Sob a sombra do Curral del Rey: Capítulo "O Racionalismo como Progresso: Avenida Afonso Pena" (2017)

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Referência do capítulo BORSAGLI, Alessandro; MEDEIROS, Fernanda Guerra Lima. O Racionalismo como Progresso: A Avenida Afonso Pena e a sua importância no crescimento urbano de Belo Horizonte. In: BORSAGLI, Alessandro. Sob a sombra do Curral del Rey: alcunhada Bello Horizonte. 01. ed. São Paulo: Clube de Autores, 2017. 220p.

Sob a sombra do Curral del Rey Alcunhada Bello Horizonte Alessandro Borsagli Edição do autor Belo Horizonte2017

Alessandro Borsagli. Direitos reservados. Conteúdo sob licença Creative Commons (CC BY NC). Pode ser reproduzido para fins não comerciais, desde que sejam citados o autor e a fonte. Para a utilização das imagens, em caso de dúvida, favor entrar em contato com o Autor, pois se encontram protegidas pelos dispositivos legais. Contato do Autor: borsagli@gmail.com Borsagli, Alessandro B738s Sob a sombra do Curral del Rey : alcunhada Bello 2017 Horizonte / Alessandro Borsagli. Belo Horizonte : Edição do Autor, 2017. 220 p.: il. Inclui referências. ISBN: 978 85 920509 5 5 1. Urbanização História Belo Horizonte (MG). 2. Iconografia Belo Horizonte (MG). 3. Geografia Belo Horizonte (MG). 4. Curral, Serra do (MG). I. Título. CDD 981.511 Ficha catalográfica elaborada por Christiano M. Ribeiro Quadros. Registro MG 002649/O Capa e Contracapa Diego Contaldo de Lara Pintura Capa e Contracapa Praça da 2013Estação Altino Barbosa CaldeiraFolha de Rosto BH 2008 Acervo do Autor Imagem Contracapa Praça da Estação 1965 Acervo EA/UFMGEdgarPalácioSumáriodasExposiçõesPermanentes1900NascentesCoelhoAcervoMHAB Página 104 Augusto Guerra Coutinho e APCBH/ASCOMPáginas 219 e 220 Avenida Afonso Pena década de 1960; Imagem aérea de Belo Horizonte 1953 Acervo APCBH Desenho Foto do Autor FelipeFiVoVolponiAlessandroEdição/RealizaçãoBorsagli/CurraldelRey

Acervo APCBH/ASCOM

Perspectiva da Praça Sete no ano de 1966, após a retirada do obelisco.

O RACIONALISMO COMO PROGRESSO: A AVENIDA AFONSO PENA E A SUA INFLUÊNCIA NO CRESCIMENTOURBANODE BELO HORIZONTE BORSAGLI & MEDEIROS (Publicado no blog em setembro de 2012 e apresentado no XIII SIMPURB/2013)

O monumento em homenagem aos fundadores da capital foi retirado anos mais tarde, com o intuito da desobstrução da Avenida para os veículos automotores.

Belo Horizonte foi construída para ser um modelo de urbe no infante Brasil Republicano, que carecia de uma identidade coletiva. Projetada pela equipe do Engenheiro Aarão Reis a Planta da nova capital apresenta um traçado racional e positivista, muito parecido com um tabuleiro de xadrez, em conformidade com o pensamento vigente na época, sendo que a Planta rompeu profundamente com a herança colonial ainda viva na sociedade brasileira e execrada pelos republicanos, que se identificavam com os ideais secessionistas da Inconfidência de 1789. A nova capital, edificada em apenas quatro anos no local escolhido pelos políticos mineiros arrasou por completo o arraial do Curral del Rey, fundado no início do século XVIII. Na nova capital prevaleceram as ideias sanitaristas e o convívio social através das Praças e Ruas arborizadas. Nesse último aspecto a Avenida Afonso Pena se destacou ao longo das seis primeiras décadas do século XX como a via mais arborizada de Belo Horizonte e o ponto de encontro da população, figurando muitas vezes como o cartão postal da nova capital. Além de ser o principal eixo de ligação e passagem obrigatória para se deslocar dentro da nova capital mineira, a Avenida também foi o berço da verticalização e da congestão urbana na região central, anteriormente denominada bairro Comercial.

Para se compreender a dinâmica da Avenida Afonso Pena, assim como as mudanças sofridas na região do entorno da Avenida e a influência da via no crescimento urbano de Belo Horizonte se fez necessária a análise da primeira Planta elaborada pela Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) em 1895, assim como a Planta da porção da zona planejada destinada à primeira ocupação da capital feita em 1896.

