Revista visao classista n17 2014 04

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ENcarTE ESPECIAL O Brasil e a Copa do Mundo de 2014

C l a s s i s t a Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

Nº 17 – Maio de 2014

50 anos do golpe de 1964

para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça


e d ito ri al ADILSON ARAÚJO

A democracia é uma conquista do povo

C

ompletaram-se no último dia 1º de abril os 50 anos do golpe militar desfechado em 1964 contra a nação e o povo brasileiros. Liderados por generais anticomunistas, com forte apoio do imperialismo estadunidense, os golpistas derrubaram o governo democrático de João Goulart e instalaram no país um regime militar de viés fascista, que condenou o país a 21 anos de obscurantismo, assassinatos e torturas. Os militares agiram a mando da classe dominante brasileira, ou seja, de grandes capitalistas aliados aos latifundiários e comandados pelo imperialismo, empenhados em impedir a concretização das reformas de base defendidas pelo governo Goulart, que incluíam a reforma agrária, tributária, educacional, administrativa e urbana. A classe trabalhadora 2

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foi, de longe, a principal vítima do golpe. Centenas de líderes operários foram perseguidos, cassados, presos, torturados e assassinados nos porões do regime. Os golpistas promoveram intervenções e invasões em milhares de sindicatos, extinguiram o direito à estabilidade no emprego a pedido do empresariado e das multinacionais e impuseram o arrocho dos salários. O golpe foi ostensivamente apoiado pelo empresariado, pela chamada “grande”mídia e pelos Estados Unidos, que, num ato de supremo cinismo, alegavam estar defendendo a democracia burguesa contra a ameaça comunista. As multinacionais organizaram e enviaram à repressão listas com os nomes de comunistas e lideranças operárias, que foram presos, torturados e assassinados nos porões da ditadura.

Muito sangue foi derramado na luta pela reconquista da democracia e não podemos negligenciar as lições do passado. Hoje, numa conjuntura de crise do imperialismo, a extrema direita ganha força em vários países e regiões do mundo. É financiada pelos grandes capitalistas e não raro conta com o apoio direto dos Estados Unidos, conforme se vê na Ucrânia e na Venezuela. A história nos ensina que a democracia é uma conquista do povo e depende da união e da força da classe trabalhadora para ser preservada e ampliada. Urge revisar a Lei da Anistia, aprovada em 1979, quando o país ainda vivia sob a bota dos generais, para que os crimes praticados durante a ditadura não permaneçam impunes e o ovo da serpente que também por aqui germina seja esmagado a tempo.

Muito sangue foi derramado na luta pela reconquista da democracia e não podemos negligenciar as lições do passado.

Adilson Araújo é presidente nacional da CTB.


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CAPA

Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.

Amaro Fotografia/ Fundação Maurício Grabois

DIREÇÃO EXECUTIVA Presidente Adilson Araújo diretoria Nivaldo Santana, Maria Lúcia Moura, Joílson Cardoso, Severino Almeida, Vicente Selistre, Wagner Gomes, Kátia Gaivoto, Vilson Luiz da Silva, Gilda Almeida, Celina Arêas, Carlos Rogério Nunes, Francisco Chagas, Pascoal Carneiro, Divanilton Pereira, José Adilson Pereira, Raimunda Gomes, Ivânia Pereira, Vitor Espinoza, Mônica Custódio, Antoninho Rovaris, Claudemir Nonato Santos, Elgiane de Fátima Lago, Sérgio de Miranda, João Paulo Ribeiro e José Gonçalves. conselho editorial Adilson Araújo, Fernando Damasceno, Raimunda Gomes e Umberto Martins (provisório). REDAÇÃO Secretária de Imprensa e Comunicação Raimunda Gomes Equipe Cinthia Ribas, Érika Ceconi, Láldert Castello Branco e Marcos Aurélio Ruy. Jornalista responsável Fernando Damasceno (Mtb 45.547-SP) Colaboradores desta edição Aline Vargas, André Cintra, Daiana Lima, Eliane Costa, Eliezer Dias, Deborah Moreira, Giuliano Martins e Umberto Martins. Diagramação Danilo Ribeiro Capa Carlínio França Projeto gráfico Caco Bisol Fotos da capa Arquivo CTB Impressão Gráfica Silvamarts Tiragem 30 mil exemplares

capa Os 50 anos do Golpe de 1964 Página 5

Encarte Especial - Copa do Mundo 2014

Editorial

A democracia é uma conquista do povo - Adilson Araújo Página 3

Reportagens

O que mudou no país no intervalo entre os dois torneios? Página 26

A chaga do racismo

Mundial é oportunidade para expor as Mazelas do preconceito

Economia

Página 34

Página 10

Entrevista - Miraldo Vieira

Em defesa da Política de Valorização do Salário Mínimo

Internacional

Os braços do imperialismo sobre a Ucrânia e a Venezuela Página 13

Luta sindical

8ª Marcha da Classe Trabalhadora Página 16

Campo

O Ano Internacional da Agricultura Familiar Página 20

Homenagem

A importância do 1º de Maio em todo o planeta Página 23 Av. Liberdade, 113 – 4º andar – Liberdade, São Paulo – SP – CEP 01503-000 Fone (11) 3106-0700 www.portalctb.org.br E-mail: imprensa@portalctb.org.br

Brasil de 1950 x Brasil 2014

Agenda Sindical

O papel da construção civil para o evento Página 36

Trabalho decente

Governo federal promete rigor contra à precarização Página 38

fala, povo

HOMENAGEM Sindicalistas relembram aqueles que tombaram na luta

Cinco décadas de reflexão Movimento sindical resgata seu papel durante a ditadura e exige reparação pelos crimes cometidos contra a classe trabalhadora

Nas ruas, apoio e críticas à realização da Copa

Érika Ceconi

Página 41

s cabeças levantadas/ Máquinas paradas/ Dia de pescar/Pois quem toca o trem pra frente/ Também de repente/Pode o trem parar”. Os versos da canção “Linha de Montagem”, composta por Chico Buarque e Novelli, no álbum intitulado “Show 1º de Maio”, de 1980, fazem referência às lutas da classe trabalhadora

Economia

Números mostram os benefícios do Mundial para o país Página 44

História

As principais atividades da CTB entre os meses de maio a agosto

O papel de Ary Barroso e de 18 comunistas para a construção do Maracanã

Página 54

Página 47

“A

pela redemocratização do Brasil, que vivia o período mais sombrio de sua história: a ditadura militar (1964-1985). Dois anos antes de a composição ser feita, estourava em São Bernardo do Campo (SP) a greve dos metalúrgicos da multinacional sueca Scania - primeira paralisação após a promulgação do Ato Institucional nº5 (AI-5), em

1968, que restringiu a liberdade de expressão, suprimiu direitos constitucionais, ampliou a censura, a repressão e a tortura para combater e exterminar os opositores ao regime. Dez anos após as greves realizadas em Contagem (MG) e Osasco (SP), a iniciativa dos mais de três mil trabalhadores que cruzaram os braços para reivindicar VISÃOClassista

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CA PA Centro de Documentação e Memória/ Fundação Mauricio Grabois

presidente da Federação Sindical Mundial (FSM) – organização internacional da qual a CTB é filiada - lamenta as consequências que os 21 anos da ditadura deixaram no país e que se refletem até os dias de hoje na sociedade brasileira. “O golpe militar foi a interrupção de um processo que estava em curso: uma revolução democrática e popular no Brasil. Um momento em que os trabalhadores assumiram o protagonismo”, sublinhou o cetebista.

“Pela justiça social e ao lado do povo, pelo progresso do Brasil” HISTÓRIA Batista discursa no começo dos anos 80 melhores salários, entre outras demandas, gerou uma série de paralisações que tomaram conta do ABC paulista – região que já concentrava um grande número de empresas, sendo um importante polo industrial do país. Os trabalhadores foram os principais alvos do regime militar, que passou a tutelar o movimento sindical, por meio de intervenções nos sindicatos, promovendo cassações, prisões, demissões, tortura e assassinato de lideranças operárias e camponesas. A classe trabalhadora, que vinha alcançando conquistas significativas tanto no meio urbano quanto no rural, se deparou com a brutalidade da repressão e a supressão dos direitos civis. Com a política adotada pelos militares de combater a inflação por meio do arrocho salarial, o valor real do salário mínimo ficou cada vez menor e o desemprego aumentou. Os brasileiros ainda tiveram que enfrentar a falta de estabilidade no emprego.

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Com apenas 15 anos, o dirigente da CTB João Batista Lemos era militante do movimento estudantil secundarista quando foi decretado o AI-5. Naquele mesmo ano, foi detido por fazer a panfletagem de uma passeata. “Eu era tão pirralho que me levaram para o juizado de menores e meu pai foi obrigado a depor onde fui intimado”, recorda. Anistiado em 2013, o sindicalista que atualmente é vice-

No dia 13 de março de 1964, o presidente João Goulart anunciou para cerca de 200 mil pessoas que assistiram a seu comício na Praça da República, em frente à estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, as reformas de base (agrária, educacional, administrativa, tributária, bancária, eleitoral e urbana), necessárias para melhorar a qualidade de vida da maioria da população. Pouco antes de subir ao

ENSINAMENTO Unidade de ação é exemplo do passado

“Quando Jango assume a Presidência, eles [empresários] preparam uma ação política. Criam o Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), órgãos usados para manipular a população”

a ajuda direta dos EUA, do empresariado, dos latifundiários, da elite e da mídia, os militares conseguiram deflagrar um golpe de Estado, ensaiado anos antes, que depôs Jango no dia 1º de abril. Jango ficou exilado no Uruguai, depois foi para a Argentina, onde morreu em 1976 em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Sabese que ele foi monitorado pela Operação Condor, ação coordenada entre as ditaduras nos países do Cone Sul. O presidente era cardíaco, mas a família e o governo argentino suspeitam de envenenamento.

Envolvimento das empresas palanque, Goulart havia assinado dois decretos: um para a criação da Superintendência da Política e Reforma Agrária (Supra), que viabilizaria a desapropriação de terras que ultrapassassem cem hectares, localizadas às margens de rodovias, ferrovias e obras públicas; e o outro que encampava as refinarias privadas de petróleo. Um ano antes do golpe, o presidente promulgou o Estatuto do Trabalhador Rural, que garantia os direitos sindicais, trabalhistas e previdenciários para os trabalhadores. No mesmo ano foi criada a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), primeira entidade sindical do campo de caráter nacional reconhecida legalmente. O presidente se comprometeu a renegociar a dívida externa, controlar a remessa de lucros das empresas estrangeiras, regulamentar o direito de greve, nacionalizar as concessionárias de serviços públicos, entre outras medidas, visando ao desenvolvimento nacional e ao bem-estar do povo. Diante desse cenário, com

De acordo com a integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV) Rosa Cardoso, o apoio e o financiamento dos empresários foram fundamentais para preparar o cenário e desencadear o golpe. “Quando Jango assume a Presidência, eles [empresários] preparam uma ação política. Criam o Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), órgãos usados para manipular a população”, frisou. Essas organizações, financiadas por grandes empresas brasileiras e multinacionais instaladas no país, produziam e veiculavam propagandas contra o governo de Jango, além de atuarem dentro do Congresso Nacional, apoiando partidos e parlamentares de direita para que barrassem os projetos do presidente, propiciando assim um clima de instabilidade. O empresariado também ajudou a financiar a Operação Bandeirante (Oban), que seria posteriormente incorporada ao DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação do Centro de

Operações de Defesa Interna), um dos mais terríveis centros de tortura e repressão da ditadura. No mundo sindical, atuaram da mesma forma. “Criaram um sindicalismo paralelo de direita que se multiplicou. Quando aconteceu o golpe militar, estavam todos muito preparados, muito vigiados para que, imediatamente, pudessem ser perseguidos, presos e reprimidos, porque o movimento sindical já estava convivendo com esses braços do empresariado”, denunciou Rosa, que coordena o Grupo de Trabalho da CNV “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”. Batista ratifica o relato da ativista da CNV. “Quando fui pegar meu relatório para entrar no processo de anistia, a Volks já tinha enviado uma lista com os nomes de 20 ativistas sindicais para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), contendo todas as nossas informações: endereço residencial, a empresa empregadora e o setor em que a gente trabalhava”, relembra o dirigente da CTB.

Resistência O sindicalista recorda que no começo de 1974, período em que ainda governava o ditador Emilio Garrastazu Médici, os trabalhadores da multinacional americana General Eletric, de Campinas, chegaram a fazer um abaixo-assinado no formato de círculo para que a ação não apontasse um líder. “Naquele tempo, nos limitávamos a fazer abaixo-assinados para reivindicar problemas muito específicos dentro da empresa. Pedimos para o traçador de peça dividir uma circunferência em 27 partes, datilografamos na máquina de escrever e enviamos pelo correio VISÃOClassista

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ca pa para o gerente do Departamento Pessoal. Essa era a forma de luta que tínhamos”, contou o dirigente. Após três meses, o pedido de substituição do encarregado que perseguia os trabalhadores foi atendido. “Conquistamos nossa primeira vitória”, enfatizou. Batista lembra-se de que começou a ser monitorado pelo Dops quando trabalhava na fábrica da Volkswagen, em São Bernardo do Campo. “Meu trabalho era de sindicalizar os companheiros e levar para as assembleias nos sindicatos [...] Em 1979, comecei a participar ativamente do comando de greve da Comissão de Salários dos sindicatos como ativista de base. A partir daí comecei a ser monitorado, quando comecei a falar nas assembleias.” No ano seguinte, os trabalhadores da Volks, que produzia cerca de 2.200 carros por dia, deflagraram uma greve que durou 41 dias e causou a intervenção e cassação da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, presidido à época por Luiz Inácio Lula da Silva. “Falei em uma assembleia no estádio da Vila Euclides, que apresentou o indicativo de greve e, na semana seguinte, antes da reunião da Comissão de Mobilização, fui demitido”, informou o sindicalista, que integrava o fundo de greve formado por 16 membros denominado “Associação Beneficente Cultural dos Metalúrgicos”. Eles tiveram que assumir o comando de greve após a prisão de Lula e de parte da diretoria. Outro episódio que marcou a trajetória do cetebista durante o período de resistência e luta pela redemocratização do país foi a “quarentena” que enfrentou na Mercedes, antes de ser demitido. O inspetor de qualidade foi transferido para o setor de recebimento de 8

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Amaro Fotografia/ Fundação Maurício Grabois

Cesar Xavier/ Fundação Maurício Grabois

EMOÇÃO Ato reúne duas gerações de sindicalistas peças para evitar a articulação dos trabalhadores. “Mas a ‘rádio peão’ funcionava e, de vez em quando, apareciam uns companheiros que, sabendo que fui da comissão, iam conversar comigo”, salientou. Com o sindicato sob intervenção, ele conta que, mesmo isolado, conseguiu compor a célula do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e ajudar a organizar o Boletim Interno do Peão. “Soltávamos em cima das máquinas e quando os trabalhadores chegavam já recebiam o boletim”, destacou Batista. Ele contou que, depois da demissão, não conseguia mais encontrar emprego em São Bernardo e teve que se sujeitar a trabalhar por um salário menor e rebaixar seu cargo para ajudante de inspetor.

