Os problemas no processo da urbanização brasileira

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OS PROBLEMAS NO PROCESSO DA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA. WWW.CSAARQUITETURA.COM.BR


O processo de urbanização do Brasil se caracteriza pela intermitente migração do meio rural para um reduzido número de centros metropolitanos. Essa população desamparada por uma legislação que protege a propriedade privada da terra nas áreas privilegiadas, se instala geralmente em áreas desvantajosas para construção ou saneamento. São planícies pantanosas, mangues e locais de difícil acesso ou regiões periféricas sujeitas a enchentes e por isso mesmo devolutas a acessíveis a invasões.



A escolha dessas áreas, em geral próximas a rios, está diretamente ligada a possibilidade de trabalho e a facilidade do uso de equipamentos urbanos, que são fatores importantes de sobrevivência. Se não houver uma inversão nesse fluxo migratório, ou seja, criar condições para que o homem se fixe no campo, o problema permanecerá indefinidamente, com sucessivas hibitações em terrenos clandestinos.




Consideramos que a habitação deve estar dentro de um contexto que contenha um mínimo de serviços e equipamentos para formação do espaço urbano: arruamento; água; esgoto; drenagem; eletricidade; coleta de lixo; transporte; escola; mercado; posto de saúde; praças de lazer, etc. É o homem resgatando a sua própria cidadania.


O conservadorismo das instituições oficiais, provoca na sociedade uma reação contra essas aglomerações espontâneas e a injustiça social que elas retratam. A elas são atribuídas, com ou sem razão, desde epidemias até a violência urbana. O fundamental é que essa presença incomoda e, a pretexto de melhor alojá-los, afastam-nos a uma distância segura das zonas residenciais mais abastadas. Esta ‘solução’ desperta os interesses da construção civil e dos promotores imobiliários que vêem nos investimentos públicos em habitação popular uma desejável ampliação dos seus negócios. Criam-se, então, pólos de desenvolvimento afastados da cidade, onde os investimentos públicos preliminares favorecem os interesses dos empresários e dos proprietários de terras locais. A tendência do município, ao aplicar verba escassa, é direcionar os investimentos para áreas onde o poder aquisitivo dos moradores assegure o seu retorno, penalizando assim os que não tem nada a oferecer e são os mais necessitados.



O abrigo humano, enquanto bem privado, caberia a cada indivíduo decidir como obtê-lo de acordo com suas condições econômicas, físicas, culturais. Temos consciência que o problema da moradia não será resolvido somente com tecnologias que, mesmo com menores custos, ofereçam um padrão de qualidade aceitável. O problema se situa na estrutura sócio-econômica, na política salarial e na impossibilidade das faixas de menor renda alçarem emprego e condição de adquirir terrenos com serviços públicos.


Habitação não pode ser vista de forma linear. A necessidade do homem não se resume só no abrigo mas também na alimentação, saúde, transporte, etc. O controle da produção do espaço urbano é função do Estado. A ele cabe a responsabilidade, através da administração municipal, de implantação dos serviços coletivos. As prefeituras sem autonomia, empobrecidas e sugadas pela centralização do poder, ficam impossibilitadas de obter equipamentos e fornecer seriços complementares, direitos básicos de todo cidadão.


O discurso de auto-construção tem, hoje, conotações da exploração da força de trabalho para o barateamento da moradia. Auto-construção não é relegar a população somente ao papel de mão-de-obra, o que seria limitar as implicações ideológicas que estão implícitas nesse processo. O conceito de “auto-construção” deve ser entendido no sentido de auto-gestão, onde a população teria voz ativa em todos os processos decisórios, da concepção à execução.


É necessário conhecer as necessidades concretas da população visada, através das associações de bairros ou das comunidades organizadas. O estudo do problema, feito com a colaboração da população, é a base do novo planejamento para o estabelecimento das prioridades. Tendo contribuído no equacionamento dos problemas e na realização, as pessoas mostram-se capazes de identificar falhas e elaborar soluções. O trabalho cooperativo desenvolve a autoconfiança, aumenta o sentido de coesão social, favorece a formação de lideranças e grupos de reinvidicação capazes de maiores ganhos no campo político administrativo. Como sabemos diante a estruturação de uma sociedade justa, igualitária, onde a distribuição de renda melhorasse as condições de vida dessa população seria mais oportuna uma solução a curto prazo apoiada no conhecimento, criatividade e potencial de produção das comunidades locais, através de um processo de autoconstrução, onde a população realiza suas próprias moradias. Temos que levar em conta que o tempo livre desse cidadão é exíguo e que esse processo implica numa sobrecarga de trabalho. É, portanto, indispensável a colaboração dos dirigentes municipais cedendo transporte, maquinários, assistência técnica para racionalização do trabalho, etc., a fim de minimizar esta tarefa. O abrigo produzido por essas populações se enquadra numa estratégia de sobrevivência na sociedade, com repercussões em todos os setores de suas vidas.