As Plantas elaboradas nas décadas seguintes foram imprescindíveis para o presente artigo, pois elas foram produzidas em conformidade com as obras que estavam em curso no momento da confecção, além das inúmeras fotografias tiradas ao longo das décadas, que permitiram uma melhor compreensão da profunda mudança espacial na qual passava a capital mineira, em particular a

Afonso Pena. De acordo com Corrêa1 , “oespaçourbanoéumreflexotantodeações queserealizamnopresentecomotambémdaquelasqueserealizaramnopassadoe quedeixaramsuasmarcasimpressasnasformasespaciaisdopresente”

” . Ao analisar a planta oficial da nova capital elaborada no ano de 1895 percebe se que Aarão Reis criou a cidade com duas malhas: as das ruas formando ângulos retos, e as avenidas estrategicamente situadas formando ângulos de 45º interagindo com as ruas3. Essa interação tem, entre outras características, evitar que sejam configuradas ruas em ziguezague como o antigo Curral del Rey e as cidades surgidas no período colonial, que seguiam os traçados dos primeiros caminhos abertos. A Avenida Afonso Pena foi pensada como um eixo de passagem obrigatório para quem deseja ir de uma ponta a outra na zona urbana planejada, uma avenida 1 1993, p.26. 2 1993, p.11. 3 As malhas formaram dezenas de “corta caminhos” dentro da zona urbana planejada. Nos engarrafamentos cotidianos de Belo Horizonte os atalhos formados, em alguns casos, permitem uma maior mobilidade nos horários de pico, mesmo estando nos aproximando do “engarrafamento final” quando, em um determinado horário do dia, ninguém irá à parte alguma, retidos no meio da congestão viária e da poluição resultante dos milhares de veículos individuais.

“ práticasdedasAaçãodestesagentesécomplexa,derivandodadinâmicadeacumulaçãodecapital,necessidadesmutáveisdereproduçãodasrelaçõesdeprodução,edosconflitosclassequedelaemergem.Acomplexidadedaaçãodosagentessociaisincluiquelevamaumconstanteprocessodereorganizaçãoespacialquesefazviaincorporaçãodenovasáreasaoespaçourbano,densificaçãodousodosolo,deterioraçãodecertasáreas,renovaçãourbana,relocaçãodiferenciadadainfraestruturaemudança,coercitivaounão,doconteúdosocialeeconômicodedeterminadasáreasdacidade

O mesmo Corrêa2 observa que os agentes formadores do espaço urbano são responsáveis pelas constantes mudanças que ocorrem na paisagem urbana, pois:

monumental a altura da Planta de Aarão Reis, que se preocupava com a simetria e a monumentalidade, sem levar em consideração as características físicas da região. Observa se, ainda, que a Avenida segue cortando as curvas de nível do terreno ligando a parte baixa, na calha do Ribeirão Arrudas, onde se construiu o primeiro Mercado Municipal, a parte alta, na época denominada Morro do Cruzeiro4 atual Praça Milton Campos.

A Avenida do Contorno apresenta se como o limite da zona planejada, um “muro imaginário” com traços segregacionistas que separa a zona urbana da zona suburbana e dos sítios, que também figuram na planta apresentando ruas traçadas de acordo com a topografia e quarteirões irregulares, facilmente identificáveis em relação à zona planejada. O projeto deu grande importância a perspectiva da Serra do Curral, que podia ser observada de toda a cidade planejada, construída entre a serra e o vale do ribeirão Arrudas. Em suma: a planta buscou atender aos ideais positivistas e progressistas presentes na nascente republica, ideais notavelmente representados em Belo Horizonte. Um espaço urbano organizado geometricamente, hierarquizado e com funções sociais e administrativas bem definidas e delimitadas. Um espaço que não tinha por objetivo harmonizar com o que existiu anteriormente, como afirma um dos seis estudos acadêmicos reunidos no livro BH,VersoeReverso: “OprojetodeAarãoReiséminucioso,sofisticado,segregacionistaeelitista.Oplano lazerdacidadedeterminaoespaçoaserocupadotantopelasatividades(habitat,trabalho,eadministraçãopública,porexemplo)quantopelasclassessociais,preservando eisolandoasdemaiorpoderaquisitivo.”