Punição aos torturadores Cinquenta anos depois do golpe, a sociedade ainda tem resquícios daquele período de terror. Conforme Batista, “a ditadura deixou um poder judiciário conservador, uma cultura na polícia que comete barbáries contra o povo – principalmente os pobres – e ainda uma mídia que serve o interesse do grande capital”, expressou. Nesse sentido, o presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo Rubens Paiva, Adriano Diogo, reforçou que é preciso revisar a Lei da Anistia. “A impunidade do passado gera a impunidade no

presente”, declarou, ao referir-se ao recete depoimento do coronel Paulo Malhães, que admitiu ter torturado, matado e ocultado cadáveres. O ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE) chocou o país ao dizer que não se arrepende dos crimes que cometeu e ao descrever com detalhes as técnicas utilizadas para desaparecer com o corpo dos presos políticos, no centro de tortura conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. “Os torturadores e seus mandantes que cometeram crimes hediondos têm que ser condenados e punidos de acordo com as leis internacionais”, acrescentou Batista. A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou, no mês de abril, um projeto de lei que revisa a Lei da Anistia, promulgada em 1979 e cujo texto serviu para perdoar crimes e Estado ocorridos entre 1961 e a data em que foi criada, inclusive dos torturadores que cometeram crimes de lesa humanidade. A revisão da lei deverá constar nas recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade. “É muito importante educar as novas gerações. Nós não queremos a ditadura nunca mais, leis de exceção e sobretudo a tortura. Por isso, é muito importante a luta para aprofundar a democracia. Só assim o povo vai ter condições de tomar as rédeas do país em suas mãos”, concluiu Batista.

EM BUSCA DA VERDADE Para reconstruir os fatos que aconteceram durante os anos de terror em que o país viveu sob a ditadura militar (1964-1985) e buscar a verdade e a justiça, foi instaurada no Brasil uma Comissão Nacional da Verdade (CNV) que, desde 2012, está apurando as graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 1946 e 1988. A CNV é apoiada por comissões estaduais, municipais, comitês entre outras entidades, além de 13 grupos de trabalho (GT’s) que pesquisam temas específicos. No GT “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, a CTB e outras nove centrais sindicais apuram como os repressores atuavam dentro dos sindicatos contra a classe trabalhadora.

cnv.org.br

A Comissão Nacional terá até dezembro de 2014 para enviar o relatório com as recomendações necessárias para a presidenta Dilma Rousseff, contendo tudo o que foi investigado por meio de depoimentos e documentos da época que comprovam os crimes de lesa-humanidade. Dilma também foi vítima da tortura quando tinha 22 anos e era militante do setor estudantil do Comando de Libertação Nacional (Colina). Para estabelecer uma comunicação direta com a sociedade, estão sendo divulgados no site oficial da CNV relatórios parciais da apuração. O GT dos trabalhadores também está disponibilizando em sua página na internet materiais sobre suas atividades.

trabalhadoresgtcnv.org.br

trabalhadoresgtcnv

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eco n om ia Valcir Rosa

LUTA Nas marchas a Brasília, CTB mostra a força da classe trabalhadora

sem chance de retrocesso Centrais se articulam para que a Política de Valorização do Salário Mínimo não seja interrompida Umberto Martins

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niciada no governo Lula em resposta às lutas e demandas do movimento sindical, a política de valorização do salário mínimo resultou em muitos benefícios para a classe trabalhadora, a economia 10

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nacional e o conjunto do povo brasileiro. Apesar de suas virtudes, hoje está na mira das forças conservadoras, que advogam o seu fim em nome da austeridade fiscal. Ao longo dos últimos dez

anos, o salário mínimo acumulou um aumento real de 72,31%. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 48,2 milhões de trabalhadores e

trabalhadoras de todas as regiões do país têm o rendimento referenciado no mínimo. Compreende-se aí a maioria dos aposentados e pensionistas (69,5%). A política reivindicada pelas centrais sindicais desde 2004 – e negociada com o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – foi institucionalizada em 2011, através da Lei 12382, que prevê o reajuste anual do piso com base na inflação (INPC), mais um aumento real equivalente à taxa de crescimento do PIB. A lei expira em 2015. Sua renovação até 2019 – conforme propõe o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) – depende da apreciação do Congresso Nacional e certamente não ocorrerá sem luta. O balanço dos efeitos econômicos e sociais do aumento do valor real do salário mínimo é positivo. Foi o que ressuscitou o mercado interno brasileiro, deprimido pela crise da dívida externa e pelo neoliberalismo, com um aumento substancial do consumo das massas trabalhadoras e um forte estímulo ao comércio varejista, à produção e ao emprego. Em sintonia com outros programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e com a redução drástica do desemprego, a valorização do mínimo teve a virtude de ressuscitar o mercado interno brasileiro, ampliando o consumo das massas, especialmente das famílias mais pobres, tendo contribuído com 67% para a redução da desigualdade no Brasil, segundo cálculos do Ipea. É preciso destacar que, enquanto a desigualdade aumentava em praticamente todo o mundo capitalista, em nosso país ela caía acentuadamente graças às políticas sociais do governo. Foi isso que sustentou o comércio

“Está em curso uma campanha insidiosa para mudar o reajuste anual do salário mínimo. Essa é uma clara tentativa de conter os avanços dos últimos anos da classe trabalhadora” e estimulou as atividades produtivas, impedindo que o país fosse arrastado para o pântano da recessão pela crise econômica internacional. Tem sido fundamental também para melhorar a situação econômica dos pequenos municípios das regiões mais pobres do país, onde a renda dos aposentados e pensionistas é quem dita o ritmo do comércio. “Está em curso uma campanha insidiosa para mudar o reajuste anual do salário mínimo. Essa é uma clara tentativa de conter os avanços dos últimos anos da classe trabalhadora”, argumenta o presidente nacional da CTB, Adilson Araújo.

Efeitos desastrosos Os resultados da nova política aplicada pelos governos Lula e

Dilma mostram que as centrais sindicais têm razão quando defendem um novo projeto nacional de desenvolvimento, fundado na valorização da classe trabalhadora, e concebem essa valorização como uma fonte de crescimento econômico e estabilidade social, em oposição à filosofia neoliberal, que aponta a redução dos custos da força de trabalho como saída para a crise. A experiência do Brasil nos últimos 11 anos contrasta não só com as políticas que aqui foram aplicadas pelos governos tucanos presididos por Fernando Henrique Cardoso, como também com a amarga realidade dos países europeus submetidos aos rigores da chamada troika, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a cúpula da VISÃOClassista

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eco n om ia União Europeia. A ordem do dia no velho e decadente capitalismo europeu, imposta pela troika e por governos que capitularam ao neoliberalismo, é liquidar com o Estado de BemEstar Social erigido após a Segunda Grande Guerra, reduzir salários e aposentadorias, flexibilizar direitos e impor o desemprego em massa. Os efeitos desastrosos de tal política são notórios. A taxa de desemprego na zona do euro subiu a 12,2% no início deste ano, marcando um novo recorde. Os países mais afetados pela crise e subordinados aos cuidados do FMI caíram na depressão econômica e exibem índices alarmantes de desemprego, que chegam a 27% na Grécia e Espanha, países onde mais da metade dos jovens está condenada ao ócio involuntário. Acima das justificativas supostamente técnicas apresentadas pelo FMI, a troika e os governos, as políticas neoliberais – neste caso mascaradas de austeridade e responsabilidade fiscal – têm um nítido caráter de classe e se orientam primordialmente para a satisfação dos interesses da oligarquia financeira e a garantia do pagamento da dívida pública, hoje um canal privilegiado da valorização do capital que rende juros. Assim, não é de se estranhar que hoje no Brasil a política de valorização do salário mínimo, apesar das suas evidentes virtudes, seja alvo da crítica das forças conservadoras, que advogam o seu fim apontando os impactos negativos sobre a Previdência, o orçamento de estados e municípios e a política fiscal em geral. Temem que seu financiamento comprometa as metas do superávit primário, feito à custa dos investimentos públicos para garantir o lucro dos rentistas, e acenam com 12

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inte rn ac i o n al Laldert Castello Branco

DISPUTA Desacordo entre Obama e Putin evidencia a ascensão das nações emergentes

Tempos de transição FIRMEZA Militância classista sai às ruas contra o retrocesso o fantasma da inflação. Pedem, com esse pretexto, o fim da “indexação” do piso à inflação e ao PIB.

Contraponto Evidentemente, o movimento sindical não compartilha essa visão tacanha, pois compreende que os problemas fiscais do setor público no Brasil, em todos os níveis, decorrem dos encargos financeiros com juros da dívida interna, e não dos investimentos em saúde, educação, infraestrutura, salários e serviços públicos. A verdade é que, apesar dos avanços, o valor real dos salários,

especialmente do mínimo, ainda é muito baixo e está bem distante do piso previsto na Constituição, capaz de satisfazer as necessidades elementares do trabalhador, estimado hoje pelo Dieese em R$ 2.784,22. A classe trabalhadora não vai abrir mão da política de valorização do mínimo. As centrais estão unificadas nesta luta, apoiando o Projeto de Lei de Inácio Arruda, que estende até 2019 as regras atuais do reajuste, assegurando aumento real anual. Será preciso muita mobilização e unidade para aprová-lo e o movimento sindical já demonstrou que está disposto e preparado para a luta.

Realidade na Venezuela e Ucrânia evidencia a nova ordem geopolítica mundial Fernando Damasceno

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República Bolivariana da Venezuela é uma nação tropical, situada na América do Sul, tem como idioma oficial o espanhol e se tornou independente no ano de 1821. A Ucrânia é um país da Europa Oriental, de clima temperado continental, que fez parte da União Soviética até 1991. À primeira vista, seus povos não têm nada em comum. Contudo, sob o viés da geopolítica do século 21, não faltam semelhanças. A situação dessas duas nações é emblemática para se compreender o processo de transição em curso. Com o fim da União

Soviética, no início da década de 1990, houve pensadores como Francis Fukuyama, atrelados ao pensamento neoliberal, que enxergaram o “fim da história” naquele momento, com a aclamada vitória dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria e sua consequente ascensão políticoeconômica. Depois de pouco mais de duas décadas, o roteiro vislumbrado pelos conservadores não saiu como se esperava. “O mundo vive uma transição de sua geopolítica, de um contexto de unipolaridade para outro, multipolar. No primeiro, os Estados

Unidos impunham sua agenda, seus interesses e valores; neste novo, em fase de ascensão, outros atores começam a colocar em prática seus interesses”, avalia o secretário de Relações Internacionais da CTB, Divanilton Pereira. Nesse cenário multipolar, começam a surgir novos centros produtivos e econômicos. Para o dirigente da CTB, o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o chamado BRICS, é uma expressão perfeita dessa nova composição do xadrez geopolítico mundial. “O que vimos nos últimos VISÃOClassista

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I NT E R N ACION AL meses na Ucrânia e na Venezuela são fatores de grande relevância. A delicada situação enfrentada pelos povos desses dois países é consequência direta da ação das forças imperialistas, representadas pelo governo dos Estados Unidos”, afirma Divanilton Pereira. Nas ruas de Kiev e Caracas (respectivas capitais da Ucrânia e Venezuela), os últimos meses foram marcados por forte tensão, com a clara ingerência imperialista a insuflar uma direita golpista, utilizada como massa de manobra de seus interesses econômicos. Nesse contexto, o cenário das ruas de Damasco (na Síria) é ainda mais simbólico dessa disputa. Os resultados contrários aos interesses imperialistas denotam uma nova ordem. Na Síria e na Ucrânia, a Rússia se impôs como principal força do leste europeu. Na Venezuela, coube à própria população defender o legado do expresidente Hugo Chávez e garantir a sustentação do atual chefe de governo, Nicolas Maduro.

A análise classista Já em agosto do ano passado, os dirigentes da CTB, reunidos para seu 3º Congresso, apontavam a necessidade de o sindicalismo classista compreender esse processo de transição em curso. Para os dirigentes, ficava claro que nessa nova ordem caberá a países considerados periféricos, como Brasil e China, a responsabilidade de assumir um papel de maior destaque nessa conjuntura. “O BRICS não pode ser desprezado pela classe trabalhadora, por conta de seu papel antihegemônico. Temos que atuar nesse cenário, disputando a valorização do trabalho”, afirmou Divanilton 14

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Pereira na ocasião. “Trata-se de uma nova circunstância política acelerada pela crise mundial do capitalismo”, complementou. Os posteriores acontecimentos da Venezuela e Ucrânia vieram reforçar a análise dos dirigentes classistas. A disputa em torno das estratégicas posições geográficas dos dois países, além das riquezas naturais encontradas sob seu domínio (petróleo, na América do Sul; gás natural, na Europa), demonstrou que os Estados Unidos e as forças imperialistas não pouparão esforços na tentativa de manter sua hegemonia e fazer valer seus interesses econômicos. De um lado, o imperialismo patrocina golpes e desestabilizações contra as experiências governamentais progressistas; por outro, desencadeia uma ampla ofensiva econômica, tentando inviabilizar os resultados até então alcançados por esses projetos. Para o sindicalismo classista, é preciso lutar por valores democráticos, pela soberania de cada nação e também por valores de solidariedade internacional. A CTB entende que é tarefa da classe trabalhadora participar ativamente desse processo, ao lado dos movimentos sociais e das forças políticas progressistas de cada país.

