índice 3 A Copa também é nossa Para a CTB, futebol também é coisa de mulher
6 Reforma Política Mais mulheres nas instâncias de representação
6
9 Artigo: Terceirização Celina Arêas
10 Dia Internacional da Mulher O 8 de março na atual conjuntura
12
‘
12 Sindicalismo Rural A luta das mulheres nos 50 anos da Contag
16 Artigo: Terceira Idade Lúcia Guedes
18 Luta de Gênero
18
A importância da autonomia econômica
20 Entrevista Mãe Stella de Oxóssi
24 Política Representatividade nos espaços de poder
20
28 Juventude As lutas da UJS
31 Artigo: Igualdade Racial Mônica Custódio
32 Artigo: Descriminalização do Aborto Rosangela Taub
33 Artigo: Televisão e a Realidade Lúcia Rincón
34 Poema Mulher Madura - Martha Medeiros
28
As mulheres e as eleições Ao longo de uma luta já secular pela igualdade e emancipação, as mulheres acumularam vitórias e conquistas relevantes no Brasil e em todo o mundo. A eleição da presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher a ocupar o mais alto cargo da República no país, é um indicador disto. Mas embora os avanços sejam notáveis, revelam-se tímidos em contraste com os problemas e desafios presentes. Não custa lembrar que por aqui o direito ao voto feminino só foi reconhecido em 1932. As mulheres hoje constituem 51% do eleitorado brasileiro. São maioria. Porém, é baixa a presença feminina no Parlamento e nos governos. As mulheres representam apenas 8,7% da Câmara Federal e 12% do Senado. Ficamos bem atrás da Argentina, onde a bancada feminina na Câmara chegou a 40% e no Senado a 38,9% após o pleito de 2007. A participação das mulheres no mercado de trabalho supera a casa dos 40%, sendo este um outro sinal da crescente autonomia e independência feminina que precisa ser convertido em votos que favoreçam a causa emancipacionista. A ampliação da presença da mulher no Parlamento e nos governos deve constar como uma prioridade na agenda das mulheres para 2014. Eleger uma grande bancada feminista em todos os âmbitos da disputa é essencial para avançar nas conquistas. É igualmente indispensável apoiar as candidatas e candidatos comprometidos com a luta das mulheres e da classe trabalhadora em defesa da igualdade, da democracia e dos direitos sociais e levantar bem alto nossas bandeiras e plataforma: a defesa da reforma política com financiamento público exclusivo das campanhas; democratização da mídia; garantia de redes de equipamentos sociais como creches, lavanderias e centros de convivência; criação da Secretaria de Políticas da Mulher; Redução da Jornada de Trabalho; mais verbas para a educação, transporte e saúde pública, entre outras.
Adilson Araújo Presidente Nacional da CTB
capa | mulher d’classe
Futebol
é coisa de mulher, sim
Copa do Mundo de 2014 fortalece o debate sobre a prática esportiva feminina Texto: Marcos Aurélio Ruy
P
ara a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a realização da Copa traz muitos
benefícios para o país, com o aumento do turismo e das vantagens econômicas advindas desse fato. Contudo, a CTB reafirma que a Copa deixará um legado de avanços sociais importantes para a população, além de empoderar a prática esportiva pelo Brasil afora. Deve-se aproveitar o evento para combater de forma mais rigorosa as práticas criminosas de tráfico de pessoas, de exploração do trabalho infantil e escravo e da exploração sexual de crianças e adolescentes e da prostituição forçada de mulheres. Passados 64 anos desde a realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, em 1950, o segundo mais importante esportivo do planeta (atrás apenas dos Jogos Olímpicos) desta vez acarreta esperanças para a luta das trabalhadoras e dos trabalhadores, a partir da expectativa de que a competição possa garantir melhorias nas condições de trabalho no país. A jogadora Marta, embaixadora da Copa 2014, acredita que o evento “vai deixar bons frutos para o futebol feminino e para o Brasil de uma forma geral. Estamos com uma expectativa grande no masculino e no feminino. Espero que tudo que está acontecendo no país possa incentivar o futebol
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mulher d’classe |
capa
feminino para chegar bem no mundial da cate-
“Uma Copa em seu território é da mais alta relevân-
goria em 2015”, defende. Uma das reivindicações
cia para um país, seja ele qual for”, acentua Rosilene
das brasileiras é a realização da Copa do Mundo
Gomes, presidenta da Federação Paraibana de Fu-
de Futebol Feminino em 2019, já que a estrutura
tebol – única mulher num cargo desse porte numa
para a realização desse evento já estará pronta e o
entidade estadual de futebol no país.
futebol praticado pelas
Segundo ela, “com a
mulheres enche os olhos
realização de grandes
dos brasileiros, tamanha a
eventos como esse, cresce
sua qualidade.
o turismo, se movimen-
Segundo os organiza-
ta muito dinheiro e os
dores da Copa, o evento
equipamentos esportivos
deverá agregar cerca
e a infraestrutura recebem
de R$ 183 bilhões ao
melhorias significativas
Produto Interno Bruto
com benefícios diretos à
(PIB) até 2019. Para os
população”. Para ela, “isso
especialistas, desse total,
dá a certeza de criação
R$ 47,5 bilhões serão de investimentos em obras
de mais empregos e de Rosilene Gomes, presidenta da Federação Paraibana de Futebol
maior visibilidade da na-
de infraestrutura, como mobilidade urbana,
ção no mundo até porque bilhões de espectadores
gastos de turistas e aumento no consumo das
estarão com os olhos e ouvidos no Brasil no mês
famílias em todo o país.
da competição”, garante. “A inserção das mulheres brasileiras no mundo do esporte data de meados
A emancipação feminina
do século 19. No entanto, é a partir das primei-
Vai longe o tempo em que as mulheres viravam
ras décadas do século 20 que a participação se
o rosto para o esporte de uma maneira geral e para
amplia adquirindo, portanto, maior visibilidade”,
o futebol em particular. No caso do futebol, de uns
destaca a pesquisadora Silvana Goellner.
anos para cá, elas são vistas nos estádios quase do mesmo montante que os homens. ”Apesar de um
Trabalho decente na Copa
histórico lento, a participação da mulher cresceu
Para a Organização Internacional do Trabalho
muito nas competições esportivas, com vitórias,
(OIT), grandes eventos como a Copa do Mundo no
medalhas, títulos, superando as perspectivas de
Brasil em 2014 e da Olimpíada de 2016 no Rio de
todas e todos. No entanto, esse avanço deve ser
Janeiro, configuram-se em “boas oportunidades
analisado com muita cautela: embora sempre
para debater as questões do trabalho decente”,
crescente e significativa, a presença feminina na
afirmou a diretora da organização no Brasil, Laís
vida esportiva do país ainda é menor que a dos
Abramo. Já para Rosilene, “a realização da Copa
homens”, define a pesquisadora Rita Fraga.
pode colaborar para o combate à violência contra
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia
4
a mulher”. Mas acentua que não se pode ficar
e Estatística (IBGE), as mulheres já são maioria no
circunscrito somente às épocas dos grandes even-
país, constituindo 51,5% da população brasileira.
tos. “Esse combate deve ser contínuo, indepen-
A maioria delas entende que a realização da Copa
dente da Copa até porque o país sediará outros
do Mundo de Futebol no Brasil pode beneficiá-las.
eventos importantes e já vem fazendo campa-
capa | mulher d’classe
nhas há tempos para conter esse tipo de explora-
do da Inglaterra no século 19, somente nos anos
ção”. A CTB apoia as iniciativas da OIT e exige dos
1980 o futebol feminino ganhou visibilidade no
governantes medidas preventivas e punitivas em
Brasil, com o surgimento da primeira liga de fute-
casos dessas atividades criminosas.
bol feminino em 1981 e a realização de campeo-
“Todos nós devemos estar atentos e contribuir
natos mostrando que a mulher também poderia
contra qualquer tipo de violência, seja contra a
jogar futebol. Os cartolas da entidade máxima do
mulher, a criança, o idoso, ou contra qualquer ser hu-
futebol brasileiro tentaram impedir a expansão
mano, assim como contra todo tipo de exploração
do futebol feminino, vetando a participação dos
de qualquer pessoa”, defende a dirigente paraibana.
campeonatos de mulheres em estádios oficiais.
Apesar desses avanços, a jogadora de futebol Ester
Com a realização do Campeonato Mundial de
Pereira retrata a dificuldade enfrentada pelas atletas,
Futebol Feminino, em 1991, os dirigentes da CBF
mas segundo ela, o futebol feminino colabora para
se viram obrigados a montar às pressas a primeira
acabar com os preconceitos. “Existe uma cultura de
seleção nacional de futebol feminino para não
rejeição nos esportes praticados pelas mulheres. O Brasil tem raízes fortes e visíveis em relação a isso. O futebol ajuda a quebrar preconceitos. E precisamos usar o futebol como arma para quebrar o preconceito contra a mulher no esporte. O Brasil é conhecido como o país do futebol, sim. Falta o apoio das empresas, dos governos, e uma divulgação melhor.” No Brasil, as mulheres começaram a ter destaque inicialmente nos esportes coletivos. No vôlei, as brasileiras já foram vitoriosas nos campeonatos pan-americano e mundial e em diversas olimpía-
deixar o Brasil de fora desse importante campe-
das. No basquete, foram campeãs pan-americanas
onato. Mas até na linguagem ainda se vê certo
em 1967, 1971 e 1991 e mundial em 1994 e não
machismo quando a Copa do Mundo de futebol
raras vezes figuraram entre as seis primeiras coloca-
refere-se aos homens, pois no caso das mulheres
das em campeonatos internacionais, inclusive nos
é necessário ressaltar que se trata da Copa do
Jogos Olímpicos. No ano passado, a seleção bra-
Mundo de Futebol Feminino.
sileira feminina de Handebol foi campeã mundial
“O futebol feminino do Brasil ainda está longe
pela primeira vez na história do esporte no país.
do praticado nas grandes potências. Mesmo assim,
Mas a prática do futebol feminino, que já ocor-
como mulher, acredito que ele pode ser mais fomen-
ria de forma amadora nos anos 1930 e 1940 nas
tado, daí não haver nenhum problema em brigar
praias do Rio de Janeiro, só teve a primeira equipe
para sermos sede do campeonato mundial em
feminina formada em 1958, quando o Araguari
2019”, acentua Rosilene. Porque “já teremos equipa-
Atlético Clube, de Minas Gerais selecionou 22 me-
mentos de alto nível e com uma boa infraestrutura.
