Revista visao classista n16 2014 01

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ENTREVISTA Carlos Alberto Reis: TST contra a precarização do trabalho

C l a s s i s t a Revista da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

Nº 16 – Janeiro de 2014

Democratização da Comunicação

UMA LUTA QUE É DE TODOS!

ELEIÇÕES E ECONOMIA O que esperar de 2014

SINDICALISMO RURAL Os 50 anos da Contag


índice Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. DIREÇÃO EXECUTIVA Presidente Adilson Araújo diretoria Nivaldo Santana, Maria Lúcia Moura, Joílson Cardoso, Severino Almeida, Vicente Selistre, Wagner Gomes, Kátia Gaivoto, Vilson Luiz da Silva, Gilda Almeida, Celina Arêas, Carlos Rogério Nunes, Francisco Chagas, Pascoal Carneiro, Divanilton Pereira, José Adilson Pereira, Raimunda Gomes, Ivânia Pereira, Vitor Espinoza, Mônica Custódio, Antoninho Rovaris, Claudemir Nonato Santos, Elgiane de Fátima Lago, Sérgio de Miranda, João Paulo Ribeiro e José Gonçalves. conselho editorial Altamiro Borges, André Cintra, Augusto Cesar Petta, Eduardo Navarro, Fernando Damasceno, Gilda Almeida, Madalena Guasco, Joilson Antonio Cardoso, Márcia Almeida Machado, Nivaldo Santana, Umberto Martins, Wagner Gomes. REDAÇÃO Secretária de Imprensa e Comunicação Raimunda Gomes Equipe Cinthia Ribas, Érika Ceconi, Láldert Castello Branco e Marcos Aurélio Ruy. Jornalista responsável Fernando Damasceno (Mtb 45.547-SP) Colaboradores desta edição André Cintra (revisão) e Deborah Moreira. Diagramação e capa Danilo Ribeiro Projeto gráfico Caco Bisol Fotos da capa Arquivo CTB Impressão Gráfica Silvamarts Tiragem 30 mil exemplares

capa Democratização da comunicação – uma luta que é de todos Página 4

Editorial

história

Os 6 anos da CTB – Adilson Araújo

CTB: 6 anos em fotos

Página 3

Página 24

artigos Comunicação - Raimunda Gomes Página 11

Comissão da Verdade - Rogério Nunes

Os 50 anos da Contag Página 28

LUTA classista

ENTREVISTA

Centrais exigem avanços e protagonizam o novembro de protestos

Carlos Alberto Reis de Paula, presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

INTERNACIONAL

Página 41

Página 32

Página 12

A vitória de Bachelet, no Chile, pelo viés sindical

reportagens

Página 34

Imperialismo

BRASIL

Por que os Estados Unidos espionam o Brasil? Página 8

Economia Com juros altos e ‘pibinho’, 2014 será de mobilizações Página 17 Av. Liberdade, 113 – 4º andar – Liberdade, São Paulo – SP CEP 01503-000 Fone (11) 3106-0700 E-mail: imprensa@portalctb.org.br

CAMPO

eleições 2014 CTB deverá apoiar candidatos distintos à Presidência da República Página 20

Comissão da Verdade investiga perseguições sofridas por sindicalistas Página 38

agenda Sindical As principais atividades da CTB entre os meses de janeiro a março Página 42


editorial ADILSON ARAÚJO

CTB: Seis anos de luta e de princípios

A

CTB completou seis anos de existência no último dia 13 de dezembro. Militantes e dirigentes da nossa Central têm razões de sobras para comemorar a data. Ao longo desse período, a CTB se consolidou entre as quatro maiores centrais sindicais do país e permanece fiel aos princípios que nortearam sua criação, com destaque para a defesa intransigente da unidade classista, que em nosso caso passa hoje pela unicidade sindical. Conforme salienta documento aprovado à época da fundação da CTB (intitulado “Princípios e Objetivos”), “a busca da mais ampla unidade da classe trabalhadora é um princípio basilar da nossa Central. Temos a consciência de que a classe que representamos é composta por trabalhadoras e trabalhadores de diferentes categorias, ramos e setores da economia, jovens e idosos, ativos e aposentados, negros, brancos e índios, empregados e desempregados, formais e informais, rurais (agricultores familiares e assalariados) e urbanos,

públicos e privados. A união das diferentes categorias contra a exploração capitalista que a todos aflige, no campo e nas cidades – independente da diversidade de profissões, qualificações, situação social, vínculo laboral, gênero, raça, etnia ou orientação sexual – é fundamental para o êxito das lutas e conquista dos objetivos táticos e estratégicos do movimento sindical”. “Historicamente”, agrega o texto aprovado no congresso de fundação, realizado em Belo Horizonte, “a unicidade sindical, instituída em 1939 e consagrada no Artigo 8º da nossa Constituição, tem se revelado uma norma preciosa para garantir a unidade no âmbito dos sindicatos. A CTB defende com firmeza a unicidade, proclama a necessidade de união das centrais e combate, com vigor, todas as concepções e iniciativas que promovem a divisão das categorias e o desmembramento das bases”. Ao lado da unidade, o fortalecimento das entidades sindicais é essencial para alcançarmos os objetivos classistas pelos quais tanto lutamos. Entre os princípios

e objetivos da CTB constam também a defesa da democracia; da independência classista; da solidariedade com outros povos e o internacionalismo; da ética na política; da luta contra o preconceito, a intolerância e a discriminação de qualquer natureza, pela emancipação das mulheres; dos direitos sociais; da transparência; do meio ambiente; da educação e do socialismo, bandeira que ganha maior relevância na atualidade em função da crise crônica do capitalismo e da ordem imperialista internacional liderada pelos Estados Unidos. A CTB é a central sindical que mais cresce no país, e esse crescimento se dá com coerência e firmeza, sem abrir mão de seus princípios e com a convicção de que tem contribuído fortemente para a unidade das centrais e a elevação do protagonismo da classe trabalhadora na luta política nacional, tendo por eixo a Agenda da Classe Trabalhadora por um novo projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, soberania e democracia, aprovado na 2ª Conclat. Sigamos na luta! Vida longa à CTB!

Ao lado da unidade, o fortalecimento das entidades sindicais é essencial para alcançarmos os objetivos classistas

Adilson Araújo é presidente nacional da CTB. VISÃOClassista

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ca pa

Uma luta que é de todos! Por que a democratização da comunicação não é prioridade para os movimentos sociais e sindicais? Deborah Moreira

CONSCIENTIZAÇÃO Nos protestos de junho, o papel da mídia não foi ignorado

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urante as manifestações de junho de 2013, desencadeadas pelo aumento das tarifas do transporte coletivo, emergiu uma bandeira que há muito vem sendo empunhada por movimentos de comunicação: a democratização da mídia. O “Fora Globo” ecoado em meio às multidões em todo o país traduz a insatisfação da população que não se sente representada. Mas, afinal, por que é tão difícil romper a barreira do monopólio da informação? Por que o conjunto dos movimentos sociais ainda não tomou para si a bandeira? O direito à comunicação é

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assegurado pela Constituição brasileira como um direito humano, tal qual a liberdade de expressão, e consta na Declaração Universal de Direitos Humanos. No entanto, quando perguntado a qualquer um quais são seus direitos básicos, logo vêm respostas como saúde, educação, moradia e, nas sociedades contemporâneas, Mobilidade. Mas não somos seres fragmentados, que vivemos momentos distintos para cada enunciado. Vai dizer que, mesmo não sendo do setor da educação, você não procura saber como está a qualidade do ensino? Se você não é estudante ou professor, certamente tem alguém da sua família ou do seu

círculo de amizade que é. Quanto mais pessoas os trabalhadores do setor conseguirem envolver, maior será o nível de entendimento e de conscientização. Portanto, o movimento de educação só vai seguir adiante se ele consolidar, primeiro, um processo de comunicação. “Os movimentos social e sindical ainda não se deram conta da importância da democratização da mídia. O que vemos é que apenas o pessoal da comunicação alternativa se envolve de fato, o que é um equívoco nosso. Precisamos compreender a importância de quebrar o monopólio da mídia – e o movimento sindical precisa assumir essa bandeira”, afirma


Raimunda Gomes, secretária de Imprensa e Comunicação da CTB. A dirigente sindical lembra que é preciso ter a clareza de que a democratização dos meios de comunicação é uma estratégia. Ela comenta os motivos da reação à emissora global nas manifestações: “Não somos mais meros consumidores da informação, hoje somos produtores da informação. As informações erradas divulgadas pela emissora eram desmontadas por um vídeo ou uma foto”. Outro ponto ressaltado por Doquinha é a apropriação dos meios hegemônicos, que detêm uma concentração maior de renda, a partir da publicidade privada e pública e, com isso, têm mais programas, novelas e melhores equipamentos. Diante desse cenário, Doquinha desafia: “Precisamos disputar também o espaço da mídia hegemônica. Se tivéssemos, por exemplo, na véspera de uma manifestação, o direito a cinco minutos no horário nobre da TV e do Rádio, teríamos as mesmas

condições de explicar à população por que estamos indo para às ruas”.

Confecom e o avanço sobre o tema O Brasil realizou, em dezembro de 2009, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que contou com a participação de representantes da sociedade civil – como os movimentos de mulheres, negro, sindical, LGBTT, de juventude, dos trabalhadores do campo, entre outros –, empresários e do Poder Público, tendo como objetivo a elaboração de propostas orientadoras para a formulação de uma Política Nacional de Comunicação. Durante todas as etapas do encontro, muito debate e discussões ocorreram, resultando na aprovação de cerca de 6 mil propostas e outras 633 resoluções. Todos os comunicadores ouvidos por Visão Classista foram unânimes em suas avaliações sobre o processo da Confecom, considerado um divisor de águas na mobilização da pauta. “A partir da Confecom, as organizações que não são naturais Barão de Itararé

DENÚNCIA Globo e seu império midiático se tornaram alvo das massas

do setor passaram a tratar o tema como estratégico. No entanto, os movimentos sociais têm agendas próprias e acabam tendo dificuldade de colocar a comunicação como prioridade. Além disso, é um tema difícil para toda a sociedade”, avalia Altamiro Borges, o Miro, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Ele lembra que falta ainda a compreensão de que a comunicação é um direito humano e não pode ficar concentrada nas mãos de poucos. “Poucas pessoas lembram que TVs e rádios são concessões públicas. Vai levar algum tempo ainda para uma conscientização maior”, acrescenta Miro, que faz um apelo: “Não devemos desistir nem desanimar. Temos que continuar a lutar para que a pauta ganhe mais destaque. E isso se faz no dia a dia, contrapondo as informações”.

Lei Ultrapassada Antes, as organizações que atuavam no setor se restringiam aos sindicatos de jornalistas, radialistas e ao meio acadêmico. Na década de 1980, as mobilizações ocorreram durante o processo da Constituinte. Agora, existem não só novas entidades e organizações como também espaços específicos de discussão em diversos locais, como no Congresso Nacional. A deputada Luiza Erundina (PSBSP), que é presidenta da Frente Parlamentar da Comunicação e Liberdade de Expressão da Câmara, também defende que “é preciso conscientizar a população de que esse é um ponto fundamental para aperfeiçoar a democracia no país”. Entre os mais recentes movimentos da área está o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), criado em 1991, que reúne diversas entidades para enfrentar os VISÃOClassista

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ca pa FNDC

REPRESENTATIVIDADE Discussão sobre o futuro da internet sai das ruas e chega ao Congresso problemas e disputar o espaço da comunicação. A entidade liderou uma campanha contra a aprovação da emenda constitucional que permitia a entrada de capital estrangeiro em empresas de comunicação e publicou uma pesquisa de referência sobre a concentração da mídia no Brasil, intitulada “Os Donos da Mídia”, que apontou, entre outras coisas, que a Rede Globo detém o controle sobre 340 veículos de comunicação. Hoje, o setor é controlado por sete famílias. A partir das propostas da Confecom, o FNDC lançou, em parceria com entidades do movimento social, a Plataforma para o Marco Regulatório das Comunicações, que resultou no Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica, que em seus 33 artigos dispõe sobre a comunicação social eletrônica, para regulamentar os artigos 5º, 21º, 220º, 221º, 222º e 223º da Constituição Federal. O atual Código Brasileiro de Telecomunicações, que regulamenta o funcionamento das rádios e televisões no país, completou 50 anos em 2012 e está ultrapassado. Por isso a urgência de uma nova regulamentação para democratizar a oferta de informação, garantir a 6

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liberdade de expressão e a diversidade de opiniões, impedir a concentração da propriedade, garantir a existência de uma comunicação pública e comunitária de qualidade, promover a cultura nacional e regional a partir de cotas bem definidas e estimular a produção independente e alternativa. Algumas dessas medidas já são previstas na legislação do país, mas não são respeitadas. “Neste contexto atual em que vivemos, de uma verdadeira guerra midiática, temos no o projeto de lei um instrumento pedagógico. É preciso acompanhar a conjuntura , estar antenado para os fatos e denunciar o papel partidário assumido cada vez mais pela grande mídia, que não é chamada de PIG, Partido da Imprensa Golpista, à toa”, diz Miro, que lembra que a atual situação só reforça uma tese defendida em 1929 pelo filósofo italiano Antônio Gramsci, fundador do Partido Comunista naquele país: “Quando os partidos das classes dominantes entram em crise, a imprensa assume o papel do partido do capital”. Passados quatro anos da Confecom, quase nada foi feito. Nem ao menos uma proposta de Política Nacional foi enviada pelo Poder

Executivo ao Congresso Nacional. De acordo com os movimentos de comunicação ouvidos, há uma clara tentativa dos grandes grupos de comunicação do país de barrar o debate e até de se fazer cumprir a Constituição, que prevê a interdição de monopólios no setor como a Rede Globo. Além da evidente hegemonia da emissora, o blog “O Cafezinho” denunciou um esquema de sonegação de imposto de renda que, em 2006, era de R$ 615 milhões. Imagine hoje.