O papel da integração latino-americana A luta do povo venezuelano por sua soberania, contra a tentativa da direita do país de impor um golpe, mostra que o processo de integração colocado em prática na América Latina nos últimos 16 anos será alvo de novos ataques daqui por diante. “Até a ascensão do presidente Chávez, em 1998, éramos um quintal dos Estados Unidos. Hoje temos condições para adotar

INTEGRAÇÃO Em torno da CELAC, latino-americanos articulam nova geopolítica da região uma postura mais ofensiva”, avalia o secretário de RI da CTB. Para ele, Brasil, Argentina e Venezuela formam o tripé político, econômico e social da região, atores fundamentais para sustentar o processo de integração em curso. Para a CTB, Hugo Chávez é um marco desse processo. “Não deixamos de fazer algumas críticas ao país, como a necessidade de diversificar sua economia, mas temos que destacar seus feitos históricos. Chávez é o José Martí da contemporaneidade. É o homem que elevou a integração à condição de doutrina em nosso continente”, afirma Divanilton Pereira. Após o fracasso da Área de Livre Comércio das Américas

“Nossa estratégia deve se basear em uma ofensiva antiimperialista, antineoliberal e socialista, disputando a integração latino-americana e caribenha de uma forma soberana, complementária e valorizando o trabalho” Mauricio Morais

VISÃO Em 2013, CTB já antecipava cenário atual

(Alca), no final da década de 1990, o imperialismo agora aposta na divisão entre as nações da região. A história, no entanto, tem demonstrado que o caminho para o desenvolvimento latino-americano deve ser trilhado por meio da integração e da unidade. “Nossa estratégia deve se basear em uma ofensiva anti-imperialista, antineoliberal e socialista, disputando a integração latinoamericana e caribenha de uma forma soberana, complementária e valorizando o trabalho. Para tanto, devemos respaldar e participar ativamente de iniciativas como o Mercosul, a ALBA, a UNASUL, o BRICS e a CELAC”, sustenta o dirigente da CTB. VISÃOClassista

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lu ta sin dica l Laldert Castello Branco

40 mil vozes nas ruas de São Paulo 8ª Marcha da Classe Trabalhadora entra para a história do movimento sindical brasileiro Cinthia Ribas

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ais de 40 mil trabalhadores e trabalhadoras ocuparam as ruas da região central da cidade de São Paulo no último dia 9 de abril, durante a 8ª Marcha da Classe Trabalhadora. Convocados pelas centrais sindicais CTB, CUT, CGTB, FS, NCST e UGT, trabalhadores do campo e da cidade marcharam em defesa da redução da jornada para 40 horas semanais, do fim do fator previdenciário, da reforma agrária, do arquivamento do Projeto de Lei 4.330 (que amplia a terceirização), e da manutenção da política de valorização do salário mínimo, entre outras bandeiras. A pauta unitária defendida foi aprovada, originalmente, em 2010, durante a 2ª Conferência 16

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Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, e entregue aos então candidatos à Presidência da República. Mas pouco avançou até agora, segundo avaliação das centrais, que também reclamam de menor proximidade do atual governo com os movimentos sociais. “Fomos para as ruas para mostrar o descontentamento das centrais com o tratamento que vem sendo dado às reivindicações entregues ao Congresso Nacional e para a presidenta Dilma Rousseff. Não é porque apoiamos este governo que vamos deixar de cobrar, principalmente durante as eleições”, defendeu Wagner Gomes, secretário-geral da CTB.

O documento inclui ainda a defesa da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, a correção da tabela do Imposto de Renda, a distribuição de 10% do PIB para a educação e de 10% do orçamento da União para a saúde, entre outros itens. As centrais também cobram a regulamentação da Convenção 151 (sobre direito de greve e negociação coletiva no setor público) e a ratificação da Convenção 158 (contra a demissão imotivada), ambas da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dentre as bandeiras, uma preocupação imediata refere-se ao Projeto de Lei 4.330, do deputado e empresário Sandro Mabel (PMDBGO), que versa sobre a terceirização.

As centrais, que querem o arquivamento da proposta, avaliam que após as eleições a bancada empresarial na Câmara retomará a carga pela aprovação do projeto. Eles também querem compromisso, por parte de governo e candidatos, de que a Política de Valorização do Salário Mínimo, com reajustes reais, será preservada. É o que destaca Guiomar Vidor, presidente da CTB-RS, que percorreu todo o trajeto da Marcha segurando uma faixa contra o PL 4330. “Certamente São Paulo não via há muitos anos uma manifestação tão grandiosa e representativa que, certamente, trará um reflexo muito significativo em cima do governo federal - que é para quem queremos demonstrar essa insatisfação dos trabalhadores ao não atendimento da sua classe.

Aqui também vai um recado para os empresários, que no Congresso Nacional tentam, todos os dias, implementar medidas de retiradas de direitos”, defendeu. Apesar do momento estratégico pelo qual passa o país, os sindicalistas acreditam que o governo não pode perder de vista pendências a serem atendidas pelo Executivo e pelo Legislativo. “Desde a realização da Conclat, em junho de 2010, quando entregamos a Agenda da Classe Trabalhadora, temos insistido a todo instante que o governo acene com uma possibilidade de atender à nossa pauta. Mas, enquanto o mercado pressiona o governo, que adota a politica de elevação da taxa de juros e do câmbio flutuante, infelizmente os banqueiros vão acumulando mais riquezas – enquanto os trabalhadores vão se frustrando ao ver que sua

pauta não é atendida”, ressalta o presidente da CTB, Adilson Araújo. Ainda de acordo com Adilson, os trabalhadores vão aproveitar a movimentação deste ano (que conta com eleições e Copa do Mundo no Brasil) para entregar a pauta da classe trabalhadora aos candidatos à Presidência, inclusive para Dilma. “O governo só tem a ganhar ao dirigir um olhar especial para a classe trabalhadora, porque nós vamos lutar para evitar o retrocesso da tomada de poder pela direita e garantir a quarta vitória do povo brasileiro”, afirmou o presidente da CTB. Essa preocupação é compartilhada por Joílson Cardoso, vice-presidente da CTB. “O que está em jogo é o desenvolvimento com valorização do trabalho e qualidade de vida para aqueles que produzem: os trabalhadores”, afirmou o dirigente. Laldert Castello Branco

“O governo só tem a ganhar ao dirigir um olhar especial para a classe trabalhadora, porque nós vamos lutar para evitar o retrocesso da tomada de poder pela direita e garantir a quarta vitória do povo brasileiro”

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lu ta sin dica l Homens e mulheres em defesa da igualdade

Com faixas, bandeiras e camisetas, os trabalhadores (cuja maioria era formada por jovens) de diversas categorias mostraram a que vieram. “A juventude marcou presença nesta atividade e mostrou que é possível conquistar mais direitos e empregos, já que o jovem é o que mais sofre com o desemprego”,

são as mesmas. No entanto, as mulheres sofrem mais com o impacto das medidas. “Compomos a maioria da população. No entanto, sempre somos as mais prejudicadas, no mercado de trabalho, na política, na sociedade e no momento da aposentadoria também. E nenhuma mudança virá se não estivermos juntos nessa luta, homens e mulheres”, alerta a dirigente, que também é secretária

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O Parlamento é eminentemente masculino e branco. Precisamos começar a nos empoderar para construir uma nova ordem social, combater a desigualdade na política, na sociedade e, principalmente, no mercado de trabalho. É importante termos muita consciência para promover essa transformação”, salienta Ivânia Pereira. Laldert Castello Branco

DESTAQUE Visual da CTB foi grande diferencial durante a marcha salientou Victor Espinoza, secretário da Juventude da CTB. Apoiando a Copa do Mundo e defendendo seus direitos, homens e mulheres caminharam pelas ruas centrais da cidade, saindo da Praça da Sé, marco zero da cidade, rumo à Avenida Paulista (considerada o coração financeiro), concentrando a multidão, ao final, em frente ao Masp (Museu de Arte de São Paulo). “Mostramos que não existe luta do homem ou da mulher, é uma luta em comum, conjunta”, destacou Ivânia Pereira, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB. A dirigente ressalta que as bandeiras 18

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de Comunicação do Sindicato dos Bancários do Sergipe (Seeb-SE). Outra importante bandeira destacada pela bancária foi a de mais mulheres na política. “Temos que nos conscientizar para a importância do papel da mulher nas tomadas de decisões e na política. É inaceitável que haja apenas 9% de mulheres na Câmara dos Deputados e 12% no Senado Federal”, completa. Apesar de representarem 51,95% do eleitorado no país, o percentual de mulheres no Congresso Nacional não chega a 10%, de acordo com dados do

No que diz respeito ao mercado de trabalho, para mulheres negras, a situação é ainda menos favorável. Do total de mulheres desempregadas, 66,4% são negras. De acordo com a secretária de Igualdade Racial da CTB, Mônica Custódio, é impossível pensar em desenvolvimento econômico e social sem priorizar uma política de inclusão. “Nossa luta é pela igualdade de direitos, porque se as centrais avançam no projeto de igualdade de oportunidade e de ampliar os direitos trabalhistas, tanto mulheres como homens negros serão grandes beneficiados,

diante da discriminação presente no mercado de trabalho. Não tem como avançarmos rumo a um projeto de desenvolvimento com valorização do trabalho sem resolver o problema da desigualdade e discriminação”, afirmou.

Campo e cidade: uma pauta única Na manhã nublada do dia 9, além das cores das centrais sindicais, as ruas foram tomadas pelo verde do MSTTR (Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais) e pelo vermelho do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), que, com sua reconhecida organização, reforçaram mais uma vez a necessidade emergencial do governo realizar a reforma agrária no Brasil e o fortalecimento da agricultura familiar. A preocupação dos sindicalistas com o tema faz sentido. Dados da Comissão Pastoral da Terra comprovam que no governo Dilma a reforma agrária pouco avançou. “A reforma agrária está paralisada no nosso país e atualmente assenta cada vez menos famílias. Precisamos retomar essa discussão e dar o impulso para que todo esse projeto saia do papel”, defendeu Sérgio de Miranda, secretário de Política Agrícola e Agrária da CTB. Miranda, que também é vicepresidente da CTB-RS, destacou que o fortalecimento da agricultura familiar como base é indispensável para o desenvolvimento rural sustentável. “É preciso implantar a valorização crescente da agricultura familiar, com créditos e políticas públicas que diminuam o êxodo rural, especialmente em 2014, o Ano da Agricultura Familiar aprovado pela ONU.

Valorizar a agricultura familiar é importante não apenas para aqueles que vivem na terra, mas para o conjunto da sociedade”, revelou o dirigente rural. A agricultura familiar é um segmento fundamental no desenvolvimento do país, visto que é a responsável pela maior parte da produção que abastece o mercado interno brasileiro. Cerca de 70% dos alimentos consumidos pela população vêm da agricultura familiar. Dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário apontam que o ramo representa 10% do Produto Interno Bruto do Brasil.

demonstração de amadurecimento e do crescimento da luta da classe trabalhadora brasileira. Esse era o sinal que faltava para que a pauta dos trabalhadores ganhasse mais força e visibilidade, analisa Adilson Araújo. “Enxergamos um caminho promissor para fazer com que o governo compreenda a importância de resgatar o diálogo com os trabalhadores em busca de entendimento. Diferentemente da celeridade com que vem recebendo o pleito dos empresários, a nossa pauta, consagrada na Conclat, está parada sem nenhuma expectativa Laldert Castello Branco

UNIDADE Centrais em defesa da classe trabalhadora

Unidade e amadurecimento “A mistura de cores e ideologias presentes na marcha refletiu a unidade das centrais sindicais, da classe trabalhadora do campo e da cidade e sua capacidade de enfrentamento”, destacou Onofre Gonçalves, presidente da CTB-SP. Do começo ao fim, a marcha transcorreu de forma pacífica e evidenciou a unidade de ação das centrais sindicais, o que para os sindicalistas é uma

de negociação ou atendimento”, relatou. De acordo com o presidente da CTB, a expectativa dos sindicalistas é retomar o diálogo com o governo federal acerca dos pontos defendidos. “A partir da 8ª Marcha, aguardamos que o governo se abra para o diálogo, já que os trabalhadores compõem a força central do desenvolvimento que defendemos. O Brasil pode dar uma arrancada, mas é preciso que o governo priorize a pauta da classe trabalhadora”, indicou Adilson. VISÃOClassista

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Visibilidade mundial Trabalhadores rurais de todo o planeta celebram em 2014 o Ano da Agricultura Familiar Fernando Damasceno Agência Brasil

para definir os temas centrais do Ano Internacional. Três pontos fundamentais foram elencados: 1. A promoção, em todos os países, de políticas públicas que promovam o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar; 2. O fortalecimento de suas organizações representativas; 3. O aumento da conscientização na sociedade sobre a importância de apoiar a agricultura familiar. Ao definir essa lista, o Comitê Internacional chegou à conclusão de que, no atual cenário de lutas, os atores fundamentais do Ano Internacional devem ser as mulheres (por conta de sua atuação ativa, em especial no que diz respeito à agrodiversidade) e a juventude do campo (devido à falta de oportunidade que muitos enfrentam, condição que os obriga a migrarem para as grandes cidades).

Para acompanhar os eventos e a agenda do Ano Internacional da Agricultura Familiar no Brasil, acesse a página na internet do Comitê Brasileiro: www.aiaf2014.gov.br/aiaf/

O papel da Contag No Brasil, a Contag tem dimensão de sua importância para a luta dos trabalhadores e trabalhadoras do campo. Da mesma forma, o país tem um papel de destaque no âmbito do Ano Internacional da Agricultura Familiar. O último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2006, revelou que os agricultores familiares respondem por 84,4% dos estabelecimentos do país, ocupam 24,3% da área cultivada e empregam 74,4% da mão de obra do setor agropecuário. Mesmo com pequena disponibilidade de área

cultivável, a agricultura familiar é responsável pela produção de 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 34% do arroz, além de 58% do leite, 50% das aves e 59% dos suínos, entre outros produtos. Responde, assim, por 9% (R$ 173,47 bilhões) do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Dentro desse cenário, para a Contag a bandeira da reforma agrária está no topo de suas reivindicações. “Nossa luta é por uma política ampla, massiva e de qualidade, com terra e apoio dos governos para que as famílias possam produzir alimentos saudáveis para toda nossa população”, defende Alberto Broch. MDA

CORAGEM Contag lidera a luta no campo em todo Brasil

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ano de 2014 está sendo um período histórico para os trabalhadores e trabalhadoras rurais de todo o mundo. Desde 1º de janeiro, em todo o planeta é celebrado o Ano Internacional da Agricultura Familiar, Campesina e Indígena (AIAF/CI), iniciativa levada a cabo pela Organização das Nações Unidas (ONU), como resultado da reivindicação de movimentos sociais de todos os continentes. Em todo o planeta, há hoje 1,5 bilhão de pessoas em 380 milhões de estabelecimentos rurais, 800 milhões com hortas urbanas, 410 milhões em florestas e savanas, 190 milhões de pequenos pecuaristas e mais de 100 milhões de pescadores camponeses. Dentre todos estes, ao menos 370

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milhões são indígenas. Juntos, esses 3 bilhões de agricultores familiares camponeses e indígenas constituem mais de 40% da humanidade e produzem cerca de 70% dos alimentos no mundo. No Brasil, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) está na linha de frente dos debates e da luta que vêm sendo travados por conta dessa data especial. “Não vemos o AIAF/ CI como um momento festivo ou somente como um período de adesões e, sim, como um ano extremamente político para dar visibilidade ao papel da agricultura familiar, campesina e indígena na produção de alimentos de qualidade para as diversas populações”, afirma Alberto Broch, presidente da Contag.