ninas para um jogo beneficente. A partida ocorreu
No entanto é preciso profissionalizar o nosso futebol
em dezembro com enorme sucesso. Tanto que a
feminino para que a mulher possa se integrar e de-
principal revista informativa da época, “O Cruzei-
dicar-se mais a esse esporte ainda dominado pelos
ro”, deu matéria de capa sobre o acontecimento.
homens”, pondera. “O Brasil é a pátria das chuteiras e
Apesar de toda essa paixão pelo esporte trazi-
nós mulheres não podemos ficar de fora.” é
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mulher d’classe |
reforma política
Mais mulheres nas instâncias de representação
Sem luta, atual cenário de desigualdade nunca será alterado
Texto: Luciana Santos*
R
ecentemente, a Ordem dos Advogados do
inclusive, nas manifestações de junho passado — se-
Brasil (OAB) contratou uma pesquisa sobre
guem no sentido de diminuir a participação e a plu-
Reforma Política no país. Os resultados confirmam
ralidade. O grupo de trabalho instituído na Câmara
o desejo do povo brasileiro de um sistema político
dos Deputados para discutir o tema sugeriu em seu
menos pautado no poder financeiro e que real-
relatório uma série de instrumentos antidemocráti-
mente represente a diversidade e os interesses da
cos, revelando o grau de dificuldade em estabelecer
maioria da população. Os dados indicam que 85%
medidas mais inclusivas no âmbito da Casa.
dos entrevistados são a favor de uma Reforma
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Foto: Assessoria Luciana Santos
Além de manter a atual barreira do quocien-
Política, 78% são contra o financiamento de cam-
te eleitoral, o relatório propõe novas cláusulas
panha por empresas e 92% opinaram a favor de
de barreira criadas contra a representação de
um projeto de lei de iniciativa popular.
partidos menores nos parlamentos. A ideia é
A batalha por essas mudanças, no âmbito do
criar uma espécie de “distritão misto”, nos quais
Congresso Nacional, não tem se constituído em
os deputados serão eleitos, combinando o voto
tarefa fácil. As propostas apresentadas estão longe
proporcional em lista pós-ordenada e também
de atender aos anseios populares – evidenciados,
a votação individual, duas novas barreiras são
REFORMA POLÍTICA | mulher d’classe
Foto: Agência Câmara
criadas. Primeiro, cada partido terá que obter, em
ção, afinal de contas o Brasil elegeu uma mulher
cada “distritão”, um quociente eleitoral variável
para a Presidência da República, Dilma Rousseff.
entre 14% e 25% dos votos válidos; em segundo
Nas últimas eleições, 70% do eleitorado bra-
lugar, há também uma barreira para candidato,
sileiro deu seu voto a duas mulheres. É difícil,
que para se elegerem terão que ter mais de 10%
portanto, aceitar como parte do processo natural
dos votos do quociente eleitoral do “distritão”. As
a estagnação nas últimas três eleições nacionais
vagas que sobrarem – provavelmente muitas–
das bancadas de Senado e Câmara dos Depu-
serão providas pelos candidatos individualmente
tados. Em 2002 foram oito senadoras, mesmo
mais votados.
número de 2010. Na Câmara 42 deputadas em
O relatório ressuscita, também, a cláusula de
2002, 46 em 2006 e 45 em 2010.
barreira de 5% do eleitorado nacional, já consi-
Nossa legislação, no aspecto da garantia de inclu-
derada inconstitucional pelo Supremo Tribunal
são das mulheres nos espaços de representação, ain-
Federal. O Supremo considerou que esta cláu-
da é muito incipiente. A Lei 9.100/95 instituiu cotas
sula violava o direito das minorias e impedia a
de gênero, indicando o mínimo de 20%. Em 1997 a
igualdade de condições nas disputas. Com essas
Lei 9.504 elevou este percentual para 30%. Atente-se
barreiras, o número de partidos que tem funcio-
que somente vagas para candidaturas, sem outras
namento parlamentar seria reduzido a menos da
medidas para eleição efetiva de mulheres.
metade. E, em muitos estados, só seriam eleitos representantes de dois ou três partidos.
Em 2009, a Lei 12.034 estabeleceu destinação de 5% do fundo partidário à criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação
Participação Feminina
política das mulheres e a reserva de, ao menos,
No que se refere à participação feminina, é gri-
10% do tempo de propaganda partidária para pro-
tante a desproporção entre homens e mulheres
mover e difundir a participação política feminina.
em cargos eletivos. Nas últimas eleições, o Brasil
Fomos um dos primeiros países da América Lati-
elegeu apenas uma governadora. Na Câmara, as
na a assegurar o direito de voto às mulheres, o que
mulheres representam 8,6% e no Senado 16%.
ocorreu em 1932. Desde então os avanços têm sido
Não há justificativa para essa sub-representa-
insignificantes. Para avançar na inclusão feminina, os
7
mulher d’classe |
REFORMA POLÍTICA
Foto: Valcir Rosa
países buscam compensações através de medidas
mulher real: inteligente, trabalhadora e capaz de
inclusivas. Em 2004, a Argentina aprovou uma
estar na política; a garantia das redes de equipa-
reforma que estabeleceu algo positivo: na sequência
mentos sociais como creches, lavanderias, cen-
da lista fechada de cada partido deve constar pelo
tros de convivência e a criação de Secretaria de
menos uma mulher a cada dois homens, sob pena
Políticas para Mulheres nos estados e municípios.
de indeferimento do registro da lista. A representa-
Por mais que lutemos, a conquista dessas ban-
ção feminina nas eleições de 2007 atingiu 40% na
deiras e o instituto de uma reforma política am-
Câmara dos Deputados e 38,9% no Senado.
pla, abrangente, verdadeiramente democrática e
A França também promoveu uma reforma constitucional em 1999, com o objetivo de alcançar
O movimento social organizado e forte, só ele,
igualdade política entre os gêneros. Em 2000 foi
poderá conquistar o acesso aos direitos demo-
aprovada a Lei da Paridade que determina que me-
cráticos, à transparência e à representatividade.
tade dos candidatos constantes das listas deva ser
As mulheres estão chamadas a dar sua contri-
de um mesmo sexo, com alternância de posições
buição. Não conquistaremos igualdade salarial,
entre homens e mulheres. A alteração promoveu
políticas públicas de assistência à saúde da
um aumento significativo de mulheres que passa-
Mulher, o fim da violência contra a Mulher e me-
ram a constituir 47,5% dos órgãos legislativos.
lhores condições de vida e trabalho, entre outras
Essas iniciativas comprovam a eficácia de
questões, com um Congresso majoritariamente
medidas de compensação. No Brasil, o protago-
masculino. É preciso equilibrar essa balança para
nismo feminino na sociedade vem aumentando
que tenhamos o espaço que nos é devido.
– já somos 40% da população economicamente
Não houve nenhuma luta neste país em que a
ativa –e é preciso que as mulheres se empoderem
força e a combatividade das mulheres não esta-
da bandeira da reforma política como forma de
belecessem a diferença. Assim como na conquista
garantir maior representatividade e exijam do
do voto feminino, no combate à ditadura e na
Parlamento as mudanças necessárias.
conquista de eleições diretas, mais uma vez somos
Entre as bandeiras que se erguem nas ques-
chamadas a nos posicionar. Tomar as ruas em defesa
tões da Mulher, destaco como prioritárias a
da reforma política popular e de mais mulheres nas
defesa da reforma política, com financiamento
instâncias de representação. É o que está posto,
público de campanha, garantia de coligações
sigamos juntas, firmes na luta! é
proporcionais e lista fechada com alternância de gênero; a democratização da mídia, como forma de contribuir para a veiculação da imagem da
8
inclusiva não se dará no âmbito do Parlamento.
* Engenheira eletricista, deputada Federal por Pernambuco e vicepresidenta do PCdoB. Foi prefeita de Olinda, deputada estadual e secretária de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de PE.
ARTIGO | mulher d’classe
O impacto da terceirização na vida das mulheres Foto: Fecosul
Por Celina Arêas, secretária de Formação e Cultura da CTB
E
“Que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio?” Bertold Brecht
m 2014, ano em que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) completará 71 anos
e a Constituição Federal 26 anos, é necessário que a classe trabalhadora tome as ruas para defender o óbvio: ter uma relação de trabalho que respeite os seus direitos. O PL 4330/2004, de autoria do empresário e deputado federal Sandro Mabel, representa um retrocesso nas relações de trabalho, fazendo, na prática, uma reforma trabalhista.
muneração ainda é desigual. O salário da mulher
Não temos dúvida de que nós, mulheres,
é, em média, 60% do salário do homem, apesar
seremos mais uma vez quem sofrerá os maiores
de a Constituição “prever salário igual para fun-
impactos na vida laboral. É imprescindível que nos
ção igual, indiferente de sexo, raça e idade”.
juntemos com os nossos companheiros homens
Por isso, penso que 2014 deve ser o ano em
para barrar esse projeto, pois ele é prejudicial a
que daremos prioridade à luta pelo cumprimen-
toda classe trabalhadora. No Brasil, é proibida
to de nossos direitos constitucionais. A tentativa
a terceirização em atividade-fim, porém o que
de regulamentar a precarização do trabalho atra-
presenciamos atualmente, é o desrespeito à Cons-
vés da terceirização vem desde a ditadura militar,
tituição Federal e às demais leis que proíbem esse
com Decretos-leis e Leis, mas eram apenas nas
tipo de relação de trabalho nas atividades-meio.
atividades-meio.
