Sobre o Autor Alessandro Borsagli é graduado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Mestre em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial (PPGG-TIE) da PUC Minas. Pesquisador atuante nas áreas relacionadas ao espaço urbano, com ênfase em Geografia Urbana e Geografia Histórica. Autor do site Curral del Rey, destinado a discussão sobre as mudanças ocorridas no espaço e na paisagem urbana de Belo Horizonte e autor de diversos livros sobre a capital das Minas Gerais.
Casa sede da Chácara de Guilherme Vaz de Mello (Chácara do Sapo/Parque Municipal) no ano de 1895. A casa serviu de residência para o engenheiro-chefe da CCNC Aarão Reis, nos anos de 1894 e 1895. Fonte: MHAB acervo CCNC
Capa Alessandro Borsagli Imagem Capa Panorama do arraial, 1894 Émile Rouède Contracapa Alessandro Borsagli Imagem Contracapa Paisagem do arraial de Bello Horizonte Honório Esteves Imagem Sumário Arraial de Bello Horizonte, 1894 Acervo MHAB Página 13 Mapa de Belo Horizonte, 1922 Acervo Alessandro Borsagli Transcrição Processo 285 a 293 Nayara Domingues Cardoso Última Página Fazenda do Leitão 1960 Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos
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Borsagli, Alessandro Arraial de Bello Horizonte : a ruralidade da nova capital de Minas / Alessandro Borsagli. -- Belo Horizonte : Edição do Autor, 2019. 136 p.: il. Inclui referências. ISBN 978-85-920509-8-6 1. Cartografia - História - Belo Horizonte (MG). 2. Iconografia - Belo Horizonte (MG). 3. Geografia histórica - Belo Horizonte (MG). I. Título. CDD 918.511 Ficha catalográfica elaborada por Christiano M. Ribeiro Quadros. Registro: MG-002649/O
Alessandro Borsagli. Direitos reservados. Conteúdo sob licença Creative Commons (CC-BY-NC). Pode ser reproduzido para fins não comerciais, desde que sejam citados o autor e a fonte. Para a utilização das imagens dos acervos, em caso de dúvida, favor entrar em contato com o Autor, pois se encontram protegidas pelos dispositivos legais. Contato do Autor: borsagli@gmail.com
Sumário Agradecimentos.........................................................................................................11 Prefácio.....................................................................................................................15 Entre edifícios e ruralidades......................................................................................17 Invisível ruralidade: as velhas fazendas da urbe curralense ...................................21 Propriedades rurais do limite sul do arraial de Belo Horizonte ................................63 Referências ..............................................................................................................115 Transcrição de parte dos documentos de desapropriação reunidos pela CCNC no ano de 1894 referentes a Fazenda Capão ......................................................................119 Descrição física dos terrenos e limites da Fazenda do Cercadinho (1894)...............130
Agradecimentos Agradeço a todos os leitores e apoiadores dos trabalhos publicados no Curral del Rey e em outros meios, assim como todos que ajudaram na divulgação do projeto que, a partir da perspectiva geográfica histórica, busca desenterrar uma Belo Horizonte esquecida e escondida em meio aos escombros seculares do processo de desenvolvimento urbano. Agradeço ao amigo e orientador do meu Mestrado, Professor Dr. José Flávio Morais Castro, exímio cartógrafo e geohistoriador, pelas orientações e observações que me proporcionaram atingir os resultados que serão apresentados na presente publicação. Agradeço ainda aos demais professores e aos funcionários do Programa de Pós-Graduação em Geografia – Tratamento da Informação Espacial (PPGG-TIE PUC Minas), onde a pesquisa se desenvolveu entre 2017 e 2019. Agradeço por todo o suporte técnico e acadêmico e ao CNPq pelo suporte financeiro ao longo do Mestrado. Agradeço ainda a Flávio Edenlar Pereira da Silva, bisneto de Cândido Lúcio da Silveira (antigo proprietário da Fazenda do Leitão), por informações importantes que ajudaram no resgate da memoria sobre as terras das antigas propriedades rurais curralenses e da Lagoa Seca e ao amigos Geógrafos e Professores Diego Contaldo de Lara, Rodrigo Guedes Braz Ferreira, Erick de Oliveira Faria e Fernando Costa, que me alertou sobre a reminiscência do Cerrado no bairro Trevo no ano de 2015. Agradeço também aos museus e aos acervos disponibilizados para a realização da pesquisa, em particular ao Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos, a Hemeroteca Histórica, ao IBGE, aso Museu Imperial, a Biblioteca Nacional, a Agência Nacional, ao Arquivo Público Mineiro, ao Museu Histórico Abílio Barreto e ao Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, pela ajuda e pela cessão dos documentos e imagens que ilustram o livro, referentes ao processo de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte e a toda mudança paisagística. Agradeço a todos as funcionárias, funcionários e colaboradores que deram o suporte imprescindível para a realização das pesquisas. Por fim agradeço a Fernanda Medeiros Borsagli, minha querida esposa e professora, companheira de vida e de pesquisas por tudo, pela paciência em me acompanhar nos ininterruptos trabalhos, pelos campos e pelos perrengues que já passamos nesta primeira década de pesquisas, e pelas oportunas observações de sempre.
Minas Geraes: Serras perto de Bello Horizonte. Retrato fotogrĂĄfico sobre vidro. Descoberto, identificado e adquirido pelo Autor na Ă ustria, 2017.
Mostre-me um geógrafo que não precisa constantemente dos mapas e não os usa, e eu terei minhas dúvidas se ele fez a escolha certa na vida. O mapa fala através das barreiras de língua. CARL SAUER
Prefácio No final do século XIX, a cidade de Ouro Preto não conseguia mais atender às demandas crescentes da capital de Minas Gerais. O crescimento econômico e a criação de municípios exigiam uma cidade que comportasse a infraestrutura administrativa da capital – executiva, legislativa e judiciária. Várias pesquisas foram realizadas no processo de definição da nova capital mineira até se concluir que a construção seria no Arraial de Curral del Rey. As consultas realizadas por Alessandro Borsagli nos órgãos públicos indicaram a falta de informações sobre a infraestrutura de Curral del Rey, antes da chegada da Comissão da Construção da Nova Capital (CCNC), que o despertaram para as pesquisas, especialmente quanto à desapropriação de fazendas tradicionais, a maioria delas conquistadas por meio de doação de sesmarias. O livro “Arraial de Bello Horizonte: a ruralidade na nova capital de Minas”, de autoria de Alessandro Borsagli, está estruturado em três partes: entre edifícios e ruralidades; invisível ruralidade: as velhas fazendas da urbe curralense; e propriedades rurais do limite sul do arraial de Belo Horizonte. Na primeira parte, o autor apresenta o objeto da pesquisa e observa que, desde a infância, era instigado por inquietações sobre as origens de Belo Horizonte. Assim, as primeiras pesquisas surgiram entre 2008 e 2010, especialmente após os levantamentos de documentos cartográficos, que levaram o autor a realizar a graduação e a pós-graduação em Geografia na PUC Minas. Na segunda parte, o autor localiza e caracteriza as principais fazendas, indicando os respectivos proprietários, com algumas plantas de desapropriações da “urbe curralense”. Apresenta ainda, por meio de um rico acervo fotográfico, as principais sedes de fazendas do arraial de Curral del Rey, ladeadas por personalidades mineiras da época; e, conclui com as principais modificações aí ocorridas ao longo do tempo. Na terceira parte, com uma cartografia detalhada das propriedades rurais do limite sul em cartas topográficas, escala 1:24.000, as principais fazendas foram georreferenciadas e representadas por meio de mapas temáticos. O livro apresenta, ainda, farta documentação nas formas textual, fotográfica e cartográfica, fundamentais para a análise pretérita de Belo Horizonte. A maioria da documentação foi georreferenciada em ambiente de geoprocessamento, constituindo banco de dados digitais históricos sobre a capital mineira. Nos anexos, o autor apresenta a transcrição de documentos históricos sobre a desapropriação da Fazenda Capão pela CCNC e a descrição física dos terrenos e limites da Fazenda do Cercadinho, no ano de 1894.
Para finalizar, tive o prazer de conviver com Alessandro durante o processo de orientação de mestrado, e ele se revelou um aluno comprometido, profissional e competente, adjetivos que são fundamentais para um pesquisador. Com vários livros publicados sobre Belo Horizonte, o autor desenvolveu um rico e importante acervo de documentos sobre a cidade de que poucos órgãos públicos dispõem, tais como: manuscritos, mapas, fotografias, livros, revistas, matéria de jornais, etc. Assim, o livro traz contribuições relevantes para as pesquisas voltadas às origens de Belo Horizonte e ao planejamento. Boa leitura! José Flávio Morais Castro Doutor em Geografia, Prof. Adjunto IV do Programa de Pós-Graduação em Geografia/Tratamento da Informação Espacial (PPGG-TIE) Pontifícia Universidade Católica (PUC-Minas) Outono de 2019
Entre edifícios e ruralidades “Campo” e “cidade” são palavras muito poderosas, e isso não é de estranhar, se aquilatarmos o quanto elas representam na vivência das comunidades humanas. Raymond Williams, 1973.
Aglomerado Santa Lúcia no ano de 2007. No canto inferior esquerdo a Casa da Fazendinha, em meio ao colorido das casas emoldurada pelas cores de abril. Acervo do Autor
Belo Horizonte, apesar de ser uma das principais metrópoles brasileiras, ainda conserva em sua paisagem urbana inúmeros elementos que remetem a uma não tão distante ruralidade. Lembro que em minha infância, na década de 1980, então um barranqueiro do Leitão, eu brincava muito na barragem Santa Lúcia, então um buraco onde o córrego do Leitão, canalizado em quase todo seu percurso, ainda via a luz do Sol correndo em meio ao matagal e aos caminhos de terra surgidos a partir das vultosas movimentações de terra na região e na própria barragem, e sob às vistas de um casarão relativamente conservado, que chamava a atenção pela sua beleza e singularidade em meio ao interessante emaranhado de casas do Papagaio e que ao mesmo tempo me remetia a sensação de estar vendo alguma propriedade rural que por ali existiu em algum momento de Belo Horizonte, ainda que essa noção fosse embrionária.
Uma sensação que pode parecer estranha para um infante que já prestava atenção na cidade, em suas serras, suas águas e em seus edifícios, mas que como qualquer mineiro, seja das minas ou das gerais, carrega em suas veias o rural, uma vez que Minas Gerais e a sua população possuem como uma de suas principais características a bucólica ruralidade, ainda que eu tenha nascido em um momento em que Belo Horizonte já possuía mais de um milhão e quinhentos mil habitantes, sendo grande parte de origem rural. Essas percepções da infância me acompanharam durante todo o processo de formação social, intelectual e acadêmica, tanto que, no ano de 2007, ao passar pela barragem Santa Lúcia, realizei a foto que ilustra essa pequena introdução, em um período em que os estudos realizados por mim sobre Belo Horizonte se encontravam no início. A Fazendinha e as suas origens foram um dos primeiros estudos que iniciei entre os anos de 2008 e 2010, e na total falta de informações sobre a sua construção e paisagens pretéritas, vários mistérios começaram a pairar sobre minha cabeça e sobre a região, que é uma pequena parte do que anteriormente eram as Fazendas Capão e Leitão, desapropriadas no ano de 1894 pela Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC). As indagações me levaram a expandir no ano de 2011 a pesquisa para além da Fazenda Capão, que no ano de 1894 fazia limite com as fazendas do Leitão e do Cercadinho, além da Lagoa Seca, uma lagoa cárstica que desapareceu, ao que tudo indica, na década de 1950. Ademais, a falta de informações sobre a região, correspondente ao período pré-CCNC e o desaparecimento de documentos importantes, relacionados à desapropriação da Fazenda Capão, me levaram a interromper a pesquisa inúmeras vezes, visto a impossibilidade de confirmar datas, posições geográficas e limites que constam no dossiê de tombamento da Casa da Fazendinha, mas que me pareciam inconcebíveis com a realidade. Nesse contexto, quando a pesquisa chegou à região da Lagoa Seca, atualmente uma das porções de terra mais valiosas do município de Belo Horizonte e de passado duvidoso, me vi em meio a disputas entre os herdeiros da Fazenda do Cercadinho e os atuais donos do solo, o que contribuiu ainda mais para a extraordinária questão das propriedades rurais do limite sul do arraial de Belo Horizonte, antigo Curral del Rey. Nesse contexto, em meio ao material de pesquisa deixado pela CCNC, como os documentos de desapropriação, as cadernetas de campo e extensa cartografia cadastral do arraial de Belo Horizonte e entorno, cartografia esta que até hoje não entendi como que elementos que se encontram representados nas plantas (dos quais dei indícios em um artigo sobre o vale do Leitão em 2011 e em um artigo no Curral del Rey sobre a Casa da Fazendinha em 2012/2014) não chamaram a atenção dos pesquisadores até o presente momento, o que demonstra a necessidade da realização de pesquisas de cunho interdisciplinar que abordem a importância e a necessidade do estudo, da análise cartográfica e dos elementos contidos nas cadernetas, guardiãs de informações até então não exploradas pelas pesquisas, faltavam elos para reunir novamente a sequência deixada pela CCNC para a posteridade. No entanto, a tecnologia e a ciência, tão importantes para o nosso bem-estar e ao mesmo tempo tão mal utilizadas e marginalizadas perante uma sociedade maniqueísta, me ajudou a compreender a rocambolesca questão. Nesse sentido, em meio às pesquisas e a elaboração dos mapas que se encontram em minha dissertação de mestrado, defendida no ano de 2019 no PPGG-TIE PUC Minas, pude finalmente retomar a questão das propriedades rurais e, dentro do possível, solucionar as
inúmeras dúvidas que pairavam sobre a questão há uma década, sobre as quais aqui publico, acompanhadas de um capítulo sobre as velhas fazendas da urbe mineira, similar ao publicado no vol. 1 do livro Sob a sombra do Curral del Rey e os documentos relativos ao processo 285 da CCNC, muitos deles desaparecidos e obtidos através de microfilme, além de uma interessante descrição física dos terrenos da Fazenda do Cercadinho. Nesse sentido, a cartografia foi de grande importância para a obtenção dos resultados que apresento neste livro, uma vez que os mapas são a representação do espaço geográfico e segundo Scalzitti (2011) carregam junto de si, além de informações de localização e descrição, detalhes que podem passar despercebidos para a maioria dos leitores e que podem conter considerados traços políticos, sociais e econômicos do período em que foi elaborado, traços que estendo para o campo da fotografia produzida para fins políticos e de propaganda oficial, uma vez que foram realizadas de acordo com os interesses políticos dos diversos períodos de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte, como observei no livro Belo Horizonte em pedaços, no ano de 2016 e sobre a qual se falará adiante. Os mapas históricos exercem ainda a função de arquivos temporais para um dado espaço geográfico, na qual a possibilidade de recuperação de informações de um período específico se torna concreta (SANTOS et al, 2015). Ou seja, todo o trabalho legado à posteridade pela CCNC, tanto documental quanto cartográfico, contém informações que possibilitaram a elucidação das lacunas geográfico-históricas que pairam sobre as terras situadas fora da grade ortogonal da Cidade Oficial, assim como a identificação de elementos do período do arraial que ainda figuravam na paisagem urbana de Belo Horizonte ao longo dos séculos XX e XXI, como o traçado da Lagoa Seca, as valas de demarcação das antigas propriedades rurais e os fragmentos das antigas estradas que conectavam o Curral del Rey aos núcleos urbanos que se encontravam dentro e fora da Freguesia, cuja existência se confirmou a partir da aplicação de técnicas de geoprocessamento nos mapas históricos e nas imagens aéreas dos anos de 1953 e 1967. A descoberta e aquisição de um slide fotográfico de vidro na Áustria, ocorrida no ano de 2017, contribuiu de maneira significativa para a pesquisa, uma vez que, até o presente momento, é desconhecida a existência de imagens da Lagoa Seca, imagem já publicada em trabalhos anteriores e que com muito gosto divulgo aqui, ressaltando que a cartografia da CCNC foi fator determinante para a identificação da imagem, assim como a pesquisa de campo que realizei em 2017 na Serra do Curral, motivada pela busca da identificação do local exato da imagem e dos marcos geodésicos da CCNC, dos quais ainda existem vestígios nas cabeceiras do Cercadinho e na Serra do Curral. As imagens de paisagens urbanas pretéritas possuem na atualidade grande valor nostálgico, de memória e até mesmo de competitividade, se estendermos a questão para as redes sociais, mas para o pesquisador do campo da Geografia Histórica elas possuem um valor inestimável que não se resume à contemplação, uma vez que estão ligadas de maneira direta à necessidade de se olhar para o passado para o entendimento do presente. A pesquisa iconográfica urbana, sob o olhar geográfico-histórico, permite não só a busca pela reconstrução temporal da paisagem urbana, surgida a partir da adaptação do meio pela sociedade, que o modifica a partir das suas necessidades, valores e interesses, mas também a identificação de elementos que contribuem para o entendimento não só das transformações urbanas e da maneira em
que o espaço era ocupado, mas também transformações econômicas, sociais e políticas, ao mesmo tempo em que a fotografia e os ângulos e perspectivas registrados pelos fotógrafos oficiais podem ser considerados itens primordiais para a compreensão de como que o poder público procurou registrar a cidade e as suas políticas, anseios e realizações, assim como os fotógrafos que não possuíam ligações com a política buscaram registrar as transformações urbanas e fatos do cotidiano, muitas vezes a partir de um olhar artístico, urbano, acadêmico e empírico. Ressalta-se ainda a necessidade de se publicar o presente trabalho em forma de livro, uma vez que as pesquisas sobre o rural e a Lagoa Seca, iniciadas há pouco mais de uma década e finalizadas ao mesmo tempo e graças à dissertação, (se encontrando parcialmente publicada na pesquisa que aborda a evolução urbana de Belo Horizonte e as intervenções na rede hidrográfica, visto que as propriedades possuíam como marco divisório o interflúvio Leitão/Cercadinho/Chácara), chamou a atenção de indivíduos de horizonte limitado, que ao se deparar com um trabalho que até então não havia sido realizado em Belo Horizonte sob essa perspectiva, proferiu críticas desembasadas, elogios calculados e contradições que despertaram, a partir de minhas experiências, a necessidade de se publicar de maneira rápida as pesquisas realizadas até então sobre o rural da capital de Minas Gerais e a sua porção sul. De maneira sucinta, gostaria ainda de observar que o artigo referente à Fazendinha, publicado no mês de outubro de 2012 no Curral del Rey e republicado em janeiro de 2014, cuja referência se encontra no final do livro, apresenta alguns erros que me levaram a retira-lo do ar no ano de 2017, no momento em que as pesquisas sobre a região voltaram a avançar. No entanto, a partir de reclamações kafkianas, ocorridas no mês de março de 2019, resolvi liberar o acesso a eles, ainda que se encontrem com diversos erros. Observo ainda que a afirmação erro histórico que se encontra nos artigos do Curral del Rey publicados em 2012/2014, (onde o mesmo kafkiano desinformado, ou iludido, afirmou que o termo foi “usurpado” por mim a partir de um trabalho que me foi negado a leitura pela autora e elaborado três anos após a publicação do meu primeiro artigo sobre a Casa da Fazendinha), surgiu a partir de uma matéria veiculada por um jornal da capital e publicada no dia 21 de maio de 2012 que claramente se baseia no processo de tombamento da Casa da Fazendinha (1992). Ou seja, entre erros, acertos e outros pormenores que há uma década coloca a paciência do pesquisador à prova, o segundo capítulo deste livro visa corrigir os erros existentes nos artigos de 2012 e 2014 e apresentar novas informações sobre o casarão, sentinela de um passado onde o rural predominava nas vastas porções de terra ocupadas pelas colônias agrícolas limítrofes à Avenida do Contorno. Nesse contexto, gostaria de frisar que a pesquisa se desenvolveu no período em que me encontrava como bolsista de Mestrado do CNPq, ou seja, me sinto na obrigação de disponibiliza-la de maneira gratuita, coisa que já faço com muito gosto no Curral del Rey, ao mesmo tempo em que a versão impressa está sendo vendida a preço de custo na editora, ressaltando que o autor que vos escreve não recebe um centavo das vendas da versão impressa. Enfim, com a publicação desse trabalho, que é parte de um todo que merece ser pesquisado de maneira mais sistemática, espero estar contribuindo com a elucidação de mistérios e lacunas que rondam há mais de um século as terras altas do município de Belo Horizonte.