Para os dirigentes da entidade, ao longo de 2014 é preciso que os movimentos sociais e as organizações sindicais de todo o mundo exponham à sociedade e aos governantes as dificuldades enfrentadas pelo homem e pela mulher do campo, em todos os continentes. “Precisamos de políticas públicas específicas e estruturantes, de modo que possamos viabilizar de modo sustentável as nossas unidades produtivas”, pontua Broch.

A importância das mulheres e da juventude

No final de 2013, o Comitê Internacional Consultivo do AIAF/CI se reuniu em Bruxelas (Bélgica) com representantes de cinco continentes

DISPOSIÇÃO Papel das mulheres é reconhecido pela ONU VISÃOClassista

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Entrevista: Alberto broch, presidente da contag O tema da organização sindical do campo tem mobilizado a Contag, suas federações e seus sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais de todo o país. A representação e a representatividade sindical no campo também vêm sendo analisadas por um Grupo de Trabalho instalado no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Confira abaixo o ponto de vista do presidente da Contag, Alberto Broch, sobre essa questão: Visão Classista: Qual a posição da Contag sobre a organização da categoria? Alberto Broch: No nosso entendimento, a dissociação é o melhor caminho para preservar os nossos interesses, a nossa unidade e o conceito de categoria, a possibilidade de representar a agricultura familiar, o assalariado, sem tirar o direito dos sindicatos que querem permanecer juntos. E isso é um direito sagrado. As decisões judiciais afirmam que a dissociação de uma categoria (por exemplo, a de assalariados) de uma organização eclética (Sindicato de Trabalhadores Rurais) não fere a unicidade sindical, e por isso as duas podem existir na mesma base, prevalecendo a representação da entidade mais especifica. Mas o que mais nos preocupa é a definição de marcos normativos ou leis com regras seguras e claras que permitam disciplinar a criação e registro de organizações no meio rural. Precisamos urgentemente coibir todo ato ou prática antissindical e desleal de criação do dia para a noite de sindicatos e 22

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Contag

Um dia de luta e reflexão Importância da celebração do 1º de Maio ultrapassa fronteiras e unifica classe trabalhadora mundial Redação CTB

federações sem representatividade e legitimidade alguma. Queremos que sejam estabelecidos critérios justos, critérios que digam que os trabalhadores podem expressar sua vontade, mas de forma transparente. Expomos nossas preocupações e propostas para as centrais e apontamos em que pontos elas podem nos ajudar, com a interlocução delas com o governo, com o Ministério do Trabalho, para que não seja a Justiça que diga o que temos que fazer e como, mas para que nós possamos dizer o que queremos e como queremos. Visão Classista: O que falta para avançar? Alberto Broch: Temos um conjunto de questões

muito complexas. Por falta de legislação específica, de critérios, o Judiciário, com base nas suas decisões, está criando jurisprudência que estão virando regras e algumas que colocam o Ministério do Trabalho na defensiva, já que o órgão passa a se obrigado a fazer o que a Justiça manda. A intromissão dos poderes públicos na organização e representação sindical fere o princípio da liberdade e autonomia sindical. É um tema realmente complexo, que exige um debate aprofundado e muita maturidade política. Estamos levando a proposta inicialmente e precisamos que o governo tenha coragem e determine a criação de normativos mais sérios sobre o assunto.

VIOLÊNCIA Em Chicago, o exemplo de que a luta não é em vão

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m todo o planeta, as comemorações do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, adquiriram um caráter que vão muito além das festas. A data atualmente tem a capacidade de reunir milhões de pessoas dispostas

a levantar suas bandeiras de lutas e reivindicações. Durante os últimos anos, com a crise internacional do capitalismo, essa disposição para sair às ruas e protestar se tornou muito mais latente. No Brasil, as comemorações

do 1º de Maio têm servido, nos últimos anos, para intensificar o sentido da luta unitária da classe trabalhadora. “Celebramos e reafirmamos nesta data a luta histórica do povo por justiça e igualdade, contra a exploração VISÃOClassista

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h om en a g em

A mensagem da FSM

EVOLUÇÃO No século 19, o desejo por 8h de trabalho, 8h de lazer e 8h de descanso capitalista e por um novo projeto nacional de desenvolvimento para o nosso país, fundado na valorização do trabalho, na soberania nacional e na democracia, a caminho do socialismo”, afirma o presidente da CTB, Adilson Araújo. “A unidade é a chave para nossa vitória”, pontua.

Muito além do feriado Alguns países celebram o Dia do Trabalhador em outras datas, mas nações como Brasil, Cuba e Portugal definiram o 1º de Maio em seus calendários para homenagear 24

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os operários que morreram em Chicago, nos EUA, no ano de 1886. Naquele ano, no primeiro dia de maio, o povo de Chicago assistiu a uma massiva manifestação popular, com a finalidade de reivindicar a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias. No dia 3 de maio, houve novo protesto, que, após a repressão policial, resultou na morte de alguns manifestantes. No dia seguinte, 4 de maio, uma nova manifestação foi organizada como protesto pelos acontecimentos dos dias anteriores, tendo terminado com o lançamento de uma bomba

por desconhecidos para o meio dos policiais que começavam a dispersar os manifestantes, matando sete agentes. A polícia abriu então fogo sobre a multidão, matando 12 pessoas e ferindo dezenas. Três anos mais tarde, no dia 20 de Junho de 1889, a segunda Internacional Socialista, reunida em Paris, decidiu por proposta de Raymond Lavigne convocar anualmente uma manifestação com o objetivo de lutar pelas oito horas de trabalho diário. A data escolhida foi o 1º de Maio, como homenagem às lutas sindicais de Chicago.

Por conta das celebrações do 1º de Maio de 2014, a Federação Sindical Mundial (FSM), entidade à qual a CTB é filiada, emitiu uma nota na qual convoca toda a classe trabalhadora a levantar suas bandeiras de luta. Confira abaixo a íntegra do documento: Alto ao desemprego! Organizar e lutar por trabalho e vida digna para todos! A FSM emite uma saudação combativa, classista e internacionalista a seus quase 90 milhões de trabalhadores afiliados, em mais de 120 países do mundo, ao movimento sindical classista, a cada trabalhador e trabalhadora em todo o planeta e faz um chamado para honrar este dia com greves, eventos combativos e protestos. Este 1º de Maio encontra a classe trabalhadora sob condições muito perigosas. A receita de todos os governos capitalistas e dos mecanismos imperialistas (FMI, Banco Mundial, União Europeia, etc.) para uma “saída

da crise” é a mesma em cada país: cortes de salários e pensões, eliminações de direitos sociais, desemprego. Ao mesmo tempo, as contradições dentro do sistema capitalista, como vemos atualmente na Ucrânia, geram uma situação cada vez mais perigosa para os trabalhadores e produzem novos riscos. Atualmente, na Organização Internacional do Trabalho (OIT), os patrões e os governos capitalistas querem eliminar o direito de greve. Por isso, querem eliminar o direito de greve da Convenção 87 da OIT. O direito de greve não “foi cedido” aos trabalhadores por nenhum governo ou organismo internacional. Foi um direito conquistado através de lutas operárias muito duras e somente seguirá existindo com a luta dos trabalhadores. A FSM chama o movimento sindical classista a organizar manifestações massivas e combativas para defendê-lo. O desemprego, em nível internacional, ataca sem piedade a classe trabalhadora e seus filhos e filhas; converte-se em um palanque para aumentar a exploração, especialmente das mulheres e dos jovens dos setores populares. Neste 1º de Maio, a FSM chama a classe trabalhadora internacional a lutar contra o fenômeno do desemprego: organizar os desempregados nos sindicatos, lutar pela sobrevivência, por prestações sociais para os que não têm emprego e pelo direito

a um trabalho fixo e estável para todos, bem como lutar contra o desemprego e os fatores que o geram. Façamos deste 1º de Maio um ponto de partida para a preparação do Dia Internacional de Ação da FSM, em 3 de Outubro de 2014, cuja temática central é a luta contra o desemprego. Porque o desemprego é um fenômeno inerente ao sistema capitalista. Trabalhadores e trabalhadoras do mundo Não há nenhuma razão para que nossa classe trabalhadora viva na pobreza, desemprego, fome, guerras imperialistas ou careça de saúde e educação públicas e gratuitas. A FSM chama a todos a se unirem sob nossas bandeiras e organizar greves, marchas, eventos combativos para defender o direito de greve, lutar pelo trabalho estável, por liberdade sindical e por direitos sociais. O futuro da classe trabalhadora não pode ser a exploração e a barbárie capitalista. A FSM, para este 1º de Maio e para todos os dias do ano, faz um chamado a todos os trabalhadores, com base no lema principal do “Pacto de Atenas”, nosso documento político e sindical, aprovado no 16º Congresso Sindical Mundial, em 2011: “Trabalhadores levantemo-nos contra a barbárie capitalista, por justiça social e por um mundo sem exploração.” O Secretariado

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Brasil 1950 x Brasil 2014 Separados por 64 anos, os dois Mundiais de Futebol organizados no país retratam sociedades completamente distintas Marcos Aurélio Ruy

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ontra a vontade da mídia comercial e da oposição ao governo federal, pesquisa recente mostra que “60% dos brasileiros acreditam que a Copa no Brasil será ótima e 21%, boa. Os principais motivos da preocupação seriam a falta de estrutura (72%) e o atendimento ao consumidor (8%)”, segundo o “Portal Vermelho”. Alguns setores apostam no “quanto pior, melhor” porque acreditam que o sucesso do evento pode beneficiar a presidenta Dilma Rousseff. Desde outubro de 2007, quando a Federação Internacional de Futebol (Fifa) indicou o Brasil para sediar a 20ª Copa do Mundo, em Zurique (Suíça), alguns 26

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setores sociais, essencialmente da elite, começaram a questionar a capacidade do país em realizar megaeventos, destilando aquilo que Nelson Rodrigues tachou de “complexo de vira-lata”, ou seja, de julgar o Brasil e o povo brasileiro inferiores diante das nações do Primeiro Mundo. Grupos até lançaram o slogan “não vai ter Copa” e jogam com a desinformação, utilizando argumentos pelos quais os investimentos da Copa deveriam ir para a educação, saúde e transporte, entre outros destinos. Não veem que os dois últimos governos foram os que mais investiram em educação, saúde, cultura e infraestrutura e que a

Copa pode beneficiar tais questões. Segundo Luis Fernandes, secretário-executivo do Ministério do Esporte, o investimento total na Copa foi estimado em R$ 25,6 bilhões, dos quais R$ 8 bilhões estão sendo usados na construção e reforma dos estádios onde serão disputados os jogos. Segundo ele, “existe uma concepção falsa de que os investimentos públicos em estádios, por meio de empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), reduzem as aplicações em saúde e educação. O que houve foi um crescimento dos recursos nessas áreas coincidindo com a realização da Copa”. Para Fernandes, os principais legados serão nas

áreas de esporte, infraestrutura e serviços, turismo, geração de empregos, consumo e tributos.

Duas copas Esta é a segunda vez que o país sedia a Copa do Mundo de Futebol. A primeira ocorreu em 1950. Logo após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, a Fifa tratou de realizar uma Copa, já que a anterior havia ocorrido em 1938, antes da eclosão da guerra que terminou em 1945, com a vitória dos Aliados sobre o nazi-fascismo. No ano seguinte, a entidade máxima do futebol mundial escolheu o Brasil como país-sede porque os países da Europa estavam arrasados, sem as VISÃOClassista

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mínimas condições de realizar um evento desse porte. Além disso, os dirigentes da Fifa levaram em conta que o povo brasileiro abraçava o futebol como se fosse seu, enquanto a paixão popular pelo esporte bretão crescia a olhos vistos. Nesse sentido, a realização da Copa serviu como pretexto para divulgação do futebol em âmbito nacional e para uma unificação do país em torno de sua seleção nacional.

Brasil 1950 As diferenças da atualidade são abissais. Em 1950, tínhamos uma população de quase 52 milhões de moradores – hoje somos mais de 200 milhões. O Produto Interno Bruto de 64 anos atrás era de US$ 15 bilhões. Hoje ultrapassa US$ 2 trilhões. Naquele ano, 63% dos trabalhadores concentravam-se na agricultura, 20% em serviços e 17% na indústria. A economia brasileira era majoritariamente agrícola. A industrialização ainda engatinhava no país. Getúlio Vargas seria eleito em 3 de outubro, com 48,73% das preferências, para substituir 30

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Eurico Dutra. Naquele tempo, tinham o direito ao voto somente os brasileiros maiores de 18 anos e alfabetizados, num país onde aproximadamente 50% da população era analfabeta – somente a Constituição de 1988 concederia esse direito a todos os cidadãos. Em relação ao movimento sindical, em 1950 existia o Movimento Unificado dos Trabalhadores (MUT) e as Ligas Camponesas, comandadas pelo Partido Comunista do Brasil, com a sigla PCB à época. A população brasileira ainda mantinha maioria no meio rural, as Ligas puderam crescer e desenvolver intensas lutas em prol da reforma agrária, sendo aniquiladas pelo Golpe de 1964. Ainda não havia a Petrobras, mas o Brasil conhecia a sua primeira emissora de televisão, a TV Tupi, pertencente ao barão da mídia na época, Assis Chateaubriand, empresário que exercia muita influência política. A marchinha “Chiquita Bacana”, de João de Barro e Alberto Ribeiro, foi o maior sucesso do carnaval de 1950. Já na Copa, a marchinha “Touradas de Madri”, da mesma dupla, foi entoada no dia em que o Brasil goleou a Espanha por 6 a 1 no quadrangular final do torneio. A 4ª edição da Copa do Mundo de Futebol ocorreu de 24 de junho a 16 de julho em seis cidades-sede (Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo). Organizada pela Fifa em parceria com a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e o governo brasileiro, o sucesso financeiro da Copa empolgou a todos – tanto que os dirigentes esporitvos se reuniram logo após o término da Copa para planejar um campeonato mundial interclubes, nos moldes do que ocorre hoje.