As empresas investem em estruturas e em
O governo de Fernando Henrique Cardoso
empregos de alta qualificação e produtividade
apresentou um projeto de Lei (4302/98) que
e terceirizam os empregos menos especializa-
tratava do trabalho temporário e da prestação
dos. Essa é uma forma de precarizar o trabalho,
de serviços. O projeto visava “legalizar” a locação
pois a intenção dos empresários é a desregu-
da mão de obra, de qualquer natureza e ativi-
lamentação dos direitos trabalhistas com o
dade seja fim ou meio, através de convenção
discurso de que as nossas leis são muito rígidas,
coletiva de trabalho. O relator desse projeto era
inflexíveis e que o Brasil precisa se modernizar
o deputado federal Sandro Mabel. O movimento
e diminuir os custos do trabalho com redução
sindical pressionou o governo Lula e, em 2003,
de direitos trabalhistas.
o presidente enviou mensagem ao Congresso
A inserção da mulher no mercado de traba-
retirando o PL.
lho cresce a cada ano. Hoje somos mais de 48%
A CTB é contrária ao PL 4330 e com certeza
da mão de obra do emprego formal. Devemos,
lutará não só pela não aprovação desse projeto
porém, debater a qualidade desse emprego. A
que precariza e desregulamenta a relação de
concentração do trabalho feminino está princi-
trabalho, como também pelo cumprimento da
palmente em atividades no setor de serviços e é
Constituição Federal em relação aos direitos da
nesse setor que se dá mais a terceirização. A re-
mulher no mundo do trabalho. é
9
mulher d’classe |
dia internacional da mulher
Foto: Cinthia Ribas
Mais mulheres
na política para avançar Texto: Secretaria da Mulher Trabalhadora da CTB
A
celebração do Dia Internacional da Mu-
homens e mulheres na política, dentre 189 na-
lher em 2014 tem um significado especial
ções, o Brasil estava em 121º lugar atrás de países
para as mulheres. Uma gigantesca batalha se de-
como o Iraque e o Afeganistão. A baixa represen-
senvolverá com as eleições de outubro e, neste
tação das mulheres no parlamento contribuiu
sentido, as mobilizações precisam ampliar a de-
para isso. Entre os 513 deputados federais, apenas
mocracia e alterar a composição do parlamento
44 são mulheres (8,6% do total) e dentre os 81 se-
brasileiro, bem como dos executivos estaduais.
nadores, 13 são mulheres (16%). Elas também são
A primeira tarefa é a organização do movimento feminista, do movimento de mulheres e do mo-
menos de 10% das prefeitas e nas câmaras municipais, a representação feminina está em 12%.
vimento sindical para pressionar os congressistas para que votem a reforma política democrática,
150 anos para atingir igualdade
para ampliar a participação das mulheres. A pes-
No âmbito municipal percebe-se um aumento
quisa realizada pelo Ibope/Instituto Patrícia Gal-
tímido, se mantiver este ritmo o Brasil só atin-
vão aponta que 74% dos entrevistados defendem
gira a igualdade de representação política nos
mais participação da mulher como um atributo
município em 150 anos para atingir a igualda-
inerente ao sistema democrático e 76% entendem
de, segundo José Eustáquio Diniz Alves (ENCE/
que a ampliação do acesso das mulheres aos
IBGE).De 1992 a 2012 o avanço da participação
espaços de poder deveria ter garantia legal.
feminina foi, em média, de 1% no número total
Dados da Inter-Parliamentary Union (IPU), de 2013, mostram que no ranking de igualdade entre
10
de eleitas a cada pleito municipal. O Dia Internacional da Mulher é uma oportunida-
dia internacional da Mulher | mulher d’classe
de de reflexão e de luta. No Brasil, as mulheres são 51,5% da população e isso se deve à queda nas taxas de mortalidade feminina relacionadas à gravidez, parto e pós-parto. A queda na taxa de fecundidade, por sua vez, vem alterando a taxa de reposição populacional e traz uma profunda transformação na vida das mulheres. Outra mudança, significativa, foi o aumento da participação feminina no mercado de trabalho. No entanto, segundo o Dieese, em 2012, o rendimento médio mensal real de trabalho das mulheres era de 72,9% do rendimento dos homens. O trabalho doméstico ainda é a principal ocupação das mulheres, principalmente das negras. A baixa formalização e a falta de reconhecimento dos direitos dessas trabalhadoras ainda são desafios a serem superados. Elas são responsáveis por uma atividade de importância crucial para toda a sociedade, o trabalho do cuidado e de reprodução das famílias. No Brasil, este trabalho quando executado de forma não-remunerada não é considerado atividade econômica, reforçando a invisibilidade e a desqualificação do trabalho doméstico. De acordo com estudo da Organização Inter-
Uma história de luta O Dia das Mulheres ou dia das Mulheres Trabalhadoras é uma data de solidariedade internacional, para rever a força e a organização das mulheres proletárias. (Alexandra Kollontai) O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, tem como origem as manifestações das mulheres russas por melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada da Rússia czarista na Primeira Guerra Mundial, o que marcou o início da Revolução de 1917. Entretanto a ideia de celebrar um Dia da Mulher já havia surgido, nos Estados Unidos e na Europa, no contexto das lutas das mulheres por mais direitos e pelo voto feminino. Já em 1910, ocorreu a primeira conferência Internacional de Mulheres, em Copenhagen, na Dinamarca, dirigida pela Internacional Socialista, quando foi aprovada proposta da socialista alemã Clara Zetkin, de instituição de um Dia Internacional da Mulher, sem data especificada ainda. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o primeiro Dia Internacional da Mulher foi celebrado em 28 de fevereiro de 1909 nos EUA, por iniciativa do Partido Socialista da América , em memória às operárias da indústria têxtil que lutaram por seus direitos e foram reprimidas. Em 19 de março de 1910, o Dia Internacional da Mulher foi celebrado, por mais de um milhão de pessoas, na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça.
nacional do Trabalho, as mulheres trabalham 5 horas semanais a mais do que os homens. Elas
Mesmo com tantas dificuldades, as mulheres
têm uma jornada total semanal de 57,1 horas,
elevaram a taxa de escolaridade e, nos últimos anos.
contando com 34,8 horas semanais de trabalho
Ainda temos elevados percentuais de violência
e mais 20,9 horas de atividades domésticas. Já os
doméstica no país, mas observa-se que uma impor-
homens têm uma jornada total de 52,3 horas se-
tante mudança cultural vem sendo operada desde a
manais, sendo 42,7 horas de jornada de trabalho
sanção da Lei Maria da Penha. O Relatório Global do
e 9,2 horas semanais de atividades domésticas.
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para
Arrumar a casa, cuidar dos filhos e dos idosos
a Mulher (Unifem) classificou esta legislação como
devem ser responsabilidades compartilhadas
uma das três mais avançadas para enfrentamento à
entre homens e mulheres. E estes devem ser
violência contra as mulheres no mundo.
apoiados por políticas de Estado que assegurem,
Nesse sentido é fundamental que os movimen-
também, as condições para a reprodução da
tos sociais de mulheres, sindicais e de defesa de
vida. Por isso, as discussões sobre o aumento da
direitos compreendam a atualidade da defesa da
licença-maternidade (e da licença paternidade
Lei Maria da Penha, não apenas como uma norma
ou parental) e a adoção de ações afirmativas de
reguladora da relação doméstica, mas acima de
gênero devem ser consideradas em conjunto
tudo da construção de uma nova consciência cul-
pelos governantes e pela sociedade civil.
tural que deve ser alimentada cotidianamente. é
11
mulher d’classe |
rurais
O papel das mulheres nos 50 anos da Contag Luta pela igualdade de gênero é uma realidade no sindicalismo do campo Texto: Redação Contag
E
Fotos: Acervo Contag
m 2013, ano em que a Confederação Nacional
cia e em defesa dos direitos da classe trabalha-
dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
dora naquele período da história brasileira.
celebra 50 anos de luta, resistência e conquistas, as trabalhadoras rurais têm muito para comemorar. As mulheres conseguiram importantes vitó-
As mulheres sempre estiveram inseridas
rias, em meio século de existência da entidade,
nessas lutas, mas sua participação era invisibili-
como a aprovação da paridade de gênero em
zada por causa da dominação masculina. Apesar
todas as instâncias deliberativas e da direção da
da ausência de registros, pode-se dizer que a
entidade, conquista que é fruto da organização
luta das mulheres por igualdade de condições
e luta das mulheres no Movimento Sindical de
no movimento sindical começou junto com a
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR).
construção dos sindicatos.
A Contag foi criada em 1963, um ano antes de
Até o ano de 1985, quando foi realizado o 4º
o golpe militar ser instaurado no Brasil. Por esse
Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, a
motivo, diversos movimentos sociais, dentre eles
participação efetiva e reconhecida das mulhe-
o MSTTR, viveram um longo período de forte re-
res no Movimento Sindical de Trabalhadores
pressão em suas mobilizações e lutas populares.
e Trabalhadoras Rurais era limitada e se dava,
No entanto, a Contag, as Federações dos Tra-
12
Invisibilidade feminina
em geral, pela filiação na condição de esposa
balhadores na Agricultura (Fetag) e os Sindicatos
ou filha do associado titular do sindcato. Nesse
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR)
período a representatividade das mulheres não
não deixaram de realizar suas ações de resistên-
chegava a 3%.
rurais | mulher d’classe
Neste congresso, foi aprovada uma moção pelo
mento sindical novos temas para o debate como:
reconhecimento das trabalhadoras rurais e pelo di-
o reconhecimento enquanto trabalhadora, a
reito à sindicalização independente do marido, pai
documentação, os direitos previdenciários, a
ou irmão. Na ocasião, também se deliberou sobre o
saúde e os direitos reprodutivos, a educação no
estímulo e apoio à sindicalização da mulher.
campo, a participação da juventude, enfim, um conjunto de novos assuntos que mudaram a cara
Organização Ainda nesse período, o movimento pró-
do sindicalismo no campo. Elas também fortaleceram a plataforma geral
-constituinte reuniu mulheres, principalmente as
do movimento na luta pela reforma agrária, pelas
trabalhadoras rurais, em Brasília, para reivindicar
políticas da agricultura familiar, pelos direitos dos
a aposentadoria aos 55 anos, direito conquistado
assalariados rurais, entre outros.
pela constituição promulgada em 1988. A partir de então, as trabalhadoras rurais
Em 1995, após a realização do 6º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, a Comissão Na-
intensificaram sua mobilização e luta, ampliaram
cional de Mulheres Trabalhadoras Rurais passou
a sindicalização e, em 1989, criaram a Comissão
a ter uma coordenadora com direito a voto nas
Nacional Provisória da Trabalhadora Rural, vin-
instâncias deliberativas do movimento.
chlada à vice-presidência da Contag. O trabalho organizativo, por meio da formação
Embora a comissão estivesse ligada à Secretaria de Organização e Formação Sindical, já
de comissões de mulheres nos municípios e nos
constava no estatuto da Contag e eram realiza-
estados, passou a se constituir num grande desafio
das diversas ações e atividades.
que as trabalhadoras abraçaram com muita garra.
