Newton Soares
Santa Cruz
Entre a Cruz e a Espada: Histรณrias e Memรณrias
NEWTON SOARES
Santa Cruz Entre a Cruz e a Espada: Histรณrias e Memรณrias
2018
SANTA CRUZ Entre a Cruz e a Espada - Histórias e Memórias
TEXTOS: Newton Soares ILUSTRAÇÕES E CAPA: Amadeu da Lapa ADAPTAÇÃO E PROJETO GRÁFICO: Cristiane Oliveira REVISÃO: Prof. Doutor Antônio Brotas
SOARES, Newton Santa Cruz: Entre a Cruz e a Espada – Histórias e Memórias/ Newton Soares. Salvador. Faculdade Social da Bahia, 2018. 80p.; 21cm x 21cm 1.Santa Cruz 2. Histórias 3.Comunidade Faculdade Social da Bahia Avenida Oceânica, 2717 - Ondina, Salvador - BA
Ă€ Maria Soares, Maria Martins, Eliana Rocha, Joselita Soares.
“A memória é uma atualização do passado ou a presentificação do passado e é também registro do presente para que permaneça como lembrança.'' Marilena Chauí
SUMÁRIO
Primeira Parte – A Santa Cruz Abertura - A Cruz A Ocupação O bairro no “Complexo” O nome do bairro Todo dia é dia de escola A fila da saúde Lazer O Bariri Ruas, Travessas Avenidas e Becos A Onze A Sonje O Samba Elite O Forró da Sucupira Pé Preto
11 15 19 23 25 27 29 31 33 34 37 39 41 43
Segunda Parte - Entrevistas Evaldo Batista Edinha de Oxóssi Toinzinho Capitã Sheila Barbosa A cruz do bairro (Depoimentos dos moradores)
49 57 63 67 73
Conclusão Referências
81 82
A Cruz O bairro da Santa Cruz carrega nas costas o peso de uma Cruz e o Sagrado no peito. Como todas as favelas o bairro sofre com a violência institucional e a falta de oportunidade para sair de uma história cruel e perversa. A população no peito carrega o Sagrado. Um povo de fé e que acredita no amanhã mesmo sem ver. São candomblecistas, espíritas, católicos, evangélicos e ateus que convivem no bairro. Uma população predominantemente jovem em que sua maioria estão jogados a falta de oportunidade. É faculdade, tem dificuldade de ir. Se é pública, tô sem transporte, não posso ir, escondido e calado da vergonha da necessidade. Mas há um número de jovens que lutam e conseguem esquiva-se de algumas oportunidades ruins que são oferecidas na favela. É cantor, pintor, pescador, estofador, lavadeira, advogado, professor, ator, e tem até médica. É bloco das galinhas, bêbados, é você bebeu, é o sindicato dos cornos. É desbocada que tem boca. É a vontade de sair dali com a necessidade de ficar. E com certeza, há quem quer ficar ou nunca mais sair. É Seu Abílio com sua rádio pela comunidade levando informação e denunciado o descaso que anda a população. É gente que sai fugido ou corrido do sistema. É empregada doméstica que cria cinco filhos, com apenas um salário. Adolescentes tentando criar uma criança ou talvez duas.Avós criando netos, filhos fazendo filhos um círculo vicioso, é vício, é indício, é homicídio. É paz, mas tem guerra. É Cruz e tem armas. É morte e espada. É polícia, é cachorro latindo, é gritaria na casa do vizinho. É paredão é a tristeza, é a solidão. É bar, é quitanda, é o armazém de 'Seu Egídio', é “Meu Nego” e o seu nego na ponta da bala. Uma bala perdida, 11
troca de tiros em uma rua ou beco. Uma correria, é tiro Zé. É morte do inocente que estava no Bar do Zé. É a senzala entregando as costas às chicotadas, traduzida em bala. É Maria que foi sepultada por causa de uma bala. É o mar de Amaralina perto de casa é o Parque da Cidade Meu quintal de casa. É luta, labuta, peleja é pão na mesa. É dona Maria, vinda de Palmeiras. É feira, tem buzu, tem aviãozinho, é preto, é flor da Santa Cruz. Um alguém que apanhou de traficantes ou que apenas levou uma advertência. É um vizinho sentado na porta, é um outro na janela é conversa que não tem mais trela. É um conto, é uma história é a vida dos outros na garganta. Um aborto, uma formatura, uma vida, algumas mortes. Um jovem que morre, um vizinho que leva uma bala perdida, um amigo que deixou de estudar, uma escola que não tem aula, uma vida corrida, muitas paradas. Uma casa invadida, outra arrombada, é pé preto, é mandinga, é favela, é parei na quarta série. É “empinar uma arraia”, é um jogo de gude, é ficar sem ter o que fazer e também não achar o que fazer. É tá rebocado! É o ovo do jegue de Seu Isidório. É descida, é subida, uma ladeira que sempre traz outra. Um beco que que te leva a uma travessa. Uma avenida que te lava a uma rua. Uma rua sem saída. Um labirinto que quem não se esforça não consegue sair, um mundo sem volta, uma bala perdida. É cultura, é arte, é samba, é gincana. É miss Bahia, é a capoeira e a ginga do mestre Bimba, é o terreiro de Mãe Alice. É a Assembléia de Deus.Também é a testemunha de Jeová pela manhã de domingo pelas ruas a caminhar. Foi Fazenda, foi mato, foi pé de dendê, foi estrada de barro, foi casa de taipa. Foi cachaça, foi peixe e muita passou fome. Foi quintal, brejo e balança, teve rio, tinha fontes, quando em vez quem salvava era o jegue de Seu Isidório levando água à população. Hoje, é Sucupira, Onze, Dendezeiros, É Sonje, É Futuro, é a Bela Esperança. Apenas um posto de saúde para atender mais de 26 mil pessoas. É a falta de remédio, de segurança e educação, a violência institucional misturada com a bala que atravessa a porta de casa. Diante dos impasses e das incertezas a comunidade segue sempre envolvida em competições de futebol, dominós, baralhos e eternas gincanas que ficaram na memória. Do extinto Samba Elite ao Forró da Sucupira a Santa Cruz vive em meio a Cruz e a Espada.
12
P ROJETO
DE
L OTEAMENTO P ARCIAL
DA
FA Z E N DA S A N T A C R U Z P R O P R I E DA D E D O S S N R S .
N ASSER E A UGUSTO B ORGES E S I T UA DA A O
RIO VERMELHO ENTRE O RIO CAMOROGIPE E A RUA MARQUÊS DE MONTE SANTO ESC. 1:1000
Fonte: Inventário de Loteamentos da Cidade de São Salvador - Fundação Mário Leal Ferreira
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A ocupação da Fazenda Ladeiras, becos, vielas, travessas, vilas e ruas, um grande terreno irregular, que formam uma comunidade. Ao sul da cidade do Salvador, o bairro da Santa Cruz, outrora uma fazenda, foi sendo ocupado, com a onda migratória que se deu na capital nas décadas de 60 e 70, por pessoas de baixa renda. De acordo com o Professor Pedro Vasconcelos, da Universidade Federal da Bahia (Ufba), “esse período correspondeu a aceleração da expansão populacional de Salvador, consequências dos novos aportes migratórios, mas também das difíceis condições de vida de boa parte da população que levou às primeiras grandes invasões”. A partir da década de 70, de acordo com Marie Brendio¹, ¹no trabalho “Cidade do Oceano, “as ladeiras de Santa Cruz tornam-se mais densamente povoadas, sobretudo entre 1968 e 1971”. A particularidade se destaca em sua localização geográfica, que é aclamada por todos os moradores. “Eu tenho a comodidade de me deslocar para praia, shoppings, como Iguatemi, Ceasa do Rio Vermelho, o Rio Vermelho, e até mesmo para Lapa a pé, claro se tiver disposição, sem falar do Parque da Cidade, uma área verde que eu tenho o privilégio de estar no 'quintal da minha casa”', afirma Sabrina Bahia, 32, Secretária Executiva. Das entrevistas, de dez pessoas, nove ressaltam a boa localização do bairro. A região há 60 anos era uma grande fazenda por nome Santa Cruz. Com 388 lotes em 15 hectares, foi aprovado, em 1951, o loteamento da Fazenda Santa Cruz, que em conformidade com o Inventário de Loteamentos de Salvador era de Nasser e Augusto Borges. No início, poucas casas ocupavam a extensão de terra, a maioria delas feitas de taipa. Barro, madeira e palmeiras era matéria prima da maioria das casas do bairro. Coqueiros, bananeiras, “pé” de dendê, árvores dos mais variados frutos e fontes cediam água limpa aos poucos moradores que ali chegavam. De acordo com Maria Nascimento, 78, aposentada, vinda do Chame-Chame, chegou na região em 1968, “a vida era muito difícil. Quando cheguei no bairro, com meus quatro lhos, encontrei muito mato, pé de dendê, não tinha ruas, não tinha 1 BREBION, Marie. Cidade do Oceano: da praia ao morro... iniciação de um processo de desencravamento & reconquista de uma identidade comunitária. 2005. 42f. Trabalho de Conclusão de Curso (Arquitetura e Urbanismo). Escola de Arquitetura de Clemmond-ferrand. 15
nada, apenas trilhas mostrando que por ali passou gente. Não tinha asfalto, nem luz e nem água”, explica a moradora que teve casa de taipa por muitos anos na região, mas dizia não se envergonhar, pois a maioria das casas eram feitas de taipa. Priscila Sacramento, 34, administradora, mora na rua Hélio Lacerda, próxima ao final de linha da Santa Cruz, “lembro que a falta de água era praticamente todos os dias em nossas casas, um problema, naquela época. Eram dias difíceis. Saíamos ainda de madrugada, em busca de vizinhos que nos fornecesse um balde de água para suprir as necessidades básicas de toda a família. Parecia uma romaria, crianças com vasilhas pequenas e adultos com baldes grandes, pela madrugada a vaga atrás de água. Para as crianças a madrugada virava uma incrível aventura, para os adultos era um problema. A falta de água era geral e isso de certa forma unia a comunidade que dividia o pouco que
tinha com aquele que tinha menos”. O ambiente era marcado por muitas matas verdes e uma população tímida de moradores que subiam a extensa ladeira que formavam um pequeno povoado com casas de taipas e estradas de barros, estima-se que mais ou menos 2 1.320 , no ano de 1944, habitavam o Nordeste de Amaralina, não se sabe ao certo o bairro da Santa Cruz. Não havia ruas, travessas e nem vielas, apenas caminhos de barro feitos pelos pés de quem passava. A moradora Maria Martins, 77, pensionista lembra que, “caminhava com Maria José, uma amiga e vizinha (In memória), muito para chegar até o RioVermelho ou Amaralina para pegar um transporte público. O caminho se tornava mais longo quando chovia, pois o bairro virava um lamaceiro, usávamos um tecido para limpar os pés, mas nossas roupas cavam salpicadas de barro molhado”. O acesso ao bairro era muito complicado, longas caminhadas pelas estradas de lamas, pois não havia calçamento e nem transporte público. Cercado por bairros de classe média alta, como Itaigara, Pituba, Rio Vermelho e Cidade Jardim, o bairro da Santa Cruz faz fronteira direta com o Vale das Pedrinhas, Chapada do Rio Vermelho e Nordeste de Amaralina, que por suas estruturas físicas iguais chegam a ser confundidos. Em consoante a intervenções urbanística na década de 80, os residentes foram assegurados pela Lei municipal – Decreto Nº 7750/85, art. 2, que visava “garantir a permanência da população residente nos assentamentos consolidados de baixa renda”, na época o Nordeste de Amaralina já se consolidava a segunda maior favela de Salvador de acordo com Ângela Souza, professora da Universidade da Bahia (Ufba) publicado no artigo “Favelas, invasões e ocupações coletivas nas grandes cidades brasileiras (Re)qualificando a questão para Salvador”. Mas com o passar do tempo o processo de urbanização chega e começa a surgir ruas, becos, travessas e vielas. As fontes de água foram substituídas por encanação, a luz do luar ao poste, o caminho de barro ao asfalto. As Ruas Onze de Novembro, a São Jerônimo, atualmente Marino da Hora, e a Marco Paulo, hoje Antônio Carlos Magalhães foram as primeiras do bairro, consoantes as estradas de barros. A construção de casas desacerbada foi traduzindo o espaço físico em uma comunidade. O bairro que nascia entre a Amaralina, Nordeste e Rio Vermelho, com a chegada da população a 2
Dados da Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente (1990)