Fazenda do LeitĂŁo 1939. Acervo MHAB
Introdução Quase todos os bairros de Belo Horizonte nasceram da partilha ou ocupação das terras das antigas fazendas ou sítios, muitos centenários, que abasteciam a capital e dos pequenos povoados que forneciam víveres e se interagiam com o meio do qual as sociedades estavam se afastando. Quando se imagina que até pouco tempo atrás existiram propriedades rurais na capital das Minas Gerais, teoricamente e oficialmente 100% urbano há décadas, a ideia de ainda existirem reminiscências rurais não tão distantes da região central soa de forma estranha aos ouvidos de uma cidade adensada, asfaltada, concretada e ao mesmo tempo de raízes provincianas e notavelmente rurais, características de uma cidade de apenas quatro gerações, resguardadas pelas barreiras naturais que acabaram por contribuir para a interioridade da sociedade belorizontina. O rural em Belo Horizonte pode ser considerado um assunto delicado, uma vez que envolve disputas judiciais entre herdeiros e invasões generalizadas, além do fato de se encontrarem esquecidas pela historiografia recente, que se concentra no desenvolvimento urbano da capital, legando as propriedades e os seus proprietárias e proprietários ao esquecimento, salvo o batismo de alguns bairros, notavelmente na bacia Onça/Izidora, com o nome dos velhos fazendeiros. Fato intrínseco da capital, a persistência do rural e a própria ruralidade entranhada na sociedade são características da velha/nova capital em seus cento e vinte anos. Pretende-se com esse capítulo contribuir para o resgate da história rural do município, viva para poucos e inexistente para muitos. Antes de mais nada, diferenciar o rural do urbano não é fácil, uma vez que características como densidade demográfica, atividades econômicas e um conjunto de serviços específicos são utilizados para a distinção entre campo e cidade, ainda que muitos centros urbanos brasileiros possuem dentro de seus limites muitas destas características interagindo entre si. O modo de vida também é utilizado como critério para se aplicar os conceitos que distinguem os espaços, apesar de muitos citadinos, que possuem modo de vida e valores predominantemente urbanos, optam por viver em locais que apresentam notáveis características rurais, uma vez que a ideia de rural remete a tranquilidade, a segurança e a uma paisagem quase natural e livre de poluição, argumentos muitas vezes utilizados para a venda de áreas urbanizadas próximas as cidades, tidas como um espaço de insegurança, poluída e congestionada. Nessa conjuntura, será abordado de forma sucinta, visto a quase inexistência de informações a respeito e a indisponibilidade dos herdeiros, muitos deles envolvidos em rocambolescas partilhas que acabam por blindar as famílias , os remanescentes rurais de Belo Horizonte, sobreviventes da voracidade metropolitana-imobiliária que acabou por engolir as dezenas de propriedades que cederam o seu espaço para a expansão do tecido urbano do município. Vocês não fazem ideia da quantidade de negativas que recebi das famílias ao pesquisar para escrever este capítulo, quase todas pelo mesmo motivo (briga de herdeiros), ou mesmo aquela ideia de “não abro a minha propriedade para ninguém”, fruto do desconhecimento da necessidade de um registro histórico em uma capital que se reinventou inúmeras vezes ao longo dos cento e vinte anos, no entanto um fato normal para o contexto de uma sociedade que ignora suas origens e acha que preservar reminiscências do passado é sinônimo de atraso.
É um assunto que merece ser pesquisado de maneira mais profunda, uma vez que o rural está presente de maneira muito forte na cultura mineira, e no caso de Belo Horizonte, cidade de pouco mais de um século de existência, os costumes e os valores de uma sociedade que se tornou predominantemente urbana há pouco mais de meio século, estão mais vigentes do que se imagina, seja no cotidiano, seja na memória, seja no espaço e na paisagem urbana da capital onde pastos, plantações, mangueiras, brumas e cursos d’água in natura se encontram vivos na memória urbana da metrópole mineira.
As propriedades rurais limítrofes ao arraial, CCNC e a nova capital Belo Horizonte surgiu sobre os escombros do arraial e das velhas fazendas curralenses. Os novos republicanos, herdeiros da velha sociedade rural do Império, eram o espelho dos seus antecessores, definindo os rumos da política da ex província, grande parte nascidos em extensas propriedades rurais erguidas e mantidas até 1888 com o suor e o sangue africano. Como visto no primeiro capítulo do livro Sob a sombra do Curral del Rey, o arraial do Curral del Rey, ao que tudo indica surgido de uma fazenda pertencente a Francisco Homem del-Rei, era rodeado de propriedades que forneciam víveres e produtos diversos que movimentavam o povoado nos finais de semana, conduzidos pelos fazendeiros que passavam a semana em suas terras, enquanto suas casas ficavam fechadas no arraial. A freguesia do Curral de Rey possuía na década de 1850 mais de uma centena de fazendas, como consta no registro de terras da Paroquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, cujo cadastro foi realizado entre os anos de 1854 e 1857 em conformidade com a Lei nº 601, ou a conhecida Lei de Terras. As declarações, sob a guarda do Arquivo Público Mineiro, revelam topônimos conhecidos e fortemente ligados à história da capital, tais como Cercado, Barreiro, Lagoinha, Bento Pires, Calafate, Leitão, Ressaca, destacando-se ainda a proprietária de terras Isidora da Costa, dona de sete alqueires no ribeirão da Onça em Venda Nova, que certamente abrangiam as margens do belo curso d’água que leva o seu nome. Nessa conjuntura, as fazendas se encontravam mais que ligadas ao cotidiano do arraial até a última década do século XIX, quando se iniciaram os estudos das localidades para a construção da nova capital. As propriedades eram apontadas pelos engenheiros como responsáveis pela quase inexistência de matas nas proximidades do Curral del Rey, destruídas pela demanda de lenha e para o aumento dos pastos ao redor do povoado . As fazendas mais próximas do arraial, concentradas na bacia do ribeirão Arrudas, foram desapropriadas ao longo dos estudos e pesquisas de campo realizadas para a elaboração da planta da nova capital, nos anos de 1894 e 1895. Segue uma breve descrição de algumas das propriedades que se encontravam dentro do perímetro delimitado pela CCNC para a nova capital:
Comissão de Estudos das Localidades, p.11.
Fazenda do Leitão – Pertencia a Cândido Lúcio da Silveira e considerada o último remanescente da época do arraial dentro do perímetro estabelecido pela Comissão Construtora. Desapropriada no ano de 1894, sua sede se transformou no período da construção em depósito de materiais e escritório, se convertendo posteriormente em viveiro de plantas sob a chancela de Leon Quet e Henri Gorceix, então inspetor geral do ensino agrícola do Estado. Poupado pelo desvio da Avenida do Contorno e pela tardia urbanização das terras localizadas ao sul da zona urbana planejada, a fazenda era na década de 1930 um casarão em ruínas. Foi transformado em museu graças aos pedidos feitos pelo historiador Abílio Barreto, inaugurado no ano de 1943 pelo prefeito Juscelino Kubitschek. É a reminiscência do período do arraial mais emblemática do município. Fazenda Capão – Pertencia a Ilídio Ferreira da Luz e compreendia uma vasta porção de terras localizadas entre os vales dos córregos do Acaba Mundo e Leitão (bairros São Pedro, Santo Antônio e parte da Savassi). Sua sede ficava nas proximidades do cruzamento da Avenida Getúlio Vargas e Rua Alagoas, às margens do córrego do Mendonça e do aqueduto que abastecia o arraial. As terras abrangiam culturas, olarias e um engenho ao lado da casa de José Ferreira da Luz, além das cabeceiras do Leitão, fazendo divisa com a Fazenda do Cercadinho. Desapropriada no ano de 1894 e parte de uma rocambolesca disputa que perdura até os dias atuais, responsável por inúmeros erros geográfico-históricos atribuídos à propriedade. Fazenda do Cercadinho – Pertencia a José Cleto da Silva Diniz, foi desapropriada no ano de 1894 para a construção do aparato destinado à captação do córrego do Cercadinho. Possuía duas sedes (antiga e nova), sendo a última construída às margens do córrego da Chácara ou Pau Grande, próximo à Avenida Barão Homem de Melo. Fazenda da Boa Vista – De propriedade de João José da Cunha e de sua esposa, Maria Angélica da Cunha, dentro do perímetro da nova capital compreendia uma vasta porção de terras de culturas e de criações, atualmente ocupadas pelos bairros Floresta e Santa Tereza, correspondente a margem norte do ribeirão Arrudas, sendo que a sua sede se localizava nas proximidades da Parada do Cardoso (bairro Santa Tereza). Ao que tudo indica, foi uma das maiores propriedades desapropriadas pela CCNC e extrapolava os limites dos marcos geodésicos, onde o bairro Boa Vista ainda conserva o seu nome. João José da Cunha possuía ainda quatro casas na Rua do Capão. Desapropriada em dezembro de 1894. Merece uma pesquisa mais detalhada, assim como a história dos seus proprietários. Fazenda do Calafate – A Fazenda do Calafate ocupava as terras compreendidas entre os córregos dos Pintos e Piteiras, correspondente à margem direita do ribeirão Arrudas (bairros Prado e Calafate). Fundada pelo português Antônio Martins da Costa Eiras, a fazenda foi desapropriada no ano de 1894 quando pertencia a Francisca da Costa Pacheco. A propriedade, denominada pela CCNC como Antiga Fazenda do Calafate, abrigava há algum tempo o povoado de mesmo nome, que se tornou anos mais tarde um dos mais prósperos bairros suburbanos da nova capital. Fazia divisa com as fazendas do Cercadinho e do Leitão.
Fazenda do Palmital – A fazenda do Palmital se estendia desde a margem esquerda do Arrudas, na porção correspondente ao bairro Carlos Prates, até as cabeceiras do córrego da Cachoeirinha, correspondente aos bairros Caiçara e Santo André, além de parte das vertentes do córrego do Pastinho. A fazenda, quando da desapropriação ocorrida em novembro de 1894, pertencia a José Carlos Vaz de Mello e ao Banco Viação do Brasil, que vinha adquirindo terras no arraial desde o final de 1890 (BORSAGLI, 2017). Fazenda do Sacco – Pertencia a Joaquim de Souza Menezes. A fazenda ocupava as terras entre o córrego do Pastinho e o ribeirão Arrudas, correspondente a parte do bairro Carlos Prates e a região central da capital. Foi desapropriada em janeiro de 1895. Lagoinha - Propriedade que pertencia a Damaso dos Santos Benfica e abrangia as terras compreendidas entre a Rua Itapecerica (Estrada de Venda Nova) e o córrego da Lagoinha (Av. Antônio Carlos), até a Rua Formiga. Desapropriada em fevereiro de 1895. Sítio da Mata – O sitio da Mata pertencia a Guilherme Ricardo Vaz de Mello, no vale do córrego de mesmo nome, atual Avenida Silviano Brandão, cujas terras foram desapropriadas em outubro de 1894. Sitio do Navio - De José Alves do Valle, não existem muitas informações. Localizado na altura do bairro Saudade, próximo ao hospital da Baleia e às margens do córrego do Navio, sua sede era que uma modesta casa de capim, adquirida pela CCNC em dezembro de 1894. As fazendas assentadas na bacia do ribeirão da Onça, nesse momento (1894), foram poupadas da desapropriação imposta pela CCNC e se converteram em propriedades estratégicas para o abastecimento da nova capital, além das terras vistas como reserva de mercado para a inevitável expansão urbana para as terras do norte do município. Nas três primeiras décadas de existência da capital, a ruralidade era muito presente na vida e no cotidiano da cidade , visto que muitas das terras desapropriadas pela Comissão Construtora ainda não haviam sido urbanizadas não só por falta de recursos necessários para a movimentação de terras e infraestrutura urbana, mas também por falta de população, que dava a Belo Horizonte fortes ares interioranos, apesar de ser ali que se exercia o poder central do Estado. Era um período no qual Belo Horizonte se encontrava cercada pela grande massa vergel não só das grandes propriedades rurais, mas também dos sítios e chácaras, algumas assentadas nas terras das colônias agrícolas, das quais se falará adiante, outras construídas na zona suburbana do bairro da Serra, verdadeiros palacetes de ares aristocráticos que se confundiam em meio a vegetação e brumas serranas da porção sul da capital. Para se ter ideia, existia a menos de um quilômetro do Palácio da Liberdade pastos, estábulos e plantações de milho e de cana, remanescentes das velhas fazendas do Capão e do Leitão. Na inauguração da capital, ocorrida em dezembro de 1897, cerca de 52% da população brasileira se encontrava no meio rural.
Mapa elaborado a partir do georreferenciamento e vetorização da Planta Topográfica e Cadastral da Área Destinada a Cidade de Minas, 1895, publicada no capítulo 2, e a sobreposição da cidade planejada com as propriedades rurais que se encontravam no entorno no arraial de Belo Horizonte. As cores representam as propriedades desapropriadas e os seus respectivos proprietários. Elaborado pelo Autor
Ranchos que existiram na Rua do Capim, 1894. A Rua do Capim ficava na extremidade norte do arraial de Belo Horizonte, fazendo divisa com as terras da Fazenda da Lagoa Bonita, que no ano de 1894 pertencia a Santa Casa da cidade de Sabarรก. MHAB acervo CCNC
Região do Cercado, década de 1920. Acervo MHAB
Planta de desapropriação da antiga Fazenda do Calafate, 1894. APCBH acervo CCNC
Planta do terreno e casa de Damaso dos Santos Benfica, 1894. A propriedade se localizava entre a estrada para Venda Nova e o córrego da Lagoinha, correspondente a porção do bairro entre a Avenida Antônio Carlos e aproximadamente Rua Itapecerica. APCBH acervo CCNC
Às margens do ribeirão Arrudas existia um extenso milharal desde o Barro Preto até a Ponte do Sacco. Entre os bairros da Floresta e da Lagoinha havia a Chácara do Tortola e suas plantações de hortaliças, vendidas diariamente na Praça Vaz de Melo. A chácara deu lugar anos mais tarde para a abertura do túnel da Lagoinha, iniciada no ano de 1937. Nesse contexto, as colônias agrícolas e a região da Onça podem ser consideradas no período 1897/1930 como o celeiro da nova capital, por serem responsáveis pela produção de alimentos e de criações diversas. As colônias agrícolas, fundadas nos anos de 1898 e 1899 foram assentadas nos vales dos cinco cursos d’água inseridos na área delimitada pela CCNC para a nova capital:
Colônia agrícola Carlos Prates – Vales dos córregos do Pastinho e dos Pintos. Colônia agrícola Afonso Pena – Vale do córrego do Leitão. Colônia agrícola Adalberto Ferraz – Vale dos córregos do Acaba Mundo e do Gentio. Colônia agrícola Bias Fortes – Vale dos córregos da Serra e do Cardoso. Colônia agrícola Américo Werneck – Vale do córrego da Mata. As colônias agrícolas tiveram vida curta. Entre os anos de 1911 e 1914 as terras foram anexadas à zona suburbana da capital, visto o notável assentamento dos populosos bairros confinados entre as colônias, além do povoado do Calafate, anexado no ano de 1912. A bacia do ribeirão da Onça, separada geograficamente da delimitação da nova capital pelas serras da Onça e da Contagem, continuou exercendo função predominantemente agrícola. Considerada a área rural do município, suas terras abrigavam dezenas de sítios e fazendas, muitas delas ainda existentes, como se verá adiante, e ainda proporcionavam momentos de lazer e de fuga de uma capital que passou a crescer a passos largos após o ano de 1920. O crescimento urbano acabou por abranger os velhos pastos curralenses e as plantações limítrofes ao tecido urbano da região central, preservando apenas a sede da fazenda do Leitão, graças a uma alteração realizada no traçado geométrico da zona planejada entre as décadas de 1920 e 1930, que inicialmente englobaria a sede e as benfeitorias da fazenda. As demais fazendas já haviam desaparecido, ressaltando que a Casa da Fazendinha, esquecida nas terras desapropriadas pela CCNC para a construção do Açude do Leitão, certamente foi construída após 1897. Nas décadas seguintes, com a consolidação urbana do município, as propriedades despareceram na mesma intensidade em que se urbanizaram as terras coloniais e rurais, loteadas e vendidas para a população que chegava a capital em busca de melhores condições de vida e para os antigos moradores da zona planejada. As fazendas mais próximas da zona planejada que resistiram à primeira onda urbana, em particular nas regiões oeste, nordeste e norte, na sua maioria, foram loteadas após o falecimento dos proprietários e da ameaça urbana de uma capital que crescia de maneira desordenada para todos os lados. A região Onça/Pampulha passou a ser fracionada a partir da construção da represa do ribeirão Pampulha e da anexação dos povoados e terras adjacentes ao Complexo Arquitetônico à zona suburbana do município. Ainda assim, apesar da urbanização da bacia da Pampulha, iniciada na década de 1940 e consolidada na primeira metade da década de 1960, as sedes de algumas das fazendas que dominavam anteriormente a paisagem foram preservadas, ilhadas em meio aos loteamentos e ocupações informais. Pode-se citar como exemplos a Fazenda da Serra no bairro Castelo e a Fazenda Capão na região de Venda Nova. Outras, como a Fazenda São José, de propriedade de Alípio de Mello e a Fazenda dos Coqueiros desapareceram perante a consolidação urbana na bacia da Ressaca. A página 33 contém imagens da Fazenda no ano de 1914, publicadas pela Revista Vita.
Em meio à iminente metropolização, as propriedades rurais ficaram concentradas nos limites do município, na qual a região Onça/Izidora se tornou a guardiã dos remanescentes rurais de Belo Horizonte. As propriedades da bacia do ribeirão Arrudas foram absorvidas pelo tecido urbano e cortadas por estradas e avenidas, sendo que as consequências desse rápido adensamento foram sentidas pelos proprietários rurais, que sofriam não só com as invasões e com a insegurança, mas também com o grave problema da poluição das águas fluviais, impossibilitadas de uso pelo despejo de esgotos domésticos, e em muitos casos industriais, onde o caso da Floricultura Lempp é notável. Assentada às margens da Cidade Industrial, o crescimento urbano e industrial, possivelmente, abreviou a sua existência às margens do Arrudas, na altura da Avenida Tito Fulgêncio. Ainda assim, apesar do descontrole urbano e da degradação, muitos proprietários continuaram a manter seus sítios e fazendas em meio aos florescentes bairros, ilhados pelo asfalto, pelo concreto e pelos detritos produzidos por uma urbe que nunca se preocupou com o seu destino final. Entre as décadas de 1960 e 1980 desapareceram inúmeros remanescentes rurais do município, outros se encontram ilhados pelos edifícios e arruamentos surgidos a partir do parcelamento das terras que integravam os terrenos urbanos/rurais, de uma metrópole que não possui há décadas sua zona rural, apesar da ruralidade estar intrinsecamente presente em parte da provinciana sociedade belorizontina, seja em atitudes, seja em valores. Uma sociedade urbana que desfruta de todo o bemestar material/tecnológico do século XXI, mas com raízes e pensamentos presos aos períodos mais retrógrados do século XX e mesmo do século XIX. Essa problemática da sociedade contemporânea, seus valores, influências e conflitos, que fique para uma discussão mais ampla em um momento oportuno. Muitos dos bairros que atualmente apresentam um alto grau de urbanização, como os bairros de Santo Antônio , Palmeiras e Buritis, até poucas décadas atrás eram guardados por sítios e fazendas, desaparecidas quando da expansão urbana da capital. Pequenos bolsões vergéis ainda são visíveis em meio ao tecido urbano em muitos bairros da região, muitos deles convertidos em praças e áreas verdes, em outros casos reservados para a especulação imobiliária. Das antigas propriedades que existiam na bacia do Arrudas, sobreviveram alguns pequenos exemplares próximos às suas cabeceiras, na divisa do Parque Estadual do Rola Moça. Na bacia Onça/Izidora existem ainda algumas propriedades que coexistem com a cidade, ou mesmo bolsões parcelados entre os familiares, como os resquícios existentes na bacia do córrego Capão, que figuram na paisagem como resistências perante a avassaladora urbanização da região de Venda Nova. As demais propriedades desapareceram ante a voracidade imobiliária e tributária municipal, que desdenha qualquer possibilidade de se preservar fragmentos das antigas fazendas e sítios a partir da conveniente submissão ao capital imobiliário. É só observar a questão da Mata do Planalto, ameaçada pelos planos imobiliários de um grande grupo construtor de paliteiros e pela nulidade municipal, que inclusive luta pelo licenciamento de bizarrices como esta (2016). Lembro que em minha infância, no cruzamento das ruas Professor Aníbal de Matos e Pitangueiras, existia um sitio nos moldes das antigas propriedades rurais do município, habitado por um casal de idosos. A bela propriedade, cercada de mangueiras e localizada às margens do Leitão, canalizado entre os anos de 1967/1972, desapareceu no ano de 1988, para dar lugar a dois edifícios nulos e pasteurizados.
