo, uma plástica no nariz, que havia quebrado numa pelada. O resto as tatuagens fizeram. Sou a pedra rejeitada e que ninguém mais seja julgado por causa da certidão de nascimento amarelecida.
“Até um gol de bicicleta... deixando a bola alojar-se no ninho da coruja”.
Est nervoso? Sugiro uma boa terapia: Leia...
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Geladinha O acadêmico precisava entregar as fotos para a revistinha. Fotos também da chácara, denominada “Sede Campestre”. O dia estava favorável e saiu retrato de todo jeito: peixe de quatro quilos e meio, paisagens com sol e com chuva... No dia seguinte “cedito” o casal foi para casa. Imediatamente o acadêmico quis pegar a maquininha de fotografar para levar as “artes” ao destino. Mas cadê a sacolinha com a máquina? Tirou sacola de tudo o que é tipo do carro: com maracujá, com peixe, com roupa para lavar, sacolinha de lixo... (este foi logo posto na lixeira da rua) ... mas nada da sacolinha com a máquina fotográfica. E começou a procurar. E a mulher ajudando... apela a Santo Antônio, o santo para achar coisas e... nada. — Mas eu acho que pus num saco do supermercado “Campeão”. — Vai ver que coloquei junto com o lixo, lá na rua. — Então vai logo, que o caminhão da prefeitura está passando... Ele correu. O caminhão ia a uns cinquenta metros. — Senhores, por favor, e explicou... Os garis entreolharam-se e começaram a mexer naqueles saquinhos mal cheirosos. (Eles riam escondido). — Aqui não tem nada. Tem lixo de tudo que tipo, mas máquina não tem não. E o motorista do caminhão nervoso buzinava. Desolado o acadêmico voltou para casa: — Não encontrei. E a mulher: — Possivelmente ficou na sede. Você acha que pegou e não pegou. Sempre com os seus “achismos”. Mas vamos voltar os vinte 63
quilômetros... Na viagem faltou assunto para conversa. Chegados à sede, ele foi logo na grande mesa, no quarto, na cozinha... e nada... — O que nada mesmo é peixe, disse a mulher e foi pescar. Conseguiu um piau de três quilos e meio. (Obs.: Não é mentira de pescador, pois tem uma balança lá. Essa providência fora tomada por causa de alguns pescadores que exageravam). E aí partiram para o aperitivo enquanto o piauzinho sofria no forno. A mulher foi tirando pacotinhos de frutas da gaveta da geladeira... e esse pacotinho de que será? Leitora amiga, não vai acreditar: lá estava a tal maquininha de fotografar...
E estava geladinha e o saquinho era do supermercado “Campeão”.
Ao ler um livro não fique sério demais, acabrunhado, como alguém que est cumprindo um castigo. De preferência sorria levemente.
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Doação de Sangue Augusto Rodrigues sofria dos intestinos. Um ossinho de galinha havia-os perfurado. E Augusto Rodrigues precisava operar as amígdalas. Como eram homônimos, a moça que fazia a ficha, distinguiu-os como nº1 e nº2. Ambos foram encaminhados a seus respectivos esculápios. O enorme rol de exames desanimava. Uma verdadeira via crucis. Finalmente tudo estava pronto para as cirurgias: Augusto Rodrigues nº1 cortaria a barriga e Augusto Rodrigues nº2 as amígdalas. Familiares e amigos espremiam-se na salinha à procura de cafezinho. Os doentes iam ser preparados para as cirurgias. Aí entrou uma senhora com expressão de autoridade, sóbria, sisuda e ditou ordens: — Precisamos de estoque de sangue, que o hospital está zerado. Procurem parentes, amigos... que tenham sangue compatível. Sem isto não sai operação. — Mas agora? Como fica? Como assim? Houve um início de confusão. Num lado os do nº1 e no outro os do nº2. A mulher severa (eu não disse megera) pôs ordem: — Mexam-se! Não percam tempo que os pacientes já estão impacientes. O sangue deverá ser colhido no Homocenter Dr. Águas. Deixem de lero-lero. Foi um corre-corre dos diabos. A esposa do nº 1 não viu que a porta era de vidro e foi com tudo. Quase quebrou a testa. Aí começaram as dúvidas: como vamos? Táxi? Tá caro agora em dezembro, eles cobram bandeira dois. A esposa do nº2, disse que iria de ônibus porque tinha 67
passe livre. Quem foi salvador da pátria, em parte, foi um dos filhos do nº2, pois era “opaleiro” (Associação dos proprietários de carros velhos: opalas, fuscas etc.) Convocou a turma toda, gente forte e ousada, com sangue bom. Precisariam no mínimo 30 doadores. Uns quinze litros (quase um balde cheio). Apelaram ainda para as torcidas organizadas. Só que neste ponto não houve acordo. Os do nº1 eram todos flamenguistas e os do nº2 corintianos. Já eram cinco da tarde quando o Center telefonou: 17 litros. Todos voltaram para o hospital para ver seus entes queridos no pré e pós-operatório. Iniciaram os procedimentos... Ao contrário do que se esperava, o nº1 (o do osso nas tripas) saiu primeiro da cirurgia. Sua esposa (aquela do galo na testa) foi abraçá-lo: — Querido, tudo bem? Dói muito a barriga? Ele se esforçou ao máximo: — Querida, a barriga não dói nada, mas a garganta está um inferno.
A barriga não dói nada, mas a garganta está um inferno.
Dieta para pessoas normais: ler todo dia jornal, ler uma revista semanal. ler um livro por semestre.