4 O Morro do Cruzeiro tinha essa denominação devido a uma cruz de madeira que existiu, erguida pelos habitantes do Arraial no século XIX

5 As denominações urbana, suburbanae sítioscorrespondem as delimitações feitas pela CCNC no ano de 1895.

Como dito anteriormente, a Avenida Afonso Pena configura se dentro da zona urbana planejada de Belo Horizonte 5 como a principal via arterial da região central da capital, responsável pelo deslocamento de grande parte do fluxo viário e populacional proveniente dos bairros limítrofes à Avenida do Contorno em direção à região central. Criada para ser a principal via dentro da zona urbana, responsável pela ligação das zonas sul e norte ela apresenta um traçado retilíneo, assim como as demais avenidas planejadas, porém com uma largura de 50 metros dividindo a zona urbana desigualmente, enquanto as outras avenidas foram abertas com 35 metros de largura. Aarão Reis, em seu relatório para a Presidência do Estado em 1895 deu uma posição de destaque à Avenida, como se vê abaixo, no trecho extraído do livro MemóriaHistórica, de Abílio Barreto: “Apenasaumadasavenidas quecortaazonaurbanadenorteasul,equeé destinadaàligaçãodosbairrosopostos deialargurade50m,paraconstituilaem centroobrigadodacidadee,assim,forçarapopulação,quantopossivel,airsedesenvolvendodocentroparaaperiferia,comoconvemàeconomiamunicipal,à manutençãodahigienesanitariaeaoprosseguimentoregulardostrabalhostecnicos”. De acorco com Guimarães6, as avenidas da zona urbana teriam a função de estabelecer ligações com pólos funcionais, facilitar os deslocamentos da população e direcionar o crescimento urbano do centro para a periferia, papel atribuido pela CCNC a Avenida Afonso Pena. Mas nos anos que se sucederam a inauguração da nova capital o crescimento urbano de Belo Horizonte se deu de forma inversa, onde os vazios urbanos dentro da Avenida do Contorno eram notáveis e o crescimento da zona suburbana demandou cada vez mais atenção do poder público, em particular a região oeste da capital, na qual a avenida era um dos acessos via Lagoinha e Ponte do Saco.

6 MinasGerais:aconstruçãodanovaordemeanovacapital, 1993.

A Avenida, em seus primeiros se encontrava aberta desde o antigo Mercado, onde hoje está a Rodoviaria até o cruzamento da Avenida Brasil. A partir daí ela se convertia em um caminho de terra que levava ao antigo Cruzeiro.

APCBH Gabinete do Prefeito

Posteriormente ela foi estendida até o cruzamento da Avenida Paraúna7, nas proximidades do Cruzeiro, ponto final da avenida determinado pela CCNC Entre os anos de 1897 e 1920 a Cidade de Minas8 apresentou um pequeno crescimento na zona urbana compreendida dentro da Avenida do Contorno, projetada para delimitar a zona urbana simetricamente projetada, com ruas regulares e áreas com funções especificas A zona suburbana, destinada à população de menor poder 7 Avenida Getúlio Vargas. 8 A nova capital adotou o nome do antigo arraial de Belo Horizonte no ano de 1901.

Planta Topográfica da Cidade de Minas escala 1:4.000, apresentada no ano de1895 pela Comissão Construtora da Nova Capital. Em destaque a Avenida Afonso Pena entre o ribeirão Arrudas e a base da Serra do Curral, dividindo a zona urbana planejada.

A falta de investimento por parte do poder público e a especulação imobiliária atrasou a expansão urbana nos terrenos compreendidos dentro da Avenida do Contorno, cuja ocupação se limitava a região central (bairro comercial) e aos 1902: no principal espaço de articulação urbana da capital, a inauguração dos serviços de Bondes elétricos. A imagem expõe o contraste entre as carruagens e os seus cocheiros a observarem a estrela do momento em frente ao então Congresso Mineiro, no cruzamento da Avenida Afonso Pena e Rua da Bahia. Acervo MHAB

aquisitivo e apresentava ruas e quarteirões irregulares parcialmente planejados, além da falta de infraestrutura urbana, diferentemente da zona urbana. Durante esse periodo a capital mineira respirava ars interioranos em meio aos grandes vazios na zona urbana, fato que nao fugiu aos olhos de diversos visitantes ilustres que passaram por ela nesse periodo (já abordado no Volume 01 desta obra).

bairros Floresta, Santa Efigênia e Funcionários. A arrecadação era pequena e os recursos disponíveis não eram suficientes para a realização das obras necessárias.

Isso se deve ao fato de a nova capital ter sido construída apenas para fins administrativos, uma utopia republicana abandonada logo após a inauguração de Belo Horizonte e a extinção da Comissão Construtora no início de 1898. Era necessária para a expansão e manutenção da capital um comércio forte, serviços diversos e um parque industrial significativo, que irradiassem sua influência por todo o EssaEstado.preocupação

com a arrecadação era sentida desde os primeiros anos da nova capital, como se lê nas palavras do prefeito interino Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, que registrou em seu relatório do ano de 1906 que “ofuturodeBelo Horizonteestánadependenciacompletadasindustriasqueaquiseinstallem”.