As federações e os sindicatos passaram a ter as
Apesar da iniciativa, as mulheres ainda enfrentaram
comissões estaduais. Esta organização das traba-
muitas dificuldades. Um exemplo é que poucas
lhadoras rurais foi fundamental para o fortaleci-
ocupavam cargos de direção nas entidades e sindi-
mento de sua plataforma de luta e para o avanço
catos. Na própria Contag a diretoria era constituída
da participação feminina no movimento sindical.
apenas por homens, cabendo às mulheres participar somente da suplência e do conselho fiscal.
Inclusão das mulheres No ano de 1998, o 7º Congresso Nacional dos
Inovação
Trabalhadores Rurais incluiu em sua sigla a pala-
As trabalhadoras rurais levaram para o movi-
vra “Trabalhadoras”, revelando assim o protagonismo político das mulheres e o seu empoderamento na luta por reconhecimento, visibilidade, democracia e igualdade. Com uma delegação feminina que teve uma representatividade de 42% dos participantes naquele congresso, as mulheres souberam enfrentar o debate de maneira qualificada, com habilidade política e capacidade de convencimento. O resultado desse processo foi a aprovação da cota de, no mínimo, 30% de mulheres nos cargos de direção da Contag, das federações e sindicatos, em
13
mulher d’classe |
rurais
todas as instâncias deliberativas do MSTTR, e de 50% de mulheres em todos os espaços de formação.
A ação, que é realizada desde os anos 2000 e deu visibilidade às trabalhadoras do campo e da floresta com toda a sua diversidade étnico-cul-
Movimento Sindical
tural, construiu plataformas e pautas de reivin-
O debate sobre a participação das mulheres
dicação e fortaleceu sua capacidade de diálogo
no MSTTR iniciou-se pela importância da sua sin-
e negociação de políticas públicas e se tornou a
dicalização e participação no movimento sindical
maior mobilização do movimento.
e pelo reconhecimento da dupla discriminação, como mulher e como trabalhadora rural.
Nos 50 anos da Contag, as trabalhadoras rurais construíram uma trajetória de grande expressivida-
No curso deste debate, as mulheres continu-
de política. O debate hoje está muito mais avançado
am enfrentando muitos desafios e estão conquis-
e a luta é pela implementação da paridade levando
tando avanços, sendo um dos mais significativos
em conta pelo menos três dimensões da dominação
a adoção da política de cotas. A participação das
e desigualdade: a econômica, do reconhecimento e
mulheres, especialmente a partir da implementa-
da representação política, que perpassa pela dimen-
ção dessa política, além de ampliar e qualificar a
são geracional. Somente articulando estas dimen-
sua plataforma política, resultou em importantes
sões pode-se, de fato, construir a igualdade.
contribuições para o MSTTR e para construção
Com esta compreensão, entendemos que
do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural
igualdade de gênero, com o combate a toda e
Sustentável e Solidário (PADRSS).
quaisquer forma de discriminação é um princípio básico do MSTTR e deve ser buscado em todas as
Marcha das Margaridas A expressão maior do crescente protagonis-
14
políticas e ações desenvolvidas por suas entidades. Resgatar essa história, que tem início a partir
mo político das mulheres está na realização da
do momento em que há o reconhecimento que o
Marcha das Margaridas – a atividade lembra a
movimento sindical tem dois sexos, é reconhecer
morte da líder sindical Margarida Alves, assassi-
a importância das mulheres para o crescimento e
nada em agosto de 1983, na Paraíba.
fortalecimento do próprio movimento. é
artigo | mulher d’classe
15
mulher d’classe |
artigo
A mudança no perfil da mulher da terceira idade Texto: Lúcia Guedes, dirigente da UBM-BA, membro do Conselho Municipal do Idoso de Salvador e Ilhas e do Fórum Permanente de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa
“O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social” - Estatu-
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
to do Idoso, Capítulo I – do direito à vida.
(IBGE), a perspectiva é que a partir de 2050 o
Ao longo da história, as mulheres – organizadas em diversos espaços sociais – lutaram para conquistar e consolidar direitos que são, cotidia-
número de idosos deverá atingir metade da população do país. O aumento da expectativa de vida provo-
namente, ameaçados de extinção pelos mitos
cada pelo fenômeno da longevidade deu às
que se perpetuam na sociedade brasileira.
mulheres idosas a possibilidade de viver e par-
Desde a queima de sutiãs em praça pública
ticipar mais do espaço público, em detrimento
em 1968, quando centenas de mulheres se reu-
do privado, com seu engajamento em grupos
niram em frente ao teatro onde era realizado o
de atividades diversas como a dança, os tra-
concurso Miss América, na cidade de Atlantic
balhos manuais, as associações de classe e de
City, nos Estados Unidos, para protestar contra
bairro, os sindicatos, os grupos de lazer (festas,
a ditadura da beleza imposta na época até os
viagens) além das atividades físicas.
dias atuais foram muitas as conquistas. No Brasil, a Lei Maria da Penha – norma criada
Estatuto do Idoso Algumas conquistas como o advento do
para punir com rigor as agressões contra as
Estatuto do Idoso – destinado a regular os
mulheres –, as Delegacias e Varas Especializadas
direitos assegurados às pessoas com idade
no Atendimento às Mulheres em Situação de
igual ou superior a 60 anos - como instrumento
Violência Doméstica e Familiar e o combate aos
de defesa e fortalecimento dos direitos desta
estereótipos e preconceitos gerados pelas rela-
população, vem corroborar com a luta pelo
ções de gênero desiguais são alguns exemplos
reconhecimento e valorização de um segmento
destas vitórias conseguidas após muita luta.
que protagonizou a construção da história.
Muitas mulheres, hoje acima dos 50 anos,
Mulher Idosa
quando jovens vivenciaram a ditadura militar
Houve um longo período em que as mu-
no país (1964-1985), o período de repressão
lheres foram confinadas ao espaço privado do
que torturou, perseguiu e matou milhares
lar, por uma lógica histórica perversa, que as
de brasileiros, frustrou sonhos, mas não lhes
mantinha fora do âmbito das decisões políticas,
tirou a esperança de restaurar a democracia e
econômicas, sociais e até familiares.
recuperar o estado de direito em que vivemos atualmente.
O atual modelo de família tem um recorte em que a presença da mulher idosa se man-
Aumento da expectativa de vida
tém, mas não de forma passiva, subjugada. Sua
O Brasil tem uma população com mais de
participação está vinculada à sobrevivência e
21 milhões de pessoas acima dos 60 anos
16
e, de acordo com dados divulgados pelo
sustentação econômica familiar, muitas vezes,
artigo | mulher d’classe
na condição de chefe de família. Em alguns casos, são as mulheres e homens aposentados, que garantem o bem estar dos
mana e harmoniosa entre pessoas de faixas etárias diversas, começando pelo espaço familiar. Uma forma de contribuir com a renda da fa-
filhos que, por inúmeras razões como: casamento
mília é a aposentadoria que pode ser por idade
malfadado e o desemprego retornam à casa dos
(Mulheres acima dos 60 anos e homens acima
pais, muitas vezes, acompanhados por seus filhos.
dos 65) ou por tempo de contribuição.
Relação com a família
Pode-se dizer que as políticas voltadas para
Apesar dos direitos conquistados, a reali-
esta população como o Estatuto do Idoso, a
dade da população idosa é a exposição a toda
Política Nacional do Idoso e os Conselhos de
espécie de violação, desrespeito, maus-tratos,
Direitos da Pessoa Idosa (municipal, estadual
inclusive no âmbito familiar. A violência insti-
e federal), e inúmeras entidades da sociedade
tucional também está presente, provocando
civil organizada são importantes iniciativas,
situações de constrangimento em locais como
mas a participação de todos na luta em defesa
supermercados, bancos e repartições.
dos direitos da pessoa idosa é fundamental,
As relações intergeracionais são uma maneira para tornar a convivência mais respeitosa, hu-
considerando que as crianças, a juventude e as pessoas adultas serão os idosos de amanhã. é
17
mulher d’classe |
luta de gênero
Autonomia econômica: desafio para a igualdade entre homens e mulheres Muito já foi conquistado, mas importantes desafios persistem Texto: Ivânia Pereira
A
s mulheres buscam autonomia econômi-
País desenvolvido respeita a diversidade
ca para prover as condições necessárias
A Constituição de 1988 afirma, em seu artigo
para a sua própria sustentação, decidindo por
5º, que “todos são iguais perante a lei, sem distin-
elas mesmas a melhor forma de fazê-lo. E para
ção de qualquer natureza..., I - homens e mulheres
alcançar esse objetivo é necessário envolver
são iguais em direito e obrigações”, e consagra o
também as pessoas que delas dependem para
princípio da igualdade, vedando qualquer forma de
estabelecer relações compartilhadas em casa.
discriminação e proibindo a distinção de qualquer
Nesse sentido, as políticas públicas devem estar compromissadas com a inserção e a permanên-
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em
cia das mulheres no mundo do trabalho, com a
2012 o rendimento médio mensal real de trabalho
ampliação de direitos sociais e por mais igualdade
dos homens foi de R$ 1.698,00 e das mulheres foi
entre mulheres e homens, sejam da cidade, do
de 1.238,00. Ou seja, as mulheres recebiam 72,9%
campo, da floresta e das águas, garantindo, assim,
do rendimento de trabalho dos homens, em 2011,
uma perspectiva de vida de longo prazo, acesso a
esta proporção era de 73,7%. 23,7% dos homens
previdência social e a serviços públicos de qualida-
ocupados recebiam até 1 salário mínimo, enquanto
de. Com isso, mais do que autonomia financeira, o
para as mulheres este percentual era de 33,3%. Além
país estará construindo efetivamente as bases para
disso, havia proporcionalmente mais mulheres ocu-
uma sociedade justa e com menos desigualdades.
padas sem rendimentos ou recebendo somente em
Outro elemento importante para a construção da autonomia econômica da mulher é dar visibilidade
18
natureza. Segundo o Departamento Intersindical de
benefícios (9,0%) do que homens (4,9%). Demonstrando o perfil das desigualdades de
às desigualdades de gênero e assim subsidiar a for-
gênero no mundo do trabalho, muito embora
mulação de políticas voltadas para os cuidados com
o desemprego feminino tenha declinado, as
as crianças e idosos e com os afazeres domésticos.
mulheres ainda correspondem, segundo estudos
Neste campo, as pesquisas e estudos foram instru-
do Dieese, a mais da metade do contingente
mentos fundamentais para a ampliação da oferta de
que, sem sucesso, busca uma oportunidade de
vagas em creches, no campo e na cidade, o acesso
trabalho. Em 2012, 57,8% da população conside-
a bens e equipamentos que reduzem o desgaste
rada desocupada eram mulheres e 30,5% nunca
do trabalho doméstico, a ampliação das políticas
tinham trabalhado, outros 34,6% eram jovens
públicas e o incentivo à participação masculina na
entre 18 e 24 anos, 59,9% eram pretos ou pardos
responsabilidade com as tarefas do cotidiano.
e 53,1% deles não tinham completado o ensino
luta de gênero | mulher d’classe
médio. Para melhor visualização das desigualda-
(57,8%) dos desocupados era mulheres e mesmo
des de gênero no mundo do trabalho, mostra-
sendo 42,4% (39,86 milhões) do total de ocupa-
mos a seguir um cotejamento dos rendimentos
dos as mulheres representam menos de um terço
médios reais pagos por hora (1) dos ocupados
das aposentadorias por tempo de contribuição.