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Esses meninos aprontam cada uma... A fama correu o mundo. Espalhou-se como rastilho de pólvora pelas redes sociais. “Uma criança mordeu uma cobra”. Não, minha leitora, não entendeu errado, nem eu escrevi mal: de fato foi o menino, de menos de dois anos, que mordeu a cobra... e ela veio a óbito. O menino virou um herói. Todos queriam ver o “assassino mirim”. Começou a reunir-se gente na frente da casa: vizinhos, parentes... imprensa. Como a mãe, ocupada em explicar para a turma, não pudesse cuidar do menino, nosso valente amigo lutava, com uma espada de plástico, contra inimigos invisíveis, dentro do canteiro de flores. Apanhavam cravos, margaridas e roseiras. — Mas como foi? — Ele mordeu a cobra tanto que ela morreu. — Mas o que ele tinha comido, que ficasse alguma substância nociva entredente? — Não, não. Ele comeu normal: pão com manteiga e leite. Levaram a cobra para análise no laboratório e o capetinha para o jardim de infância. (Um perigo, um matador entre inocentes crianças!) Enquanto a turba se dispersava da casa, chegou uma autoridade do IBAMA. Fez as apresentações: — Quem é o pai da criança? — Sou eu, apresentou-se o Sr. Joaquim. — O Sr. “teje preso”. — Mas não fui eu que matei a cobra, foi o filhinho. — Mas ele é menor e o Sr. responde por ele. E foi colocando as algemas. 71
Um perigo, um matador entre inocentes crianรงas.
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Bate-papo A mocinha estava meio desconfiada do “conversê” do novo namorado. — O seu nome, moço? — Aramis — Como? — Aramis — Uf! Tem profissão? — Sou poeta. — O quê? Poeta com essa cara! Sempre achei que poeta usava óculos. — Tenho lá em casa, mas quando saio para namorar, tiro. — Tem aqui no carro um livro seu? — Não. — E em casa? — Também não. — Mas onde? — Meu livro está no prelo. — Prelo? Onde fica isso? Ele ligou o carango velho e foi estacionar mais perto da praia. — Prelo não é lugar. Quer dizer que está para ser lançado. Você vai ser convidada para o lançamento. — Obrigada. Mas você vive como ? Com quem? — Com mamãe. — Ainda na saia da mãe com essa idade! E não tem profissão. Eu vou indo e abriu a porta e saiu correndo. E ele atrás: 73
— Mas, menina, você vai ser convidada para o lançamento. E ela já na onda: — Aramis, acho melhor você convidar sua mãe. Tchau!
Meu livro est no prelo.
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Modernidade O que é modernidade hoje, pode não sê-lo amanhã. Hoje vejo jovens sentados pelos cantos digitando celulares. Eles por certo acham isso moderno. Mas não foi assim ontem, nem será amanhã, com toda certeza. Lembro dos anos 60. Foi novidade a fabricação de radinhos a pilha. Havia os bem pequenos que cabiam no bolso. O pessoal só conhecera até ali as grandes “caixas de abelha”, movidas a energia e cheias de válvulas. Podem imaginar como os minúsculos radinhos fizeram sucesso. Aristides era um desses malandros, boa pinta, de uma cidadezinha do interior. Trouxera a novidade do Paraguai: radinho que cabia no bolso. Pegou então um tijolinho maciço, desenhou com giz umas rodinhas (sintonizadores) e fez mais uns riscos com números. Pegou o tijolo como se fosse rádio, mas sintonizou o verdadeiro radinho e pôs no bolso de dentro do paletó. (Era dia frio). Narrava-se justamente um jogo do Grenal. Aí ele foi para perto de um quarteto de jogadores de truco, sempre segurando o tijolo perto do ouvido, como se a narração do jogo viesse dali. Os jogadores de truco faziam que não viam a cena. Chegou um momento em que um dos jogadores levou uma bronca do seu parceiro porque distraidamente cometera uma gafe. “Gol! gol! gol! do Internacional! Que tijolaço do meio da rua!” E o Aristides com aquele olhar de deboche. (Os quatro eram do Grêmio). Abaixaram as cartas e um deles levantou: — Que diabo é esse? Torcendo pro Inter com esse tijolo! Deixa ver. E usou de violência: agarrou o suposto rádio e espatifou-o no chão. Mas o Grenal continuava no casaco do Aristides. Tirou-lhe então à força: 75
— Onde conseguiu isso? — No Paraguai. — Mas que beleza! Quanto custa? — Para você faço por cem. — Eu fico. E puxou da guaiaca. Voltou tudo à calma. Continuou o jogo de truco e o Aristides, já de saída: — Mais alguém quer um radinho? Tenho mais três e deixo por 90,00.
Teve de sair correndo para não apanhar.
Professor esperto sempre acha uma saída. Ás vezes pela janela.
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O Carrapato e a Anta (FÁBULA)
Uma anta excedeu-se em ofender o carrapato, classificando-o como o mais vil e ordinário dos bichos. Julgava-o um insignificante e detestável vivente que deveria ser aniquilado e banido da natureza. O carrapato ouviu as ofensas da anta e nada disse. Pulou no lombo de quem assim a humilhava e instalou-se na dobra da orelha. Ali começou sua vingança. Mordia de pouquinho, causando enorme comichão e dor. O animal de grande porte descabelava-se, rolava na lama... tudo em vão... tentava atingir com a pata sua inimiga. Mas debalde. O “insignificante” ria da cara da possante anta. Nem os mergulhões dados no rio, as cambalhotas barranco abaixo, conseguiram amainar a comichão terrível. Foi então que o carrapato tomou da palavra e disse: — Tamanho não é argumento.
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E tamanho não é argumento.
Mas como tem carrapato na política... E anta então...
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Cabeça de Vento Jakson era bem distraído. As notas da escola confirmavam-no. A mãe chamou o menino: — Jakson, querido, vai na venda do Fabiano e vê se ele tem um pé de alface. Manda anotar na caderneta. O piá foi correndo. Fazia barulho de motor e guiava um ônibus imaginário. Quando passou na frente da casa da tia Carlota, deu-lhe vontade de comer das gostosas ameixas pretas que ela cultivava. — Tiiia, posso comer ameixas pretas? — Menino, elas ainda estão vermelhas, não dá para comer. — Mas, tia, não são ameixas pretas, por que elas estão vermelhas? — Jakson, elas ainda estão verdes. O menino se mandou para a venda com a cabecinha fundida: afinal são pretas, vermelhas ou verdes? Foi num pé e voltou no outro para a venda do Fabiano. A mãe aguardava-o impaciente: — E o pé de alface do Fabiano? — Mãe, não deu para ver se ele tem pé de alface porque estava de botinas.
