Revista
com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho Nº 1 / Dez 2010
Impactos da Jornada e desafios para 2011
Dezembro/2010
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) J82
Jornada pelo desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho / organização Darlene Testa, Anderson Campos. – São Paulo : Central Única dos Trabalhadores, 2010. 92 p. : il. – (Jornada pelo desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho ; n. 1) Inclui anexos. 1. Central Única dos Trabalhadores. 2. Sindicalismo. 3. Trabalho. 4. Desenvolvimento sustentável. I. Testa, Darlene. II. Campos, Anderson.
CDU 331.105.44(81) CDD 331.880981 (Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)
Expediente Direção Executiva Nacional da CUT – gestão 2009-2012 Presidente: Artur Henrique da Silva Santos Vice-Presidente: José Lopez Feijóo Secretário-Geral: Quintino Marques Severo Secretário de Administração e Finanças: Vagner Freitas de Moraes Secretária de Combate ao Racismo: Maria Julia Reis Nogueira Secretária de Comunicação: Rosane Bertotti Secretário de Formação: José Celestino Lourenço (Tino) Secretária da Juventude: Rosana Sousa de Deus Secretária de Meio Ambiente: Carmen Helena Ferreira Foro Secretária da Mulher Trabalhadora: Rosane da Silva Secretário de Organização e Política Sindical: Jacy Afonso de Melo Secretário de Políticas Sociais: Expedito Solaney Pereira de Magalhães Secretário de Relações Internacionais: João Antonio Felício Secretária de Relações do Trabalho: Denise Motta Dau Secretário da Saúde do Trabalhador: Manoel Messias Melo Diretores(as) Executivos(as) Adeilson Ribeiro Telles Antonio Lisboa Amâncio do Vale Aparecido Donizeti da Silva Dary Beck Filho Elisângela dos Santos Araújo Jasseir Alves Fernandes
Julio Turra Junéia Martins Batista Pedro Armengol de Sousa Rogério Batista Pantoja Shakespeare Martins de Jesus Valeir Ertle
Conselho Fiscal Waldir Maurício da Costa Joice Belmira da Silva Pedro Almeida dos Anjos
Suplentes Marlene Terezinha Ruza Sérgio Irineu Bolzan Rubens Graciano
Revista Jornada pelo Desenvolvimento Nº 1 – dezembro 2010 Coordenação da Jornada pelo Desenvolvimento Ar tur Henrique Adeilson Telles Quintino Severo Rosane da Silva
Textos Anderson de Souza Campos Darlene Testa
Projeto Editorial e Gráfi co MGiora Comunicação
Fotos Arquivo SECOM CUT e TV dos Trabalhadores Roberto Parizotti
Revisão Luciana Moreira Branco Ilustrações Vicente Mendonça
Apoio Institucional Fundação Friedrich Ebert (FES)
Impressão Bangraf Tiragem Cinco mil exemplares - 1ª edição
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Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho
Índice
Apresentação ..............................................................................................................................................................9 A Jornada pelo Desenvolvimento na estratégia da CUT – Um resgate processual e histórico ...................................................................................... 11 O desenvolvimento regional na Jornada pelo Desenvolvimento ..................................................... 16 Oficinas Nacionais da Jornada – Reflexão e debate para construir a Plataforma da CUT para as eleições 2010 ......................................................... 20 Estado, Democracia, participação popular e controle social .............................................................. 23 Mercado de Trabalho, educação, saúde e proteção social – Políticas públicas para o desenvolvimento sustentável .................................................... 30 Políticas Setoriais articulando campo e cidade, no Brasil e no mundo – O direito de viver com qualidade .................................................................................. 47 O Desenvolvimento e a Plataforma da CUT – Estratégia e impactos na ação sindical ........................................................................................................................... 75 Anexo 1 – Desenvolvimento com Distribuição de Renda ................................................................. 78
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Apresentação
A
Jornada pelo Desenvolvimento, com distribuição de renda e valorização do trabalho, desde 2005, conformou-se num processo com ações de reflexão, elaboração de propostas, debate das propostas na sociedade, mobilização e negociação destas. Tem movimentado debates nas bases da CUT e na sociedade acerca de um Projeto de Desenvolvimento sob a ótica da classe trabalhadora. Internamente, transformou-se numa ferramenta articuladora da estratégia da CUT, criando as condições para a unificação das ações entre estados, ramos e sindicatos. O primeiro número da Revista da Jornada pelo Desenvolvimento tem a intenção de documentar esse processo. Pretende também constituir-se num instrumento de referência para pesquisa e reflexão sobre as principais temáticas que compõem a concepção de desenvolvimento da Central. Na primeira parte, resgatamos o histórico das ações desenvolvidas. Enfatizamos a impor tância da Jornada pelo Desenvolvimento para a estratégia da CUT, consolidando instrumentos inovadores como as Plataformas para as Eleições.
são apresentadas as bases para o debate de um projeto nacional de desenvolvimento sobre Estado e democracia. Na segunda, são expressas algumas visões sobre o mercado de trabalho e a proteção social, com políticas públicas de educação e saúde, essenciais à qualidade de vida da população e da classe trabalhadora. Por fim, apresentamos algumas visões das políticas setoriais, estratégicas e prioritárias para o desenvolvimento, no campo e na cidade. Nossa intenção, com esse aprofundamento temático, foi acumalar reflexão para a elaboração das propostas que foram consubstanciadas na Plataforma, lançada em 1º de maio de 2010, nacionalmente, e em todos os Estados da federação, posteriormente. Tornou-se o principal instrumento de disputa das nossas propostas na sociedade, nesse processo eleitoral que elegeu a primeira presidenta da república no Brasil. Na última seção, o presidente da CUT, Artur Henrique, aborda os impactos da estratégia da Jornada pelo Desenvolvimento na ação sindical da CUT e os desafios e tarefas de 2011.
Sistematizamos, em seguida, os resultados de seminários realizados nas cinco regiões do país, em 2007. A inclusão dos temas relacionados ao desenvolvimento regional foi fundamental para garantir a abrangência realmente nacional do nosso projeto.
Incluímos, ao final, um anexo no qual está expresso as bases iniciais da concepção de desenvolvimento trabalhada na Jornada. A elaboração é fruto de parceria com o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas CESIT/UNICAMP.
Na sequência, apresentamos um bloco com a edição de três oficinas temáticas realizadas em 2009, que tiveram como objetivo subsidiar a formulação da Plataforma da CUT para as Eleições 2010. Na primeira delas,
A Jornada pelo Desenvolvimento tem a tarefa de, por meio da mobilização, seguir mudando o Brasil para viver com qualidade e dignidade. Porque juntos, SOMOS FORTES! SOMOS CUT!
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A Jornada pelo Desenvolvimento na estratégia da CUT – Um resgate processual e histórico
A
Jornada pelo Desenvolvimento é um processo com ações de reflexão, elaboração de propostas, debate das propostas na sociedade, mobilização e negociação destas; ou seja, uma campanha ar ticulando nossas atividades e construindo um movimento de debates na base da CUT e na sociedade acerca de um Projeto de Desenvolvimento sob a ótica da classe trabalhadora. Com início em 2005, construiu um ciclo de reflexão para a conformação de uma estratégia cada vez mais ar ticulada da CUT no enfrentamento dos grandes temas nacionais e do seu posicionamento diante da sociedade. O 9º CONCUT, em 2006, ampliou esse movimento com as resoluções baseadas no binômio trabalho e democracia. As ações da CUT, então, ancoradas por esses dois pressupostos possibilitaram a construção da campanha unificada e da Marcha do Salário Mínimo em 2006. Com
Reg iona l
isso, desenvolvemos uma ação ar ticulada com as demais Centrais Sindicais, criando as condições para uma maior visibilidade na sociedade das nossas propostas para os rumos do país. Em abril de 2006, realizamos o “Seminário Nacional Desenvolvimento, distribuição de renda e valorização do trabalho”, com o objetivo de aprofundar a reflexão de questões elencadas como essenciais para uma proposta de desenvolvimento, a par tir da concepção dos trabalhadores e a formatação de um documento intitulado Agenda dos
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Trabalhadores para o Desenvolvimento. Contendo essas propostas baseadas em 4 eixos: mercado e relações de trabalho, papel do Estado, distribuição de renda e democracia. A par tir da realização desse evento, concentramos nossos esforços na continuidade da Jornada, no âmbito interno, com a elaboração de um Documento que traduziu os pressupostos já definidos em políticas concretas de valorização do trabalho – geração de emprego formal e valorização do trabalho decente com democratização das relações sociais e de trabalho, conformando um movimento crescente nas nossas bases capaz de preparar uma grande mobilização nacional no final de ano em Brasília, por emprego, redução da jornada de trabalho e democracia (o documento está publicado no Anexo I). A compreensão da Jornada como um processo contendo ações de reflexão, elaboração de propostas, debate das propostas na sociedade, mobilização e negociação destas - ou seja, uma campanha, ar ticulando nossas atividades, nos levou a definir na Reunião da DN de abril de 2007, pela realização de atividades regionais, ar ticulando-nos com outros segmentos da sociedade, parceiros nesse debate, em par ticular as universidades e os movimentos sociais organizados. Realizamos, então, 5 Seminários Regionais, que buscaram consolidar uma proposta de desenvolvimento, considerando a noção de desenvolvimento sustentável, aliadas à formulação de propostas para o desenvolvimento regional, capazes de concatenar políticas públicas nacionais e locais, possibilitando que a Central dê consecução ao seu papel negociador, em nível nacional, regional e local, e de defesa dos interesses gerais da classe trabalhadora brasileira. Nesse contexto, um dos maiores desafios foi o de revigorar nossa capacidade 12
de mobilização e proposição, transformando a mobilização regional num componente central na estratégia da CUT, mesmo porque um país com as dimensões do Brasil não pode prescindir de incorporar as estratégias regionais em seu projeto de Nação. Algumas questões que perpassaram o debate em todas as regiões nos impuseram o desafio, em 2008, de tratá-las com maior agilidade, formulando propostas, a exemplo da bioenergia, reforma agrária e agricultura familiar, políticas públicas de infraestrutura e investimentos financeiros, sustentabilidade ambiental, cultural e turística, política industrial, economia solidária. Trabalhamos como eixo principal das ações em 2008, a formulação de propostas, sob o âmbito local, para o debate e comprometimento dos candidatos às eleições no segundo semestre – a Plataforma da Classe Trabalhadora para as eleições 2008, com tiragem de 25 mil exemplares enviados para Ramos e Estaduais da CUT, Diretórios Nacionais dos Par tidos, Diretórios Municipais do PT SP e Prefeitos eleitos/reeleitos das cidades com mais de 200 mil eleitores; lançamento nacional, em São Paulo, em 15 de julho de 2008, além de lançamentos em diversos estados, conclamando candidatos a se comprometerem com a mesma. Desenvolvemos uma reflexão e elaboração de proposições acerca da bioenergia, tema recorrente no cenário brasileiro e internacional, por meio do GT Bioenergia, com a realização do Seminário Nacional Energia, desenvolvimento e soberania, ar ticulado às atividades dos 25 anos da CUT, e a produção de documento enviado para o Presidente Lula e Ministra Dilma Roussef; uma Revista com tiragem de 5 mil exemplares; como também da Conferência Energia, Soberania e Trabalho Decente – perspectivas para o desenvolvimento sustentável, realizada no Fórum Social Mundial, para aproximadamente 500 par ticipantes. Esse trabalho levou ao
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entendimento de que o debate não se esgota na temática dos biocombustíveis, levou a ampliação da reflexão para a matriz energética e suas implicações para o desenvolvimento sustentável, com a alteração para GT Energia. O balanço positivo dessas ações, aliado à análise dos novos cenários, especialmente, sobre as implicações da crise mundial no mundo do trabalho, nos impuseram a tarefa de “enfrentar a crise ampliando a luta de classe e organizando a transição para um novo modelo de desenvolvimento”, conforme resolução do 10º CONCUT, e que o centro da nossa estratégia seria organizar a classe trabalhadora para “construção de um modelo alternativo, democrático e popular com horizontes transitórios para a sociedade socialista”. Em 2009, a Jornada pelo Desenvolvimento integrou os GT´s criados em 2008 e constituiu um único GT denominado GT Desenvolvimento, envolvendo efetivamente os Ramos, as Estaduais da CUT e as Secretarias Nacionais, visando executar as tarefas para a consecução das ações, concatenando essa estratégia à estratégia geral da CUT, deliberada no 9º CONCUT, baseada no eixo Enfrentamento da crise, organizando a transição para um modelo de desenvolvimento, com dois focos centrais: o primeiro, de combate mais imediato da crise e, o segundo, de construção de um modelo de desenvolvimento que tenha como elemento decisivo a par ticipação popular nas decisões políticas e como a sustentabilidade econômica, social e ambiental, da distribuição de renda e da valorização do trabalho. O Plano de Ação 2009 – 2012 definiu o Eixo 1 – Disputar hegemonia na sociedade por meio do projeto CUTista de desenvolvimento, tendo como operação: intervir no processo eleitoral 2010, com a Plataforma da Classe Trabalhadora, com
prazo para lançamento da Plataforma o dia 1º de Maio de 2010. Por isso, foi deliberado um Plano de Trabalho para a Jornada pelo Desenvolvimento, que teve como premissa o envolvimento de toda a Direção Executiva Nacional da CUT no processo de elaboração, definição e mobilização para a disputa, assim como a construção coletiva com todas as entidades filiadas por meio de suas Confederações e Federações Nacionais, fazendo com que a Jornada pelo Desenvolvimento se transformasse na estratégia central da CUT. Com isso, foram desenvolvidas ações em 3 frentes: nacionais: o Ciclo de Debates, que visou sistematizar o acúmulo da CUT e dos seus ramos acerca dos temas priorizados, envolver o sistema CUT na elaboração e impor tância da disputa de projetos na sociedade e incorporar novos elementos para construir uma Plataforma da Classe Trabalhadora para as Eleições 2010. As ações regionais tiveram objetivo de ar ticulação com as Estaduais da CUT, gerando um processo de nivelamento das novas direções estaduais da CUT sobre a concepção da Central em relação ao tema do desenvolvimento, informar sobre as iniciativas já produzidas e a agenda planejada e buscar a construção de agendas estaduais sob a direção das Estaduais da CUT. E as formativas: que se propunham a ar ticular a incorporação do tema do desenvolvimento no Programa Nacional de Formação da CUT. O Ciclo de Debates – Oficinas Nacionais – abordou um conjunto de temas que correspondem às questões essenciais para a conformação de um projeto de desenvolvimento para o Brasil, sob a ótica da classe trabalhadora, visando à elaboração da Plataforma da Classe Trabalhadora para 2010 – instrumento para divulgação e consolidação das parcerias no movimento sindical e social, enraizamento das propostas e intervenção efetiva nas eleições 2010.