A comunicação como parte da luta

O fato de que cada movimento tem a sua agenda e, portanto, não teria tempo para tocar a pauta da comunicação também é apontado por Bia Barbosa, do Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação. Ela defende que os movimentos sociais atuem em momentos estratégicos. “Temos que entender a complexidade do processo. Mesmo porque é importante que essas organizações continuem se mobilizando acerca dos diversos temas. Mas, em momentos estratégicos da luta pela democratização da comunicação, como a de agora, pelo


Marco Civil da Internet, e da coleta de assinatura do projeto, somem esforços conosco”, propõe a ativista. Para Bia Barbosa, os gritos de Fora Globo nos protestos de junho surgiram a partir de uma semente que já estava plantada há muito tempo: “É o acúmulo de décadas de exclusão do conjunto da sociedade brasileira dos meios de comunicação de massa. É natural que a questão da mídia venha junto com outras demandas. É a prova de que esse movimento está ganhando a população”. Para Rita Freire, uma das idealizadoras da Ciranda Internacional da Comunicação, não se pode comprar o discurso das entidades que estão fora da agenda da comunicação, comumente distantes de assumir essa bandeira. “Afinal, o que é um movimento

senão a propagação da comunicação de uma posição ou reivindicação de uma proposta feita ao conjunto da sociedade? Se o movimento de saúde quiser pressionar pela aprovação de determinada reivindicação, então esse movimento terá que sensibilizar a sociedade para que a mesma apoie e pressione o Congresso por sua votação. A mobilização se configura em um processo de comunicação. Se não for assim, não é movimento”, teoriza Rita, que atualmente é membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Rita alerta para a falta de representação da sociedade na grande mídia, principalmente de afrodescendentes e de mulheres. “Falta a noção de que é um setor

estratégico para os movimentos sociais, para a expressão da sociedade e sua diversidade, para assegurar as cotas sociais e raciais”, afirma. Uma pesquisa divulgada em 2013 pela Fundação Perseu Abramo demonstrou que a maioria (57%) da população brasileira acredita que a TV trata dos problemas do Brasil menos do que deveria. Já 43% não costumam se reconhecer na programação, 25% se veem retratados negativamente e a maioria (71%) é favorável a que haja mais regras para a programação. “Comunicação é estratégia política, não é aquilo que você pode fazer com o que você tem. É isso. Isso é mídia alternativa. O que queremos vai além: democratizar os meios para que você também possa falar nos meios mais poderosos”, completa Rita.

a Luta pelo Marco Civil da Internet A Internet nasceu como uma rede aberta, que promove a comunicação livre. Os princípios básicos que a mantêm funcionando como ela é hoje são: neutralidade da rede, que garante o tratamento neutro a todos os dados que circulam na rede; privacidade e liberdade de expressão. Para manter suas características originais, centrais como a CTB, movimentos e coletivos têm somado esforços. Até o fechamento desta edição, tramitava na Câmara o Projeto de Lei 2.126/11, que institui o Marco Civil da Internet e que ainda mantinha esses princípios. O texto, que é uma espécie de carta de princípios com direitos e responsabilidades, inspirados na Constituição Federal, foi construído por diversos setores da sociedade, junto com o Poder Executivo.

Arquivo CTB

Os principais interessados em deturpar o projeto são as operadoras de telefonia, que querem quebrar o conceito de neutralidade para implementar novos modelos de negócios, apropriando-se e limitando nossa navegação na web. Dessa forma, querem nos oferecer pacotes de serviço similares aos da TV por assinatura, cobrando também pelos conteúdos que sempre foram

oferecidos livremente. É a lógica do capital: quanto maior o poder econômico, maior o acesso à Internet. “Ainda não nos demos conta do que está em jogo. Nós dos movimentos seremos muito prejudicados, perdendo o espaço democrático criado na rede. A quebra da neutralidade significa o cerceamento da nossa liberdade”, afirma Raimunda Gomes, da CTB. “Se você quer ser um movimento em um mundo midiatizado, você tem que assegurar desde já a sua existência. E isso não é uma questão de hoje. Se você lembrar nas décadas anteriores, os movimentos lutavam pelo direito de fazer uma reunião. É disso que estamos falando: pelo direito de existir”, completa a dirigente da CTB.

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I M P E RI A LIS M O

Por que os EUA espionam o Brasil? Política externa brasileira da última década é vista como empecilho à hegemonia estadunidense Umberto Martins

FNDC

DECEPÇÃO Política externa de Obama pouco se diferencia dos tempos da família Bush

U

m dos fatos que mais surpreenderam e escandalizaram a chamada opinião pública em todo o mundo ao longo de 2013 foi a revelação da rede global de espionagem montada pelos EUA, feita com base em farta documentação pelo jovem Edward Snowden, ex-técnico da CIA que hoje vive exilado na Rússia. De acordo com informações de Snowden, publicadas no semanário alemão “Der Spiegel”, o governo Obama mantinha, em 2010, cerca de 80 equipes de espionagem da CIA e da NSA (Agência de Segurança Nacional) espalhadas pelo planeta. Centenas de milhões de pessoas tiveram suas vidas 8

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vasculhadas pelos espiões do Tio Sam. Entre elas, ninguém menos que a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel. Registre-se que a Alemanha é alvo dos serviços de inteligência estadunidenses desde 2001, quando se opôs à guerra de George Bush contra o Iraque.

Brasil e Alemanha na ONU A notícia despertou indignações e gerou um grande desconforto diplomático. Em resposta, Brasil e Alemanha encaminharam à ONU uma proposta conjunta para restringir a espionagem eletrônica e garantir o

respeito ao direito à privacidade, que de resto está previsto no Artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Artigo 17 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Para contrariedade de Washington, a proposta foi aprovada por uma comissão da entidade no dia 26 de novembro. Transparecem nesse episódio as formas com que as novas tecnologias são apropriadas – e em certa medida monopolizadas pela potência hegemônica com propósitos obscuros e inconfessáveis. Ficou evidente, da mesma forma, o entrelaçamento dos interesses do Estado com as corporações da Internet, pois o serviço é realizado com a


cumplicidade de empresas como Facebook, Google, Apple, Microsoft, Yahoo!, Aol, YouTube e Skype. Os fatos parecem comprovar a suspeita de que as embaixadas estadunidenses pelo planeta são utilizadas como centro de espionagem. O Brasil é o principal alvo da NSA na América Latina. A agência mantém por aqui 841 antenas e utiliza um complexo sistema de grampo nos cabos submarinos internacionais, com um submarino voltado especificamente para essa finalidade, o USS Jimmy Carter (SSN-23). A Petrobras também foi espionada, assim como o Ministério das Minas e Energia. Segundo as informações vazadas para os meios de comunicação, Tio Sam se interessa por tudo que ocorre por esses trópicos, “da estratégia de desenvolvimento das Forças Armadas e os conteúdos de seus programas de cooperação técnicomilitar com a China, Rússia e Índia à vida pessoal de líderes políticos e comandantes militares brasileiros”, conforme notou o jornalista Nil Nikandriov, da Rede Voltaire.

Razões econômicas e estratégicas Fica no ar a pergunta: por que os EUA espionam o Brasil? Eles alegam, genericamente, questões associadas à segurança nacional do país e à inefável “guerra ao terrorismo”, mas é evidente que estão faltando com a verdade e mascarando as reais razões da conduta hostil contra as autoridades e o povo brasileiro, que são “econômicas e estratégicas”, conforme notou a presidenta Dilma, que cancelou a viagem que faria aos EUA em outubro. A política externa brasileira

mudou substancialmente ao longo dos últimos dez anos, com os governos Lula e Dilma, e hoje contrasta claramente com o projeto dos Estados Unidos para as Américas. A oposição de interesses ganhou mais corpo após o festejado enterro da Alca (Acordo de Livre Comércio das Américas), em 2005. O Brasil exerce naturalmente uma posição de liderança na região e está engajado em iniciativas de integração regional – em aliança com Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e outros países – que se chocam objetivamente com os desígnios imperialistas dos Estados Unidos. Não foi do agrado do império a criação da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), hoje presidida por Cuba.

Nova ordem mundial A Casa Branca também não deve estar gostando da participação do Brasil no Brics (bloco econômico e político formado por Brasil, Rússia, Índia, Rússia e África do Sul), por sua determinação em criar um novo banco de desenvolvimento e outro Fundo Monetário Internacional, em substituição ao Banco Mundial e ao FMI, bem como estabelecer relações comerciais e financeiras baseadas nas próprias moedas do grupo, ou seja, sem a intermediação do padrão dólar. Os movimentos do Brics e das diplomacias brasileira e latinoamericana desenham, na verdade, os contornos de uma nova ordem mundial que já não seria liderada pelos Estados Unidos. Washington, que tem toda uma história de intervenções e estímulo ao golpismo em nossa região, não parece disposta a permitir isso.

Reação à decadência A espionagem está compreendida num contexto mais amplo de reação da potência capitalista hegemônica ao processo histórico de declínio econômico e político, que a esta altura pode ser considerado irreversível por vias normais e tem por contrapartida principal a fulgurante ascensão da China. A reativação da Quarta Frota de Intervenção, a instalação de novas bases militares na Colômbia, o apoio à direita golpista na Venezuela, Bolívia, Equador, Honduras, Paraguai e a promoção da Aliança do Pacífico são iniciativas que possuem o mesmo sentido reacionário. Embora em decadência, o império ainda dispõe de um poder respeitável, principalmente na esfera militar. Povos como os do Iraque e Afeganistão sabem que o direito internacional em última instância é definido pela força das armas. O Big Brother mundial é parte da engrenagem bélica e da guerra diuturna para manter a hegemonia. Tio Sam conta também com o apoio incondicional da direita neoliberal e da mídia burguesa em todos os países latino-americanos e estará agindo por aqui, nas sombras, para interromper o ciclo mudancista iniciado em 2003, que terá em 2014 um novo grande teste. Mas nenhum império ou imperialismo é eterno. O drama humano ao longo dos séculos é marcado por ascensão e queda das grandes potências. Com os EUA não será diferente. É certo que vem chegando a hora do dobre a finados para nosso nefasto vizinho do Norte, mas não devemos imaginar que ele vai ser destronado sem luta. O escândalo da espionagem, uma guerra clandestina que não vai parar tão cedo, é apenas mais um sinal disso. VISÃOClassista

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I M P E RI A LIS M O Agência Senado

Vanessa Grazziotin: “Postura altiva do Brasil incomoda” No último dia 3 de setembro o Senado instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a ação dos espiões estadunidenses no Brasil, que monitoraram até os movimentos da presidenta Dilma e arquivos da Petrobras. A CPI é presidida pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que concedeu a seguinte entrevista a Visão Classista: Visão Classista: Por que o Brasil se transformou num dos principais alvos da rede global de espionagem montada pelos EUA? Vanessa Grazziotin: O Brasil tem grande relevância na geopolítica internacional pelo tamanho e pela complexidade de sua economia, assim como pela sua importância estratégica para o planeta. Além disso, a postura altiva da nossa diplomacia nos últimos dez anos incomodou muito os EUA. Visão Classista: Pode fazer um breve balanço das atividades da CPI da espionagem? Vanessa Grazziotin: Temos ouvido os mais diversos setores envolvidos na segurança cibernética brasileira para desenharmos um quadro real de nossas 10

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vulnerabilidades e também das soluções que podemos construir. Estamos muito impressionados com o grau de fragilização que as privatizações das telecomunicações trouxeram ao Brasil. De uma só vez, perdemos nossa comunicação satelital, pesquisas importantes nas comunicações e abrimos mão de nossa soberania nessa área estratégica. Visão Classista: O que pode e deve ser feito para nos proteger dos mil olhos do Tio Sam? Vanessa Grazziotin: O debate tem avançado muito. O Marco Civil é uma peça fundamental para regularmos a nossa Internet. A neutralidade na rede impede, por exemplo, que as operadoras abram os pacotes de dados que trafegam nas redes para priorizar esta ou

aquela informação. Também estamos vendo a necessidade de reforçar nossa política de inteligência com a criação de uma agência de segurança cibernética que coordene as ações nessa área. Existe a necessidade de reforçarmos nossa pesquisa, nossa indústria de defesa cibernética e criptografia. Hoje o Estado brasileiro dispõe de soluções nacionais de alta complexidade e tecnologia, mas ainda carecemos de apoio. Enfim, para enfrentarmos um desafio dessa envergadura, é preciso criar políticas de Estado que conjuguem estímulo à inovação e o fortalecimento de nossa política de segurança e inteligência, além de uma visão realista das vulnerabilidades do governo e suas empresas nessa área.