Nas duas primeiras décadas do século XX a Avenida Afonso e a Rua da Bahia consolidaram se como o principal espaço de articulação urbana da capital. Eram nessas vias, calçadas somente no final da década de 1900 que se davam o maior fluxo de pessoas e de veiculos, motorizados ou não, de Belo Horizonte. Estas vias, mais os trechos compreendidos pela Rua da Bahia entre Timbiras e Afonso Pena, Espirito Santo entre Afonso Pena e Avenida do Comércio, Afonso Pena entre as Ruas da Bahia e Espirito Santo, e por toda a Rua dos Caetés abrigavam grande parte das casas comerciais da nova capital e diversas residencias, muitas delas pertencentes aos funcionarios da administração vindos de Ouro Preto e aos propriosOutracomerciantes.caracteristica marcante desse periodo foram os cafés e bares que existiram ao longo da Avenida, onde se destaca o Bar do Ponto, reduto de intelectuais e local de irradiação de notícias, discussões politicas e esportivas, stabelecimento que existiu em frente ao Ponto de Bondes da Avenida Afonso Pena, no cruzamento com a Rua da Bahia. A Avenida abrigou ainda hoteis, casas comerciais e residenciais, essas ultimas de breve existencia a medida que o bairro comercial foi assumindo funções especificas, afastando as residências para os bairros adjacentes à regiao central.

As intervenções patrocinadas pelo Estado permitiram a continuidade da urbanização dentro da zona urbana planejada, até as proximidades da Serra do Curral. Tornou se então necessaria a regularização e finalização da Avenida Afonso Pena e das vias no seu entorno.

arborizaçãoespessaparanãoperturbaravista”.

A situação de estagnação em que se encontrava Belo Horizonte alterou se apenas na década de 1920, quando se deu a primeira grande mudança espacial na paisagem urbana da capital mineira, cujas obras foram parcialmente patrocinadas pelo Estado, que tinha interesses especificos nas intervenções realizadas, além da continuidade da nomeação dos Prefeitos que administravam a capital, fato que já ocorria desde a extinção da Comissão Construtora da Nova Capital em 1898.

A Praça do Cruzeiro, na extremidade sul da Avenida e o ponto mais elevado da zona urbana foi o local escolhido pela CCNC para a construção da nova Catedral da Boa Viagem, de acordo com a Planta elaborada por esta Comissão.

A Matriz, caso houvesse sido construída nesse local teria alterado toda a perspectiva que se tinha desde o bairro comercial e dos bairros suburbanos, na outra extremidade da Avenida. Talvez, pela distância que ficaria a nova Matriz do local determinado para a primeira ocupação urbana da nova capital, o templo não foi Posteriormenteconstruído cogitou se em transformar a Praça do Cruzeiro em mirante, por apresentar uma visão privilegiada de grande parte da capital, de acordo com o relatório do Prefeito Flavio Fernandes dos Santos em 1923: “Hámuitoquefazernestaparte,mesmonãocontandocomaaberturadenovasruas poderiagrandeoutrechosderuas,naszonasurbanaesuburbana.Ninguémpoderánegarque,ultimadasaAvenidaAffonsoPennaeaPraçadoCruzeiro,ondejáfoiexecutadomovimentodeterra,sinãomeengano,pelaComissãoConstrutoradaCapital,muitoteráalucrarobomaspectodacidade.ParaquemviessevisitarBelloHorizonte,desdequeoaccessofosseumdospontosforçadosseriaaquellapraça,aquesedarumaspecto,porsuavez,agradável,dotandoadeumjardimsem

Até a década de 1940 ainda existiam muitos sobrados de dois pavimentos, destinados ao uso comercial e residencial datados dos primeiros anos do século XX. Grande parte dos sobrados da Avenida deu lugar aos edifícios construídos a partir de 1932, pioneiros no processo de verticalização da capital que em poucos anos se irradiou a partir do eixo Afonso Pena x Amazonas.