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Foram 3 Oficinas Nacionais com os seguintes temas: Estado, Democracia, participação popular e controle social; Mercado de Trabalho, educação, saúde e proteção social – políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e Políticas Setoriais articulando campo e cidade, no Brasil e no mundo – o direito de viver com qualidade. Um dos grandes desafios neste processo de consolidação da Plataforma 2010, como instrumento de divulgação das concepções e propostas da CUT, foi o de ampliar a compreensão de que este movimento não se esgota no ato de entrega de um documento aos candidatos, mas que a Plataforma seja também o instrumento pelo qual os trabalhadores e trabalhadoras, através de suas entidades representativas, possam monitorar e acompanhar a implementação dos respectivos programas de Governo, em todos os níveis, como condição para um processo de mobilização e pressão permanentes. Essa compreensão possibilitou o desenvolvimento de um Programa de Formação DPPAR – Desenvolvimento, Políticas Públicas e Ação Regional, a par tir de 2010, ar ticulando as ações da Jornada à formação de quadros. Outro elemento fundamental desse processo foi a ar ticulação e engajamento das parcerias: FES, CESIT, DIEESE além de diversos professores/as e pesquisadores/as da academia.
equitativo e geopoliticamente equilibrado, assentado na valorização do trabalho e na par ticipação popular. Um modelo de desenvolvimento que promova o direito de viver com qualidade e dignidade e que o Estado exerça, efetivamente, o papel de indutor desse modelo e promotor da cidadania, segundo os princípios democráticos, assentado na constituição de esferas públicas, cada vez mais estruturadas por processos de democracia direta e par ticipativa e na ampliação e garantias de direitos – especialmente os do trabalho. Que potencialize a geração de mais e melhores empregos, proporcionem igualdade de opor tunidades e de tratamento na perspectiva do pleno emprego e consolide uma regulação pública capaz de proporcionar um padrão de proteção social adequado e de direitos para trabalhadores e trabalhadoras e que a democracia par ticipativa impere, proporcionando que a classe trabalhadora tenha voz ativa nas decisões dos rumos do país. E, essencialmente, constitua um novo paradigma para as relações de trabalho no Brasil, por meio de um Sistema Democrático de Relações de Trabalho, sob a ótica do trabalho decente e pela liberdade e autonomia sindical, por meio da ratificação da Convenção 87 da OIT – Organização Internacional do Trabalho.
Em 2010, a Resolução da Direção Nacional, apontou que “a tarefa da CUT é disputar os rumos do desenvolvimento, com a Plataforma da CUT para as eleições 2010, fortalecendo a luta por liberdade e autonomia sindical, valorização do trabalho e democracia, de homens e mulheres, do campo e da cidade”, tendo como principal instrumento a Plataforma da CUT para as eleições 2010, cujo pressuposto é a consolidação de um novo paradigma de desenvolvimento, ambientalmente sustentável, socialmente 14
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Plataforma da CUT para as eleições 2010 – um instrumento para intervenção na disputa de projetos no Brasil
Para a CUT, a disputa travada em 2010, polarizada em torno de dois projetos antagônicos, nos apresentou a possibilidade de continuidade da ruptura com o modelo de desenvolvimento econômico neoliberal instaurado no Brasil, maior identidade com as diretrizes expressas na Plataforma da CUT, como imperativo ao aprofundamento das mudanças. O foco da estratégia é a ampliação de nossas ações com o objetivo de aprofundar as mudanças para ampliar direitos e viver com dignidade. A Plataforma da CUT para as Eleições 2010, principal ferramenta que orientou a ação sindical e a intervenção nesta disputa teve como diretrizes: Valorização do Trabalho, Igualdade, inclusão e distribuição de renda e Estado democrático, com caráter público e par ticipação ativa da sociedade e foi apresentada aos par tidos de esquerda, aos movimentos sociais populares e ao conjunto do povo brasileiro, reafirmou nossa autonomia. Foi lançada nos atos de 1º de Maio em todos os estados do país. Transformouse em instrumento de mobilização e conscientização da classe trabalhadora em todo o país e ferramenta de posicionamento do movimento sindical CUTista nas disputas eleitorais nos estados e para garantir que as diversas candidaturas do nosso campo se comprometessem com as reivindicações da classe trabalhadora. Uma agenda que possibilitou organizar as mobilizações em torno da busca por unificação das lutas
sociais com outros movimentos populares e por ampliar a ação da base sindical cutista para a disputa de hegemonia na sociedade. Assim, de julho a outubro de 2010, conformamos – no contexto da Jornada pelo Desenvolvimento – o Projeto CUT nas ruas. Um mutirão de visitas as Estaduais e sindicatos da CUT, visando ampliar a mobilização para a disputa sindical e eleitoral. Realizamos lançamentos da Plataforma da CUT para as eleições 2010 em todos os Estados, com atividades de 1 dia, com três momentos distintos: plenária de sindicalistas, mobilização e debate da Plataforma, envolvendo parceiros do movimento social e da universidade. Em São Paulo, percorremos as seguintes cidades: Ilha Solteira, Andradina, Araçatuba, Jales, Fernandópolis, Votuporanga, São José Rio Preto, São Carlos, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, Assis, Ourinhos, Santa Cruz do Rio Pardo, Bauru, Araraquara, Rio Claro, Campinas, São Caetano do Sul e Jundiaí. Já diversos outros estados realizaram caravanas e agendas pelo interior com manifestações de rua e com as categorias. Em praticamente todos os eventos, além de atividades de rua, houve entrevistas para jornais, rádios e TV.
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O desenvolvimento regional na
Jornada pelo Desenvolvimento
E
m 2007, realizamos Seminários em 5 regiões, aprofundando o debate da concepção de desenvolvimento formulada na Jornada pelo Desenvolvimento. Buscamos aliar a formulação de propostas para o desenvolvimento regional, capazes de concatenar políticas públicas nacionais e locais, possibilitando que a CUT pudesse dar consecução ao seu papel negociador, em nível nacional, regional e local, e de defesa dos interesses gerais da classe trabalhadora brasileira. Na estratégia da CUT, um dos maiores desafios era revigorar a capacidade de mobilização e proposição; desafio este que pode ser concretizado, a par tir da discussão de alternativas de superação das desigualdades regionais. A definição de um projeto de desenvolvimento nacional tem de considerar as especificidades regionais. Um país com as dimensões do Brasil não pode prescindir de incorporar as estratégias regionais em seu projeto de Nação. São as Estaduais da CUT que têm o papel central de enraizar nossa estratégia e garantir que as bases CUTistas sejam convencidas da impor tância da Jornada e de suas conquistas.
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Os seminários regionais da Jornada pelo Desenvolvimento buscaram enraizar a agenda nacional; entender as especificidades regionais para o desenvolvimento; a construção de agendas regionais somadas à agenda nacional. E, por tanto, tornar-se uma ferramenta de organização das lutas regionais do sindicalismo CUTista rumo ao desenvolvimento que almejamos conquistar. Nos Seminários Regionais buscamos responder às seguintes questões: a) Dadas as condições impostas pela política econômica, que eixos a ação sindical deve incorporar para destravar o desenvolvimento regional? Não tratamos aqui de aceitar a política econômica então em vigor, mas de questionála a par tir das limitações que provoca, dentre as quais o aprofundamento das desigualdades regionais. b) Muitas foram as formas de desregulamentação do mercado de trabalho e sua consequente fragilização do poder sindical. Existem formas de regulamentação do mercado de trabalho a par tir do nível local? Tais propostas e experiências podem ser expandidas para áreas maiores e para outros ramos de atividade? c) Defendemos em nosso projeto de desenvolvimento uma recuperação do poder do Estado e alterações em nossas
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leis. Sem as quais, dificilmente incluiremos na agenda do crescimento econômico a distribuição de renda e a valorização do trabalho. De que maneiras os governos locais (estaduais e municipais) podem contribuir para for talecer essa agenda? d) A forma atual de ar ticulação do movimento sindical CUTista é favorável para avançarmos numa campanha regional em prol do crescimento econômico com distribuição de renda? De que maneira a ação sindical terá mais poder para pressionar tanto os governos
locais quanto o federal para destravar o desenvolvimento? A resposta a essas questões possibilitaria a construção de temas e ações para a Plataforma Nacional e para consolidar as Plataformas Estaduais visando intervir no processo eleitoral municipal em 2008. O êxito desses seminários pode ser verificado pelos resultados alcançados e na ampla par ticipação de dirigentes, conforme tabela 6. Abaixo, sistematizamos o conteúdo e as ações indicadas nos Seminários Regionais.