(2), por sexo, em relação aos rendimentos médios reais dos homens. O estudo demonstrado
Os desafios da ação sindical
no quadro foi realizado pelo Dieese a partir da
A luta das mulheres avançou muito nas últimas
Pesquisa de Emprego e Desemprego nas regiões
décadas, mas importantes desafios persistem. É
metropolitanas e Distrito Federal – 2011 e 2012.
preciso aprimorar a legislação e alterar as relações
Mesmo com a garantia constitucional de
Foto: Joca Duarte
de trabalho entre mulheres e homens. A dupla
igualdade e da proibição das discriminações, as
jornada feminina é uma das principais responsá-
desigualdades baseadas na divisão sexual do tra-
veis pelas condições desigualdade de gênero no
balho e de suas derivações (machismo, discrimi-
mundo do trabalho. A lei que amplia os direitos das trabalhadoras domésticas, as proposições sobre licenças maternidade e paternidade, a agenda do trabalho decente, o combate a terceirização e o Projeto de Lei da Igualdade (PL 4857/2009) são medidas que reforçam a autonomia econômica das mulheres e que promovem a igualdade no
nação, etc.), acossam as mulheres. Segundo dados do Ministério do Trabalho, do ponto de vista da
mundo do trabalho. O desafio é grande ao movimento sindical para
proteção e da taxa de cobertura previdenciária
responder a essas questões que ganham cada
em relação ao total de ocupados era de 70,7% em
vez mais importância. As mudanças significativas
2011. A proteção social é ligeiramente maior entre
associadas à implementação de políticas públicas,
os homens (71,4%), frente às mulheres (69,7%). Do
saneamento, como também a valorização do
total de desprotegidos com rendimento inferior a
salário mínimo, proporcionaram um ambiente
1 salário mínimo: 8,4% são homens (4.109.163) e
de novas exigências e necessidades. A mudança
16,5% são mulheres (6.053.236).
do papel da mulher é um fenômeno social de
Em 2012, Pesquisa Nacional por Amostra de
alto impacto, que passa a exigir da sociedade, e
Domicílios (Pnad) indicavam que a população
em especial do movimento sindical, um olhar de
residente estimada no Brasil foi de 196,9 milhões
atenção para a autonomia da mulher.
de pessoas, dessas 51% eram mulheres (101,065
A luta pela construção da autonomia eco-
milhões) e 49% homens (95,812 milhões de
nômica, social e pessoal das mulheres é tarefa
homens), do total de ocupados, as mulheres em
de toda a sociedade. Neste cenário, as tarefas
2012 eram 42,4% (39,86 milhões), no entanto,
reprodutivas e dos cuidados não foram compar-
para demonstrar as conseqüências da divisão
tilhadas na dimensão da inserção das mulheres
sexual do trabalho nessa mesma Pnad, metade
no mercado de trabalho. é
19
mulher d’classe |
entrevista
Mãe Stella de Oxóssi
Mulher, negra,
yalorixá e imortal
Texto: Eliane Costa e Marilene Betros
A
os 88 anos, Maria Stella de Azevedo Santos,
aceitação ou não aceitação, é algo bem indi-
a Mãe Stella de Oxóssi ou Odé Kayodê, é
vidual. Religião não se impõe. Você pode até
detentora de uma sabedoria extraordinária. Senta-
catequizar, mas ninguém impõe ao outro ser
da na sala de sua casa, no Ilê Axé Opô Afonjá, ter-
católico. Outra coisa é a raça. Raça negra é raça
reiro que comanda há 35 anos em Salvador, a líder
negra, mas todos nós somos seres humanos.
religiosa falou à Revista Mulher D’Classe sobre sua
Não tem quem combata a aceitação ou não de
atuação social e da emoção de se tornar a primeira
raça, gênero e religião. Isso depende da educação e
yalorixá no Brasil a receber o título de “imortal” e
de cada um de nós trabalhar isso dentro de si, para
ocupar a cadeira que foi do poeta Castro Alves na
poder ser diferente, ser mais tolerante. Tolerante
Academia de Letras da Bahia (ALB).
não! Tem que aceitar mesmo, porque a gente
Mulher D’Classe: Em sua opinião, como a
20
Foto: Secom Bahia
tolera tanta coisa. Mas, tem que aceitar, porque são
eleição de uma mulher negra e líder de uma
os desígnios de Deus. Assim como é desígnio de
religião de matriz africana pode ajudar a acabar
Deus, eu estar na Academia de Letras da Bahia. Eu
com o preconceito contra estas religiões?
jamais pensei, apesar de gostar de escrever, de ler
Mãe Stella: A luta contra o preconceito é
e de andar em um ambiente de pessoas letradas.
uma coisa centenária, porque a cada dia nasce
Apesar disso, não passava nem em pensamentos
uma pessoa com uma característica e um
o fato de sentar em uma cadeira na Academia de
pensamento diferente. Então esse negócio de
Letras da Bahia, muito menos em uma cadeira que
entrevista | mulher d’classe
Foto: Eliane Costa
pertenceu a Castro Alves, um defensor dos negros, dos escravos. Um poeta baiano que lutou muito e agora eu herdei dele esta cadeira, como também herdei do historiador Ubiratan Castro, que foi uma grande figura baiana. Eu tenho muito orgulho de sentar em uma cadeira que foi deles. E em uma situação desta, que não foi concurso, simplesmente me puseram lá. Porque foi uma decisão interna, muito fechada. Então se quiseram Maria Stella, a Mãe Stella, lá estou eu. Eu estou a serviço. Mulher D’Classe: A senhora não acha que a escolha é um reconhecimento à sua trajetória? Mãe Stella: Admito que sim. Admito, porque tenho 35 anos que estou como Yalorixá do Ilê Axé Opô afonjá e 74 anos de iniciada. Fui iniciada aos 16 anos. Então, desde lá, quando eu tomei conhecimento do que me puseram, porque eu não entrei, me puseram para ser de santo, para ser iniciada eu levei a sério, tanto que eu, modéstia a parte, tenho o nome respeitado no Candomblé no Brasil inteiro. Então, é reconhecimento sim. Foi um prêmio que Deus me deu pelo meu trabalho. Uma religião para mim é uma causa, principalmente esta que é tão conturbada, cheia de entra e sai e tudo mais.
Mãe Stella: Eu acho que desde que fizeram a minha cabeça, me jogaram aqui em baixo,
Mulher D’Classe: A senhora acha que esta
eu fui posta para lutar. Não que eu goste de
escolha ajuda a acabar com o preconceito con-
guerra, mas eu gosto de combater, eu gosto
tra o Candomblé?
de dizer o que eu penso de maneira que não
Mãe Stella: Ajuda bastante. Acabar eu não
vá ferir a ninguém. Eu gosto de falar a verdade
sei. Deus é quem sabe, mas, ajuda bastante,
sem ofender ninguém. Às vezes eu converso
porque muita gente vai começar a tolerar e de
com uma pessoa, depois eu penso, será que eu
tolerar para aceitar é mais fácil.
falei certo, será que eu não ofendi.
Mulher D’Classe: Antes de ser yalorixá, a
Eu trabalhei como enfermeira por 32 anos.
senhora trabalhou como enfermeira. Nesse
Quando eu pensei em me aposentar, em descan-
período a senhora sentiu diferença entre o tra-
sar, meu ideal era ir para a roça descansar, pois
tamento de respeito dado às mulheres dentro
como enfermeira de saúde pública eu andava
do Candomblé e a forma como era tratada no
muito por esta periferia, ensinando mulheres
mercado de trabalho, onde existe preconceito
a lavar roupa, a fazer mingau, a cuidar do filho.
com as mulheres?
Nesta época, a assistência era da gestação até a
21
mulher d’classe |
entrevista
criança crescer e ter filhos. A gente fazia visitas
todos com um anel no
diárias nas casas dando noções de higiene.
dedo. Isso era muito
Eu fui iniciada, depois fui estudar enfermagem e me tornei enfermeira. Quando eu me
ela por isso. Isso é feito na
aposentei, foi o tempo em que me escolheram
Escola Municipal Eugênia
para ser yalorixá aqui. Ainda fiquei dois anos à
Anna dos Santos, que fica
disposição da Secretaria e então, saí de lá e vim
dentro do terreiro e aten-
para cá. Eu acho um trabalho bem semelhante,
de cerca de 300 crianças
porque aqui é um trabalho de mãe, porque
do bairro. Tem outros pro-
a gente ensina à criança também a espiritu-
jetos como o Alaká, que
alidade e as boas maneiras de ser humano. E
é a produção artesanal
minha vida foi para lutar. E como yalorixá eu
do pano da costa no tear.
lutei bastante. Muitas questões que havia sobre
Temos Museu Ilé Ohun
preconceito, sobre não aceitação, eu também
Lailai, que reúne a história
estava no meio. Lutei contra o sincretismo, esta
do Axé e das Iyalorixás,
mistura com a Igreja Católica que o negro fazia
além dos projetos de
para tapear o branco e o branco aceitava para
dança e música desenvol-
tapear o negro, mas eu achei que ninguém sa-
vidos na escola.
tisfazia ninguém, já que um enganava o outro e
Mulher D’Classe: O
era uma coisa feia. Está aí uma situação que eu
projeto da escola aqui
me sinto feliz em dizer que participei desta luta.
dentro começou diferen-
Mulher D’Classe: A senhora sofreu algum preconceito no trabalho pela sua opção religiosa? Mãe Stella: Para falar a verdade, eu não ligo
te, não foi? Mãe Stella: Antes era uma creche, mas vimos que não adiantava muito, pois a criança
muito para os outros. Se me aceitou ou não,
ficava até os cinco, sete anos. E daí em diante?
não importa. Não me botando para fora... Se
Então, conseguimos um convênio com a Pre-
me olhou atravessado, o que eu posso fazer?
feitura e com o estado para manter os alunos
Eu não posso insistir para que goste de mim.
no ensino regular. Desde o início, a escola já
Se teve preconceito, não me atingiu, porque eu
ensinava através de mitos, danças, histórias do
não presto atenção nestas coisas. Eu sou muito
povo negro, muito antes da Lei 10.639/2003.
segura. Não quero o de ninguém, mas também
22
bonito e eu admiro muito
Mulher D’Classe: Há uma verdadeira comu-
não quero que ninguém tome o meu. Às vezes,
nidade vivendo no terreno do terreiro. Quem
a gente sente que há, mas não liga.
são estas pessoas?