Não se pode deixar de falar da Mata do Jardim América, um importantíssimo remanescente vergel alvo de disputas entre a população local, que pleiteia a abertura de um parque em meio à selva de pedra e em disputa com o poder público/privado, que nada faz para resolver a questão, por mais óbvia e necessária que seja a solução (2017). A cidade precisa de parques, locais de sociabilidade e de natureza, precisa de um planejamento urbano que atenda as demandas coletivas e não apenas de um seleto grupo de capitalistas, como ocorre há mais de um século. Nos dois casos citados, a mobilização popular foi decisiva para provocar uma reviravolta nas eternas mutilações sofridas pela gloriosa urbe, verdadeira floresta urbana que se converteu nos últimos cinquenta anos em uma urbe cinzenta e árida, desprovida de água e de grandes matas, resumidas à região do Sanatório Hugo Werneck, torrão de terra que se encontra ameaçado pelo capital imobiliário dito sustentável e pelo desplanejamento que lentamente vem suprimindo as frondosas matas do sanatório às margens da Izidora.
Página dedicada às chácaras da capital mineira, integrante do Álbum de Bello Horizonte, publicado no ano de 1911 por Raymundo Alves Pinto e Tito Lívio Pontes. Acervo do Autor
Vacas pastando em uma das colônias agrícolas da nova capital, nos primeiros anos do século XX. Acervo Museu Imperial
Chácara do Coronel Thibau na Rua Itapecerica, década de 1910, em um momento onde o rural ainda se confundia com o urbano embrionário da nova capital. Acervo APM
Chácara do Sapo no Parque Municipal, nos primeiros anos da nova capital. Acervo MHAB
Fazenda não identificada na região do Barreiro, à direita as obras da adutora do Rola Moça. Acervo MHAB
A ruralidade da capital representada no Anuário Estatístico publicado no ano de 1937: Acima a Fazenda dos Coqueiros, que se localizava na margem esquerda do córrego da Ressaca. Ao centro o povoado das Imbaúbas, que deu lugar a um cemitério nas proximidades do bairro Nova Cintra. Abaixo a propriedade de José de Paula Cotta na região da Izidora, às margens da estrada do Sanatório, vendida posteriormente a Hugo Werneck. Acervo do Autor
Perspectiva da construção da rede de esgotos do Barro Preto, 1929. A imagem, identificada pelo autor no ano de 2017, em conjunto com um acervo iconográfico que registram parte das obras de canalização, abastecimento de água e construção de rede de esgotos da gestão de Christiano Machado, pode ser considerada uma pérola de um período onde até então inexistiam registros fotográficos identificados dos bairros operários e das favelas de Belo Horizonte. Detalhe para os aspectos rurais em meio aos casebres operários, em um trecho que se encontrava a menos de dois quilômetros do Palácio da Liberdade. Ao fundo o Pico Belo Horizonte. Acervo MHAB
Perspectivas das obras de abertura da rede de esgotos do Barro Preto, 1929. Como na imagem anterior, chama a atenção do observador o contraste entre uma paisagem tipicamente rural, inclusive com presença de vegetação de cerrado próximo as casas operárias e a uma plantação de banana. É importante observar que a ocupação da VIII seção urbana pelos operários era temporária, o que justifica a construção de maneira esparsa das casas e cafuas operárias, que nesse período se misturava com a Favela da Barroca. Acervo MHAB
A
Trecho final da estrada Belo Horizonte-Barreiro no ano de 1928, à esquerda da Fazenda do Barreiro (A). Acervo APM
Perspectiva Leste da adutora do Rola Moça (Ibirité) no ano de 1928. À esquerda uma propriedade rural demolida no ano de 2010. Acervo MHAB
Fazenda da Floresta no ano de 1933, quando da visita de Getúlio Vargas a propriedade. Acervo APM
Fazenda do Leitão no ano de 1940, vendo-se à escada o Sr. Abílio Barreto, idealizador e primeiro diretor do Museu Municipal, criado no ano de 1943. Acervo APM
Parte do córrego do Leitão no ano de 1945 no bairro Cidade Jardim. À direita a sede da Fazenda do Leitão, onde se fundou no ano de 1943 o Museu Histórico de Belo Horizonte. Acervo MHAB
Museu histórico de Belo Horizonte, segunda metade da década de 1940. Acervo IBGE
Perspectiva nº1 do museu/fazenda do Leitão sob a lente dos fotógrafos Gui Tarcísio Mazonni e Marcos de Carvalho Mazonni no ano de 1960. Acervo Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos/EA-UFMG
Perspectiva nº2 do museu/fazenda do Leitão, sob a lente dos fotógrafos Gui Tarcísio Mazonni e Marcos de Carvalho Mazonni no ano de 1960. Acervo Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos/EA-UFMG
A partir do terraço da fazenda velha transformada em museu, um os últimos vestígios do passado de apenas sessenta anos, o viajante pode contemplar o grande enxame de construções urbanas de onde emerge a imponente massa para o céu. Perto dele, as magníficas residências da Cidade Jardim cercam-se de maravilhosos jardins. Ao lado, um grupo de cabanas escondem sua lepra atrás de trapos coloridos e algumas palmeiras balançam indolentemente seus cabelos. Em frente, do outro lado da rua, há um enorme edifício em cimento armado e de linhas arrojadas, futura escola de odontologia, faz um impressionante contraste com a pequena e antiga fazenda. Os postes para uma linha de trólebus acabaram de ser plantados. As construções estão ocorrendo em todos os lugares. Um Beija-Flor imobiliza o seu voo leve e mergulha seu bico afilado no copo de uma flor escarlate. Sob o céu límpido, tudo passa uma impressão de confiança e juventude. Roger Teuliéres, 1956.
APCBH acervo ASCOM
Planta do município de Belo Horizonte (1940). Em azul a zona rural do município, oficialmente restrita no período às regiões do Onça/Izidora e a Serra do Curral, entre o Taquaril e a Lagoa Seca. Acervo APCBH
Abertura do Túnel da Lagoinha (1967). À direita a Chácara do Tortola. APCBH/ASCOM
Perspectiva dos depósitos da Esso na década de 1950. À esquerda a sede da Fazenda Cachoeirinha e em primeiro plano o córrego de mesmo nome. Acervo IBGE
Onça/Izidora: a ruralidade às margens da cidade
Sanatório Hugo Werneck na década de 1930. Acervo MHAB
Como visto anteriormente, a bacia do ribeirão da Onça pode ser considerada a zona rural do município de Belo Horizonte nas primeiras décadas da capital, uma espacialidade que viria a se alterar a partir da década de 1930 com a construção do Matadouro Modelo no bairro São Paulo, a Companhia Renascença Industrial e a represa da Pampulha, que alavancou a ocupação do vetor norte a partir da construção do Complexo Arquitetônico. No entanto, apesar da urbanização ter se iniciado na década de 1940, até a década de 1970 a região apresentava paisagens significativamente rurais, com fazendas se misturando aos bairros em crescimento e loteamentos isolados, muitos deles aprovados antes mesmo da chegada de infraestrutura na região, e cerrados em meio as casas esparsas construídas próximas a represa. O fato de Belo Horizonte ter surgido e se expandido na bacia do ribeirão Arrudas, a urbanização tardia da Onça/Izidora contribuiu para a ruralidade que nas três últimas décadas acabou por se concentrar nos limites do município, em particular na fronteira com o município de Santa Luzia. Diante disso, serão abordadas algumas das propriedades rurais, ou fragmentos ainda existentes na paisagem urbana da bacia considerada 100% urbana, cujos aspectos são desconhecidos de grande parte da capital, fatores que contribuem para o desaparecimento, arruinamento e mesmo a invisibilidade perante a metrópole e suas reminiscências, preservadas ou em ruinas em meio à roça capital.
Será tratada de forma breve a história da Fazenda Capitão Eduardo, sede de uma notável propriedade que se estendia desde o povoado dos Borges, na margem oeste do rio das Velhas, até a foz do ribeirão da Onça no majestoso rio. A fazenda se encontra às margens do ribeirão, mais precisamente em sua margem sul. A fazenda foi construída, ou adquirida no século XIX pelo Capitão Eduardo Aristides Augusto de Lima, nascido em 1828 em Santa Luzia e falecido no ano de 1889. Seu pai, o Tenente Coronel Serafim Timóteo de Lima, nascido em 1792, era fazendeiro e negociante na Vila de Santa Luzia, possuindo ainda terras na região de Abre Campo, assim como seu filho Justiniano Augusto de Lima. A notícia mais antiga que se tem da propriedade do Capitão até o presente momento é a autorização dada pelo vice-presidente da Província de Minas, Francisco Leite da Costa Belém, que em 25 de setembro de 1871 autorizou o desmembramento da fazenda do Capitão Eduardo do município de Sabará, transferindo as terras para a freguesia de Santa Luzia, onde o Capitão ocupava o posto de comandante da 6ª Companhia aquartelada em Santa Luzia. A fazenda teve suas terras atravessadas pela linha-tronco da Central do Brasil por volta de 1893, que seguia em direção ao vale do rio São Francisco. A linha, após a barra do ribeirão Arrudas, se desviava em direção à fazenda passando a poucos metros da sede, indo novamente ao encontro do rio das Velhas após galgar o ribeirão da Onça, sobre um pontilhão do qual atualmente se vê apenas os pilares de alvenaria de pedra argamassada. Essa questão já foi abordada no capítulo 05 do Sob a Sombra, tornando-se desnecessária uma nova explanação acerca do assunto, ressaltando que, visto que a topografia do vale do rio das Velhas, mais atrativa e de menor distância, a linha foi desviada quatro décadas mais tarde para o vale do rio das Velhas, sendo suprimido o trecho correspondente à fazenda, que se tornou anos mais tarde uma das principais vias do bairro Ribeiro de Abreu. Em data imprecisa, possivelmente no início do século XX, a fazenda Capitão Eduardo foi vendida para Antônio Ribeiro de Abreu, filho do Coronel Mariano de Abreu, construtor da primeira sede da municipalidade, hoje Arquivo Público Mineiro. Após a morte de Ribeiro de Abreu, a fazenda e suas terras passaram para sua esposa, que posteriormente as partilhou com os herdeiros as terras do futuro bairro Ribeiro de Abreu. A fazenda possuía, de acordo com o registro de partilha datado do ano de 1943, cerca de quatrocentos e setenta alqueires, culturas, pastos, e uma parcela de cerrado ainda preservada, sendo que uma porção considerável da fazenda se encontrava em terreno inundável, correspondente ao baixo Onça e suas planícies de inundação. O documento ainda se refere à Fazenda como casa de construção antiga, que pertencia agora a Ambrosina de Castro Abreu, viúva de Antônio Ribeiro de Abreu. A partir desse momento as terras da fazenda seriam sucessivamente parceladas pelos herdeiros, desapropriadas para finalidades diversas (linha férrea, aterro sanitário e moradias populares) e invadidas a partir da década de 1970, deflagrada pela pressão urbana que empurrou a população de menor poder aquisitivo para fora do município. A propriedade, ilhada pelo bairro Ribeiro de Abreu, se resumia no final do século XX a sede e benfeitorias próximas, mantidas pelo último proprietário da fazenda, o Sr. André Gustavo de Abreu Pereira Pinto, que empreendeu uma reforma no velho casarão na década de 1990, suprimindo parcialmente suas características originais na parte correspondente à fachada. A propriedade foi
vendida à Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) para a construção da estação de tratamento de esgotos do ribeirão da Onça, que ali instalou o seu escritório quando das obras da ETE. Nesse período, a propriedade e sua arquitetura rural, tão viva em Minas Gerais e resumida apenas à Fazenda do Leitão, começou a atrair a atenção do Autor, visto que até o ano de 2008 ainda era possível visualizar o casarão da Rodovia MG-020, cuja entrada era vedada pela Copasa. Finalmente, no mês de abril de 2016, após inúmeros pedidos de visita e pesquisas diversas, o Autor conseguiu entrar na propriedade, então abandonada. Não é necessário descrever a sensação e satisfação que teve o pesquisador ao se deparar com um imóvel genuinamente rural, de características que remetem aos períodos colonial e imperial, cuja importância e existência é desconhecida da capital. Diante de tal constatação, iniciou-se uma pesquisa mais detalhada sobre a fazenda e descobriuse que se trata do imóvel mais antigo do município de Belo Horizonte, apesar da propriedade ter pertencido anteriormente a Sabará e Santa Luzia, anexada à capital poucos anos após a sua inauguração (1897). Intencionou-se elaborar um dossiê para solicitar o tombamento do imóvel, ilhado pela especulação imobiliária. No entanto, o autor que vos escreve, por motivos diversos e contraditórios, resolveu adiar a sua elaboração (2017). O horizonte é raso e as pressões políticas-imobiliárias são verdadeiras. E assim a ruralidade desaparece por completo no município, a partir do desprezo histórico-cultural pelas reminiscências de um período que representa o atraso perante um progresso a base de concreto, de asfalto e embebido de esgoto. O breve histórico aqui apresentado é uma pequena contextualização do imóvel mais antigo do município.
Fazenda Capitão Eduardo, fotografada pelo Autor em dezembro de 2007. Foto do Autor
Imagem aérea de 1953 da região correspondente à confluência dos ribeirões da Izidora e da Onça e as propriedades abordadas no capítulo. Detalhe para o Sanatório Hugo Werneck (A), Fazenda Capitão Eduardo (B), Sítio Pau Ferro (C), Quilombo das Mangueiras (D) e o antigo leito da E.F.C.B. ao lado da Fazenda Capitão Eduardo. Modificado de APCBH Gabinete do Prefeito.
Aspectos da Fazenda Capitão Eduardo: acima o casarão no ano de 2016, antes da reforma realizada pela Copasa. Abaixo a perspectiva desde a varanda, voltada para o vale do ribeirão da Onça, destacando-se o velho curral. Fotos do Autor.
Armário de um dos cômodos da sede da fazenda datado da segunda metade do século XIX, reminiscência dos tempos do Capitão Eduardo. Foto do Autor
Mata do Sanatório e o Sítio Pau Ferro Será abordada agora de maneira sucinta a questão das rocambolescas terras do Sanatório Hugo Werneck, guardiã da última grande reserva vergel do município disputadas pelo capital imobiliário, que sob o aval da gestão Lacerdista, deu início a um plano de urbanização da região fundamentado em uma operação urbana consorciada que visa conciliar a preservação e a urbanização da região a partir do assentamento de cerca de trezentos mil habitantes, em uma região que preserva não só o verde, mas também centenas de nascentes que desembocam no ribeirão da Izidora, curso d’água formado a partir das confluências dos córregos do Vilarinho e Embiras/Bacuraus. Na outra ponta da questão existem as ocupações urbanas que, desde o anúncio da OUC pelo município, tratou de ocupar parte da região pleiteada para engordar as rendas públicas-privadas, concentradas na margem norte do ribeirão. No meio de toda essa história está à família Werneck, proprietária das terras há um século, desde que o médico Hugo Werneck recebeu, junto com Samuel Libânio, uma concessão de terras para a construção de um Sanatório Modelo , ao que tudo indica, referente ao sanatório construído na década de 1920. Nos anos seguintes, de acordo com a documentação existente nos arquivos municipais , os terrenos adjacentes ao Sanatório foram adquiridos pela família Werneck, entre eles o Sítio Pau Ferro, às margens do ribeirão da Izidora e as terras de José de Paula Cotta (Fazenda Santa Isabel), hoje parte dos bairros Tupi e Jardim Felicidade, além de parte da Granja Werneck. A propriedade nesse momento abrangia uma vasta porção de terras que abarcava toda a porção do baixo Izidora até os limites com a Fazenda da Baronesa, no município de Santa Luzia, e com as terras do Ribeirão da Izidora, que formaria anos mais tarde o Quilombo das Mangueiras. Até a década de 1970, sob a guarda dos herdeiros de Hugo Werneck, as terras permaneceram com características predominantemente rurais, apesar do tecido urbano da capital se aproximar de forma rápida e desordenada. No ano de 1973 o sanatório foi fechado, sendo vendido para a Fundação Nossa Senhora da Boa Viagem, que ali criou um asilo para idosos (Recanto Nossa Senhora da Boa Viagem). Os terrenos adjacentes continuaram a fazer parte da Granja Werneck. Desconhecido ou ignorado pela cidade coberta de concreto e de asfalto e rodeada pelos bairros surgidos a partir da consolidação da metrópole mineira, a região da Izidora passou a ser desejada pela sua vastidão virgem, que poderia proporcionar vultosos lucros fundiários e sedutores tributos para uma insaciável municipalidade. Hugo Eiras Furquim Werneck, notável ambientalista e protetor da importante propriedade, antes de falecer no ano de 2008, ciente da ameaça da total aniquilação do último bolsão vergel do município, firmou uma parceria com a prefeitura para implantar nas terras um modelo de urbanização sustentável, que preservaria um pouco mais da metade das matas existentes, entre outros detalhes que não serão expostos aqui, ressaltando que a famigerada Cidade Administrativa do Estado, então em construção nas cabeceiras da Izidora, tem parcela importante na questão da inevitável urbanização da mata do sanatório. Lei municipal nº 82, de 24 de outubro de 1914. https://www.cmbh.mg.gov.br/sites/default/files/ap16ro120604ppa.pdf
Existe ainda o projeto da Via 540 no vale da Izidora, conectando a Avenida Cristiano Machado e a Rodovia MG-020, ou seja, um notável eixo viário que fragmentará a isolada propriedade. E nesse breve contexto dos primeiros anos do milênio desencadeariam as polêmicas, as invasões e toda a história que se encontra longe de se resolver (2016). Infelizmente essa é uma triste realidade das florestas particulares inseridas em zonas urbanas. O caso da mata do sanatório é apenas um exemplo da “obrigatoriedade” em se fazer acordos, em muitos casos frágeis, com o poder público e com a iniciativa privada, com o intuito de se preservar grandes áreas verdes, desejadas e ao mesmo tempo problemáticas, no que diz respeito às invasões, tributações e a manutenção. A explosão urbana de Belo Horizonte acabou por destruir quase todas as matas remanescentes das antigas fazendas próximas à região delimitada pela CCNC para abrigar a nova capital que, como visto anteriormente, limitava-se a uma parcela da bacia do ribeirão Arrudas. Este não é um fato intrínseco à capital mineira. Grandes centros urbanos do país sofreram o mesmo processo a parir do desenvolvimento urbano-industrial, que acabaram por gerar profundas mudanças no equilibro ambiental das cidades. As consequências dessa desenfreada ocupação, que reduziram as reservas verdes do município a praças e parques localizados em locais pontuais sem conexão alguma, são sentidas desde a década de 1960 e a iminente fragmentação da mata do sanatório será a pá de cal na última grande reserva verde do município, que conserva ainda alguns quilômetros de matas ciliares ao longo da Izidora, um fato raro se lançarmos os olhos para o Arrudas e Onça, cujas matas foram aniquiladas pela ação antrópica, pelas canalizações e avenidas sanitárias. Ressalta-se ainda que a Mata do Sanatório, inquestionavelmente, apresenta vocação para a disseminação da educação ambiental em Belo Horizonte. O potencial da área para um parque urbano em uma região que emerge como a salvação verde da capital, pode irradiar a conexão verde a partir do baixo Onça, que se encontra conectado à Izidora, para as demais bacias hidrográficas do município, uma verdadeira trama verde. Ou seja, um exemplo que poderia ser aplicado também no Parque Municipal, o qual poderia irradiar a trama verde/azul via ribeirão Arrudas para os seus afluentes, se conectando inclusive com o Parque das Mangabeiras. E assim Belo Horizonte recuperaria sua identidade vergel, perdida à custa de um suposto progresso. Sem mais delongas, será agora abordada a história do Sítio do Pau Ferro, propriedade quase centenária às margens do ribeirão da Izidora, encravado no centro da disputa fundiária mais notável deste século belorizontino e em vias de desaparecer perante o arruinamento em que se encontra e pela quase inevitável urbanização da região. O Sítio do Pau Ferro era de propriedade de Roberto Eiras Furquim Werneck (1905-1985), filho de Hugo Werneck e administrador da propriedade e de suas benfeitorias. As terras pertencentes ao sítio, de acordo com a imagem aérea do ano de 1953 publicada no presente capítulo, contava com culturas, criações e um vistoso pomar que se localizava entre a sede e a estrada do sanatório. Destacase ainda a pequena vila dos trabalhadores do sanatório, que se firmou como polo de trabalho de uma região predominantemente agrária. O ribeirão da Izidora figurava como o limite entre o cultivável e os cerrados limítrofes ao município de Santa Luzia. Vale destacar na imagem a mata ciliar do ribeirão e o seu modesto leito, escavado a partir da disseminação dos canais artificiais em suas cabeceiras, receptor de toda a água drenada das vertentes
impermeabilizadas da região de Venda Nova. Até a atualidade o ribeirão destaca-se como um forte elemento de referência na paisagem da região, apesar de marginalizado e ameaçado de retificação e canalização pela cidade. Na segunda metade da década de 1950 iniciou-se a exploração de uma pedreira na margem norte da Izidora defronte ao sítio, e apesar de não apresentar o resultado esperado pelos proprietários (SIMÃO, 2008), possibilitou o emprego de operários que viviam nas proximidades do sanatório. O parco retorno da exploração obrigou a venda de parte das terras do sanatório, partilhadas na década de 1960 após o falecimento da viúva de Hugo Werneck. No ano de 1990, através do decreto 6.751, o Sítio do Pau Ferro foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação, com o intuito da regularização dos terrenos que receberam o conjunto habitacional PROMORAR nas terras da Fazenda Tamboril , ainda existente na margem norte do ribeirão da Izidora. Desde então, ao que tudo indica, o sítio se encontra parcialmente abandonado, em meio às disputas político-fundiárias da região. Assim como os seus semelhantes que sucumbiram perante a cidade, parece ser esse o seu destino, que arrasará mais uma propriedade que caminha para o seu primeiro centenário. Como já observado, a falta de acesso e mesmo da existência de documentos e da quase impossibilidade de acesso às famílias proprietárias ou ex-proprietárias das terras aqui abordadas, são fatores que contribuem para a invisibilidade dos remanescentes rurais do município.
