Poesia e sustentabilidade

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DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA 5 de maio de 2022

Poesia e Sustentabilidade



Lusa Língua

– Tony Tcheka

Língua lusa minha não sei se sonhas ó língua! sei, sim que deixas sonhar. língua! lusa língua minha companheira é amiga, fraterna, e arauto. rejeita espaços herméticos, fechados, limitados por falsas fronteiras. veste-se literariamente de tendências universalistas. e quando um dia transportada em caravelas foi impelida a sonhar com “novos mundos” deixou-se conquistar. conquistámo-la! é ternuramente nossa. anichou-se nos meus sonhos. sonha comigo e alimenta o calcanhar da minha terra vermelha vestindo musas e amantes de muitos amores. na sua mágica andança pelas novas “moranças” africanas aonde se instala, ora é ponte, ora é chave para ganhar espaços dantes negados... e ajuda o sonhar e falar e encantar e ser e ter. lusa língua, minha ferramenta operária é o meu baú de sentimentos, enciclopédia viva de tolerância. algures na costa ocidental da áfrica, mostra-se solidária, tolerante. interpreta camões na lírica dança multirracial ritmada pelo som mediático do compasso ancestral do bombolom. coabita criolizada e criadora e abecedária ao lado de mais de duas dezenas de outras línguas, ali nascidas mas feitas almas gémeas ante a iminência da construção de uma terra nova. nas águas serenas do corubal a lusa língua sobe rio acima... e na parede alta do macaréu sonha com o meu país que um dia será nação. ali, a lusa língua sonha com noites sem insónias e sem bastões analfabetos molestando gente e abafando mentes ávidas de saber. afinal língua, tu sonhas, interpretando sonhos que não dormem!


[Desconheço o nome]

Desconheço o nome das plantas Mas também desconheço o nome de boa parte de meus vizinhos Ao contrário das pessoas as plantas não ligam Não me dirijo a elas pelo nome mas também na verdade não me dirijo a elas Elas nada pedem e nunca reclamam às vezes perdem muitas folhas ou apenas, e em silêncio, morrem Estão sempre mudando nunca se mudam Estamos por enquanto neste pé

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Ana Martins Marques (1977-) - Brasil


(Sem título)

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Eu queria fazer parte das árvores como os pássaros fazem. Eu queria fazer parte do orvalho como as pedras fazem. Eu só não queria significar. Porque significar limita a imaginação. E com pouca imaginação eu não poderia fazer parte de uma árvore. Como os pássaros fazem. Então a razão me falou: o homem não pode fazer parte do orvalho

como as pedras fazem. Porque o homem não se transfigura senão pelas palavras. E isso era mesmo. Manoel de Barros (1916-2014) - Brasil


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SECA

Não gostaria de ter visto a seca a crescer a boa terra a gretar não gostaria de ter visto o grande tanque a secar as levadas caladas encherem -se de folhas mortas quebradas mas vi esqueletos de goiabeiras retorcidos de secura ocas papaieiras vergadas sem seiva sem sémen Não gostaria de ter visto as velhas mangueiras tão magras de fome limoeiros e laranjeiras

a morrer de sede e de pó mas vi figueiras bravas nuas de folhas e de frutos bandos de pardais sequiosos abrindo caminho por entre os galhos ressequidos Não gostaria de ter visto os altivos coqueiros de pé a morrer sem um gemido o esplendor das árvores a murchar em silêncio Não gostaria de ter visto mas vi

Carlota de Barros (1941-) - Cabo Verde


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Velhas Florestas de Agora Eu tinha uma floresta

O estilo dos bambus

Quando era pequenino.

Os laços dos cipós

Ela era na montanha

Os ecos dos toqués

No alto lá dos altos.

O riso dos macacos

E havia outros meninos

O salto dos veados

Que tinham mais florestas

O canto dos loricos.

Nos altos lá dos altos.

As florestas serviam

As florestas serviam

Para todos brincarmos.

Para todos brincarmos.

Mas não era a verdade.

Espécie de poesia

Ilusão de meninos

De árvores e bichos:

As florestas serviam

O perfume do sândalo

Desde séculos e séculos

A paz da casuarina

Como templo sagrado

A flor do cafeeiro

De rezar liberdade

A altura dos coqueiros

Fernando Sylvan (1917-1993) - Timor – Leste


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Uma Botânica da Paz: Visitação

Tenho uma flor de que não sei o nome Na varanda, em perfume comum de outros aromas: hibisco, uma roseira, um pé de lúcia-lima Mas esses são prodígios para outra manhã: é que esta flor gerou folhas de verde assombramento, minúsculas e leves

Não a ameaçam bombas nem românticos ventos, nem mísseis, ou tornados, nem ela sabe, embora esteja perto, do sal em desavesso que o mar traz E o céu azul de Outono a fingir Verão é, para ela, bênção, como a pequena água que lhe dou Deve ser isto uma espécie da paz: um segredo botânico de luz Ana Luísa Amaral (1956-) - Portugal


Terra Tísica

terra sahel vento cinzento esboçando voos amargos movediços esperança a esvaiar das alturas do futa djalon -o bombolom lamina ventos anuncia eventos repica forte e geme no corpo do vento saheliano dores saheis em contravento

a seca é um gemido ululante sublimado nas cordas adelgaçadas do nhanhero griot

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a chuva que o vento levou mora no imaginário sumido de um choro sem tambores sem cana sem Lágrimas o vento deixou-nos a ânsia gotejando no pulmão da terra tísica Tony Tcheka (1951-) - Guiné-Bissau


A Guerra

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A Guerra A hiena uivou toda a noite o bicho esfomeado uivou toda a noite as vozes saíram das casas como o fogo se levanta das cinzas altas todas juntas no medo os dentes dos guerreiros batiam sem parar os pés das velhas juntaram-se para aquietar a poeira um companheiro nosso não regressou o filho único de nossas mães não vai voltar de pé é só o seu cheiro que volta agora e um corpo separado daquilo que era antes um filho dos nossos não regressou a hiena uivou toda a noite a terra ficou dura sob os nossos pés. Ana Paula Tavares (1952-) - Angola


Ilha

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Tenho uma ilha por dentro de mim

cheia de corais e praias sem fim que chora e repete na longa distância os dias e as horas que me deu na infância tenho as canoas correndo na alma e bebo em orgias vinho de palma na roça à noite varrendo o terreiro eu falo e discuto com piadô feiticeiro santo é o seu nome e santa é a gente que as ilhas povoam bendito o seu ventre tenho uma ilha por dentro de mim cheia de floresta de mato capim

que chora e repete no porto de abrigo os dias e as horas que eu trouxe comigo Olinda Beja (1948-) - São Tomé e Príncipe


Monte Tumbine

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Ainda é possível adormecer e acordar com a lembrança duma espiga de milho acenando ao Minotauro. A tempestade não regressa tão já. O monte Tumbine desabou porque a procissão já ia no adro quando os grilos pararam de sussurrar à gente.

Os deuses não foram feitos de vertigem. E nem de bruma. Mas há quem diga que as pedras já não segredam com os mortos, para não sonegar o nome das coisas.

Nem sombra, nem rasto e nem uma única pluma das corujas. Tudo se foi como se nada houvesse nem princípio, nem fim.

Armando Artur(1962-) - Moçambique


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