Tabela 1 – Região Nordeste
Propostas Prioritárias e Comuns • Conformar e desenvolver ações em questões estratégicas sob a ótica regional e não somente estadual, com pautas a serem negociadas em âmbito local, regional e nacional: • Fortalecimento do potencial industrial, priorizando áreas específicas da vocação regional; • Alteração da política e ampliação dos investimentos no turismo; • Revitalização e redirecionamento da SUDENE; • Implementação de um efetivo projeto de reforma agrária; • Revitalização das bacias hidrográficas e conservação ambiental; • Valorização do serviço e dos servidores públicos; • Geração de emprego formal e combate ao trabalho escravo; • Fortalecimento do papel social dos bancos públicos; • Potencialização da agricultura familiar e investimentos na comercialização; • Intervenção e ocupação de espaços para ampliação do controle social; • Políticas para transporte (ferrovias, portos, estradas, aéreo); • Democratização dos meios de comunicação. Tabela 2 – Região Centro-Oeste • Aprofundar debate e posicionamento sobre Bioenergia (cana, biodiesel) e impactos no Meio Ambiente; • Fortalecimento da Economia Solidária (ADS, Cooperativismo); • Alteração da lógica do agronegócio e Investimentos na Agricultura familiar; • Ampliação do potencial industrial; • Fortalecimento e ampliação de Agências de Fomento / criação de agência na região CO; • Ampliação dos investimentos em educação e saúde; • Fortalecer a comunicação de massa (jornais, sites, boletins); • Reforma Agrária; • Saúde do Trabalhador - (Redução da jornada de trabalho) ; • Infraestrutura para produção; • Investimento em políticas públicas (saneamento, habitação, transporte); • Desenvolvimento Regional focado na sustentabilidade ambiental (bioma cerrado), cultural (quilombolas, indígenas) e turística; • Tributação / guerra e renúncia fiscal. Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho
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Tabela 3 – Região Norte • Desenvolvimento Sustentável/Cadeias Produtivas: . Aprofundar estudos sobre as cadeias produtivas: Mineral, florestal, pescado e extrativa, enfocando para prevenção, conservação ambiental e ecológica das espécies e for talecer as ações já iniciadas na região; . Implantação de políticas de desenvolvimento sustentável para a região, com o for talecimento dos órgãos públicos do meio ambiente (IBAMA, INCRA, ITERPA etc); destacando um debate mais aprofundado sobre os grandes projetos (Vale Rio Doce, ALCOA, CARGILL e outras). • Reforma Agrária e Agricultura familiar: . Lutar pela manutenção das propriedades; inseri-las no meio produtivo com agregação de valor ; organizar a economia solidária e valorizar as atividades extrativistas e turísticas; . Diferenciar e definir os créditos e financiamentos da agricultura familiar e do agronegócio; . Debater soluções para inadimplência dos trabalhadores rurais (FCO e FNO); . For talecer a economia solidária (cooperativas e associações – ADS/CUT). • Obras de infraestrutura, saneamento e habitação: . Negociação na liberação de recursos públicos e controle social sobre os investimentos na região, focando os aspectos ambientais, sociais e relações e ambiente de trabalho; . Ar ticular com os diversos setores da sociedade civil, na perspectiva de construir a hegemonia em defesa do nosso projeto; . Acompanhar o desenvolvimento das obras do PAC; . Aplicação e Ampliação do Programa Luz para Todos. • Atuação Institucional: . For talecimento e ampliação da par ticipação CUTista nos Conselhos, nas três esferas, com capacitação dos conselheiros. . Inter venção em órgãos públicos nas diversas áreas (rural, infraestrutura, meio ambiente, finanças, energia, previdência) e esferas (municipal, estadual e federal), visando negociar as políticas e valorizar o serviço e os servidores públicos. Tabela 4 – Região Sul • Aprovação do Piso Regional em SC e garantir a manutenção e valorização no PR e RS; • Universidade Federal da Meso-região do Mercosul; • Intervenção nos espaços de governo na definição de políticas públicas, garantindo o controle social – conselhos, orçamento etc; • Enfrentamento aos projetos neoliberais instalados nos estados e municípios; • Ampliar o papel dos sindicatos na conscientização e mobilização da sociedade; • Aprofundar o debate sobre bioenergia – cadeia produtiva; • Aprofundar debate sobre cadeias produtivas da região sul; • Lutar para inserir nos currículos do ensino médio o tema dos direitos sociais (direitos sindicais e sociais); • Desenvolver atividades nas regiões dos estados para ampliar o debate e a intervenção em políticas de desenvolvimento; • Atuação vigorosa nas eleições municipais e estaduais, denunciando candidatos e cobrando compromissos com o projeto de desenvolvimento, com distribuição de renda e valorização do trabalho; • Ampliar a organização dos trabalhadores, destacando a formação política da militância sindical. 18
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Tabela 5 – Região Sudeste • Aprofundar a reflexão sobre o conceito de desenvolvimento, incorporando as seguintes dimensões: Renda, Educação, Longevidade, Participação e Meio ambiente; • Atualizar o conceito e o debate sobre desenvolvimento regional em virtude da diversidade existente no território nacional; • Considerar para a elaboração de um projeto de desenvolvimento as seguintes questões: a escala regional, forças sociais aliadas e a mensagem a ser levada – mais substantiva e menos adjetivada; • Reconhecer as dinâmicas regionais, buscando as questões que nos unificam como luta pelo salário mínimo, jornada, energia, acesso à renda; • Retorno do debate sobre território e espaço importante para revalorização do espaço local; • Aproveitar as potencialidades da região para proposição de políticas, utilizando-se de instrumentos públicos de desenvolvimento como a Petrobras e o BNDES, exemplo nas áreas de: . petróleo, dada a recente descoberta das jazidas em Santos; . biocombustíveis; . expansão do setor de serviços financeiros, de logística, de marketing, comunicação, contabilidade e outros; . pesquisa e tecnologia; . setores de fronteira (semicondutores, por exemplo); . sedes de multinacionais; . infraestrutura de portos, estradas, ferrovias. • Ações sindicais específicas para gerar um esforço planejado de desenvolvimento regional: combate à guerra fiscal, especialmente através da luta por contratos coletivos nacionais por ramo, combate às ZPE’s (Zonas de Proteção Econômica), a criação de linhas de financiamento público para revitalização e conversão de áreas industriais degradadas, e um contrato coletivo nacional para o setor de biodiesel. • Divulgação interna e externa do material produzido, pois é uma potente ferramenta para o debate e a intervenção dos CUTistas na sociedade; • Elaborar proposta clara para o sistema financeiro.
Tabela 6 – Participação por Região Região
Estados presentes
N° Participantes
Dirigentes Executiva Nacional presentes
Palestrantes
NE
AL, SE, PE, RN, PB, BA, CE, PI, MA e MG
91
05
05*
CO
MT, MS, GO, TO e DF
84
03
01
N
AM, AC, AP, RO, RR, PA, MT, TO e MA
42
05
02
SUL
PR, SC e RS
38
05
03
SE
RJ e SP
25
02
03
*Seminário sobre o Rio São Francisco realizado em conjunto.
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Oficinas Nacionais da Jornada – Reflexão e debate para construir a Plataforma da CUT para as eleições 2010
A
s implicações da crise mundial no mundo do trabalho nos impuseram a tarefa de “enfrentar a crise ampliando a luta de classe e organizando a transição para um novo modelo de desenvolvimento”, e o desafio de buscar alternativas para sua superação, consolidando um modelo de desenvolvimento sustentável, soberano e democrático. As condições econômicas construídas pelo Brasil nos últimos anos possibilitaram o enfrentamento dos impactos da crise econômica internacional, mantendo a capacidade de agir e de promover o desenvolvimento com distribuição de renda, assim como criaram a opor tunidade para recolocar na agenda política o debate sobre o padrão de desenvolvimento e o papel do Estado. E, especificamente, promover reformas como a política, a tributária e a sindical, capazes de contribuir significativamente para os avanços. Para a CUT, desenvolvimento sustentável deve se pautar pela priorização da vida, respeito às diferenças e a identidade; 20
equilíbrio com a natureza; controle social e exercício da soberania, articulados ao mundo concreto do trabalho; alterando padrões de produção e consumo. Por isso, reafirmamos a atualidade de um projeto alternativo de sociedade, calcado na centralidade do trabalho, da democracia e da soberania. Daí, a necessidade de repensar o paradigma energético produtivo, enfrentar o desafio da desigualdade, dinamizar a economia pela inclusão produtiva, capitalizar o potencial do desenvolvimento local, organizar instrumentos de regulação financeira. O Estado, o desenvolvimento e a organização social que defendemos fazem par te do projeto de nação que almejamos. Por isso, em 2009, a estratégia da Jornada pelo Desenvolvimento, deliberada pela Direção Nacional da CUT, com base em proposta do GT Desenvolvimento, foi a de estabelecer um Ciclo de Debates para debater temas que correspondem às questões essenciais para a conformação de um projeto de desenvolvimento para o Brasil, sob a ótica da classe trabalhadora,
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culminando na Plataforma da CUT para as eleições 2010. Realizamos três Oficinas Nacionais tendo como público prioritário os dirigentes nacionais e estaduais da CUT, dirigentes dos Ramos e dos sindicatos e assessorias. A 1ª Oficina intitulada “Estado, Democracia, participação popular e controle social” teve como objetivo propiciar aos participantes uma visão geral da democratização do estado e da sociedade, experiências na América Latina bem como instrumentos potencializadores de controle social e participação popular.
o direito de viver com qualidade” com objetivo de “aprofundar o debate da política energética, industrial, urbana, agrícola e agrária; a integração regional e energética; política internacional; instituições multilaterais; o comércio e ser viços e o sistema financeiro” tendo como eixos nor teadores o meio ambiente e a sustentabilidade, com vistas à construção de um novo modelo de desenvolvimento que privilegie as vocações regionais e supere as enormes desigualdades existentes.
Na 2ª Oficina, o objetivo foi aprofundar o debate das políticas públicas de educação, saúde e proteção social, articuladas ao desenvolvimento do mercado de trabalho, com vistas a construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável que supere as enormes desigualdades existentes no Brasil; por isso, recebeu o nome de “Mercado de Trabalho, educação, saúde e proteção social – políticas públicas para o desenvolvimento sustentável”.
A par tir daí, intensificamos o debate em nossas instâncias e no GT Desenvolvimento para elaborar a Plataforma, finalizada em abril de 2009 e lançada nacionalmente no 1º de maio. A Plataforma da CUT para as eleições 2010 é o instrumento para divulgação e consolidação das parcerias no movimento sindical e social, enraizamento das propostas e intervenção efetiva nas eleições 2010, traduziu o acúmulo de nossas resoluções congressuais, nacionais e estaduais e de nossas Confederações e Federações.
Completando a reflexão, realizamos uma 3ª Oficina: “Políticas Setoriais articulando campo e cidade, no Brasil e no mundo –
Assim, construímos a Plataforma da CUT para as eleições 2010, com as seguintes Diretrizes e propostas:
1. Valorização do Trabalho • Gerar mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento na perspectiva do pleno emprego; • Fortalecer a organização sindical e democratizar as relações de trabalho; • Desenvolver políticas específicas de proteção social à saúde dos trabalhadores/as nos locais de trabalho; • Desenvolver ações de combate à discriminação; • Garantir que as inovações tecnológicas possibilitem a criação de novos e melhores empregos; • Desenvolver políticas efetivas de proteção dos trabalhadores mediante às medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas; • Garantir trabalho decente no desenvolvimento do comércio e serviços.
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2. Igualdade, distribuição de renda e inclusão social • Ampliar o papel redistributivo do Estado; • Consolidar Sistema de Seguridade Social; • Ampliar investimento em infraestrutura e serviços sociais; • Implementar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano; • Elevar o investimento em habitação popular de interesse social; • Garantir a mobilidade baseada no transporte coletivo; • Garantir o saneamento básico e o acesso à água potável a todos os cidadãos e cidadãs na área urbana e rural; • Garantir diversidade, eficiência e controle social da Política Energética; • Valorizar a Educação como direito inalienável de todos e todas, em todos os níveis; • Melhorar as condições de educação no campo; • Reduzir as desigualdades regionais; • Fortalecer a agricultura familiar; • Avançar na reforma agrária; • Avançar na economia solidária.
3. Estado Democrático, com caráter público e participação ativa da sociedade • Adequar estrutura, a gestão e o orçamento públicos para a promoção do desenvolvimento sustentável; • Consolidar e ampliar espaços de participação social e política; • Coordenar a política macroeconômica como parte do projeto de desenvolvimento sustentável com distribuição de renda; • Adequar o papel dos bancos, das empresas públicas e Fundos de Pensão ao desenvolvimento sustentável; • Reorganizar a política tributária brasileira com vistas a promover o crescimento e a distribuição de renda; • Fortalecer o papel do servidor público no processo de desenvolvimento; • Consolidar Política ambiental consoante com projeto de desenvolvimento; • Política Industrial produzindo com eficiência e sustentabilidade; • Garantir a soberania, a integração e a solidariedade na Política Externa Brasileira; • Promover segurança pública; • Democratizar os meios de comunicação. Os textos a seguir oferecem uma sistematização dos conteúdos debatidos pelas Oficinas que, pretendemos, sirvam como subsídio para novas reflexões, visando ao maior aprofundamento à qualificação de nossa ação sindical. 22
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Estado, Democracia, participação popular e controle social O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Juarez Guimarães, em nossa primeira oficina, sistematizou a história da CUT em três períodos relacionados ao Estado brasileiro. Para ele, a Central tem cumprido papel imprescindível no que denominou de revolução democrática brasileira.
Ideia de revolução democrática “O conceito de revolução democrática vem sendo elaborado no interior da esquerda brasileira e latino-americana. É um esforço de interpretação das transformações em curso no continente. A ideia central é que não se trata apenas de uma reforma, mas construção de outro Estado. Significa nova estrutura de direitos e deveres que se refere tanto à distribuição da propriedade, as formas de organização dos tributos e dos gastos públicos, as relações de gênero, as relações de cidadania e culturas étnicas, as questões ecológicas. Ou seja, questões que dizem respeito aos direitos da classe trabalhadora diante dos capitalistas. Significa, também, reformar as instituições que organizam quem decide; por que se decide; como se decide. Em terceiro lugar, significa construir a soberania de um Estado que foi formado desde sempre com limitação de soberania perante os outros
Estados devido a sua história colonial, periférica ou semiperiférica. Portanto, a revolução democrática significa instaurar mais plenamente a soberania democrática. Por que democrática? Porque trabalhamos com uma mudança através da participação ativa das maiorias. Trata-se de explorar a radicalidade das possibilidades da democracia. Já superamos da nossa cultura a oposição entre democracia direta e representativa. Reivindicamos a democracia participativa, que é uma combinação de democracia representativa direta e semidireta, utilizando todas essas possibilidades de participação. Trabalhamos com o conceito de liberdade que é republicano e não liberal. Em outras palavras, a ideia de autogoverno e autonomia de cidadania, que conjuga democracia com pluralismo e direito das minorias. Este, por sua vez, não se expressa em privilégios, mas no respeito ao pluralismo e ao direito das minorias.