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vegetação foi sendo devastada. Em estudo realizado pelo projeto O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográcas, Bairros e Fontes publicado em 2010, “a história dos bairros de Salvador é uma história de luta tinhosa, contra o mato, contra a água e pelo acesso à terra e aos serviços públicos urbanos”. De acordo com alguns moradores, uma mulher negra, nem gorda e nem magra, de estatura mediana por nome Raimunda ConceiçãoVieira da Silva, conjuntamente com um homem por nome Adalto, comercializavam pequenos lotes de terra para quem se interessasse por permanece ali. Todos conheciam a Raimunda por Rosinha. Ainda de acordo com Marie Brendio,“os terrenos foram divididos entre diversos proprietários que eram fracionados à sua volta em lotes menores, sendo ainda subdivididos mais uma vez pelos locatários”. Pedaços de terra eram comercializados a 68,80 cruzeiros mensais. Notas promissórias foram encontradas e cedida pela senhora Maria Cosme Soares, 84, aposentada e moradora do bairro. As notas, carimbadas no verso com o nome de Raimunda C.V. da Silva, abaixo o CPF da mesma e escrito apenas recebido em (data do recebimento) – na frente, apenas a numeração da nota, valor pago e data do pagamento, com a assinatura do comprador. Foi em 75 que tudo começou a mudar de acordo com Edvaldo Batista, pedreiro, ex-líder comunitário do bairro, que permaneceu por 20 anos. Os documentos arquivados na Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF), localizado no bairro do Vale dos Barris, revelam que o loteamento da Fazenda Santa Cruz foi aprovado pelo prefeito Jorge Hage Sobrinho, através do Decreto 4.830 em 1975, datado em 13 de outubro. De acordo com Pedro Almeida, neste caso, foi uma ampliação do loteamento da Fazenda Santa Cruz, com 386 lotes em 80 hectares, que posteriormente é invadida. A partir de então a fazenda começa a assumir, timidamente, uma estrutura urbana, o bairro foi perdendo a forma rural. Escolas, asfalto e transporte público começam a chegar na Santa Cruz. “Quando a Escola Teodoro Sampaio chegou (1975) o asfalto também chegou, até a metade da Onze de Novembro, mas chegou. Para inaugurar a escola tinha que colocar o asfalto para as autoridades subir, o governador, prefeito, na época, Jorge Hage Sobrinho, e toda comitiva. Foi por isso, as autoridades políticas precisavam subir para inaugurar a escola”. Atualmente a antiga fazenda é cheia de casas e se tornou uma comunidade que em conjunto com outros bairros formam a Região Nordeste de Amaralina. O bairro da Santa Cruz possui aproximadamente 27 mil habitantes, de acordo com o último censo (2010) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Tabela 1 - População, número de domicílios e distribuição populacional por sexo Homens Localidade
População
Mulheres
Nº Domicílios Nº
(%)
Nº
(%)
Chapada
22.710
7.084
10.591 13,75 12.119 15,73
Nordeste
23.035
7.227
10.578 13,73 12.457 16,17
Santa Cruz
26.493
8.253
12.516 16,25 13.977 18,15
Vale das Pedrinhas
4.786
1.544
2.134
Total
77.024
24.108
35.819 46,50 41.205 53,50
Fonte: IBGE 2010
18
2,77
2.652
3,44
O bairro dentro do ‘‘complexo’’ O bairro da Santa Cruz está ligado a um conjunto de bairros que chamaram, a princípio, Região Nordeste de Amaralina (RNA). A Secretaria de Segurança Pública (SSP) assumiu o termo Complexo Nordeste de Amaralina. De acordo com a SSP o termo está relacionado com as questões de confusões dos limites entre os bairros e a dificuldade geográfica de se localizar. A capitã Sheila Barbosa, 43, comandante da Base Comunitária da Santa Cruz afirma “não considero o termo legal, pois deprecia e marginaliza o bairro”. No “complexo”, uma junção de bairros que não se sabe ao certo os limites de cada um, foram enquadrados os bairros de Santa Cruz,Vale das Pedrinhas, Chapada do RioVermelho e o próprio Nordeste de Amaralina, um conjunto de bairros de classe média baixa. O morador Edmilson Teixeira, 56, comerciante, com mais de 40 anos na localidade, desconsidera o nome apontado pela SSP e declara, “Não somos um complexo apontado pela Secretária de Segurança Pública, somos um povo, com identidade, cultura e muita luta para continuar a viver em meio a esse fogo cruzado, entre a cruz e a espada. Com esse nome complexo a identidade da região logo é associada a marginalidade e a violência”, contesta. A violência no bairro é comum ao território nacional. De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodoc), no Estudo Global sobre Homicídios (2011), apontou, como resultado de uma pesquisa que tem o Brasil como parâmetro, “que a criminalidade crônica é, ao mesmo tempo, causa e consequência da pobreza, da insegurança e do subdesenvolvimento, pois diminui as possibilidades de negócios, deteriora o capital humano e desestabiliza a sociedade”, recorrente nos bairros periféricos. De acordo com uma moradora que não quis se identificar, “viver aqui está cada dia mais difícil. O mal tem sido maior que o bem, crianças assustadas já não podem ter uma infância livre, já não podem mais brincar, a marginalidade cresce assustadoramente, jovens cada vez mais envolvidos no crime, policiais já não conseguem cumprir o seu papel de proporcionar a segurança, vivemos com medo 19
da bala perdida, do ônibus queimado, do assalto, da próxima notícia que vai sair em 'Bocão'”. “A começar pela polícia, ela acha que todos aqui são bandidos, trata a população muito mal.Até para conseguir trabalho, se você falar que é da Santa Cruz, você corria um sério risco de car desempregado”. Afirma Marli Souza, 41, Recepcionista. A marginalização do bairro é um dos problemas que reafirma o preconceito da população em geral. A moradora diz temer ficar desempregada devido a estampa marginalizada que o bairro leva e declara, “muitas vezes tinha que mentir para conseguir um emprego. E a violência está em toda cidade não é um privilégio do bairro da Santa Cruz”. Para Priscila Sacramento, a polícia, há 30 anos, não agia dessa forma com os moradores lembra “Os policiais eram parceiros e batiam papo com as pessoas de bem que ali habitavam. Lembro de quando criança, um policial por nome Cristóvão, temido na região, mas era muito comum vê-lo sentado conversando e rindo com populares daquela época”. De acordo com Celi Nascimento, 40, médica, “o povo que lutou por saneamento básico, por moradias melhores, hoje continua lutando, mas a luta é diferente.A luta é por segurança, a luta é pelo m do preconceito e a não marginalização do bairro”. Na última divisão de bairros da cidade de Salvador, a Santa Cruz é encontrada facilmente. O projeto traz um pequeno resumo sobre as localidades da capital e delimita a extensão territorial de cada bairro. O trabalho resultou na identificação de 160 bairros, e o bairro da Santa Cruz está entre os 160. O estudo também delimita as fronteiras dos bairros da Santa Cruz, Vale da Pedrinhas, Chapada do Rio Vermelho e Nordeste de Amaralina.
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Santa Cruz
Chapada do Rio Vermelho
Vale das Pedrinhas
Nordeste de Amaralina
Fonte: O Caminho das Águas em Salvador: Bacias Hidrográficas, Bairros e Fontes / Elisabete Santos, José Antonio Gomes de Pinho, Luiz Roberto Santos Moraes, Tânia Fischer, organizadores. – Salvador: CIAGS/UFBA; SEMA, 2010. 21
O Nome do Bairro Segredos sobre a origem do nome do bairro da Santa Cruz não existem. O nome que traz o peso de uma cruz e a beleza do sagrado tem suas verdades em um cruzeiro que estava fincado no atual final de linha do bairro. Não se sabe se a fazenda levou o nome pelo Cruzeiro ou se o Cruzeiro foi colocado por causa do nome da fazenda. Para Evaldo Batista, 70, pedreiro, representante da localidade, o cruzeiro foi que trouxe o nome à fazenda e consequentemente ao bairro. Ainda na década de 80, conseguiu através de entidades públicas colocar o símbolo do bairro no largo doTeodoro Sampaio, mas não durou muito tempo, pois vândalos arrancaram o cruzeiro na calada da noite.
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Escola Arthur de Salles, primeira escola da Santa Cruz. A foto para fazer a ilustração foi retirada do jornal A Tarde de 1967.
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Todo dia é dia de escola Uma voz grave invade um espaço com dez metros quadrados, um lápis ao chão, um chinelo com um misse de cabelo em baixo da mesa da professora, uma vassoura atrás da porta, um papel amassado que vai na direção de uma garota. A gritaria estanca no ar e o silêncio impera após um “bom dia” do senhor Júlio. Com uma bengala, para e olha toda a sala de aula. Algumas carteiras, um quadro negro, dois gizes inacabados, uma porta sem maçaneta, um ventilador quebrado e uma pequena janela, que arejava a sala de aula. O silêncio também contagiou Júlio. Naquele momento foi envolvido pela memória que precisaria para contar uma longa história de um bairro que cresceu em meio a uma luta dos seus moradores. A distância não parecia tão longe, pois o homem estava cheio de lembranças que parecia vivenciar no agora. Com ajuda da bengala e um esforço para se acomodar adentrou a sala, a professora levantou-se dando o lugar para sentar-se. Os meninos atônitos permaneceram nos mesmos lugares que estavam, alguns sentaram no chão, outros na mesa estavam e continuaram.A atenção voltou-se para a maior história para eles já contada. Com a voz rouca e forçada começou seu discurso: “Me chamo Júlio da Cruz, sou pescador, vim para o bairro da Santa Cruz ainda pequeno, meu pai veio do Recôncavo Baiano, minha mãe do Chame-Chame, casaram-se e vieram morar em meio ao mato”. Pequenos jovens atentos a um senhor negro, com afeições cansada, e com aproximadamente um metro e setenta de altura. Foi a única forma que a escola encontrou de se contar um pouco da história daquele bairro, nascido há mais ou menos 60 anos, no sul da cidade de Salvador. Começou a caminhar pelas ruas do bairro da Santa Cruz, através das palavras, e contava como vivia há um tempo atrás na comunidade. “Bananeiras, pé de dendê, amendoeiras e muito verde era visto aqui no bairro. Uma longa estrada de 25
barro, feita pelos pés de quem passava, abria o caminho para quem precisava passar pela Fazenda Santa Cruz”. A história oral é a única forma dos professores contarem a história da região para os alunos da comunidade. De acordo Maria de Lourdes Carvalho, diretora da Escola Theodoro Sampaio, a maior da comunidade, “a história do bairro é contada de forma oral. Sempre quando surge a necessidade de se falar do bairro, convidamos um morador antigo para conversar com os nossos alunos”. Caminhar pela história do bairro só através da boca dos moradores mais velhos.
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A Fila da Saúde Buscar atendimento na Unidade de Saúde do bairro, é sinal de que precisa levantar pela madrugada e encarar uma fila para atendimento médico. Ana Cristina Amadeu, 40, doméstica, lembra que acordou às três da manhã, tomou um gole de café que sobrou da noite passada, pegou um casaco e saiu às pressas, na esperança de pegar uma ficha para atendimento médico. Para chegar ao Posto de Saúde, ela sai de um Beco sem nome, caminha aproximadamente 100 metros pela Rua São Jerônimo, entra em outro Beco, o da Disneylândia e sobe uma escadaria com mais ou menos 50 degraus. O relógio já despontava três hora e dez minutos, quando no Beco da Disneylândia, Ana ouve um disparo de arma de fogo, e às pressas volta para dentro de casa, “a corrida foi tanta que lembro ter tomada uma “topada”, que sair 'catando ficha', mas foi bom, porque cheguei mais rápido”, relata. Passado o sufoco, 20 minutos depois, a moradora volta ao caminho e pensando ter melhorado o clima, ouve mais tiro, volta para casa e decide não voltar mais ao posto de saúde. A Unidade quando foi inaugurada em 1977, prestava serviço à comunidade no período de 24h. “Foi uma novidade muito boa, e funcionava 24h” afirmou Evaldo Batista, que segundo ele foi um episódio ruim que fez com que o posto de saúde deixasse de funcionar por esse período. Um certo dia, umas três horas da manhã chegou um rapaz batendo na porta de Evaldo, pedindo para resolver um problema, não sabendo ele o que era. Saiu às pressas e o conduziram até o posto de saúde, “quando cheguei tinha um rapaz baleado e mais quatro rapazes, um deles com um revólver na cabeça do médico que estava de plantão. Disseram que os bandidos estavam obrigando o médico a dá socorro sem a presença da polícia. Mas o médico insistia em chamar a polícia militar”. Calmamente pediu que o bandido liberasse o médico, ele estava em prantos, “chamei o médico, pedir calmamente para fazer o curativo. Chamei o rapaz baleado para fazer o curativo. No dia seguinte, o médico colocou a boca no mundo, no jornal. Ele esculhambou. Por esse motivo a comunidade perdeu o benefício de 24h de atendimento”, 27
declarou Evaldo. A única Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro de Santa Cruz, fica localizada na Rua Dr. Armando 3 Colavolpe. Foi inaugurada em 1977, pelo prefeito FernandoWilson Magalhães . Atualmente os principais serviços oferecidos são consultas médicas, inalações, injeções, curativos, vacinas, coleta de exames laboratoriais, tratamento odontológico, encaminhamentos para especialidades e fornecimento de medicação básica. Atualmente a unidade funciona das 7h às 17h. “Procuramos de uma melhor forma, atender mais uma demanda do bairro de Santa Cruz, como também pessoas que vem de outro bairro da capital, mas a população é grande”, declara Jaime Dias, gerente da Unidade.
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Assumiu a prefeitura da cidade de Salvador, em abril de 1976, em substituição a Jorge Hage Sobrinho, administrou a capital da Bahia até 15 de agosto de 1978.