TRAGÉDIA Diante de 200 mil pessoas, Uruguai balança as redes do Maracanã

Efeitos da derrota Participaram da Copa 13 seleções nacionais, que levaram um público de 1.045.246 torcedores aos estádios, com uma média de 47.511 pessoas por jogo. O Brasil entrou seis vezes em campo. Na primeira fase, venceu o México por 4 a 0, empatou com a Suíça por 2 a 2 e venceu a Iugoslávia por 2 a 0. No quadrangular final, derrotou a Suécia com o placar de 7 a 1 e a Espanha por 6 a 1. O último jogo, contra o Uruguai, ocorreu no dia 16 de julho, em pleno Maracanã. Como a Celeste havia empatado com a Espanha por 2 a 2 e vencido a Suécia por 3 a 2, o Brasil

necessitava apenas de um empate para conquistar o título inédito. O atacante Friaça fez o primeiro gol da partida, deixando o Brasil com a mão na taça, mas o inesperado por quase 200 mil torcedores que lotavam o Maracanã e pelo restante do país aconteceu. O Uruguai virou o jogo em 2 a 1 e conquistou o bicampeonato, no fato marcado como “Maracanaço”. Na primeira Copa depois da Segunda Guerra, finalmente foram utilizados números nas camisas dos jogadores. O futebol brasileiro em 1950 contava com 17 campeonatos estaduais e um torneio nacional de seleções estaduais de dois em dois anos, organizados pela CBD. Ainda não havíamos experimentado

nenhum título mundial. O autor do único gol brasileiro contra os uruguaios, Friaça (Albino Friaça Cardoso, 19252009) descreveu a tristeza e a perseguição que sofreram após a derrota. “Jogadores da seleção brasileira de 50 – que tinham condições de crescer na carreira – só regrediram depois da Copa. Antes, éramos deuses. Nós, os jogadores, sofremos em todos os cantos,porque para onde a gente ia,ouvia só duas palavras: Obdulio, Uruguai ”, reclama. O jornalista e escritor Armando Nogueira (1927-2010) reforça a incompreensão dos brasileiros, incentivados pela mídia em relação aos atletas e define a injustiça feita

contra o goleiro Barbosa (Moacir Barbosa Nascimento, 1921-2000). “Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro”. para ele, Barbosa “era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera”. Já o jornalista e escritor uruguaio Joselo Olascuaga define a derrota brasileira como natural. Para ele, a “cultura futebolística” uruguaia tinha vantagem sobre a brasileira naquele tempo. “O favoritismo absoluto que se apoderou ao Brasil na final de 50 foi ilusório e lhe resultou prejudicial”, defende. Segundo Olascuaga, “o Uruguai já havia jogado e ganhado três finais mundiais (a Copa de 1930 e as Olimpíadas de Paris em 1924 e de Amsterdã em 1928), tinha absoluta primazia sobre o Brasil em campeonatos sul-americanos e, naquele mesmo ano, já havia ganhado dessa mesma seleção brasileira”. De qualquer forma, a realização da Copa de 1950 empoderou o futebol no Brasil, que se tornou a grande paixão nacional, só igualada à febre sentida pelo carnaval. Oito anos depois, a seleção canarinho de Pelé e Garrincha, entre outros grandes craques, levantaria a taça Jules Rimet e venceria pela primeira vez o torneio, para então, novamente de acordo com Nelson Rodrigues (1912-1980), acabar com o nosso “complexo de vira-lata”, expressão destinada aos que abominam a cultura nacional e o povo brasileiro. VISÃOClassista

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ES P E C I AL CO PA Governo DF

Copa 2014 O PIB brasileiro de 2013 foi imensamente maior que o de 1950 (passa de R$ 4,84 trilhões). A força produtiva de 2014 se inverteu totalmente: apenas 15% dos trabalhadores e trabalhadoras estão na agricultura, 65% em serviços e 20% na indústria. A população ultrapassa os 200 milhões de brasileiros e o país já é a sexta maior economia do mundo. O país está prestes a completar 30 anos de democracia, depois se enterrar uma ferrenha ditadura imposta em 1964. A primeira eleição presidencial após 1964 ocorreu em 1989, elegendo Fernando Collor de Mello, que sofreria impeachment, pela primeira vez na história republicana, em 1992. Em 2002 começaria uma revirada no poder, com a eleição do primeiro operário para a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2010 seria eleita a primeira mulher, Dilma Rousseff. A 20ª Copa do Mundo conta com 32 seleções de todos os continentes, que aturarão em 12 cidades-sede (Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo). Serão 64 jogos até a final, onde se espera que o Brasil se sagre hexacampeão. Aliás, a seleção brasileira é a única a disputar todas as Copas e também a única a vencê-las por cinco vezes (1958, na Suécia; 1962, no Chile; 1970, no México; 1994, nos Estados Unidos e em 2002, na Coreia do Sul e Japão). Muito embora o Brasil não esteja bem colocado no ranking da Fifa de 2014, a seleção brasileira é sempre uma das favoritas ao título. Os números são poderosos. Já foram alocados mais de 3 milhões 32

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MODERNIDADE Acima, o novo Estádio Mané Garrincha, em Brasília; abaixo, a cosmopolita capital paulista Portal da Copa

de ingressos para os torcedores. O time do técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, promete repetir 2002 e trazer o sexto caneco para o país. Atualmente, o Brasil conta com quase 30 mil times de futebol profissionais, com mais de 2 milhões de jogadores. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o futebol movimenta anualmente cerca de R$ 16 bilhões. Um levantamento feito pela empresa norte-americana Ernest & Young mostra que a Copa vai adicionar pelo menos R$ 142,3 bilhões à economia entre 2010 e 2014, gerando 3,63 milhões de empregos e R$ 63,4 bilhões de renda para a população. A pesquisa indicou ainda uma melhor

qualificação dos trabalhadores, com aumento da qualidade do trabalho das empresas, o que amplifica as oportunidades de negócios no Brasil. De acordo com os organizadores do evento, a Copa deve agregar R$ 183 bilhões ao Produto Interno Bruto brasileiro até 2019 e, desse total, R$ 47,5 bilhões serão de investimentos em obras de infraestrutura. É o legado prometido pelo governo ao fim da competição, que será assistida em pelo menos 199 países, com bilhões de torcedores antenados nos jogos e de olho no Brasil. Para a jogadora Marta, o Mundial “vai deixar bons frutos” até para o futebol feminino. “Quem sabe o Brasil conquiste a Copa feminina

em 2015 e sedie a competição em 2019”, afirma a craque, eleita cinco vezes como a melhor do mundo. Já o ex-craque do Flamengo e da seleção Zico (Artur Antunes Coimbra), acredita “que o Brasil reúne 85% de chances de ser campeão, pela forma como a equipe vem jogando, pelo equilíbrio e pela qualidade que Scolari conseguiu encontrar na seleção. Uma das coisas importantes, quando se joga em casa, é trazer o público para perto da seleção, e ele conseguiu isso. Todos os grandes países venceram dentro de casa. Então acho que o Brasil tem tudo para fazer o seu dever de casa e estar na final da Copa no Maracanã”. VISÃOClassista

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A chaga do racismo Copa de 2014 será oportunidade para expor – e punir – as mazelas do preconceito no mundo do futebol Marcos Aurélio Ruy

Arouca, do Santos (SP), em partida pelo Campeonato Paulista, em Mogi Mirim. O estádio do clube interiorano foi interditado por conta das agressões e, em seguida, o atleta gravou um vídeo mostrando o orgulho de ser negro: “Tenho a pele negra, cabelo afro e visto o manto branco que vestiu o Rei Pelé. Carrego orgulho no peito e sou grato a Deus por tudo isso”.

Cobranças

IGUALDADE Em 2011, Copa do Mundo feminina colocou o dedo na ferida

“Tenho a pele negra, cabelo afro e visto o manto branco que vestiu o Rei Pelé. Carrego orgulho no peito e sou grato a Deus por tudo isso”

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os últimos meses, diversos atletas negros brasileiros têm sido vítimas de agressões racistas no Brasil e no exterior. Nem mesmo craques consagrados, como Neymar, têm sido poupados. Numa derrota sofrida por seu time, o Barcelona, pelo Campeonato Espanhol, ele foi xingado de macaco por torcedores. No final de abril, seu colega de clube e de seleção brasileira, Daniel Alves, surpreendeu o mundo ao comer uma banana que fora jogada ao gramado por um torcedor racista. Num jogo pela Taça Libertadores da América, no Peru, a cada vez que o jogador Tinga, do Cruzeiro (MG), pegava na bola, os torcedores peruanos emitiam sons de macaco. Algo parecido aconteceu com o meio-campista 34

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“Antes, o status de jogador de futebol ou de artista permitia a esses negros serem tratados com menos preconceito, um pouco mais igual”, afirma Mônica Custódio, secretária de Políticas de Promoção de Igualdade Racial da CTB. “Esses casos demonstram o quanto o Brasil é racista e deixam nítido que a questão racial não é somente uma questão de classe social, mas, sim, algo que vai além e se configura numa verdadeira tragédia humana”. Desde os primórdios do futebol no país, os negros eram rejeitados pelos clubes. Existe até o caso do mulato Carlos Alberto, que usava pó-de-arroz e muita brilhantina nos cabelos para disfarçar sua negritude e poder atuar pelo Fluminense carioca. Até hoje, o time é chamado de pó-de-arroz por torcedores adversários. Os negros só passaram a ser aceitos à medida que o futebol foi se massificando e se transformando em paixão nacional. Em 1921, até o então presidente da República Epitácio Pessoa recomendou que a seleção brasileira não convocasse atletas negros para representarem o Brasil no Campeonato Sul-Americano realizado na Argentina. Para o governante brasileiro, havia necessidade de se criar uma “outra imagem” do país no exterior,

compondo a seleção “pelo melhor de nossa sociedade”, ou seja, por jogadores brancos. Mesmo com o racismo escancarado do presidente do país, o jornalista e escritor Mario Filho escreveu no livro “O Negro no Futebol Brasileiro” que, no início do século 20, “o povo descobria, de repente, que o futebol deveria ser de todas as cores, futebol sem classe, tudo misturado, bem brasileiro”. “É preciso aplicar a Lei Caó (Lei 7437/1985) e a Constituição Federal”, afirma Mônica Custódio, exigindo rigor para as agressões racistas. “Enquanto quem manda no futebol e na mídia não tomar providências mais severas, os ataques continuarão”, reforça. Para ela, em contrapartida, os atletas negros têm mostrado muita dignidade ao se colocarem como vítima de agressão e mostrando com orgulho a cor de sua pele. “Isso mostra que “nem a maior paixão esportiva do país supera a chaga do racismo”, diz.

O racismo e a Copa Para a Fifa, entidade responsável pela organização da Copa de 2014, o evento será a ocasião perfeita para reforçar a mensagem de que o futebol é para todos. Segundo o diretor da força-tarefa criada pela Fifa para discutir o tema do racismo, Jeffrey Webb, a fase de quartas-de-final da competição será dedicada ao combate a essa chaga. “Estou convencido de que o Brasil, com a sua sociedade diversificada, será o anfitrião perfeito. Como a presidenta Dilma Rousseff mencionou recentemente, esta será a Copa do Mundo contra o racismo e todas as formas de discriminação. O futebol tem o poder de promover a integração

“Estou convencido de que o Brasil, com a sua sociedade diversificada, será o anfitrião perfeito. Como a presidente Dilma Rousseff mencionou recentemente, esta será a Copa do Mundo contra o racismo e todas as formas de discriminação” e endossar modelos positivos na sociedade. Este esporte tão bonito é cheio de paixão, e a paixão tem o poder de abrir o caminho para transformações profundas”, afirmou Webb, ao Fifa.com. A presidenta Dilma Rousseff afirmou que a mensagem do Mundial será pela paz e contra o preconceito e reforçou a disposição em enfrentar o tema do racismo, após os casos que envolveram os jogadores Tinga e Arouca e o árbitro Marcio Chagas. Dilma, inclusive, convidou o papa Francisco para gravar uma mensagem, nesse sentido, para a Copa. Escolhido pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, o tema deste ano é destacar o papel que os esportes podem desempenhar no combate ao racismo e à discriminação. “A nossa meta é promover um esporte no qual todos abracem a diversidade e a universalidade em todo o mundo”, comentou Jeffrey Webb. VISÃOClassista

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entr e vista

M I RALDO VIE IRA

A Copa é um sonho construído por muitas mãos

Eliane Costa Arquivo CTB

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Copa do Mundo de Futebol de 2014 começa oficialmente no dia 12 de junho, em São Paulo, mas o evento já trouxe mudanças para a vida de milhões de brasileiros, como os trabalhadores e trabalhadoras da construção civil, que estão diretamente envolvidos no processo de preparação do país para o evento – seja na construção dos estádios ou na realização das obras de infraestruturas necessárias. Nesta entrevista a Visão Classista, o secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário (Contricom) e secretário de Imprensa e Comunicação da 36