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Fazer a revolução democrática é operar uma mudança de fundamentos do Estado brasileiro, democraticamente, numa temporalidade larga. Isto é, rejeitar a ideia de revolução concentrada apenas no momento. Significa pensar nos tempos longos da república brasileira. Um tempo que nos permite compreender a CUT como, por exemplo, herdeira da luta dos primeiros trabalhadores brasileiros insurgentes que são os quilombolas. É pensar a CUT numa tradição muito antiga e renovada de luta. Significa também, pensar ou repensar a própria história da CUT com relação à história do trabalhismo brasileiro, fugindo de um conceito redutor e simplificador que designa pejorativamente a tradição trabalhista como populista. Esse discurso é perigoso. O título do livro do Instituto Fernando Henrique Cardoso sobre a América Latina é “Mudança sem populismo”. Sabemos o que isso significa: é mudança sem povo. A ideia de revolução democrática incorpora decisivamente a importância da cultura política. A cultura política da classe trabalhadora não pode ser pensada como separação entre cultura de vanguarda e cultura de massas. Deve-se pensar em cultura política de um socialismo democrático de massas. Trata-se de superar a cisão histórica do marxismo brasileiro: um marxismo que fala em classe e outro marxismo que fala em povo. Essa superação se dá ao falarmos em povo e classe ao mesmo tempo. A classe trabalhadora faz parte do povo brasileiro, organiza o povo brasileiro, estrutura o povo brasileiro. Essa superação permite que nos apropriemos de conceitos fundamentais a par tir da nossa tradição socialista. Exemplo disso é a ideia de desmercantilização, que significa que os bens e serviços fundamentais à reprodução da vida social da classe trabalhadora não devem ser mercadoria; devem ser direitos de cidadania e, portanto, são desmercantilizados. Outro exemplo é o conceito de desfamiliarização; isto é, a 24
classe trabalhadora é feminina e, portanto, os direitos das mulheres devem ser inseridos na construção das instituições públicas. Isso é fundamental para construir os direitos da classe trabalhadora. Significa retirar a dominação patriarcal das estruturas sociais e dos direitos e a ideia da cidadania ativa. Os direitos são decididos a cada momento histórico por meio da cidadania ativa. São direitos progressivos, em permanente construção e então fixados historicamente. Essa ideia muito radical de direitos da desmercantilização, da desfamiliarização e da cidadania ativa deve ser relacionada com a ideia de uma economia pública. Economia pública é aquela economia em que os setores fundamentais do financiamento, da inovação científica e aqueles considerados fundamentais para a reprodução da vida social são predominantemente públicos. Público abarcaria três possibilidades coerentemente articuladas. A primeira, o Estado democrático. A intervenção do Estado na economia é diferente da intervenção do Estado democrático na economia socialmente controlada, democraticamente gerida. Em segundo lugar, significa regulação a partir de critérios públicos, que é exatamente o contrário do que fazem as maiores agências reguladoras no Brasil. Elas foram criadas exatamente para maximizar o privatismo e a lucratividade de setores, para normatizar, para estabelecer obstáculos jurídicos aos direitos dos cidadãos perante esses setores. Significa regular, então, do ponto de vista público. E a terceira dimensão desse setor público da economia seriam as formas públicas, não necessariamente estatais, não necessariamente capitalistas. Podemos utilizar como exemplos as formas cooperativas, de fundos públicos, de autogoverno, de autogestão, de economia solidária, dentre muitas outras. A expansão desse setor público da economia do setor público cria a base material do desenvolvimento da
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democracia participativa. Não é possível desenvolver democracia participativa sem esse fundamento econômico. Ao mesmo tempo, essa democracia participativa é que possibilita o avanço na radicalização dos direitos e na construção desse setor público que é democrático. E democraticamente gerido. Essa economia pública é diferente da chamada economia mista, oriunda da social democracia. Economia mista seria exatamente a conjugação do Estado com o setor privado, o Estado funcional para acumulação capitalista. Temos de trabalhar com um conceito diferente de economia do setor público, que se integra no mercado, regulando-o naqueles setores considerados fundamentais.
A CUT e o Estado brasileiro Podemos sistematizar em três momentos a história da CUT em sua relação com o Estado brasileiro. Entre 1982 e 1989, a CUT se forma a partir de uma cultura classista. Um movimento ascendente muito paralelo ao do PT, com agenda centrada no conflito distributivo. Somos o país do mundo que mais fez greve nos anos 80, fundamentalmente por reposição salarial. Esse processo legitimou e nacionalizou a construção da CUT, assim como desenvolveu sua cultura sindical. Era a cultura do contrato coletivo. Encerramos aquela década, erguendo a bandeira antiCLT, anti-Estado. Essas foram características que marcaram o primeiro momento da história da CUT em relação ao Estado: cultura classista, agenda do conflito distributivo e cultura sindical baseada no contrato coletivo. A segunda fase parte de 1989 e vai até 2002, percorrendo, portanto, toda a década de 1990. A CUT passa a falar em cidadania, dos direitos dos/as cidadãos/ãs. Começa a se relacionar com a cultura do nacionaldesenvolvimentismo e com a cultura da social-democracia europeia. Traz para dentro
de si repertórios possíveis de resistência ao neoliberalismo. Nos anos neoliberais, a CUT apresentava uma cultura de resistência. A agenda fundamental era a defesa dos empregos. A CUT chega ao final desse período, repensando a oposição contrato coletivo versus direito legislado e mais, compondo essas duas dimensões. Propõe, então, uma revisão democrática da CLT e a absorção não corporativa do contrato coletivo. Não defende mais a saída do Estado. Quer o Estado democrático dentro, aumentando as possibilidades de disputar com os patrões, de criar novos direitos e de transmiti-los para o direito legislado. O terceiro período tem início em 2002 e permanece em 2009. Esse período tem dois momentos distintos. Os primeiros anos foram muito sofridos para a CUT, interpelando o Governo, que estava com a macroeconomia desfocada, com uma agenda desenvolvimentista. A CUT começa a falar em emprego e salário e trabalha a ideia de reforma sindical – que fica empacada em função, principalmente, da correlação de forças muito negativas no congresso. O segundo momento desse período começa em 2005, atravessando a crise política daquele ano. É uma fase mais ofensiva de reposição dos direitos da classe trabalhadora. Uma cultura de recuperação desses direitos em que combina salário mínimo com aumento dos salários conquistados nas negociações e a introdução de uma campanha nacional pelas 40 horas. Mostra, assim, o grau de ofensividade da CUT na nova conjuntura, uma nova agenda então pós-neoliberal. Respira tempos novos de possibilidade de luta. O impacto na cultura sindical aparece no processo mais amplo de defesa da democratização do Estado brasileiro. A questão que se coloca é: qual Estado?
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A CUT e a revolução democrática Estamos impulsionando uma revolução democrática. Esse movimento democrático é composto de três elementos: sufrágio universal, uma democracia muito ampla e competitiva e políticas públicas que incorporam as maiorias e, com isso, criam bases políticas. Nos anos 80, nós falamos em trabalhador. Nos anos 90, falamos de resistência ao neoliberalismo e em direitos de cidadania. Agora, talvez seja o momento de falar em cidadania a partir de valores socialistas, isto é, trazendo para essa ideia de cidadania aquilo que nós estávamos dizendo: desmercantilização, desfamiliarização, direito da mulher trabalhadora no centro da agenda. É cidadania ativa como produção de direitos. Alguém dirá: é impossível colocar tardiamente uma agenda avançada de construção tão radical de Estado do bem estar social num país periférico. Nós temos legitimidade hoje para dizer publicamente para a sociedade que não é correto que um trabalhador brasileiro tenha saúde de segunda categoria e o rico possa comprar saúde de primeira categoria. Que é um direito do trabalhador ter uma saúde de qualidade. Na educação, o governo Lula fez muito. Na saúde há uma política frontal do PSDB de derrotar o SUS, de retirar financiamento do SUS, de construir organizações privadas de atendimento de saúde e de estimular planos privados. Qual a responsabilidade dos sindicatos e da CUT perante o SUS? É um discurso amplo; é um discurso socialista. É um discurso radical e ao mesmo tempo socialista. Nós temos ampla legitimidade perante as mulheres trabalhadoras brasileiras de defender mais creches, mais direitos reprodutivos, mais direitos da mulher trabalhadora, que seja incorporado às políticas públicas de modo 26
central como se faz em alguns estados de bem estar social. Sobre as possibilidades do nacionaldesenvolvimentismo, é importante ressaltar que o regime militar construiu as suas instituições. Eu falo de suas instituições importantes, duráveis, como o Banco Central. De certa maneira, estamos hoje reinventando o BNDES, as funções do Banco do Brasil e da Caixa Econômica e reinventando as funções da Petrobras, que se lança agora na construção de uma super matriz energética. Mas, ainda não fomos capazes de tomar o Banco Central dos liberais. Uma questão fundamental é tomar e republicanizar o Banco Central. Desenvolver as formas da economia do setor público segundo essa lógica: democratização do Estado, regulação do setor privado a par tir do público e desenvolvimento macroeconômico das experiências de cooperativismo de economia solidária. A CUT pode ser protagonista da formação desse setor público. Porém, não corporativamente. Não pode ser através de uma lógica estreita de uma categoria ou outra, mas enquanto uma lógica pública deve aspirar sua participação na direção dessa economia do setor público. A CUT deveria fazer um grande investimento formativo de construir os gestores trabalhadores dessa economia do setor público. A ação sindical da CUT, nesta dimensão, pode combinar o processo de democratização das instituições brasileiras e também do judiciário brasileiro. Pode radicalizar esta operação construtiva de combinar o direito legislado com as negociações coletivas de trabalho, com novos direitos produzidos nas negociações coletivas. O principal direito inclusive a ser conquistado é o direito democrático de superar a ditadura dos patrões nas fábricas e nos locais de trabalho, de não permitir a organização por local de trabalho. Não falam o tempo todo em democracia? Mas qual democracia?
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Por fim, é necessário ter uma compreensão muito ampla de que a classe trabalhadora está mudando no Brasil. Esta revolução democrática, esse processo de incorporação de direitos, salário mínimo, educação, habitação, formalização do mercado de trabalho, está criando uma nova classe trabalhadora no Brasil. Os publicitários de marketing já descobriram isso. Eles dizem: “Criou-se uma classe C”, que é o pessoal que ganha 950, 1.500 reais, cerca de 100 milhões de pessoas. Temos os beneficiários do Programa Bolsa Família, em torno de 40 milhões de pessoas.
transformação. Essa transformação é par te do programa e da identidade da CUT e ela tem de colar-se nessas transformações, ser pró-ativa nas campanhas de sindicalização frente a essa chamada classe C, que é fundamentalmente trabalhadora. Deve ser pró-ativa em campanhas de alfabetização, em campanhas de restauração de dignidade de mulheres, de negros, desses 40 milhões de brasileiros que estão adentrando numa lógica de inserção. Trata-se da futura base da CUT. Devem ser vistos como par te; constituindo organicamente a base social da Central.
A classe trabalhadora brasileira está passando por um processo de renovação, que tem a ver com aspiração da CUT. Se a CUT não existisse, não estaria havendo essa
A CUT pode, portanto, renovar-se na revolução democrática, assumindo o protagonismo na formação da nova classe trabalhadora no Brasil.”
Instituições jurídicas devem ser democratizadas O Ministro do TST, Mauricio Godinho, apresentou sua contribuição no debate sobre instrumentos para democratização do estado e do poder. Para ele, existe uma perspectiva que não é muito debatida pelos movimentos sociais que é o papel do judiciário num sistema democrático. “O conceito de democracia traduz essencialmente a ideia de inclusão social nas estruturas de poder no âmbito do Estado, da sociedade política e da sociedade civil. A consumação do fenômeno democrático coincide com o surgimento de um regramento jurídico que cria fórmulas diferenciadas de inclusão social e de contemplação dos setores destituídos de poder e riqueza na moderna sociedade ocidental.
da humanidade, deram voz, poder e instrumentos de atuação aos destituídos de riqueza e de poder. Exemplos são os direitos do trabalho, de seguridade social, posteriormente outros ramos jurídicos interventivos. Alguns bem recentes, como é o caso do direito do consumidor, do direito ambiental. Os principais aqui, para o nosso raciocínio, são exatamente o direito do trabalho e o direito de seguridade social.