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Lazer A praça principal é formada por alguns bancos e três árvores de amendoeiras. Cercada por bares, casas, pizzarias e lojas, a praça foi palco de grande movimentação cultural no bairro, onde para alguns, nasceu o samba junino. Nos bancos feitos de concreto muitos moradores sentam para jogar uma partida de dominó, baralho ou tomar uma cerveja. “Moro aqui há 40 anos e todas os fins de semana jogo dominó com amigos e parentes na praça”, afirma Geraldo Santos, 50, contador. A praça, que tinha o nome de Presidente Kenedy, está passando por reformas e receberá uma placa como nome Praça Samba Elite. O Largo do Teodoro Sampaio não é muito diferente, com apenas uma árvore, é fácil ver uma criança descer no escorregador ou a passar o tempo no balanço. O espaço abriga mais veículos do que pessoas, são carros, motos e caminhões que transitam de forma tenaz. Localizada na Rua Dr. Armando Colavolpe, o largo tem uma das escolas principais do bairro e a União Santa Cruz - Associação de Moradores do bairro. Na Rua Sete de Agosto, temos uma outra praça, das duas citadas essa é a maior, porém tímida como as outras, apenas três pequenas árvores, um pequeno cruzeiro, dois bancos de concretos e uma casa, que serve como lava jato, que divide espaço com a praça. Nesta praça é muito comum ver homens com pássaros na gaiola, moradores a conversar e a transitar pela região. Sem muitas opções de lazer, facilmente vemos crianças espalhadas pelos becos, largos e praças, a correr uma da outra. Contudo o bairro da Santa Cruz é favorecido pela fronteira direta que faz com o Parque Joventino Silva, popularmente conhecido como Parque da Cidade. De acordo com Pedro de Almeida, o Parque da Cidade foi inaugurado em 1975, com 23 hectares, preservando uma importante vegetação entre a área do Itaigara e Nordeste de Amaralina. O espaço é frequentemente visitado por moradores, os quais costumam dizer: “é o quintal da minha casa”, afirmam muitos 29
moradores. “E esse parque também, o acesso, mostra mais uma vez a vitória desse povo guerreiro que conseguiu ter acesso ao Parque através de um portão, onde fica aberto e eles têm o direito de ir e vir”, afirma Celi Nascimento. Além da grande extensão territorial que o parque proporciona, compensando o enorme déficit de lazer do bairro, ele serve de caminho e dá acesso ao bairro do Itaigara, chegando facilmente à Avenida Antônio Carlos Magalhães, uma das principais da cidade de Salvador. Muitos moradores também consideram o parque como porta de entrada do bairro, porém, foram muitas as tentativas de fecharem o acesso ao Parque, na intenção de separar a fronteira com muros, grades ou até mesmo proibindo o acesso de moradores. “Durante alguns mandatos de prefeitos tentaram impedir esse acesso, tirando a ponte que ligava Santa Cruz ao Parque da Cidade. Chegando ao ponto de haver acidentes, porque os moradores tinham que descer a ladeira da Onze de Novembro para ter acesso ao Parque da Cidade”, afirma Celi Nascimento. Ainda conta, que quando retiravam as pontes, os moradores refaziam com madeiras.
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O Bariri
Durante a semana, e principalmente aos finais de semana, pode-se ouvir o apito de um juiz de futebol ecoar pelo bairro. Desde o início do povoamento da região, o futebol tem uma séria relação com a comunidade, pode-se dizer que foi um dos primeiros feitos na região. O campo do Bariri (significado da palavra - Água agitada, água corredeira), o atual e mais badalado espaço para prática do futebol no bairro, parece abrir o caminho da comunidade. Subindo a ladeira da rua principal, Onze de Novembro, logo à esquerda nos deparamos com a Rua do Futuro e podemos vislumbrar com um campo de futebol e um tímido vestuário, onde acontecem os maiores torneios de futebol da região, além dos clubes que existiam no bairro, vinham clubes de outras localidades participarem dos apoteóticos campeonatos de futebol que movimentavam 31
o bairro. “Para além da premiação como troféus e medalhas, nos campeonatos de futebol, estava o prazer de ver a comunidade reunida”, afirma Almiro Lima, 67, presidente das Ligas de Futebol do bairro. Com 49 anos que mora na região, Lima afirma as atividades esportivas da comunidade surgiram com um grupo de moradores que se reuniram para aproximar os vizinhos, “o esporte conseguiu nos unir”, declara. O morador Edmilson Teixeira afirmou que o primeiro campo foi feito de enxada pelos moradores, como também o atual Bariri foi feito à mão, depois os políticos chegaram e fizeram melhorias. Ainda de acordo com Teixeira “cortávamos bambu para fazer as traves do campo, não tinha medição de campo, inclusive era 'ladeirado'. Quando chovia o campo parecia uma piscina, era uma alagação total. Era assim que nós vivíamos na Santa Cruz uma mistura de fazenda com brejo”, declara.
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Ruas, Travessas, Avenidas e Becos “As ruas é que punham outrora a si próprias os seus nomes” Afrânio Peixoto Amendoeira, Cajueiro, Dendezeiros, Floresta, Horta, Palmeiras, Mamoeiro, Mangabeira e Sucupira. Os nomes das ruas foram batizadas pelos moradores, de acordo com o que se destacava no ambiente. Almiro Lima, 65, lembra que as Ruas do Dendezeiros, Mamoeiro e Mangabeira foram baseadas nas árvores que se tinha em quantidades em cada região. “Quando as ruas do Mamoeiro, do Dendezeiros e Mangabeira foram fundadas, eu que fiz essa relação. Na época a Bahia Azul (atual Embasa), perguntou-me como chamaria as Ruas aí determinei pelas árvores que aqui existiam em abundância”. Além de sofrer interferências ambientais, como nomes de árvores que estava no local, há também referencias religiosas e culturais nos nomes das ruas. Onze de Novembro, São Jerônimo, Hélio Lacerda, Presidente Kenedy, Antônio Celestino, São João Batista, Oriente, Saveiro, Sete de Agosto, Antônio Carlos Magalhães, Dois de Julho, Antonio Vidal da Cunha, José Rodrigues de Oliveira, João do Vinho e 26 de Abril. É nome de Santo, de pecador, de presidente, de barco e até datas são lembradas nas Ruas e Avenidas do bairro. O que demonstra uma relação cultural com os moradores e a comunidade. Entre o Parque da Cidade e o Boqueirão nasceu a Nova República, a Avenida mais nova da Santa Cruz. A Disneylândia também tem três travessas que dá acesso à Rua Dr. Armando Colavolpe, onde está localizado a Unidade de Saúde e a Escola Theodoro Sampaio. As três travessas Disneylândia também dão acesso à Rua São Jerônimo, que foi alterado o nome para Marino da Hora. O bairro abriga o Oriente, e o Jordão. Travessas com nome Pastora e de Missionário, representando os evangélicos, Santo André e Ruas com nome do Senhor do Bonfim, o santo padroeiro da Bahia, e Santa Maria a Mãe do São Salvador representam o catolicismo, mas nada que represente a religião de Matriz Africana, o candomblé. 33
A Onze Em sua extensão, de quase um quilometro, estendem-se casas, padarias, bares, salões de beleza, consultórios médicos, academias, lojas, feirantes, igrejas, terreiros de candomblé e escolas. Como um delta, a Rua Onze de Novembro se abre para os becos, vielas, travessas e outras ruas. Se estendendo até o a Rua Francisco Sales, que já deixa de fazer parte de Santa Cruz. Vindo pela Avenida Juracy Magalhães, uma das principais avenidas de Salvador, antes de chegar ao Parque da Cidade, à direta, há uma ladeira, que dá início à Rua Onze de Novembro, a principal entrada do bairro. Após subir a ladeira desce uma outra, logo em seguida temos uma outra ladeira a subir, para depois de alguns metros chegar no final de linha do bairro. A depender da velocidade em que o motorista esteja no veículo, a emoção toma conta dos passageiros. A chegada, por esse caminho na Santa Cruz, parece uma montanha russa. A Onze, como costumam chamar os moradores, é a rua mais movimentada do bairro. O comércio é o mais intenso e o transporte coletivo faz suas idas e vindas prestando serviço à comunidade. Não se sabe ao certo o porquê batizaram a Rua de Onze de Novembro. De acordo com Evaldo Batista, 70, uma festa de celebração de religião de matriz africana que aconteceu no bairro no dia 11 de Novembro, e resolveram nomear a Rua na data da festa. Ao levantar às cinco horas da manhã, em um dos principais pontos de ônibus da Onze, pontos sem teto, sem banco e muitos sem sinalização, é muito comum ver um grupo de trabalhadores à espera de um ônibus para os levarem a mais um dia de trabalho. Uma hora depois, padarias abrem suas portas e mostram a força do comércio no bairro. Moradores de todas os becos, travessas, ladeiras e ruas vão ao encontro do pão nosso de cada dia e tomar aquele velho e bom café de padaria. Por enquanto, ainda tranquilo. Mas às sete horas parece que começa todo o movimento do local, estudantes, em 34
sua maioria, trabalhadores e moradores a fazer compras pela extensão da rua. São caminhões para descarregar compras nos supermercados, que estacionam bem próximo ao comércio endereçado para facilitar o processo de descarregamento. Ônibus chegando e outros querendo sair, divide calçadas com pedestres e feirantes, carros de moradores e de pessoas que usam o bairro para acessar outra localidade conseguem transformar a Onze de Novembro em um movimento ímpar, congelando o espaço e o tempo por horas.
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A Sonje Não muito longe a Onze, temos a Sonje. Com apenas 300 metros de extensão a Rua São Jerônimo é considerada uma das Ruas mais velhas do bairro da Santa Cruz. A rua carrega mistérios e inúmeras histórias, que nem todos têm a coragem de contar. Falar o nome da rua, para alguns causam até arrepios e há quem faça até o sinal da cruz. Umas das mais temidas pelo perigo que dizem por ali passar. O nome São Jerônimo foi substituído pelo nome Marino da Hora, porém os moradores insistem em chamá-la de São Jerônimo ou Sonje. Sua extensão é uma ladeira, que subindo tem acesso à Rua Onze de Novembro e por baixo tem acesso ao Parque da Cidade.A rua dispõe de pequenos intervalos de becos e travessas que dão acesso a outras vielas. Todas as manhãs, ás sete horas, três senhoras sentam na frente de suas casas, e conversam sobre a vida que levam e que os outros estão levando. Uma ladeira não tão íngreme, os bancos que as acomodam ficam inclinados e quem passa diz: esse banco vai virar. Na Verdade, o banco nunca virou. Essa rotina de se reunir as manhãs se repete por mais de 30 anos. As senhoras que aparentam uns 50 a 60 anos levam cabelos brancos na cabeça e uma expressão no rosto que desprende coragem. Uma das senhoras apoia as duas mãos em uma bengala e olha de um lado para outro buscando mais assuntos para tratar na roda de conversa. A outra, esguia e com os cabelos mais brancos que as outras, parece mediar a conversaria, fala pouco, mas fala quando lhe dão oportunidade. A terceira aparenta ter menos idade, parece discreta, mas quando abre a boca a discrição desaparece no ecoar da voz. À elas, tomar o sol que ilumina aquele dia é crucial. Na roda, a vida dos que estão, dos que já foram e dos que tem pretensões de ir. A manhã parece não passar, a conversa uma hora solta, outra hora presa e em sua maioria, baixinha. A gargalhada sempre é apresentada de um assunto para o outro. 37
Os assuntos são os mais variados e a violência sempre é esticada no meio da conversa. Entre uma conversa e outra há uma interrupção dos “bons dias” que são dados pelos que passam pela rua. Na mesma rua, por volta das quinze horas, seis garotos, que aparentam idade de seis a doze anos, estão a jogar futebol. Eles desenharam no chão, com um pedaço de bloco, que pegaram no lixo, uma quadra de futebol. Quatro pés de sandálias fazem o limite das traves, em um pequeno espaço. Descalços, sem camisa, e em maioria pretos e pardos, formam um time de futebol. Às dezoito horas, quem passa pelas ruas, comumente ouve o cântico da Ave Maria, cantada em algumas rádios, das casas que deixam portas ou janelas abertas, anunciando que a noite chegou. O silêncio também pode ser ouvido pelas ruas do bairro, há dias e noites que parece não haver ninguém a caminhar pelas ruas, a cantar pelos bares e a fofocar na esquina. Conhecidos por momentos de paz e tranquilidade, episódios assim não são tão raros, quanto pintam a mídia e a boca dos que nada sabem. Além das senhoras a conversar e crianças a brincar pela rua comumente encontramos rapazes ociosos, parado entre os becos e travessas, “homens livres” transitando empunhados com uma arma de fogo. Os moleques a correr pelas ladeiras, travessas e vielas afirmam que não existe perigo. Entre a correria da picula ou do pique-esconde das crianças, becos e travessas facilitam a brincadeira, alguns espaços parecem labirintos, em sua maioria nem sempre há uma saída. De outros becos, em meio a brincadeira, aparecem outros moços transitando com armas na mão, mas tudo é muito comum, ver uma arma não é perigoso, já estão acostumados, e a brincadeira continua. A cena parece não incomodar as crianças traduzindo que se pode conviver e viver em meio a cruz e a espada. É noite na São Jerônimo, a Ave Maria já tinha anunciado o fim do dia. Mas essa noite ficará mais escura que as outras. Na memória dos que viram e no medo dos que ouviram. Ouve-se um tiro na chegada na noite. Nada foi noticiado. O fato foi de boca a boca chegando aos ouvidos dos que não queriam ouvir o acontecido. Maria de Nazaré, 40 anos, saiu de casa após ter arrumado a mesa para o jantar, ao sair para chamar o seu único filho, não demorou muito para ser surpreendida com uma bala na barriga.