Ponte ainda existente sobre o ribeirão da Izidora no ano de 1928, na altura do Sanatório Hugo Werneck. Acervo APM A fazenda pertencia a Joaquim Antônio da Rocha e Etelvina Carneiro da Cruz.
Sítio Pau Ferro no ano de 2017. Foto do Autor
Sítio Pau Ferro (fundos), visto da estrada do Sanatório no ano de 2014. Foto do Autor
Este capítulo é um ensaio para um estudo mais detalhado sobre as reminiscências rurais do município de Belo Horizonte. A ruralidade na paisagem urbana da capital persiste em muitos bairros, consolidados sobre os pastos e lavouras que anteriormente climatizavam e saciavam uma urbe que almeja a modernidade desde o seu nascimento, apesar das fortes raízes camponesas que perduram até a atualidade. Fragmentos de campos e de culturas, sedes de antigas propriedades rurais ilhadas pelo tecido urbano e caminhos tortuosos em desarmonia com a cidade são alguns dos resquícios que ainda se vê por todo o município, no qual o Barreiro e suas vastas lavouras encravadas entre a Serra do Rola Moça e a cidade são os exemplos concretos da presença rural em um município 100% urbano. Restos de pastos, como nos bairros Jardim América e Caiçara, ou sedes das antigas propriedades rurais como Carneiros, Capitão Eduardo, Floresta ou Sousa Lima podem ser consideradas resistências perante a urbanização que acabou por cimentar praticamente toda a ruralidade belorizontina, sendo que muitas delas ainda existem ou pela tardia urbanização dos confins do município, ou pela necessidade dos proprietários dos imóveis em preservar a sua moradia, uma vez que as terras das propriedades, em alguns casos, acabam parceladas por questões tributárias ou de herança. Pouco se falou da bacia do ribeirão Arrudas, que por sua complexidade e singularidade para a capital, que desconhece pormenores que estão em estudos avançados, será tema de um trabalho que já se encontra em construção, o qual trará à luz fatos que derrubará mitos e hipóteses que vem sendo erroneamente perpetuados há algumas décadas (2017). Enfim, está lançado o embrião para estudos mais aprofundados sobre a ruralidade de uma capital rural, nascida e resguardada pelas serras e fazendas, guardiãs da metrópole curralense, uma cidade em eterna construção.
Chácara de Octacílio Negrão de Lima no bairro Floresta em ruínas. Detalhe para a varanda do casarão, voltada para a Praça da Estação, perspectiva atualmente obstruída pelos edifícios do respectivo bairro. Foto do Autor
Sede da fazenda Cachoeirinha, pertencente aos herdeiros de José Cleto Diniz à beira da Avenida Cristiano Machado e às margens do encaixotado córrego da Cachoeirinha. Foto do Autor
Fazenda Floresta, bairro Serra Verde. Foto do Autor
Aspectos de uma reminiscência rural, entre o caminho das águas e o caminho betuminoso: centenária Chácara às margens do ribeirão Pampulha, em imagem do ano de 2011. Imagem: Google Earth
Perspectiva do final da estrada dos Borges e a paisagem rural da borda leste do município. Foto do Autor
Reminiscência da vegetação do Cerrado no bairro Trevo (nascentes do córrego Olhos D’água), próximo ao antigo Sacco dos Cavalos e ao Alto do Siqueira, margem norte do ribeirão Pampulha. Foto do Autor
Perspectiva de parte do arraial de Belo Horizonte, 1894, pintura de Honรณrio Esteves. Acervo MHAB
Introdução Belo Horizonte, cidade imaginada, concebida e construída para abrigar a nova capital de Minas Gerais entre os anos de 1894 e 1897, buscava o rompimento com o passado colonial mineiro e suas cidades tortuosas, surgidas à beira dos primeiros caminhos abertos no ciclo do ouro (FONSECA, 2012, p.90). Concebida a partir dos preceitos higienistas do período e sob influência positivista dos engenheiros integrantes da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), em sua grande maioria graduados pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a urbe mineira e o seu traçado geométrico via régua e compasso surgiu como uma antítese do modelo de cidade predominante no Estado, onde os anseios de ruptura com o passado colonial, intrinsecamente ligado a cultura mineira e a busca política pelo equilíbrio de poder dentro do Estado, a materializaram como a pérola urbana da Primeira República (PASSOS, 2016, p.335). Nesse contexto, o rompimento não se deu apenas no âmbito urbanístico, a partir da construção de uma cidade planejada sobre o sítio do arraial de Belo Horizonte, antigo arraial do Curral del Rey, mas também no contexto ambiental, a partir da busca pelo controle dos elementos naturais e modificação da paisagem, além da questão econômica, visto que o Curral del Rey, sede de uma vasta Freguesia e importante entreposto comercial entre a região das minas e dos currais, tinha a sua economia baseada na produção agrícola das propriedades rurais que pertenciam a Freguesia, das quais se destacam as propriedades que circundavam o arraial, desapropriadas pela CCNC no ano de 1894 (BORSAGLI, 2017, p.28;48). Nesse sentido, este capítulo tem como objetivo analisar as propriedades rurais limítrofes à porção sul do arraial, atualmente ocupadas por parte dos bairros da região sul da cidade de Belo Horizonte. Ressalta-se que uma porção das terras atualmente são objeto de disputas fundiárias pelos descendentes dos antigos proprietários, indenizados pela Comissão Construtora no ano de 1894 (BARRETO, 1936, p.61-78). A análise é necessária vista a pouca importância dada pela historiografia mineira para a ruralidade pré-CCNC, o que contribuiu para a consolidação de erros históricos que formaram uma nebulosidade acerca do tema, na qual se inclui ainda a Casa da Fazendinha, oficialmente atribuída à Fazenda do Cercadinho (PBH, 1992, Processo 01 004 713 9649; PEREIRA, 2012, p.87-88), visto a data de construção (1894) conferida ao casarão (CASTRO, 2006, p.290). As lacunas históricas que envolvem o tema contribuíram ainda para o surgimento de disputas judiciais relacionadas aos terrenos devolutos da Lagoa Seca, atribuídos às antigas propriedades desapropriadas pela Comissão Construtora. A pesquisa analisou, a partir da aplicação de técnicas de geoprocessamento, os limites oficiais inseridos nas plantas das fazendas do Capão, Cercadinho e Leitão, conformadas pelas bacias hidrográficas dos córregos do Leitão e do Cercadinho, marco divisório até então desconsiderado na análise do perímetro estabelecido pela CCNC para a nova capital.
Aspectos históricos e físicos do sítio do arraial de Belo Horizonte O arraial de Belo Horizonte, antigo Curral del Rey, foi edificado no primeiro quartel do século XVIII na região central do Estado de Minas Gerais, na bacia do rio das Velhas, com uma altitude média de 876 metros (BARRETO, 1936, p.161), em um sítio que se encontra localizado na Depressão Periférica de Belo Horizonte , no contato com a Serra do Curral del Rey na direção sul. Na direção norte o arraial se limitava com a Serra da Contagem, divisor das bacias hidrográficas dos ribeirões Arrudas e Onça, ambos afluentes da vertente oeste do rio das Velhas. O sitio do arraial se encontra assentado sobre as bacias dos córregos da Serra, Acaba Mundo e Leitão, todos com suas nascentes localizadas na Serra do Curral, correspondente à vertente sul do ribeirão das Arrudas10, principal curso d’água do arraial. Nesse contexto Vaz de Melo, Cerqueira e Vieira observaram que os córregos Mangabeiras, Ilha, Bolina e Capão Grande corriam dentro da povoação (BARRETO, 1936, p.164), topônimos que correspondem aos descritos pela Comissão de Estudo das Localidades (MINAS GERAES, 1893, p.6). Na porção norte limítrofe ao arraial destacavam-se três cursos d’água provenientes da Serra da Contagem (córregos do Pastinho, Lagoinha e Mata), afluentes da vertente norte do Arrudas. Dentre os afluentes do Arrudas, Vaz de Melo, Cerqueira e Vieira observaram que os córregos Mangabeiras, Ilha, Bolina e Capão Grande corriam dentro da povoação (BARRETO, 1936, p.164), topônimos que correspondem aos descritos acima, pela Comissão de Estudo das Localidades (MINAS GERAES, 1893, p.6). Nessa conjuntura, observa-se que a posição geográfica do arraial, fundado na borda norte do Quadrilátero Ferrífero, foi fator determinante na sua consolidação como entreposto comercial entre as minas e os currais, onde sua população, acordo com Dias (1897, p.14), nos séculos XVIII e XIX possuía como principais ocupações a agricultura e criações diversas. Nesse sentido: O Curral del Rei deveu sua localização à convergência de três estradas de significação local [...]. Uma estrada desce a garganta do ribeirão Arrudas e sobe o vale do rio das Velhas até Sabará; a segunda penetra a serra do Curral para o sul e a terceira se embrenha pelo sertão na direção norte. Na junção dessas três estradas havia uma “praça”, no centro da qual se erguia uma igreja. Este era o núcleo histórico da colônia, seu ponto de fixação da terra (JAMES, 1947, p.1603).
A depressão de Belo Horizonte é uma zona de denudação periférica entre os escarpamentos da Serra do Curral (e prolongamentos) e o horizonte de ardósia da Formação Sete Lagoas, formada a partir da dissecação fluvial responsável pela formação dos relevos de crista e colinas, encontradas nas proximidades das bordas do Quadrilátero Ferrífero (IGA/CETEC, 1978, p.17). O topônimo Arrudas aparece pela primeira vez na planta para abertura da Estrada de Ferro Pedro II (1882) no vale do rio das Velhas, anterior a essa data o ribeirão era denominado ribeirão Grande ou ribeirão do Curral.
Parte do mapa da Comarca de Sabará (1778) de autoria de José Joaquim da Rocha. Em destaque o Curral del Rey e parte das estradas que convergiam para o arraial. Modificado de Biblioteca Nacional
As maiores altitudes da região estão concentradas no Complexo da Serra do Curral , que apresenta vertentes íngremes na direção sudeste/sudoeste, ressaltando que grande parte dos afluentes da vertente sul do ribeirão Arrudas provém do complexo, com suas nascentes localizadas na Serra do Cachimbo. O Pico do Curral del Rey, próximo às cabeceiras do córrego da Serra e da estrada para Nova Lima era considerado o ponto culminante do povoado (BARRETO, 1936, p.186). Burton (2001, p.500-501) ao trafegar pela estrada de ligação entre o Curral del Rey e Congonhas de Sabará, fez algumas observações a respeito da paisagem da Freguesia e do seu ponto culminante: Serra do Curral é curiosamente desagregada em rochedo e proeminências do habitual formato vulcânico, cobertos de verdura. É um Proteu, que aqui se parece com uma pirâmide regular, ali com uma cunha e acolá apresenta uma corcova. Ficou visível durante muitas milhas, e a avistaríamos mesmo do rio. Parece-me ser ela o limite setentrional da região montanhosa metalífera, e, para além dela, começam os terrenos mais planos e cultiváveis, especialmente os grandes campos de pedra calcária. Uma A Serra do Curral del Rey pode ser considerada parte de um complexo de montanhas que se estendem por cerca de 93 km na direção sudoeste/nordeste pertencente ao Quadrilátero Ferrífero, referência geográfica não só para Belo Horizonte, mas também para a região metropolitana, visto que o alinhamento montanhoso se estende desde a região de Carmo do Cajuru até às proximidades da cidade de Caeté, a oeste da Serra do Espinhaço (CURRAL DEL REY, junho 2011; BORSAGLI, 2017, p.83).
cavalgada até a cruz, a duas milhas para o norte dali, e distante cinco ou seis pela estrada, apresenta uma vista que é embelezada pela amplitude. O solo é pobre, mas a imensa quantidade de chuva conservada pelo frio pico permite que ele seja toleravelmente revestido de vegetação. (...) Abaixo de nós, ficam os tanques e calhas do Bananal, e uma fazenda, onde um lençol de água é confundido com uma casa. Mais perto, fica o Taquaril, uma mina de ouro abandonada, agora em processo de “reabilitação”. Fica muito alta, e imagino que devam ser enormes as despesas para o abastecimento de água. Logo abaixo da cruz fica o Mocambo, um bom pedaço de terra. Para o norte, os altos e baixos são os de um oceano mais tranquilo, e o vale verdejante e mais regular de Curral d’el-Rei mostra um pequeno arraial de agricultores e criadores de gado, que conta com 359 fogos. Ali está uma das sete igrejas que podem ser avistadas, se o dia estiver claro; as outras são: São Sebastião, Fidalgo, Contagem, Capela Nova, Matosinhos e Jaguara, às quais alguns acrescentam uma oitava: a de Santa Luzia.
Grande parte do arraial se encontrava assentado em terrenos correspondentes ao embasamento cristalino, exceção feita às porções mais altas correspondentes a Serra do Curral, que apresenta predominância de dolomita e minérios de ferro (SILVA, 2007, p.58). Vaz de Melo, Cerqueira e Vieira observaram que a constituição geológica do sítio do arraial era composta por xistos itacolomiticos, rochas de itabirito, gangas, xistos argilosos-ferruginosos e dioritos, localizando-se nas proximidades calcários e argilas, indicadas para a construção e embelezamento dos edifícios (BARRETO, 1936, p.161). Sob o ponto de vista geológico, a bacia do ribeirão Arrudas pode ser considerada complexa e diversificada, por se encontrar parcialmente inserida nos domínios do Quadrilátero Ferrífero, como observado por Cavalcante (2011, p.41). Em sua bacia são encontrados o Complexo Belo Horizonte (rochas granito-gnaíssicas) o Supergrupo Minas, (grupos Sabará, Piracicaba e Itabira), formações terciárias e quaternárias (aluviões antigos e depósitos colúvioaluviais), e as rochas intrusivas. O relevo se caracterizava pela predominância de planaltos, com a presença de poucas superfícies planas, que se concentravam nas porções adjacentes à rede hidrográfica da bacia do ribeirão Arrudas ou rio do Curral, de acordo com Vaz de Melo, Cerqueira e Vieira (BARRETO, 1936, p.162). Ressaltase que as intervenções realizadas a partir de 1895 na construção e urbanização da capital modificou a fisionomia do relevo descrito pelos autores. O arraial se apresentava em formato de T (MINAS GERAES, 1893, p.13), resultado da confluência de três importantes estradas que remetem ao período colonial: ao norte a estrada de Venda nova (estrada dos Currais), ao sul a estrada das Congonhas (estrada das Minas) e a leste a estrada de Sabará. De acordo com Vaz de Melo, Cerqueira e Vieira (BARRETO, 1936, p.163) o terreno ocupado pelo arraial estendia-se por um quilometro no sentido leste/oeste e por dois quilômetros no sentido norte/sul, possuindo duas igrejas católicas e os seus respectivos largos, dos quais iniciavam-se as ruas do povoado. No que tange às vias de comunicação, a estrada das Minas via Congonhas de Sabará era o principal eixo de conexão entre o Curral del Rey e os povoados da região aurífera inserida nos domínios do Quadrilátero Ferrífero, que mantinha um comércio regular com a Freguesia (GONÇALVES, 2016, p.3).
A estrada para Sabará era uma outra opção para se chegar às minas, ainda que aumentasse o tempo de viagem devido ao contorno da Serra do Curral, visto que a estrada seguia pelos vales do ribeirão Arrudas e rio das Velhas. A estrada para Venda Nova seguia na direção oposta aos demais caminhos na ponte do Sacco , divisa do arraial e a Vargem da Lagoinha, esta última localizada entre a Serra da Onça e o ribeirão Arrudas. Era a principal rota de ligação entre o arraial e o norte de Minas Gerais. Existiam nas imediações do arraial trinta e uma fazendas destinadas à cultura e criações, além de alguns povoados, nos quais se destacavam os arraiais do Pinto, Calafate, Piteiras e Bento Pires (DIAS, 1897, p.86). Dentre as produções agrícolas Vaz de Melo, Cerqueira e Vieira (BARRETO, 1936, p.165) destacam a produção de farinha de mandioca, cana e milho entre as culturas praticadas nas propriedades rurais, assim como as criações de vacas e porcos para abastecimento do arraial e das cidades e vilas próximas, e o cultivo de frutas temperadas para abastecimento local. Barreto (1936, p.166) observa ainda a extração de madeiras realizadas nas fazendas para a mina de Morro Velho, realizada de forma regular até a chegada da Comissão Construtora da Nova Capital no ano de 1894.
Perspectiva na direção N do arraial de Belo Horizonte no ano de 1894 a partir do Morro do Cruzeiro. À esquerda a estrada para Congonhas de Sabará e ao fundo a Serra da Onça/Contagem. Pintura de Émile Rouède - MHAB acervo CCNC.