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Afinal são pretas, vermelhas ou verdes?
Mas por que seu gato não pega ratos? que ele foi “ratificado”.
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CEMITÉRIO
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Mas que profissão é essa!? O professor Teófilo era muito esforçado, zeloso com os seus discípulos. Fazia de tudo para motivá-los ou então encontrava incentivos atraentes para fazê-los gostar de ler, escrever e falar corretamente a língua de Machado, Usava de desenhos, de internet, de trabalhos em celulares, o que era o preferido da molecada. Inovou na escola o jornalzinho intramuros. Fez concurso de poema e crônica... Sempre com o motivo de motivá-los, numa ocasião, fez o levantamento das profissões dos pais da garotada. Talvez assim veriam que quem estuda se dá melhor na vida. Apareceu de tudo: pedreiro, auxiliar de pedreiro, pintor de parede, treinador de time, zelador, vigia noturno... e um menino tinha um pai professor. — Meus parabéns, disse o professor. — Ué, parabéns por quê? Interveio um filho de padeiro. Afinal todas as profissões não merecem parabéns? O mestre apaziguou os ânimos: — Tudo bem! Tudo bem! E o seu pai o que faz? A pergunta fora dirigida ao menorzinho da turma. — Professor, eu não gostaria de falar em público. Se quiser, eu conto só pro Senhor, na hora do recreio. Todos ficaram grilados e desenhou-se um grande ponto de interrogação no ar. Alguns moleques foram logo sugerindo coisas inconvenientes. Depois da aula o Pedrinho procurou o professor num cantinho 87
escuro do pátio. — Então, menino, tenha coragem. Qual é a profissão do pai? — Pois é... ele é pedinte. — Como assim? Explique-se. — Ele, de manhã, pega nossa Quatro Mil, vai até um posto de abastecimento, deixa o carro estacionado. Aí ele vai até o açougue, compra uma lapa de carne de terceira, troca de roupa, amarra a carne na perna, ata com esparadrapo... e senta-se na frente do cemitério para pedir esmolas. A carne viva na perna faz algumas senhoras umedecerem as vistas. Dão de tudo: televisão velha, comida, cobertores, roupa e dinheiro... muito dinheiro. A certa hora passa um sócio nosso, com um jerico, o Senhor sabe, um veículo construído em casa, com motor tobata e recolhe tudo e leva lá em casa. Tudo é separado, vende-se, aluga-se, faz-se sabão e é convertido em dinheiro. Cada semana papai muda de cidade. Depois do relato estapafúrdio, o professor conseguiu ainda dizer: — Obrigado pelo seu desabafo. Tudo bem. Aliás, quase tudo. Vou tomar um cafezinho na sala dos professores.
Amarra a carne viva na perna... para pedir esmolas...
Este relato é verídico, apenas foram trocados os nomes e as circunst ncias.
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Quatro Horas! Venha comer wafe
Maristela teve vontade de comer waffle. O dia colaborava, ameaçando chuva e um friozinho... Foi ao quarto de despejo, lá fora, onde se guardam as coisas fora de uso. Ia procurar a tal waffleira (forma de fazer waffle). Entrou célere e um tufão de vento bateu a porta atrás dela e o trinco (aquela parte que entra na fechadura) caiu para o lado de fora. Santo Deus! E agora? Fechada no quartinho, sem poder abrir. Misericórdia! Os pensamentos vieram em turbilhão e se lembrou de um conselho da mãe: não entre em desespero. Respire fundo e pense... Primeira tentativa: pedir socorro pela minúscula janelinha de 30 x 30 cm. Gritou, berrou, esperneou... mas não tinha ninguém em casa. Inútil gastar as cordas vocais. Segunda tentativa: abrir a porta à força. Deu murros, esfolou a mão e nada. Terceira tentativa: Apelar para o santo. Na dúvida de qual é mesmo o santo das causas impossíveis, ela apelou logo para todos os santos. Quarta tentativa: Abrir a porta pelo avesso (do lado das dobradiças). Tem que dar certo! Como é que os ladrões conseguem? Nesta altura já tinha passado uma hora de desespero e ela transpirava por todos os poros. Se houvesse ao menos uma copo de água e melhor ainda, se tivesse um celular. Mas com que iria tirar os pinos das dobradiças para desmontar a porta? Que sucesso faria um martelo ou outra ferramenta apropriada. Quis tirar uma caixa da prateleira e a mesma caiu. Tinha dentro pregos, parafusos e uns puxadores de gaveta. Pegou o maior dos pregos e tentou tirar um pino... machucou a mão que sangrou. E agora? De novo os conselhos domésticos: chupe o sangue ou aperte bem contra a calça. 89
Para garantir usou os dois processos. Resolvido o problema do sangue, foi puxar outra caixa lá do alto. Caiu tudo e, olha só!, ali estava a tal waffleira. Nesta função já se completavam duas horas. Então ela pegou a waffleira como ferramenta para tirar os pinos. Mas bater com quê? Em vez de martelo apelou para os tamanquinhos que usava e devagarzinho... muito lentamente o primeiro pino ia saindo. Vou poupar o leitor de ficar suando junto com a Maristela no restante do tempo. Basta dizer que nesse ínterim choveu, trovejou... parecia até cair granizo... Ao cabo de quatro horas a porta abriu pelo avesso. Maristela saiu, agradeceu aos céus e foi buscar o telefone celular. Ligou para uma amiga que esperava sua visita e esta logo se alvoroçou: — Menina, onde você estava? Já ia telefonar para a polícia. — Amiga, venha comer waffle que conto o que aconteceu.
Fechada no quartinho sem poder abrir.
Acho que a palavra Waffle vem do alemão e se pronuncia como est escrito. Nada de pensar que tudo é inglês e dizer weifel.