predominância

No ano de 1924 foi inaugurado o monumento comemorativo do centenário da Independência do Brasil, na Praça Quatorze de Outubro, no cruzamento das Avenidas Afonso Pena e Amazonas. Após a inauguração do obelisco a praça recebeu a denominação dePraçaSetedeSetembro, local que acabou por se tornar, virtualmente, o marco zero do hipercentro de Belo Horizonte nas décadas seguintes, deslocando o espaço de articulação urbana do cruzamento da Rua da Bahia e Afonso Pena para o cruzamento da Avenida Amazonas. A retomada dos investimentos pelo poder público na decada de 1920 permitiu a finalização da Avenida na segunda metade da decada. No ano de 1927 foi concluída a terraplanagem da Praça do Cruzeiro, três décadas após o seu planejamento. A terraplanagem removeu o barranco que impedia a finalização da Avenida e a terra removida do local foi utilizada para aterrar o antigo leito do córrego do Acaba Mundo, retificado e canalizado para a Avenida Afonso Pena entre a Rua Professor Morais e o Parque Municipal, obra realizada no mesmo período.Notrecho aberto entre a Praça 21 de abril (Praça Tiradentes) e a Praça do Cruzeiro (Praça Milton Campos) a Avenida se caracterizou pela predominância de casas residenciais, ainda presentes na paisagem urbana. É bom ressaltar que muitas delas já existiam mesmo estando a via ainda inacabada até 1927.O trecho abaixo da Praça Tiradentes continuou apresentando uma função mista, com de casas comerciais, terrenos e edifícios institucionais, esses últimos concentrados na sua maioria nas proximidades do Parque Municipal.

Afonso Pena x Bahia em outubro de 1927. Acervo APM

Demonstração de um veículo de limpeza de vias em frente a Usina de Gás Pobre na Avenida Afonso Pena no ano de 1928. Ao fundo a Escola Normal. Acervo APM

Canal do córrego do Acaba Mundo no trecho correspondente ao cruzamento da Rua Rio Grande do Norte, nos anos de 1928/1929. Acervo APM

Obras de terraplenagem dos metros finais da Avenida no ano de 1928. Acervo APM

Praça Sete de Setembro no final da década de 1920: detalhes do cotidiano de uma cidade pensada para os seus habitantes. Acervo University of Wisconcin/Milwaukee Libraries Avenida Afonso Pena, no trecho entre Avenida Amazonas e Rua Tamoios. Acervo University of Wisconcin/Milwaukee Libraries

A verticalização de BH teve início justamente no bairro comercial, sendo que em 1930 praticamente não existiam mais lotes vagos na Avenida Afonso Pena, de acordo com a Planta Cadastral de 1928/1929. É bom ressaltar que em outubro de 1922 a Prefeitura lançou o regulamento de construções na capital, que permitia o aumento da densidade da área central, incentivando a sua verticalização. O concreto armado, que já era empregado desde os anos 1920 nas construções de pontes, reservatórios e de alguns pequenos edifícios, grande parte deles localizados na Rua dos Caetés, teve de fato regulamentado o seu uso no ano de 1933 a partir do Decreto Nº. 165. Nesse mesmo decreto a capital sofreu alterações em relação ao seu zoneamento. Anterior ao decreto, em 1932 foi inaugurado o CinemaBrasil, decretando o fim da “era do tijolo” e dando início a “era do concreto armado” em Belo Horizonte. O prédio do Cine Brasil, localizado na Praça Sete, consolidou um estilo arquitetônico amplamente adotado na capital nos anos 1930 e 1940: o estilo Artdéco, que traz como características marcantes a base retangular e os frisos horizontais em baixo relevo. A regulamentação do uso do concreto armado mostrou as suas consequências pouco tempo depois da publicação do decreto. Em 1935 foi inaugurado o edifício Ibaté, o primeiro “arranha céu” de Belo Horizonte construído no cruzamento da Rua São Paulo e Avenida Afonso Pena. Com a sua construção teve início a substituição das construções de finalidade residencial na região central, em particular as casas residenciais e comerciais na Avenida Afonso Pena.

A verticalização permitiu um maior adensamento da região central e abriu caminho para a verticalização desenfreada das décadas seguintes, embasado pelas sucessivas mudanças no Regulamento de Construções.

Além do Ibaté e do Cine Brasil, ambos construídos na Afonso Pena, outros edifícios, todos destinados ao uso comercial e construídos no mesmo período selaram definitivamente a mudança espacial da capital, adensando a área central e consolidando o modernismo que, graças ao concreto armado, alterou profundamente a paisagem urbana na região central de Belo Horizonte, se irradiando para os bairros adjacentes nas décadas seguintes.

A avenida permaneceu nas duas décadas seguintes de acordo com o projeto original da CCNC, ou seja, dentro dos limites da Avenida do Contorno. O prolongamento de 1940 era visto como uma larga estrada de terra que terminava um pouco acima da caixa d’água do Cruzeiro. 9 p.26.