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Federação dos Trabalhadores na Indústria da Construção e da Madeira no Estado da Bahia (Fetracom-BA), Miraldo Vieira da Silva, fala dos efeitos do Mundial para a categoria e o seu legado. Confira a seguir: Visão Classista: Como os operários da construção foram afetados pela escolha do Brasil como sede da Copa? Houve maior investimento na capacitação do setor? Melhorou a remuneração geral da categoria? Miraldo Vieira: Em linhas gerais, podemos dizer que sim. Os trabalhadores e trabalhadoras da construção foram afetados

positivamente pela Copa, haja vista as vagas que foram criadas no setor neste período, tanto na construção dos 12 estádios que vão receber os jogos, como nas obras de infraestrutura necessárias para a viabilização do Mundial nas 12 cidades-sede. Quanto à remuneração, para termos aumentos mais expressivos é preciso uma pauta nacional. Houve, sim, avanços importantes para os operários. Contudo, as conquistas só foram alcançadas através de mobilizações e greves dos trabalhadores. Visão Classista: Como ficou a questão das condições de trabalho na construção dos estádios e

outras obras para a copa? Tivemos acidentes e até mortes de operários na construção de alguns estádios. De forma geral, qual sua avaliação sobre as condições de trabalho nestas obras? Miraldo Vieira: Avaliamos de forma muito negativa os acidentes que vitimaram oito trabalhadores durante o processo de construção dos estádios da Copa. Podemos afirmar que a cobrança pela celeridade no término das obras contribuiu de forma ímpar para que esses acidentes acontecessem. Essa cobrança vem de todas as partes: da Fifa ao empreiteiro e às grandes construtoras. Não podemos colocar a vida dos trabalhadores e trabalhadoras em risco. Infelizmente, as condições de trabalho inseguras não estão somente nos estádios, mas também nas obras de infraestrutura para o evento, como as dos aeroportos, onde trabalhadores morreram e muitos foram submetidos a condições análogas à escravidão. Vergonhosamente o Brasil ocupa a quarta posição no ranking geral de países em que mais acontecem acidentes de trabalho, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A construção civil é a segunda no ranking das profissões com maior número de acidentes. Na Copa, de quem é a responsabilidade

por esses acidentes? Governo, empreiteiros, construtores devem ser solidários nessa responsabilidade. Visão Classista: A informalidade é um dos grandes problemas da construção civil no Brasil e a expectativa era de que as obras para a Copa ajudassem na solução da questão. A Copa realmente ajudou a aumentar a formalização do emprego no setor? Alguma região do Brasil foi mais beneficiada? Miraldo Vieira: Em 1º de março de 2012, o governo federal, entidades sindicais (incluindo a Fetracom-BA) e empresários assinaram o Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Indústria da Construção, com o objetivo de aprimorar as condições de trabalho nos canteiros de obras do país. Dentre suas diretrizes está a formalização, através do recrutamento e seleção feitos pelo Sistema Nacional de Emprego. Podemos dizer que houve formalização, sim, e destacamos ainda a criação da representação sindical por local de trabalho que foi implantada durante a construção de alguns estádios de futebol. Visão Classista: E agora, com a finalização de algumas obras, como fica a questão do emprego Agência Minas

no setor? Pode haver desemprego ou os empregos gerados migrarão para novas áreas também relacionadas ao evento, como as obras de infraestruturas? Miraldo Vieira: De acordo com o governo federal, o setor da construção civil deverá se manter aquecido até 2022, devido à demanda por obras de infraestrutura (PAC 2) e moradia (Minha Casa, Minha Vida). Portanto, acreditamos que boa parte desses trabalhadores e dessas trabalhadoras migrará para esses setores. Visão Classista: Levando em conta todos os aspectos envolvendo os trabalhadores da construção, qual sua avaliação sobre a realização da Copa no Brasil? Trouxe todos os benefícios esperados ou deixou a desejar? Miraldo Vieira: Os grandes eventos esportivos são oportunidades para incentivar investimentos que tenham por objetivo melhorar a infraestrutura, trazendo benefícios para as condições de vida da sociedade. É uma contribuição importante para estimular o crescimento econômico, em razão dos investimentos que mobilizam e dos efeitos nas diversas cadeias produtivas. Porém, como sindicalista, não posso deixar de criticar que apenas as construtoras e os grandes empresários usufruam da grandeza do evento. Os trabalhadores e trabalhadoras que ajudaram a construir esse sonho nacional de sediar a Copa do Mundo precisam ser valorizados, avançando em conquistas, sem precarizar as relações de trabalho com jornadas de trabalho desumanas, acúmulo de tarefas, pressão para término das obras. Trabalho bom é trabalho decente. Somos a favor da Copa, sim, mas não à custa da vida dos trabalhadores. Ela deve ser balizada em trabalho decente sem precarização. VISÃOClassista

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Sem espaço para precarização Governo federal promete rigor na fiscalização em prol do trabalho decente durante o Mundial Daiana Lima Prefeitura de São Paulo

em todas as cidades-sede (confira entrevista na página 40).

Compromisso das cidades-sede

EMPENHO Nádia Campeão, vice-prefeita de São Paulo, participa de debate sobre a Copa

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pós 64 anos, o Brasil se prepara para receber a 20ª edição do maior evento futebolístico do planeta: a Copa do Mundo de 2014. A realização do Mundial abre uma série de oportunidades ligadas ao mundo do trabalho. Estima-se que serão criados 330 mil novos empregos diretos e 400 mil temporários. No setor de infraestrutura, os investimentos devem chegar a R$ 33 bilhões, destinados à modernização e construção de aeroportos, portos, melhorias no transporte urbano, na segurança e na saúde. No entanto, apesar dos altos investimentos anunciados pelo 38

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governo federal para geração de emprego e crescimento do país, é preciso acompanhar de perto os riscos embutidos na realização de um evento desse porte, como trabalho informal e precário, acidente de trabalho, jornada exaustiva, trabalho infantil e exploração sexual de crianças e adolescentes, além de trabalho em condições análogas à escravidão. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) está atento ao cumprimento dos direitos fundamentais no trabalho. Para isso, tem promovido, em parceria com o Fórum Nacional de Secretários do Trabalho (Fonset), a Organização Internacional do

Trabalho (OIT) e os governos estaduais e municipais, oficinas e seminários para assegurar o trabalho decente e a qualidade dos empregos criados em decorrência da Copa do Mundo, que começa em 12 de junho e se encerra no dia 13 de julho. As atividades já passaram por Ceará, Mato Grosso, Porto Alegre, Recife, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O MTE também pretende levar a ação às demais cidades-sede da Copa. Segundo o ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, durante a Copa haverá grande fiscalização, em especial sobre setores como transportes, hotelaria e alimentação,

As 12 cidades-sede do Mundial assumiram o compromisso público de garantir a prevalência do trabalho decente durante o torneio. Em São Paulo, a Prefeitura elencou cinco pontos que foram subscritos por demais órgãos públicos, organizações empresariais, entidades sindicais, empresas e outras organizações da sociedade civil, todos envolvidos direta ou indiretamente nas atividades relacionadas à Copa do Mundo de 2014: - Assegurar o respeito aos direitos fundamentais no trabalho estabelecidos pelas Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, assim como pela legislação brasileira; - Assegurar o respeito aos direitos fundamentais no trabalho estabelecidos pelas Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, assim como pela legislação brasileira; - Prevenir e coibir a exploração

sexual de crianças e adolescentes nas sedes dos jogos da Copa, no seu entorno e nos locais de maior concentração de turistas; - Prevenir e coibir a exploração sexual de crianças e adolescentes nas sedes dos jogos da Copa, no seu entorno e nos locais de maior concentração de turistas; - Respeitar e implementar os acordos tripartites nacionais firmados por representantes do governo, dos trabalhadores e dos empregadores, como os dos setores da Construção e de Turismo e Hotelaria, nas Mesas de Diálogo.

Críticas ao voluntariado A Fifa, na condição de organizadora da Copa, tradicionalmente aposta no trabalho voluntário como peça fundamental para o bom funcionamento de seus torneios. Para o Mundial no Brasil, mais de 22 mil inscritos foram selecionados para o que a Fifa chama de “treinamento presencial”,

a ser realizado durante o mês de maio, nas 12 cidades-sede. Para Joílson Cardoso, vicepresidente da CTB, o trabalho voluntário está na contramão da perspectiva do trabalho decente. “A Copa do Mundo é um evento muito lucrativo, cuja mais-valia deveria ficar aqui, em nosso território, tendo como contrapartida bons salários e melhores condições de trabalho para os brasileiros”, defende o dirigente. Já para o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, contar com um grande número de trabalhadores voluntários durante a Copa pode trazer benefícios à imagem do país. “Serão 600 mil visitantes estrangeiros e 3 milhões de brasileiros circulando na Copa”, argumentou. “Não queremos que essas pessoas sejam apenas respeitadas e toleradas, mas acolhidas com carinho, com sorriso, porque isso será muito importante para elas. Talvez seja a lembrança mais grata que o visitante guardará dos eventos”, completou. VISÃOClassista

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ESPE C I A L CO PA

ENTREVISTA – MANOEL DIAS, MINISTRO DO TRABALHO E EMPREGO MTE

Visão Classista: Quais as principais ações do Ministério para garantir o trabalho decente durante o Mundial? Manoel Dias: São várias ações, que passam desde o Comitê Interministerial para discutir o tema, até ações específicas da pasta, como a fiscalização e inspeção do trabalho, que serão realizadas por grupos especiais de auditores. Eles fiscalizarão os principais setores envolvidos na Copa, como transportes, hotelaria 40

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e alimentação, em todas as cidadessede. Uma grande campanha sobre Trabalho Decente também será lançada, em maio, para chamar a atenção dos setores envolvidos. Visão Classista: O que o MTE tem feito para combater as irregularidades trabalhistas nas grandes obras? Manoel Dias: O MTE criou o Grupo Móvel de Auditoria de Condições de Trabalho em Obras de Infraestrutura (GMAI), responsável pela fiscalização de

grandes obras de infraestrutura logística e geração de energia. Algumas obras da Copa também estão nesse cronograma. Já foram feitas 13 inspeções em estádios e aeroportos e os fiscais são rigorosos com a inspeção, podendo chegar à interdição de pontos considerados inadequados de acordo com as normas de segurança. Visão Classista: A Copa do Mundo é um evento que gera altos lucros para a Fifa. O que justifica o trabalho voluntário? Manoel Dias: O trabalho voluntário é de responsabilidade da FIFA e do Ministério do Esporte. Visão Classista: Com a realização do Mundial, o país tem gerado milhares empregos. Qual a expectativa para o mercado de trabalho futuro? Manoel Dias: A expectativa é que sejam gerados centenas de empregos durante a Copa. E também há a expectativa que eles sejam mantidos após o evento, como nos estádios e equipamentos esportivos. Já há trabalhos em curso no sentido de manter eventos nesses locais ao longo dos anos, o que demandará mão de obra. Visão Classista: O Ministério tem atuado em conjunto com as entidades sindicais na promoção do trabalho decente? Existe possibilidade de novas parcerias? Manoel Dias: O diálogo com as centrais sindicais e empregadores é constante e qualquer parceria em prol do tema é relevante e bem-vinda.

E o povo com isso? De Norte a Sul, brasileiros demonstram seu apoio e também não poupam críticas à organização do Mundial Cinthia Ribas

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partir de 12 de junho, o Brasil vai sediar um dos maiores eventos esportivos do planeta, a Copa do Mundo de 2014. O tema tem ocupado desde noticiários e páginas da imprensa até rodinhas de amigos em botecos. A população quer opinar sobre o

Mundial e seus preparativos. Mas o que a classe trabalhadora pensa a esse respeito? Os altos investimentos feitos pelo governo federal promovem acalorados debates entre favoráveis e contrários ao Brasil sediar o megaevento, com a capacidade de

reunir cerca de 600 mil turistas estrangeiros e 3 milhões de turistas nacionais. No meio das críticas e dos pensamentos positivos, estão a Fifa (Federação Internacional de Futebol Associado), o governo da presidenta Dilma Rousseff VISÃOClassista

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valorizam a nossa região”, afirma a moradora da região de Itaquera, próxima ao estádio que sediará a abertura do evento. “Passo todo dia em frente ao estádio em Itaquera e vejo a transformação. São muitos viadutos, pontes e ruas novas. Vai trazer um novo fôlego para a região, que é meio esquecida”, desabafa.

O que o povo espera

“Passo todo dia em frente ao estádio em Itaquera e vejo a transformação. São muitos viadutos, pontes e ruas novas. Vai trazer um novo fôlego para a região, que é meio esquecida” e sua equipe, que aceleram os preparativos para que o país esteja pronto para o Mundial.

Aquecimento da economia Com argumentos válidos, parte da população, de acordo com pesquisas, acredita que a Copa será uma chance para alavancar o Brasil, com geração de empregos, movimentação do turismo e impulso a setores da iniciativa privada, fundamentais para a economia do país. “Considero algo muito bom, pois além de divulgar o nosso país no mundo, deixará muitas coisas boas, como melhorias nos estádios, transporte público e aeroportos, além de exemplos de segurança pública que poderão ser colocados em prática futuramente”, opina Jainder de Assis, 42 anos, tecnólogo da Informação Para ele, a grande presença de turistas transitando pelo país movimentará a economia, o que favorece a geração de emprego e renda para a população. “Certamente, 42

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a convivência com pessoas de outros países também será uma boa oportunidade de intercâmbio, troca de experiências e de conhecimentos sobre as diferentes culturas”, analisa o morador de Betim (MG). Especialistas fundamentam essa opinião. Segundo eles, a construção e melhoria de hotéis, estádios e acessos são os grandes benefícios da Copa, pois criam empregos e, consequentemente, geram renda, consumo e melhora da economia. Além desses pontos, o evento também promoverá melhorias nos aeroportos e em tecnologias de diferentes áreas. Boa parte da população destaca o crescimento cultural durante o período do torneio, principalmente daqueles que passarão por treinamentos para trabalhar na Copa do Mundo. É o que acredita a auxiliar de limpeza Maria Augusta da Silva. Para a trabalhadora, prestes a se aposentar, a Copa pode deixar um legado. “Essas melhorias que estão fazendo no transporte e nas vias públicas são muito boas, pois

De acordo com as mais recentes pesquisas, menos da metade da população é contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. Segundo levantamento divulgado pelo Datafolha (fev/14), mais da metade da população (52%) é favorável à realização do evento que se inicia no dia 12 de junho. Para 11%, a Copa é indiferente. No entanto, esse índice, de acordo com a fonte, é o menor registrado desde o ano de 2008, quando o instituto de pesquisa começou a realizar o questionamento aos brasileiros. Cerca de 79% eram a favor da Copa no país, em 2008. O resultado aponta ainda que os brasileiros do Nordeste, com 64%, e Norte/Centro-Oeste, com 68%, são os que mais apoiam a Copa no Brasil. Já o Sul, com 39%, e o Sudeste, com 44%, possuem o menor índice de aprovação. Quanto menor a cidade, maior o apoio aos jogos. Nos pequenos municípios, 55% da população é favorável ao evento. Nas capitais, o índice é de 50%, contra 43% das regiões metropolitanas e 41% das cidades grandes. Na zona rural, o apoio é de 62%. Ao todo, serão 12 cidades-sede, todas capitais: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cuiabá, Natal, Fortaleza, Recife, Salvador, Manaus e Brasília.

Imagina na Copa Do outro lado da corda, estão aqueles que discordam da destinação do orçamento, voltado para a construção dos estádios. Para eles, os recursos públicos poderiam ter sido investidos para melhorar outras áreas mais importantes e deficientes do país. Parte dos brasileiros se preocupa com a alta verba destinada para o megaevento, em detrimento de setores deficientes do país como saúde, educação, moradia e transporte público, que chegam à população muitas vezes de forma precária e ineficiente. “Eles [o governo] falam que esse dinheiro não tem nada a ver e que os orçamentos são diferentes. Mas não concordo. Deviam ter pensado nisso antes. Se eles vissem a situação do posto de saúde perto de casa... é de chorar”, reclama o borracheiro Walter Nascimento, que mora no bairro de São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo. O borracheiro também não se esquece do transporte público. “E o metrô? Eu não pego porque trabalho perto de casa, mas meu filho e minha esposa, sim, e reclamam diariamente. Um dia dá problema e no outro dá falha. Se ele [o metrô] não suporta a população, imagine durante os jogos da Copa em São Paulo!”, reclama Nascimento. Opinião semelhante tem a universitária Thiana Santana, de Salvador. “É um evento de grande importância, mas eu acho que o Brasil ainda não tem estrutura. Para receber uma Copa, é necessária uma estrutura interna que comporte este tipo de evento”, argumenta a baiana. Thiana pensa que as obras para a Copa foram feitas, mas o básico ainda deixa a desejar.