Mulher D’Classe: Quais são os projetos de-
Mãe Stella: Tem trinta e tantas famílias
senvolvidos atualmente pelo Ilê Axé Opô Afonjá?
morando aqui dentro. Também por herança
Mãe Stella: Tem o projeto de educação, de-
de mãe Aninha, que quando a filha de santo
senvolvido desde a época em que mãe Aninha
não tinha casa, ela botava para morar dentro
era coordenadora. Ela era louca por educação.
do terreiro, porque o terreno aqui é muito
Ela dizia que queria os filhos de santo da casa
grande. Hoje cada um tem sua casa na cidade
dela todos servindo ao Orixá, que era Xangó,
e já não há tanta pobreza como antes. Então,
entrevista | mulher d’classe
Foto: Eliane Costa
muitas dessas
mente quando saía uma notícia sobre o candom-
casas ficam à
blé era um escândalo. Era para falar sobre a me-
disposição dos
nina de cabeça raspada, sobre a mulher descalça
filhos de santo
andando na fonte. Alguns segredos de axé, as
quando estão
pessoas colocavam em livros e revistas de forma
fazendo suas
sensacionalista e não era isso que o mundo
obrigações.
precisava saber. Então, eu desde novinha, sempre
Mulher
quis fazer esta série, mas nunca tive companhia.
D’Classe: Os
Na época em que tive uma loja no Pelourinho e
políticos sem-
tentei elaborar alguma coisa, mas não deu certo.
pre pedem as
Então, eu mesma fazia minhas anotações em
benções das ya-
casa e guardava estes textos. Recentemente algu-
lorixás, mas não
mas filhas de santo que estão mais próximas de
declaram que
mim, arrumando as gavetas, descobriram muitos
são praticantes
escritos, que foram arrumados e daí começaram
do candom-
a sair os livros. Agora estamos montando uma
blé. A senhora
série sobre os Odús. Já saiu um e tem outro
não acha que
pronto para sair. São 16 livros, que vão ajudar na
está na hora
compreensão sobre o candomblé.
de mudar esta situação e o
Mulher D’Classe: Seria importante que a senhora deixasse uma mensagem para as
povo do candomblé ter um representante nas
mulheres que se sentem honradas em ter a
casas legislativas?
senhora como representante na Academia de
Mãe Stella: Na atualidade alguns já dizem. Não sei por que ainda não existe uma bancada.
Letras da Bahia. Mãe Stella: Eu me sinto muito honrada, quan-
Acho que muitos ainda não se encontraram
do uma cidade como Salvador escolhe alguém
como da religião. Muitos até se candidatam,
como eu para se sentar na cadeira da Academia
mas não como representante. Muitos estão lá,
de Letras. Eu faço votos que muitas outras tam-
mas não por causa da religião. Temos aqui mé-
bém façam por onde. Na verdade, eu faço votos
dicos, psiquiatras, advogados, juízes e outros.
que enxerguem o trabalho de tantas outras
Não sei por que não tem um representante na
pessoas por aí, pois seria mesmo interessante se
Câmara. A princípio, acho que ainda não se uniram
tivesse também outras pessoas negras lá. Vamos
para isso. Acho também que o Orixá não quer. Unir
então trabalhar, pedir inspiração a Deus, aos
política com religião acho que não dá certo. Ele
orixás para que ele coloque a gente no caminho
ajuda quem está lá, mas não quer esta mistura.
certo, para que a gente seja reconhecida, porque
Mulher D’Classe: Quais são os projetos de Mãe Stella neste momento?
não é fácil até a gente chegar lá. Não teve guerra nem nada, mas é muita luta, muita energia de
Mãe Stella: Há alguns anos, eu tive em mente
pensamento. Vamos continuar com o nosso tra-
de fazer uma série de estudos de forma que fosse
balho e dar bons exemplos, pois nós temos um
para qualificar mais o candomblé, pois antiga-
grande compromisso com a sociedade. é
23
mulher d’classe |
POLÍTICA
Por maior representação
nos espaços de poder
A necessidade de se elevar o número de mulheres nos partidos políticos Texto: Liège Rocha, coordenadora de Relações Internacionais da UBM
O
povo brasileiro tem um dito popular
Presidência da República, a criação da Secretaria
que afirma “ano novo, vida nova”. Para as
de Políticas para as Mulheres (SPM), em 2003, que
brasileiras, o ano que se inicia apresenta desafios
realizou, nestes dez anos, três Conferências Nacio-
a serem enfrentados na superação da sub-repre-
nais de Políticas para as Mulheres, reunindo mais
sentação nos espaços de poder e decisão e que
de 500 mil participantes nos processos.
merecem toda a nossa atenção.
24
Fotos: Cinthia Ribas
Os debates aí realizados resultaram na elabora-
Por ser este um ano eleitoral, nunca é demais
ção do abrangente Plano Nacional de Políticas para
lembrar, a luta que nós mulheres travamos ao lon-
Mulheres, que traduz os anseios das brasileiras, mas
go dos anos para garantir e ampliar direitos, seja a
que nem sempre vem sendo implementado pelos
conquista do voto em fevereiro de 1932, pas-
governos nos estados e municípios. Aqui, é bom
sando pelo movimento feminino pela anistia, os
ressaltar que não basta constar nos documentos
expressivos ganhos com a Constituição de 1988
as nossas reivindicações, é preciso fazer parte do
e, mais recentemente, com a vitória de Lula para a
cotidiano das mulheres, o que contribuiria enorme-
POLÍTICA | mulher d’classe
mente para a melhoria de suas condições de vida. A participação política da parcela feminina da sociedade brasileira está relacionada com o seu protagonismo e as mudanças sociais, culturais e políticas que fizeram avanças as rupturas com os padrões sociais estabelecidos; com as mudanças no mundo do trabalho que possibilitaram a nossa entrada massiva no mercado de trabalho, mas ainda em condições desiguais; com o surgimento de novos tipos de famílias e o crescimento de mulheres chefes de família; e finalmente o impacto que as conquistas dos séculos 19 e 20 tiveram para a vida de todas nós. Lembramos que em 1996, por influência dos ventos de Beijing-China, onde aconteceu a Conferência Mundial sobre a Mulher, promovida pela ONU, foram instituídas as cotas de no mínimo 20% nas chapas majoritários dos partidos políticos. Naquele ano, foi desenvolvida a campanha “Mu-
e decisão. Por outro lado para avançar nesse
lher sem Medo do Poder”, que mobilizou mulheres
processo é fundamental o ingresso das mulheres
de norte a sul do país nas ruas, em cursos para pré-
nos partidos políticos, instrumento imprescindí-
-candidatas, campanhas de filiação de mulheres.
vel na luta pelo poder político.
Treze anos depois, em 2009, com a aprovação
Não é à toa que, no ano passado, buscando
da minirreforma eleitoral (Lei 12.034/2009), as
sensibilizar e estimular as mulheres a se filiarem
brasileiras obtiveram resultados importantes
a partidos, foi lançada a campanha “Mulher,
com a definição de que os partidos destinem 5%
tome partido. Filie-se!”, cuja meta é aumentar
do Fundo Partidário para a formação política das
em 20% o número de filiadas. A campanha foi
mulheres, assim como 10% do programa parti-
uma iniciativa das Procuradorias da Mulher do
dário deve ser destinado a elas.
Senado e Câmara Federal e contou com o apoio da SPM, da ONU Mulher e do Fórum Nacional de
Participação mais efetiva Essa nova formulação abre possibilidade para
Instâncias de Mulheres dos Partidos Políticos. Vale lembrar que o Fórum Nacional de Instâncias
a punição dos partidos que não cumprirem
de Mulheres dos Partidos Políticos foi criado após
com a legislação, já que a impunidade sempre
a realização da 2ª CNPM em consonância, com o
foi vista como fator determinante para o não
PNPM que, no seu capítulo 5, fala da Participação
cumprimento das cotas e, consequentemente,
das Mulheres nos Espaços de Poder e Decisão. O
a participação mais efetiva das mulheres nas
PNPM reafirma a recomendação do Comitê pela
chapas dos partidos.
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Temos afirmado que só construiremos a ver-
contra a Mulher, frente ao relatório apresentado
dadeira democracia com a superação da sub-re-
pelo governo brasileiro: “O Comitê recomenda que
presentação das mulheres nos espaços de poder
o Estado realize campanhas de conscientização,
25
mulher d’classe |
POLÍTICA
tanto entre homens como mulheres, sobre a impor-
O documento dessa campanha apresenta dados
tância da participação plena e igualitária da mulher
de recente pesquisa realizada pelo Ibobe, Instituto
na vida política e pública e na tomada de decisão,
Patrícia Galvão e Cultura Data, que demonstra que
como um componente necessário de uma socie-
“a maioria da população brasileira (75%) é favorá-
dade democrática e crie condições favoráveis que
vel à política de cotas para mulheres na política e
propiciem e estimulem essa participação”.
apoia a punição dos partidos políticos (86%) que
É inadmissível que, apesar de representarmos o percentual de 51,7% do colégio eleitoral brasileiro,
não cumprem” o que reza a minirreforma de 2009. E ainda: “Os resultados da pesquisa revelaram
ainda ocuparmos o 156º lugar, segundo a União
que a grande maioria dos brasileiros (83%) con-
Interparlamentar, entre os 188 países pesquisados
corda com a ideia de que a presença de mulheres
no que diz respeito à participação das mulheres no
no poder melhora a política nesses espaços; 75%
Poder Legislativo. Segundo o demógrafo José Eus-
admitem que só há democracia, de fato, se elas
táquio Diniz, “a participação de mulheres na política
estiverem nos espaços de poder e 73% confirmam
cresce em ritmo lento” aqui no Brasil.