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O Tio Sovina Tio Rosalvo dava tchau com a mão fechada de tão “pão duro” que era. Não gastava um centavo além do muito estritamente necessário. Mas a novidade pegou a ele desprevenido. Todo mundo comprando o tal “três em um”, aparelho de som muito menor do que a ultrapassada radiola. Servia para rádio, para tocar discos e fitas. Ele chamou da mulher: — Nós poderíamos comprar se vendêssemos o porco gordo. — Que bom que você concordou. Rosalvo encilhou o matungo e se mandou para a cidade. Mas quando ouviu o preço do tal “ três em um”, pediu uma cadeira para sentar. — Tá louco! Tudo isso! — Tudo isso. Pode ser em duas vezes. Na saída um compadre lhe sussurrou aos ouvidos: — No Paraguai é um terço disso. Voltou para casa. A mulher umedeceu os olhos. Aí ele explicou que iria ao Paraguai. — Eu vou com você. — Que nada. fica muito caro com duas passagens. Você fica e eu vou. O Paraguai fica relativamente perto ali do Oeste Catarinense. Rosalvo viu tudo e encontrou o que queria. Experimentou. Funcionava bem. Verso e reverso numa fita do Teixeirinha. — Me faz um desconto que levo. Fizeram uma ninharia de desconto, mas nosso amigo puxou do dinheiro preso dentro da cueca (isso por causa dos assaltos). Pôs o aparelho debaixo do braço e ia saindo... 93
— Mas não quer que embrulhe? Fica meio assim sair por aí com o aparelho. — Boa ideia. E capriche na embalagem. O vendedor foi lá para dentro e fez um embrulho de dar inveja. Rosalvo sorriu pela primeira vez em muito tempo e se mandou para a rodoviária. Pegou o primeiro ônibus de volta. Chegando em casa, quando a esposa viu a beleza do pacote, estalou um beijo no marido. Estavam felizes. Ela abriu o pacote. Que decepção: havia dois tijolos e uma porção de papel.
No Paraguai é um terço disso.
Quando estiver entre uma porção de jovens, todos digitando celulares, inove leia um livro e receba elogios.
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Quanto vale uma vida?
(Mudados os nomes e circunstâncias, é o depoimento de um médico do Paraná)
A história se passa no velho Paraná. O Dr. Augusto ia recolher-se das árduas tarefas quando chegou um baleado. Nossa Senhora! Coisa feia! Dois projetis haviam acertado. Perdia sangue aos borbotões. O médico comandava: — Ligeiro com a maca. Façam radiografias! Coloquem soro... e mais isso e aquilo. As chapas não deixavam dúvidas: uma bala no abdômen e outra perto do fígado. Indo para a cirurgia o paciente teve um momento de lucidez: — Mas o Bastião me paga! Vir cobrar a dívida com 38 na mão. Depois a anestesia pôs fim aos resmungos. Fez-se de tudo para salvar aquela vida. As vizinhas vieram perguntar: — Como ele está? — Olha, não vou mentir. A situação é crítica. Rezem que talvez se salve. Invocaram Santo Expedito. No terceiro dia, após a cirurgia, houve tênue melhora: os lábios tiveram pequena coloração e ele abriu os olhos. O doutor insistia com as enfermeiras: — Cuidem bem dele! Nada de visitas por enquanto. É uma vida que está em jogo. E o caipira safou-se. Melhorou ... e teve alta. O nome dele: Filisbino. Depois de pago o médico e o hospital, dadas as recomendações, 95
feita a receita dos remédios pelo médico, este falou: — Parabéns, Filisbino. Você foi forte. E agora o que vai fazer? — Obrigado, doutor, devolvam-me meu revólver.
Vou procurar o Bastião e “fazer ele.”
De tanta corrupção, os cães j não latem mais, quando a caravana de carros importados passa.
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Barbudo Não! O Dr. Eustáquio fora convidado em má hora para proferir uma palestra num simpósio de estudantes de medicina. Ele não poderia negar de falar sobre microcefalia, porquanto é um dos únicos especialistas no assunto. Chegando à capital, foi logo pedir um táxi para ir ao hotel que lhe fora reservado. Pediu ao taxista que parasse nas “Brasileiras” para rapidamente comprar um aparelho de barbear. Afinal não poderia apresentar-se barbudo, com bigodes acentuadamente provectos. Comprou e voltou ao carro. Dali até o hotel foi um pulo. O relógio é que dava pulos e o horário das vinte horas chegaria a galope. Pagou bandeira dois, subiu como foguete ao apartamento. Ligeiro, banho, barba, bigodes... abriu a caixinha comprada. Decepção: vazia. Cadê o aparelho de barbear? Mas que sacanagem! A ira é a pior conselheira. Haveria de “declamar uma catilinária” para o tal Oto. Este era o nome do moço que lhe vendera o barbeador. Novo táxi. Bandeira dois. — O atendente Oto está? — Momento. Vou verificar. Demorou. — O Oto já saiu. Mas em que posso servi-lo? Afinal o senhor é muito importante para nós. Entregou a caixinha vazia e a nota e soltou o verbo... O moço foi ver e voltou: — Sinto muito, era o último desse tipo. Mas o senhor pode dirigirse à nossa filial lá no bairro Bacacheri. Outro táxi. Novamente B2, porque os taxistas haviam sido 97
premiados com licença de bandeira 2, durante o período de férias. Meia hora para chegar. — Por favor... assim... assim... — Obrigado por ser nosso cliente. Mas esse modelo é exclusivo de nossa matriz. — Mas é de lá que eu venho... — Sinto muito. Eustáquio viu, através da porta de vidro um letreiro “Barbeiro”. Precipitou-se. (Ai se arrependimento matasse!) — Por favor, posso furar a fila. Estou com pressa! — Um senhor meio contrariado permitiu... Voltou para o hotel. Novo banho. Anotações para a palestra. Mas esse relógio deve estar louco! O congestionamento para ir ao Centro de Eventos estava infernal. O Doutor suava frio. Dava-lhe vontade de pular do carro e sair correndo. Chegou apenas vinte minutos atrasado. Mas o coordenador havia dispensado os inscritos. Só tinha escasso grupinho tomando cafezinho. Um deles tentou minimizar o ocorrido: — O senhor é o Dr. Eustáquio? Prazer. Não dá para deixar sua palestra para amanhã às vinte horas? Afinal ela é muito importante para nós.