As obras foram interrompidas pouco tempo após o seu início, se resumindo a abertura de um trecho de 700 metros. Com a interrupção do prolongamento da Avenida o trecho se converteu em um dos caminhos utilizados pelos moradores das Favelas do Pindura Saia e Santa Isabel para se chegar a Avenida do Contorno e aos serviços de transporte público dos bairros Serra e Anchieta. O corte realizado na serra para o prolongamento foi posteriormente ocupado por diversos barracos pertencentes a Favela do Pindura Saia. Essa obra fazia parte do projeto das grandes avenidas radiais proposto pelo Engenheiro Lincoln Continentino, plano adotado parcialmente por Juscelino Kubitscheck, que acabou por concentrar as obras na região da Pampulha, a abertura da Avenida Antônio Carlos. É bom ressaltar que a Avenida Afonso Pena não é uma via radial e sim uma via arterial.

No início da década de 1940, na gestão Juscelino Kubitscheck, teve início o prolongamento da Avenida para além da Avenida do Contorno, com a finalidade da melhoria da comunicação viária entre a capital e a cidade de Nova Lima e para o Rio de Janeiro. As obras de prolongamento também previam a construção de um túnel na Serra do Curral, obra nunca realizada, como se lê no trecho extraído do relatório de 19429: “EmdemandadaSerradoCurral,fizemosprolongaraAvenidaAfonsoPena,numa extensãode382metros,afimdequesefacilitealigaçãodestacapitalaomunicípiodeNovaLimaedaliàcapitaldaRepublica,atravésdeumTúnelemestudoseque, realizado,seráumadasmaioresobrasdaengenhariabrasileira”.

Prolongamento da Avenida Afonso Pena no ano de 1941. As obras foram paralisadas pouco tempo após o registro, uma obra vendida como solução para o trafego intermunicipal e mesmo para a ligação com a capital federal, realizada até então pela velha estrada de Nova Lima. À direita a Favela do Pindura Saia. Acervo APCBH Afonso Pena 1940, por ocasião da visita de Getúlio Vargas. Acervo Agência Nacional

Cenas pitorescas da Avenida Afonso Pena entre os anos de 1937 e 1941: À esquerda obras do polêmico asfaltamento da avenida, realizada no ano de 1941 a partir da retirada do pavimento de paralelepípedos, reassentados na zona suburbana da Abaixocapital.àesquerda o edifício Guimaraes no ano de 1937, à direita o abrigo de Bondes da Praça Sete, que começava a figurar como o principal espaço de articulação viária de Belo Horizonte. Acervo APCBH

Desde o edifício Guimaraes, década de 1940. APCBH/ASCOM

A Avenida no ano de 1946. À esquerda o edifício Acaiaca em construção. APCBH/ASCOM

Noturno

Perspectiva da capital desde o alto da Afonso Pena, 1936. Acervo MHAB da avenida nos dourados anos pré metrópole. Acervo APM

1960: Arborizada Avenida Afonso Pena para o Norte. Em primeiro plano os contrastes arquitetônicos da eclética e desaparecida Delegacia Fiscal,

MinasUniversidadeArquiteturadeFotodocumentaçãoAcervoemÀdemoliçãoUsinaDetalheAfonso1960:umsurgiammodernosPrefeitura,Correiosprotomodernismoodoseaartdeconianavizinhosaosarranhacéusquenapaisagemcomotoquedemágica.ArborizadaAvenidaPenaparaoSul.paraoedifíciodadeGásPobreemàesquerda.direitaoedifícioPilarconstrução.LaboratóriodeSylvioVasconcellos/EscoladedaFederaldeGerais

Matérias publicadas na revista Três Tempos nos anos de 1962 referente a retirada do obelisco da Praça Sete e a sociabilidade, serviços e singularidades encontradas ao longo da avenida. O monumento, os Fícus e a conversa mansa e despretensiosa cederam o seu lugar para a vida agitada e individualista da metrópole que se consolidava. Hemeroteca Histórica de Minas Gerais

Nua e cinzenta Afonso Pena no ano de 1965: no lugar do verde o automóvel. Arquivo DET/Arquiteto Paulo Campos Cristo/Leonardo Gabriel Campos de Oliveira Torres

Um ano antes do corte definitivo dos Fícus, em julho de 1962 foi retirado da Praça Sete o monumento comemorativo do centenário da Independência, sob alegação que obstruía o já caótico transito no cruzamento das Avenidas Amazonas e Afonso Pena, o “epicentro” da capital mineira. No mesmo local foi construído um novo monumento aos fundadores de Belo Horizonte, retirado em 1972 para a desobstrução completa da avenida10 .

A década de 1960, em particular o ano de 1963 foi marcado por uma das mais profundas transformações da paisagem urbana de Belo Horizonte: o corte dos Fícus da Avenida Afonso Pena, com a justificativa da melhoria do fluxo viário na região central e da extinção dos “tripés”, praga que acometia os Fícus desde o final da década de 1950. A arborização da Afonso Pena era a marca registrada da capital mineira e o seu desaparecimento da noite para o dia deixou marcas profundas na sociedade, que podem ser vistas até os dias atuais, nas lembranças dos moradores contemporâneos ao corte.