Coincide com esse final do século XIX o surgimento de uma série de ramos jurídicos que, pela primeira vez na história
Evidentemente, a ideia de democracia é ter uma extensão cada vez mais larga que pode ocorrer de maneira quase indefinida.
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As práticas democráticas nos induzem ao máximo de inclusão social, ao máximo de inclusão dos distintos segmentos da sociedade. Entretanto, a história e também a teoria sobre a democracia admitem que há limites a sua consecução na vida real. Porque existem instituições e dinâmicas cuja natureza, estrutura e objetivos sociais colocam algumas dificuldades à plena extensão e inclusão da ideia da democracia. Existe uma série de políticas públicas que possuem, necessariamente, um caráter democrático de grande relevância e são bastante conhecidas. É importante pensar sobre a ausência dessas políticas, porque nos faz refletir sobre a necessidade de alguma política pública democratizante. E a presença destas nos faz refletir sobre a confirmação de como uma política pública democratizante produz efeitos sociais de grande impacto. Há várias políticas públicas democratizantes, fundamentais no cumprimento desse objetivo máximo de inclusão social. Exemplo disso são as políticas adotadas nos últimos seis ou sete anos. A política de elevação real do salário mínimo é uma política democrática, além de ser uma política econômica. Tem efeitos econômicos, mas é uma política profundamente democrática, porque distribui riqueza a quem vive estritamente do seu trabalho; distribui riqueza aos setores que estão numa posição social menos significativa. Sendo uma política includente, é uma política democrática. Distribuir riqueza para setores sociais despossuídos de riqueza é política democrática, porque distribui poder, mesmo que moderadamente. Poder no âmbito da sociedade civil e não só no âmbito do Estado, já que vivemos numa sociedade capitalista. Temos uma população assistida pela seguridade social bastante ampla em comparação com vários outros exemplos negativos da América Latina. Até poucos anos atrás, o Chile, por exemplo, tinha 50% da sua população excluída da seguridade 28
social. Felizmente, o Brasil possui índices de inclusão social bem superior a esse, mesmo que nossa seguridade social não seja perfeita. Outra política recente que possui forte caráter democratizante e includente – embora não exatamente do ponto de vista estritamente político – são as políticas de inclusão social no âmbito da educação formal, inclusive da educação universitária. As políticas de inclusão dos setores afrodescendentes são fundamentais numa democracia. É claro que elas não serão políticas eternas. Chegaremos num tempo que não será mais justo fazer essa diferenciação, porque já teremos atingido um determinado patamar de igualdade social. Quando isso ocorrer, essa política tem de ser retirada, eliminada. Enquanto estivermos longe disso, é uma política absolutamente constitucional, porque a Constituição é profundamente democrática e tem várias determinações expressas com relação à inclusão social.
Questão do judiciário Não apenas os movimentos sociais, conforme velhas teorias, são responsáveis pelos avanços de algo como o regime de bem estar social e democracia na vida social contemporânea. O bom funcionamento das instituições, nos moldes da sua estruturação democrática constitucional, possui papel importante em assegurar os avanços no rumo do bem estar social. Porém, vivemos uma situação em que a interpretação da ordem jurídica inviabiliza o bom funcionamento da democracia. Nossa Constituição tem dispositivos enfáticos de valorização da dignidade da pessoa humana, do trabalho e do emprego. Portanto, medidas precarizantes do trabalho não poderiam ser consideradas válidas em face da Constituição. A flexibilização e a precarização trabalhistas afrontam o espírito constitucional expresso de diversas maneiras: no título dos direitos fundamentais, no título
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da ordem econômica, no título da ordem social. Entretanto, por interpretação, não é assim que se entende. Para que a democracia funcione é fundamental que as instituições também funcionem, e não somente a sociedade civil. A democratização e a eficiência das
instituições estatais é um instrumento decisivo para o alargamento da democracia. É importante que os movimentos sociais passem a incorporar a essencialidade do bom funcionamento das instituições e não considerem o Estado apenas como um aparato de dominação da burguesia.“
Não existe democracia sem a democratização da comunicação A Secretária de Comunicação da CUT Brasil, Rosane Bertotti, apresentou a visão da Central sobre a luta pela democratização da comunicação em nosso país. E justificou por que essa agenda tornou-se estratégica para o movimento sindical brasileiro. A estrutura de comunicação que vemos no Brasil, hoje, é praticamente a negação de tudo o que defendemos, do que é o papel do Estado, a democracia, a participação social e o controle público. A nossa estrutura de comunicação nega todos esses elementos e está enraizada na estrutura brasileira. As tecnologias desenvolvidas atualmente não foram pensadas a partir do acesso, a partir da informação. Isso ocorre porque não temos nenhuma regra, controle ou mesmo uma legislação que aponte para o controle do sistema de comunicação brasileiro. Alguns dados nos apontam que 90% dos municípios brasileiros não possuem sala de cinema, museu ou espaços de cultura. O resultado é que ficamos praticamente dependentes do sistema de televisão. Diferenciamos o que é liberdade de expressão de liberdade de imprensa. Se não discutirmos a formação de um sistema público de comunicação, teremos sérias dificuldades de avançar em qualquer processo de democratização do Estado. É necessário construirmos um novo marco regulatório, que abranja todos os temas de comunicação – seja ele de rádio e televisão, de internet, jornais. Também devemos incorporar a questão da distribuição. Os livros são exemplos dessa necessidade. O acesso é uma questão central. Reconhecer o direito à comunicação. Uma vez tratada como direito, será necessário garantir o acesso, público e regulamentado. Como diz o professor Venício Lima, essa política é como uma calçada, que vai regrar como se acessa. Mas ela tem que ser pública. Tem que ser de livre acesso para ir e vir. Que permita às pessoas ocuparem e terem o seu espaço. Outra questão importante é o espaço dos movimentos sociais. Devemos compreender que os movimentos sociais devem ter um espaço em rede nacional, como existe, por exemplo, em Por tugal. As Centrais Sindicais de Portugal têm espaço em rede nacional a cada período como, por exemplo, os partidos políticos possuem no Brasil. Antônio Gramsci, no início do século XX, já dizia que os jornais – e nós podemos estender para todo o sistema de comunicação – tornaram-se um par tido. Ele dizia que os jornais tornam-se par tidos, dialogam sua proposta na sua forma de falar pelos burgueses e ainda são financiados pela classe trabalhadora. Então, é necessário fazermos o contrário disso. Termos nossos próprios instrumentos, que mostram para a população qual é a plataforma, qual é a proposta que a CUT defende.
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Mercado de Trabalho, educação, saúde e proteção social – Políticas públicas para o desenvolvimento sustentável Mercado de Trabalho e Proteção Social O professor Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), afirma que cada vez mais, o sindicalismo deve ser protagonista de futuro, construtor do amanhã, no debate da segunda Oficina.
“Cada vez mais, o sindicalismo deve ser protagonista de futuro, construtor do amanhã, interferindo nas transformações do mundo do trabalho a partir do aumento da organização e da consciência da classe, para que a sociedade do conhecimento seja a da abundância e não da escassez, da cooperação e não da competição. É extremamente importante a CUT ter assumido o tema do desenvolvimento e protagonizar o debate de um tema que se manteve num segundo plano nos últimos 25 anos no Brasil. Ficamos muito comprometidos com a lógica do curto prazismo e o tema do desenvolvimento nos exige uma reflexão de mais longo prazo. Uma primeira reflexão é em que sentido as instituições que o mundo do trabalho possui atualmente – os sindicatos – representam a defesa do passado ou são protagonizadoras do futuro. Analisando as tendências, é preciso um exercício de projeção sobre o que será o nosso país em 2030, quando teremos 207 30
milhões de brasileiros e se espera uma regressão na expectativa demográfica, da mesma forma que já ocorreu na metade do século XIX, com o fim do tráfico negreiro e pela expectativa de vida em média do escravo não ser superior a 21 anos de idade. Para 2040, a projeção é de 205 milhões. Até 2030, há uma forte tendência de transformação do mundo do trabalho que redefine o próprio trabalho. Nesse contexto, a partir de 2030, podemos vir a ter problemas de financiamento das políticas públicas, que hoje são contributivas, porque até 2030 a transformação na estrutura social brasileira será significativa. Em primeiro lugar, do ponto de vista da redução dos mais jovens, pois, de maneira geral, ainda somos um país com forte presença do segmento etário de menor idade. Em 1992, tínhamos 34% da população com até 15 anos; em 2008 eram 25% e em 2030 serão apenas 15%, com a idade média chegando a 45 anos e a expectativa de vida entre 90 e 100 anos.
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Essa mudança na estrutura da população brasileira se dá, em primeiro lugar, pela forte queda na taxa de fecundidade. Haverá uma for te queda na taxa de fecundidade que em 1992 era de 2,8 filhos por família, reduzida a 1,8 em 2008 e que será de apenas 0,9% em 2030. Esses dados demonstram que, do ponto de vista demográfico, haverá uma fase de redução do número de brasileiros, se não tiver modificação do fluxo imigratório internacional etc. Outro aspecto importante é o for te crescimento de pessoas com mais de 60 anos de idade. Ao reduzir uma parte da pirâmide da faixa etária mais precoce há aumento da população com faixa etária mais avançada. O que, consequentemente, reduzirá a população economicamente ativa no total da população, que é hoje em torno de 62%, reduzindo a presença da força de trabalho do total da população. Como nascerão menos pessoas do que morrerão, é preciso que o sindicalismo reflita sobre isso. No século 20, o novo sindicalismo se organizou a partir de uma base familiar de dois adultos e duas crianças. Neste futuro próximo, teremos famílias mais fragilizadas, com menos laços de sociabilidade e maior presença das mulheres chefiando famílias, o que dará maior relevância às questões de gênero. Enquanto atualmente a mulher entra e sai do mercado de trabalho conforme a reprodução, o que provoca uma brutal desigualdade em termos de remuneração. No século XX, as mulheres viviam 55 anos de idade e tinham dois a três filhos e seu trabalho era essencialmente doméstico. A liberação da força de trabalho feminina para o mercado de trabalho era residual. Em 2030, será outro contexto em que a mulher para ter um filho possivelmente não precisará mais da presença do homem, porque as inovações já dão conta da construção do espermatozóide em laboratório.Teremos a presença feminina no mercado de trabalho em igualdade a do sexo masculino. Com a mulher vivendo cerca de 90 anos e tendo apenas um filho, teremos política de gênero para os homens.
A tendência é o trabalho imaterial feito a partir de qualquer lugar Haverá uma inversão e alteração no trabalho. As mudanças do ponto de vista da definição do que é trabalho se alterarão drasticamente. Isso porque o futuro da ocupação será o trabalho imaterial, com ênfase no setor de serviços, onde o conhecimento - cada vez mais apropriado pelo sexo feminino - terá importância maior. Hoje 70% dos trabalhadores encontram-se no setor terciário; em 2030, 85% estarão nos serviços, 8 a 9% na indústria e 6 a 7% na agropecuária. Essa é uma mudança dramática do ponto de vista da organização do trabalho. Esses serviços, esse futuro do trabalho que está dado, determinado pela base produtiva existente no país, se é agricultura, se é indústria, esse futuro dos serviços impõe na verdade uma pressão considerável do ponto de vista do conhecimento. Porque esses serviços cada vez mais não têm como contrapartida algo concreto, um produto. Antes, era possível identificar, a partir do esforço humano e mental, um produto concreto. A classe trabalhadora em emergência
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não tem identidade com o resultado que produz, porque produz serviços. E como se quantifica serviços? Com o crescimento do trabalho imaterial, feito a partir de qualquer lugar, haverá dificuldade na regulação social e trabalhista, o que desde já se coloca como um desafio para a organização sindical, pois os sindicatos construíram sua identidade a par tir de um local específico para o trabalhador/a e representam o trabalhador/a num local específico. Hoje, de modo geral, com as mudanças na gestão do trabalho, que estão mais par ticipativas, já estamos no trabalho imaterial. Downsizing, reengenharia, remuneração variável são na verdade anúncios de como será esse trabalho imaterial, na medida em que contabiliza para o resultado do trabalho no local algo que você faz fora do local de trabalho. Nós levamos trabalho para casa, dormimos e sonhamos com o trabalho. Está em curso, então, uma profunda intensificação do trabalho, uma extensão do tempo de trabalho e acumulando uma riqueza através da produtividade material do trabalho. Agora, como fica o acidente ocorrido fora do ambiente de trabalho, as doenças como a depressão, e outras doenças mentais, que a regulação social não reconhece como doença do trabalho? Esta é uma riqueza que está sendo apropriada, mas que os governos não tributam e que os sindicatos não disputam. Guardando-se as devidas diferenças, estamos voltando ao trabalho na sociedade agrária, onde se morava na fazenda e trabalhava na fazenda, sem regulação. Quando não há mais um espaço onde se exerce o trabalho como tínhamos na sociedade urbana e industrial, na sociedade do século XX, como redefinir os tempos de trabalho e de não trabalho? Porque o que definia o tempo de trabalho e não trabalho era o contato físico com equipamento, com os recursos materiais. Com o trabalho intelectual, o trabalho imaterial, não existe mais essa separação.
