Carlos Liscano
ficções do eu ficções do outro
Liliana Reales Roberto Ferro organizadores
Carlos Liscano
ficções do eu ficções do outro
Cultura e Barbárie Desterro, 2013
Revisão Ignacio Bajter e Selomar Borges Capa Reprodução de imagem de La libreta negra, de Carlos Liscano Diagramação Alexandre Nodari Impressão Copyart Apoio CAPES Conselho Editorial da Cultura e Barbárie Alexandre Nodari, Diego Cervelin, Flávia Cera, Leonardo D’Ávila e Rodrigo Lopes de Barros C284 Carlos Liscano : ficções do eu ficções do outro / Liliana Reales, Roberto Ferro, organizadores. – Desterro [Florianópolis] : Cultura e Barbárie, 2013. 216p. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-63003-12-6 1. Liscano, Carlos – Crítica e interpretação. 2. Ficção Uruguaia – História e crítica. 3. Biografia (como forma literária). 4. Literatura hispano-americana – História e crítica – Sec. XX. I. Reales, Liliana Rosa. II. Ferro, Roberto. III. Título. CDU: 860(7/8).09 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071
Editora Cultura e Barbárie www.culturaebarbarie.org | editora@culturaebarbarie.org Caixa Postal 5015 - 88040-970 - Florianópolis/SC
Sumário Apresentação ...................................................................................... 7 Palabras liminares ........................................................................... 9 Breve asomo al heteróclito y delirante “atlas” de Liscano Liliana Reales ........................................................................................ 11 El orden del sirviente. Un archivo pese a todo Ignacio Bajter ....................................................................................... 27 Escritura de vida: o fazer literário em Carlos Liscano Selomar Borges .................................................................................... 45 Actas de nacimiento de un escritor entre rejas: El método y otros juguetes carcelarios, de Carlos Liscano Hebert Benítez Pezzolano .................................................................. 67 Hay comienzos difíciles Carina Blixen ........................................................................................ 81 Guerra de tiempos Martín Kohan ...................................................................................... 101 Letra y límite. El golpe único de la muerte iterativa Raúl Antelo ......................................................................................... 109 Una autografía póstuma. El furgón de los locos de Carlos Liscano Roberto Ferro ...................................................................................... 121
La poesía de Carlos Liscano: la búsqueda de la palabra que reorganice la vida Carmen Virginia Carrillo .................................................................. 141 Rastros da sinuosa senda. Leitura e versão do poema de Carlos Liscano Jorge Wolff .......................................................................................... 155 Vida y/o literatura. Aproximaciones biográficas a la obra de Carlos Liscano Alfredo Alzugarat .............................................................................. 165 El silencio de la Libertad Jean-Marie Saint-Lu ........................................................................ 189 Peregrinación al oeste Fernando Loustaunau ....................................................................... 195 imagens de La libreta negra Carlos Liscano .................................................................................... 201 Bibliografia de Carlos Liscano .............................................. 209 Sobre os autores ............................................................................ 213
Apresentação El libro es ya una anticuada mediación entre dos [...] sistemas de archivos. Pues sin duda todo lo esencial se encuentra guardado en el archivo del investigador que escribió el libro, y el científico que lo estudia lo va asimilando a su archivo. (Walter Benjamin, Calle de dirección única)
Este livro é uma tentativa de mediação entre o arquivo que aqui chamamos “arquivo Liscano” e os arquivos daqueles que o lemos, tentando assimilá-lo num gesto que sempre será de familiarização e estranhamento ao mesmo tempo. A literatura de Carlos Liscano faz parte de um conjunto de atividades e materiais que forma seu ateliê de escritor, sua oficina de trabalho, seu lugar de posta à prova, do qual também fazem parte seus desenhos, suas pequenas peças de arames tramados, seus “trabalhos manuais” ou “juegos de manos” como ele os chama, sua biblioteca, seus manuscritos sempre revisitados, seu álbum de fotografias, suas organizadas pastas contendo matérias publicadas a seu respeito, seu computador com arquivos e mais arquivos de escritos, pesquisas, imagens, cartas, mensagens. Neste livro, tentamos reunir textos e algumas imagens que poderiam expor alguns desses elementos que compõem seu ateliê, esse lugar de trabalho que foi mudando algumas vezes de países, cidades e bairros, mas que, frequentemente, remete, como uma cena primária – poética e estranhamente emotiva –, àquela esquina com aquela árvore de La Teja, subúrbio de Montevidéu onde Liscano passou a sua infância. Muitos de seus críticos têm dado ênfase ao fato de Carlos Liscano ter iniciado seu trabalho de escritor no cárcere durante seus longos anos de prisioneiro político da ditadura militar uruguaia e o têm feito com maestria e absoluta pertinência. Sem dúvida, a marca de uma literatura nascida carcerária é, como La Teja, uma cena primária, indefectível força que movimenta o gozo estético, mas que também potencializa a convicção de que, uma vez tendo sido produzido por sua produção – a literatura –, o escritor vive mais uma vez a cena de sua própria desaparição, de sua dissolução, como muitas vezes os longos anos de privação da liberdade e de sujeição à violência sem fim operam em qualquer prisioneiro político. Outros críticos preferem enfatizar em Liscano certos legados (Beckett, Macedonio, Kafka, para citar apenas três) em muitos momentos de sua obra, mas