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O Samba Elite O bairro sempre foi musical e festivo, do Terno dos Reis aos festejos de São João, o bairro crescia em muitas festividades, seja ela católica ou da religião de matriz africana, além das gincanas, campeonatos de dominós, entre outros. De acordo com Antônio José dos Santos, 56, produtor cultural, “o samba ganhou destaque no bairro no fim da década de 80, quando na atual Praça do Samba Elite se reuniam grandes sambistas e compositores para celebrar o samba junino”. Ainda de acordo com Antônio, o bairro de Santa Cruz é um verdadeiro celeiro de compositores que fizeram sucesso na música baiana. Nomes com Tote Gira, Joel Nascimento, Ezequiel Sales, Silvio Almeida, Jam Moliva, Paulo Jorge, entre outros”. Geraldo Batista, 54, contador, um dos co-fundadores do Samba Elite, relata que o movimento nasceu de um grupo de amigos que saiam pelas casas de outros amigos, com instrumentos musicais como surdo, timbau, prato e um bangor, no período do São João, fazendo um samba. A ideia cresceu de forma não espera, de acordo com Geraldo “o evento no segundo ano (1989) já estávamos fazendo o festival do Samba Elite pelo engajamento dos populares”. Muitas canções que ecoaram pelo Brasil saíram do bairro de Santa Cruz. De acordo com Toinzinho "O canto da Cidade”, eternizada na voz de Daniela Mercury, foi escrita por Tote Gira, um dos compositores da região. Outras como “Amar, eu amarei”, de Sandoval com Lula Novaes e “Tô na rua”, de Xexéu II e Gal Sales são canções que saíram da região. 39
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Forró da Sucupira São vinte e duas horas da primeira noite de festa, de uma semana depois dos festejos de São Pedro, uma queima de fogos anuncia à região que começa o forró da Sucupira. O evento que tem mais de duas décadas, acontece sempre depois do dia do padroeiro da festa, São Pedro, na Rua da Sucupira, que fica atrás do principal colégio do bairro. Virou tradição! Um forró que rola baião, xote, sertanejo, rock, arrocha, funk, hip hop, pop, e tem até tenda eletrônica. Marlene, 26,Agente de Portaria, tem sete anos consecutivos que vai aos festejos e diz, “Pra mim o melhor forró da Sucupira era bom quando tinha o "calor, calor", mas infelizmente acabou”. O “Calor, calor” era um bar que faziam em um dos becos da rua e armavam uma tenda eletrônica. Marlene com o sorriso no rosto declara, “era um jogo de luz massa. Pense num calor lá dentro, abafado, a gente saia com a blusa molhada, espremia a blusa e entrava de novo. Mas era ótimo. Não tinha quem não gostasse. Pra mim foi o melhor forró da Sucupira”. O evento movimenta a economia local e traz pessoas de vários locais da cidade, como outrora faziam os festivais na Praça do Samba Elite. Segundo o grupo que promove o evento, as festividades geram renda para a população local, inclusive os ambulantes. É Dona Maria que vende comidas típicas, é João que serve o churrasquinho, é Vera que oferece seus caldos. O forró da Sucupira é uma das manifestações culturais que resistem para manter a história e a cultura do bairro da Santa Cruz vivos. A manifestação cultural pode entrar para o calendário oficial de eventos de Salvador. Reivindicado pela comunidade já este sendo debatido em audiência pública. E substituiu o antigo Samba Elite. No último ano (2017) o evento contou com policiamento, foram mais de 180 policias, pela primeira vez, fazendo a segurança dos festejos, mas teve gente que estava na festa que não gostou muito, sem querer se identificar, um dos participantes da festa disse, “agora, ano passado, as polícias saíram jogando spray de pimenta em cima de todo mundo, deu tiro para cima. No ano passado não foi bom não, foi horrível por causa disso. Tinha mais polícia do que gente, do que os foliões, no caso, que foi para curtir”, declarou. 41
Pé Preto Ao longe, uma grande quantidade de madeira exposta ao sol. Ao se aproximar, construções simplórias, casas feitas com restos de madeiras encontrados pelo caminho. Dentro, poucos metros quadrados, geralmente sem janela, apenas uma porta para se ter por onde entrar, o teto baixo, não há divisão de cômodos, e para dormir, muitas vezes o destino é o chão. Fossas são utilizadas para fazer as necessidades. São barracos feitos com madeiras reutilizadas, que costumam chamar de “folhas”, e vão passando de um para outro, em mútua ajuda. Uma gambiarra que cerca toda a região leva energia puxada de uma escola que fica próxima ao local. De forma insegura e sem medo de que a qualquer incidente aconteça, mais de 150 famílias se acomodam nos barracos. Atrás do Colégio Anita Barbuda, localizada no Areal, Santa Cruz, os moradores usam água e luz cedida pela escola. No Pé Preto, nome dado pelos moradores, não existe saneamento básico, energia e nem água encanada. Sem reconhecimento, sem rua e sem nome, as famílias residem nessas condições. Um baixo assinado feito no ano de 2017, em petição aos poderes públicos, sobre a resolução dos problemas enfrentados pelos moradores, comprova que aproximadamente 150 famílias vivem em condições subumanas na região. Paloma Sacramento, assistente social da Organização Não Governamental (ONG) Cipó afirma que, “as condições que vivem as famílias da comunidade Pé Preto são subumanas, além de ter adolescentes que ainda não possuem documentação alguma, as pessoas não têm direito a ter dignidade humana”. Zumbi dos Palmares, 21, negro, está no segundo ano do ensino médio, tem dois filhos, diz “eu faço um esforço sem igual procurando fugir da situação que a vida me proporcionou”. De segunda à sexta, participa de uma atividade de uma ONG, no local onde é conhecido como Sede da Associação da Nova República. “A falta de oportunidade é o que me dói. As vezes quero sair daqui, mas não posso, fico encurralado aqui na favela e perdemos nosso caráter pois a polícia nos 43
marginaliza em geral”, afirmou Zumbi. Morador de um dos barracos do Pé Preto diz ter abandonado a região porque estava muita violenta, pois há poucos dias a polícia tinha invadido o barraco de um dos amigos, a punhos, colocado para fora, e matado na porta de casa. Tereza de Benguela, 20, negra, parou de estudar na quarta série, esposa de Palmares, morava com ele no Pé Preto, porém diz ter saído de lá, por causa da violência policial ter assolado a comunidade. “Eu tenho filho pequeno, nunca tive tanto medo, depois que o barraco de um dos meus vizinhos foi invadido precisei sair de lá, não quero ficar mais”, declara Tereza angustiada. Tereza pretende voltar à escola assim que o bebê dela parar de mamar. Hoje, está morando de aluguel em uma casa no Boqueirão, rua próxima ao Pé Preto. Nelson Mandela, 19, negro, parou de estudar na oitava série, saiu de casa por que seus pais não aceitaram a sua sexualidade e achou um pedaço de terra no Pé Preto. Ele nos convidou a conhecer a sua casa. Ao entrar, na região encontramos algumas pessoas com martelos e pregos nas mãos levantando mais barracos, uma das entradas é por um matagal que separa a Rua Cicero Simões da Rua Emídio Pio. Seguimos para casa de Mandela. Caminhamos pela areia até chegar ao barraco. Um vaso sanitário, um espelho e uma pia de lavar pratos, logo na entrada. Na sala, um pequeno fogão, uma TV de 40 polegadas, um sofá, ao lado uma cama com três colchões de solteiro empilhados e uns dez bichos de pelúcia. Um tronco de madeira sustentava o teto da casa. Bolsas, perucas e plumas de pescoço cobriam um cabide de madeira em pé na entrada da sala. Mesmo com violência na região, afirma que não poder sair do local, pois não tem para onde ir. João da Cruz, 22, negro, cursava a oitava série, morador da Comunidade Pé Preto. Morava com sua namorada, era amigo de Zumbi,Tereza e Nelson, e moravam perto um do outro. Em uma tarde de conversa na comunidade do Pé Preto, o assunto era mudança de vida. Na roda Tereza, Zumbi, João e Nelson. Quando de repente aparece um grupo de policiais fortemente armados. “Cala a boca, sua puta. Sua vagabunda, seu ladrão, mulher de ladrão, seu filho da puta”, foram expressões utilizadas, por um policial, direcionadas ao grupo. De acordo Tereza a polícia chegou numa tarde de domingo repentinamente e abordou a todos. De cabeça baixaTereza estava e assim permaneceu, mas pode ver os policiais colocarem seu marido e os outros amigos na parede e seguiram com o diálogo: Policial:Aí dentro tem droga? Tereza gritou:Aqui não entra droga não, meu senhor. Policial: Ninguém te perguntou nada não, sua puta. Zumbi responde:Aqui não tem droga não, e aqui não entra droga. 44
Policial:Você tem que assumir o seu, seu filho da puta. E deu duas tapas nas costas de Zumbi. E repetiu: cada um tem que assumir o seu. Tereza:Assumir o que? Que aqui ninguém tem droga. Que aqui ninguém tá usando droga pra gente assumir. Policial: Cala a boca, sua vagabunda! Esse diálogo foi o que se seguiu antes da execução de um dos jovens que morava na comunidade do Pé Preto. “Eu fiquei com medo deles colocarem alguma coisa dentro do barraco para nos incriminar”. Afirmou Nelson. De acordo dom Tereza “ninguém podia se comunicar com a polícia, pois eles xingavam, dizendo: - “seu filho da puta, responda por você”. Tereza e Zumbi abandonaram a comunidade do Pé Preto pela violência policial. Declarou “não temos culpas de morar na favela. Ficamos constrangidos com essa realidade. A polícia já chega arrombando a casa dos outros, xinga todo mundo e dá tapa na cara”. Na tarde de domingo, João da Cruz foi executado na porta do barraco. Segundo informações de moradores, a polícia invadiu o barraco dele, que estava com a namorada, mandou ela ir embora e executou João. A violência policial foi o motivo que fez Tereza e Zumbi abandonarem a região Pé Preto. De acordo com Paloma Sacramente, “ao ver a ação da polícia nas comunidades periféricas, não há outro pensamento se não que incline a dizer que é uma ação de extermínio do preto e do pobre”. Uma cruz que a comunidade vai carregar, talvez para sempre, diante da espada traduzida na guerra entre a polícia e o bandido. A população segue vulnerável ao controle do tráfico e a ação desordenada da polícia. Há moradores que apoiem a ação da polícia e há quem condene. "Tem marginal sim, não posso tapar o sol com a peneira, mas confundir qualquer morador por bandido ou marginal é ruim demais", declara uma moradora que não quis se identificar. Uma região dominada pelo tráfico. De acordo com um morador que não quis se identificar “para se fazer qualquer festa é necessário pedir autorização. Caso morra um traficante, você precisa baixar o som do rádio. Contudo conseguimos viver diante desse fogo cruzado, polícia de um lado e traficantes do outro. Retido pelo tráfico e oprimido pela polícia, eles não conseguem diferenciar quem é bandido e quem cidadão”.A comunidade segue vivendo Entre a Cruz e a Espada.
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Agora entramos na segunda parte do livro. Nele você encontrará quatro entrevistas com personalidades do bairro da Santa Cruz. Baseado no tema que seria tratado no livro a seleção foi feita através dos moradores com indicações durante o período de entrevistas. Nessa parte você também vai se debruçar em uma série de depoimentos de alguns moradores.