Educação para a vida Se o que passa a ter importância é o trabalho imaterial e este pressupõe 32
conhecimento, está colocado em cheque o sistema de informação, de educação e de ensino. Somos frutos de uma sociedade que separava quem estudava de quem não estudava; quem se preparava e quem não se preparava. Nós somos frutos de uma sociedade que quem estuda são crianças, adolescentes e alguns jovens; ou seja, o estudo está vinculado a um momento antes do trabalho. A educação, em nossa sociedade, está organizada para o trabalho, não para a vida. Tanto é que depois que se ingressa na vida adulta não se abre mais um livro, não se estuda e até é estranho encontrar alguém com mais idade fazendo faculdade. Há 20, 30 anos atrás ser dirigente sindical era relativamente mais fácil, porque o conhecimento era uma coisa parada no tempo. Se adquiria por estoque; ou seja, se entrava numa faculdade ou numa escola técnica e se ficava lá quatro a cinco anos acumulando aquele conhecimento e depois se ia realizar a atividade por 30 a 35 anos sem precisar estudar mais. Estava lá estocado, você já tinha introjetado um conhecimento necessário para 30 anos de trabalho. Esse conhecimento por estoque não existe mais. É também uma educação para especialistas. E a especialidade não dá a unidade do conhecimento. Quanto mais especialista, mais difícil acompanhar as informações de dados, pesquisas, livros, artigos até mesmo na sua área. O que vai aumentando a ignorância. Na sociedade do trabalho imaterial, será necessário educação para a vida, até porque a trajetória ocupacional nesse trabalho será muito instável. O que definirá essa trajetória será o conhecimento. E conhecimento é sistematização e análise de informações. O papel do estudo nessa sociedade do conhecimento será crucial. Por isso, a educação passa a ser um elemento intrínseco da atuação sindical, da organização da sociedade, da reorganização da sociabilidade. Porque esses valores de sociabilidade estão cada vez mais enfraquecidos. Não há mais tempo para a conversa, o diálogo. Diziam-nos há 20 anos que as tecnologias de informação nos dariam mais tempo livre; falácia! A qualquer momento estamos
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abrindo o computador para ver na internet a última notícia que saiu. E estamos sempre atrasados. Então, não temos mais tempo para o exercício mínimo da sociabilidade; há uma privatização desse processo. O que mais cresce inclusive como espaço de sociabilidade, um falso processo de sociabilidade é o Shopping Center. Nele, se pode passar 5, 6 horas rodeado de pessoas sem abrir a boca, sem falar uma palavra. Pode ser dia ou noite é a mesma temperatura, iluminação, lojas; não tem relógio. Então, essa é uma sociedade muito diferente. Por tanto, a questão que está colocada aqui é quem vai trabalhar? A sociedade do trabalho imaterial é de abundância. Sobram produtos, bens e serviços. Isso não significa dizer que acabará a pobreza, a fome. A questão será como distribuir esse excedente. Se essa é a sociedade que não é da escassez, não é mais necessário vincular a nossa vida a esse trabalho heterônomo; ou seja, estamos diante de uma possibilidade inegável de cumprir a missão histórica dos sindicatos no capitalismo que é libertar o homem do trabalho heterônimo, do trabalho para a sobrevivência, pois são tão poucos aqueles necessários para ajudar no processo de produção que é plenamente possível liber tar o homem do trabalho heterônomo, como na formulação de Hannah Arendt. É chegada a hora da humanidade caminhar para liber tar-se do trabalho heterônimo, aquele necessário para a sobrevivência, pois já existem as condições para a sua superação. Naturalmente, o problema não é econômico, mas político. O Brasil é o maior exportador de alimentos, mas há gente em nosso país que morre de fome. Na sociedade agrária, 70% da vida eram gastos no trabalho pela sobrevivência; quem organizava a vida era o sol; na sociedade urbano-industrial, com as pessoas vivendo 60 anos em média, eram gastos 45% e na sociedade pós-industrial, o trabalho heterônimo será de apenas 20%. Haverá uma ampliação do trabalho autonomamente dirigido pelo homem, não mais pela sobrevivência, socialmente útil, de cooperação e não de competição.
A posição da mulher no novo tipo de trabalho Nas próximas décadas, o que será identificado como trabalho dependerá de estabelecemos os marcos desse novo trabalho; porque nós poderemos ficar prisioneiros de definir o que é trabalho como a legislação estabelece nos marcos atuais. Isto é, o sindicato para construir a sua identidade não poderá mais ficar prisioneiro do local específico onde tradicionalmente ele executava a representação. Aquele que não exerce o trabalho heterônomo está fora do sindicato, portanto, os ditos inativos pelas pesquisas tradicionais, a criança que estuda e não trabalha, não é trabalhador, tá fora do sindicato. A mulher que trabalha em casa não está no sindicato, o idoso que se aposenta está fora do sindicato, o doente, o deficiente físico e mental está fora do sindicato. Se o sindicalismo ficar prisioneiro a esta ideia de trabalho heterônomo, ele representará uma parcela ínfima da sociedade. Correrá o sério risco de se transformar em mais uma ONG, pois temos as ONGs que cuidam dos índios, das crianças de rua. Nesta nova sociedade, o sindicato poderá ser peça chave, sendo não somente representante do trabalho heterônimo, mas ampliando sua ação para os que hoje ainda encontram-se fora da sua representação. Na sociedade do trabalho imaterial não existe mais força física. Se a diferença do homem para a mulher e sua inserção na divisão do trabalho encontrava-se na força física; hoje, para que a força física é necessária? Para levantar o lápis, para apertar um teclado? A diferenciação será pelo conhecimento, e as mulheres estão muito mais avançadas que os homens; têm melhor desempenho na educação; basta ver os resultados do ENEM.
Libertar-se do passado para construir, hoje, o futuro Estamos muito próximos de transformações que, de maneira geral, não estamos considerando. Se não as considerarmos e
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não trabalharmos com essas perspectivas, ao invés de sermos agentes da história e nossas instituições protagonistas do futuro, serão instituições de conservação do passado, assim como os sindicatos de ofício no século XIX. O revolucionário russo Vladimir Lenin, fazia críticas contundentes ao corporativismo do sindicato de ofício, que no final do século XIX, acabou agindo como uma aristocracia operária, colocando-se acima da classe, das suas lutas, interesses e compromissos.
da população é o que nos está colocado. E quem faz história é quem tem projeto. Uma possibilidade de inovar, sindicalmente, é o chamado sindicato por área geográfica. É preciso parar para pensar. Não dá para fazer sindicalismo correndo como anteriormente. Tem que planejar ; tem que trazer o futuro para o presente para ver como é possível torná-lo mais favorável aos que dependem do seu trabalho para sobreviver.
O futuro chegou. O que definirá se teremos uma posição conservadora de não aceitar o futuro e ser contra, como fizeram os sindicatos de ofício e, ao se posicionar contra foram varridos da história; ou se teremos a capacidade de procurar transformar esse futuro a favor dos interesses da maior parte
Esse trabalho imaterial significa, na verdade, utilizar o tempo do não trabalho, o tempo livre para o conhecimento, a sociabilidade. Os sindicatos não podem ficar olhando o mundo através do retrovisor ; os trabalhadores/as são peças fundamentais na construção do amanhã, que se faz hoje.”
Economia solidária: avançar para o desenvolvimento solidário e sustentável Dione Manetti, Diretor do Departamento de Fomento da SENAES – MTE, afirma que é um grande desafio para o movimento sindical incorporar a economia solidária como uma possibilidade de organização de parte importante da classe trabalhadora. “A criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária se deu com base no debate sobre desenvolvimento efetuado no Governo Lula. Temos hoje mais de 200 prefeituras desenvolvendo políticas nesta área e contribuem para ampliar o debate sobre e estratégia e sobre a necessidade de organização desse segmento, que costumamos dizer que é uma outra economia que já acontece no nosso país. A economia solidária é hoje identificada de várias formas; no Nordeste, por exemplo, principalmente no Ceará, é chamada socioeconomia solidária; no Rio Grande 34
do Sul, de economia popular solidária; no Pará, tem uma identidade muito forte com a economia popular, até pela característica do estado. Alguns já incorporam o conceito que foi mais desenvolvido na Europa que é o da economia social, mas que não se apresse com o que estamos falando aqui. Porque lá, economia social não tem autogestão como referência fundamental da sua estruturação. Na América Latina, a Argentina incorpora dessa forma. Já na Venezuela foi muito mais forte a economia popular e hoje é reconhecida como economia comunal, a partir da estrutura de organização do
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Estado, inclusive modificada pela constituição venezuelana aprovada no último período. Na criação da secretaria, criamos um acordo que economia solidária seria a síntese daquilo que permite que todos possam se identificar, independente da nomenclatura. Há visões que pensam a economia solidária como um apêndice do modelo capitalista e que, por tanto nada mais é do que um instrumento para amenizar as mazelas trazidas pelo sistema; outros pensam que a economia solidária é um espaço importante para trabalhar com populações em situação de pobreza; aqueles que pensam que, a partir da economia solidária, é possível construir um mercado próprio, uma dinâmica própria de funcionamento. E a vida fará as coisas mudarem até que um dia tenhamos um mundo melhor.
O princípio da solidariedade e da cooperação A economia solidária referencia seus princípios fundantes no cooperativismo. A ideia da solidariedade, da cooperação, do trabalho coletivo, de democracia, da autogestão são elementos que estão muito vinculados aos eixos ou elementos fundantes do cooperativismo. A economia solidária surge com essa identidade no Brasil, a partir do início da década de 80, Embora tenhamos tido ao longo da nossa história experiências impor tantes que se referenciaram na autogestão como o próprio processo de organização do movimento camponês ainda na década de 50, em que boa parte da estrutura de sustentação desses movimentos passavam por um processo de organização coletiva não só do processo produtivo, mas também da sua organização social. Os quilombos, por sua vez, foram exemplo muito impor tante de resistência do povo negro desse país que se organizou social e economicamente nos seus territórios. Com o nome de economia solidária, no Brasil, as primeiras iniciativas foram
no início da década de 80. Começa num primeiro momento com essa identidade de economia popular solidária muito vinculada aos movimentos eclesiais, em especial, a Cáritas, baseados no enfrentamento da pobreza. Num segundo momento, passou a perceber que a construção da independência ou da autonomia dessas populações passava necessariamente pela sua organização econômica, passando o movimento protagonizado por esses setores da igreja a pautar mais o debate da organização econômica e social a partir da economia solidária. Ainda na década de 80, tivemos o início de uma presença maior do movimento sindical nesse debate e que se deu muito em função das circunstâncias que os trabalhadores/as começaram a enfrentar. Em Santa Catarina, por exemplo, a antiga CBCA se transformou no que hoje é a Cooperminas depois de uma luta importante do sindicato dos mineiros. A experiência e o exemplo de Catende em Pernambuco, um aglomerado de usinas controladas pelos usineiros que explorava os trabalhadores e que ao enfrentar algumas crises e os trabalhadores se organizaram também em parceria com o movimento sindical. No início da década de 90, tivemos vários casos do que nós costumamos chamar das empresas recuperadas pelos trabalhadores. Empresas, fábricas que hoje estão nas mãos dos trabalhadores sendo geridas por eles e dando bons resultados. Ainda da década de 90, outro elemento importante para a economia solidária foi a entrada do Estado nesse debate. Nessa época, o debate do tema trabalho e desenvolvimento eram mais feitos pelo governo federal. As prefeituras e os governos estaduais pouco entravam nesse debate. Com a crise do emprego, com a abertura da economia do país a pressão social obrigou também que as administrações, tanto municipais quanto estaduais, começassem a se envolver com esse debate. A primeira experiência que tivemos de política pública de economia
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solidária, com essa identidade no Brasil, foi na primeira gestão da prefeitura de Porto Alegre, permitiu debater com a população e com o Estado brasileiro a necessidade de políticas que fossem além da mera disponibilização de políticas assistenciais e que criavam uma relação de dependência do cidadão com o Estado. Uma experiência importante de integração de políticas redistributivas e emancipatórias no Brasil foi a coordenada pelo Márcio Pochmann na prefeitura de São Paulo durante a gestão de Marta Suplicy. Porque se garantiu que o Estado tenha a obrigação de criar as condições de sobrevivência para aqueles que não conseguem acessar o mercado de trabalho; que não conseguem se inserir economicamente; que não têm acesso aos serviços básicos, possibilitando que essas pessoas possam constituir autonomia frente ao Estado. Por outro lado, a academia, que entrou nesse processo um pouco mais tarde tem sido um ator importante. Embora ainda tivéssemos uma elaboração que brotava das lutas sociais, das lutas dos trabalhadores, que era, portanto, empírica, o fundamental era levar esse debate para a academia e aprofundar, do ponto de vista da sua perspectiva histórica, e isso nos foi permitido principalmente a partir do meio da década de 90, com destaque para o professor Paul Singer. O debate feito até pouco tempo atrás foi centrado na organização do trabalho. A ideia da autogestão e da organização coletiva do meio de produção sob controle dos trabalhadores são elementos que nos orientam, que nos motivam nessa construção, mas de meia década para cá, começamos a perceber também e de alguma forma fomos percebendo também que o debate que se propunha era um pouco mais complexo do que tão somente buscar uma nova forma de organização do trabalho no seu local. Era um pouco mais complexo do que imaginar um 36
processo de tomada dos meios de produção pelos trabalhadores. E porque chegamos a essa conclusão? Porque o problema identificado é o do modelo. Isto é, quando se debate a questão ambiental, a discussão hoje não é mais se queima mais ou menos, se polui mais ou menos; o foco é qual o modelo de organização da economia capaz de nos garantir um aproveitamento das riquezas naturais sem imaginar que elas são infindáveis. Da mesma forma, o debate da questão de gênero, não é mais se as mulheres vão ter melhores ou piores condições no mundo do trabalho, mas sim como as mulheres vão se organizar economicamente para garantir a sua autonomia, a sua independência econômica. Na economia solidaria, temos grupos de produção artesanal, cooperativas de catadores que hoje fazem uma luta gigante para atuar na cadeia produtiva, pois assim ganharão mais. Temos grupos de produção ou cooperativas de associação. As formas de organização jurídica são diversas, pode ser associação, pode ser cooperativa, alguns são grupos informais, porque a nossa legislação também não facilita para quem quer se organizar. O que define se um empreendimento é de economia solidária ou não, é se ele é supra familiar, se ele tem no mínimo 5 pessoas trabalhando; se aautogestão é o que orienta a sua organização.