principalmente nos que se referem a sua relação obsessiva com a escrita, a sua indagação sobre os limites da linguagem e a própria literatura como experiência-limite, questões que nos lembram, claro, de extraordinários momentos da obra de Blanchot. Nesse Liscano é possível ler uma ética da escrita que vai orientar políticas de escrita e de vida, de sua escrita e de sua vida, duas instâncias que se conjugam profundamente sem ser mais possível imaginá-las uma sem a outra. Pensamos que ambas as estratégias de leitura são importantes e se complementam. Pois a prisão política como experiência-limite se tornou, no caso de Liscano, condição de possibilidade para a experiência dos limites daquilo que ainda continuamos chamando de literatura. Conhecemos Liscano há dez anos, o tempo de vida do Núcleo Juan Carlos Onetti de Estudos Literários Latino-americanos da Universidade Federal de Santa Catarina. Nesses anos acompanhamos sua produção e tentamos sistematizar estudos sobre sua obra com a convicção de que se trata de um trabalho em muitos momentos inusitado nas letras uruguaias e que o coloca entre os mais importantes escritores vivos do Río de la Plata. Assim como a novíssima revista do Núcleo Onetti, a Landa, este livro faz parte das publicações que organizamos em celebração dos nossos dez anos de existência, mas, principalmente, em homenagem a uma literatura que terá, talvez, o destino da bela metáfora da qual Liscano se apropria em um dos seus últimos livros, por sinal ainda não publicado em castelhano e sim em francês, o “corvo branco”, o eterno estrangeiro. Diz Blanchot: “Quem é o estrangeiro? Não há uma definição suficiente. Ele vem de fora. É bem recebido, mas de acordo a umas regras às que não pode se adequar mas que, de todos modos, o põem a prova [...]”. O estrangeiro é aquele que não mais é reconhecido como pertencente nem sequer à própria comunidade da qual ele um dia saiu, muito menos àquela onde arriba. Ele é o exílio, não vive o exilio, é o exilio, pois este não é nem psicológico nem ontológico, é uma condição, acontece. Agradecemos aos críticos que aceitaram nosso convite a participar deste livro e à CAPES, entidade do Governo Brasileiro voltado para a formação de recursos humanos, pelo apoio recebido. Liliana Reales Santo Antônio de Lisboa, outono de 2013
Palabras liminares Cuando el furgón me deje en casa de mis padres ellos ya no estarán. Me esperará mi hermana. Lloraremos juntos un instante. Me acostaré muy tarde esa noche. Al otro día me levantaré a las cinco y media de la mañana, obsesionado por hacer “algo” con mi libertad. No sabré qué será de mi vida, excepto una cosa: que pasaré en limpio mis papeles de la cárcel, “La mansión del tirano”, “El método y otros juguetes carcelarios”, “El informante”, el diario de “El informante”, mis poemas, mis apuntes, y que me dedicaré a escribir. No sé si por el resto de la vida, pero por lo menos hasta el día en que no tenga nada para decir. Escribiré, hasta nuevo aviso, será el centro de mi vida.
En esta cita de una de las páginas finales de El furgón de los locos, Carlos Liscano evoca la escena del origen de su escritura literaria como la imposición a sí mismo de una tarea para el tiempo existencial que le resta por vivir. La voz narradora figura la imagen iniciática de un proyecto de obra, conjeturada como el lugar privilegiado en donde asediar los interrogantes y las certezas de un pasado entramados de modo indisoluble con la memoria del por-venir. Hay en esas palabras una condensación que funciona como un programa, el recuerdo del anuncio de una fundación que permite aproximarse a sus textos desde una intuición anunciadora. Durante largos años Carlos Liscano fue uno de los miles de presos de la dictadura que asoló el Uruguay entre 1973 y 1985. El día después de su liberación revisa su vida situándose en una encrucijada; atrás quedan las torturas, las vejaciones, los largos silencios, pero también quedan los papeles de la cárcel, en términos concretos el archivo de su escritura, como una acumulación sedimentada que en los pliegues de su configuración temporal, es concebida como una tarea irrenunciable, una razón de ser y de existir; sobre ese magma de trazos se dispone a intervenir con una actitud movida por una voluntad con la que asume el compromiso de la consumación de una forma. Desde una mirada retrospectiva, Liscano narra ese comienzo recurriendo a la imagen de un punto preciso en tiempo y espacio en el que convergen la puesta en acción de un proceso con una ética que sostendrá la exigencia de poner en la letra los modos posibles de nombrar el horror. Ese proyecto es un deseo cuya dinámica aún
continúa en curso, con un impulso que se dirige hacia un horizonte móvil, la obra futura. Al citar ese fragmento de El furgón de los locos no he tratado tanto de presentar la figuración narrativa de un comienzo como de caracterizar la actividad de su escritura pensada como un vasto despliegue que en su devenir abomina de cualquier forma de cierre o clausura. La obra de Liscano, así preanunciada, hoy puede ser pensada como una configuración abierta, que responde a un proyecto inscripto en un pensamiento que no oculta su posicionamiento político. Si pensamos la idea de obra en concordancia con Roland Barthes, es posible concebirla como el resultado de una operación, de un hacer, más que como producto. La cita de El furgón de los locos más que el deseo de escribir, nombra la obligación de escribir, la voluntad de una obra regida por la ética de un modo de intervención con la palabra que conjura la ominosa amenaza del silencio, primera tentativa del olvido y de la resignación. Creo también que en esas palabras se cifra la consistencia y el espesor de su búsqueda. En los textos de Carlos Liscano el trazado de su escritura, además de registrar y promover el sentido, da a leer una magnitud significativa no expresada en palabras o silencios, sino presente en el gesto con que ha jugado su cuerpo para forjar esa obra, nunca concebida como un proyecto reducido a una impronta personal. Ese gesto no sobreimprime en su obra un querer decir sino, antes bien, el riesgo de un saber hacer. Cuerpo y escritura traman su destino en una urdiembre solidaria que se propone a la mirada de los lectores como un desafío. Roberto Ferro Buenos Aires, Coghlan, junio de 2013