Mas por que não fui logo ao barbeiro?
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Candidato O Márcio, além de ser meu barbeiro, é também assíduo leitor de meus livros e principalmente meu amigo. Enquanto ele se preocupava em me deixar cinco anos mais moço, falávamos dos fabulosos políticos ladrões do nosso querido Brasil. Quando já tínhamos “reformado toda a política nacional e parte da internacional”, entrou uma pessoa um tanto quanto estranha. Parecia advinda do acampamento de Canudos, maltrapilho, sujo, usando um chinelo de dedo de uma cor e o outro de outra, este bem maior. O cangaceiro, se assim ele mo permite chamar, não disse absolutamente nada e foi direto pegar um spray de água e aspergiu abundantemente seu “lindo” cabelo. Depois pegou de uma escova e fez um penteado à moda Neymar. Considerei-o mudo, pois sem mais nem menos pegou um produto bem cheiroso e literalmente “tomou banho” com ele. Quando ia saindo, perguntei ao Márcio: — Mas parece ser seu sócio! — Parece. Ele dorme ali debaixo daquela marquise e diariamente vem fazer suas abluções matutinas. — Que estranho! Ele... — Psiu, ele vem voltando... O indivíduo chegou perto do barbeiro, pegou-lhe das mãos o barbeador elétrico, foi em frente ao espelho e aparou cuidadosamente as costeletas. Depois devolveu o objeto ao Márcio. Não tive dúvida e interpelei-o: — Que é isso, companheiro?! Ele deu um sorriso e respondeu em bom português: — Para quem vai ser candidato a vereador, tem que estar bem. 99
Candidato a quĂŞ?
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Segundo Tempo Reflexos da Vida Real Um cheirinho de autobiográco
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As terras Sonhadas
Chalé construído 16 anos depois
(Devíamos partir da Estrada da Baiana, Município de Porto dos Gaúchos, MT, em direção às terras compradas na Gleba Itanhangá.)
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As terras Sonhadas Entramos na mata virgem bem cedo. Eu ia acompanhado pelo L. e o A. mais um prático de mato, apelidado de Tininho. Nosso destino: localizar as terras compradas. Que floresta magnífica, amazônica, a chamada catedral da natureza pelo Alencar. Enormes guarantãs, perobas e angelins formam as colunas do grande templo e suas copas eram abóbodas donde pendiam maravilhosos enfeites de cipós. Ali vicejam exóticas bromélias. Algumas aves: jacus, jacutingas, araras, catetos e uma onça pintada esturrou. Uma pico de jaca foi abatida. Mas deixemos o Alencar lá com sua poesia. Devíamos ir pelo grande picadão para chegar ao destino e ainda voltar. Entretanto, caminhar por um picadão, com muitíssimas árvores atravessadas é muito penoso. E o astro rei amazônico, abrasador, começava a arrancar suor dos poros. Mais tarde descobrimos que seria menos penoso abandonar o picadão e andar paralelamente a ele pelo mato. A. começou a reclamar do calçado que apertava. L. puxou do cantil para uma pinga de conforto. A danada descia contrariada. Um pouco do néctar precioso foi colocado no calcanhar do A. Ele gemeu e pegou do canivete e cortou a parte de trás do calçado, que dava bolhas, e ficou livre o calcanhar e foi andando à moda chinelo. Espinhos, vespas, mosquitos, capim navalha... e voltamos para o picadão. Desânimo. A água do cantil acabara, a pinga também e não aparecia rio, riacho, nem fonte. A sede é a pior conselheira. Como 13 km era distância... E depois voltar! Que desespero! E a pico de jaca voltou feroz. O Tininho filosofou: —Nada mais perigoso do que cobra mal matada. 105
A excursão rendia cada vez menos. A. começou a sentir-se mal. Faltava-lhe ar. Deitamo-lo e esfregamos álcool nas bolhas. Aí ele desmaiou. E a noite vinha chegando zombeteira e pudemos admirar o “verdadeiro luar do sertão”. Um avião a jato dividiu o céu em duas partes. Dividi então o resto da matula: duas cuecas viradas para cada. Infelizmente tivemos que engolir em seco. Armamos uma tenda improvisada com folhas de pacova (imita folha de bananeira). L. pôs fogo na vegetação em volta para afugentar cobras, escorpiões e as indesejadas formigas que não davam trégua. E fomos dormir. Eu não pude deitar debaixo do “telhado” porque havia uma raiz atravessada. Deitei então do lado de fora e fiquei vendo uma cena muito curiosa: um cupinzeiro, ao pé de uma árvore seca e torta pegara fogo e soltava faíscas. Quem nunca viu, não sabe o que está perdendo. Lembra noite de São João. É numa situação angustiante dessas que a gente descobre, no céu azul, o Cruzeiro do Sul. Ele nos aponta o “norte”. De madrugada raios riscaram o horizonte prenunciando uma dessas primeiras chuvas, depois da grande seca. É a tal chuva do caju. E rapidamente armou-se um temporal. Um “despertador ecológico” nos fez pular da “cama”. Aquele pau seco, onde os cupins queimavam, tombou a meio metro de nossas cabeças. Todos pularam de pé. E o vento trouxe a primeira rajada de chuva. Fria, friíssima. Tentamos refugiar-nos debaixo de uma árvore inclinada. Um raio formidável lascou uma peroba e nos fez mudar de plano: voltamos para a picada. Aí a caminhada começou a render. Cada castigada da chuva, nos fazia andar mais céleres. Molambentos, mortos/vivos, chegamos ao destino, isto quando o sol ia raiando. Aí achamos água na orla de um ribeirão. Coisa boa água! Nunca havia reparado que o precioso líquido é tão precioso. “Caímos” num acampamento de pistoleiros... não havia ninguém. Um salame pendia num arame. Adivinhem! O mais incrível foi que os pistoleiros haviam feito uma estrada em direção da “Serrinha”, onde cairíamos na Estrada da Baiana a 30 km de Porto dos Gaúchos. Confesso que na sofrida caminhada me lembrei do grupo de descendentes de alemães, que, no tempo de Getúlio. tiveram que fazer a “caminhada da morte”, judiados pelos militares, pois teriam que sair de perto da fronteira, no Rio Peperi, para ir a Xanxerê. 106
(Conforme relato do livro “A Terra que sonhei”de E.E.Jaeger). Enfim a Baiana! Viva! Estamos salvos! Mas quem haveria de dar carona para quatro “bichos do mato”, munidos de facões e espingardas?. Usamos então o seguinte estratagema: O A. foi escolhido como vítima: “desarregaça as calças, bota a camisa para dentro da calça, abotoa, tira o chapéu, penteia os cabelos...”. E nós outros ficamos escondidos no mato. Depois de uma hora um caminhão toreiro vazio parou. Enquanto o A. explicava no estribo, nós saímos correndo e pulamos para cima. Salvos... Comemos muito pó. A poeira subia em quantia por entre os vazios do caminhão. Chegados em Porto dos Gaúchos aguardavam-nos. (Haviam colocado até a polícia para nos procurar vivos ou mortos). —E como são as terras? —Estupendas! Só que estão ocupadas por grileiros.)