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A ponte do Sacco sobre o ribeirão Arrudas se encontrava próxima ao cruzamento da Avenida do Contorno e ruas Tupinambás e Rio Grande do Sul. A ponte primitiva foi destruída na grande enchente de janeiro de 1915.
Mapa do arraial de Belo Horizonte (1893) e os atributos representados em destaque, representados a partir da coleta de dados realizada pela ComissĂŁo de Estudos das Localidades, similar a realizada pelo engenheiro Herculano Velloso Ferreira Penna. Modificado de Arquivo PĂşblico Mineiro
Nesse sentido, é importante observar que ao longo do século XIX o Curral del Rey se consolidou na produção de gêneros alimentícios, de farinha e de aguardente de cana, vendidas no próprio arraial nos finais de semana e nos núcleos urbanos das redondezas, existindo ainda alguns curtumes estabelecidos na porção sul do arraial (MINAS GERAES, 1893, p.15) e uma pequena exploração de ouro, realizada por uma companhia inglesa no Taquaril (BARRETO, 1936, p.143). O Curral del Rey, de acordo com Dias (1897, p.29-30) era desabitado durante a semana, uma vez que a população passava a maior parte do tempo ocupado com suas indústrias, tais como a agricultura e o gado, bases da economia do arraial. Nos finais de semana o povoado se tornava ponto de convergência da população em busca dos deveres religiosos e das práticas comerciais. Ressalta-se que na primeira metade do século XIX ocorreu uma tentativa de diversificação comercial na Freguesia, com o estabelecimento de uma pequena indústria de forjamento de ferro e bronze nas imediações do arraial, próximo a Lagoa de Maria Dias e a Fazenda do Sacco, trecho correspondente ao cruzamento da Avenida Paraná e Rua Carijós (BARRETO, 1936, p.179). As análises e caracterizações realizadas por Penna (BARRETO, 1936, p.228) apontavam a existência de grandes áreas devolutas pertencentes ao Estado, além do baixo valor das casas, fatores que em conjunto com as análises do sítio, posição e recursos de vida, preponderaram para a primeira escolha de Belo Horizonte para sediar a nova capital do estado, ocorrida no mês de abril de 1891. A indicação do local para a construção da nova capital não agradou o Congresso Mineiro, então composto em sua maioria por políticos da região sul e da zona da mata do Estado, sugerindo a criação de uma comissão que escolheria o sítio que receberia a nova capital, a partir dos estudos de cinco localidades pré-definidas pelos congressistas, assim como diretrizes estabelecidas para a comissão, de acordo com os preceitos sanitários e higiênicos do período (MINAS GERAES, 1893, p.14). Após os estudos nas cinco localidades indicadas, a comissão encaminhou para o Congresso Mineiro um relatório contendo os aspectos positivos e negativos de cada localidade, sobressaindo-se entre as localidades estudadas Belo Horizonte e Várzea do Marçal, sendo esta última indicada pelo engenheiro para sediar a nova capital (MINAS GERAES, 1893, p.76). No entanto, o Congresso Mineiro decidiu-se pelo arraial de Belo Horizonte, uma vez que a Várzea do Marçal se encontra próximo a São João del Rey e Barbacena, localidades de secular influência política, além de se encontrar em posição não condizente com os planos do Estado, que buscava a criação de uma capital com posição geográfica que atendesse a todos os pontos do território mineiro.
Comissão construtora da Nova Capital e o arraial de Belo Horizonte (1894/1895) Com a escolha do arraial de Belo Horizonte para receber o novo centro administrativo estadual, ocorrida em dezembro de 1893, foi formada uma comissão designada pelo Estado para estudar de maneira mais detalhada o sítio, com o intuito de empreender a construção da nova capital dentro do prazo estabelecido pelo Congresso Mineiro, criada a partir do Decreto nº 680, de 14 de fevereiro de 1894, que concedeu a Aarão Reis, nomeado engenheiro-chefe da Comissão Construtora da Nova Capital, amplos poderes para criar e coordenar as divisões de serviço responsáveis pelos levantamentos de campo e estudos diversos relacionados ao sítio que se construiria a nova capital de Minas Gerais.
A CCNC, logo após a sua chegada ao arraial, em um primeiro momento procurou realizar os estudos necessários para a desapropriação do arraial e para a construção do ramal ferroviário, assim como a realização de uma pesquisa mais detalhada do meio físico para a construção da cidade, sendo que, em maio de 1894, todas as propriedades que se encontravam dentro do perímetro estabelecido pela Comissão de Estudos das Localidades no ano anterior, aproveitado pela CCNC para a nova capital foram desapropriadas (BARRETO, 1936, p.56). A partir dos trabalhos realizados pelas divisões da CCNC nos anos de 1894 e 1895 foram elaboradas inúmeras plantas que representam o tecido urbano do arraial de Belo Horizonte, as estradas, a rede hidrográfica, a malha urbana ortogonal da nova capital, as propriedades rurais inseridas no perímetro e os terrenos devolutos compreendidos entre a Serra do Curral e a margem direita do ribeirão Arrudas. Observa-se que as propriedades rurais do limite sul do arraial de Belo Horizonte e a Lagoa Seca se encontravam dentro do perímetro da CCNC, sendo que a lagoa se localizava em terrenos devolutos, ladeada pelas terras das Fazendas do Cercadinho, Capão e a uma distância considerável a Fazenda do Leitão, todas inseridas dentro do perímetro da nova capital. Ressalta-se que a desapropriação das propriedades rurais se deu não só por estarem inseridas no perímetro, mas também pela quantidade de mananciais que existiam no sopé da Serra do Curral e localizadas dentro das propriedades, ao mesmo tempo em que as nascentes dos córregos do Acaba Mundo, Gentio, Mangabeiras, Serra e Cardoso se encontravam em terrenos devolutos, que se estendiam desde o arraial até o cume da Serra do Curral, abrangendo terras atualmente ocupadas pelos bairros Belvedere, Mangabeiras, Sion, Cruzeiro, Anchieta, Funcionários, Serra, Carmo e de parte do Aglomerado da Serra.
Arraial de Belo Horizonte no ano de 1894. Ao fundo a Serra da Contagem. Acervo MHAB.
Restos do marco geodĂŠsico da Boa Vista, construĂdo pela CCNC no ano de 1894. Foto do Autor
Rede hidrográfica da margem direita do ribeirão Arrudas, os terrenos devolutos e as fazendas correspondentes à porção sul do perímetro, desapropriadas pela CCNC no ano de 1894. Elaborado pelo Autor
Planta topográfica e cadastral da área destinada a Cidade de Minas. A planta, elaborada pela CCNC no ano de 1895, apesar de não contemplar a porção do perímetro correspondente a Lagoa Seca, Fazenda do Cercadinho e porção sul da Fazenda do Capão, contém informações que possibilitaram ao Autor a identificação de elementos-chave sinalizados no mapa, que contribuíram de maneira significativa para a elucidação das dúvidas que pairavam sobre as propriedades rurais das terras da porção sul do arraial de Belo Horizonte. Modificado de APCBH Acervo CCNC
Elemento nº1: planta de todo o perímetro da CCNC, baseada na Planta geodésica, topográfica e cadastral, apresentada no mesmo ano. APCBH acervo CCNC
Elemento nº2: relação dos proprietários dos bens imóveis dentro do perímetro da CCNC. APCBH acervo CCNC
Elementos nº3 e 4: detalhe dos proprietários números 285 e 293, correspondente ao processo de desapropriação da Fazenda do Capão. Por algum motivo, até agora desconhecido, os números referentes as propriedades de Ilídio Ferreira da Luz (285 e 286) e José Ferreira da Luz (289) se encontram sinalizados, ressaltando que os números também se encontram representados na planta de desapropriação (página 86), fato que possibilitou a conexão entre as plantas, o processo e as cadernetas de campo. Abaixo: sinalização das terras do Capão representada na Planta, abrangendo apenas a sede da fazenda (285). Detalhe para as sedes do Capão (A) e Leitão (B), representadas pela CCNC. APCBH acervo CCNC
As Fazendas da porção sul do arraial
Perspectiva de um rancho na Rua de Congonhas, 1894. Acervo MHAB
A região e o espaço rural pré-CCNC, abordados de maneira geral pela historiografia, colaborou para a consolidação de erros históricos que contribuíram para a formação de uma obscuridade nas terras representadas nas plantas de desapropriação, elaboradas pela Comissão Construtora no ano de 1894. Nesse sentido, a partir de Borsagli (2017, p.407-408), faz-se necessário um breve histórico das fazendas que serão analisadas: Fazenda do Leitão - de propriedade de Cândido Lúcio da Silveira, é considerada o último remanescente da época do arraial, dentro do perímetro estabelecido pela Comissão Construtora e possuía inúmeras culturas, como cafezais, canaviais e mandioca, além de engenhos de cana e de farinha. Desapropriada no ano de 1894, a sua sede foi inicialmente utilizada como depósito de materiais e escritório dos empreiteiros Manoel Ferreira de Miranda (Barão de Miranda) e J. Francisco Blaksley, se convertendo no início do século XX em viveiro de plantas, sob a chancela de Leon Quet e Henri Gorceix, então inspetor geral do ensino agrícola do Estado. Poupado pelo desvio da Avenida do Contorno e pela tardia urbanização das terras localizadas ao sul da zona urbana planejada, a fazenda era na década de 1930 um casarão em ruínas. A sede foi transformada em museu graças aos pedidos feitos pelo historiador Abílio Barreto ao município, inaugurado no ano de 1943 pelo prefeito Juscelino Kubitscheck.
Fazenda Capão - de propriedade de Ilídio Ferreira da Luz, abrangia uma vasta porção de terras localizadas entre os vales dos córregos do Acaba Mundo e Leitão (bairros São Pedro, Santo Antônio e parte da Savassi) além das cabeceiras dos córregos do Leitão e do Mendonça. Sua sede se localizava nas proximidades do cruzamento da Avenida Getúlio Vargas e Rua Alagoas, às margens do córrego do Mendonça e do aqueduto que abastecia o arraial. As terras abrigavam ainda algumas residências da família e culturas de café, que se localizavam nos bairros São Pedro e Santo Antônio e às margens do córrego do Leitão, onde hoje se encontra a barragem Santa Lúcia, três canaviais na margem leste do Leitão, nos bairros Santa Lúcia e Santo Antônio, dois engenhos próximos aos canaviais (um indício que a fazenda produzia cachaça), algumas roças e uma olaria. Desapropriada no ano de 1894. Fazenda do Cercadinho – de propriedade de José Cleto da Silva Diniz, foi desapropriada no ano de 1894 para a construção da infraestrutura destinada a captação do córrego do Cercadinho. Dentro do perímetro desapropriado, as terras abrangiam as cabeceiras dos córregos do Cercadinho e parte do córrego Chácara e possuía culturas de café, cana e alguns pastos e roças, localizadas próximas ao córrego do Cercadinho e a Fazenda Velha de Manoel Caetano. Ao logo do córrego Chácara existia um grande cafezal e duas roças, próximas a
Fazenda Nova de Miguel Silveira As fazendas do Cercadinho e do Capão limitavam-se com as terras da Lagoa Seca , lagoa cárstica que desapareceu ao longo do processo de desenvolvimento urbano de Belo Horizonte e sobre a qual foi criado o bairro Belvedere no início da década de 1970. Ressalta-se que parte das terras consideradas devolutas pelo Estado no ano de 1894 se encontram em disputa judicial há um século (Processos 2015/0149393-8 e 26,855). Espólios consideráveis costumam se transformar em motivos para desavenças familiares. Nesse contexto, as terras adquiridas por Antônio Mourão Guimarães no ano de 1923 de Cecília Emília de Souza , são motivos de discórdias desde a construção da nova capital, onde os herdeiros dos proprietários das fazendas desapropriadas pela Comissão Construtora no ano de 1894 reclamam a posse das terras compreendidas no sopé da Serra do Curral onde existiu a Lagoa Seca, sob alegação de pertencerem às fazendas do Capão e do Cercadinho. Barreto (1936, p.97-104), por sua vez, atribui a posse primitiva das terras para Antônio de Sousa Guimarães, sesmeiro do primeiro quartel do século XVIII, do qual seus herdeiros, de maneira legitima, possuíam direitos sobre parte dos terrenos devolutos mapeados pela CCNC. Para o autor: Essas terras da Lagoa Seca têm provocado litígios por falta de documentos que provem a quem elas pertencem legalmente. A nosso ver, pelo menos parte dessas terras não era devoluta, pois pertencia a velha fazenda do Capão Grande, que a 15 de setembro de 1817 foi vendida a vários moradores do arraial de Curral del Rei (...). (BARRETO, 1936, p.102). De acordo com a Planta Geodésica, Topográfica e Cadastral da zona estudada, CCNC 1895. Matrícula 9.589, 1º Ofício do Registro de Imóveis de Belo Horizonte.
É importante salientar que não consta na Lei n.601 (Lei de Terras) a posse das terras referentes a Lagoa Seca (1854), onde a fazenda do Capão Pequeno fazia divisa com a Lagoa Seca, não constando em nenhum documento a posse da referida lagoa (BARRETO, 1936, p.120-141). Nas declarações colhidas pelo pároco da Paroquia de Nossa Senhora da Boa Viagem, incumbido de recolher as declarações das propriedades rurais da respectiva paróquia, o topônimo Lagoa Seca aparece em diversas declarações, ora como marco divisor de terras, ora como referência geográfica, no entanto nunca pertencendo a nenhuma das propriedades declaradas. No ano de 1854 o Capão Grande aparece como propriedade de João de Seixas Ferreira e outros, abrangendo uma porção de terras de setenta alqueires que divisava com a fazenda do Cercadinho, de propriedade de Francisco Antônio Vaz de Melo e de Antônio da Silva Porto, este último proprietário da fazenda do Leitão. Já o Capão Pequeno, de propriedade de João da Costa Torres, divisava com o Capão Grande, com o Leitão, com o arraial e com a Lagoa Seca (BARRETO, 1936). Portanto, nenhumas das propriedades abordadas abrangiam as terras da Lagoa Seca, de acordo com as declarações entregues ao pároco. Um parecer técnico realizado no ano de 2009 dá notícias sobre o litígio das terras da Lagoa Seca, indicando a existência de uma nota escrita pelo prefeito Bernardo Pinto Monteiro sobre a questão (RELATÓRIO, 2009, p.47), que adquiriu as terras após a inauguração da capital, na qual o ex-prefeito indicava ainda que todos os herdeiros de Cândida de Sousa já haviam sido indenizados pelas terras da Lagoa Seca. Ressalta-se que a afirmação de Monteiro apresenta um erro de localização, visto que a Fazenda do Cercadinho fazia divisa com a Lagoa Seca e não a Fazenda do Cercado da família Sousa, que se localizava nas proximidades da confluência do córrego do Cercadinho e ribeirão Arrudas, correspondente a parte dos bairros Betânia e Palmeiras. Nesse contexto, Barreto (1936, p.101-103) indica ainda a inexistência de documentos que confirmam a propriedade dos herdeiros da Fazenda Capão, chegando a afirmar que um manuscrito do ano de 1817, escrito por Felícia Goncalves de Sousa e João Antônio de Sousa, corrobora a propriedade particular de parte das terras da Lagoa Seca para os herdeiros de Antônio de Sousa Guimarães, a partir de uma divisa que findava no corguinho que fica adiante da Lagoa Seca. Em relação às observações de Barreto, o Relatório dos Estudos das Localidades, do ano de 1893, apresenta uma outra realidade. Samuel Gomes Pereira, engenheiro responsável por avaliar o arraial de Belo Horizonte, pontua a necessidade da realização de uma nova demarcação dos terrenos das propriedades que circundam o arraial, visto a abertura de valas de divisa em terrenos devolutos por falta de documentação legal e de medições fidedignas, onde certamente muitos dos moradores aproveitaram a especulação que atracou no arraial nos anos de 1890/1891, a partir da indicação para sediar a nova capital (BORSAGLI, 2017, p.40). O relatório apresentado pelo engenheiro a respeito da Lagoa Seca fornece importantes observações sobre a lagoa e as terras adjacentes, ao cogitar o seu aproveitamento para a produção de víveres, certamente influenciado pelo Sr. Paul Michéa, médico e botânico francês que havia realizado no período um requerimento ao Estado para concessão dos terrenos devolutos da Lagoa Seca, com a finalidade da produção de víveres de clima temperado:
A Lagoa Seca é formada por uma grande depressão do terreno de forma mais ou menos elíptica, cujo fundo é de rocha, assim como as paredes que a circundam, de modo a formar um verdadeiro depósito, onde a água chega a atingir a profundidade de dois metros. O escoamento se faz completo pelas cabeceiras do córrego do Leitão, circunstancia pela qual se deu o nome de Lagoa Seca. Um açude de duzentos metros de comprimento e dois de altura, impedindo o esgoto da lagoa, daria lugar a formação de um grande tanque, o qual se poderia aproveitar com vantagem para a piscicultura (...). Às margens da Lagoa Seca estende-se vasta planície de boas terras, muito própria para a cultura de todas as plantas da zona temperada e que poderia ser aproveitada para a fundação de uma colônia. Consta-nos que o Sr. P. Michéa com este intuito requereu ao Governo do Estado a concessão de grande extensão de terrenos devolutos, nos quais estão incluídos a Vargem Grande e a Lagoa Seca, conforme verificamos pelos marcos levantados por este engenheiro na medição que fez dos terrenos que requereu, onde encontramos grande extensão de terreno roçado e um lindo viveiro de parreiras. A leste da lagoa serpenteia um pequeno córrego ao lado do viveiro e água para abastecimento da colônia não faltará, desde que se conduza para aquele ponto as águas do Capão da Posse, para que o bastará desobstruir o rego que abriu antigamente a Companhia do Morro Velho, com o intuito de leva-lo até as suas minas. (MINAS GERAES, 1893, p.27)
A contradição entre as observações de Abílio Barreto e de Samuel Gomes Pereira são claras, uma vez que as terras eram oficialmente devolutas. O historiador, que chegou a Belo Horizonte no ano de 1895, possivelmente se encontrava influenciado pelo contexto social-aristocrático do período em que escreveu suas obras, ao louvar famílias curralenses que julgava serem pioneiras no povoamento das terras, que por falta de documentação e demarcações fidedignas, são consideradas pelo autor proprietárias das terras litigiosas, ressaltando que Barreto transcreveu quase que integralmente os documentos que teve acesso, sendo perceptível as lacunas existentes entre os períodos abordados em seus dois volumes do Memória Histórica e Descritiva. Observa-se ainda que Barreto não cita em suas obras o conteúdo dos processos de desapropriação das fazendas, documentos que possuem importantes informações a respeito das propriedades rurais em questão . Barreto (1936, p.103) afirma ainda que a região da Lagoa Seca pertencia aos antepassados de Antônio Mourão Guimarães, que adquiriu as terras no ano de 1923. O curso d’água indicado pelo historiador, pelas informações fornecidas, certamente se trata do córrego do Cercadinho, que se encontra adiante da Lagoa Seca quando se partia do arraial. As terras, de acordo com o relatório do ano de 1893 e a planta geodésica, topográfica e cadastral georreferenciada de 1895 eram devolutas, ou seja, é contraditória a afirmação de que a Lagoa Seca possuía proprietários, uma vez que o registro de 1817 não confirma se as terras se encontravam inseridas nas terras do Capão Grande. Partindo da fidedignidade da documentação cartográfica e manuscrita deixada pela CCNC, o registro 13.458 existente no Primeiro Oficio do Registro de Imóveis corrobora as informações contidas nas plantas dos anos de 1894 e 1895: Várzeas do Capão da Posse, atualmente ocupadas por parte do tecido urbano do Barreiro. Parte dos documentos de desapropriação reunidos pela CCNC no ano de 1894 referente a Fazenda Capão (Processo 285 a 293) possivelmente desapareceram do APCBH, existindo somente em microfilme no Arquivo Público Mineiro. Ressalta-se que foi o único processo pesquisado até o presente momento que teve documentação suprimida.