AR TI G O RAIMUNDA GOMES

O que temos a ver com a democratização da comunicação?

O

s movimentos social e sindical historicamente foram alvo de injúrias e difamações por parte dos meios de comunicação de massa. No decorrer da história, o movimento sindical, para se contrapor a esse cenário, se utilizou mais da imprensa escrita como estratégia de interlocução com a classe trabalhadora, via boletins informativos, jornais, revistas, etc., do que por outros meios. Por muito tempo, esse instrumento de comunicação conseguiu dialogar, formar e informar a classe trabalhadora, além de fazer a disputa ideológica com a classe dominante. Em meados do século 20, a comunicação de massa ganhou novos contornos, com o advento do rádio e da TV. No entanto, essa revolução da comunicação de massa não foi compartilhada com o movimento sindical, seja por motivos legais (como as concessões públicas de emissoras) ou por falta de capital para adquirir os equipamentos necessários. Recentemente, no século 21, outro “boom” na comunicação invade o planeta. Dessa vez, é a tecnologia digital, com a internet, rádios e TVs on-line, além das redes

sociais. A introdução das novas tecnologias mudou completamente o perfil da comunicação de massa e alternativa, possibilitando maior abrangência, agilidade e interação entre emissores e receptores. Porém, toda essa novidade possui um custo. Mas o que isso tem a ver com o movimento sindical? Tem tudo a ver. A força do capital é cada vez mais voraz no combate às ideias divergentes e aos interesses antagônicos aos seus. A classe trabalhadora é disputada e atraída diuturnamente para esses novos espaços de comunicação e informação. Um exemplo dessa disputa foram as “jornadas de junho”. Pesquisas realizadas no período evidenciaram que a maioria dos manifestantes que foram às ruas era composta por jovens, estudantes e trabalhador@s. E quase a totalidade se utilizou das mídias sociais para interagir. No entanto, esse contato eficiente das redes sociais não funcionou na convocação dos movimentos social e sindical para o Dia Nacional de Luta, em 11 de julho de 2013. Em que reside a diferença? É que, nas manifestações ditas “espontâneas” de

junho e julho, a mídia tradicional gastou horas de sua programação para convocar a população, enquanto no ato das centrais o jogo foi inverso: nenhuma linha a favor da classe trabalhadora. Temos o entendimento de que a disputa ideológica entre a “classe dominante x classe trabalhadora” tem um aliado forte para reforçar o poder do capital, que é a mídia conservadora. Nesse sentido, os sindicatos precisam transversalizar sua luta com a defesa da liberdade de expressão e a democratização dos meios de comunicação. Diante desse cenário, aprovar o Marco Civil da Internet com a garantia da liberdade, neutralidade e privacidade de conteúdos é a garantia de que a classe trabalhadora continuará usando a Internet, que se transformou na mais efetiva e acessível conexão com a diversidade de opiniões. Torna-se imprescindível, portanto, que os movimentos sindical e social compreendam sua importância e utilizem essas ferramentas de comunicação on-line para potencializar a mobilização das massas, a fim de criar um ambiente favorável à classe trabalhadora tanto no espaço virtual quanto no concreto.

A força do capital é cada vez mais voraz no combate às ideias divergentes e interesses antagônicos aos seus. A classe trabalhadora é disputada e atraída diuturnamente para esses novos espaços de comunicação e informação

Raimunda Gomes é secretária de Imprensa e Comunicação da CTB. VISÃOClassista

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entrevista

C A RLOS A LBERTO R EI S DE PAUL A

Terceirização com garantia de direitos

Daiana Lima Valcir Araújo

PREOCUPAÇÃO Magistrado teme o fim da vinculação do trabalhador com sua empresa

“N

ós não podemos, através de uma regulamentação, precarizar o trabalho. Isso é um principio básico.” A afirmação é do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Carlos Alberto Reis de Paula, ao comentar o Projeto de Lei (PL) 4.330/04, de autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO). Em tramitação na Câmara dos Deputados, a proposta escancara a terceirização no país para as atividades-fim e propõe que, em relação ao empregado terceirizado, a responsabilidade da empresa contratante seja, em regra, subsidiária. 12

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Carlos Alberto Reis é ministro do Tribunal desde junho de 1998, autor de livros e artigos diversos. Foi presidente da Terceira e Oitava Turmas do TST e diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), no biênio 2007/2009. Em 2009, assumiu a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho para o biênio 2009/2011. Em entrevista a Visão Classista, o presidente do TST considerou a falta de vínculo do trabalhador com a empresa “uma péssima opção”. “Temos que continuar trabalhando com o conceito de atividade-meio”, ressaltou o ministro. Para ele, é

necessário que a inserção dessa regulamentação sobre a terceirização não contrarie a filosofia de valorização do trabalho consagrada na Constituição Federal. Tal qual o relatório do deputado Arthur Maia (SDD-BA) sobre o PL 4.330, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 87/10, do ex-senador e atual deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG). Os textos idênticos são, claramente, uma articulação da bancada empresarial em torno do tema para dificultar ainda mais uma negociação em bases razoáveis, do ponto de vista do movimento sindical. Ao avaliar o parecer do relator


na Câmara, o presidente do TST alertou: “No substitutivo do Arthur Maia, prevalece que, configurada a especialização e, em princípio, cada uma das empresas prestadoras de serviço será especialista em um tipo de atividade se ofertar determinada atividade, o que vai multiplicar as empresas prestadoras de serviço e, com isso, vai fragilizar a relação

de trabalho. Ou seja, o vínculo de relação de emprego não vai se formar com a empresa que é tomadora de serviços. Em última instância, isso vai fazer com que os direitos trabalhistas regridam, passem a não ter a proteção que lhes é devida”. Também já se manifestaram contra o projeto da terceirização a Associação Nacional dos

Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), 19 dos 27 ministros do TST, todos os presidentes e corregedores dos TRTs, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, as centrais sindicais, advogados, pesquisadores do mundo do trabalho, entre outros. Leia a seguir a íntegra da entrevista: Agência Brasil

DIÁLOGO Dilma comparece à posse de Reis de Paula como presidente do TST Visão Classista: O que muda com o Projeto de Lei 4.330/2004, que regulamenta a terceirização? Carlos Alberto Reis de Paula: A terceirização é um fato, que hoje perpassa todos os países do Ocidente e até do Oriente. Agora, o grave problema que nós temos na terceirização é que o sistema de terceirização tem que ser inserido dentro de uma

visão que comande a relação entre livre-iniciativa e trabalho, ou entre capital e trabalho. É necessário que a inserção dessa regulamentação sobre terceirização não contrarie a filosofia de valorização do trabalho consagrada na Constituição. A Constituição é que estabelece, logo em seu artigo 1º, que um dos fundamentos da nossa República consiste na

observância dos valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. O artigo 3º diz que o objetivo da República consiste em reduzir as desigualdades sociais e regionais. Essa é a filosofia que preside o assunto. Nós não podemos, através de uma regulamentação, precarizar o trabalho. Isso é um principio básico. Nós temos é que efetivamente criar um sistema VISÃOClassista

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entrevista em que as empresas tenham melhores condições de concorrer. Não podemos também criar barreiras instransponíveis para as empresas fazendo com que efetivamente não possam crescer, não possam se desenvolver. Temos que ajudar e o trabalho há de se inserir nesse propósito. Mas não podemos, ao ajudar as empresas a se desenvolver, precarizar o trabalho. É importante que se crie uma regulamentação sobre o trabalho terceirizado no Brasil. A questão do projeto, a observação que pessoalmente tenho e que é a mesma da maior parte das pessoas que têm uma visão sobre o direito do trabalho, que trabalha na área específica da Justiça do Trabalho, é que o PL 4330 coloca um critério para a terceirização, que é a especialização. Esse é o critério. A contratada, a empresa prestadora de serviço, pode prestar um serviço terceirizado relacionado a qualquer atividade do tomador de serviço, desde que o serviço seja especializado. Visão Classista: Hoje, pela legislação, a terceirização é permitida somente para a atividade-meio? Carlos Alberto Reis de Paula: Não é pela legislação. É exatamente pela interpretação que o Tribunal Superior do Trabalho deu à matéria, em decorrência principalmente da ausência de uma legislação específica. Nós temos a nossa Súmula 331, que diz que, em princípio genérico, pode-se terceirizar, desde que seja atividademeio, não pode ser atividadefim, e vai um pouco mais longe, estabelecendo as hipóteses em que é possível terceirizar. O trabalho temporário é definido por uma lei específica que define que, em um trabalho de contrato de prazo 14

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determinado, a empresa tem que estar registrada como prestadora de serviço. Essa é uma hipótese em que pode haver terceirização. Outra hipótese prevista na lei: contratação para serviço de vigilância. A lei prevê a terceirização para o serviço de segurança, esse serviço que se presta na segurança de transporte numerado, essas pessoas que tomam conta de transporte numerado. Depois ampliaram para serviços de segurança em casa, em prédio, tudo isso é permitido. Visão Classista: A terceirização é ruim para o trabalhador e para o empregador? Carlos Alberto Reis de Paula: Para o trabalhador, terceirizar de forma genérica, como está estabelecido no projeto de lei, é ruim. As empresas podem ter atividades terceirizadas, mas com limites. Tem outra questão: além de ser necessário colocar critérios, o que eu sustento é que podemos perfeitamente ampliar as hipóteses de terceirização, em vez de colocar o critério genérico de atividade especializada. Podemos adotar o critério segundo o qual essa terceirização tenha limites. Por exemplo, dentro de uma empresa, dentro dessas hipóteses, atividades que podem ser desempenhadas por profissionais liberais podem ser terceirizadas, sim. Mas temos que continuar trabalhando com o conceito de atividade-meio. Se o conceito de atividade-meio for desprezado, extingue-se o vínculo do trabalhador com a empresa, o que é, a meu ver, uma péssima opção. Visão Classista: As centrais sindicais criticam o PL 4.330 por entenderem que, além de precarizar a relação de trabalho, o texto permite a expansão da terceirização. O que o senhor diz

sobre isso? Carlos Alberto Reis de Paula: O projeto permite [a expansão]. Hoje, em observância ao entendimento do Tribunal, existe um limite. Atividadefim, aquilo que está ligado ao objeto social da empresa, aquilo que justifica a criação, a constituição da empresa, não pode ser terceirizado. Aquilo que é meio pode, aquilo que não diz respeito à finalidade última da empresa, pode. O critério do projeto de lei é que basta que a atividade seja especializada. Se for especializada, então, pode terceirizar. A meu ver, é o extremo. Isso para mim é ruim, porque efetivamente não vai existir a vinculação do trabalhador à empresa. Imagine, por hipótese, dentro de um banco, se o banco resolve terceirizar não só aquele pessoal de atendimento, mas também terceirizar um caixa de banco, que afinal exerce atividade especializada. É atividade especializada, é um especialista em atendimento de caixa. É possível especializar tudo. No projeto de lei em discussão na Câmara dos Deputados, no substitutivo do Arthur Maia, prevalece que, configurada a especialização e, em princípio, cada uma das empresas prestadoras de serviço será especialista em um tipo de


Assessoria Assis Melo

PRESTÍGIO Assis Melo e Marcelino da Rocha, dirigentes da CTB, são recebidos pelo presidente do TST atividade se ofertar determinada atividade, o que vai multiplicar as empresas prestadoras de serviço, e com isso vai fragilizar a relação de trabalho. Ou seja, o vínculo de relação de emprego não vai se formar com a empresa que é tomadora de serviços. Em última instância, isso vai fazer com que os direitos trabalhistas regridam, passem a não ter a proteção que lhes é devida. Visão Classista: A organização sindical do trabalhador terceirizado sofre algum prejuízo? Carlos Alberto Reis de Paula: As pessoas vão dizer que estou com um discurso para favorecer os sindicatos, mas o problema

não é esse. O problema é que, se a filosofia presente no projeto de lei for adotada, de atomizar os trabalhadores, eles não vão ter sindicato que os represente de forma expressiva, porque não vai haver vinculação do trabalhador com a empresa tomadora de serviço. O trabalhador terceirizado, sob essa ótica, vai ser um especializado e, consequentemente, terá que se filiar ao sindicato dessa especialização. Uma hipótese para se superar isso seria se tentássemos inserir no projeto a permissão para que o terceirizado especializado seja filiado ao sindicato representativo daqueles trabalhadores que exercem a atividade preponderante

da empresa. Então, o trabalhador terceirizado teria que ser ligado ao sindicato representativo dos trabalhadores da atividade preponderante da empresa, e esse sindicato é quem faria a negociação com a empresa em que ele presta serviço, em vez de remeter a maior parte dos trabalhadores à representação de empresas terceirizadas. Isso aí é esvaziar a proteção do trabalhador. Visão Classista: O deputado Sandro Mabel, autor do projeto, tem afirmado em vários debates que, ao contrário do que as entidades sindicais vêm dizendo, com esse projeto os terceirizados serão os trabalhadores mais protegidos. O VISÃOClassista