Um espaço que cresce econômica e socialmente A economia solidária, hoje, consegue chegar num público muito diferente do público com o qual, pelo menos uma par te do público, com o qual vocês trabalham no seu cotidiano, no movimento sindical. A economia solidária, com dados de pesquisa desenvolvida por entidades que trabalham na área, chegando a 51% dos municípios brasileiros e identificamos algo em torno de 23 mil empreendimentos de economia
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solidária, que geram algo em torno de 2 milhões de postos de trabalho, que movimenta uma economia anual em torno de 8 bilhões de reais. Por isso, o espaço de atuação governamental nessa área cresceu. Temos essa política hoje inserida em vários ministérios pois ela é um tema transversal. Porque queremos debater com os trabalhadores do campo se o modelo de reforma agrária que temos hoje, é o modelo suficiente, é o modelo que tem nos garantido sustentabilidade. Na economia solidária o impor tante não é competir, mas cooperar. Esse salto passa necessariamente por uma transformação cultural, por elevação da consciência dos trabalhadores e o exercício prático do trabalho coletivo nos permite opor tunizar aos trabalhadores outra vivência, outra cultura. Porque, também, não se pode condenar o cidadão que passou a vida inteira recebendo ordem do patrão por não conseguir viabilizar seu empreendimento. Por tanto, esse debate precisa ser ampliado no governo, pois governo nenhum faz política se não tiver pressão social; se não tiver mobilização social; se não tiver gente batendo na por ta. Para todos que acreditam num projeto de desenvolvimento sustentável; um projeto fundado nas experiências locais; um projeto que possa inver ter essa lógica de pensar o desenvolvimento no Brasil, em que primeiro vem as grandes estruturas, como dizia o geógrafo Milton Santos. O tema da proteção social é fundamental. Há no Congresso Nacional um projeto de lei que regulamente as cooperativas e lá foi pautado que é necessário que o trabalhador cooperado tenha no mínimo as mesmas condições que um trabalhador assalariado tem. Estamos encerrando um ciclo histórico, saindo de um país que tinha uma condição social e econômica precária e uma relação
internacional extremamente subordinada para um país que conseguiu equilibrar a economia, que hoje tem uma relação de igual pra igual com qualquer país do mundo, que melhorou as condições de vida do povo. Qual é o nosso projeto para o século XXI? Que sociedade queremos construir? Nossa formação de esquerda sempre disse que a luta estava centrada na disputa do Estado. A vida nos ensinou que vamos construir outra sociedade disputando o Estado, mas também a economia. Marx já dizia que precisamos combinar a disputa do poder de estado com a e disputa do poder da economia. Por isso, é um grande desafio dialogar e construir identidade com um conjunto de milhões de trabalhadores/as para a economia solidária. Construir alternativas que lhes permitam autonomia frente ao Estado. Acreditar nesse projeto de construção de uma sociedade justa e solidária e ar ticular com os movimentos que tem base social organizada, possibilitando que os empreendimentos se posicionem na luta social. E é nesse sentido que a CUT, mais do que qualquer outra organização, tem acumulado uma experiência de organização social e política que permitiu colocar um operário na presidência da república deste país. A CUT tem uma experiência sindical e de organização social que nos permitiu construir lutas impor tantes que melhoraram as condições dos trabalhadores do nosso país. A CUT já deu passos impor tantes nesse sentido, com a criação da Agência de Desenvolvimento Solidário, a ADS. E por isso, queremos ampliar esse diálogo. Pois como diz um companheiro da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que já não está mais entre nós, ‘não sei se a autogestão vai construir o socialismo o que eu sei é que não vai existir socialismo sem a autogestão.’ Esse é o nosso grande desafio.”
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Antonio Carlos Spis, responsável pela administração e finanças da Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS), apresentou a visão e as ações da CUT sobre a economia solidária. Havia na CUT um conflito sobre quem e como seria tratado esse tema. A Executiva Nacional da CUT fez um excepcional trabalho de aprofundar o debate e unificar as estruturas existentes nesse campo. Foi realizado um planejamento estratégico. Colocamos, para o próximo período, o foco na comercialização. Constituímos uma central de comercialização para resolver esse gargalo e eliminar o atravessador, garantindo que os produtos circulem no mercado, através de redes nacionais. A proposta foi construir um projeto nacional de comercialização com 8 polos de negócios nacionais. Com uma grande central de comercialização em São Paulo. Estamos consolidando uma rede de negócios de artesanato, reciclagem, têxtil para que a central tenha condição de colocar no mercado produtos de qualidade e em quantidade, com base numa pesquisa nacional. A Central terá um sistema logístico de armazenamento, distribuição, marketing, propaganda, serviços, competência, comercialização, qualificação de produtos e formação de trabalhadores/ as. Teremos também além de comercialização, a estratégia do e-commerce, via internet e um observatório de negócios associado à Central que vai mensurar que patamar está cada um dos empreendimentos que estamos visitando. Criaremos uma marca após uma exposição que será trabalhada por estilistas cearenses. A economia solidária é um campo de negócios que movimentou 4 bilhões de dólares em 2008, emprega 1 milhão e 600 mil pessoas, e são empreendimentos autogerenciados, não tem relação capital/trabalho. Boa parte das pessoas da economia solidária está na informalidade. Junto com entidades de Previdência Social, pretendemos desenvolver um sistema de proteção social. Temos muitos desafios na CUT, esse é um deles.
Educação: direito e valorização para um novo projeto de desenvolvimento Tiago Ventura, vice-presidente da União Nacional dos Estudantes – UNE, afirma que é imprescindível pensar um programa da classe trabalhadora para ser discutido nesse processo eleitoral de 2010 e que, fundamentalmente, permita à classe trabalhadora e aos movimentos sociais disputar hegemonia hoje na sociedade. “Na conjuntura, há dois elementos centrais: a crise financeira internacional e as eleições de 2010. É muito impor tante que a gente consiga conformar na sociedade um amplo campo dos movimentos sociais que nos permita dialogar com a sociedade. 38
Mostrar qual é o projeto de sociedade, disputando a hegemonia na perspectiva de construir um modelo, a par tir do questionamento do modelo atual que é o modelo capitalista, centralmente neoliberal, nesse último período.
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Um projeto para a juventude A União Nacional dos Estudantes está construindo um projeto para a juventude brasileira, numa metodologia muito parecida da que está sendo construído aqui pela CUT. Queremos que a CUT e as outras centrais sindicais estejam conosco nesse debate que percorrerá, numa grande caravana, todos os 27 estados e universidades. Elaboramos também um documento da UNE para a reforma universitária. A UNE tem uma tradição pela sua história, de discutir a reforma da universidade brasileira e a reforma da educação. A reforma da universidade brasileira passa por um novo papel do Estado que também interfere no modelo educacional brasileiro. E ficou muito conhecido, muito característico os processos de mobilização que a UNE veio fazendo em torno da reforma universitária, seja na década de 60 que impulsionou muito o debate das reformas de base com os seminários para a reforma universitária, seja mais recentemente em 2005 quando a UNE fez uma caravana para discutir a proposta que o governo tinha apresentado de reforma universitária. Mas, apesar da UNE ter acumulado muito em torno da reforma universitária, não tinha ainda uma síntese desse programa acumulado nesses 72 anos de história. Aprovou esse documento que é um nor te de como a UNE tem se posicionado no debate reforma universitária a par tir do ponto de vista estratégico de mudar a educação. Os elementos mais estratégicos desse programa são: primeiro, a universidade brasileira deve servir para a classe trabalhadora. Tanto as suas finalidades quanto o que ela produz na universidade, quanto àqueles que entram na universidade brasileira devem ser filhos e filhas da classe trabalhadora brasileira. Esse deve ser o sentido da universidade brasileira e para isso é impor tante que o Estado inver ta o papel com que historicamente construiu a
educação brasileira. E assim, ter um Estado mais presente na universidade, um Estado que de fato seja responsável pela educação pública brasileira e um Estado com condições de regular o ensino privado que hoje é uma realidade; segundo, é que essa transformação para que se tenha uma universidade, de fato, voltada para a classe trabalhadora, é impor tante que a universidade passe por um processo de democratização. Não só uma democratização do acesso, mas sim uma democratização por inteiro da universidade, em que todos os espaços sejam democratizados. O acesso, a permanência, as finalidades da universidade, a vida interna da universidade, todos esses espaços serem democratizados para que se tenha um novo modelo de educação e um novo modelo de universidade. Com relação ao acesso, a proposta é implantar já ações afirmativas na universidade para as escolas públicas, para a população negra e indígena. Temos várias experiências impor tantes de ações afirmativas nas universidades, mas não temos ainda uma regulamentação nacional dessas políticas. Tem projetos de lei no congresso, tem avanço em algumas universidades, mas a maioria delas ainda se mantém sem nenhum tipo de política afirmativa. Então, uma nova universidade para a UNE passa centralmente pela aprovação de um sistema de cotas para a universidade pública e garantindo que a população negra e indígena esteja dentro da universidade. Por outro lado, não basta garantir que essa população, que a classe trabalhadora esteja dentro da universidade, mas também instrumentos que permitam que se concluam os cursos. Recentemente, o governo avançou aprovando o Plano Nacional de Assistência Estudantil, que é inédito na história do Brasil, porque nunca tivemos uma verba específica para a assistência estudantil, mas ainda muito limitada. Essa permanência se materializa em alguns elementos como creche para
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as mães ou para as estudantes que entram na universidade e acabam tendo filho ao longo do seu curso e, na maioria das vezes, abandonam a universidade; alimentação, pois muitos estudantes abandonam a universidade porque não têm dinheiro para comer ; transpor te, e bolsas para garantir que o estudante passe o máximo de tempo possível dentro da universidade e produza pesquisa e extensão. Também de grande relevância é o financiamento. Na década de 90, houve uma queda drástica do financiamento em torno de 24% para custeio e 77% em investimento. No governo Lula, houve avanços e tivemos uma duplicação no número de vagas na universidade pública no último ano. Mas ainda há obstáculos a superar como o veto do Fernando Henrique Cardoso ao plano nacional de educação que obrigava o Estado a investir 10% do PIB na educação que foi mantido no governo Lula. A campanha da UNE é que esse veto seja derrubado e que se consiga investir 10% do PIB na educação para que, de fato, tenhamos uma universidade pública com condições de financiamento. Pois uma estratégia do governo FHC era a entrada do capital privado, possibilitando perda de autonomia, de se aproximar de um projeto nacional e de um projeto próprio de desenvolvimento nacional. Também é impor tante a derrubada da DRU - Desvinculação de Receita da União, já foi aprovada nos dois turnos na Câmara e voltou para o Senado. Com isso, o investimento em educação sobe muito. Essa é uma vitória com boas possibilidades de ser conquistada e é uma das campanhas que a UNE está realizando. Outro elemento é a democracia interna na universidade brasileira. Ainda temos na universidade privada dificuldade grande de organização dos estudantes, dos servidores, dos professores. Muitos estudantes são 40
expulsos quando começam a montar centros acadêmicos, são proibidos de colar car tazes etc. Isso passa pela garantia da composição paritária dos conselhos, mais um dos vetos do Plano Nacional de Educação que o governo Lula não derrubou. Junto, está a luta pelo fim dos depar tamentos, uma instituição criada pela ditadura militar em que se concentrava a maioria das decisões internas como a locação de carga horária de professor, definição de conteúdo programático. Por não ser reconhecido legalmente como órgão colegiado, não prevê a par ticipação de estudantes e de técnicos administrativos. Em alguns lugares isso já foi revisto, em função da pressão do movimento estudantil, mas a maioria das universidades brasileiras ainda mantém os depar tamentos que acabam excluindo os estudantes da discussão mais diária e mais concreta da universidade. Queremos uma universidade a ser viço da classe trabalhadora, e isso passa fundamentalmente por democratizar o que é produzido na universidade. É preciso priorizar a pesquisa e a extensão que sirvam para modificar a desigualdade existente hoje na sociedade brasileira. Então a pesquisa tem de estar sempre ligada às necessidades das comunidades tradicionais, da classe trabalhadora. Estas são algumas das mudanças que é preciso ter nas finalidades da universidade. Fazer uma grande revolução pedagógica para que se tenha um ensino voltado menos para a individualidade, para a produção pessoal e mais para a coletividade, para o combate da desigualdade. Outro debate essencial é que não se pode separar qual é o programa para a universidade pública e a universidade privada. O ensino privado é uma concessão do Estado e por isso, este tem a obrigação de regular o setor, especialmente em
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questões específicas como o controle de mensalidade. O Estado precisa intervir pra controlar o aumento abusivo de mensalidade. Ainda temos o ProUni, um avanço pra a universidade brasileira, principalmente porque a isenção existente hoje para as universidades privadas já existia, inclusive é previsto na Constituição Federal. Faltava regulamentação dessas isenções. Com o ProUni, essas isenções foram regulamentadas. Dado significativo é que desde a implantação do ProUni foram criados mais de 500 mil acessos de pessoas que provavelmente estariam fora do ensino superior se ele não existisse. Mas também há alguns problemas, como a fiscalização, que deve ser feita por todas as categorias dentro da universidades. Propomos que se tenham comissões paritárias de fiscalização do ProUni. É também uma política obrigatória de assistência estudantil para estudantes da universidade privada, em especial para os estudantes do ProUni. O ensino profissionalizante deve ser entendido no contexto geral da educação. Não se pode ver o ensino profissionalizante somente para a formação de mão de obra e o ensino superior para fazer pesquisa, extensão e novas tecnologias. O ensino profissionalizante tem de existir tanto no ensino médio quanto no ensino superior. Recentemente, a política de for talecer o ensino profissionalizante no ensino superior com a criação dos IFETs contribuiu para esse entendimento.