Uma sorte constituídas de partes anexas de terras das antigas Fazendas denominadas Capão Pequeno e Leitão neste distrito e município de Belo Horizonte, com área de 20 alqueires geométricos, mais ou menos, situadas, ditas terras, no lugar denominado “Lagoa Seca” e havidas por compra que o finado Ilídio Ferreira da Luz fez a Manoel João de Faria e conforme escritura pública, nas notas do escrivão de paz do extinto distrito de Curral del Rey datada de 20 de abril de 1868, a herança de sua mulher Camila Cândida de Jesus, no inventario de sua mãe, Francisca Cândida de Jesus, casada que foi com o Capitão Francisco Luiz de Carvalho, a referida sorte de terras tem os seguintes limites e confrontações: com a antiga estrada que ia do antigo arraial Curral del Rey a localidade denominada Mutuca, isto é com a essa estrada que é o ponto em que as terras das fazendas do Capão Grande, Leitão e Cercadinho confinam nesse ponto atualmente existe o canto de uma cerca de arame farpado, nessa linha de limite as terras do espólio, ora sobre partilhados, confrontam com terras da aludida fazenda do Capão Grande, desse ponto, seguindo a direção da dita cerca que está nas fazendas do Leitão e do Cercadinho, vai até o alto de um morro por onde passa a mesma cerca, esse alto do morro fica entre a Lagoa Seca e as terras da fazenda do Cercadinho, que pertencia a Francisco Luiz de Carvalho, nessa linha de limite as terras do espólio confrontam com terras do moro redondo, até encontra a referida estrada da mutuca, onde teve começo o limite e confrontações já descritas (...) (1º OFICIO DE NOTAS, REGISTRO 13.458).
A citação, oriunda dos processos estabelecidos pelos herdeiros das propriedades desapropriadas, é clara no que diz respeito à Lagoa Seca, cujas terras não pertenciam a nenhuma das propriedades sendo, portanto, devolutas, fato observado abaixo a partir das informações coletadas dos documentos cartográficos e dos manuscritos da CCNC, que contém ainda as assinaturas dos proprietários das fazendas no ato de desapropriação, ressaltando que os limites reconhecidos pelos proprietários se encontram em concordância com a plantas anexadas aos processos, que por sua vez, estão em conformidade com a planta Geodésica. Observa-se ainda que a Lagoa Seca fazia divisa com a Fazenda do Cercadinho, se encontrando inserida na sua totalidade nas terras devolutas do Estado. Os limites das propriedades revelam ainda a importância dos interflúvios das sub bacias dos córregos do Cercadinho e do Leitão na divisão das terras, pontos de contato das propriedades que dos cursos d’água herdaram os seus topônimos e da fazenda Capão, cujas terras abrangiam ainda as cabeceiras do Leitão e do Mendonça. Nesse sentido, o georreferenciamento da planta geodésica, topográfica e cadastral da CCNC permitiu ainda estabelecer os limites das propriedades rurais da porção sul do perímetro, nas quais os interflúvios das sub bacias do Leitão, Cercadinho, Chácara, Acaba Mundo e Pintos eram os limites naturais das propriedades em questão, assim como as cabeceiras dos córregos do Zoológico e Barro Preto, afluentes do Leitão, delimitavam ao nordeste e a noroeste a fazenda de Cândido Lúcio da Silveira e os terrenos devolutos representados na planta de 1895. Ressalta-se que as três propriedades, juntamente com a Fábrica de Ferro que existiu às margens do ribeirão Arrudas, consumiram grande parte dos recursos destinados às indenizações das propriedades desapropriadas dentro do perímetro estabelecido para a nova capital.
Planta geodésica, topográfica e cadastral de Belo Horizonte (1895). Em destaque a Fazenda do Capão (A), Fazenda do Cercadinho (B) e Fazenda do Leitão (C) e a Lagoa Seca (D). Modificado de MHAB acervo CCNC
Planta de desapropriação da Companha Fábrica de Ferro, 1894. Detalhe para o desvio das águas no ribeirão Arrudas, na confluência do córrego da Serra. No referido trecho foi construído pela CCNC o Matadouro Municipal, que funcionou no local até a década de 1930. APCBH acervo CCNC
Planta da fazenda de Ilídio Ferreira da Luz (Capão), desapropriada pela CCNC no ano de 1894. Detalhe para a declaração assinada pelo proprietário. APCBH acervo CCNC
Planta de parte das terras da fazenda do Cercadinho, desapropriadas pela CCNC no ano de 1894. Detalhe para a declaração assinada pelo procurador dos herdeiros. APCBH acervo CCNC
Planta da fazenda de Cândido Lúcio da Silveira (Leitão), desapropriada pela CCNC no ano de 1894. Detalhe para a declaração assinada pelo proprietário e para a assinatura de Saturnino de Britto, chefe da 1ª seção da 5º divisão da CCNC, responsável pelos estudos de água, esgotos e canalização de cursos d’água. APCBH acervo CCNC
Recibo de recolhimento do imposto referente à compra da Fazenda do Leitão, adquirida por Cândido Lúcio da Silveira no ano de 1883. APCBH acervo CCNC
Sendo assim, torna-se inviável o fato de que a Casa da Fazendinha tenha pertencido às terras da Fazenda do Cercadinho, visto que o casarão, ainda existente às margens da Barragem Santa Lúcia e do córrego do Leitão, encontra-se localizado a cerca de três quilômetros do local de divisa entre as fazendas Capão e Cercadinho. Portanto, a propriedade se encontra dentro das terras da antiga fazenda Capão, não sendo possível afirmar de maneira precisa a data da construção, possivelmente por volta de 1910, correspondente ao período de existência da Colônia Agrícola Afonso Pena (1899/1914). O processo de tombamento da Casa da Fazendinha, elaborado no ano de 1992, inclui um documento que contém informações relacionadas às terras da Fazenda do Cercadinho e não a Fazenda Capão, fato que pode ser atribuído aos estudos realizados de maneira geral a respeito das propriedades rurais no período de desapropriação (1894), ainda que a cartografia deixada pela CCNC seja rica em informações e aponte as divisas das propriedades:
É praticamente inexistente uma bibliografia que apresente dados consistentes sobre a ocupação da Barragem Santa Lúcia e da Casa de fazenda que se encontra neste local. Esta região, hoje ocupada por uma favela abriga no meio de seus casebres uma construção feita em adobe, de aproximadamente 100 anos que provavelmente foi a sede da Fazenda do Cercadinho. Originalmente, quando da fundação da Capital, esta fazenda com aproximadamente 200 alqueires pertencia a José Cleto da Silva Diniz. No início do século parte destas terras foram desapropriadas para demarcação da futura “Colônia Afonso Pena” que tinha por objetivo formar o cinturão verde da Capital recém-criada. Observando o mapa do município de Belo Horizonte de 1940 podemos encontrar o registro da ex-colônia agrícola justamente na região hoje denominada “Favela da Barragem Santa Lúcia”. Em um relatório de 1894 que faz parte do processo de desapropriação da Fazenda do Cercadinho encontramos uma descrição da área. As terras eram servidas por um grande manancial de aguas abastecidos por vários córregos e uma lagoa. A Fazenda do Cercadinho fazia divisa com a Fazenda do Bom Sucesso e também a Fazenda do Cercado, primitiva posse de Joao Leite da Silva Ortiz, terras estas que originaram Belo Horizonte. As terras da Fazenda do Cercadinho possuíam matas em que se encontravam boas madeiras de construção e de difícil exploração e sua cultura limitava-se a do café, cana, mandioca, milho e feijão. Havia também uma sede compreendendo uma casa de habitação moinho, engenho de farinha, moinho e engenho de açúcar. Em frente à casa há outras edificações, tudo está quase novo e em bom estado de conservação (BELO HORIZONTE, 1992, PROCESSO 010047139649, p.10-11).
Ressalta-se que a Fazenda do Cercadinho possuía duas sedes, de acordo com a planta de desapropriação e a planta geodésica, topográfica e cadastral. A Fazenda Velha de Manoel Caetano se encontrava na margem leste do córrego do Cercadinho, local que atualmente integra o manancial do Cercadinho, de propriedade da Copasa. A Fazenda Nova de Miguel Silveira se encontrava na margem leste do córrego Chácara, curso d’água que se encontra atualmente sob a Avenida Barão Homem de Melo. Portanto, a citação acima não se aplica à Casa da Fazendinha, ainda que Pereira (2012, p.88), possivelmente baseada no processo de 1992, também afirme que a Casa da Fazendinha se refere a Fazenda Nova do Cercadinho. É importante ressaltar que Borsagli (2012; 2014) já havia observado que a Casa da Fazendinha se encontrava nas terras da Fazenda Capão, no entanto, também baseado no processo de tombamento, afirmou que o imóvel era contemporâneo ao arraial. Nesse sentido, a partir do uso de técnicas de geoprocessamento e trabalhos de campo realizados no local, amparados ainda pela ampla pesquisa realizada por Hoyuela Jayo (2015), que digitalizou e analisou o arraial e o seu entorno dentro do perímetro da CCNC, ficou comprovado que o casarão não é contemporâneo ao arraial, ou seja, faz-se se necessária a realização das devidas correções afim de se corrigir os erros históricos desencadeados pelo processo de tombamento e disseminado pelos meios de comunicação e pela academia, como já apontados por Borsagli (Curral del Rey, 2012; 2014). Ao que tudo indica, a fazenda nova do Cercadinho existiu até meados da década de 1950, próximo a estrada municipal do Cercadinho, na margem oeste do córrego Chácara. A porção correspondente à fazenda velha abrigou durante décadas a caixa d’água do Cercadinho, primeiro manancial de abastecimento da nova capital (1897), no local ocupado atualmente por um clube da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA). Páginas 91, 92, 93 e 94: Imagens da Casa da Fazendinha no ano de 1992 e a deliberação de tombamento, inseridas no processo 010047139649. Detalhe para os Ladrilhos da imagem da página 93, similares aos Ladrilhos dos edifícios históricos da PUC Minas. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte.
Casa da Fazendinha no aglomerado Santa Lúcia, 2013. Foto do autor
Fazenda Velha (A) e Fazenda Nova (B) do Cercadinho, representadas à esquerda na planta de desapropriação (1894) e acima na planta do ano de 1936. Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte
As fazendas da porção sul do perímetro (1894), a rede hidrográfica parcial e a posição geográfica da Fazenda Velha e Fazenda Nova do Cercadinho, da Casa da Fazendinha e da Casa de José Ferreira da Luz. Elaborado pelo Autor
De acordo com o Guia de Bens Tombados de Belo Horizonte (CASTRO, 2006, p.290), o casarão foi construído no ano de 1894 (data atribuída de forma errônea), mesmo ano da desapropriação da fazenda Capão, o que leva a supor que poderia ser um indicativo da preservação do imóvel número 289 (CCNC, 1894), que pertencia a José Ferreira da Luz no momento da desapropriação e que também se localizava na margem leste do córrego do Leitão. Nesse sentido, a partir do georreferenciamento da planta de desapropriação da Fazenda do Capão e da imagem aérea do ano de 1953, o traçado do curso d’água, parcialmente preservado até a década de 1960 e a localização do imóvel na planta de 1894 corroboram a ideia de que o casarão foi construído após o ano de 1897, a cerca de quinhentos metros à jusante da propriedade de José Ferreira da Luz, à beira da estrada que ligava a propriedade ao arraial. O georreferenciamento possibilitou ainda o levantamento da hipótese de que a casa de José Ferreira da Luz ainda existia nos anos de 1953 e 1967, apesar das profundas alterações na região, inicialmente destinada a abrigar a Colônia Agrícola Afonso Pena e posteriormente anexada à zona suburbana de Belo Horizonte, indícios da ruralidade que existiu na região até a década de 1960. A Casa da Fazendinha, como observado anteriormente, foi construída em um dos lotes coloniais que compunham a Colônia Agrícola Afonso Pena, criada no ano de 1899 no vale do córrego do Leitão. Ao que tudo indica, o casarão foi construído por volta de 1900, à beira da estrada que ligava a colônia agrícola à Zona Urbana Planejada. A posição geográfica do casarão, de onde se descortinava as terras altas e as cabeceiras do Leitão, também pode ser considerada um indício de que parte dos locais de cultivo da Fazenda Capão possam ter sido aproveitados pelos colonos, visto que o imóvel foi construído ao lado de uma das roças que se encontravam próximas a casa de José Ferreira da Luz. Após a anexação da colônia à Zona Suburbana no ano de 1914, diversas sociedades comerciais adquiriram os lotes parcelados, como as sociedades Poni & Josué, que já possuía uma cerâmica no bairro Santo Antônio, e a sociedade Anastasia, Barros & Cia. De acordo com Pereira (2012, p.120), o casarão fez parte da Cerâmica Santa Maria, que existiu no local onde se construiu a Barragem Santa Lúcia. Nesse contexto, após o parcelamento e venda dos lotes coloniais, o casarão possivelmente serviu como sede da Cerâmica, certamente desapropriada pelo município por volta de 1950 para a construção da barragem de retenção: Aqui tinha duas fazendas. (...) Era a fazenda do Diomar – era lá em baixo, quase no final donde que é... Que eles fizeram aquela pracinha ali, pracinha da Lagoa, no final da Lagoa. Ali era a fazenda do Diomar. E no córrego que construíram os moinhos d’água. E aqui, nesse rumo aqui a cima, era a fazenda do Anastásia. (...) A família Anastásia (risos). Um pedaço desse terreno aqui era deles. A Casa da Fazendinha, ali estava dentro do terreno do Diomar. Ali era Colônia Afonso Pena. Dentro da lagoa tinha a olaria velha e tinha aquela fazenda. (...) Essas fazenda tinha tomador de conta, mas eles não interferiam....Que eles passavam mesmo a fazenda. Tinha gente que tomava conta, mas os proprietários já não moravam mais. Era só mesmo a fazenda, demarcando aqueles territórios ali. (...) Que quando eles fizeram o reservatório em cima, estragaram o terreno, né!? Então, qualquer dia eles pararam de pagar imposto. A prefeitura também... Então, ficou aquele negócio que nem era da Prefeitura e nem era dos fazendeiros (PEREIRA, 2012, p.119).
Após o encerramento das atividades, alguns funcionários da Cerâmica ocuparam o casarão provavelmente desapropriado, que passou a ser utilizado como residência até a atualidade (2019), ainda que de maneira parcial, por se encontrar em estado de arruinamento.
O georreferenciamento das propriedades rurais, em sobreposição com a malha urbana ortogonal projetada pela CCNC revelou ainda que a sede da Fazenda do Capão se localizava no cruzamento da Avenida Getúlio Vargas e Rua Sergipe, além de uma pequena porção da propriedade, correspondente a uma parte do bairro Funcionários. A sede da Fazenda do Leitão também se encontrava inserido na malha projetada pela CCNC, no entanto, a partir das modificações ocorridas na planta nas três primeiras décadas do século XX, os diferentes usos do casarão e a urbanização tardia da região, a sede não foi demolida, tornando-se o Museu Histórico de Belo Horizonte, inaugurado no ano de 1943. Nesse contexto, o desvio da Avenida do Contorno para o trecho projetado para a Avenida Barbacena, entre as Ruas Joaquim Murtinho e Antônio de Albuquerque, foi fator preponderante para a preservação da sede, visto que, possivelmente, já existia uma consciência da necessidade de preservação da sede da Fazenda do Leitão, um dos últimos imóveis remanescentes do arraial do Curral del Rey. A avenida, se aberta de acordo com a Planta de 1895, incluiria o casarão dentro dos limites da zona urbana planejada e assim selaria a sua demolição, ressaltando que desde o final do século XIX as terras adjacentes à fazenda eram utilizadas para fins agrícolas e botânicos. A Fazenda do Cercadinho foi desapropriada não só por se encontrar dentro do perímetro da nova capital, mas por abrigar o primeiro manancial de abastecimento de água de Belo Horizonte (BORSAGLI, 2016, p.68). Ressalta-se que foi desapropriada apenas a parte que se encontrava dentro do perímetro da nova capital, onde grande parte do trecho desapropriado se encontra protegido pelo manancial do Cercadinho, de responsabilidade da COPASA.
Capa e uma das páginas da Caderneta de campo da CCNC (1894) correspondente ao trecho do engenho de cana de José Ferreira da Luz, onde se planejou a construção de um açude para abastecer os sítios que circundariam a nova capital. O projeto do açude acabou se tornar a barragem de retenção do Leitão. Existem referências à casa de José Ferreira da Luz em outras cadernetas, que até então passaram despercebidos por diversos pesquisadores, uma vez que muitos elementos contidos nelas são ignorados ou não compreendidos pelos mesmos. Acervo MHAB fotografada pelo Autor no ano de 2014
Espacialização aproximada da Casa da Fazendinha e da casa de José Ferreira da Luz (289), na planta de desapropriação da Fazenda Capão (1894). Modificado de APCBH/CCNC
Espacialização aproximada da Casa da Fazendinha, da Cerâmica Santa Maria e da possível casa de José Ferreira da Luz, em imagem aérea do ano de 1953. Modificado de acervo APCBH
B
A
Córrego do Leitão, possível casa de José Ferreira da Luz (A) e Casa da Fazendinha (B), em imagem aérea do ano de 1967 georreferenciada. Detalhe para a casa à oeste na imagem A (?), reminiscência de uma propriedade rural que pode ter ligação com a Fazenda Capão e com a Colônia Afonso Pena. Modificado de APCBH
Morro do Papagaio e a Casa da Fazendinha no ano de 1974. APCBH Acervo SUDECAP
Córrego do Leitão à montante da Avenida do Contorno, 1949. APCBH/ASCOM
Persistente ruralidade na região sul de Belo Horizonte, 1953: em meio ao tecido urbano que se encontrava em expansão para as terras das antigas propriedades rurais, destacam-se a o traçado projetado da Avenida do Contorno e o traçado executado, a sede da Fazenda do Leitão, parte das valas de divisa entre a referida propriedade e os terrenos devolutos da porção oeste do perímetro da CCNC (1895), o contraste do traçado dos bairros Cidade Jardim e Coração de Jesus, a Rua Conde de Linhares, uma das estradas para a Colônia Afonso Pena e a Rua Anita Garibaldi, parte do antigo caminho entre o povoado do Pinto e a Fazenda do Cercadinho. Modificado de APCBH
Sobreposição das fazendas, a rede hidrográfica parcial e parte dos terrenos devolutos da porção sul do perímetro (1894), a malha urbana ortogonal projetada pela CCNC e o tecido do arraial de Belo Horizonte. Elaborado pelo Autor
Nessa conjuntura, dentre as três propriedades rurais do limite sul do perímetro, a Fazenda do Cercadinho apresenta no seu dossiê de tombamento descrições mais detalhadas das terras, como a hidrografia da sub bacia do córrego do Cercadinho e a descrição geográfica dos limites da propriedade acompanhados de um croqui, elaborado a partir dos trabalhos de campo realizado pela equipe do engenheiro Georg Verchineider em 1894, no qual a descrição dos limites da propriedade estão em conformidade com as plantas elaboradas pela Comissão Construtora (CCNC, PROCESSO 349). A existência de um outro croqui no dossiê, acompanhado de alguns documentos de venda atesta a antiguidade do litígio em relação à propriedade, vendida para o Estado por procuração, visto que o proprietário, José Cleto da Silva Diniz, havia falecido pouco tempo antes da chegada da CCNC no arraial. Para se ter uma ideia, devido à grande quantidade de herdeiros, o procurador especial do Estado e futuro prefeito de Belo Horizonte, Flávio Fernandes dos Santos, solicitou em dezembro de 1895 a publicação de editais com a finalidade de localizar os inúmeros herdeiros que se encontravam ausentes e com paradeiro desconhecido (MINAS GERAES, 1895, p.7). Nesse contexto, pode-se concluir que o litígio e as desconexões entre as informações sobre os limites das propriedades podem ter origem nesse período, em que muitos dos herdeiros possivelmente não foram encontrados pelo Estado, e após a inauguração da capital no ano de 1897 decidiram resolver a questão através da justiça. O croqui anexado ao dossiê de desapropriação da fazenda (próxima imagem) apresenta uma característica que o distingue dos demais, pois, além dos limites das propriedades rurais (Fazendas do Capão e Cercadinho), se encontra nele representado os lotes da Colônia Agrícola Afonso Pena, criada no ano de 1899, fato que demonstra que o croqui se juntou aos documentos de desapropriação em período posterior a 1897, possivelmente devido as disputas jurídicas sobre as terras. No entanto, a exclusão da Lagoa Seca e de parte das terras adjacentes atestam que a lagoa cárstica não pertencia a nenhuma das propriedades representadas no croqui se encontrando, portanto, em terrenos devolutos, como assinalado pela CCNC. É importante observar que as terras da Fazenda do Cercadinho não se encontravam inseridas na colônia agrícola, devido ao aproveitamento do córrego do Cercadinho para o abastecimento da capital, função que passou a exercer após o ano de 1897. Nos primeiros anos do século XX, a Lagoa Seca era um atrativo muito procurado pela cidade para a caça e para a balneabilidade, tanto que, no ano de 1906, um jovem estudante se afogou em suas águas durante um passeio, fato que consternou a capital mineira (PENNA, 1997, p.91). Para se chegar ao lago, até meados da década de 1940 ainda era utilizada de maneira secundária a velha estrada do Curral del Rey para o Mutuca e Congonhas do Campo, visto que a abertura de uma nova estrada para Nova Lima via Acaba Mundo e Lagoa Seca no ano de 1908 (BORSAGLI, 2017, p.266) relegou ao velho caminho o desaparecimento, ainda que tardiamente e parcialmente, existindo ainda uma pequena porção da estrada conservada pela Vila Estrela e Vila Santa Rita de Cássia. Nas décadas seguintes, as terras devolutas foram adquiridas por particulares e, ao que tudo indica, a lagoa existiu até meados da década de 1940, em um momento em que a mineração começava a se consolidar novamente no Quadrilátero Ferrífero. Bandos de Ariris passavam sobre a cidade, se dirigindo da Lagoa Seca para a Represa da Pampulha, em um período onde as terras da porção sul do município de Belo Horizonte se encontravam parcialmente ocupadas por sítios e reminiscências das propriedades rurais do antigo arraial.