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entrevista senhor concorda com isso? Carlos Alberto Reis de Paula: O projeto estabelece direitos, sim – não estou falando que não. Inclusive, até em contatos que tivemos com Sandro Mabel, ele admitiu que é necessário que asseguremos a todos os terceirizados, seja em qual regime for, todas as garantias em relação à segurança e à proteção à saúde do terceirizado. Não podemos deixar as atividades de maior risco, de maior periculosidade, a cargo dos terceirizados, sem que eles gozem das proteções que a lei assegura a um trabalhador que é vinculado à empresa. Não podemos permitir isso. Visão Classista: O que o senhor destaca no projeto? Carlos Alberto Reis de Paula: No texto do projeto, eu admitiria a contratação de serviços eventuais, a contratação de profissionais liberais para prestação de serviços especializados, que não se vinculam à atividade-fim, a contratação de serviços de manutenção de máquinas e equipamentos – tudo isso, a meu ver, pode ser terceirizado. Mas não podemos abandonar o critério de atividade-meio, não deveríamos fugir desse critério porque atividade-meio é aquela que não está vinculada ao objeto da empresa. Visão Classista: Quem é o responsável pelas obrigações trabalhistas do terceirizado? Carlos Alberto Reis de Paula: Outro ponto importante é o problema da responsabilidade solidária e da responsabilidade subsidiária. Eu acho que a responsabilidade deve ser dividida entre a empresa prestadora de serviço e a empresa tomadora de serviço. Qual o grau de responsabilidade? A empresa que toma o serviço deve ser responsabilizada. Agora, eu acho 16

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que na evolução que foi feita dentro do projeto 4330, a proposta do Arthur Maia, em última instância, me pareceu um meio-termo satisfatório, na medida em que ele põe a responsabilidade como subsidiária, mas coloca como obrigação da tomadora de serviço a exigência, em relação à empresa que está prestando serviço, de comprovação do cumprimento de todas as obrigações trabalhistas. Se a tomadora de serviços não fizer essa exigência, não verificar isso, a responsabilidade passará a ser solidária. Então eu acho que, em última instância, apesar de o substitutivo estabelecer que a responsabilidade é subsidiária, mas com a exigência de comprovação da satisfação da obrigação, a falta dessa exigência vai fazer com que a responsabilidade se torne solidária. Tanto a empresa tomadora como a prestadora concorrem no mesmo patamar, em igualdade de condições, quanto à responsabilização do não cumprimento das obrigações trabalhistas. Visão Classista: Na sua avaliação, o relatório do deputado Arthur Maia é um meio termo? Carlos Alberto Reis de Paula: A meu ver, o substitutivo tem uma grande vulnerabilidade, que é a amplitude da terceirização ao se estabelecer o critério da especialização. Eu não aprovaria o substitutivo como está, tem essa restrição. A solução que aponto é haver a especificação das hipóteses em que se pode terceirizar, tendo como critério estabelecido expressamente o de atividade-meio. Visão Classista: De qualquer forma, como já existem trabalhadores terceirizados, é preciso haver uma regulamentação? Carlos Alberto Reis de Paula:

Isso é indiscutível. Existem vários trabalhadores terceirizados que estão em situação de inferioridade em relação aos outros empregados e nós temos que assegurar a esses trabalhadores os direitos trabalhistas básicos, sobretudo os direitos vinculados às condições de trabalho, ambiente de trabalho, segurança do trabalho, fundamentais para o trabalho ser digno. Visão Classista: O senhor acredita que existe uma tendência para se terceirizar cada vez mais no Brasil? Carlos Alberto Reis de Paula: Eu acho que o Brasil está, a meu ver, dentro de padrões razoáveis, e não admito a hipótese de que os empregados terceirizados sejam em expressão muito maior do que aqueles empregados que têm vinculação com a empresa. Eu acho que isso interfere até na cultura das empresas. A empresa tem que criar vínculos com o empregado porque, à medida que o empregado detém conhecimento específico e o aplica dentro da empresa e se integra à empresa, o trabalho dele passa a ter importância para essa empresa. Acho que as coisas têm que ter limites. Uma empresa não pode viver só de empregado terceirizado. Visão Classista: Em sua opinião, que tipo de sociedade estaremos construindo com a expansão da terceirização? Carlos Alberto Reis de Paula: Uma sociedade, no meu entender, em que não haverá uma integração entre aquele que trabalha, que tem o trabalho como seu instrumento de realização profissional, de subsistência, e aquele que detém o poder, aquele que é o empresário. Isso é muito negativo, as empresas também vão perder cada vez mais a sua força.


ECO NO MI A Agência Brasil

ENTRAVE Em 2013, Mantega e Tombini acabaram se dobrando ao mercado financeiro

A luta de classes e a política macroeconômica Com juros de dois dígitos e ‘pibinho’ a ser enfrentado, 2014 promete ser um ano de intensas mobilizações Umberto Martins

O

último ato com que o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) encerrou o ano de 2013 não chegou a provocar surpresas e despertou reações contraditórias da sociedade. Criticada pelo movimento sindical e setores do empresariado nacional, a decisão de elevar a taxa básica de juros (Selic) de 9,5% para 10%, tomada no dia 27 de novembro, agradou, porém, os representantes do sistema financeiro.

Não é difícil compreender a divergência de opiniões e sentimentos nesse caso. Os trabalhadores, ao lado dos pequenos e médios empresários, são fortemente prejudicados pela alta dos juros, que encarecem o fiado, restringem as despesas públicas, reduzem os investimentos na produção e a oferta de emprego. Em contrapartida, os banqueiros e rentistas só têm a lucrar com esse tipo de medida.

Transferência de renda Estima-se que a cada elevação de um ponto percentual na Selic os credores da dívida pública embolsem, ao longo de um ano, cerca de R$ 12 bilhões a mais. Registre-se que a taxa básica de juros estava em 7,25% em abril, quando o BC inverteu a orientação da política econômica, tendo realizado agora a sexta elevação consecutiva do índice, um gesto VISÃOClassista

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ECO NOM IA percebido pelos críticos como um presentão de Natal para os ricos credores do Estado. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Albert Neto, o pagamento de juros da dívida pública já consumiu mais de R$ 2 trilhões nos últimos 17 anos. “Trata-se da maior transferência de renda da história do capitalismo mundial para um único setor da economia, o financeiro”, sustenta o líder empresarial em artigo publicado no site da entidade. Na opinião de Albert Neto, “essa política econômica que a sociedade pouco consegue perceber está fazendo o Brasil sangrar, está nos tirando a possibilidade de construir um país verdadeiramente desenvolvido, que cuida do seu povo, que gera renda e distribui riquezas”.

Questão técnica ou política? A política monetária e a política econômica em geral são oficialmente apresentadas ao distinto público como questões essencialmente técnicas, sobre as quais os leigos devem declinar de opinar. Por isto, conforme notou o presidente da Abimaq, “a sociedade pouco consegue perceber” seus reais impactos, embora seja sua grande vítima. A mídia burguesa e os portavozes do mercado costumam atribuir aos acertos ou equívocos da equipe econômica (na administração das políticas fiscal, cambial ou monetária) o comportamento da inflação, do desemprego, bem como as crises cíclicas, ignorando o caráter objetivo desses e de outros fenômenos econômicos. Qualquer que seja o impacto 18

VISÃOClassista

real ou imaginário das políticas governamentais na economia, o fato é que elas não são produtos exclusivos da técnica, muito menos são política ou socialmente neutras. Seus efeitos sobre a população, em termos de redistribuição da renda disponível, são desiguais – e é por esta razão que não se deve esperar unanimidade em torno das polêmicas decisões do Copom ou convergência dos interesses e pressões que rondam seu entorno.

Consciência em alta Aos poucos, cresce nos movimentos sociais a percepção e consciência dos impactos da orientação econômica no cotidiano popular. Daí provém também a compreensão de que é necessário intervir de forma mais enérgica nos debates acerca do tema e na definição política dos seus rumos. Como sinal disto, um dia antes do anúncio da decisão do Copom, em 26/11, milhares de sindicalistas promoveram um ato público diante da sede do BC em Brasília para reclamar a redução dos juros, fim do superávit primário, controle do câmbio e do fluxo de capitais. “A política macroeconômica, herdada do governo FHC e consagrada na Carta aos Brasileiros, é o maior obstáculo à nossa luta para concretizar a Agenda da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) por um novo projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, soberania e democracia”, constatou o presidente da CTB, Adilson Araújo. A política em questão consiste no tripé juros altos (os maiores do mundo), superávit primário e câmbio flutuante. Na lenda dos felizes e falantes porta-vozes

do sistema financeiro, o tripé introduz a economia num círculo virtuoso de estabilidade e boa vontade do capital estrangeiro. Para os representantes dos trabalhadores e demais críticos, a economia real cai é num círculo vicioso de baixo crescimento e as demandas urgentes do povo por investimentos públicos (em saúde, educação, transporte, previdência, infraestrutura) são negligenciadas e postergadas a pretexto da “responsabilidade fiscal”. Em decorrência da orientação monetária do BC, 42% do orçamento da União para este ano foram destinados ao pagamento

LUTA CTB e demais centrais devem voltar às ruas em 2


dos serviços da dívida pública (amortizações e juros), que é feito por meio do superávit primário (obtido com corte de verbas que deviam ser destinadas à saúde, educação, transportes e outros investimentos) e pela emissão de novos títulos da dívida, que resultam no chamado déficit nominal do Estado.

Política monetária e luta de classes

Considerando que a magnitude do orçamento não é infinita, e que são igualmente limitados os recursos para financiá-lo, não será Valcir Rosa

2014 para combater a política econômica do governo

difícil concluir que o dinheiro consumido no pagamento dos rentistas faça tanta falta ao SUS, à educação pública, ao transporte, à infraestrutura. Por isto, faz todo sentido a luta das centrais, em aliança com outros setores da sociedade, pela mudança da política macroeconômica. No outro lado da arena, as forças conservadoras, refletindo os interesses da oligarquia financeira, pressionam pelo aprofundamento da orientação neoliberal, exigindo elevação do superávit primário, juros nas alturas e maior liberalidade em relação ao câmbio e ao capital estrangeiro. O secretário do Tesouro, Arno Augustin, chegou a denunciar um “ataque especulativo” da direita neoliberal contra o governo. O pretexto da ofensiva, liderada pela mídia burguesa, segundo Augustin, é o suposto descalabro fiscal em que teria incorrido o governo, cuja prova seria a redução do superávit fiscal. Notemos que as centrais sindicais reclamam o fim do superávit fiscal, especialmente em momentos, como o atual, em que a produção anda de lado e o país convive com um perigoso processo de desindustrialização. Em torno da política econômica verifica-se, na realidade, uma notória luta de classe que opõe trabalhadores, trabalhadoras e parcela do empresariado nacional à oligarquia financeira, fração hegemônica da classe dominante, que de resta conta com irrestrito apoio na mídia. O governo manobra para conciliar interesses e, em geral, tem sido mais atencioso e generoso com os interesses das forças conservadoras, imobilizado por um cálculo conservador da correlação de forças e carecendo da coragem necessária para romper

com os dogmas em que a atual política econômica se encontra amarrada desde a Carta aos Brasileiros de 2002.

Pibinho O comportamento do PIB no terceiro trimestre deste ano (o IBGE registrou redução de 0,5%) é também um testemunho eloquente dos efeitos perversos da orientação econômica, que tem sido uma das principais causas da desaceleração do ritmo de produção, ao lado da crise econômica mundial. Está claro que a alta dos juros e o superávit primário resultam na contenção da demanda interna (consumo e investimentos) e contribuem fortemente para a desaceleração da atividade econômica, enquanto o câmbio flutuante sacrifica a indústria. “O Brasil não pode se conformar com o baixo crescimento”, proclama Adilson Araújo, lembrando que a economia nacional já cresceu a taxas médias superiores a 7% ao ano em passado não tão distante. “Temos que lutar para derrotar não só as ideias conservadoras mas sobretudo as políticas correspondentes para avançar nas mudanças com valorização do trabalho”, afirma o presidente da CTB. “Em 2014, enfrentaremos o desafio de impedir o retrocesso neoliberal, consagrando a quarta vitória consecutiva das forças progressistas nas eleições presidenciais, ao mesmo tempo em que temos a obrigação de batalhar por transformações políticas e sociais mais profundas e isto passa necessariamente pela mudança da política macroeconômica. Devemos continuar unidos e mobilizados para pressionar o governo nessa direção”, arremata. VISÃOClassista

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ELE I Ç ÕES 2014

Maturidade e autonomia Correntes sindicais da CTB deverão apoiar candidatos distintos neste ano, sem qualquer prejuízo para sua unidade interna Fernando Damasceno

DISPUTA Eduardo, Dilma e Aécio iniciam 2014 pavimentando suas articulações políticas para a corrida presidencial

J

á é sabido de antemão que o ano de 2014 será marcado por uma intensa disputa política, a ser realizada em diferentes níveis. No mais alto deles, estará em jogo o futuro da Presidência da República, cargo atualmente ocupado por Dilma Rousseff (PT). Terminado 2013, vê-se que a presidenta terá como principais adversários o senador mineiro Aécio Neves (PSDB) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). 20

VISÃOClassista

Dilma foi alçada ao principal cargo político do país por conta de uma ampla coalizão de forças progressistas, formada por partidos políticos, movimentos sociais e diferentes setores da sociedade civil, inclusive as centrais sindicais. A CTB, em 2010, esteve na linha de frente dessa conjunção de forças, por entender que havia uma necessidade clara de dar continuidade ao ciclo de mudanças inaugurado em 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula

da Silva. Em 2014, a Central não deverá apoiar oficialmente nenhuma das candidaturas, ao menos no primeiro turno das eleições. Em duas das correntes sindicais que compõem a CTB já existe a sinalização de que não haverá um apoio consensual para as próximas eleições. Os sindicalistas ligados ao PCdoB deverão defender a reeleição de Dilma Rousseff. Por sua vez, os sindicalistas que atuam no PSB estarão ao lado de Eduardo Campos.