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“Descalço também aprende a ler” Evaldo Batista
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“Descalço também aprende a ler” Evaldo Batista
Evaldo Batista de Almeida, 70, pedreiro, por 20 anos esteve à frente da presidência da Associação de Moradores do bairro de Santa Cruz e acompanhou de perto todo o crescimento do bairro, intervenções e lutas. Criou a Sociedade Recreativa União Santa Cruz, entidade filantrópica, fundada em 16 de agosto de 1984, que funcionou como escola por 20 anos. Sua cidade natal, Ceará-Mirim, no Rio Grande do Norte, mas veio do Recife direto para Salvador. Chegou no bairro da Santa Cruz em 1971, onde passou a lutar por igualdade social na comunidade. Na década de 80 sentiu a necessidade de criar uma escola na comunidade, pois as escolas solicitavam materiais que muitos moradores não podiam pagar. A associação, criada por ele, alfabetizou mais de 200 crianças que puderam estudar sem as exigências desses materiais escolares. Farda, escudo, sapato conga, um litro de álcool, 100 folhas de papel ofício, dez carbonos, quatro papéis higiênicos, caneca para tomar água, entre lápis e borracha, caderno de português e de matemática, essa era a relação de materiais que davam acesso a um morador se tornar estudante no bairro de Santa Cruz. Com o Colégio Theodoro Sampaio inaugurado em 1975, um dos principias equipamentos de educação do bairro, não atendia a população carente da região. No dia onze de agosto de 2016, recebeu pela câmara dos vereadores da cidade de Salvador o título de cidadão soteropolitano na atuação como líder comunitário pela conquista de serviços básicos para o bairro com a contribuição efetiva para o desenvolvimento de Santa Cruz. De onde o senhor veio, quando chegou na Santa Cruz e como era o bairro? Batista – Eu vim de Recife, mas sou do Rio Grande do Norte, da cidade de Ceará-Mirim. Eu cheguei aqui era em 71, aqui não tinha nada. Um dos principais largos, onde hoje é o Colégio Theodoro Sampaio, era um campo de futebol, 50
nesse espaço até circo armava. Não tinha uma padaria, aqui não tinha mercadinho, aqui não tinha posto médico, nem água encanada, energia elétrica e nem asfalto. Já tinha um número grande de gente morando aqui. Mas ainda não tinha calçamento, apenas uma escola precária, o Arthur de Salles. Os caminhos eram todos de barro. Fazíamos compras em lugares muito distante, em São Joaquim e na Sete Portas, essa última era mais frequente por ser mais perto. Por não ter transporte público, tínhamos que vim caminhando e quando chovia a situação era muito pior. Aqui não tinha água, o pessoal ia pegar água nas fontes que aqui existiam e lá na fonte do Parque da Cidade. Chegava de madrugada, tinha mulher e homem com balde nas costas, trazendo água e os seguranças querendo dar porrada na gente. Muitas casas de taipas, mato pra tudo quanto é lado. Por que o nome Santa Cruz? Batista – Era uma grande fazenda chamada Santa Cruz, já quase chegando no Nordeste tinha um cruzeiro implantado ali. Esse cruzeiro que era o símbolo da fazenda, isso há muito tempo. O prefeito Mário Kertész que abriu estradas, foi quando arrancaram o cruzeiro, para passar a pista do meio, da Rua Onze de Novembro. Porém, em 1978, eu conseguir colocar o cruzeiro de volta, pois representava a comunidade. Dessa vez foi em frente ao Colégio Theodoro Sampaio, na atual Rua Dr. Armando Colavolpe. Foi uma festa! Até os Filhos de Gandhi e o Ilê Aiyê vieram para a inauguração do novo cruzeiro.Tivemos nesse período a primeira gincana, uma grande festa. O nome certo do bairro é Alto da Santa Cruz, não sei porque chamam só de Santa Cruz. Hoje não existe mais o cruzeiro no largo doTheodoro, o que houve? Batista – Ah, uma história triste! Um vagabundo veio e quebrou o cruzeiro no calar da noite. Era uma madeira boa e maciça com espessura larga, e fizeram de barraca para vender cachaça. Agora você vê, tirar um cruzeiro, que representava o símbolo da comunidade. Eu também não discuti porque eu não sou maluco. Deixei pra lá e segui em frente.
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Chegando no bairro o senhor comprou o terreno onde mora com quem? Batista – Raimunda Vieira da Silva que me vendeu os terrenos e eu tenho até esse documento em casa. Dona Raimunda, que todos a conhecia como Rosinha, ela era muito amiga. Foi na mão dela que comprei. E quando foi que o calçamento, transporte, posto de saúde e novas escolas chegaram aqui? Batista – Quando a Escola Teodoro Sampaio chegou (1975) o asfalto também chegou. Até a metade da Onze de Novembro, mas chegou. Para inaugurar a escola tinha que colocar o asfalto para as autoridades subir, o governador, prefeito, na época, Jorge Hage Sobrinho, e toda comitiva. Isso em 1975, foi quando chegou também o primeiro ônibus coletivo, a pedido de nós moradores, aproveitamos a presença das autoridades e pedimos – os ônibus. Não parávamos de pedir as coisas não. Com o tempo nasceu a necessidade de se criar uma associação, pois todas as vezes que íamos solicitar qualquer serviço pediam um documento escrito. Após o registro da associação consegui esse espaço que chamamos de União Santa Cruz, inclusive esse terreno era um terreiro de candomblé. Por que criar uma escola se já tinha acabado de inaugurar a EscolaTheodoro Sampaio? Batista – Não eram suficientes para a população e ainda tinha que comprar muitas coisas, que na maioria das vezes, os pais não tinham dinheiro. Conseguimos resolver o problema da falta de escola, mas tinha menino que não podia estudar, um outro problema nascia. Existia uma separação, as crianças que moravam na invasão e que não tinham dinheiro, não podiam estudar noTeodoro Sampaio. Certa vez, em uma sexta-feira, chegou duas mulheres aqui na associação, cada uma com seus filhos e choravam muito, e diziam: senhor Evaldo, pelo amor de Deus, “faça jeito” de meu filho estudar noTeodoro. Eu respondi: a não ser que eu vá conversar com Lúcia, a diretora da escola, na época. E fui conversar com ela. Peguei as mulheres e seus filhos entrei na escola e pedi para falar com a diretora, sentei come ela e seguir o diálogo: Batista: Como a senhora pode fazer para colocar os meninos para estudar? Diretora: Só com os materiais. Eu não posso, eu recebo ordens. Batista: Eu sei o que é receber ordens, mas também sei como é ajudar a comunidade. Como um prefeito faz uma escola tão bonita dessa e não tem condições de colocar os alunos. Eu vou fazer uma escola. Diretora: Fazer escola é coisa fácil?
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Batista: Não pode ser fácil no começo, mas no futuro vai ser fácil. Ai consegui através do espaço União Santa Cruz desenvolver uma escola para os mais pobres. Com mais de 20 anos, essa escola é o meu orgulho. E como foi todo esse processo de criação da escola? Batista – Ahhh! Foi muito difícil! Esse espaço era um terreiro de candomblé, conseguir comprar na mão de uma mãe de santo. Recebi toda documentação do terreno. Ai comecei, a princípio, com quatro salas. Quando já estava com as quatro salas prontas, cadê dinheiro para outras necessidades? Acabou o dinheiro. Tirava uma parte do meu dinheiro. Teve muita gente que me ajudou, procurei muito as autoridades, inclusive a Ieda Barradas Carneiro, esposa do governador, na época (1983), João Durval. Fui encontrar com ela lá na Ribeira, tínhamos uma reunião e ela tinha ido para uma creche. Cheguei, pedi licença. Um assessor dela chegou, levou a gente e eu contei a história. Ieda: Eu vou ajudar o senhor, mas o senhor precisa comprovar quantos meninos tem no bairro da Santa Cruz sem escola. Batista:Tem na base de 40%, de sete a 12 anos, sem escola. Ieda: É muito. Se o senhor comprovar isso vou dar as carteiras e vou dar um jeito de fazer um convênio para o Estado administrar. Foi assim que começou todo o processo. Como o senhor conseguiu comprovar que tinha essa quantidade de meninos sem estudar? Batista – A princípio fiquei com muito medo de não ter os 40%, não dormi de noite. Quando chegou oito moças e dois rapazes da faculdade Católica, me procurando. Eu era conhecido como “Pernambuco”. Sai em porta em porta, fazendo a pesquisa e, pra minha sorte deu 70%, porque os 40% eu tinha chutado. Faltava escola demais. Já tinha o Arthur de Salles e o Dionísio Cerqueira, mas faltavam escolas demais. Não dava conta com o número de meninos que tinham sem estudar na região. 53
O que vocês conseguiram com o projeto? Batista – Com o projeto conseguimos muita coisa. Mandaram quatro salas de aula pra o Dionísio, escola que já existia na Rua do Futuro. Quatro salas lá pra o Carlos Santana, essa fica no Nordeste de Amaralina. Eu acompanhei tudo isso de perto. As escolas ganharam pelo MEC uma verba muito grande. Deram o restante do material para a União Santa Cruz e ajudaram a pagar algumas despesas. E depois da Escola pronta qual o resultado dessa luta? Batista – Quando a escola estava pronta, escrevi na frente: “descalço também aprende a ler”. Eu fiz a faixa para dá um recado ao Colégio Theodoro. Foi uma faixa pequenininha, não tinha condições de botar uma grandona. Os meninos vieram estudar. Eu fiz um cálculo de vim uns 20 a 50 meninos, quando chegou segunda-feira tinha 200 e tanto meninos na porta. A gente não tinha diretor, não tinha de organização escolar, já tinham as professoras para ensinar os meninos a escrever, foi o bastante, mas não suficiente para uma escola. Depois consegui uma secretaria, três merendeiras, arrumei dois rapazes para ficar na portaria ajudando. Falei logo: não tem dinheiro agora e não sei quando vocês vão receber. E como foi a chegada do Posto de Saúde no bairro? Batista – O prefeito FernandoWilson trouxe o posto de saúde para o bairro em 1977. Foi uma novidade muito boa, e funcionava 24h. Quando foi um certo dia, eu estava em casa, umas três horas da manhã chegou um rapaz batendo na minha porta pedindo para resolver um problema, eu não sabia o que era, mas era no Posto. Quando cheguei tinha um rapaz baleado e mais quatro rapazes, com um revólver na cabeça do médico que estava de plantão. Disseram que os bandidos estavam obrigando o médico a dar socorro sem a presença da polícia. Mas o médico insistia em chamar a polícia militar. Chamei o médico, pedi calmamente para fazer um curativo. O médico chorava. Chamei o rapaz baleado para fazer o curativo. E falei para levar no outro dia no pronto socorro. Quando foi no outro dia, o médico colocou a boca no mundo, no jornal. Ele esculhambou. Por esse motivo a comunidade perdeu o benefício de 24h de atendimento. E muita gente não sabia isso. O posto foi inaugurado logo depois do colégio, em 76/77. Como o senhor avalia o bairro quando chegou aqui e hoje? Batista – Antes só fazia compras no fim de semana, para comprar uma verdura tinha que ir na feira de São Joaquim, na Cidade Baixa. Atualmente você dobra a esquina tem feirante. Aqui não tinha um mercadinho, uma farmácia, depósitos, padarias, lojas de todo tipo, e ainda ouço pessoas a reclamar. Não tinha ônibus.Você sabe o que é acordar quatro horas da 54
manhã para pegar um ônibus lá na Amaralina? Na estrada de barro, tudo de barro, chovia, entrava naqueles becos do Nordeste, escorregadios pela chuva no barro. Hoje em dia o “cidadão” acorda atrasado, chega no ponto de ônibus, porque atrasa dez minutos e já está xingando.Ai quando chama pra uma reunião para melhoria do bairro não aparece. O pessoal cobra de boca. Quando convida pra uma reunião não aparece. Aqui não tinha água, o pessoal ia pegar água lá na fonte do Parque da Cidade e em algumas fontes que tinha pela região. Chegava de madrugada, tinha mulher, homem com balde nas costas, na cabeça, trazendo água e os seguranças querendo dar porrada na gente. No parque tinha muita água que vinha da Pituba. Quais o principias problemas do bairro atualmente? Batista – Hoje posso dizer que é a saúde. Se você perguntar a qualquer pessoa vai dizer que é a violência, mas a onde não tem violência? O mundo está assim, violento. Aqui mesmo não tem um posto de saúde 24h atendendo a população, te digo que há um tempo existiu aqui. Tínhamos o posto de saúde 24h. Não tem escola de segundo grau de qualidade, aliás tem uma agora, o Colégio Dionísio tem o ensino médio. Os jovens, naquele período iam estudar em Brotas, e na ladeira da Cruz da Redenção tinha muito assalto e estupro, tinha jovens que chegavam em casa só de cueca, porque roubavam sapatos, calças e tudo. Muitos abandonaram o segundo grau por esse motivo. Fiz muito esforço para fazer uma escola de segundo grau no bairro, mas não tive sucesso. São 44 anos que o senhor morou na Santa Cruz, o que mais te marcou? Batista – Queria contar, mas devido à violência, que infelizmente, tem também por aqui, não vou contar, mas eu vou contar.Tenho uma tristeza profunda com isso. É a morte de muitos jovens, é muito jovem assassinado. Todo mês ajudava a enterrar de três a quatro jovens, conseguia caixão e ônibus para levar a população ao cemitério. Muita gente, ás quatro horas da manhã, ia bater na minha porta, pedido ajuda para sepultar mais um corpo. Muitos jovens eram assassinados, teve um mês que eu ajudei a fazer o sepultamento de oito jovens.Todos meninos novos, 16, 17, 18, 20 anos. É o que me doí até hoje. Essa marca ruim daqui do bairro. O que o bairro representa para você? Batista – Meus filhos nasceram, maior parte ainda mora aqui no bairro. Apesar da mídia esculhambar, a Santa Cruz é um dos bairros mais queridos da região. Somos cercados, uma ilha, entre os bairros ricos. Para os poderes públicos somos
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o tendão de Aquiles. O governo diz gastar em bairros populares, mas não é verdade, somos jogados e marginalizados. Os ricos não precisam de escola pública, nós precisamos, eles têm plano de saúde, nós precisamos da saúde pública, eles não usam coletivos, nós usamos.Tudo isso faz parte do nosso bairro, da nossa vida.
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“Restam poucos terreiros de candomblé na região. Isso me entristece. Mas o terreiro Oyá Padê é um dos poucos que resistem, aqui no bairro, a perversa e crescente intolerância”. Edinha de Oxóssi
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“Restam poucos terreiros de candomblé na região. Isso me entristece. Mas o terreiro Oyá Padê é um dos poucos que resistem, aqui no bairro, a perversa e crescente intolerância”.