O lago cárstico, de regime intermitente, no ano de 1953 se encontrava desprovido de água, atravessado pela rodovia BR-3 (BR-356) e relativamente afastado da evolução urbana, cujo limite se encontrava nos bairros Sion e São Pedro. As obras de abertura da rodovia, iniciadas no início da década de 1950, não só fragmentou a lagoa, mas também as cabeceiras do córrego do Leitão, além da estrada Curral del Rey-Mutuca, na altura do Morro do Papagaio. É importante observar que as drenagens fragmentadas pela rodovia na década de 1950 se encontram ativas, onde o abatimento da rodovia ocorrido em março de 2018, próximo ao Morro do Papagaio, é resultado dessa fragmentação e da falta de manutenção da drenagem antropizada. Na década de 1960 as terras da Lagoa Seca se encontravam não só atravessadas pela BR-3, mas também exploradas pela mineração, que dali retirava brita calcária para atender a alta demanda da construção civil da iminente metrópole, que atingiu um milhão de habitantes no ano de 1966. Nesse contexto, o perímetro do lago cárstico se encontrava ocupado por um campo de futebol e por uma pista de kart, convertida em pátio de caminhões da mineração de brita. O tecido urbano, sob a chancela da Companhia Urbanizadora da Serra do Curral (CIURBE), a partir do ano de 1968 começou a subir a serra, chegando a região da Lagoa Seca, rebatizada de Belvedere na primeira metade da década de 1970. É importante ressaltar que grande parte das terras das fazendas Capão e Leitão, também foram urbanizadas nesse mesmo período pela CIURBE, destinadas a receber as camadas mais abastadas de Belo Horizonte. As terras da Fazenda do Cercadinho foram urbanizadas a partir da segunda metade da década de 1970, com a construção do conjunto Estrela D’alva e posteriormente dos bairros Estoril e Buritis. Nesse sentido as terras, que um século antes se encontrava destinada a receber uma colônia agrícola de frutas temperadas, passou a ser altamente cobiçada pelos agentes fundiários, onde ocorreu no ano de 1978 a primeira tentativa de liberação do parcelamento e edificação da porção da Lagoa Seca, ocorrido após duas décadas de brigas na justiça e pressões sobre o poder público, que acabou por autorizar, a partir de mudanças na LOUS do município de Belo Horizonte, a verticalização no bairro (BORSAGLI, 2017, p.92-94). Atualmente, a Lagoa Seca (ou o que restou do lago cárstico) se encontra restrita a um pequeno quarteirão transformado em parque, em meio aos edifícios do bairro Belvedere, grande parte erguidos sobre o solo cárstico da região. Do seu leito não existem mais resquícios, conhecido apenas pelos mapas e plantas da CCNC elaboradas nos anos de 1894 e 1895, pelas plantas do município de Belo Horizonte, elaboradas entre 1922 e 1962 e pela imagem publicada no presente livro, descoberta e adquirida pelo Autor na Áustria e que se encontrava até então sem identificação.
Geoprocessamento: Alessandro Borsagli, 2018
Croqui existente no processo de desapropriação da Fazenda do Cercadinho. O documento foi inserido no dossiê após o ano de 1897, visto que nele consta parte dos lotes da Colônia Agrícola Afonso Pena, criada após a inauguração da capital. Detalhe para as divisas das fazendas do Capão e Cercadinho e a Lagoa Seca, próxima aos limites das propriedades e dos lotes coloniais. Modificado de APCBH acervo CCNC
B A C
Vista O da Lagoa Seca no ano de 1899, desde as proximidades da antiga estrada que ligava o arraial de Belo Horizonte a Nova Lima. Detalhe para os contrafortes da Serra do Curral, a perspectiva da própria serra, correspondente ao local do marco geodésico Ponta (A), a Serra da Mutuca (B), as cabeceiras do córrego das Mangabeiras e o espelho da lagoa cárstica (C), em imagem feita possivelmente no verão ou outono. Acervo Alessandro Borsagli
Geoprocessamento: Alessandro Borsagli, 2018
Lagoa Seca e terras adjacentes no ano de 1953, em um momento onde o espelho d’água, possivelmente, não existia mais. Detalhe para o leito da lagoa, a antiga estrada Curral del Rey-Mutuca e a rodovia BR-3 em construção, que ocasionou a fragmentação das cabeceiras do córrego do Leitão. A drenagem norte, sinalizada por uma seta, corresponde ao trecho da BR-356 que sofreu abatimento no ano de 2018. Modificado de APCBH
Porção sul do município de Belo Horizonte no ano de 1962. Detalhe para o tecido urbano, as cabeceiras despovoadas do Leitão e do Cercadinho e a Lagoa Seca atravessada pela rodovia BR-3. Acervo APM
Acima: Lagoa Seca no ano de 1960. APCBH/ASCOM Abaixo: Lagoa Seca no ano de 1967 e a exploração de brita calcária em seu leito. Detalhe para a quase completa destruição do seu leito, que ainda conservava em alguns trechos o seu traçado. À esquerda um campo de futebol (A) e a sua direita a antiga pista de Kart (B), transformada em pátio de caminhões. Nesse local foi construído um shopping center no ano de 1979. Modificado de APCBH
Geoprocessamento: Alessandro Borsagli, 2018
Acima: parte do bairro Belvedere e da Lagoa Seca, 1979. Detalhe para o traçado do lago, correspondente a sua porção norte e as movimentações de terra oriundas da urbanização da região sul, iniciadas oficialmente no ano de 1968. Abaixo: cabeceiras do córrego do Leitão na década de 1980, no trecho próximo à divisa das antigas fazendas Capão e Cercadinho. APCBH acervo SUDECAP
Sobreposição do tecido urbano de parte da região centro sul de Belo Horizonte (2018), do arraial, das três propriedades rurais, da Lagoa Seca e de parte das estradas do Curral del Rey (1895). Imagem: Google Earth; vetores elaborados pelo Autor
Considerações Finais A posição geográfica do arraial do Curral del Rey, no entroncamento das estradas para as minas e para os currais possibilitou a prosperidade comercial do povoado, que manteve um comércio regular com as cidades do entorno até a chegada da Comissão Construtora da nova Capital no ano de 1894 (BARRETO, 1936). A notável quantidade de propriedades rurais que existiam na Freguesia, registradas no cadastro da Lei de Terras e as informações fornecidas nos estudos realizados entre os anos de 1893 e 1895, além de Dias (1997) apontam que a agricultura e a criação de animais foram atividades exercidas com regularidade ao longo dos séculos XVIII e XIX, incrementadas com o surgimento de pequenas industrias a partir da segunda metade do século XIX. Nesse sentido, os estudos realizados pela CCNC entre os anos de 1894 e 1895 apontam a existência de inúmeras propriedades rurais dentro do perímetro delimitado para a nova capital, todas desapropriadas no ano de 1894. Ainda assim, como aponta Barreto (1936, p.99), as propriedades não desapareceram no momento da construção da capital, onde muitas das casas-sede das antigas propriedades rurais existiam nas primeiras décadas do século XX, onde a criação das colônias agrícolas em parte das terras localizadas no entorno da Zona Urbana Planejada é um forte indício da necessidade de se ocupar grandes porções de terra desapropriadas e não ocupadas em um momento em que a capital e o seus edifícios institucionais figuravam como elementos imponentes em meio ao vazio geral. É importante ressaltar que ainda existem no município de Belo Horizonte algumas sedes das antigas fazendas, concentradas na sua maioria na bacia do ribeirão da Onça, região que manteve uma certa ruralidade até a década de 1960. Os trabalhos cartográficos da CCNC, normalmente lidos de maneira geral pelos pesquisadores , permitiram o conhecimento das áreas das propriedades desapropriadas, entre as quais as fazendas do limite sul do arraial, vendidas integralmente para o Estado no ano de 1894 por valores consideravelmente altos (AGUIAR, 2006). As cadernetas de campo da Comissão Construtora, que também possuem informações de grande relevância para a reconstrução da paisagem pré-capital de Minas, e o que se publicou até o presente momento nada mais é que informações pontuais sobre um material riquíssimo de informações e detalhes, merecem ser analisadas de maneira mais detalhada e em conjunto com a extensa cartografia cadastral, geodésica e topográfica elaborada pela CCNC. O parcelamento do solo promovido pelas colônias agrícolas, anexadas à zona suburbana na década de 1910 e a negação do meio e dos elementos que compõem a paisagem rural por uma urbe nascida sob a égide racional e progressista da República, possivelmente contribuíram para o esquecimento da antiga vocação agrícola do solo curralense, que conviveu com a cidade planejada nos primeiros anos separadas por metros e nas décadas seguintes por poucos quilômetros. Nesse contexto, além dos interesses diversos, instaurou-se erros que levaram a propagação de equívocos históricos, como o caso da Casa da Fazendinha e a Lagoa Seca, corrigidos graças ao georreferenciamento das plantas elaboradas pela CCNC, nas quais se encontram os limites das propriedades e as assinaturas dos respectivos proprietários. Exceção feita, entre outros trabalhos de relevância, ao trabalho primoroso de Hoyuela Jayo (Mapa Histórico digital de Belo Horizonte, 2015) e ao atlas histórico Panorama de Belo Horizonte, (Fundação João Pinheiro, 1997).
Associado à cartografia cadastral, o croqui que se encontra no dossiê de desapropriação da Fazenda do Cercadinho, elaborado após o ano de 1897, revalidam os limites exibidos pelas plantas, revelando ainda o secular litígio e conflitos fundiários, que possivelmente contribuíram para a desconsideração dos limites representados nas plantas de 1894. Ressalta-se que os estudos relacionados à Casa da Fazendinha, como observado na introdução do presente livro, iniciaram-se há uma década e foram publicados de maneira pontual e genérica , visto a falta de informações concretas sobre a região e divulgadas em geral, conectadas a algum outro objeto de estudo, como a rede hidrográfica, tendo como ponto de partida o ano de 1894, data atribuída ao casarão. Ou seja, inicialmente, os trabalhos se basearam nas pesquisas realizadas pelo poder público (1992 e 2006), as quais norteiam uma parte dos trabalhos até agora publicados sobre a casa, ressaltando que as informações da CCNC foram de grande importância para a identificação dos erros de cunho geográfico-histórico, expostos e corrigidos no presente livro a partir da análise documental, que vem sendo realizada desde 2010, cujos resultados foram apresentados de maneira prévia no artigo de 2012 e 2014, e do geoprocessamento, que permitiu elucidar as dúvidas que pairavam sobre a posição geográfica das sedes da Fazenda do Cercadinho, a Casa da Fazendinha e a Casa de José Ferreira da Luz. Pode-se concluir que as terras onde o casarão foi construído pertenciam a Fazenda Capão e não a Fazenda do Cercadinho, como está assinalado no dossiê de tombamento elaborado no ano de 1992, fato que não altera a importância cultural, social, afetiva e histórica do casarão. As plantas elaboradas pela CCNC corroboram as informações referentes à posição geográfica do casarão. O casarão pode ser considerado um remanescente da Colônia Agrícola Afonso Pena, possivelmente edificado após o ano de 1900 e em posição geográfica que dão indícios de que parte das roças da Fazenda do Capão podem ter sido aproveitadas pelos colonos. Ou seja, a Casa da Fazendinha não pertenceu ao Capão e nem a José Ferreira da Luz, que possuiu uma casa próximo ao local onde se construiu o casarão após a inauguração da capital (1897). Nesse contexto, o trabalho publicado por Pereira no ano de 2012, também pode ser considerado de grande importância para a reconstrução não só das paisagens pretéritas das terras próximas às cabeceiras do Leitão, mas também por todo o resgate da memória da Casa da Fazendinha e das primeiras ocupações da região, o que a autora realizou de maneira primorosa. O Curral del Rey, desaparecido, consumido e absorvido pela nova capital, em alguns aspectos e proporções, antecede a centralidade desejada pelos políticos mineiros materializada em Belo Horizonte, onde o povoado, ainda que em menor escala, foi de grande importância para o abastecimento e sobrevivência de regiões longínquas e ao mesmo tempo próximas, graças ao comércio e a sua vocação agrícola. Um arraial que se transformou em metrópole, embebido em ruralidade e utopia.