Equilíbrio A divergência política entre as duas correntes não é vista como um problema interno pela CTB. Nivaldo Santana e Joílson Cardoso, vice-presidentes da Central e respectivos secretários sindicais do PCdoB e do PSB, entendem que a Direção Nacional cetebista tem maturidade de sobra para enfrentar

manter esse equilíbrio entre nós. Acredito que nossa experiência, em especial em outra central, mostra que somos maduros para enfrentar os desafios que foram postos para 2014”, diz Joílson Cardoso. “Defendemos desde o início a candidatura de Eduardo Campos. Achamos que esse processo que levou Lula à Presidência foi exitoso, mas não nos conformamos em dizer que chegamos ao final desse processo. O Brasil pode avançar

essa divergência. “Consideramos que, na eventualidade de os diferentes segmentos que atuam na CTB trabalharem com outras candidaturas presidenciais, saberemos encontrar um mecanismo de convivência democrática, respeitando essas diferenças e dando liberdade para que cada dirigente sindical possa,

enquanto cidadão, manifestar sua opção”, explica Nivaldo Santana. “Não iremos criar nenhuma camisa de força que crie constrangimento, que prejudique um dos principais patrimônios da CTB, que é sua unidade interna, fator que tem sido a base para o crescimento da Central”, pontua o dirigente comunista. “A CTB está sendo desafiada a

muito mais”, sustenta.

e dos movimentos sociais, condição inexistente na fase anterior, marcada pela profusão de políticas neoliberais e antipopulares. “A vitória de Lula em 2002 foi uma vitória das forças progressistas e de esquerda, que lutaram muito para que o Brasil saísse da fase terrível que vivemos na década de 1990”, afirma o dirigente do PSB, que se diz muito orgulhoso do legado deixado pelo ex-presidente para a nação. Ele cita como

Avanços históricos Além dessa aposta na maturidade política da CTB, os dois dirigentes entendem que o Brasil teve avanços históricos nesse período de 11 anos de governos populares, liderados por Lula e Dilma. Ambos veem como fundamental nesse processo a participação da classe trabalhadora

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ELE I Ç ÕES 2014 Joca Duarte

exemplos de conquistas históricas o reconhecimento das centrais sindicais, a descriminalização dos movimentos sociais, as mesas de negociações estabelecidas com o governo e a política de valorização do salário mínimo. “Apenas esses dados mostram que tivemos uma grande vitória, inclusive com a eleição de Dilma”, defende Joílson. “O 13º Congresso do PCdoB, realizado em novembro último, fez um balanço desses dez anos dos governos Lula e Dilma, com as perspectivas para o país no próximo período. A partir das deliberações do Congresso, nós procuramos orientar a nossa ação no movimento sindical. Do ponto de vista do nosso país, a opinião do PCdoB é a de que devemos lutar por uma nova arrancada, para fortalecer a luta por um projeto nacional de desenvolvimento, com democracia, soberania nacional, integração solidária latino-americana, progresso social e valorização do trabalho”, explica Nivaldo.

Críticas Joílson Cardoso adota um tom mais crítico em relação ao governo Dilma. Ele entende que questões fundamentais para o país não foram enfrentadas na atual gestão. “Dentro da pauta trabalhista, o governo se eximiu de discutir a redução da jornada de trabalho, a rotatividade, a qualidade do emprego. O fim do fator previdenciário, essa vingança de Fernando Henrique sobre os trabalhadores, não foi adiante. O governo não enfrenta esses problemas, não prioriza a classe trabalhadora”, enfatiza. Para impulsionar a luta rumo ao projeto de desenvolvimento defendido pela CTB, Nivaldo Santana também defende uma série 22

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AVANÇOS Nivaldo e o PCdoB apoiarão Dilma, mas cobram maior ousadia do governo de reformas estruturais para o país. “Essa foi uma das questões-chave que o ciclo progressista do último período não conseguiu atacar, com destaque para a reforma política, a democratização da mídia, a reforma agrária, urbana e do Judiciário, além do fortalecimento da Saúde e da Educação”, pontuou. Para tanto, o dirigente do PCdoB vê a necessidade de se constituir um bloco político mais progressista em torno do governo. “Na nossa compreensão, para realizar essa tarefa é necessária uma ampla coalizão de forças políticas e sociais, nucleadas por um bloco de esquerda mais avançado. A constituição de um bloco de afinidade de esquerda, envolvendo partidos políticos, movimento sindical, movimentos sociais, personalidades e intelectuais é fundamental para dar um novo dinamismo a essa luta”, avalia. É consenso entre os dirigentes da CTB o fato de que as centrais sindicais terão um papel de grande relevância nas eleições de 2014, com repercussão sobre a candidatura de todos os postulantes

ao Palácio do Planalto – Aécio Neves também já se articula com outras entidades. Assim, os cetebistas entendem que o movimento sindical deve levar suas propostas ao conhecimento de todos os candidatos, independentemente do apoio que será dado a cada um deles. “A CTB inclui no seu programa a luta pelo desenvolvimento com valorização do trabalho, tem uma agenda importante que coincide em seus fundamentos com as proposições que defendemos de reformas estruturais e tem uma agenda trabalhista específica, com itens como a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, o fim do fator previdenciário, contra a terceirização desregrada no país e outras medidas para combater a precarização e a rotatividade”, cita Nivaldo. Além da pauta trabalhista, o dirigente do PSB destaca também que há outras questões graves que não foram devidamente enfrentadas desde 2011. “Posso citar a quebra do Pacto Federativo, com a grande concentração orçamentária em mãos do poder central. Hoje esse


dado chega a 65% do orçamento nacional, quando na ditadura era de 46%. Mesmo depois da promulgação da Constituição de 1988, quando os municípios passaram a ter muito mais responsabilidades, isso se agravou e acaba por impedir a implementação de várias políticas”, critica.

Caminhos distintos Diante desse cenário de críticas e de reconhecimento das conquistas obtidas nos últimos 11 anos, Nivaldo Santana crê que cada instituição deve ter clareza de seu papel na sociedade. “Temos que ter maturidade para compreender as diferentes instâncias: governo é governo, partido é partido, movimento sindical é movimento sindical. Cada uma dessas instituições tem o seu programa e sua autonomia. Nós da CTB respeitamos as posições dos partidos, temos apoiado esse ciclo progressista inaugurado pelo expresidente Lula e continuado pela presidenta Dilma, mas consideramos que a Central precisa manter sua autonomia e independência, mantendo uma voz firme em defesa da classe trabalhadora”. O dirigente do PSB, por sua vez, crê que a democracia demanda determinadas mudanças. “O processo democrático prevê alternância dentro da nossa base e o surgimento de novas lideranças. O PT não pode querer se eternizar, isso não é democrático. É chegada a hora de fecharmos esse ciclo, pois temos o que comemorar, mas há muito a fazer, apesar do saldo ser positivo. Temos que abrir um novo ciclo de desenvolvimento e uma nova relação de governança, para atender às demandas reais do povo brasileiro”, defende.

Nesse cenário, Joílson Cardoso vê como natural a entrada de uma liderança como a ex-senadora Marina Silva em seu partido, em que pese a característica de sua campanha para a Presidência em 2010. “Estamos incluindo outras opiniões em nosso projeto, levando em conta a posição da sociedade brasileira. Defendemos um projeto nacional que tenha como centro o povo brasileiro”, avalia. O dirigente da PSB enfatiza suas críticas ao papel desempenhado pelo PT enquanto líder dos governos apoiados desde 2003 pelo PCdoB e PSB. “A governança não poderia ter como parceiro central o PMDB, em detrimento do núcleo histórico de esquerda, que tantas eleições perdeu até chegar ao poder. Em vez de o PT pautar o governo por meio de um núcleo político que incluísse o PSB e o PCdoB, deu uma guinada de 180 graus para ter uma relação com o PMDB. E sabemos o que é o PMDB, nada mais do que um partido que se nutre do poder pelo poder. Esse é um erro estratégico do PT nessa

relação conosco. E o PT insiste nesse erro”, argumenta. Nivaldo Santana não ignora as contradições internas existentes nos governos Lula e Dilma, mas ressalta que o momento é de priorizar a pauta defendida pela classe trabalhadora. “Os dois governos representam vastos setores políticos e sociais, com contradições internas, conflitos e diferentes interesses. O papel da central sindical é colocar em primeiro plano os interesses e os direitos dos trabalhadores. Por isso é que nós defendemos a redução da jornada, o fim do fator previdenciário e o combate à alta rotatividade e à precarização. Nessa matéria certamente temos posição diferente do setor patronal, mesmo daquela parte que se coloca como apoio aos governos Lula e Dilma”, explica. “O que não aceitamos é qualquer retrocesso. O Brasil não quer as limitações da democracia, quer dar um passo à frente. Para isso, os trabalhadores devem ter um papel de protagonista”, sublinha o dirigente do PCdoB. Joca Duarte

ALTERNÂNCIA Joílson e o PSB defendem o surgimento de novas lideranças políticas VISÃOClassista

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h istória

Joca Duarte

CONSOLIDAÇÃO Liderada por Wagner Gomes e Adilson Araújo, CTB se prepara dar salto qualitativo em sua estrutura e organização

Seis anos em fotos CTB celebra sexto aniversário reafirmando sua disposição de luta Da Redação

A

CTB comemorou seu sexto aniversário apostando em uma iniciativa inédita: oferecendo uma festa popular à população de São Paulo, cidade onde está localizada sua sede nacional. Durante todo o dia 13 de dezembro, diversas atrações musicais passaram pelo palco montado pela Central, na Praça da República. Para o presidente da CTB, Adilson Araújo, 2013 se encerrou com a CTB e as demais centrais sindicais reafirmando sua disposição de luta, prontas para as batalhas que terão pela frente em 2014. “Será um ano no qual teremos que fazer a disputa política, para evitar que qualquer retrocesso seja imposto à classe trabalhadora”, afirmou, referindo-se à eleição para a Presidência da República.

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Fotos: Arquivo CTB

Na América Latina, a CTB se consolidou como força política nas cinco edições do Encontro Sindical Nossa América (ESNA); já em nível mundial sua participação mereceu destaque no 16º Congresso da Federação Sindical Mundial (FSM), realizado em 2011, na Grécia.

Trajetória vitoriosa

A CTB é hoje a principal força do sindicalismo rural do Brasil. Com ampla atuação na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), nesses seis anos os cetebistas lutaram pelo seu fortalecimento e estiveram sempre ao lado da classe trabalhadora do campo em suas principais atividades.

Ao longo de seus seis anos de existência, a CTB demonstrou reiteradas vezes essa disposição de luta mencionada por seu presidente. Desde seu Congresso de Fundação, em 2007, seus princípios democráticos e classistas foram sempre colocados à disposição do povo brasileiro. A CTB não é a central que mais cresce no Brasil por acaso. Em cada um dos 27 estados do país, sua militância correspondeu às expectativas e esteve na linha de frente de todas as questões relacionadas à classe trabalhadora do campo e da cidade, da iniciativa privada e do serviço público. Confira nas próximas páginas alguns dos momentos marcantes desses seis anos:

VISÃOClassista

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h istória

Em seus três Congressos, a CTB definiu seus princípios e sua estratégia de luta, reafirmando valores como o classismo, a democracia, a unicidade sindical, o internacionalismo e a busca por uma sociedade socialista.

As Marchas organizadas pelas centrais sindicais a Brasília país. Em março de 2013, após uma breve interrupção o mov para pressionar o governo e exigir um maior diálogo com a c junho insufladas pela mídia.

A luta pela igualdade racial, de gênero e em prol da juventude Brasil só alcançará um patamar de desenvolvimento mais ele no mercado de trabalho, com a devida equiparação salarial e

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Fotos: Arquivo CTB

A unidade entre as centrais sindicais é uma marca defendida pela CTB. Em cada 1º de Maio e na realização da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em 2010, coube aos cetebistas o papel de garantir a coesão do movimento sindical, em nome de objetivos mais amplos e do desenvolvimento nacional.

entraram para a história política contemporânea do vimento sindical levou 50 mil pessoas à capital federal, classe trabalhadora, se antecipando às manifestações de

e é uma política permanente da CTB. Para a Central, o evado com a devida inclusão de negros, mulheres e jovens direitos idênticos.