Edinha de Oxóssi
Maria Georgina Carvalho de Jesus, 69, Yalorixá, é responsável por um dos principais terreiros do bairro da Santa Cruz. O Ilê Axé Padê, que foi um legado de sua mãe Alice Maria da Cruz (Mãe Alice), recebeu o terreiro de presente do Mestre Bimba, em 1962. Conhecida como Edinha de Oxóssi, a sacerdotisa tem doze anos à frente do terreiro. O terreiro, que de acordo a Fundação Nacional de Culto Afro-Brasileiro, tem mais de 50 anos, hoje enfrenta uma crise com a onda de preconceito e intolerância religiosa. Três vasos e uma pequena bandeira branca em cima da casa lembra que ali é um terreiro de candomblé, mas a aparência é muito comum de uma casa. Um portão com um pequeno cadeado, um espaço de apenas um metro e meio separa a porta do portão. Na sala, um sofá de dois lugares, uma televisão e um tapete estendido no chão. Em um espaço que separa a sala da cozinha, um santuário, onde acontece os rituais sagrados do candomblé, em poucos metros quadrados, uma mesa e fotos de Mãe Edinha e Mãe Alice e uma grande imagem de Iansã pintada na parede. Nos olhos da Yalorixá, medo e insegurança de que um dia tudo aquilo acabe, e em entrevista afirmou” a memória vai morrendo aos poucos, sem ter quem escreva ou guarde a nossa cultura”, declara. De acordo com a sacerdotisa, “a fazenda Santa Cruz foi um celeiro de terreiro de candomblé, em 1960”. Com o crescimento urbano do bairro os terreiros foram sendo reduzidos”, afirma. Atualmente o bairro de Santa Cruz possui seis terreiros de candomblés. De acordo com o mapeamento de terreiros de Salvador existem quatro terreiros no bairro da Santa Cruz, mas o terreiro Ilê Axé Oyá Padê, de Edinha de Oxóssi, não está relacionado. Em pesquisas e entrevistas na comunidade foram contabilizados seis. No início do povoamento da região o candomblé era a religião principal, conforme entrevista com moradores.Atualmente o bairro tem muitas igrejas evangélicas.
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Há quanto tempo o terreiro Ilê Axé Oyá Padê existe no bairro? Edinha de Oxóssi: Há uns 60 anos, o espaço foi cedido pelo Mestre Bimba, à Minha mãe, uma Yalorixá, Alice Maria da Cruz, em 1957.
Mestre Bimba Criador da Luta Regional Baiana, mais tarde chamada de capoeira regional, Manoel dos Reis Machado também conhecido como Mestre Bimba. Nasceu em Salvador em 23 de novembro de 1900, no bairro de EngenhoVelho de Brotas, em Salvador, Bahia. Foi um exímio lutador e grande educador. Colocava regras para os participantes da Capoeira Regional, tais como não beber, não fumar, ter boas notas na escola, dentre outras. Com seu método, foi responsável por tirar a capoeira da marginalidade. Morre em 1974, em Goiânia. Recebeu da Universidade Federal da Bahia (Ufba) o título de Doutor Honoris Causa - honraria concedida por universidades a pessoas que se destacam em sua área de atuação. Geralmente, essas personalidades já são respeitadas pelo seu trabalho por setores da sociedade, mas nem sempre têm graduação ou especialização.
Como era a relação de Mãe Alice com os moradores? Edinha de Oxóssi: Há 50 anos aqui na Santa Cruz era só candomblé. Praticamente todos os moradores do bairro eram da religião ou simpatizantes. Minha mãe era uma pessoa muito querida no meio das pessoas que eram da religião. Todas as noites podia se ouvir o toque do tambor na região.
Recolher Iaô Um ritual de iniciação da religião. A feitura no santo, representa um renascimento, tudo será novo na vida do yàwó, ele receberá um nome pelo qual passará a ser chamado dentro da comunidade do Candomblé. A feitura tem por início no recolhimento. São 21 (vinte e um) dias de reclusão, e neste prazo são realizados banhos, boris, oferendas, ebós, todo o aprendizado começa, as rezas, as danças, as cantigas.
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E de onde vocês vieram? Edinha de Oxóssi: Nós morávamos no Nordeste, aqui perto, viemos para cá por causa do terreiro, mas tínhamos casa no Nordeste de Amaralina. Na época quando chegamos para dar início ao terreiro, existiam outros candomblés também. Aqui na Santa Cruz era cheio de candomblés, devido ao muito verde, água e ao silêncio. Inclusive quando o mestre Bimba deu esse terreno a minha mãe aqui já era um terreiro de candomblé. Qual a relação do candomblé com o bairro? Edinha de Oxóssi: O bairro de Santa Cruz, como também todo o Nordeste de Amaralina, tinha uma forte relação com o candomblé. O número de terreiros que existiam na localidade contabiliza o número maior que quatro, do que de igrejas evangélicas que existem hoje. Porém existe muita resistência e dificuldade para se fazer os rituais sagrados. O número de vizinhança cresceu muito, que dificulta fazer os rituais, que costuma ter barulho. Com a criação da lei da poluição sonora, nós ficamos reduzidos a determinados horários. Ficamos subjugados aos horários pré determinados por lei que dizem os horários que tem que iniciar e terminar. Os poucos candomblés que restam aqui começam suas atividades às três da tarde e finaliza às 20h. Antigamente começávamos às 22h e terminávamos às três da madrugada e não tínhamos problemas algum, até porque muitos moradores participavam dos rituais. A falta de segurança pública também não ajuda a ficarmos fazendo atividades depois das 22h. Nos últimos anos houve um crescimento avassalador do evangélicos no Brasil. O que você pensa sobre o assunto? Houve uma diminuição de rituais? Edinha de Oxóssi: Eu acho que essa religião do axé está em decadência devido a muitas situações, a intolerância, a falta de respeito, falta de espaço. O axé em si, ele tem muito fundamento. Este terreiro mesmo é vizinho de um lado, vizinho do outro, os vizinhos são crentes e eu fico no meio. Esse Beco que faz passagem para a Rua Onze de Novembro dia de sexta-feira mesmo é uma “zuada”, uma “baixaria”. Não tem condição de recolher uns Iaô. Eu posso até fazer, mas não vou dizer que vai ser a mesma coisa de 20, 30 anos atrás. Atualmente, eu faço pouco ritual devido ao crescimento populacional do bairro e as leis que vigoram hoje, por exemplo, minha mãe, Alice de Iansã, batia muito mais, havia mais 60
liberdade. Os moradores compareciam mais e não tinham muitas igrejas evangélicas. A Santa Cruz não era tão habitada como era hoje. Para o ritual precisa de silêncio, precisa de mato e água. Houve uma redução significativa dos rituais aqui no terreiro. Como você relaciona viver no bairro antigamente e atualmente? Edinha de Oxóssi: Minha mãe tinha casa no Nordeste, isso sem luz, água encanada, asfalto, sem nada. Eu acabava de bater candomblé à meia noite, e dizia a minha mãe: - mãe, não vou dormir aqui, vou para casa. Prontamente minha mãe respondia: - pode ir. E sem medo algum, sozinha, em noite de lua cheia, caminhava aproximadamente dois quilômetros até o Nordeste, não tinha pista, eram trilhas. Hoje, infelizmente, vivemos uma violência, que não é só aqui no bairro, é geral. Qual foi a importância do mestre Bimba para o terreiro Oyá Padê? Edinha de Oxóssi: Ele foi como um pai para mim. O mestre Bimba que doou esse terreiro para Mãe Alice. Sem esse espaço não seria possível o axé se manifestar aqui na região. Ele sempre esteve presente. Participava financeiramente e quando tinha festas ele sempre fazia a segurança. São seis terreiros de candomblés contabilizado atualmente na Santa Cruz. O que pensa sobre isso? Edinha de Oxóssi: Restam poucos terreiros de candomblés na região, isso me entristece. O terreiro Oyá Padê é um dos poucos que resistem aqui no bairro a perversa e crescente intolerância Qual relação com os outros terreiros e com que periodicidade acontecem os rituais sagrados no Oyá Padê? Edinha de Oxóssi: A relação com os terreiros é boa. Recebo muitos convites e quando tem festa aqui convido também. Por questões minhas, eu não vou muito. Sempre quando posso vou no terreiro de Zé Maria e Jai, que são babalorixas da região. Quanto aos rituais acontecem uma vez por ano. O bairro não tem mais espaço para o candomblé? Edinha de Oxóssi: Não. Hoje a Santa Cruz não tem mais espaço para os rituais sagrados do candomblé. O fundamento da religião precisa de matas, águas, rios e silêncio.Atualmente o bairro perdeu tudo isso.
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“A paz. O samba trazia paz à Santa Cruz”. Toizinho
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“A paz. O samba trazia paz à Santa Cruz”
Toinzinho
Antônio José dos Santos, 56, produtor cultural, é conhecido popularmente como Toinzinho. Morador do bairro da Santa Cruz há mais de 30 anos, foi um fomentador da cultura musical na região. Com um grupo de amigos criou o Samba Elite e promoveu muitos festivais na Praça que hoje leva o nome de Samba Elite. De acordo com Geraldo Batista, 54, contador, um dos co-fundadores do Samba Elite, o movimento nasceu de um grupo de amigos que saiam pelas casas de outros amigos, com Surdo,Timbau, Prato e um Bangor, no período do São João, fazendo um samba. A ideia cresceu de forma não esperada, de acordo com Geraldo “no segundo ano (1989) do evento já estávamos fazendo o festival do Samba Elite pelo engajamento dos populares”. O produtor cultural afirmou que o festival foi umas das matrizes do samba junino. Onde conseguiu reunir, durante 20 anos, um número de três mil pessoas na principal Praça do bairro. No palco da Praça já cantou grandes expoentes da música baiana como Daniela Mercury,Tonho Matéria, Lazinho do Olodum, Xexéu, Jau Peri e Pierre Onassis. Escrita por Tote Gira, um dos compositores da região, "O canto da Cidade”, eternizada na voz de Daniela Mercury foi uma das canções que saíram do bairro de Santa Cruz. De acordo com Toinzinho muitas composições de sucesso como “Amar, eu amarei”, de Sandoval com Lula Novaes, “Tô na rua”, de Xexéu II e Gal Sales são canções que saíram também do bairro da Santa Cruz. Ter a música como algo a concorrer em festivais motivava muitos os jovens da comunidade a escrever músicas. Culturalmente o movimento do Samba Elite, que trouxe o samba junino, representava uma força para música baiana e uma motivação para os jovens da comunidade, afirmaToinzinho. Foram 20 anos de difusão da cultural musical da Bahia no bairro. Ainda de acordo com Toinzinho muitos artistas e produtores vinham aqui buscar músicas para lançar no mercado. O produtor cultural afirma que, “temos no bairro uma fonte de compositores que posso destacar Tote Gira, Sandoval, Silvio Almeida, Tote Gira, Paulo Jorge, Joel 64
Nascimento, Ezequiel Sales, Jam Moliva, grande produtor musical, entre outros”. O bairro da Santa Cruz viveu os tempos áureos da música na década de 90, iniciando em 1988 com a criação dos festivais que ocorria na Praça do Samba Elite. Como surgiu o Samba Elite? Toinzinho: O movimento surgiu em 1988, através de amigos que se reuniam para fazer aquele samba. Eu e mais amigos, como Geraldo, Dito, Orvelock, Papudo, Pantera, Betão,Tote Gira, Paulo Jorge, entre outros. Com a intenção de ser algo pequeno, foi crescendo de forma grandiosa e uniu o povo aqui na região. Com dois anos já tínhamos uma coletânea gravada. Conhecido como o samba junino, nós lançamos muitos nomes na composição da música baiana. O que é samba junino e Por que o nome junino no samba? Toinzinho: É o samba com letras de música junina. A mistura do samba duro com o reggae. O nome junino é porque as atividades culturais ocorriam mais no período de junho. Eram três meses de ensaio. Quando fazíamos os arrastões pelas ruas e becos do bairro, começávamos na Páscoa e levamos até o São João Era um festival de música? Toinzinho: Sim. Fazíamos muitos festivais e tínhamos jurados. E daqui saiu muitas músicas para o mundo. Como a "O canto da cidade", do compositor Tote Gira, eternizada na voz da cantora Daniela Mercury. Aproximadamente umas 40 músicas que passaram por aqui foram sucesso em Salvador e no Brasil. Mas o grupo Samba Elite não concorria. A praça recebeu o nome de Samba Elite ou o Samba levou o nome da Praça? Toinzinho: A praça era chamada de Presidente Kennedy.Após 20 anos da manifestação cultural, adotamos o nome Samba Elite para a Praça. Atualmente a Praça do Samba Elite está sendo reformada pela prefeitura de Salvador. Em um pequeno espaço, ganhou novos bancos de cimento e um parque infantil. E na nova reforma, vai levar uma placa com "Praça do Samba Elite”. O que foi o Samba Elite? Toinzinho: Uma linda festa comunitária que foi ganhando proporção. Nos reuníamos para um samba de domingo. 65
Algo tradicional que já existia em nós, um amigo que puxava o outro, um vizinho que chamava o outro. O povo ia pra Praça e daí nascia as festas de largos. Não dependíamos de segurança, pois todo se conheciam e se respeitavam. Uma diversão, onde encontrávamos amigos, colegas e parentes.Até quem estava chateado fazia as pazes. Como ficava a Praça em épocas de ensaios e festivais? Toinzinho: Uma multidão que tomava toda a região e não havia brigas nem confusões. Os ensaios iam até as duas horas da manhã. E nos festivais amanhecíamos o dia. Lembro do Pierre Onassis, Jau Peri, Simone Moreno cantar aqui. Quando terminou o movimento e por quê? Toinzinho: O samba elite tem dez anos que deixou de acontecer. Além de outros fatores, a violência foi um fator que foi reduzindo as atividades culturais no bairro. O evento era uma manifestação cultural que movimentava a economia local. A prefeita, na época, Lídice da Mata, oferecia o palco e o som para o evento. Infelizmente perdemos esse evento. Mas estamos na luta para resgatar a cultura musical do bairro. O que provocou a descontinuidade do movimento, e o que substituiu? Toinzinho: Em 1998 paramos de produzir o evento na Praça devido à violência. O pessoal da Chapada do Rio Vermelho tinha rixa com o pessoal da Santa Cruz. Nos reunimos e decidimos não continuar, pois havia briga de bairros. Se fosse hoje (2018) que não tem briga mais entre uma rua e outra não teríamos parado. Hoje podemos dizer que quem substituiu o Samba Elite foi o Forró da Sucupira, em cultura, em economia, pois os populares vendem muito durante três dias de festejos. O forró, como manifestação cultural, pode entrar para o calendário oficial de eventos de Salvador. Reivindicado pela comunidade já este sendo debatido em audiência pública. O evento além de ser entretenimento social para a região, gera emprego e renda, e substituiu o antigo Samba Elite. O que o samba representou para o bairro da Santa Cruz? Toinzinho: A paz. O samba trazia paz e posso dizer que naquele período cantávamos o samba da paz no bairro de Santa Cruz. Aqui é a fonte, onde muitos artistas vinham buscar músicas. Muitos compositores e artistas de alto talento, que por falta de oportunidade, se perdem pelo caminho. Precisamos de incentivo cultural por parte dos nossos governantes.