Estupendas só que ocupadas por grileiros.
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O Jumento Não é ficção. Verdade nua e crua. Ainda não existia a Exponop e o maior evento do ano era a festa junina da Escola “Nilza de Oliveira Pipino”. No tempo era a maior escola da região e pertenciam a ela todas as escolas rurais, a escola de Vera e de Santa Carmem. O autor destas linhas era a vítima da vez para ser diretor. Estes dias encontrei o Glaiton, dizendo que era o aluno mais malandro. Como poderia esquecer. Ele lembrou: — O senhor lembra duma gincana que fizemos dentro da grande festa junina de três dias? — Lembro sim. Conseguimos verba para pintar a escola, arrumar todas as carteiras quebradas. Por isso foi motivo de um elogio pelo Secretário de Educação, elogio esse publicado em diário oficial. — Mas o que queria lembrar é a história do jumento que sobrou depois da festa. Todo mundo contribuía com o que podia. Uns deram em dinheiro, em bebida, um certo doutor deu uma vaca que foi a leilão. Mas o coitado do jumento que foi doado, sobrou no pátio. A molecada adorava. E o burro também. Pintavam o sete, o oito, o capeta e o caneco com o animal. Às vezes dois ou três pulavam no lombo, outros puxavam o coitado pelo rabo. E o burro, sábio como sabe ser o burro, movia uma orelha para frente e outra para trás. Uma professora veio reclamar: — Diretor, eles chegam tarde depois do recreio e sujos, imundos... Não seria melhor desfazer-se do quadrúpede? De fato foi melhor, até mesmo que estava complicado alimentar a besta. Aí o “degas” negociou o jumento. Com quem? Acertou quem disse que foi o pai do “mais malandro”, nosso grande amigo Bortoloso. 111
Dinheiro pra cá e burro pra lá. O herói teria de ser levado para a nova moradia. Arrumou-se uma corda. Iam levando em três: um puxando e dois tangendo. A partida do pátio da escola foi solene, com direito à torcida da molecada. Ele ainda olhou patético para um grupinho de meninos e queria ficar. Mas a direção era outra: para o lado do cemitério... Quando a comitiva chegou numa pontezinha que tinha ali, depois do atolador maior, o nosso amigo empacou. Usando as palavras textuais do “mais malandro”, ele puxou o freio de mão nas quatro patas. Vocês, caros leitores, sabem melhor do que eu como os burros sabem ser cabeçudos. O nosso amigo simplesmente não ia nem vinha. Um puxava e dois atrás serviam-se de recursos “didáticos”, com uma ripa (coitado!) davam-lhe uma “boa educação.” O comprador veio pedindo de volta o dinheiro pago, só que eu já havia convertido em merenda escolar. No dia seguinte soube que quando o dono voltou ao lugar do burro, esse obediente tinha ido para a nova residência.
O Senhor lembra de mim, o mais malandro?