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CA M P O

Meio século de lutas Vigor da Contag se mantém o mesmo após 50 anos de batalhas em prol da classe trabalhadora rural do país Marcos Aurélio Ruy Fotos: Contag

PARCERIA Contag e CTB erguem as bandeiras do sindicalismo rural 28

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A

o comemorar meio século de lutas pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do Brasil, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) ressalta sua importância no cenário nacional, a partir da defesa intransigente de uma reforma agrária que contemple todos os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, dando-lhes condições técnicas e econômicas de produzir os alimentos necessários para suprir a mesa dos brasileiros. Quando a Contag nasceu, nos anos 1960, os versos que embalavam os trabalhadores e trabalhadoras rurais estavam na poesia de João Cabral de Melo Neto, “Funeral de um Lavrador”, musicada pro Chico Buarque, na qual dizia: “Esta cova em que estás com palmos medida/ É a conta menor que tiraste em vida/[...] É a parte que te cabe deste latifúndio”. Era uma referência à dureza da vida no campo brasileiro, com a falta do acesso à terra e com a violência que os acometia – e ainda acomete. “Os 50 anos da Contag se mesclam com as comemorações da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e da Constituição brasileira”, afirmou Adilson Araújo, presidente da CTB, durante o ato político de comemoração do cinquentenário, na sede da Contag em Brasília, no dia 21 de novembro.

Amplitude De acordo com o tesoureiro da Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) e diretor da CTB, Sérgio de Miranda, a Contag nasceu de uma necessidade imposta pelas circunstâncias e sentida pelos camponeses de aglutinarem seus sindicatos e federações em uma

única entidade nacional que pudesse organizar, sistematizar e encaminhar suas lutas em favor de uma distribuição de terras como jamais aconteceu no país. Porque a reforma agrária nunca saiu do papel para valer. Nem nos governos mais avançados de Lula e Dilma. “A reforma agrária nunca se efetivou de maneira concreta em uma política governamental”, define Miranda. Em resposta aos constantes assassinatos de sindicalistas rurais, nasceu a Contag no dia 22 de

realizaram um amplo movimento para retirar a Contag das mãos do interventor. Com a retomada, a Confederação intensificou o processo de organização sindical e de politização da categoria, fato que resultou no crescimento de sindicatos e sindicalizados em todo o país. Já em 1979, o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) contava com mais de cinco milhões de associados, segundo os dirigentes da entidade. Atualmente, a Contag conta

RECONHECIMENTO Adilson Araújo saúda a Contag por seus 50 anos dezembro de 1963, poucos meses antes do golpe de Estado civil-militar que depôs o governo reformista de João Goulart, em 1º de abril de 1964. Foi instaurada uma ditadura que duraria 21 anos e levaria o país a um sistema autoritário com forte repressão ao movimento sindical. Entre 1968 e 1969, quando o regime endurecia e criava o famigerado Ato Institucional Nº 5 (AI-5), dando plenos poderes de intervenção dos governantes em todos os setores da sociedade, os trabalhadores e trabalhadoras rurais

com mais de 4 mil sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais (STTRs) e 27 federações de trabalhadores na agricultura (Fetags) filiadas. Toda essa organização tem levado os trabalhadores do campo a conquistas importantes, embora ainda haja muito a conquistar, segundo seus dirigentes. “Foram muitas as lutas. Nós não tínhamos nada, éramos completamente esquecidos, sem nenhum tipo de direitos. E nós conquistamos muito nessa caminhada”, acentuou o atual presidente da Contag, Alberto Broch. VISÃOClassista

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CA M P O Resistência A Contag nasceu numa época efervescente em que se lutava pelas chamadas reformas de base, com a reforma agrária no meio delas. O golpe significou a retomada do poder pelos conservadores com o intuito de reprimir o movimento social. Sindicalistas, intelectuais, estudantes e muitos que se opunham ao regime foram presos, torturados, banidos do país ou até assassinados. Os latifundiários, sentindo-se fortes, passaram a atacar o movimento sindical rural com beneplácito do governo. Dessa forma, a imensa maioria dos sindicalistas partiu para a clandestinidade, para o exílio, ou caiu nas mãos da repressão – muitos foram mortos sob tortura. Com isso, a estrutura sindical conquistada a duras penas praticamente ruiu, levando os trabalhadores rurais a ficarem sem ter a quem recorrer. Mesmo assim, a resistência nunca cessou. A Contag integrou, junto a outros movimentos sociais, a vanguarda na luta contra a ditadura militar e

pela redemocratização do Brasil, reivindicando uma ampla e irrestrita anistia política, eleições diretas e a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Nesse período, a entidade participou ativamente das discussões que envolviam os interesses da população do campo, alcançando significativas conquistas, como a inclusão dos rurais no Regime Geral da Previdência Social e a extensão dos direitos trabalhistas aos assalariados rurais. Segundo Miranda, os trabalhadores rurais conquistaram a aposentadoria e todos os direitos trabalhistas que apenas os trabalhadores urbanos tinham. As mulheres conseguiram também o direito à licença-maternidade, por exemplo. Atualmente há muitos projetos governamentais que visam atender às principais demandas dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Mas a Contag defende avanços nessas políticas, como a construção de mais casas rurais, dando condições dignas de moradia e agrupando os moradores para construir políticas públicas que ajudem a permanência do jovem no campo. “A sucessão rural é uma

das maiores preocupações da classe trabalhadora no meio rural”, revela o sindicalista gaúcho.

Instrumento estratégico “Em contraposição ao avanço das políticas neoliberais no campo, com um acentuado caráter concentrador de terra e renda, conservador e excludente, o MSTTR construiu o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS) como um instrumento estratégico para assegurar melhores condições de vida e de trabalho para o homem e a mulher do campo, através de uma ampla, massiva e democrática reforma agrária, da valorização e fortalecimento da agricultura familiar, da valorização do trabalho digno e de políticas públicas capazes de assegurar a inclusão social e a qualidade de vida no campo brasileiro”, defende texto no site da Contag. Para Miranda, as políticas públicas precisam atender aos reclamos de homens e mulheres do campo. “As novas tecnologias, como a Internet, precisam chegar

VANGUARDA Durante a ditadura, Contag sempre esteve na linha de frente na luta pela democracia 30

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para a juventude rural, assim como escolas, cultura, saúde, lazer, enfim, tudo o que favoreça a permanência do jovem no campo”, acentua. Ele defende o fortalecimento da agricultura familiar com ampliação da reforma agrária, possibilitando a intensificação da produção de alimentos no país. Conforme o dirigente, a agricultura familiar já é responsável por cerca de 70% da produção de alimentos no Brasil e constitui a base econômica de 90% dos municípios brasileiros, respondendo atualmente por 35% do Produto Interno Bruto (PIB) e absorvendo 40% da população economicamente ativa do país. Segundo dados do Censo Agropecuário, 84,4% do total de propriedades rurais brasileiras pertencem a grupos familiares. São aproximadamente 4,4 milhões de unidades produtivas no país. Juntamente a isso, é preciso avançar na política de habitação rural e criar escolas que possibilitem ao jovem em idade de trabalhar “estudar num período e no outro executar o que aprendeu na propriedade rural familiar”. Por isso, “a Contag foi, continua sendo e sempre será a grande organização do movimento sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do país”, afirma Miranda. Ele complementa dizendo que a Confederação “sempre esteve à frente das lutas mais importantes” nos últimos 50 anos sobre a questão da terra no Brasil.

Diálogo com a sociedade Miranda explica que nesse meio século a Contag esteve liderando os trabalhadores rurais nos caminhos do engajamento nas principais questões do país, “tanto nas lutas econômicas para melhorar os salários como também nas lutas políticas para

LIDERANÇA Broch conduz a maior organização sindical rural do continente fazer o Brasil avançar na democracia e nas principais reivindicações da classe trabalhadora”. Ele garante que “as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais seriam muito maiores se não fossem as lutas do movimento sindical e a Contag à frente deles nesses anos todos”. Broch explica que a organização sindical conquistou o “direito de homens e mulheres rurais poderem se aposentar”, algo que não acontecia anteriormente por trabalharem de sol a sol sem carteira assinada. Assim, os latifundiários desrespeitavam todos os direitos trabalhistas e humanos. A Contag sempre se pautou pela “luta por uma política agrícola diferenciada, com acesso ao crédito e à luta por dignidade”, afirmou. A Contag nesses anos todos concentrou esforços em ampliar a participação de todos os segmentos da categoria, assegurando a integração das mulheres, dos jovens e das pessoas da terceira idade em suas mobilizações e instâncias deliberativas. Para Maria Lúcia Moura, secretária de Terceira Idade da Confederação, esses 50 anos foram marcados pela “luta, pela resistência do movimento sindical como um todo. As centrais sindicais

têm trazido uma contribuição muito grande para nós em relação a esse debate macro. As centrais são muito importantes para essa história também ter acontecido”. Miranda acentua que “a Contag foi, continua sendo e sempre será a grande organização do movimento sindical dos trabalhadores rurais no país. Sempre esteve à frente das lutas mais importantes, por questões de melhorias econômicas tanto quanto por questões políticas gerais, como a luta pela redemocratização do país”. Dos anos 1980 para cá, a trilha sonora dos camponeses é “Cio da Terra”, de Chico Buarque e Milton Nascimento, que se transformou num verdadeiro hino da reforma agrária. “Conhecer os desejos da terra/ Cio da terra a propicia estação/ E fecundar o chão”. A Contag fecunda o chão há exatos 50 anos, semeando, plantando e os trabalhadores e trabalhadoras rurais colhendo os frutos. A entidade “é referência no país na luta pela construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária, e na defesa permanente dos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras rurais”, garantem os dirigentes da Confederação. VISÃOClassista

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LUTA CLASSISTA

Novembro de protestos Centrais vão às ruas para exigir o fim do fator previdenciário e uma nova política macroeconômica Marcos Aurélio Ruy

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m novembro, as centrais sindicais lideraram protestos em diferentes regiões do país, conseguindo mobilizar dezenas de milhares de trabalhadores. Nos dias 12 e 26, o povo foi às ruas contra as políticas que oprimem a classe trabalhadora. No dia 12, milhares estiveram em diversas capitais, mas a manifestação de mais contundência ocorreu em São Paulo, onde a classe trabalhadora marchou da Praça da Sé à sede da Previdência, no Viaduto Santa Ifigênia, no centro da capital paulista, para exigir o fim do Fator Previdenciário. O Fator, enfiado goela abaixo dos brasileiros em 1999, ainda no governo de Fernando Henrique, acaba por obrigar os trabalhadores a continuarem na ativa por mais tempo para que possam tentar se aposentar com 100% de sua remuneração. “As centrais sindicais, que apoiaram massivamente a eleição de Lula e também de Dilma, alimentavam a esperança de que os governos liderados pelo PT, partido que em passado recente se opôs radicalmente ao fator previdenciário, caminhariam naturalmente para a remoção deste e de outros entulhos legados pelo neoliberalismo tucano”, afirma o presidente da CTB, Adilson Araújo. Já a manifestação do dia 26 levou 32

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outros milhares de trabalhadores às ruas de Brasília para protestar contra cinco sucessivos aumentos dos juros básicos, a taxa Selic, promovidos pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Para a CTB, “a política econômica é uma pedra no caminho das demandas do nosso povo”. Para essa manifestação, foram determinados dois slogans – “Menos Juros, Mais Desenvolvimento” e “Menos Juros, Mais Salários” – com os quais os trabalhadores tomaram as ruas. Mesmo com a presença de milhares de trabalhadores nas ruas exigindo mudanças nos rumos da política econômica e gritando contra a alta dos juros, o Copom aumentou a taxa Selic pela sexta vez consecutiva e atingiu os dois dígitos novamente. No dia 27 de novembro, os integrantes do órgão do Banco Central do Brasil aumentaram a taxa em meio ponto percentual, passando para 10% ao ano – medida que contraria os interesses da classe trabalhadora e prejudica o desenvolvimento do país, beneficiando somente o sistema financeiro e especulativo. Cada ponto percentual de aumento nos juros pode representar um aumento de bilhões de reais que o Tesouro Nacional fica forçado a desembolsar aos especuladores da dívida pública a título de juros. Esse

DISPOSIÇÃO Final de 2013 é mercado por protestos montante só se faz crescer com o aumento dos juros. Dessa forma, o Brasil continua sendo o campeão mundial dos juros altos. Os custos para a economia nacional, a classe trabalhadora e a indústria são altíssimos. Estima-se que os credores da dívida pública embolsem cerca de R$ 12 bilhões ao ano a cada um ponto percentual de aumento da Selic, que ainda no mês de abril estava em 7,5%. Isso significa uma política anti-Robin Hood, porque


Fotos: Arquivo CTB

falta na saúde pública, na educação, na previdência, no transporte e na infraestrutura em geral.