As profundas transformações da paisagem urbana ocorridas nas décadas de 1960 e 1970 acabaram por descaracterizar a Afonso Pena, antes vista como um dos mais importantes cartões postais de Belo Horizonte, ponto de encontro da população, local de construção de uma sociabilidade, de manifestações 10

Considero o ano de 1963 como o ano da consolidação do automóvel como prioridade nas políticas voltadas para a mobilidade urbana em Belo Horizonte, um processo que se iniciou no final da década de 1950 e que perdura até os dias atuais. Como ocorrido na desobstrução da Avenida Afonso Pena e na cobertura dos córregos, grande parte da imprensa foi a favor, assim como a população belorizontina, dividida quando o Obelisco comemorativo voltou para a avenida em 1980. A ideia de que um pequeno monumento prejudica a mobilidade é um atentado ao bom senso e a inteligência.

A Avenida e suas arvores haviam sobrevivido praticamente intactas as transformações ocorridas em seu entorno durante a primeira metade do século XX, mas não sobreviveram ao processo de metropolização da capital mineira iniciado na década de 1950, responsável pelas mudanças na paisagem urbana que também sepultaram os principais cursos d’água da capital no período com o intuito do alargamento das vias.

Com a criação da Ferrobel no ano de 1963 na Serra do Curral, todas as terras delimitadas por uma extensa cerca que existiu nas proximidades da Avenida Bandeirantes passaram a pertencer a essa Companhia, com a finalidade da expansão da exploração do minério de ferro ao longo dos anos. Porém, em 1966 foi criado o Parque das Mangabeiras nos terrenos onde a Ferrobel havia apenas iniciado a sua exploração. Com o decreto, a Ferrobel entregou para a iniciativa privada os terrenos de sua propriedade, que se localizavam abaixo da Mina das Mangabeiras, com a finalidade de se criar um grande loteamento visando às classes mais abastadas da capital, que nesse momento fugiam da iminente congestão urbana da região central e bairros adjacentes. No ano de 1966, visando melhorar a comunicação viária entre o recém criado bairro Mangabeiras e a zona central da capital, foram retomadas as obras de prolongamento da Avenida Afonso Pena a partir do encascalhamento da via e posterior asfaltamento da via até a Praça da Bandeira inaugurada em 1966, antes mesmo da retomada das obras, e a construção da Praça Milton Campos inaugurada em 1972. As obras também tinham ainda como objetivo a urbanização das terras ocupadas pelo Pindura Saia e Vila Santa Isabel, fragmentadas e praticamente extintas no período entre 1968 e 1975. A extinção de grande parte do Pindura Saia 11 Muitas das reformas realizadas na Praça Sete visavam reprimir as manifestações públicas que ocorrem no local desde as primeiras décadas de existência de Belo Horizonte. O local continua a ser o principal ponto de encontro para as manifestações e protestos populares.

populares11 e de resistência. Ela havia se tornado uma via rápida, onde reinavam a pressa e o não relacionamento, o clímax da congestão urbana, um local cuja prioridade passou a ser do automóvel e não do pedestre.

Em meio a metropolização e congestão urbana da região central, o tecido urbano da capital começou a se expandir para as partes mais altas do município, no sopé da Serra do Curral. Nessa expansão a Avenida Afonso Pena teve um papel central, por permitir uma melhor mobilidade entre o centro e a região sul. Segue um breve histórico sobre a expansão urbana para as vertentes curralinas

permitiu a expansão do bairro Cruzeiro, a abertura de diversas ruas e a construção do Mercado do Cruzeiro no ano de 1975.

A canalização das cabeceiras do córrego das Mangabeiras no período 68/72 permitiu o prolongamento da avenida além da Praça da Bandeira, batizada como Avenida Agulhas Negras, que termina no sopé do paredão da Serra do Curral, tornando se o principal acesso para o Parque das Mangabeiras, inaugurado em 1982. O prolongamento da Avenida Afonso Pena, assim como na sua porção inserida dentro da Avenida do Contorno, continuou a apresentar uma função mista com a presença, inclusive, de edifícios institucionais.