Do ponto de vista econômico, as populações vivem do mercado informal, com atividades não especializadas, esporádicas e provisórias. O caráter transitório dessas habitações é, então, o exato reflexo de suas condições políticas, econômicas e sociais. Alguns utensílios e equipamentos são produzidos no mesmo procedimento artesanal, a partir do aproveitamento dos recursos locais disponíveis.


Durante os últimos vinte anos, todas as tentativas de reduzir o deficit habitacional se realizaram uma perspectiva mercantil, tentando transferir a habitação popular para o mercado formal, utilizando-a sobre a forma mercadoria. As habitações produzidas a partir desta visão tecnocrata, onde os parâmetros econômicos são predominantes, não corresponderam às características regionais e à realidade cultural e econômica das populações pobres. Quantitativamente esta política também não respondeu a demanda existente e paradoxante, foi a produção informal, baseada na auto construção, que permitiu às populações mais carentes alcançarem a moradia.


O homem tem o conhecimento e é competente para produzir o seu próprio abrigo, levando em conta aspéctos ecológicos, climáticos, geográficos e principalmente culturais da população. A identificação desse saber pelo técnico é importante para que haja uma interação no sentido de sistematizar esses processos construtivos, capacitando-os para transferências de técnicas para outros locais necessitados. Assim quando tudo na produção comercial do espaço se dirigia para uma negação sempre maior da natureza, é a própria natureza que volta a oferecer uma saída. O país possui uma vasta e diversificada gama de recursos naturais e, mesmo, de resíduos agrículas, industriais e de mineração, distribuídos por suas várias regiões e que merecem um estudo mais aprofundado, visando a sua aplicação no campo da construção civil.


É possível se estabelecer um programa amplo de identificação quantitativa (disponibilidade) e quantitativa (características técnicas) desses recursos naturais e resíduos disponíveis por região e desenvolver em conjunto de pesquisas objetivando a adaptação e o desenvolvimento de tecnologias apropriadas para materiais de construção e para sistemas construtivos voltados à construção popular.


Essa população carrega consigo características internas de moradia apreendidas desde os primeiros anos de vida e naturalmente adquiridas. Quando, circunstancialmente, esse espaço é violentado pode levar à progressiva perda da identidade pessoal, gerando tensões, angústias e até violências. As formas impositivas de planejar e distribuir o espaço físico pelo técnico, precisam ser revistas. Deve-se dar o direito ao indivíduo de organizar o seu próprio espaço de acordo com as suas características individuais, seus valores e seus desejos. Ao técnico caberia a função de traduzir esses anseios.



No começo o abrigo assume a função de posse do território, lugar de fixação da família em trânsito. Nessa fase ele é um embrião que preenche a função básica de proteção e cresce num processo dinâmico, segundo as necessidades e possibilidades da família, de modo que todos moram num tempo debaixo de uma simples cobertura até que as paredes sejam erguidas. A vedação das mesmas é feita pelos donos, familiares, vizinhos e amigos. Nesse processo não existe um desenho preliminar da casa, e é a prática que vai determinar o traçado. Não existe a concepção métrica, mas é o olho, a mão, enfim o próprio corpo que vai ser o instrumento da medida e apreciação desse espaço. O saber e o fazer se fundem no ato de construir. Finalizando, o problema não está nesses tipos de casas e sim nos locais onde elas são construídas. Estas casas são coerentes com o risco da tragédia e da insegurança. Enquanto estes locais não forem corrigidos e saneados é um equívoco pretender um modelo de habitação capaz de resistir à calamidade.


Por outro lado as soluções de transferir essas populações para outros locais não encontram eco nas mesmas, talvez por saberem que a catástrofe da mudança pode ser maior do que a da própria enchente.





Temos consciência da significação desse trabalho e que de nada valerá senão levarmos em conta fatores alheios aos nossos propósitos. Existem pressões eficazes do lado dos que se beneficiam com a manutenção das desigualdades sociais. Vamos lidar com interesses políticos, contratos vultuosos, grupos econômicos articulados para a venda de materiais, etc. Nosso trabalho não pode evitar novas enchentes que continuarão provocando novas destruições. É primordial que hajam intervenções num sentido mais estrutural para evitar o sangramento das barragens e para regularizar os rios responsáveis pelas inundações. Medidas prevetivas devem ser tomadas, como fazer aproveitamento dessas águas na área de irrigação, fazer o replantio das áreas desmatadas que causam o assoreamento, dragar os rios para aprofundar o leito e suprir os meandos causadores das grandes retenções dos fluxos das águas, drenar as regiões já alagadas para baixar o nível do lençol freático e possibilitar o saneamento dessas regiões, etc.


Neste projeto a mão do homem respeita a natureza. Nasce da areia e do mar. Percorre os caminhos do vento nas dunas, usando o barro, a pedra, a madeira e a palha da carnaúba. Crescerá com suas próprias forças – A sensibilidade do trabalho de sua gente com os materiais de sua região.

_Zanine


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