que a população brasileira ganha com a eleição de
Segundo Vanessa Grazziotin, senadora pelo
um maior número de mulheres. O apoio majoritá-
PCdoB-AM e Procuradora da Mulher no Senado, “a
rio a mais mulheres na política ocorre em todos os
mulher não está presente nas eleições não é por-
segmentos da amostra, tanto demográficos, como
que não quer, mas porque não tem espaço. Além
nas diferentes regiões do país.”
da discriminação que ela sofre nessa sociedade que
Devemos então, assumir a “Campanha Mais
ainda é machista, o direito dela não acompanhou o
Mulheres no Poder” e estimular a filiação cada vez
protagonismo que ela hoje exerce na sociedade”.
mais de mulheres nos partidos políticos. Claro que para isto é fundamental apresentar o progra-
26
Nova campanha
ma de seu partido, demonstrando o que ele vem
Visando estimular cada vez mais a participa-
desenvolvendo em prol da luta pela emancipação
ção da mulher na Política, o Fórum Nacional de
das mulheres e garantia de seus direitos. Reafir-
Instâncias de Mulheres dos Partidos Políticos
mando que para avançarmos nas mudanças, gal-
e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
gar os espaços de poder, reforçar a democracia e
estarão lançando nos marcos das comemorações
construir um mundo de igualdade entre homens
de 8 de Março a campanha “Mais Mulheres no
e mulheres só será possível com a participação
Poder: Eu assumo Este Compromisso”.
efetiva da parcela feminina da sociedade. é
artigo | mulher d’classe
27
mulher d’classe |
juventude
Imagens: UJS
Combater o machismo,
emancipar as mulheres, construir o socialismo Texto: Maria das Neves, diretora de Jovens Feministas da UJS e coordenadora de Juventude da UBM.
E
m 2014, a União da Juventude Socialista (UJS) completará 30 anos de luta em
28
ção do socialismo. A UJS é a maior organização de juventude po-
defesa do Brasil, da juventude e do socialismo.
lítica do Brasil. E vem assumindo, com centralida-
No final do ano passado, realizamos de 13 a 15
de, o desafio de combater o machismo interna-
de dezembro, na Universidade de Brasília (UnB),
mente e somar esforços à luta dos movimentos
o 1º Encontro Nacional de Jovens Feministas da
feministas, fortalecendo a luta por mais direitos
entidade com o tema “Combater o machismo,
para as mulheres.
emancipar as mulheres, construir o socialismo”,
Aprovamos, em nosso último congresso, que
que reuniu mais de 400 jovens de todo país. No
a Direção Nacional da UJS será composta parita-
encontro, afirmamos nosso ativismo feminista e
riamente por 50% de mulheres. Hoje, a Diretoria
o papel estratégico das mulheres para a constru-
de Jovens Feministas da entidade faz parte da
juventude | mulher d’classe
Executiva Nacional. Estamos combatendo o patriarcado que se expressa no machismo, portanto sua desnatura-
bica e racista. As opressões não contribuem para o desenvolvimento nacional. Só atrasam nosso crescimento econômico, social, político e cultural.
lização é uma exigência concreta. É importante
Combate ao machismo
registrar que as três entidades do movimento estu-
O machismo é inimigo das mulheres e da
dantil: UNE (União Nacional dos Estudantes), UBES
emancipação humana. Ele ultrapassa os sistemas
(União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) e
econômicos e se enraíza culturalmente em nos-
ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos),
sas vidas. Mas, é fato que o capitalismo acentua
são presididas por quadros femininos da UJS.
ainda mais as desigualdades entre homens e mulheres e toda forma de opressão.
Jovens
Portanto,
Feministas
superá-lo é um
O 1º Encon-
passo estratégico
tro Nacional de
na construção de
Jovens Feministas
uma sociedade
construiu ainda
justa e igualitá-
uma platafor-
ria. O que não
ma de lutas e
quer dizer que
diretrizes políticas
ao superá-lo,
que dialoga com
acabamos com o
o sentimento da
machismo. Mes-
juventude que foi
mo no socialismo
às ruas em junho
o feminismo será
por mais direitos,
necessário. Em
liberdade e autonomia sobre seu corpo. Com uma rica programação, o encontro deba-
tempos de crise econômica, a corda só poderia arrebentar para o lado historicamente fragilizado
teu temas centrais para assegurar mais direitos
pelo patriarcado, as mulheres. Cresce o índice
para as brasileiras como Reforma Política, Demo-
de violência contra as mulheres pelo mundo. No
cratização da Mídia, Juventude e Sexualidade e
Brasil, estes índices ainda assustam e preocupam.
Mulher e Mundo do Trabalho. O feminismo, luta das mulheres por igualdade
Ocupamos a sétima colocação no ranking, segundo levantamento realizado em 80 países
não propõe um duelo entre os sexos. Mas, a uni-
pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para
dade entre eles para emancipar a sociedade. Não
medir as taxas de feminicídio.
nascemos homens e mulheres, nos construímos
Somos educados a reproduzir o machismo. É
como tal durante a vida. E, podemos escolher
preciso romper esse ciclo. Necessitamos de uma
orientações sexuais diferenciadas.
educação revolucionária e libertadora dentro de
O direito sobre nossos corpos, de exercer livre-
casa, na escola e na universidade.
mente nossa sexualidade, foi pauta da mesa de
A juventude sempre questionou os padrões
juventude e sexualidade no encontro. Estamos
comportamentais estabelecidos pelo patriarcado.
rompendo com a lógica de uma sociedade mo-
A geração que foi às ruas em junho quer mudar
nogâmica, heteronormativa, machista, homofó-
não apenas as estruturas sociais e econômicas,
29
mulher d’classe |
juventude
mas a forma de relacionamento entre as pessoas.
nismo. E, infelizmente, o fato é que muitas brasileiras podem até ser, mas não se afirmam feministas.
Reforma Política
A unidade do movimento feminista é fundamental
Este ano completam-se 50 anos do golpe militar
para garantir vitórias concretas para as mulheres.
no Brasil. A democracia brasileira ainda está incon-
Vivemos um momento ímpar para a luta das
clusa e em disputa. As mulheres passaram a votar
mulheres. A eleição da primeira presidenta do
há apenas 82 anos, portanto, não faz cem anos que
Brasil mexe com o imaginário popular. As mulhe-
a maioria da população brasileira – as mulheres –
res podem sonhar em serem cientistas, astronau-
com muito empenho foi reconhecida neste direito.
tas ou presidentas da República.
Consolidar a democracia brasileira perpassa
Mas, este fato por si só não resolve o problema
por assegurar às mulheres mais condições de
das brasileiras, nem acaba com o machismo, mas
disputar os espaços de poder. Por isso, defende-
cria uma correlação de forças mais favoráveis para
mos o fim do financiamento privado de cam-
implementação de políticas públicas paras as
panha, lista fechada com alternância de gênero
mulheres, como o bolsa família, por exemplo.
e paridade na composição dos espaços legisla-
O maior desafio para o movimento feminista
tivos. Portanto, a luta pelas reformas democrá-
brasileiro é construir um programa de governo
ticas é essencial para emancipar as mulheres e
que avance na conquista de mais direitos não
aprofundar a democracia.
apenas sociais, mas civis e políticos para as mulheres. É importante destacar que em 11 anos de
Feminismo
governos progressistas no Brasil, não se criaram
Existem várias correntes dentro do feminismo.
políticas públicas específicas para as jovens.
A corrente emancipacionista foi amplamente difundida e facilmente assimilada pela juventude
UJS e CTB
na “mesa-tema” do encontro: “Combater o ma-
O eixo Mulher e Mundo do Trabalho foi tema
chismo, emancipar as mulheres, construir o socia-
de um dos grupos de trabalho no Encontro de
lismo”. Estamos falando da corrente teórica que
Jovens Feministas da UJS com a presença da
busca emancipar plenamente as mulheres: social,
secretária da Mulher Trabalhadora da CTB, Ivânia
cultural, política, econômica e sexualmente.
Pereira. A parceria entre UJS e CTB é estratégica
Loretta Valadares, uma das suas fundadoras, defendeu a radicalidade como “o fio condutor da nossa luta”. Lutamos por uma nova sociedade constru-
ras do Brasil. Demos passos importantes com a realização
ída ombro a ombro com os homens. Portanto, não
do 1º Encontro de Jovens Feministas da UJS e
sexista. Nesse sentido, nosso encontro foi misto.
afirmamos nosso caráter feminista e revolucio-
Mas, assegurando o espaço de auto-organização.
nário. A palavra de ordem segue sendo “Com-
Em minha opinião, estamos vivendo uma virada no movimento feminista brasileiro. Pre-
bater o machismo, emancipar as mulheres, construir o socialismo”.
cisamos atualizar a forma, precisamos ousar. E,
Estamos caminhando para o 17º Congresso
sobre alguns temas o próprio conteúdo. Deve-
Nacional da UJS. Aprovamos a meta de filiar meio
mos sempre pensar em como conquistar mais
milhão de jovens a nossa organização. Desafian-
mulheres para o feminismo.
do-nos a metade ser de jovens mulheres. Meta a
Não deve ser natural uma mulher negar o femi-
30
para mobilizar e organizar as jovens trabalhado-
altura dos desafios dos nossos tempos. é
artigo | mulher d’classe
Dez anos de Governo Democrático, com promoção de Igualdade Racial Texto: Mônica Custódio, Secretária Nacional de Igualdade Racial da CTB Foto: Cinthia Ribas
A
pós muitos
pela Lei 10.678 de 23 de maio 2003, o governo
anos na
cria, por reivindicação dos movimentos sociais
batalha pela manu-
negros, a Secretaria Especial de Promoção e
tenção dos direitos
Igualdade Racial (Seppir). Já são mais de dez
universais, que em
anos construindo a Secretaria, que deu passos
função do estado
significativos em direção aos anseios que nos
mínimo imposto
mobilizaram durante toda a formação nacional.
pela política neo-
A Seppir tem tido o papel de resgate da au-
liberal, creditada
toestima e da valorização dessa população, que
pelo governo FHC,
hoje se declara maioria parda e negra conforme
o movimento
o último censo do IBGE de 2010, e essa propos-
social organizado
ta toma assento a partir da mudança no olhar
pôde desenvol-
e na formulação de uma nova agenda política
ver sua própria
para esse contingente – que compõe a segunda
agenda e pauta de
maior população negra do mundo.
reivindicação.