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“Em uma comunidade abandonada em que as crianças crescem vendo as pessoas ao redor usando drogas, isso acaba se naturalizando. Eu trato a violência não pelo produto nal que é o crime, mas por todo subjetividade que há por trás dela”. Capitã Sheila Barbosa
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“Em uma comunidade abandonada em que as crianças crescem vendo as pessoas ao redor usando drogas, isso acaba se naturalizando. Eu trato a violência não pelo produto nal que é o crime, mas por todo subjetividade que há por trás dela”
Capitã Sheila Barbosa
Sheila Barbosa, 42, capitã da polícia militar da Bahia, moradora do bairro de Santa Cruz, atualmente comanda a Base Comunitária de Segurança (BCS) do bairro da Santa Cruz. Mulher, negra, corajosa, forte e dedicada, que trabalha com ações que realiza um serviço social como agente transformador da violência. Quando chegou na Base Comunitária, que fica entre duas escolas da Comunidade, na Rua do Futuro, encontrou o muro de uma das escolas todo perfurado de balas de arma de fogo, buracos feitos pelos tiros que costumeiramente acontecia no local, mostrando a violência da região estampada na parede da escola. Com ações positivas, um dos primeiros feitos da capitã foi grafitar o muro da escola com a arte. Foi pintado pela esperança e pela coragem de acreditar em um novo amanhã. O muro está cheio de ilustrações e frases de lutas, certezas e esperanças e leva o nome da capitã.A atividade teve apoio do ator Lázaro Ramos e da cantora Ivete Sangalo, a arte é assinada por Éder Muniz e Dado Loko. Além de levar à comunidade para o cinema, teatro, estádios de futebol, a capitã trouxe à BCS aulas de lutas de artes marciais, campeonatos e jogos de xadrez, além de valorizar a mulher com atividades que promovem a luta com o feminicídio. Muitas das atividades são lecionadas pelos próprios policiais militares da Base. Suas ações no bairro da Santa Cruz renderam muitas premiações Como também a premiação do “Barra Mulher”, evento do Shopping Barra, que destaca mulheres que desenvolvem papéis relevantes em prol do desenvolvimento da sociedade baiana, como também visibilidade em rede nacional no programa “Lazinho e Você”, da Rede Globo de Televisão, comandado pelo ator baiano Lázaro Ramos.
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Qual foi o seu primeiro contato com a comunidade? Capitã Sheila: Foi no Carnaval do Nordeste de Amaralina (2013), ainda não era comandante da Base Comunitária. Fiquei impressionada! Eles são incríveis, na organização, na diversão, na violência zero, no todo mundo se conhecer, na harmonia. E os desfiles dos blocos foi fenomenal. Considero o melhor carnaval que já vi em minha vida. Não tem Barra, não tem Ondina! Te garanto que é mais seguro e você se diverte tranquilamente. Algo surreal! só vendo para crer. E nesse contato quebrei o estigma de que a comunidade era o fim do mundo. Quando se fala dessa região aqui, eles imaginam que é o fim do mundo, e, na verdade, não é. O que você percebeu na comunidade quando chegou aqui? Capitã Sheila: A comunidade tem um histórico de abandono de muitos anos. De violência, criminalidade e tráfico de drogas. No meu ver, isso foi criado e estereotipado e, infelizmente, ficou e é estampado. Em todo o lugar que você vá, a Santa Cruz é muito mal vista. Contudo, adentrando na comunidade, você vai perceber um número muito grande de trabalhadores. Em sua maioria muitos trabalhadores, pais de famílias que levantam cedo e vão trabalhar e movimentam a economia sim. São guerreiros. Aí você começa a perceber que, na verdade, está na forma que o governo olha para os bairros periféricos.Aqui não é o fim do mundo, quando me diziam. Quando você chegou na Base Comunitária da Santa Cruz. Que comunidade você encontrou? Capitã Sheila: Uma comunidade extremamente arisca, as crianças choravam e me cuspiam, era fora do normal. Um povo desacreditado na polícia. Quando eu cheguei, eu recebi um choque. Que por mais que a Base Comunitária já estivesse aqui, a comunidade era muito resistente. Chegando fui fazer uma análise do bairro. O que era a Santa Cruz?! Percebi que a comunidade estava a reclamar do que não tinha sido trazido ainda do que fora prometido, que chegaria para a região através da Base Comunitária, um povo que luta e questiona. O pacto pela vida é uma união das secretarias de educação, saúde e segurança para a melhoria da comunidade. E tinha serviços aqui, que, por exemplo, elas não sabiam que existiam. Uma falta de conhecimento. Muitas ações do governo do estado que não estavam sendo executadas na comunidade, principalmente na área de esportes e educação.
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E qual foi a sua primeira ação para se aproximar da comunidade? Capitã Sheila: A primeira ação foi o inverno quentinho. Foi uma forma de aproximar a comunidade da base comunitária. Um gancho, que considero o elo da Base e a Comunidade. A Base fica entre duas escolas, a General Dionísio e a José Calazans. Em parceira com as escolas fazemos um varal solidário no muro da escola e colocamos roupas durante todo o inverno. Em cada peça de roupa grampeamos “se você precisa é seu”. Arrecadamos muitas roupas. Um jeito de trazer eles para perto. Uma outra forma foi participar de todos os eventos das escolas. Consequentemente foram multiplicadoras essas ações. Essas ações mudou a forma da comunidade ver a polícia na região? Capitã Sheila: Estou na luta para mudar sim esse quadro. Comecei a desenvolver ações e projetos. A agregar todas as artes e trazer para os populares como cinema, esporte, teatro, museu, entre outras. Entendendo a realidade, criei uma política de leva-los para fora daqui, e mostrar outros mundos e outras possibilidades.Tem moradores que nunca tinha saído do bairro, apenas reduzido à uma realidade, que na maioria das comunidades são cruéis. Crianças e adolescentes que moram a pouco quilômetros da praia e nunca foram à praia.Algo surreal. E qual são os resultados dessas experiências? Capitã Sheila: Uma comunidade me abraçar e ver na polícia um referencial aramado. É disso que a comunidade precisa de ações comunitárias para transformar a forma de como a polícia é encarada na comunidade. Qual o maior problema para executar algumas ações e como você conseguiu entrar nas casas dos populares? Capitã Sheila: A falta de recurso é a grande vilão. Mas busquei parceiras e fui atrás do que precisava para execução de projetos na comunidade.Tem vários editais do Governo do Estado e da prefeitura, fui atrás de tais editais. E conseguia acesso ao cinema, teatro, museus, estádios de futebol, parque de diversão entre outros. Usava até o ônibus da polícia militar para levar esses meninos. A imprensa me ajudou muito. Eu entro nas casas através dela, considero o “pé na porta”, divulgava tudo através da imprensa. Quais são os projetos mais frequentado pela comunidade? Capitã Sheila: É o projeto “Conhecendo a cidade, suas dinâmicas e seus problemas” é um projeto que leva os 70
populares para conhecer os pontos da cidade e órgãos públicos, que tem a ver com o coletivo. Até para o metrô, quando foi inaugurado, eu levei e a Estação deTrem, na Calçada. Porém um dos carros chefes é “Com a Polícia vamos ao Cinema”, temos uma parceria com o Sesc Aquidabã, levamos os jovens para o cinema. E lá passamos filmes, curtas que tem a ver com a realidade deles. E estabelecemos uma discussão para conhece-los mais. Um debate entre a comunidade e a polícia e no final promovemos um grande abraço. Esses projetos foi uma forma de aproximar a comunidade para perto da polícia. Hoje como você se ver na comunidade e como a comunidade ver a Base comunitária? Capitã Sheila: Nós passamos a ser um referencial armado na comunidade, apesar de existir muitos policias que fazem coisas ruins. Mas aqui na Base não fica. Eu mando embora. São outros policiais que agem aqui dentro da comunidade, não apenas nós da Base. Estamos procurando ser amigos da comunidade, só depende de nós. A polícia precisa conquistar esse respeito pela comunidade. Eu ando na comunidade há quatro anos, nas minhas andanças nunca vi um homem armado. Nunca troquei tiro. Por que será? Eles respeitam a minha presença. E por que não pode respeitar a presença do meu colega também?! A polícia precisa mudar a forma de agir e de se relacionar com a comunidade. E quanto as invasões da polícia da casa de populares da comunidade? Capitã Sheila: Eu oriento aqui, os que estão sob minha guarda, a não fazer isso. A polícia não tem que bater, nem xingar a população, muito menos invadir as casas. Infelizmente essa prática não deveria ser comum.Aqui na comunidade se os populares me contar de qualquer ocorrido, meu foco é tentar resolver com a comunidade alguns dos muitos problemas que se tem. Todos os policias da base, que eu tomei conhecimento de denúncias, não estão mais aqui. Expurguei. Eu não posso condenar um menino porque ele usa maconha. Não me interessa se ele usa uma maconha. Procuro fazer um trabalho social, dessa forma me aproximo dele e procuro ressignificar essa droga na vida dele. Existe uma ação que faço que é “a comandante nas escolas” onde faço palestra procurando levar aos alunos uma nova forma de ver o mundo e conhecer o mundo deles. Em uma comunidade abandonada em que as crianças crescem vendo as pessoas ao redor usando drogas, isso acaba se naturalizando. O contexto onde eles vivem fazem com 71
que as crianças enxerguem o errado como normal. É por isso que nós, digo a polícia, não podemos condenar esse adolescente. Há um contexto por trás da vida desses jovens e adolescentes. Onde foi criado, como foi criado, tudo isso deve ser levado em conta diante da desigualdade social que a comunidade enfrenta. Quanto a violência do bairro da Santa Cruz? Capitã Sheila: Menino, você está mais seguro aqui na Santa Cruz do que em qualquer outro lugar. Me falaram horrores da Santa Cruz, diziam que era o fim do mundo. Chegando aqui encontrei a comunidade abandonada e cheias de estereótipos, mas não violenta. A violência hoje está em todo lugar. Se você for visitar o site da Secretária de Segurança Pública, Santa Cruz não está entre as piores em homicídios. Já teve problema da comunidade? Capitã Sheila: Eu tive um problema na comunidade quando apareci no programa, da TV Aratu, Honda. E lá falei que tinham que denunciar os dois lados seja bandido ou policial.Aí ganhei inimigos dos dois lados. Como você trata a violência no bairro? Capitã Sheila: Temos que prender e conduzir. Resolvi fazer um trabalho além do comum. Eu trato a violência não pelo produto final que é o crime, mas por toda subjetividade que há por trás dela. O que que faltou para essa galera? O que está faltando para essa gente? A culpa é deles? De quem é a culpa? Nem deles e nem minha. Eu não posso me nivelar. Não posso ter ódio do cara que está armado, não posso querer matar eu preciso me defender dele.