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Uma Homenagem aos heróis balseiros
(Foto do livro “A Terra que Sonhei” de E.E. Jaeger) O autor, durante sua infância, viu as balsas descendo o rio Uruguai, levando madeira para a Argentina. Balsa aqui não é o sentido de embarcação usada para travessia de veículos e passageiros em rios. Isto se chamava de BARCA. Aqui BALSA É UM AGLOMERADO DE TRONCOS DE MADEIRA, ENTRE SI AMARRADOS, DESTINADOS A SEREM LEVADOS PELAS ÁGUAS DAS CHEIAS. 113
Uma Homenagem aos heróis balseiros Acompanhemos a aventura “de carona” numa balsa. Pedrinho participou da fabulosa viagem numa balsa no rio Uruguai. Hoje não existem mais essas enormes engenhocas que desciam pelo rio, na época das cheias, para levar madeira para a Argentina e Uruguai. Vamos deixar o menino contar como foi. “Eu pedira ao pai para ir junto numa dessas grandes aventuras. Mas como tinha só oito anos, seria difícil ele consentir. Uma enorme balsa, feita de seletos troncos de cedro, louro e outros tipos de madeira, estava pronta, esperando a cheia do rio. Morávamos em Mondaí, SC, e o Sr. Beno, chamado carinhosamente de TIO Beno, de Itapiranga, também tinha uma balsa pronta para despachar, com aproximadamente 250 troncos. Assim havia outras tantas à espera da alta da água. Precisa haver rio cheio por causa das muitas cachoeiras e do salto grande que praticamente sumiam com a enchente, Estavam preparados víveres e água potável para a grande aventura. No banheiro improvisado usava-se água do rio. Mas ainda não estava resolvido o meu problema capital: “você é muito criança... é perigoso”. Chorei e pedi socorro para a mãe. Ela também chorou... mas consegui. E como ficaria com minhas aulas? A mãe foi comigo falar com a professora. Essa ficou séria, mas finalmente acedeu, desde que eu fizesse uma “composição” contando tudo e lesse para os colegas. Cheia. Finalmente partiríamos. O coração acelerou. Nossa roupa e comida foram colocadas em bruacas de couro. Os peões também levaram bastante lenha seca, tudo colocado na pequena casinha que haviam construído sobre as enormes toras, amarradas fortemente entre 115
si. A cobertura era de tabuinhas lascadas. Dormiríamos em redes. Havia móveis rudimentares: mesinha, bancos... Finalmente chegou a hora. A mãe me abraçou como se fosse a vez derradeira. Estávamos em quatro para a grande aventura: o pai, dois peões e eu. Saímos às onze horas para encontrar com o tio Beno perto do meio-dia. De lá seguiríamos juntos. Ele era dono de uma lancha (chamada popularmente naquele tempo de “gasolina”) que auxiliava nas manobras, não só da balsa dele como também da nossa. Foram desamarradas as grandes cordas e cipós, que seguravam, aquela enorme cobra flutuante de umas 250 toras. Havia longos remos fixos nas duas pontas da balsa, permitindo o alinhamento e desvio de obstáculos. A emoção sufocava. Começamos a flutuar, levados pela correnteza. Devido à cheia vinham nadando árvores seculares, que por vezes se chocavam com a balsa. E a chuva recomeçou fustigando as pessoas e com ela o frio cortante. Podíamos ver pessoas acenando das casas ribeirinhas. Também vimos a correnteza arrancar uma casa e o desespero de seus donos. Aquela cena foi perto do grande Pedrão de Sede Capela. Como o cocuruto dessa enorme pedra ficava de fora, foi preciso habilidade extrema dos homens para evitá-lo. Logo depois chegamos perto da balsa do tio. O pai soltou um foguete para avisá-lo e ele de imediato foi desamarrando a sua balsa. Íamos no encalço dele, pois ele era, no dizer do pai, “macaco velho” no assunto. Em Itapiranga houve um fato perigoso, quando quase colidimos com a “barca” que fazia a travessia de um carro e várias pessoas. Só mesmo a grande habilidade dos remadores e a intervenção da lancha do tio, conseguiu evitar a desdita. Afinal balsa não tem freio. Depois de concluída com sucesso a luta feroz, todos estavam empapados de suor e tiveram que tomar o primeiro banho reconfortante a bordo. Seguiu a primeira refeição. Todos esfaimados: charque, farinha, arroz e vinho para os homens e café para mim. Durante a refeição o pai falou muito sério sobre o salto grande, o Yucuman, que se aproximava. Fica no município de Derrubadas no Rio Grande do Sul. É o nosso teste de ferro, muito perigoso e todos devem estar com trajes próprios. (Não havia salva-vidas como hoje). Se alguém cair na água, não tente forçar a barra. A correnteza vai levá-lo para a margem da Argentina. Ok? E você, dirigindo-se a mim, fique agarrado ao mastro perto da casinha. Confesso que pela vez primeira senti pavor e pensei na mãe. 116
De longe se ouvia o rugido da água entrando numa enorme garganta. A balsa do tio mergulhou por primeiro. Submergiu a proa e depois aquelas toras saltaram novamente de dentro da água. A última separou-se e mais adiante exigiu uma bela “caçada” com a lancha. Aí chegou a nossa vez. Ouvi gritos dos peões ao remo na popa. Segurei firme no mastro. Algumas panelas da cozinha caíram. A balsa entrou no grande sorvedouro. Era amedrontador ouvir aquela cobra de troncos gemer. Enfim passamos incólumes. Todos se abraçaram mesmo estando em grande esgotamento. Vimos o pessoal da balsa da frente numa grande faina de amarrar novamente o toro que se soltara. Depois caiu a noite. Foi acesa a luz de carbureto (Karpid Licht). Este tipo de luz era usado pelos pescadores, normalmente fabricada pelos funileiros. Havia também uma lanterna a pilha com três elementos. Passávamos ao lado de grandes florestas virgens. Antas, catetos e pacas pulavam na água assustados. Desde a confluência do rio Peperiguaçu tínhamos solo argentino à nossa direita. No lado do Rio Grande do Sul passávamos pelos municípios de Três Passos, Alecrim e Porto Xavier. Quando passávamos por águas deste último município um terrível temporal se abateu sobre nós. O tio Beno já levara para a margem as pessoas e alguns pertences da balsa dele e logo veio nos socorrer. A água entrava em pequenas ondas na lancha e eu, abraçado ao pai, lembrei de rezar. Ficamos na margem, defendidos por enorme árvore, até que o tempo melhorou. Então era preciso ir ao encalço de nossas balsas, com a lancha. Estavam enroscadas nas raízes de grande árvore tombada. Foi uma faina de umas duas horas, o que por certo atrasou nossa viagem, prevista para uns quatro dias. A noite caiu de chofre. A lua chorava entre nuvens. Passávamos entre imensas matas virgens. Não deu para dormir quase nada. Havia nuvens de mosquitos atrapalhando e enfiei a cabeça debaixo do cobertor. Quando raiou o dia, o sol inclemente nos fulminou. Quem costuma participar de pescarias sabe que o sol fustiga de cima e seu reflexo na água requeima. Seguiram horas monótonas. O que fazer? Os homens começaram a pescar. Um dos peões pegou um belo exemplar de dourado. O mesmo foi preparado em nossa rústica cozinha. Desnecessário dizer que ficou uma delícia. Depois voltou a chover novamente aos cântaros e o frio apertava à medida que chegávamos mais em terras argentinas. Deixando de lado Uruguaiana, estávamos totalmente em território platino. 117
Com o balanço da balsa fui acometido de enojos. Tive febre (estranha moléstia que acomete os nautas). Meus pais haviam previsto uma mezinha doméstica, com chás, beberagens etc. No dia seguinte amanheci melhor. Com a confluência dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai se forma o grande Rio da Prata. Parecia que estávamos no mar. Apareceu um casario diferente. Já se viam pequenas embarcações. Mais além apareceram lanchas da marinha argentina. Os hermanos não nos molestaram. É claro, estavam orientados a nos receber bem, porque eles precisavam de nossa madeira. Depois de longa sesta, finalmente ouvimos o pipocar de um foguete na balsa do tio. Era o sinal de que deveríamos ir encostando na margem. Estávamos chegando ao destino. Foi mais de hora de trabalho até que as duas balsas ficaram firmemente atracadas. Sensação esquisita de pisar novamente em terra firme. Dava a impressão de que a gente continuava no balanço das águas. O Sr. Beno foi conosco até uma grande madeireira, que fora antecipadamente comunicada de nossa chegada. O gerente mandou o pessoal dele fazer a conferência e cubicagem das toras. Levaram três horas para concluir o trabalho. O acerto foi na base do regateamento: sobe e desce... vira e mexe. Uma parte do dinheiro do pagamento o pai recebeu em espécie para pagar os peões e para comprar artigos de contrabando. No Brasil não se conseguiam balas calibre 22 e 38, por causa dos tempos da guerra mundial. Além disso ele comprou um tanto de farinha de trigo argentina. O resto foi depositado numa agência do Banco do Brasil em Buenos Aires. O pessoal da madeireira ofereceu uma lancha para nossa volta. Claro, o tio voltou com a “gasolina” dele. De noite os homens foram festar. Meu pai foi comigo num hotel. Novamente pude dormir numa cama gostosa.” — Professora, esta é a minha redação. Minha mãe ajudou a melhorar meu português. Depois que li, meus colegas de sala olhavam para mim como se eu fosse um herói.