Prejuízo aos aposentados

s em Brasília e em todo o país tira dos pobres e dá aos ricos. Essa política diminui a atividade econômica, porque tira dinheiro de circulação e principalmente achaca os salários, prejudicando o consumo e os investimentos no setor produtivo, além de novos cortes nos gastos públicos que podem assim levar o país a uma política de recessão. O pagamento dos juros já consome cerca de 50% do orçamento da União e o dinheiro destinado aos credores é o mesmo que faz

O fator previdenciário foi instituído através da Lei 9.875, em 1999, no segundo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, criando uma fórmula que reduz em mais da metade o valor dos benefícios dos aposentados. Atendendo ao clamor da classe trabalhadora, o senador Paulo Paim (PT-RS) elaborou o Projeto de Lei 3299, em 2008, para pôr fim ao redutor e restabelecer as regras vigentes antes da incorporação do Fator. Para Paim, o Fator é “o maior crime cometido contra a classe trabalhadora em todos os tempos”. O PL foi aprovado no Congresso, mas vetado pelo ex-presidente Lula. A situação tende a piorar com a política de altas dos juros. Isso acontece porque o Estado dedica mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) para o pagamento dos juros da dívida pública, beneficiando o capital financeiro e especulativo. Além disso, a crise que afeta o capitalismo mundial, principalmente os países ricos, faz o governo jogar na defensiva nas questões referentes aos juros e à área previdenciária. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), “o Fator já atingiu 2.738.478 trabalhadores, 67% homens e 33% mulheres”. De acordo com o estudo do Dieese, “o Fator Previdenciário prejudica todos os trabalhadores que pretendem se aposentar por tempo de contribuição. O prejuízo é maior para os que ingressaram no mercado de trabalho e começaram a contribuir mais cedo para a

Previdência Social e que atingem o tempo de contribuição mínimo requerido na faixa dos 50/55 anos de idade”.

Mudanças urgentes Os atos das centrais sindicais ocorreram para cobrar do governo Dilma mudanças na política macroeconômica. “A unidade dos trabalhadores é fundamental para avançarmos nas conquistas de que precisamos. Só a nossa mobilização vai impedir a aprovação, pelo Congresso Nacional, de projetos que retiram direitos”, acentua o presidente da CTB-BA, Aurino Pedreira. As forças conservadoras defendem com unhas e dentes essa agenda neoliberal de usurpação de direitos da classe trabalhadora. Por isso, as centrais sindicais remam contra as imposições prejudiciais aos trabalhadores e levaram milhares às ruas para manter e ampliar os direitos de quem produz a riqueza da nação. “Interessa a todos os trabalhadores reduzir os juros e aumentar os salários”, sustenta Pascoal Carneiro, secretário de Previdência e Aposentados da CTB. “Estamos nas ruas para cobrar imediata mudança da política macroeconômica: o fim do superávit primário, a redução dos juros, o controle do câmbio e do fluxo de capitais, bem como a taxação das remessas de lucros e dividendos. A vida é uma prova de que a unidade na ação potencializa a força das centrais e do movimento sindical brasileiro. A agenda da classe trabalhadora por um novo projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho é a nossa bússola. À luta”, conclama Adilson Araújo. VISÃOClassista

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I NT E R N A CION A L

EXPECTATIVA Em seu novo mandato, a líder sul-americana terá que aprofundar as mudanças que não foram possíveis entre 2006 e 2010

O sindicalismo chileno no novo ciclo político O que a vitória de Bachelet traz de novo para a luta da classe trabalhadora do continente? Érika Ceconi

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o último dia 15 de dezembro, os chilenos foram às urnas para o segundo turno das eleições presidenciais. A população escolheu a candidata socialista Michelle Bachelet, em detrimento da direitista Evelyn Matthei. Com o apoio do Partido Comunista, a antiga ‘Concertação’, agora Nova Maioria – coalizão de centroesquerda liderada por Bachelet –, baseia seu programa de 34

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governo em três eixos: reforma na educação (principal reivindicação do movimento estudantil que protagonizou massivas manifestações por todo o país); reforma tributária (que aumentaria o imposto para os mais ricos para investir nas políticas sociais); e uma nova Constituição (já que o Chile mantém a mesma desde que se instaurou a ditadura militar há 40 anos). Na opinião do secretário de

Relações Internacionais da CTB e coordenador da Federação Sindical Mundial (FSM) para o Cone Sul, Divanilton Pereira, a eleição da expresidenta irá reintroduzir aquele país na agenda antineoliberal e anti-imperialista e reforçar na região a integração latinoamericana e caribenha. Divanilton expressou que, com a eleição das deputadas comunistas Camila Vallejo e Karol Cariola (ex-líderes estudantis),


o movimento social terá uma expressão institucional, condição que contribuirá para a atenção das demandas da população. “Essa pressão política dos partidos de esquerda, do movimento sindical e social fará com que a presidenta realize as promessas feitas durante a campanha.” Para fazer uma análise de como a classe trabalhadora se insere nesse novo ciclo político do país andino, Visão Classista conversou com a presidenta da CUT chilena, Bárbara Figueroa, a primeira mulher na América Latina a presidir uma central sindical. Bárbara Figueroa milita no Partido Comunista desde os 15 anos e é professora de filosofia filiada ao sindicato da categoria, entidade em que foi diretora nacional. Em 2012, foi eleita presidenta da CUT. Visão Classista: O que mudará na vida da classe trabalhadora do Chile com a eleição de Michelle Bachelet? Bárbara Figueroa: O Chile está mudando. Desde 2006, quando

ocorreu a chamada “Revolución Pinguina” [manifestação protagonizada pelos estudantes, cujo nome faz alusão ao uniforme tradicional que lembra pinguins], as coisas começaram a mudar. Os sinais de novos tempos indicam que avançamos firmemente para um novo ciclo político. Um dos indícios mais interessantes deste período é, precisamente, o papel ativo e incidente dos atores sociais. Expressão disso tem sido a resistência dos movimentos regionais, como na luta contra o projeto HidroAysén, que prevê a construção de uma usina hidrelétrica, na região norte do país e outros projetos que agridem o meio ambiente, assim como as manifestações ocorridas no marco do direito à educação lideradas pelo movimento estudantil e pelos trabalhadores do setor. Esses elementos são constitutivos do processo que estamos construindo no Chile e é um dado inegável para quem queira liderar os destinos de nossa pátria. Neste marco, o esforço

Os sinais de novos tempos indicam que avançamos firmemente para um novo ciclo político. Um dos indícios mais interessantes deste período é, precisamente, o papel ativo e incidente dos atores sociais.

que a Nova Maioria tem feito de construir um programa no qual as aspirações da cidadania e as organizações sejam atendidas é um sinal potente do reconhecimento de que, no novo ciclo político do nosso país, tanto os partidos, a institucionalidade política e os atores sociais devem desempenhar seu papel sem limitações. Visão Classista: Como você analisa a atuação do movimento sindical chileno, principalmente durante a gestão do governo direitista de Sebastián Piñera? Bárbara Figueroa: Nunca tivemos muita expectativa em relação ao governo de Piñera, sobretudo por sua procedência empresarial. Dizia-se que este seria o governo dos empresários, mas não imaginávamos que seria o governo das falsas promessas e da falta de respeito ao sindicalismo. Frente a isso, o movimento sindical respondeu com força. Um exemplo foi a Greve Nacional realizada em 11 de julho [Dia da Dignidade Nacional, em memória da nacionalização do cobre sob

O esforço que a Nova Maioria tem feito de construir um programa no qual as aspirações da cidadania e as organizações sejam atendidas é um sinal potente do reconhecimento de que, no novo ciclo político do nosso país, tanto os partidos, a institucionalidade política e os atores sociais devem desempenhar seu papel sem limitações.

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internacional o governo de Salvador Allende], quando trabalhadores e trabalhadoras de todos os setores produtivos do país se mobilizaram e pararam para deixar clara sua posição de rechaço à atitude do governo. Com Piñera, não temos somente um saldo negativo a respeito das promessas sobre as questões trabalhistas que não foram cumpridas, mas também devemos dizer que retrocedemos no diálogo. Prova disso foi o debate de 2013 sobre o salário mínimo, em que não houve um espaço de diálogo com a maior multissindical do país. O governo demonstrou uma capacidade nula para adiantar-se aos conflitos. Pelo contrário, evidenciou a ampliação deles, à custa das dificuldades que isto possa gerar nos serviços públicos e privados. Visão Classista: O Chile é um dos maiores produtores de cobre do mundo. Como garantir que esse recurso seja usado em benefício do país, com mais investimentos em saúde, educação, bem-estar social? Bárbara Figueroa: Sem sombra de dúvidas, um dos grandes desafios é recuperar nossa soberania sobre os recursos naturais. Não só o cobre, mas também o lítio e a água estão dentro das demandas que temos levantado há anos. Dizem que o Chile é um país rico, mas vive sentado sobre uma riqueza que não utiliza, ou melhor, não a utiliza em benefício das grandes maiorias, mas que enriquece cerca de 1% da cidadania. Nosso país é desigual desse jeito. O Chile precisa de muitas reformas econômicas que acabem com a lógica de benefício para poucos, tal como uma reforma tributária em que os mais ricos paguem mais do que os mais pobres, e desta forma, financiem 36

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a educação pública de todos os chilenos e chilenas. Visão Classista: No Brasil, ainda não tivemos na história das centrais sindicais uma presidenta. Como vê a questão de gênero no mundo sindical? Bárbara Figueroa: Sem dúvida, a questão de gênero é importante, não só no mundo sindical mas na sociedade em geral. No Chile, dizemos que não é tão estranho que haja uma mulher na liderança dos trabalhadores, já que somos quase 50% da força de trabalho do país e com uma grande quantidade de mulheres como donas de casa. Ainda assim, temos clareza de que falta muito o que fazer em nosso país. Por exemplo, a maioria das novas trabalhadoras está em empregos que têm relação com serviços domésticos e em condições de precariedade, ou seja, sem contrato nem direito de organização. Além disso, ainda existe uma ampla diferença salarial entre homens e mulheres exercendo o mesmo cargo, de cerca de US$ 370 (aproximadamente R$ 840). No mundo sindical, ainda faltam muitas mulheres em representatividade. Os sindicatos maiores e com maioria de mulheres, em geral, são conduzidos por homens. Na direção, há uma média de uma mulher para cada dez dirigentes homens. Falta muito por avançar, mas é claro que o fato de que as principais organizações do mundo social estejam dirigidas por mulheres e a eleição, pela segunda vez, de uma mulher na Presidência são bons sinais do avanço que devemos dar e nos obrigam a assumir com força o debate mais profundo sobre políticas públicas em matéria de gênero, seguir construindo processos sociais e

Sem dúvida a questão de sociedade em geral.

Estou convicta de que democracia sem um si de cada país, É um de em nível mundial.


e gênero é importante, não só no mundo sindical, mas na

um país não pode avançar em mais e melhor indicalismo fortalecido e esta não é só uma tarefa esafio que enfrentamos como movimento sindical

culturais de ofensiva sobre o papel da mulher em cada âmbito do nosso país. Visão Classista: Quais os desafios para o movimento sindical chileno e qual a importância da solidariedade internacional diante das ofensas do capitalismo? Bárbara Figueroa: Acredito que o grande desafio é se fortalecer e unir para enfrentar o novo ciclo político. Diante dos grandes desafios que começam a surgir, ter um movimento sindical de acordo com as necessidades da população torna-se transcendental, tanto nos debates do mundo do trabalho como em todos os outros âmbitos. Atendendo a isso, em nosso último Conselho Nacional Ampliado da Direção, no qual participam cerca de 300 dirigentes de todo o país e de todas nossas organizações filiadas, além de analisar o contexto político nacional e o avanço das demandas da CUT no debate presidencial, avaliamos a importância de fazer um novo evento para discutir nossa estrutura e organização para avançar para um sindicalismo do novo século, que nos incorpore como ator sindical no debate nacional. Devemos ser capazes de atender às necessidades de todos e todas as trabalhadoras, responder aos servidores públicos e privados, mas também aos autônomos que não dependem do empregador fixo, enfrentar a realidade das mulheres e jovens que, apesar de muitos avanços no mundo do trabalho, em geral, continuam relegados. Estou convicta de que um país não pode avançar em mais e melhor democracia sem um sindicalismo fortalecido e esta não é só uma tarefa de cada país. É um desafio que enfrentamos como movimento sindical em nível mundial. VISÃOClassista

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B RA S I L Marcelo Oliveira / Ascom-CNV

JUSTIÇA Rosa Cardoso, membro da CNV, expõe os objetivos das buscas do Grupo de Trabalho

Passando a história a limpo

Comissão Nacional da Verdade investiga perseguições sofridas por sindicalistas durante a ditadura Érika Ceconi

“A

Comissão da Verdade está passando a limpo como os fatos realmente aconteceram, para mostrar quem são os verdadeiros líderes e heróis da nossa história”. Foi assim que a ex-operária Maria Arleide Alves definiu o trabalho que está sendo realizado pelo órgão, instituído no Brasil em maio de 2012. A metalúrgica, que sofreu as consequências por lutar contra o desemprego no período em que o país vivia uma ditadura militar (1964-1985), é um exemplo dos muitos casos de perseguições que 38

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ocorreram contra trabalhadores, sindicalistas e militantes políticos que tentaram resistir ao golpe. Ela liderou diversas greves em São Paulo e chegou a ser arrancada pelos cabelos de dentro da fábrica da Colmeia Radiadores, onde trabalhava. A ação foi executada pela Polícia Militar (PM) a mando da própria empresa. Situações como essa estão sendo trazidas à tona por meio das investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) – criada pela Lei 12.528/2011 e sancionada pela presidenta Dilma Rousseff no

dia 16 de maio do ano seguinte –, que utiliza como metodologia as documentações e os testemunhos de quem viveu a ditadura. Para realizar essa tarefa, a CNV conta com o apoio de comissões estaduais, municipais e comitês da memória e verdade, além dos grupos de trabalho temáticos que contribuem nas pesquisas para denunciar as graves violações aos direitos humanos ocorridas durante o regime militar. Ao todo, são 13 grupos que se debruçam sobre temas como a Guerrilha do Araguaia, a participação do Brasil na


Operação Condor, o papel da igreja, a questão de gênero, entre outros.