A verticalização, expandida para os bairros que cresceram no seu entorno contribuíram, assim como os grandes edifícios existentes ao longo da avenida, para o aumento da temperatura na região central, em particular a Praça Sete, marcozerodo hipercentro de Belo Horizonte, que se apresenta como uma “ilha de calor” devido ao excesso de edifícios, intensa impermeabilização do solo e a vegetação escassa, praticamente resumida ao canteiro central da avenida12 . Desde a finalização da Avenida Afonso Pena na década de 1970, a via continua a exercer o papel de principal eixo articulador da zona urbana inserida dentro da Avenida do Contorno. Com pouco mais de quatro quilômetros de extensão a Avenida, que anteriormente concentrava o cérebro econômico do município, é responsável pelo recebimento do fluxo viário de grande parte das zonas sul e oeste da capital, abrigando ainda a Estação Rodoviária, o Parque Municipal e a sede da Prefeitura. 12 Não se incluem aí o Parque Municipal e as partes mais altas da avenida que, apesar de estarem completamente urbanizadas ainda apresentam um clima mais ameno do que a Praça Sete, situada a uma altitude menor do que os bairros ao sul da avenida. Recomendo a leitura da tese de Magalhaes Filho, Ilhadecalorurbana, cuja referência se encontra no final deste livro.

O prolongamento da avenida, finalizado na primeira metade da década de 1970 alterou o plano inicial da via, que transpôs o “muro imaginário” estabelecido pela CCNC materializado pela Avenida do Contorno e levou os equipamentos urbanos para as áreas antes ocupadas pelas primeiras favelas da capital.

Acima: Favela do Pindura Saia na década de 1960. Ao fundo a caixa d’água do Abaixo:Cruzeiro.prolongamento da Avenida Afonso Pena nos anos de 1966 (E) e 1973 Acervo(D). Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos/ Escola de Arquitetura UniversidadedaFederal de Minas Gerais APCBH/ASCOMe

Antiga Praça do Mercado, porção inicial da finalAfonsoAvenidaPenanodadécadade1960. O espaço daria lugar a Praça Rio Branco nos anos APCBH/ASCOMseguintes.

Perspectiva da Avenida Afonso Pena no ano de 1972, pouco tempo após a desobstrução da via para a livre circulação dos veículos automotores. Acervo Agência Nacional.

Gerais.FederalUniversidadeArquiteturaEscolaVasconcellos/SylvioFotodocumentaçãodedededadeMinas

Apesar dos 115 anos e das transformações sofridas ao longo das décadas, a Avenida Afonso Pena continua exercendo a função para a qual foi criada: a artéria principal da cidade planejada, responsável pela ligação direta entre a parte mais baixa da capital, localizada na calha do Ribeirão Arrudas às partes mais altas, no sopé da Serra do Curral, os dois marcos geográficos da cidade planejada, atravessado e canalizando os fluxos provenientes dela, tanto populacional quanto viário. Sem dúvida uma Avenida que apresenta grandes contrastes e diversidades ao longo de sua existência. As formas da paisagem urbana são diversas e segundo Milton Santos “éa materializaçãodeuminstantedasociedade”.

Apesar da sociedade e dos agentes urbanos interferirem e modificarem o meio urbano de acordo com suas Árida Afonso Pena, LaboratórioAcervo1974.

dehojeondeterminavaaAvenidaAfonsoPenaeganhávamosocampodefutebolondeestáaPraçaMiltonCampos(ele,nessetempo,nãopraça,nãoestatua,àsvezesconosco).DopédatorredealtavoltagemedaCruzdemadeiraquevinhaoapelidologradouroolhávamosacidade.VíamosaAvenidaAfonsoPenacomoaCamposElíseosdecimadumArcodoTriunfo.Estéril,demoledosolferinoeterraescarlate,semcalçamentoecomasbeiradasescavadaspelaerosãodasgrandeschuvasque faziamsulcoscaprichososcomonegativosdecordastorcidas”.

Da primitiva avenida, o principal eixo de articulação viária de Belo Horizonte e palco principal das construções e demolições constantes que caracterizam a capital em eterna construção, restam às imagens e os relatos de quem a viveu intensamente, como o escritor Pedro Nava: “Íamosaooutroextremodacidade subindoaoCruzeiro.Galgávamosobarranco

necessidades, a Avenida Afonso Pena exerceu ao longo do século XX a função de eixo irradiador do crescimento urbano da capital mineira, mais especificamente nas zonas conectadas diretamente a ela através dos eixos viários.

Já no hipercentro de Belo Horizonte, uma parte das edificações se encontram tombadas, uma tentativa de perpetuar os diversos períodos de ocupação da avenida e do seu entorno, amenizando a perda da identidade local por parte da sociedade, abalada desde a década de 1960 com o processo de metropolização e com o automóvel passando a ser o protagonista das políticas urbanas da capital.

FernandoFoto:dodesdeAfonsoAvenidaPenaaSerraCurral.ArquitetoGóes

Praça Sete de Setembro 1949. Acervo Augusto Guerra Coutinho

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