2010: http://curraldelrei.blogspot.com/2010/06/demolicao-da-antiga-matriz-da-boa.html 2011: https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio/BORSAGLI_ALESSANDRO.pdf 2012: http://curraldelrei.blogspot.com/2012/10/a-fazendinha-do-aglomerado-santa-lucia.html 2014: http://curraldelrei.blogspot.com/2014/01/a-fazendinha-do-aglomerado-santa-lucia.html
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Transcrição de parte dos documentos de desapropriação reunidos pela CCNC no ano de 1894 referente a Fazenda Capão
Translado N. [D] do Livro de Nottas deste Destricto d[o] Curral D’ El Rei Esoram [ilegível]Cópia Escriptura publica de Compra e venda qui fazem Manoel João de Faria e sua mulher Dona Marianna da Costa Torres a Ilidio Ferreira da Lus da Fasenda denominada Capão piqueno na forma abaixo. [ilegível] quantos o presente Instrumento de Escriptura publica de compra e venda ou como em direito melhor nome e lugar haja verem que sendo no anno do Nascimento di Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e sessenta e oito, dos vinte dias do mês de Abril do ditto anno, nesta Freguesia e Arraial do Curral d’ El Rei, Municipio e Commarca de Sabará em a Fasenda denominada Capão piqueno sendo eu Escrivão fui vindo, e estando ahi presentes as partes justas contractadas a saber como outorgantes vendedores Manoel João de Faria, e sua mulher Marianna da Costa Torres, e outorgado comprador Ilidio Ferreira da Lus, todos moradores neste Destricto e se cohecidos de mim Tabellião pelos propios de que tracto e dou fé; ahi, em presença das testemunhas adiante nomeadas assinadas pelos outorgantes vendedores foi ditto, que elles são Senhores e possuidores desta Fasenda denominada Capão piqueno que a houverão por herança de sua finada Mae e sogra Maria Felisberta e por compra feita a quatro herdeiros a excepção da de Jose João de Faria por ter este se convencionado com os demais herdeiros de ficar seo quinhão no pasto da mandioca e por isso, não ter ele direito algum a esta Fasenda, e bem assim a do herdeiro Victorino da Costa que ainda não dispôs de seo quinhão que he da quantia de quarenta e cinco mil seis centos e oitenta reis, sendo tao bem os outorgantes possuidores da meação desta fasenda que coube a seo Pai e sogro finado João da Costa Torres; cuja Fasenda se compoe de casa de vivenda, engenhoca de mandioca e moinho com todos [se]os pertences e de terras de outeira e campo; que dividem pelo Poente com a Fasenda do Leitão hoje pertencente a Francisco Luis de Carvalho; pelo Nascente pela estrada que vem da Mutuca, e pelo do no [ilegível] com o sitio da Lagoinha pertencente a Casimiro Baptista Vieira, e com o referido pasto da mandioca por seo vallo. Cuja Farinha hoje possuem livre e desembaraçada, não só de huma hypotheca feita a seo credor Fructuoso Simoes Lessa, como de huma venda condicional feita a João de Miranda Costa, o que tudo consta das Escripturas retró; e por isso, tem eles contractado vendi como de facto vendido tem de hoje e para sempre ao outorgado comprador Ilidio Ferreira da Lus pela [ilegível] quantia de hum conto dusentos e cincoenta mil reis, em moeda corrente de cuja quantia, elles outorgantes vendedores se achão pagos e satisfeitos, e por isso dão ao outorgado comprador quitação, cedendo na pessoa [ilegível], toda posse, jus, domínio e acção, que tinhão na referida propriedade, para que se desfructe, e della disponha como sua que fica sendo, ficando elles outorgantes vendedores obrigados a fazer lhe boa esta venda a todo tempo, e não reclamala por si, ou seos herdeiros,
por ser feita a aprazimento delles vendedores e compradores. Pelo outorgado comprador foi taobem ditto aceitava sepois esta Escriptura de venda como nella se contem, e neste acto me forão apresentados os conhecimentos de pagos os [ilegível] nacionaes, que são do theor seguinte. Numero oito, P. D’ [illhôa], estavão as armas nacionaes. Provincia de Minas Geraes. Recinto Geral. Exercicio de mil oito cento e sessenta e sette, a mil oito centos e sessenta e oito. A folha do Caderno de Receita fica debitado ao Colettor Antonio Caetano de Aseredo Coutinho no valor de settenta e cinco mil reis. Reis settenta cinco mil, recebidos do Senhor Ilidio Ferreira da Lus proveniente da compra que vae fazer a Manoel João de Faria e sua mulher de huma Fasenda denominada = Capão = cita [no] Destricto do Curral d’ El Rei, por hum conto dusentos e cincoenta mil reis. Para claresa se lhe dá o presente conhecimento. Colletoria Municipal de Sabará em seis de Abril de mil oito centos e sessenta e oito. O Colletor Antonio Caetano de Aseredo Coutinho. O Escrivão Francisco Lopes Martins. Numero tres, dusentos reis. Pagou dusentos reis de sello. Sabará seis de Abril de mil oito centos e sessenta e oito. Aseredo Coutinho Lopes. Numero sette centos e vinte cinco. Renda Provinci[a] [ilegível]. Estavão impressas a [ilegível]sionaes. Exercicio de mil oito centos e sessenta e sette, a mil oito centos e sessenta e oito, a folhas do Caderno de Receita fica debitado ao Colletor Antonio Caetano de Aseredo Coutinho a importancia de mil e oitenta Reis mil e oitenta, recibido do Senhor Ilidio Ferreira da Lus pelo imposto de Novos e Velhos direitos, provenientes de Escriptura de contracto que vae faser com Manoel João de Faria e sua mulher. Colletoria Municipal de Sabará em seis de Abril de mil oito centos e sessenta e oito. O Colletor Antonio Caetano de Aseredo Coutinho. O Escrivão Francisco Lopes Martins. Numero quatro, dusentos reis. Pagou [ilegível] sello dusentos reis. Sabará seis de Abril de mil oito centos e sessenta e oito. Aseredo Coutinho Lopes. E de como assim o disserão, outorgarão, contratarão, me pedirão lhes fiserse o presente Instrumento, o que saptisfis em rasão do meo officio, e sendo elles por mim lido, acharão conforme [ilegível] testemunhas presentes, e por si outorgante vendedora não saber [ilegível] escrever, assina a seo pedido Fructuoso Simoes Lessa. Eu Antonio Innocencio Pereira da Fonceca Escrivão do Juiso de Pas a escrevi e assino em publico e raso. Em testemunho de [ilegível] verdade. Está o signal de que reso Antonio Innocencio [ilegível] Pereira da Fonceca. Manoel Joao de Faria. Fructuoso Simoes Lessa. Ilidio Ferreira da Lus. João Lelio Pereira. Jorge Luis Ferreira. [ilegível] o que se contem ema ditta Escriptura [ilegível] no Livro [ilegível] de Nottas deste Destricto do Curral d’ El Rei a folhas duas [ilegível] em tudo conforme com o original de que dou fé. Curral d’ El Rei vinte hum de Abril de mil oito centos e sessenta e oito. Antonio Innocencio Pereira da Fonceca Escrivão de Pas do Destricto a escrevi e assino Antonio Innocencio Pereira da Fonceca Pagou quatro centos reis [de] sello que não ter estamp[ilha] [ilegível] foi pa[ssa]da. Sabará 22 de Abril de 1891. Lobo [ilegível] Vianna
Livro de Notas [Nº.] [17fº] fl82 [ilegível]que fl84v. do Escrivão de Paz de Bello Horisonte 1º Traslado Escriptura de compra e venda que entre si fasem Ilidio Ferreira da Luz e sua mulher Dona Camilla Candida de Jesus, Jose Ferreira da Luz e sua mulher Dona Maria Francisca de Jesus, Antonio Baptista Vieira e sua mulher Maria Francisca de Carvalho, Gabriel Jose Ferreira Passos e sua mulher Dona Filomena Candida de Jesus, Antonio Ferreira da Luz e Joaquim Ferreira de Carvalho; e o Estado de Minas Geraes na forma abaixo declarad[a] Saibam quantos esta publica escriptura de compra e venda, virem que no anno de mil oito centos noventa e quatro, aos vinte e dois dias do mez de Novembro, nesta localidade de Bello Horisonte, em o escriptório Central da Comissão Constru[c]tora da Nova Capital do Estado de Minas Geraes, onde eu Tabellião vim e sendo ahi perantes mim e as duas testemunhas abaixo nomeadas e assignadas, compareceram presentes de uma parte como outorgantes vendedores, Ilídio Ferreira da Luz sua mulher Dona Camilla Candida de Jesus, Jose Ferreira da Luz, sua mulher Dona Maria Francisca de Jesus, Antonio Baptista Vieira sua mulher Dona Maria Francisca de Carvalho, Gabriel Jose Ferreira Passos, sua mulher Dona Filomena Candida de Jesus, Antonio Ferreira da Luz e Joaquim Ferreira Carvalho; e de outra parte como outorgado comprador o Estado de Minas Geraes, legalmente representado pelo Engenheiro Chefe da Commissão Constructora da Nova Capital deste mesmo Estado Doutor Aarão Reis [ilegível] do Decreto numero sete centos setenta e seis de trinta e um de agosto do corrente anno, e mais leis e decretos vigentes, pessoas aqui residentes e conhecidas de mim Tabellião e das duas testemunhas abaixo nomeadas e assignadas. Pelos outorgantes vendedores Ilidio Ferreira da Luz e sua mulher Dona Camilla Candida de Jesus me foi dito perante as mesmas testemunhas que por herança de sua sogra e mãe Dona Francisca Candida de Jesus, e por compra a Manoel João de Faria e sua mulher houveram uma s[or]te de te[rmos] nos arredores desta localidade, onde existe olaria, pedreiras e onde elles e os demais outorgantes que são seus filhos e genros fiseram diversas bemfeitorias, plantação de café e outras, sendo tambem uma parte desta [ilegível] de terras compradas a Manoel João de Faria e sua mulher Dona Marianna da Costa Torres, e portanto sendo todos elles
elles outorgantes vendedores senhores e legítimos possuidores, digo plantações de café e outras, e portanto sendo senhores e legítimos possuídores desta propriedade, todos elles outorgantes vendedores achão-se contratados com o outorgado comprador por bem desta escriptura e sua melhor forma de direito para vender-lha pelo preço certo de trinta e cinco centos de reis em moeda corrente desta Republica, pagos neste acto na tesouraria da Commissão Constructora do que dão recibo em duplicata para os devidos effeitos assignado pelo outorgante vendedor Ilidio Ferreira da Luz por commum accordo dos demais outorgantes vendedores. Disserão-me mais os outorgantes vendedores Ilidio Ferreira da Luz e sua mulher Dona Camilla Candida de Jesus que sendo senhores e possuidores de uma morada de casas e quintal a sua do Capão nesta localidade que houveram por compra a Maria Martins, Anna Martins e Maria Candida achão-se contratados com o outorgado comprador por bem desta escriptura e na melhor forma de direito para vender-lha como effectivamente vendido tem pelo preço certo de um conto de reis em moeda corrente desta Republica pago pela mesma maneira acima desta de que também dão recibo pela mesma forma. Em seguida disseram-me os mesmos outorgantes que pelo outorgado comprador lhes será dado dois lotes de terreno de dez metros de frente sobre cincoenta de comprimento cada um na mesma situação da casa e quintal [ilegível] vendidos, ou em suas immediações, tanto quanto for possível, quando se fiser a destribuição de lotes na fundação da nova Capital deste Estado. Pelos outorgantes Antonio Baptista Vieira e sua mulher Dona Maria Francisca de Carvalho me foi dito perante as mesmas testemunhas que seus senhores e possuidores de uma morada de casa e quintal no suburbio deste arraial no lugar denominado Ponte do Sacco, que houveram por compra a Antonio Francisco de Souza e sua mulher Maria Izabel, achão-se contratado com o outorgado por bem desta escriptura e sua melhor forma de direito para com eles permutala como effectivamente permutado tem por dois lotes de terreno de dez metros de ponte sobre cincoenta de comprimento cada um que lhes serão dados em uma das ruas que forem abertas nas proximidades da Estação Central do Ramal Ferreo de Bello Horisonte quando for feita a distribuição de lotes na fundação da Nova Capital e as chaves da casa permutada neste acto entregam ao representante do outorgado. Ainda disserão-me todos os outorgantes vendedores em presença das mesmas testemunhas que se responsabili[s]am a entregarem as bemfeitorias vendidas por esta escriptura e da propriedade se retirarem no dia trinta e um de Dezembro do corrente anno
anno excepto os outorgantes vendedores Jose Ferreira da Luz e sua mulher que ficarão ahi residindo até ao dia trinta e um de Março do futuro anno de mil oito centos noventa e cinco e com direito a retirar todo o massame e entulho de sua casa e todos os outorgantes vendedores com direito também a colherem suas roças e plantações e os outorgantes vendedores Ilidio Ferreira da Luz e sua mulher a retirarem todas as madeiras de construção que estiverem cortadas dentro dos mattos comprependidos na parte de terras que venderam, isto dentro, o praso estituido, sendo que as colheitas e retirada das madeiras serão feitas até ao dia trinta e um de Março de mil oito centos noventa e cinco. Então pelo outorgado comprador e permutantes por seu representante me foi dito perante as mesmas testemunhas que na verdade acha se contratado com os outorgantes vendedores sobre a presente compra, acceitando a compra pelos mencionados preços na importancia de trinta e seis centos de reis, a permuta nas condições. Ella e a presente escriptura com todas as suas clausulas na forma que lhe é feita; e dizendo-me em seguida os outorgantes vendedores e permutantes que do dito preço por elles recebido dão por meio ao outorgado comprador plena e qual quitação para em tempo nenhum lha pedir ou qualquer outra por motivo da presente venda promettendo por si e seus sucessores a responderem pela evicção em todo o tempo a faserem a presente venda boa, firme e valiosa assim como a permuta pondo o outorgado a paz e a salvo de quaesquer duvidas futuras e transmittindo-lhes todo o seu domínio posse, direito, e acção nas propriedades vendidas e permutadas, e desde já por bem desta escriptura e da clausula Constituti com todas as suas demarcações divisas e confrontações verificadas nos títulos que entregam e nas plantas levantadas pela Commissão Constructora as quaes farão hoje examinadas e achadas exactas pelas cabeças dos casaes vão assignadas pelos respectivos vendedores e permutantes e por si acharem assim contratados me pediram lhes lavrasse a presente escriptura sem sellos e direitos nacionaes por ser o Estado o adquirente; e sendo-lhes lido a assignam com as testemunhas Antonio Alves Martins Junior e Antonio de Araujo Vaz de Mello de que tudo dou fé. Eu José Pedro da pasta escrivão interino de Paz e Tabellião de Notas que a escrevi e assigno em publico e razo = Em testemunho de verdade = Estava asignal-
signal publico = Jose Pedro da Costa = IlidioFerreira da Luz = Camilla Candida de Jesus = Jose Ferreira de Carvalho = Maria Francisca de Jesus = Antonio Baptista Vieira = Maria Francisca de Carvalho = Gabriel Jose Ferreira Passos = Filomena Camilla de Jesus = Antonio Ferreira da Luz = Joaquim Ferreira de Carvalho = Aarão Reis = Antonio Alves Martins Junior = Antonio de Araujo Vaz de Mello. Nada mais contem a dita escriptura da qual mandei extrahir o presente traslado que está em tudo conforme ao original, ao qual me reporto em meu [poder] e [ilegível] do que dou fé. Eu José Pedro da Costa Escrivão interino de Pas e Tabelião de Notas que o corri e conferi abaixo [me] assigno. Bello Horisonte 26 de Desembro de 1894 José Pedro da Costa Escriptura inclusive este traslado 49 [ilegível] Costa
Escriptura de compra e venda paga e quitação que faz Manoel Joaquim [G]omes a Clemente Luis Ferreira do Sitio denominado Capão piqueno na Freguisia do Curral de Elrey pela quantia de quinhentos mil reis avista. Lº Nº 101[ilegível] 7a Saibam quantos este publico Instrumento de Escriptura de compra e venda paga e quitação ou como em direito melhor nome e lugar haja virem que sendo no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e cincoenta itres aos sete dias domes de Janeiro do dito anno nesta Cidade de Sabará em meu Cartorio sendo ahi comparecerão presentes partes justas e contractadas asaber de hum e como Outorgante vendedor Manoel Joaquim Gomes morador na Freguisia da Parahyba do Sul Comarca de Vassouras representado por seu [ilegível] Procurador Antonio Jose dos Santos Lessa, e de outra como Outorgado comprador Clemente Luiz Ferreira morador na Freguisia do Curral de Elrey deste Municipio todos reconhecidos de mim Tabelliam pelos próprios de que tracto e dou fé; ahi em presença das testemunhas que adiante se hão de assignar pelo Outorgante vendedor [ilegível] que elle he Senhor possuidor de hum Sitio denominado Capão piqueno na Freguisia do Curral de Elrey que houve por compra ao Coronel Damaza da Costa Pacheco o qual divide pelo Pointe com a Fasenda de Antonio da Silva Costa pelo corrego do Leitão a cima ate suas Cabeceiras, e pelo Nascente com a entràda que vem da Mutuca ate o mesmo corrego do Leitão, e por que apossue livre e desembaraçado de qual quer onus, ou hipotheca tem contra citado vendel-o como defacto vendido tem de hoje para sempre ao Outorgado compràdor Clemente Luiz Ferreira pelo preço e quantia [de] [quinhentos] [mil] [reis] que recebi ao faser desta Escriptura em notas correntes, de cuja quantia lhe dava plena e geral quitação para mais lhe não ser pedida por isso que na pessoa do Comprador cede e traspassa toda posse jus e dominio que no referido Sitio tinha para o possuir e desfructar como seu que fica sendo de hoje para sempre, podendo emposse-se judicialmente querendo, ficando elle Outorgante vendedor obrigado a faser lhe boa e de pas esta venda a todo tempo, e anão reclamal-a por ser feita por seu justo preço, elle Outorgado comprador apagar a respectiva Siza. E sendo prezente o mesmo Outorgado comprador por ele me foi dito em presença das mesmas testemunhas que acceitam
apresente Escriptura devenda na forma e com as condições no que lhe era feita bem como aquitação de seupreço, eneste acto me aprezentou o conhe cimento dehaver pago a Siza respectiva aqual he [ilegível] seguinte = Numiro cinco = Fernandes = Estava o Sello Imperial = Provincia de Minas Gerais Receita Geral = Exercicio de mil oito centos e cincoenta e dous a mil oito centos é cincoenta e tres Siza de bens [ilegível] – [ilegível] di Assis de Junho de mil oito centos e nove e [ilegível] de Numero quinhentos e quatorze de vinte oito de Outubro de mil oitocentos e quarenta e oito = [ilegível] nove [ilegível] do Caderno de Receita fica debitado o Colhector Antonio Caetano de Asevedo Coutinho no valor de trinta mil reis. Reis trinta mil Recebido do Senhor Clemente Luiz Ferreira proveniente da compra que fis de hum Sitio denominado Capão piqueno no Destricto do Curral de Elrey a Antonio José dos Santos. Lissa como procurador de Manoel Joaquim Gomes por quinhentos mil reis = quinhentos milreis = Collectorial de Sabará em sete de Janeiro de mil oito centos e cincoenta e tres O Collector Antonio Caetano [ilegível] se do Coutinho = O [ilegível] Francisco Lopes Martino – [ilegível] a que si continha em o dito conhecimento que aqui bem efielmente o copiou. E de como assim o disserão Outorgarão e contractarão me pedirão que lhe[o] fiz esse o prezente Instrumento o que eu satisfis em razão do meu Officio e por [ilegível] digo e por me ter competentemente apresente Escriptura de venda na destrebuido pela guia do theor seguinte = Escriptura de compra de hum Sitio que fas Clemente Luiz Ferreira a Manoel Joaquim Gomes no Destricto do Curral de Elrey vai a Destribuir-se = Destrebuido a Froes asete de Janeiro de mil oito centos e cincoenta e tres [ilegível] = [ilegível] esta sendo-lhes por mim lida acharão conforme acceitarão e assignas com as testemunhas a tudo prezentes o Major Caetano José Coutinho da Fonceca, e Mauricio Antonio de Asevedo moradores nesta Cidade e reconhecidos de mim Licenio Rodrigues Froes Tabelliam que o escrevi = Antonio José dos Santos Lessa – Clemente Lins Ferreira = Caetano José Coutinho da Fonceca Mauricio Antonio de Asevedo = Copia da procuração de que faz menção a Escriptura retro = Procuração bastante que fas Manoel Joaquim Gomes = Numero hum cento e sessenta seis Parahyba do Sul deseseis de Agosto de mil oito centos e cincoenta e hum = [ilegível] Alburqueque = Saibam quantos este publico Instrumento de Procuração bastante virem que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oito centos e cincoenta e hum aos seis dias de Setembro nesta Villa da Parahyba do Sul Comarca de Vassouras em meu Cartorio perante mim Tabelliam compareceo como Outorgante Manoel Joaquim Gomes morador nesta Freguisia reconhecido pelo proprio de mim Tabelliam e de duas testemunhas abaixo assignadas, de que dou
fé perante as quais por elle foi dito que por este publico Instrumento nomea e constitue seus bastantes Procuradores na Cidade de Sabará a Antonio Avellino da Silva Denis, Eduardo José de Moura e Antonio Jose dos Santos para com especialidade poderem vender as terras e Escravos que elle Outorgante possue na Comarca do Sabará Provincia de Minas Geraes a quem concede todos os poderes que por direito lhe são permittidos para que em nome delle Outorgante como representa for e possa em Juizo e fora dele procurar requerer allegar, [ilegível] der o seu direito e Justiça em todas as suas Difundencias particulares e cauzas Judiciais [ilegível] e [ilegível], movidas e por moverem qui for Autor ou Reo, em qualquer juizo ou Tribunal Secular ou Ecclesiastico, arrecadar e haver as[i] toda [ilegível] fasenda dinheiro ouro prata Escravos, encommendas, [ilegível], dividas que lhe derão legitimos legadas heranças, e tudo mais que por qual quer titulo lhe pertença donde quer que existir ainda dos cofres do [ilegível] ou Fasenda Nascional dos duzentos, e [ilegível] ono, e di outros quais quer Depositos publicos ou particulares dando do que receber as competentes que taço no ou recibos, executar e arrematar os bens de seus devedores, proceder [ilegível] partilhas e sobre partilhas com a[s] citaço no [ilegível], e as assistir aquelles para tudo quanto for necessario, licitar, e solicitar sobre quais quer bens, faser aforamentos e assendamentos, citar e de mandar a seus devedores e a quem mais o deva ser, variam de hum a para outra acção, propor qual quer demanda, jurar em sua alma de calumnia decisoria e supletoriamente, e outro qual quer licito juramento, e faselo prestar a quem convier inquirir e perguntar e contra ditar testemunhas, das de suspeito a quem lho for, ouvir dis[ilegível] e Sentenças, appellar aggravar embargar e tudo segun[ilegível] ate maior aliada assistir as conciliaçoens para as quais lhe concede poderes ilimitados podendo substabelecer esta em hum [ilegível] Pro[ilegível] [ilegível] substabelecedor em outros, ficando-lhe sempre as mesmos poderes em seu vigor, e revogalas querendo. Ef[o]r[a] ajustes traspasses, [ilegível], [ilegível] esperas, desistenciais, transacções e amigáveis composiçoens, confissoens, negaçoens, reclamaçoens remissas, habilitaçoens, justificaçoens abstençoens, protestos, contra protestos, dar e tomar contar a quem competir, tomar posse, assistindo com est[a] todas ordens figura de Juizo e fora delle, assignando quaisquer termos folhas e destas precizas, fasendo tudo em [ilegível] que for alem de sua Justiça con[ilegível] e qual administração seguindo suas cartas de ordens, e [ilegível] particulares que sendo [ilegível] serão considerados com[o] parte deste Instrumento,
havendo por expressos [ilegível] os poderes em geral, como se de rade hum em particular fis esse especifica menção e só reveria para si to da [ilegível] citação [ilegível] da venda de bens, havendo por firme e valioza tudo quanto fiser o dito seu Procurador ou subsilegível] [ilegível] [ilegível] [ilegível] [ilegível] Outor qui dou fé mento que [ilegível] com perante [ilegível]lho [ilegível] que o escreverazo. Emter[ilegível] [ilegível] [ilegível] Alves Filho = Gomes = Co[ilegível] [ilegível] Emilio Jose Nunes F[u]rtad[o] [ilegível] o que se continha em a dita procuração que aqui bem e fielmente [ilegível] do próprio original a que [ilegível] [ilegível] poder do Procurador apresentante que neste acto a torna [ilegível] e assigna abaixo de assim atraves feito, estando conforme a assigno nesta Cidade de Sabará no mesmo dia mes e anno Do principio [ilegível] [ilegível] [ilegível] Rodrigues Froes Tabelliam que o descrevi e assigno Licenio Rodrigues Froes. Antonio José dos Santos Lipa = [ilegível] é o que se continha em a dita Escriptura que se acha lançada no meu Livro de Notas numero cento e hum afolhas setenta donde extrahi este primeiro tractado que estando conforme o assigno nesta Cidade de Sabará nomesmo dia mes eanno ao principio [ilegível] eu Licenio Rodrigues Froes Tabelliam que descrevi e assigno em publico e razo. Emtest. [ilegível] [ilegível] [ilegível] [Rodr]igues Froes
Descrição física dos terrenos e limites da Fazenda do Cercadinho (1894)
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