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A Cruz do meu bairro Uma comunidade que retrata a brincadeira perigosa de viver. Sem opções de escolhas os moradores transitam tranquilamente pela região. Os depoimentos que seguem neste último capitulo foram colhidos durante o processo de construção do projeto. Uma série de depoimentos coletados presencialmente e por diversos meios como whatsapp, facebook e instagram. Dentre os depoimentos, alguns moradores remetem ao período que ocorreu a morte do policial, assassinado na primeira semana de junho de 2018, no final de linha do bairro, que por consequências foi seguido de uma ação policial na região, que de acordo com moradores foram mais de dez mortos em apenas dois dias. Perguntamos aos moradores entre crianças, jovens e idosos homens, mulheres suas relações com o bairro e o que pensam sobre localidade. O conjunto desses depoimentos oportuniza compreender em que condições a comunidade convivem e a vulnerabilidade diante da guerra da polícia contar o tráfico de drogas. As declarações conseguem condensar a vontade de ficar com a vontade de sair do bairro. Uma cruz que a comunidade vai carregar, talvez para sempre, diante da espada traduzida na guerra entre a polícia e o bandido. A população segue vulnerável ao controle do tráfico e a ação desordenada da polícia. “Sou nascido e criado neste bairro cercado pelas regiões centrais de Salvador. Recordo-me dos dias valiosos em que desfrutava das brincadeiras e futebol com meus amigos, de ficar até tarde jogando conversa fora sem se preocupar. Éramos crianças, crescemos e hoje somos adultos, marcados de certa forma por essa crítica nostalgia, uns estão aqui, outros não estão mais entre nós, pois foram levados a preço de bala. Mesmo com a crescente onda de violência, que não assola somente o nosso bairro, mas todos de um modo geral, eu prefiro lembrar da Santa Cruz como uma saudosa nostalgia da minha infância, que foi maravilhosa”. Homem, 28, universitário. 73
“Os moradores do bairro são peculiares. Existem personalidades que você ao lembrar, te remete à Santa Cruz. Como Senhor Abílio, Zé Isidório, entre outros. Nunca me preocupei com a história da localidade, mas sei que a história do bairro é feita pelos seus moradores”. Homem, 35, administrador. “No bairro existe um povo de dignidade, que ama com igualdade, que ajuda sem receber, e que faz sem espera nada em troca. Um bairro que traz alegria mesmo no meio de tanta violência. Mesmo em meio ao caos do descaso público, muitos conseguem superar e sair do labirinto que é a Santa Cruz”. Mulher, 32, Costureira. “Eu acho o bairro da Santa Cruz muito bom pelo fato da cultura, capoeira, festas, gincanas, entre outros. O chato é a violência, devido ao tráfico de drogas e a ação da polícia para combater. Mulher, 18, Estudante. “Santa Cruz o bairro da minha formação humana com suas vielas e fragilidades, mas contempla a minha alma”. Homem, 38, Historiador. “Minhas raízes que quero levar comigo aonde for. Minha família, meus amigos e todos que amo estão aqui no bairro”. Homem, 32, Universitário. “Em meio algumas tristezas, pobreza, e a bala que bate à nossa porta, o povo da Santa Cruz não deixa a alegria de viver e agradecer por mais um dia! É isso que tenho que falar de lá, é dessa alegria! Nós carregamos no peito a alegria e o sorriso no rosto”. Mulher, 38, Cabelereira. “Os moradores a grande maioria são pessoas de bem, trabalhadores, estudantes que sonham e lutam por um 74
futuro melhor. O perigo aqui são as balas perdidas. As crianças não podem brincar nas ruas devido ao risco de balas perdidas”. Mulher, 45, Dona de casa. “Seu eu tivesse oportunidade de contar a história do meu bairro começaria pelas casas de taipas – hoje eu gosto muito do bairro, muito bem localizado, fica perto de tudo. O tráfico de drogas não me incomoda, sinto-me respeitada por todos aqui do bairro”. Mulher, 76, Aposentada. “Morar na santa cruz tem seus altos e baixos, aqui você estar perto do centro, temos o parque da cidade pertinho, praia shopping e etc., porem temos também a violência que estar pela cidade sempre nos aterrorizando, mas já morei em bairros piores” Mulher, 25, Autônoma. “Moro na antiga melhor rua do bairro, a São Jerônimo. Lembro-me do tempo que jogava bola em meio a rua onde a única preocupação era a bola cair na casa de dona Maria. Hoje está muito difícil até transitar pela rua, as nossas crianças não têm mais infância, tem que ficar o tempo todo dentro de casa devido à violência”. Mulher, 45, Diarista. “Um bairro que geograficamente está bem localizado, podemos dizer que dos bairros pobres de Salvador, Santa Cruz é o que está melhor localizado pelo fato de morar no meio de bairros nobres como Itaigara, Pituba, Rio Vermelho, Amaralina, podemos também até citar Brotas. E muitas das vezes quando queremos ir até o Iguatemi não é necessário nem pegar ônibus, temos vários bancos aqui perto, casa lotérica, shopping, como o Itaigara, o Paseo, Iguatemi, Pituba Park Center, ou seja, geograficamente é um bairro privilegiado”. Homem, 54, Advogado. “Eu preferia o bairro de Santa Cruz antigamente. Tinha muitas festinhas. Era só pra gente brincar, se divertir à vontade. São João, os pagodes do bairro, que os meninos formavam, Samba elite, Samba santa. Então, essa época das 75
festinhas, dos pagodinhos era muito bom pra gente porque os meninos tinham uma criatividade. Tinha a época de poesia, que cada um queria fazer a sua melhor, para se apresentar. Isso deixou de existir. Faz parte até da cultura, que tinha como o menino se desenvolver” Homem, 56, Contador. "já vi uma vizinha, aqui do lado, ser baleada e morrer no mesmo local". Homem, 53, Taxista. "Eu cheguei aqui ainda pequena e não saio por nada, daqui para o cemitério de Brotas. Não é o melhor lugar do mundo, mas aprendi a viver aqui, não tenho como sair, gosto daqui ". Mulher, 53, Aposentada. "Perdi dos filhos para o tráfico de drogas, nunca sentir tamanha dor. Se eu pudesse saia daqui". Mulher, 43, Diarista. "Aqui é perto de tudo. O ruim é a guerra entre a polícia e o bandido, ficamos nesse fogo cruzado". Mulher, 54, Dona de casa. "Tem transporte público, ruim, mas tem. E um engarrafamento de perder a cabeça. O bairro tem um comércio maravilhoso. Tudo que procuro encontro aqui". Homem, 30, Designer. “Pra mim o melhor do forró da Sucupira era quando tinha o "calor, calor", mas infelizmente acabou. O “calor, calor". Era um bar, discoteca, jogo de luz e pense num calor lá dentro, abafado, a gente saia com a blusa molhada, espremia a blusa e entrava de novo. Mas era ótimo”. Mulher, 26, Estudante. ‘‘As polícias saíram jogando spray de pimenta em cima de todo mundo, deu tiro para cima. Tinha mais polícia 76
do que gente, no Forró da Sucupira, do ano passado (2017)”. Mulher, 31, Agente de Portaria. "Eu gosto muito da Santa Cruz, porque foi aqui que plantei minha vida, e nasceu minha linda família, eu não tenho vontade de sair da Santa Cruz". Mulher, 76, Aposentada. “Um bairro de fácil acesso, chegamos a qualquer lugar facilmente, seja andando ou de carro. Na Santa Cruz, também encontramos muitas coisas que precisamos como para nos escolas, creches, mercados, lojas (de roupas/sapatos), depósitos de bebidas e casa de matérias de construção, etc.”. Mulher, 30, Recepcionista. “Eu amo a Santa Cruz, amo esse lugar no qual tenho uma vida inteira, mas as viver aqui está cada dia mais difícil, o mal tem sido maior que o bem, crianças assustadas já não podem ter uma infância livre, já não podem mais brincar, a marginalidade cresce assustadoramente, jovens cada vez mais envolvidos com crime, policiais já não conseguem cumprir o seu papel de proporcionar a segurança, vivemos com medo da bala perdida, do ônibus queimado, do assalto, da próxima notícia que vai sair em bocão”. Mulher, 34, Administradora. “O bairro da Santa Cruz, hoje sofre com violência, como em todo lugar, isso é muito ruim. Fora a violência é um lugar bom de se morar. Podemos descer e já estamos perto de qualquer lugar, do centro, da praia, de tudo”. Mulher, 30, Diarista. “Santa Cruz, oh Santa Cruz! Um bairro tão Belo! É perto de tudo e de todos. Perto do mar, perto dos shoppings e das nossas necessidades, o que procuramos encontramos. Cercado pelo vento do verde que vem do Parque da Cidade. Santa Cruz apesar de ser tão marginalizado, mas é atraente. Tenho 55 anos no morando no bairro e, nunca tive problema. Para mim, é um bairro muito bom. Atualmente, o que me tira de sério são os "paredões", muito barulho na porta da casa dos outros, que não deixa ninguém dormir”. 77
Homem,54, Motorista. “O povo da Santa Cruz é um povo guerreiro porque em meio às tantas dificuldades, em meio a tantas lutas,
conseguem viver numa harmonia, em sua maioria, conseguem viver um clima de amizade, onde existem relatos e vários contos de muita graça, muita diversão, muito companheirismo, muita solidariedade, e de muita superação”. Mulher, 41, Cabeleireira. “O povo que já lutava e luta por saneamento básico, por moradias melhores, hoje continua lutando, mas a luta é diferente. A luta é por segurança, a luta é pelo fim do preconceito e a não marginalização do bairro”. Mulher, 24, Costureira. “Então, Santa Cruz pra mim, pela história, é um povo brasileiro, é um povo soteropolitano, é um povo nordestino, que como todo bom baiano é lutador é divertido. É um povo que consegue viver dos problemas, a história e consegue ver no meio da dificuldade a oportunidade de mudanças” Mulher, 40, Médica. “Algumas pessoas acreditam que todos os moradores da Santa Cruz, se não a maioria, são marginais, e na verdade é um povo que desde o início da história, um povo guerreiro. Não vou tampar o sol com a peneira, achando que todos são mil maravilhas, que não existem problemas como todos os bairros de Salvador”. Homem, 28, Universitário. “Temos vistos relatos de jovens que perderem a vida muito novo mas também temos visto relatos de jovens que conseguiram fazer um nível superior, conquistar uma profissão, mesmo sem ter condições financeira, temos visto relatos de advogados, de engenheiros, de médicos, de um povo que lutou não só contra a violência mas contra qualquer discriminação, e é um povo que está conseguindo vencer a cada dia”. Homem, 56, Comerciante. “O parque da cidade é o quintal da minha casa. Por muito já tentaram fechar o esse acesso, essa fronteira mostra
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mais uma vez a vitória desse povo guerreiro que conseguiram hoje ter acesso ao Parque através de um portão, onde fica aberto e eles têm o direito de ir e vir” Homem, 26, Frentista. “Esse bairro é excelente, a localização geográfica é privilegiadíssima, não queria mudar daqui, mas se eu pudesse mudava algumas situações, somos mal vistos, mas a grande maioria são trabalhadores e estudantes”. Mulher, 42, Recepcionista. “Aqui também tem muito morador que apoia a bandidagem. Muitas mães de famílias que, infelizmente, tem seus filhos largados no crime. E pelo laço afetivo, por ser mãe, são obrigadas a apoiar a situação. A polícia diz que a comunidade apoia, mas não é a comunidade. Muitos moradores são acuados, tem medo. O bandido chega na sua casa, manda abri a porta você não vai abrir? Ele tem uma arma na mão. Na verdade, moradores sem noção da realidade e da complexidade que a polícia e o bandido. O policial foi assassinado com requinte de crueldade, a polícia vai ficar sem dá uma reposta” ?!. Homem, 54, Motorista. Aqui rola de tudo, inclusive tiro". Homem, 30, Universitário. "Quem gosta de mole chupa o pau do morto". "Só se for os ovos do jegue de 'Seu Isidório". “Essa chuva nem fode e nem saia de cima” Mulher, 53, Doméstica. Repórter: Uma frase para resumir a Santa Cruz? Moradora: “Boca de se Fuder” Mulher, 41, Recepcionista.
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“A vida é uma obra inacabada, é preciso que cada um construa e deixe construir”. Spica
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Conclusão As pesquisas nas Instituições foram de suma importância para saber quem era o verdadeiro proprietário da Fazenda Santa Cruz, como também como se deu o processo de urbanização da região. As entrevistas foram cruciais no processo de conhecimento da comunidade, a pluralização de vozes é democrática e com ela se encontra a verdade.Também pode se descobrir a mentira contada como verdade. Os moradores da região acima de 30 anos contavam a mesma coisa, cada um do seu jeito, mas era um coral afinado nos discursos. No fim da cada entrevista sempre tinha uma nova indicação, um outro morador para contribuir nas informações que naquele momento foi esquecida. A entrevista foi uma técnica jornalística singular para o processo de construção do projeto. Através dela pude buscar em outros órgãos palavras ou sinalizações deixadas por um entrevistado. Retornar as gravações era uma atividade cansativa, mas de suma importância da verossimilhança do texto dito pelo entrevistado para o escrito do entrevistador. As bibliografias estudadas foram fundamentais no processo. Da entrevista humanizada abordada por Cremilda Medina ao pequeno roteiro de entrevista, sugestionado por Stela Caputo foram de grande valia no decorrer do processo. Somos seres inacabados tentando acabar alguma atividade que a nós foi delegada. A sensação de que finalizei esse processo deixa-me uma sensação maior a de que nada está acabado, mas apenas comecei algo, e sempre terá algo a acrescentar ou fazer. Pretendo com este trabalho desenvolver materiais audiovisuais na região, como também montar na mini redação na comunidade criando os repórteres do bairro. O processo árduo e estressante fez-me perceber que é impossível fazer algo sozinho. Foram mais de 40 entrevistas, mais 20 negadas e constantes visitas à localidade, encerro o ciclo pois o prazo para entrega chegou, mas tem pessoas na comunidade que deviam ser entrevistadas. Esse trabalho pode proporcionar aos moradores e pesquisadores um pequeno retrato sobre a região como também através dele desenvolver novos trabalhos. Professores da comunidade podem adequar pedagogicamente para o uso dele nas escolas do bairro. 81
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Santa Cruz Entre a Cruz e a Espada: Histรณrias e Memรณrias