Compartilham da mesma opinião alguns movimentos, que ao longo dos meses de março e abril promoveram protestos em diversas capitais contra a Copa e, por consequência, com críticas ao governo federal. Conhecidos pelo mote “Não vai ter Copa”, esses ativistas que declararam guerra ao evento prometem tumultuar e causar muita dor de cabeça aos organizadores. O movimento defende que essa luta é por direitos básicos garantidos na Constituição Brasileira, os mesmos que parte da população reivindica: saúde, transporte público, moradia, segurança, ente outros.

O governo No centro da polêmica está o governo federal, que tem corrido contra o calendário para preparar o país para receber o Mundial. De acordo com informações do secretário-executivo do Ministério do Esporte, Luiz Fernandes, o custo das obras chegou a R$ 28 bilhões, permanecendo dentro do orçamento total de R$ 33 bilhões.

Na opinião de Fernandes, a Copa é uma oportunidade para investimentos em infraestrutura e em serviços para melhorar a vida da população. O legado que o evento deixará é o argumento utilizado pelo governo, a exemplo da Copa de 1950, que deixou o Maracanã. A renovação de estádios e os investimentos massivos em infraestrutura, que serão usufruídos pelos brasileiros, mesmo após a competição, entram nessa argumentação sob a justificativa de que “a Copa é temporária, mas os benefícios permanentes”. De acordo com dados do próprio governo, dentro desses benefícios está a mobilidade urbana, com R$ 8,02 bilhões em 45 projetos; telecomunicações, R$ 404 milhões em expansão de fibra ótica e implantação de equipamentos e sistemas; portos e aeroportos, cerca de R$ 6,9 bilhões em 36 obras e intervenções; e segurança pública, com R$ 1,9 bilhão investido em centros integrados de comando e controle, aquisição de equipamentos, controle de fronteira, entre outros.

“Socialmente eu acho que foi um chute meio fora. Porque é investimento em detrimento da saúde da educação” Renato Walter VISÃOClassista

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Oportunidade histórica Números mostram os benefícios do Mundial de 2014 para a economia brasileira Redação CTB* Chico Batata - Agecom

Copa comprometerá o sucesso do evento e seu impacto para a economia nacional. “A única coisa que não atrasa no Brasil é partida de futebol. Como é um torneio de futebol, eu acho que o atraso será muito menor. Que nós entregaremos as obras essenciais – que são as dos estádios –, as de mobilidade urbana e um ou outro atraso não vai comprometer a Copa”, afirmou.

Turismo

DIVERSIDADE Em Manaus, Copa se aproximará da Amazônia

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ENTO E QUARENTA E DOIS BILHÕES DE REAIS. Sim, tal cifra deve ser impressa em letras garrafais, tamanha a sua dimensão. É esse o montante que será injetado na economia entre 2010 e 2014, por conta da realização da Copa do Mundo de futebol deste ano. Os dados são da Fundação Getúlio Vargas, em parceria com a consultora Ernest & Young. O mesmo levantamento mostra que esses recursos gerarão cerca de 44

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3,6 milhões de empregos, além de adicionar R$63,48 bilhões à renda da população.

Impacto duradouro O Mundial de 2014 vai gerar no Brasil cerca de 600 mil empregos permanentes e temporários, e terá impacto médio de 0,4% ao ano na economia brasileira até 2019. Segundo o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, a Copa já está criando no Brasil um ambiente favorável

ao desenvolvimento econômico, turístico, científico, tecnológico. “São milhares de empregos, não apenas nos estádios que estão sendo construídos. E gerou aos países que já acolheram a Copa os mesmos efeitos positivos que já está gerando no Brasil. Nós, em todas as esferas, temos todas as razões para querer a Copa do Mundo”, disse o ministro, em entrevista ao programa de rádio “Bom Dia, Ministro”. Para Aldo Rebelo, nem mesmo o ritmo de execução das obras da

Além dos investimentos diretos na Copa, outros R$ 112,8 bilhões serão injetados na economia através do crescimento de setores como construção civil, turismo e comércio. No período 2010-2014, o número de turistas internacionais deve crescer em 2,98 milhões, alcançando 7,4 milhões no ano da Copa. Nesses quatro anos, deverão ser geradas receitas adicionais de R$ 5,94 bilhões. Para o ano do campeonato, serão nada menos do que US$ 8,73 bilhões trazidos aos países com gastos de turistas. Estima-se que a Copa do Mundo deve gerar 47,9 mil vagas de trabalho no setor de turismo nos 12 estados-sede da competição, entre os meses de abril e junho deste ano. A estimativa é da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), com base no fluxo de 3,6 milhões de turistas que deverão circular pelo País durante a competição, de 12 de junho a 13 de julho. O economista Fabio Bentes, da CNC, ressalta que o número é 60% superior à geração de postos de trabalho nos 12 estados no mesmo período do ano passado (29,5 mil). Apesar disso, grande parte dessas vagas deverá ser temporária. “É natural que, depois da Copa, haja um enxugamento dessas contratações, porque são trabalhos

“São milhares de empregos, não apenas nos estádios que estão sendo construídos. E gerou aos países que já acolheram a Copa os mesmos efeitos positivos que já está gerando no Brasil. Nós, em todas as esferas, temos todas as razões para querer a Copa do Mundo” temporários mesmo”, disse Bentes, à Agência Brasil. De acordo com a CNC, o setor de alimentação responderá pela maior parte da geração de postos de trabalho. Cerca de 16,1 mil vagas, ou 33,5% do total, deverão ser criadas por bares e restaurantes, que são os principais segmentos turísticos, segundo a confederação. Os transportes de passageiros deverão abrir 14 mil vagas (29,2% do total), enquanto hotéis, pousadas e similares responderão

por 12,3 mil novos postos de trabalho (25,7%). Outros setores gerarão menos vagas, como os serviços culturais e recreativos (3,8 mil) e agências de viagens (1,7 mil). Em termos de remuneração, as maiores ficarão com as agências de viagens (R$ 1.626). Em seguida, aparecem os transportes de passageiros (R$ 1.449), serviços culturais e recreativos (R$ 1.397), a alimentação (R$ 935) e hospedagem (R$ 900). * Com informações do Portal da Copa Ministério do Turismo

CALOR Fortaleza é uma das cidades-sede do Nordeste VISÃOClassista

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ESPE C I A L CO PA Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro

Os números da Copa das Confederações O Ministério do Turismo divulgou no início de abril um estudo sobre o impacto econômico da Copa das Confederações, realizada em junho de 2013 nas cidades de Brasília, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e Salvador. O resultado revela a movimentação financeira no período, o reflexo no PIB e na geração de empregos, além de oferecer insumos para projeções sobre a Copa do Mundo. De acordo com a pesquisa,

realizada por meio da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o torneio gerou um movimento de R$ 20,7 bilhões, sendo R$ 11 bilhões referentes a gastos de turistas, do Comitê Organizador Local (COL) e de investimentos privados e públicos e outros R$ 9,7 bilhões como renda acrescentada ao PIB brasileiro. A expectativa é de que a Copa do Mundo gere três vezes este valor, podendo chegar a R$ 30 bilhões. Em se confirmando essa projeção, o valor acrescido ao

PIB por conta do Mundial será superior aos investimentos previstos na Matriz de Responsabilidades, que somam R$ 25,6 bilhões, de acordo com a versão mais recente, de setembro de 2013. O valor inclui R$ 8 bilhões usados na construção e reforma dos estádios, e o restante se refere a obras de mobilidade urbana, portos e aeroportos, além de investimentos em infraestrutura turística, segurança, telecomunicações e instalações complementares. Governo DF

SONHO Vista aérea do estádio no final da década de 1940

Ary Barroso, os 18 comunistas e a “batalha do Maracanã” Como a campanha contra a Copa do Mundo de 2014 repete as ladainhas que o Brasil já enfrentou – e venceu – ao sediar o Mundial-1950 André Cintra

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CERRADO Em Brasília, a influência da modernidade típica da capital federal 46

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ão se fala de outra coisa. O Brasil entregará em tempo as obras para a Copa do Mundo – a começar pelo palco da abertura do torneio? Os gastos com o Mundial se justificam? Por que construir estádios que talvez não tenham público no futuro? Vale a pena, enfim, sediar a famigerada competição da Fifa? É bom não se precipitar. Por

mais que esse pessimismo possa lembrar os dias atuais, não há nada de original nos ataques à preparação do Brasil para o maior evento do Planeta. Sob diversos aspectos, a campanha contrária à Copa do Mundo de 2014 repete as ladainhas que o Brasil já enfrentou – e venceu – ao sediar o Mundial-1950. Apesar de perder o título para o

Uruguai, o Brasil foi bem-sucedido ao acolher o 4º Campeonato Mundial de Futebol, disputado em Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. As previsões catastrofistas não se confirmaram, e o francês Jules Rimet, lendário presidente da Fifa, foi o primeiro a reconhecer a “exemplar contribuição” dos brasileiros. VISÃOClassista

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ES P E C I AL CO PA Existem detalhes que, embora pouco divulgados, são fundamentais para a compreensão da história. É o caso da participação decisiva do ex-presidente Getúlio Vargas. Dos preparativos nas sedes à realização dos jogos, a Copa ocorreu exatamente no intervalo entre seus dois governos. Mas o líder gaúcho pode ser considerado um dos “pais” do Mundial no Brasil, seja pelo incentivo à candidatura do país junto à Fifa, seja pela proposta pioneira de erguer um estádio de padrão internacional. Da mesma maneira, houve uma imprescindível – e, no entanto, quase esquecida – intercessão do Partido Comunista do Brasil para viabilizar o Maracanã, o “maior do mundo”, celebrado como o “Gigante do Derby”. Em meio à preparação para a Copa-1950, a legenda de Luiz Carlos Prestes, Diógenes Arruda e João Amazonas enfrentou os anos iniciais de seu mais longo período de clandestinidade. Mas o envolvimento dos comunistas na “batalha do Maracanã” é um desses

episódios-chave que a História oficial faz questão de omitir. São fatos que merecem ser reconstituídos à luz da realidade, até como antídoto à nefasta cobertura da mídia e ao golpismo de movimentos como o Não Vai Ter Copa. Se “o que é passado é prólogo” – conforme ensinou William Shakespeare –, entender o que se passou às vésperas do Mundial-1950 ajuda a desmistificar os protestos à Copa-2014, ao governo Dilma e ao Brasil.

A Era Vargas e o futebol Foi com o Golpe de 37, marco inaugural do Estado Novo (1937-1945), que Getúlio Vargas converteu o esporte em elemento da unidade nacional. O incentivo à Educação Física nas escolas virou uma das vitrines da propaganda oficial, e os eventos cívicos eram entremeados com partidas de futebol entre operários, sindicalistas e militares de baixa patente. Outra vertente desse processo era a apropriação de estádios Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro

POLÊMICA Construção foi bancada pelo prefeito Mendes de Moraes 48

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“Embora pertencessem à mesma sigla [a UDN], Carlos Lacerda e Ary Barroso protagonizaram a polêmica em polos opostos” para a celebração do Dia do Trabalhador. Sob os auspícios do poderoso Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), os comícios oficiais de 1º de Maio mobilizavam dezenas de milhares de “trabalhadores do Brasil” a São Januário, no Rio. Diante da multidão de operários, Vargas anunciava conquistas como o salário-mínimo e a Justiça do Trabalho. O Pacaembu, aberto em 1940, agregou mais um palco de exaltação ao Estado Novo. Vargas, o “chefe da Nação”, foi a São Paulo para inaugurar o Estádio Municipal, a “maior e mais moderna praça de esportes da América do Sul” à época, com capacidade para 70 mil espectadores. “Nunca houve uma festa esportiva que tivesse tido um cunho oficial de tamanha projeção”, saudou a “Folha da Manhã”. A inauguração do Pacaembu deixava claro que era possível promover o Brasil para além das fronteiras nacionais. Ainda que o estádio não fosse federal, a presença de delegações da Argentina, do Uruguai e do Peru comprovava a maior influência brasileira no continente. Numa área nobre do estádio, os gestores acenderam a “Chama Olímpica” e hastearam bandeiras de todas as nações com que o Brasil mantinha relações diplomáticas. Os equipamentos esportivos estavam no radar do governo, mas Vargas, simpático aos regimes

nazifascistas, vislumbrava um feito mais extraordinário. Se Benito Mussolini realizou com êxito o 2ª Campeonato Mundial de Futebol (1934) e Adolf Hitler capitalizou os Jogos Olímpicos de Berlim (1936), por que o líder do Estado Novo não podia cobiçar uma grande competição dessas no Brasil? Assim, de olho na crescente popularização do futebol e na visibilidade dos eventos esportivos internacionais, Vargas autorizou a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) a lançar a candidatura do país a sede da Copa do Mundo de 1942. A missão foi entregue ao presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da CBD, Célio de Barros, que se dirigiu à França, em junho de 1938, para representar o Brasil no Congresso da Fifa. O encontro ocorreu na sede do Automóvel Clube de Paris, a poucas horas da abertura do Mundial. Na volta ao Rio, Célio portava notícias nada otimistas. Alemanha e Argentina – que já haviam concorrido ao direito de realizar o Mundial-1938 – eram agora favoritas a abrigar a Copa-1942. E mais: Jules Rimet, presidente da Fifa desde 1921, não escondia seu deslumbramento com a ótima organização da Olimpíada de 1936 – um trunfo dos alemães. Em contrapartida, os delegados do Congresso em Paris propunham levar a Copa para a América do Sul em 1946.

Da Guerra à Copa Se quisesse ingressar no mapamúndi dos grandes eventos, o Brasil teria, no mínimo, de apresentar um estádio à altura. Local para erguê-lo existia: a área abandonada do antigo Derby Club, no Maracanã, zona norte do Rio.

Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro

ESTREIA Presidente Dutra (ao centro) prestigia inauguração Vargas idealizava a construção de um estádio superior a São Januário e ao Pacaembu – talvez o “maior do mundo”. Voltado a megaeventos esportivos internacionais, o empreendimento poderia reunir também mais participantes – e em condições apropriadas – nos comícios do Estado Novo. “As primeiras discussões oficiais acerca da construção de um grande estádio ‘nacional’ de padrões olímpicos no Rio de Janeiro aparecem em 1939, envolvendo setores tanto da administração do Distrito Federal quanto do Ministério da Educação e Saúde, entre eles o próprio ministro Gustavo Capanema. Em 1941, o Ministério chegou a promover um concurso para escolher o melhor projeto arquitetônico para sua construção”, detalha o pesquisador Fábio Franzini, em artigo recente para a “Revista de História”. Os vencedores do concurso foram os arquitetos Pedro Paulo Bastos e Antonio Dias Carneiro, que apresentaram uma ousada planta em falsa elipse para o novo

estádio. Mesmo com o aval de Vargas, o projeto esbarrou em duas pendências: os impasses burocráticos para a compra do terreno do Derby pelo Ministério e as denúncias de falta de lisura no concurso. O advento da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) forçou o adiamento dos planos do governo. O conflito devastou a Europa e impossibilitou a realização de grandes eventos esportivos. A exemplo do COI (Comitê Olímpico Internacional) – que cancelou as Olimpíadas de 1940 e 1944 –, a Fifa não promoveu a Copa do Mundo nos anos de 1942 e 1946. Com o fim da Grande Guerra, o Campeonato Mundial de Futebol voltou a ser articulado, enquanto o Brasil retomou o ciclo democrático. Depois de 15 anos no poder, Vargas foi deposto em 1945. A ruptura não afetou os planos de trazer uma Copa para o país – até porque, em 2 de dezembro daquele ano, um ex-ministro varguista, o general Eurico Gaspar Dutra, venceu as eleições presidenciais e manteve a VISÃOClassista

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ES P E C I AL CO PA proposta de pé. A decisão de Dutra aliviou a Fifa, que, a rigor, não tinha alternativas. O 25º Congresso da entidade, em julho de 1946, em Luxemburgo, deliberou pela expulsão da federação alemã. A Associação de Futebol Argentino, em crescente rivalidade com a CBD, desistiu de promover e disputar a Copa seguinte. A Europa inteira, ainda sob os destroços da 2ª Guerra Mundial, estava fora de cogitação. Sem concorrência, os delegados da Fifa indicaram o Brasil, por unanimidade (34 votos a zero), como palco da primeira Copa do Pós-Guerra. A primeira batalha estava superada. Luiz Aranha, expresidente da CBD e chefe da delegação brasileira em Luxemburgo, esbanjou confiança: “Será o mais belo e o mais brilhante Campeonato Mundial de Futebol que se realizará”. Previsto para 1949 e em apenas duas sedes (Rio de Janeiro e São Paulo), o torneio foi posteriormente remarcado para 1950 e incorporou mais quatro capitais brasileiras – Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Recife.

eco, e o país foi muito cobrado ao se preparar para o Mundial. O comitê organizador contava com apenas um brasileiro, Sotero Cosme, e quatro europeus. “Se no papel tudo estava ajustado, restou ao Brasil o cumprimento das mínimas exigências”, conta o jornalista Teixeira Heizer no livro “O Jogo Bruto das Copas do Mundo”. “Transportes, hotéis, condições sanitárias e, sobretudo, estádios eram alguns dos pontos delicados no quadro de quesitos para quem se candidatava ao patrocínio de evento tão importante.” Da parte da iniciativa privada, os principais esforços se voltaram para o setor turístico, especialmente a rede hoteleira. O apelo era grande: além do Brasil, 12 países estavam confirmados para a Copa e embarcariam com suas delegações. De todo modo, o que preocupava mais a Fifa era a questão dos estádios. Campo de futebol algum correspondia às expectativas da entidade. De cada cidade-sede, a Fifa cobrava um estádio seguro (com

alambrados reforçados), de médio porte (para ao menos 20 mil espectadores), com tribunas para a imprensa e autoridades. O entorno também precisava estar em ordem. Pode parecer pouco, ainda mais em comparação com o “padrão Fifa” atual. Mas, das seis sedes do Mundial-1950, cinco correram contra o relógio para adequar seus estádios. O Eucaliptos (RS), o Durival de Brito (PR), a Ilha do Retiro (PE) e o Independência (MG) tiveram de ser ampliados. Mesmo o novíssimo Pacaembu passou por uma razoável reforma para a Copa. O ponto mais fora da curva era a capital federal. Segundo Teixeira Heizer, a Fifa não via nenhum estádio carioca com simpatia: “A sede principal era o Rio de Janeiro, mas São Januário (40 mil espectadores), Laranjeiras, Gávea, General Severiano, Campos Sales e outros foram considerados muito acanhados para abrigar jogos de significação internacional”. Jules Rimet temia que o Brasil repetisse os problemas Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro

A “batalha do Maracanã” Parte da grande imprensa investiu no pessimismo. Denunciou-se, antes de tudo, a modesta tradição do país em torneios internacionais, resumida a eventos como o Campeonato Sul-Americano de Futebol (1919, 1922 e 1949); os Jogos Olímpicos Latino-Americanos (1922); a Corrida de São Silvestre (criada em 1925, mas internacionalizada apenas 20 anos depois); e a Corrida do Revezamento do Fogo Simbólico da Pátria (1938-1947). O coro dos conservadores teve 50

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PROJETO Desenho inicial sem o contorno das arquibancadas

Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro

EXPECTATIVA Operários lotam o anel superior, já na fase final das obras enfrentados no 1º Campeonato Mundial, promovido no Uruguai, em 1930. Apto a acolher até 100 mil espectadores e indicado como único palco do torneio, o Estádio Centenário teve as obras atrasadas devido às chuvas de outono que tomaram Montevidéu. A Fifa foi obrigada a transferir alguns jogos para outros estádios. Para o Brasil não correr riscos iguais, João Lyra Filho, presidente do Conselho Nacional de Desportos (CND), reivindicou mais apoio oficial. Exagerado, o dirigente insinuava que o país poderia passar pela “humilhação” de submeter-se à Argentina, “rogando” o empréstimo de “algumas de suas praças” esportivas. Foi nesse momento acalorado, em pleno ano de 1947, que emergiu a “batalha do Maracanã” – um caso exemplar do confronto

entre as ideias progressistas e o pensamento conservador. Com base na aspiração do Estado Novo, a ideia de erguer o maior estádio do mundo no Rio de Janeiro voltou à tona. Os pessimistas estrilaram. Só que o embate não foi nada fácil.

Duelos na tribuna A primeira personalidade a aproveitar o pretexto da Copa para lançar uma campanha próMaracanã foi Mário Filho, decano da crônica esportiva e dono do “Jornal dos Sports”. Conhecido como “o criador das multidões”, Mário saiu em defesa da iniciativa de construir o “maior do mundo” no terreno ocioso do Derby, “o centro geométrico da cidade”. Àquela altura, o Jockey Club, proprietário do local, já o havia

cedido à Prefeitura. Havia uma relevante alteração no projeto: idealizado como “estádio nacional”, o Maracanã, sem Vargas, só seria executado se a iniciativa partisse da Prefeitura do Rio – o que dependia do apoio dos vereadores cariocas. Não demorou para a polêmica chegar à Câmara do Distrito Federal. Em junho de 1947, o general Ângelo Mendes de Moraes, indicado por Dutra para prefeito do Rio, encaminhou uma “Mensagem do Executivo” à Câmara dos Vereadores, que vivia sua 1ª Legislatura depois do Estado Novo. E que legislatura! Nas eleições de 1947 para vereador no Rio, o campeão das urnas foi ninguém menos que o jovem jornalista Carlos Lacerda, da conservadora UDN (União Democrática Nacional). A segunda maior votação VISÃOClassista

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ES P E C I AL CO PA Portal da Copa

TESTE Em 2013, reforma para a Copa das Confederações coube a outro célebre udenista – o cantor e compositor Ary Barroso. Mas a legenda que saiu do pleito com a maior bancada foi o Partido Comunista. Dos 50 vereadores eleitos, 18 eram “vermelhos”, como o jornalista e humorista Aparício Torelly, o “Barão de Itararé”; o ex-tenente Agildo Barata, líder do levante comunista de 1935; e o intelectual marxista Octávio Brandão, autor do clássico “Agrarismo e Industrialismo”. Embora pertencessem à mesma sigla, Carlos Lacerda e Ary Barroso protagonizaram a polêmica em polos opostos. Ary – que também atuava como narrador esportivo – defendia um campo para 150 mil espectadores no bairro do Maracanã. Já Lacerda, de início contrário à própria construção de um estádio – porque havia São Januário –, passou a criticar o custo e o local propostos, sugerindo um complexo esportivo com 60 mil lugares, em Jacarepaguá, na zona oeste. Sem acordo, os dois vereadores travaram

verdadeiros duelos verbais. Ary dizia representar “os mais genuínos” interesses do povo, que, segundo ele, amava o futebol e preferia frequentar “uma nova praça desportiva a mais leitos de hospitais”. Lacerda afirmava que um estádio monumental, “nos moldes da Itália de Mussolini e da Alemanha de Hitler”, era incompatível para uma cidade “comprometida financeiramente” e tão “carente de hospitais” como o Rio. Além de convocar o secretário municipal de Finanças para “provar os limites” da Administração Municipal, o parlamentar udenista espinafrava Mendes de Moraes: “Eu represento a vontade de 37 mil eleitores. O prefeito, apenas a copa e a cozinha do executivo federal”.

Até que Ary Barroso recorreu ao povo. Num golpe de audácia, o compositor-vereador encomendou, por sua conta, uma pesquisa de opinião pública junto ao Ibope. Feito no fim de semana de 15 a 17 de agosto de 1947, o levantamento contou com uma expressiva amostragem: 500 aficionados por futebol, entrevistados à saída de três partidas da rodada (Botafogo x Olaria, Vasco x Bonsucesso e América x Madureira), além de 580 moradores do Rio em geral.

Vitória popular Os resultados não davam margem à dúvida. Ao eleger sua diversão preferida, os cariocas já se dividiam entre o cinema (30,5%) e o futebol (29,2%). Sobre a construção de um estádio municipal, 79,2% do público geral queriam ver a iniciativa no terreno do Derby Club, no Maracanã – somente 6,9% preferiam Jacarepaguá. E o mais impressionante: 53,6% aceitavam “cooperar na medida de seus recursos” para financiar o empreendimento. Entre os aficionados por futebol, 95% eram favoráveis a mais um estádio e 85,3% apoiavam a construção do “maior do mundo”. Com a pesquisa em mãos, Ary Barroso foi pedir o apoio da bancada comunista na Câmara. De acordo com o compositor, o que estava em pauta era um tema de interesse nacional, acima das divergências político-ideológicas. As afinidades prevaleceram, e os comunistas aderiram à propositura.

Em troca do apoio de seus 18 vereadores, a bancada apresentou uma emenda pela construção de cinco campos de futebol no subúrbio do Rio – o próprio Ary negociou pessoalmente a efetivação da emenda com o prefeito. Com 29 votos a favor, dois contra e 19 abstenções, a “batalha do Maracanã” terminou em êxito: o Estádio Municipal podia sair do papel. A “lei do Maracanã” foi promulgada por Mendes de Moraes em 14 de novembro de 1947. Poucas semanas depois, com a cassação do Partido Comunista, os 18 vereadores corresponsáveis pela construção do “maior do mundo” perderam o mandato. A construção propriamente dita do estádio foi outra batalha, igualmente épica,

que durou 22 meses e merece um artigo à parte. Mas, sim, houve Copa do Mundo em 1950, e sete das 23 partidas foram disputadas no Maracanã. Os conservadores ficaram para trás. Nas páginas da “Gazeta Esportiva”, o regozijo era total: “Senhores, está aí o Campeonato Mundial de Futebol. Em nossa casa. Em nossos campos. Em gramados verdinhos da nação brasileira. Mas, principalmente, em nosso orgulho de organizadores”. Segundo o “Jornal dos Sports”, o país podia exibir, com o Maracanã, “uma prova da capacidade realizadora do brasileiro”, “um cartão de visita do Rio de Janeiro” e, ainda, o estádio onde “haveremos de ser campeões do mundo!”. Faltou o título, mas, fora das

quatro linhas, a Copa do Mundo de 1950 assinalou uma contundente vitória dos brasileiros – contra sua própria e histórica insegurança, mas, sobretudo, contra os conservadores. A construção de um estádio do porte do Maracanã, em especial, não apenas orgulhou os brasileiros – mas também elevou o status do país nos meios esportivos, antes mesmo de a Seleção Brasileira sagrar-se campeã mundial. Volta-se a Shakespeare: “O que é passado é prólogo”, ensinava o dramaturgo. A crer em seu vaticínio, pode-se esperar o melhor de 2014, este novo ano de Copa no Brasil, histeria conservadora e eleição à Presidência. Os “discípulos de Carlos Lacerda”, com seu alarido anti-Copa, que se cuidem. Portal da Copa

IMPONÊNCIA Em 2014, pronto para receber novamente a final da Copa 52

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agen da sindica l 50 anos do golpe

da secretária nacional da pasta Raimunda Gomes.

• 3º Encontro de Comunicação

Para lembrar os 50 anos do golpe civil-militar no país, a CTB fará um ato político-cultural, em parceria com a Fundação Maurício Grabois, para homenagear a classe trabalhadora, um dos principais alvos da repressão. A atividade ocorrerá no Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, no dia 14.

junho

Seminário Jurídico

Paraíba

• Encontro de Mulheres na Paraíba

Nos dias 22 e 23 ocorrerá o Seminário Jurídico Nacional da CTB, que abordará o direito sindical e do trabalho sob o viés classista.

No dia 21 ocorrerá o Encontro de Mulheres da Paraíba.

maiO

julhO • Debate sobre Meio Ambiente

AGOSTO • Encontro Nacional sobre Saúde

Maio Mulher Entre os dias 7 e 9, a Secretaria da Mulher Trabalhadora promove em Sergipe a Oficina das Trabalhadoras Rurais.

CTB-CE A seção estadual da CTB no Ceará realizará no dia 9 seu 1º Congresso Estadual Extraordinário. A atividade, que deve eleger a nova diretoria da entidade, será acompanhada pelo secretário nacional de Políticas Sociais, Rogério Nunes.

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Servidor Público O Seminário do Servidor Público Municipal no Paraná será nos dias 24 e 25.

1º Encontro de presidentes, secretários-gerais e de tesoureiros Para traçar diretrizes organizativas e financeiras da CTB, entre os dias 28 e 29 será organizado o 1º Encontro de presidentes, secretários-gerais e de tesoureiros.

3º Encontro Nacional de Comunicação A capital baiana receberá nos dias 30 e 31 os cetebistas para a terceira edição do Encontro Nacional de Comunicação, que contará com a presença

Formação Nos dias 30 e 31 o Rio Grande do Sul será a sede do Encontro de Formação de Lideranças.

Junho

Julho Meio Ambiente Nos dias 22 e 23 ocorrerá o Encontro Nacional do Coletivo do Meio Ambiente na sede da Contag, em Brasília, que debaterá as atividades relativas à pasta.

agosto Encontro Nacional sobre Saúde Nos dias 1 e 2, a CTB realizará seu 1º Encontro Nacional sobre Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora para debater e formular a sua opinião política e organizativa na área da Saúde e Segurança.

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