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O Pit Bull O vizinho de chácara arrumara um cachorrão, mal encarado, da raça pit bull. Todos faziam voltas. Mas quando o “poderoso” conseguiu sair do quintal, fez sucesso: três galinhas mortas, dois patos, uma ovelhinha sacrificada etc. Pensei com meus botões: ”se o nosso “amigo” vier visitar-me. (?) E veio. Apliquei então as leis da moderna “linguística”: cada vez um pedacinho de linguiça. E começamos a nos entender. Ele ficou gostando de mim e eu dele. Ficamos amigos e quase “cúmplices” o que serviu para tirar dos apuros crianças e adultos em várias ocasiões.
Para domesticar um cão feroz use a técnica da “linguística”.
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Utopia x Realidade (1979)
Vínhamos do Sul, alimentados pela utopia de que, comprando um sítio e montando nele uma pica-pau, a poupança estaria garantida. Com sacrifícios extremos, tiramos a mata virgem para, numa clareira, colocar a pequena serraria. Tudo isso debaixo de grandes aguaceiros. Fizemos miúda casa. Se o dinheiro era parco, as caçadas e pescarias eram fartas, inesquecíveis, uma realidade. Havia visita de caça: quadrúpedes e aves à vontade e não se cogitava em proibições de abatê-los. Numa dessas noites de chuvarada, dispensei os peões e fiquei sozinho tomando conta da propriedade. Poderia assim usufruir da calmaria e poesia da selva amazônica. Já prestes a adormecer, a cadela Bolinha começou uma correria dos diabos, com latidos ferozes cada vez mais amiudados. Não pude ouvir o cachorro Biguá, excepcional cão de guarda e de caça. Bolinha e Biguá perfaziam uma inteligente dupla de “vira-latas”. Levantei e procurei da lanterna de pilhas. Debalde: estava descarregada. Tentei vislumbrar algo na escuridão e ralhei com a Bolinha pelo seu grande espalhafato. Mas, pelo eriçado, as corridas e latidos continuavam. Cometi o despropósito e peguei de uma vela (Imaginem!) para ver alguma coisa no breu da noite. E, para completar, ainda ostentava uma arma. Veio uma lufada de vento e apagou a vela. Fazer o quê? Fui deitar, mas a cachorra não deixava fazer as pazes com Morfeu. Depois sonhei com antas, capivaras e cobras. No dia seguinte, fui ver o estrago: a onça, em pugna feroz, roubara o inolvidável cachorro Biguá de dentro da serragem quentinha da pica123
pau. Havia um rastro de sangue e as pegadas do bichano, que fizera o despropósito e levara a vítima até o mato.
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Voltando a Escrever A revisão do coração estava vencida havia quatro anos. Aí os médicos vieram com uma conversa esquisita “necessidade de colocar no meu peito pontes e parece que até viadutos”. Pré-operatório: trocentos e poucos documentos. Nunca vi tanta papelama! E não é que quase reprovo no exame de urina. Incomodei meio mundo com minha internação. Todos prometiam orações e queriam ajudar. Nem sei se vou ter anos suficientes para retribuir a todos, principalmente à esposa, aos filhos e familiares, aos médicos, aos enfermeiros, aos doadores de sangue... Com tanta reza prometida subiria como um foguete aos céus, com perigo de até perfurar a abóboda do infinito. E havia torcidas organizadas, principalmente a do Inter... Voltando ao assunto: CHEGOU A HORA DA CIRURGIA. Facas afiadas... deixaram-me grogue. No meio deste espaço de tempo alguns lances sórdidos que vou omitir. Talvez um mereça destaque. No meio de vai e vem, pega não pega, uma enfermeirinha, coitada, quase perdeu um dedo com minha mordida. Ela apenas queria aplacar minha sede, com um pano úmido. Cercado de enfermeiros (as) dando agulhadas, muita confusão na minha cabeça. Parece que não progredia. Tive forças para perguntar: —Afinal, vão operar-me? Uma vozinha aveludada me confessou: —Você já foi operado. NATAL É ISSO. (2014) Pensar que vai acordar no céu e acordar de fato neste vale de lágrimas. E voltar à sina de escrever crônicas e poemas.
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Ponto final para vocĂŞ, leitor, para mim apenas vĂrgula...
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