A nova agenda exige compromisso de gover-
O começo da
no e política de Estado, por meio de uma maior
pavimentação que
participação popular, que exige de forma propo-
os movimentos
sitiva as ações e formulação de políticas públicas,
sociais construíram durante décadas se iniciou a
de forma transversal, buscando reparar o abismo
partir do resultado eleitoral de 2002, com a vitória
histórico, cultural, econômico e social que ainda
nas urnas do campo democrático. Esse fato signifi-
persiste em todo o país.
cou uma agenda positiva constituída de um sen-
Nesses mais de dez anos de Seppir conquista-
timento construtivo de identidade de classe, rei-
mos vitórias importantes, como a Lei 10.639/03
vindicando direitos comuns e transversais, como
(depois alterada pela Lei 11.645/08), que institui
a igualdade de condição e de oportunidade, que
o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira
vira bandeira e possibilidade de REPARAÇÃO
e africana, reconhecendo e ressaltando o valor
via políticas públicas, buscando essencialmente
da cultura negra na formação do país. Também
aquilo que nos é possível nas letras “mortas” da
obtivemos vitória na construção do Estatuto da
Constituição: “Igualdade de Direitos perante a Lei”.
Igualdade Racial e a Lei de Cotas.
As ações dos movimentos sociais possibilitaram
Não há desenvolvimento sem igualdade de
que o governo desse alguns passos importantes,
condição. Para o crescimento econômico do país,
construindo laços para resgatar a agenda afro-bra-
é necessário ter o que chamamos de Igualdade de
sileira de identidade na pauta econômica e social.
Condição. E essa oportunidade se faz com objetivo
É desta forma que, através da Medida Provisória nº 111 de março de 2003, e posteriormente
de buscar a redução das desigualdades salariais entre mulheres e homens, negro e não negros. é
31
mulher d’classe |
artigo
Descriminalização do aborto e autonomia da mulher texto: Rosângela Talib, psicóloga, mestre em
Ciência da Religião UMESP e membro da equipe de coordenação de Católicas pelo Direito de Decidir pela
N
o Brasil o aborto é admitido – em todos ou alguns casos – por 81% da popula-
ção católica, segundo dados da pesquisa “A Voz do Povo”, realizada pelo instituto de pesquisas Bendixen&Armandi International, a pedido do portal de notícias hispano-americano Univisión. O levantamento foi realizado com uma amostra de 12.038 católicos em 12 países dos cinco continentes. Na América Latina, foram pesquisados México, Colômbia, Brasil e Argentina. Na Europa se incluiu a Espanha, França, Itália e Polônia; na África, Uganda e a República Democrática do
mo permeia o discurso social, como demonstrado
Congo. Estados Unidos e Filipinas também parti-
pela pesquisa IBOBE&Católicas pelo Direito de De-
ciparam da pesquisa.
cidir (IBOPE JOB2105, novembro de 2010), em que
Os dados coletados no nosso país mostram que a maioria das pessoas que professa a fé cató-
pria mulher quem deve decidir sobre a interrupção
lica não comunga da doutrina da Igreja Católica
de uma gravidez. Na pesquisa IBOBE&Católicas
em temas relacionados aos direitos sexuais e di-
pelo Direito de Decidir (IBOPE JOB 0851/2013,
reitos reprodutivos, tais como: o aborto (81%), ao
julho 2013), os dados mostraram que a maioria da
uso de anticonceptivos (93%), ao divórcio (71%),
população não concorda (63%) que uma mulher
casamento gay (45%), entre outros.
que realizou um aborto deva ser presa.
Levando em consideração que a população
Considerando os dados apresentados sobre
brasileira que se declarou católica é de 123,3 mi-
o posicionamento da população em relação
lhões de pessoas (64,6% da população) e que uma
ao aborto, podemos afirmar que a legislação
porcentagem significativa de pessoas que pro-
punitiva existente é anacrônica. Ela não atende
fessam outras religiões ou religião nenhuma, se
os anseios da população e tem impelido milha-
soma à população católica com posicionamento
res de mulheres a clandestinidade do aborto
divergente da Igreja em relação à doutrina, pode-
inseguro – gerando um grave problema de saúde
mos afirmar que a maioria da população brasileira
pública. Para modificar essa realidade, é necessá-
aprova que uma mulher possa interromper uma
rio colocarmos a questão no centro do debate e
gravidez, em determinadas circunstâncias.
apresentarmos propostas concretas levando em
O aborto como sendo uma questão de foro ínti-
32
a maioria da população (61%) afirma que é a pró-
consideração a autonomia das mulheres. é
artigo | mulher d’classe
As imagens nas telenovelas e o jogo com a realidade Texto: Lúcia Rincon, professora na PUC Goiás, diretora da Associação de Professores da PUC Goiás e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, pela União Brasileira de Mulheres Reprodução TV Globo
global, particularmente com a encenação do estupro de uma mulher negra, que não denuncia e nem discute a possibilidade do aborto – que no Brasil é legal nesses casos. Na telenovela, o não dito – mas insinuado por diferentes signos através de imagens, atitudes e olhares – é um espaço no qual se têm manifestado com força as discriminações referentes ao ser mulher. De forma dialética, esse espaço tem cumprido papel importante na reprodução das relações de dominação social e de gênero.
A
Se as mulheres brasileiras assistem à teleno-
paga-se com mais rapidez do que deveria
vela como se estivessem olhando no espelho,
a bela imagem da última cena da teleno-
buscando soluções e alternativas para um sofri-
vela “Amor à Vida”. A sociedade brasileira viveu nos
do cotidiano, que imagem encontrarão que as
últimos meses grandes questionamentos sobre a
ajude a sobreviver à violência sofrida e construir
sexualidade, a diversidade, as identidades, o certo,
a felicidade, em uma situação como esta? A
o errado, o direito de ser feliz, na estória contada
da resignação, da aceitação da submissão e da
e vivida pelos personagens gays. Ao terminar a
opressão como destino! Ocorre aqui a chamada
cena do beijo (na verdade um selinho mais longo)
violência simbólica, que Bourdieu definiu como
entre dois homens, concretizava-se um avanço
uma violência particularmente perniciosa, uma
civilizatório na dramaturgia e para a sociedade
violência que “se exerce com a cumplicidade
brasileira. As pessoas que se surpreenderam
tácita dos que a padecem”.
com seus próprios pensamentos e sentimentos,
Aí estão os interesses que têm orientado a
defendendo a união homossexual na telenovela
intervenção da grande mídia na conjuntura da
contra uma união heterossexual construída em
sociedade brasileira, no caminho da naturaliza-
bases amorais e paranoicas, nunca mais voltariam
ção de determinados comportamentos servin-
às suas concepções patriarcais clássicas.
do à manutenção de situações de submissão
Entretanto, o papel que a mídia tem cumpri-
e subalternidade, das mulheres, mas também
do em nossa sociedade não é o de reafirmar os
dos homens, de alienação na sua construção
avanços, mas de acenar com eles para conquistar
enquanto sujeit@s, e na relação desta situação
credibilidade e logo a seguir voltar a martelar
com as implicações do poder que possibilitaria
estereótipos e ilusões que propiciam às pessoas
a apropriação de si mesmo/a e a possibilidade
construírem belos castelos de areia que lhes per-
de estabelecer novas relações sociais de gênero
mitam alienar-se da realidade. Assim se apresen-
e novas relações de poder em sociedade, em
tam os primeiros capítulos da nova telenovela
condições de igualdade. é
33
EXPEDIENTE Mulher D´Classe é uma publicação da Secretaria da Mulher Trabalhadora da CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.
Mulher madura
DIREÇÃO EXECUTIVA Presidente: Adilson Araújo
Sou uma mulher madura
DIRETORIA Nivaldo Santana, Maria Lúcia Moura, Joílson Cardoso, Severino Almeida, Vicente Selistre, Wagner Gomes, Kátia Gaivoto, Vilson Luiz da Silva, Gilda Almeida, Celina Arêas, Carlos Rogério Nunes, Francisco Chagas, Pascoal Carneiro, Divanilton Pereira, José Adilson Pereira, Raimunda Gomes, Ivânia Pereira, Vitor Espinoza, Mônica Custódio, Antoninho Rovaris, Claudemir Nonato Santos, Márcia Machado, Sérgio de Miranda, João Paulo Ribeiro e José Gonçalves. CONSELHO EDITORIAL Alaíde Bagetto, Celina Arêas, Ivânia Pereira, Kátia Gaivoto, Marilene Betros, Mary Garcia Castro e Mônica Custódio. Coordenação: Ivânia Pereira Jornalista responsável: Fernando Damasceno (MTB 45.547/SP) Equipe de Comunicação: Cinthia Ribas, Érika Ceconi, Marcos Ruy e Láldert Castello Branco Projeto gráfico: Luciana Sutil Diagramação: Danilo Ribeiro Capa: Carlínio França Gráfica: HR Gráfica Tiragem: 10 mil exemplares
Que às vezes anda de balanço Sou uma criança insegura Que às vezes usa salto alto Sou uma mulher que balança Sou uma criança que atura Suando chegar aos 30 Serei uma mulher de verdade Nem Amélia nem ninguém Um belo futuro pela frente E um pouco mais de calma talvez E quando chegar aos 50 Serei livre, linda e forte Terei gente boa do lado Saberei um pouco mais do amor E da vida quem sabe E quando chegar aos 90 Já sem força, sem futuro, sem idade Vou fazer uma festa de prazer Convidar todos que amei Registrar tudo que sei E morrer de saudade Tenho urgência de tudo Que deixei pra amanhã Acho que não sou daqui Paro em sinal vermelho
Não sou querida, me atrevo A cometer duas vezes o mesmo erro Espelho, espelho meu Existe no mundo alguém Que reflita mais do que eu? Mesmo tendo juízo não faço tudo certo Todo paraíso precisa um pouco de inferno Ser bela e calma, quanta inutilidade Mais vale um bom olhar profundo E uma vida de verdade Me corrijam se eu estiver errada A realidade é nossa maior fantasia Pudesse eu viver tudo o que imagino Nem sete vidas me dariam tanto fôlego... é
Observo os prazos de validade Bato na porta antes de entrar Sei ler, escrever Digo obrigado, com licença Av. Liberdade, 113 – 4º andar Liberdade – São Paulo – SP CEP 01503-000 Fone: (11) 3106-0700 E-mail: mulher@ctb.org.br
Telefono se digo que vou ligar
Martha Medeiros Martha Medeiros é uma jornalista e escritora brasileira. É colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre, e de O Globo, do Rio de Janeiro