GT dos Trabalhadores Para apurar as atrocidades cometidas contra os trabalhadores e sindicalistas, muitas vezes presos e criminalizados pelo fato de não aceitarem a opressão, a CTB e outras nove centrais sindicais compõem o Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, que baseia sua pesquisa em 11 pontos. Sob o lema “Por Justiça e Reparação”, o GT busca explicitar para a sociedade os abusos aos direitos trabalhistas e sindicais que geraram cassações de dirigentes, intervenções nos sindicatos por motivos políticos, repressão às greves legítimas, entre outras maneiras de coibição da classe trabalhadora pelo Estado. Nesse sentido, o secretário de Políticas Sociais da CTB, Rogério Nunes, avalia que essa integração das centrais com a CNV é fundamental para resgatar a memória sindical. “Podemos construir uma sociedade mais justa para que os trabalhadores não sofram mais com experiências como essa que foi a ditadura militar”, avalia. O GT dispõe de um Coletivo Sindical de Apoio em São Paulo, formado por representantes das centrais, dos trabalhadores e da CNV. Apesar de não participar diretamente do trabalho feito em Brasília, é responsável por organizar as atividades unitárias das centrais sindicais e também por colaborar com o encaminhamento de informações obtidas por suas entidades filiadas para a comissão.

Memória e Verdade Em várias cidades do país, estão sendo realizados atos sindicais unitários que rememoram ações que marcaram a lutas dos trabalhadores pela redemocratização do país. O objetivo das centrais é divulgar as atividades do GT e ampliar o número de testemunhos. O primeiro deles lembrou a Greve Geral de 1983, que levou cerca de 3 milhões às ruas no dia 21 de julho e contou com a adesão de 35 entidades sindicais e de associações de funcionários públicos, além do apoio de partidos de esquerda e da sociedade. Outra homenagem promovida pelo GT foi ao Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), organização trabalhista e sindical autônoma criada em 1962 durante o 4º Congresso Sindical Nacional dos Trabalhadores em São Paulo, que aprofundou a participação sindical nas questões nacionais da época e visava melhorar as condições de trabalho com justiça social e democracia. Após o golpe de 1964, o CGT foi desarticulado e teve seus líderes perseguidos. Nesse sentido, em Goiás, a CTB promoveu, com outras entidades, um ato público em memória das vítimas da ditadura. De acordo com a presidenta da Central no estado, Ailma Oliveira, o objetivo da ação foi fortalecer a luta pela criação da Comissão Estadual e Municipal da Verdade e colaborar com a abertura de comitês na região. Os trabalhos seguem até o final de 2014, quando a Comissão Nacional da Verdade entregará seu parecer sobre as violações que ocorreram entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. O prazo poderá ser prorrogado por mais seis meses para elaborar

Em várias cidades do país estão sendo realizados atos sindicais unitários que rememoram ações que marcaram a lutas dos trabalhadores pela redemocratização do país. O objetivo das centrais é divulgar as atividades do GT e ampliar o número de testemunhos as recomendações com vistas a reformas institucionais.

A história escrita por uma caneta de outra cor

Dentre os inúmeros casos de repressão e perseguição aos trabalhadores está o de Maria Arleide Alves, duramente reprimida por lutar pela liberdade e pelos direitos dos trabalhadores. Ela acredita que o trabalho da Comissão da Verdade “não é por vingança, mas para esclarecer e denunciar os crimes que ocorreram durante o período militar”. Em entrevista a Visão Classista, Arleide conta que, após trabalhar em diversas fábricas em São Paulo e ser demitida de todas elas, fez questão de formar-se em História e, desde 1992, usa sua experiência como ferramenta para ministrar as aulas. “Como professora, acho que a história foi escrita por outra caneta, uma caneta de outra cor, que hoje está sendo passada a limpo”, comenta a docente, ao relatar que era obrigada a ensinar que “não houve uma ditadura, mas VISÃOClassista

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B RA S I L uma revolução dos militares”. Anistiada em dezembro de 2012, ela se lembra com orgulho das greves que liderou ao fazer oposição no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Segundo Arleide, foi preciso “esquentar a carteira de trabalho” para conseguir um emprego. “Com certeza, existia uma lista com os nomes dos funcionários, porque passávamos na prova escrita e prática que nos submetiam, mas, na hora em que pegavam a carteira para registrar, eles falavam que não poderíamos ficar”. Arleide conta que, para tentar evitar a demissão, os trabalhadores entravam na Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, porque não poderiam ser mandados embora antes de cumprir o mandato. Ela lembra que, após compor a chapa da oposição do sindicato e liderar algumas greves, ficou um bom tempo desempregada e teve que ir morar de favor na casa do irmão. Outro episódio marcante na vida de Arleide foi quando a então funcionária da Comeia Radiadores se viu arrancada pelos cabelos de seu local de trabalho. “Eu era soldadora na época (1981), estava convocando os funcionários para uma assembleia e foi então que quatro policiais militares me tiraram da minha bancada. Como eu resisti, me puxaram pelo cabelo e me jogaram lá fora”. Hoje a professora de História acredita que as recentes manifestações da juventude foram inspiradas nas lutas do passado “Eles aprenderam a dizer ‘o povo unido, jamais será vencido’ onde?”, questiona. Para ela, a luta operária valeu a pena. “Se temos um pouco de liberdade hoje, foi por causa da luta. Ficar desempregada, sem ter nenhuma porta para bater não é fácil, é uma questão de sobrevivência, mas agradeço muito à luta, pelo que sou hoje e pelo o que aprendi”, conclui. 40

VISÃOClassista

Conheça os 11 pontos do GT dos Trabalhadores 1. Levantamento dos sindicatos que sofreram invasão e intervenção no golpe e após o golpe; 2. Investigação de quantos e quais dirigentes sindicais foram cassados pela ditadura militar; 3. Quais e quantos dirigentes sindicais sofreram prisão imediata ao golpe; 4. Levantamento da destruição do patrimônio documental e físico das entidades sindicais; 5. Investigação sobre prisões, tortura e assassinatos de dirigentes e militantes sindicais urbanos e rurais; 6. Vinculação das empresas com a repressão; 7. Relação do serviço de segurança das empresas estatais e privadas com a repressão e atuação das forças armadas; 8. Legislação antissocial e antitrabalhadores (lei de greve, lei do arrocho salarial, lei do fim da estabilidade no emprego, entre outras); 9. Levantamento da repressão às greves; 10. Tratamento dado à mulher trabalhadora durante a repressão; 11.Levantamento dos prejuízos causados aos trabalhadores e suas entidades pelo regime militar para reparação moral, política e material.

SAIBA MAIS:

http://trabalhadoresgtcnv.org.br/ https://www.facebook.com/trabalhadoresgtcnv Foto: Arquivo pessoal

REPARAÇÃO Arleide se orgulha de ajudar a reescrever a história com novas tintas


AR TI G O CARLOS ROGÉRIO

Reparação e verdade para a classe trabalhadora

O

s trabalhadores e trabalhadoras do Brasil estão diante de uma imensa responsabilidade perante a memória da história de lutas: resgatar a trajetória da resistência dos trabalhadores brasileiros que lutaram bravamente contra a ditadura militar dos anos de 1964 até 1985. Nos livros de História, nos comentários dos meios de comunicação, na sociedade em geral, consta a marca da luta heroica dos nossos aguerridos estudantes, dos intelectuais, dos artistas, entre outros. De fato, o movimento estudantil teve, sem dúvida, um evidente protagonismo na resistência à ditadura militar. Porém pouco se falou, ou se registrou, acerca da resistência dos trabalhadores ao regime dos generais. Essa resistência, no entanto, foi intensa e merece o devido reconhecimento e toda a nossa admiraçâo. Os trabalhadores foram os mais perseguidos pelo regime do arbítrio de 1964. Foram milhares de perseguições, torturas e assassinatos. As entidades sindicais sofreram intervenções. Calcula-se em dez mil brasileiros e brasileiras, entre dirigentes

sindicais e lideranças dos trabalhadores, o número de perseguidos pelos generais de plantão do golpe de Estado posto em prática em 1964. Muitos desses homens e mulheres sem mandatos foram perseguidos. E quanto a esses casos não temos um levantamento concreto. Estima-se, portanto, que é bem maior a quantidade de trabalhadores e trabalhadoras que sofreram algum tipo de repressão por parte dos militares. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) instituiu um Grupo de Trabalho dos Trabalhadores para fazer um levantamento de todos os casos de perseguições, torturas e assassinatos sofridos por lideranças dos trabalhadores, quer sindicalistas ou não. E não apenas circunscritos no meio urbano, mas também entre os trabalhadores e as trabalhadoras rurais. O GT dos Trabalhadores é composto por dez centrais sindicais e está fazendo um levantamento amplo das perseguições diretamente ligadas aos representantes da classe trabalhadora. Para esse intento, é necessário que as nossas entidades sindicais realizem uma vasta e ampla pesquisa de todas as formas de repressão

ocorridas nas nossas entidades, assim como em nossa categoria – para os casos de perseguições contra lideranças sem mandatos sindicais. A partir desse levantamento entregaremos todo o material para a Comissão Nacional da Verdade, com o intuito de que seja feita a política de reparação às lideranças perseguidas. Temos que exigir uma política de reparação àqueles que foram perseguidos. Os crimes cometidos por agentes do Estado contra as lideranças sindicais não podem ficar no esquecimento. Temos a obrigação de divulgar às novas gerações de lideranças sindicais a verdade da repressão ocorrida contra os trabalhadores e denunciar como crime as torturas sofridas por trabalhadores que lutavam por justiça e democracia nas décadas de 1960 e 1970 do século passado. Este é o momento de resgatar as lutas do passado, denunciar as torturas, enaltecer nossos heroicos resistentes e continuar a luta por uma sociedade democrática e socialmente justa para os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. É nossa obrigação dar total apoio ao trabalho feito pela Comissão da Verdade.

Temos que exigir uma política de reparação. Os crimes cometidos por agentes do Estado contra as lideranças sindicais não podem ficar no esquecimento

Carlos Rogério de Carvalho Nunes é secretário de Políticas Sociais, Esporte e Lazer da CTB. VISÃOClassista

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a genda sindical mundo do trabalho nacional e internacional, a partir do tema “Crise Capitalista, Democracia, Justiça Social e Ambiental”.

CES e CTB

JANEIRO • Fórum Social Temático

FEVEREIRo • Conae-2014

A parceria entre o Centro de Estudos Sindicais (CES) e a CTB vai promover, entre os dias 20 e 24 de janeiro, mais um curso de Formação de Formadores e Gestão Sindical, em Campinas, São Paulo. O curso, que é nacional, é voltado para dirigentes sindicais de entidades filiadas à CTB.

MARÇO • Dia Internacional da Mulher

JANEIRO CNV De janeiro a março, a Comissão Nacional da Verdade, da qual a CTB participa, realiza uma série de atividades para relembrar os 50 anos do golpe civil e militar de 1964.

Fórum Social Temático 2014 Como nas demais edições, neste ano entre os dias 24 e 29 de janeiro a CTB vai participar do Fórum Social Temático, em Porto Alegre (RS), sob o mote “Um outro mundo é possível com a participação da classe trabalhadora”. Além da tradicional Marcha de Abertura, a CTB vai organizar e integrar mesas acerca do 42

VISÃOClassista

FEVEREIRo Fórum Nacional de Mulheres Trabalhadoras Nos dias 5 e 6 de fevereiro, o Fórum Nacional de Mulheres Trabalhadoras das Centrais Sindicais promove seu Planejamento Estratégico Situacional (PES), em São Paulo. O objetivo é fazer o planejamento das ações do próximo período.

Conae Em fevereiro, a CTB participa da segunda edição da Conferência Nacional da Educação (Conae), entre os dias 17 a 21, em Brasília. O encontro terá como tema central o Plano Nacional de Educação na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração. A Conae é

precedida por etapas preparatórias, compreendidas em conferências municipais e intermunicipais, estaduais e do Distrito Federal, realizadas em 2013.

FSM A CTB estará presente nos dias 13, 14 e 15 de fevereiro, na Reunião do Conselho Presidencial da Federação Sindical Mundial (FSM), que acontece em Roma, Itália. O encontro deve fazer um balanço de 2013 e construir o Plano de Ação de 2014.

União Internacional de Sindicatos de Aposentados Entre os dias 5 e 6 de fevereiro, a CTB participa do Congresso de Fundação da União Internacional de Sindicatos dos Aposentados, em Barcelona, Espanha. A CTB será representada pelos dirigentes Pascoal Carneiro e Uriel Villas Boas.

MARÇo Dia Internacional da Mulher A CTB está preparada para integrar e organizar diversas atividades alusivas ao Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março. Neste ano, uma das principais bandeiras será o lançamento de uma campanha por mais creches, condição que facilita a inserção e permanência da mulher no mercado de trabalho.


VISテグClassista

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