Intervir na Conferência Nacional de Educação Vivemos o processo da Conferência Nacional de Educação, bastante impor tante para o movimento estudantil e educacional em geral porque, pela primeira vez na história da educação brasileira, discutiremos a educação como um todo, pensando
algo que é inédito: um Sistema Nacional Ar ticulado de Educação. As discussões em torno da educação brasileira sempre foram muito setorizadas entre ensino básico, ensino superior. Então, a par ticipação nessa conferência é muito impor tante e a nossa tarefa é justamente materializar esse programa que a UNE elaborou sobre a universidade, em conjunto com os programas dos outros movimentos educacionais que têm visto este nor te estratégico apresentamos no programa que é a construção de uma educação voltada para a classe trabalhadora no Brasil. Esse é um desafio que enfrentaremos. Lançamos a campanha pelos 50% do fundo social do pré-sal para a educação. Com o pré-sal, o governo apresentou a criação do fundo social, nesse novo marco regulatório. Esse fundo social não deve correr dois riscos. O maior deles é se pulverizar entre as várias áreas que a gente sabe que são necessárias porque entendemos que a educação é a área mais transversal, é a área que mais contempla essa perspectiva de construir um novo futuro para a sociedade brasileira, pois o nível de analfabetismo no Brasil ainda é muito alto, entre 11 milhões de brasileiros; o nível de escolaridade também é muito pequeno, dados recentes mostram que o brasileiro, hoje, tem em média 7 anos de escolaridade. O Fundo Social será criado a par tir dos royalties pagos ao governo federal pela exploração dos recursos do pré-sal para 5 áreas que é educação, cultura, iniciação tecnológica, meio ambiente e combate à pobreza, e uma outra par te para fazer investimentos. Precisamos disputar como serão definidos esses recursos, por meio de um Conselho Gestor formado pela sociedade civil. A educação é central na construção de um novo futuro para o Brasil, para um novo modelo de sociedade e para a preservação do meio ambiente. Por isso, nós estudantes estamos juntos com a CUT na construção dessa plataforma para as eleições 2010.”
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A visão da CUT sobre a educação para o desenvolvimento foi expressa por Maria Isabel Noronha, presidenta da APEOESP e da direção da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação.
Garantir o Sistema Nacional articulado de Educação é a prioridade É fundamental para a construção de políticas públicas para o desenvolvimento a relação do mercado de trabalho com a educação e saúde. Sempre se ouviu dizer que ‘a educação é o coração da nação’. No entanto, na prática não acontece assim. Por isso, priorizamos a mobilização para a Conferência Nacional de Educação, buscando garantir a construção de um Sistema Nacional Articulado de Educação, e o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas. Essa é a principal proposta na área de educação para a plataforma da CUT. É fazer com que o Estado garanta o direito à educação de qualidade, organização e regulação da educação nacional, com financiamento da sua estrutura, diretriz instituída na Constituição de 88. Entender o Sistema Nacional Articulado da Educação no contexto da educação nacional é entender que não pode haver competição entre o estado, entre estado e União; pelo contrário, é preciso atuar num regime de colaboração, porque quando a criança vai para a escola, não interessa se é municipal, estadual, Distrito Federal ou da União. Ela é cidadã brasileira e isso está previsto no artigo 25 que trata do pacto federativo. O Brasil é organizado como Federação, o que coloca a União, Estados e municípios como um ente indissolúvel, cada qual com sua competência; no entanto, isso possibilita alterações nas políticas de um ente federado para outro. Daí, a importância de um sistema nacional articulado. Há diversas questões em debate. O pacto federativo deve garantir o que está na Constituição, artigo 22, que reza a competência da União em legislar sobre a lei de diretrizes e bases da educação. Há uma demanda reprimida por creches de pré-escolas no país e o ensino médio ainda não foi estabelecido na Constituição Federal como direito. A educação sim e coloca como obrigatoriedade o ensino fundamental, mas no ensino médio é progressiva a universalização. Pensar a educação implica debater a qualidade do ensino, a gestão democrática, a democratização do acesso e permanência, a formação e valorização dos trabalhadores de educação, financiamento da educação, controle social, justiça social, inclusão, diversidade e igualdade. A concepção de educação básica tem de ser entendida como a educação infantil, creches e pré-escolas, o ensino fundamental, o ensino médio e todas as modalidades de educação. E daí advém a importância do FUNDEB. Na educação profissionalizante, há uma mistura de foco. Nos governos militares havia um projeto claro, mesmo sem concordância com seu teor, mas diziam: não queremos formar mão de obra barata. No governo FHC, ouve uma camuflagem da inclusão. A forma que se buscou para dar acesso ao conhecimento foi a de passar de ano. Foi uma visão meramente administrativa e empresarial da educação. Agora, resta lutar para que a qualidade também caminhe com a quantidade, pois uma coisa não pode caminhar sem a outra. Ou se exclui para dar acesso a uma minoria como era no passado ou inclui todo mundo e deixa sem nenhuma qualidade. A bandeira da qualidade de ensino é fundamental e inquestionável nesse momento.
Valorizar os profissionais Outra questão importante é a valorização dos profissionais, dos trabalhadores com piso salarial profissional nacional e carreira, que está no STF. Porque em muitos lugares temos em andamento processos de terceirização dos funcionários de escola. Aí, pensamos a violência como um problema específico, mas ela é produto dessa estrutura. Somado a isso, há a questão da hora aula, pois se entende que é gastar muito o professor ficar 27 horas em aula e as 13 restantes para preparação de aula, para formação continuada no próprio local de trabalho. 42
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Nós temos que avançar nisso. Exemplo são os metalúrgicos que avançam, pois têm a formação continuada deles, com a organização no próprio local de trabalho que lhe dá uma reflexão sobre sua prática enquanto os professores para evoluir na carreira precisam pagar com recursos do próprio bolso. Boa par te da mão de obra tem vindo do setor privado. É preciso regulação para que os cursos de formação tenham a qualidade necessária para formar bons profissionais. Isso tem uma relação direta com todo o processo produtivo que tem na indústria, no comércio, porque se a base não tiver bem estruturada, como é que avançaremos em ciência e tecnologia? A educação é de uma amplitude ímpar, pois tem interface com praticamente todas as áreas e políticas. Isso está diretamente ligado ao financiamento e à organização do tempo e espaço escolares, ao currículo. Com relação à contratação, à carreira do magistério, temos 3 estados campeões, que é Minas Gerais com 51% de professores admitidos em caráter temporário; Mato Grosso 49% e São Paulo 47%, em pleno século XXI, e com toda luta por concurso público efetuada no processo constituinte. Temos a questão da jornada de trabalho e do salário. Queremos que o professor tenha dedicação plena e exclusiva, mas se o professor não tiver salário, ele não fica numa escola somente, vai pulando de lugar. O professor não pode ser horista. Ele precisa de uma jornada de trabalho que lhe proporcione a necessária qualidade no ensino. Por isso, nos mobilizamos na campanha pela redução da jornada. E também a avaliação desempenho e progressão na carreira. A categoria não tem medo de avaliação; somente não aceitamos a avaliação como punição. A avaliação tem de ser diagnóstica. Isto é, precisamos melhorar as condições de trabalho dos profissionais de educação que é fundamental para avançar na qualidade de ensino e no projeto de desenvolvimento da educação. Inauguramos um novo momento que é o de trazer o debate da educação aliado ao desenvolvimento. Pois não há educação de qualidade sem uma política de desenvolvimento vigorosa em que o Estado assuma o papel fundamental de coordenação do processo.”
Saúde: rumo a um sistema universal de seguridade social O professor Jorge Caiano, médico sanitarista, do Instituto Polis, afirma que é preciso pensar no desenvolvimento de um complexo industrial da saúde. “Aproximar saúde do desenvolvimento é um esforço importante para que se discuta a promoção da qualidade de vida e redução das desigualdades. Nas sociedades contemporâneas o bem estar da população é fruto de três tipos de políticas públicas: de crescimento econômico que garantem emprego e renda; políticas sociais de caráter universal, responsáveis pela promoção da igualdade e qualidade de vida e as políticas
assistencialistas, mais focalizadas, voltadas para grupos específicos em situações de exclusão. A saúde é uma área essencial para o desenvolvimento, pois trabalha com a geração de espaços de inovação tecnológica e acumulação de capital, no mundo, os investimentos em ciência e tecnologia, na produção de insumos farmacêuticos e novos produtos geram mais riqueza na área
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de saúde do que propriamente na área de indústria bélica; com geração de emprego e renda; promoção, recuperação e manutenção da saúde e a promoção de cidadania. Por isso, é preciso pensar a saúde como um complexo industrial. A inovação tecnológica num país como o Brasil que precisa diminuir a dependência econômica em relação a outros
países é fundamental. Pesquisa do IBGE, de 2005, sobre a economia da saúde, revela alta participação da saúde na economia do Brasil. Pode parecer surpresa, mas a área de saúde tem participação importante da chamada indústria e do setor de serviços na composição geral do PIB da saúde. Abaixo, vemos a participação das atividades de saúde no valor adicionado total do setor saúde.
Serviços sociais privados
2,5%
13,3% Fabricação de produtos farmacêuticos
20,4%
3,8%
Outras atividades relacionadas com atenção à saúde
Fabricação de aparelhos para usos médico-hospitalar e odontológico
11,2%
Comércio de produtos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e odontológicos
11,0% Atividades de atendimento hospitalar
4,3% Assistência médica suplementar
33,4% Saúde pública
Com relação aos postos de trabalho, é bastante interessante verificar que há um aumento em termos de atividades de postos de trabalho. Em 2005, quase 4 milhões de postos de trabalho na área de saúde, sendo que na área pública é apenas 1.2 milhões. E os setores de produção e indústria farmacêutica ocupam 111 mil postos. A área de produção de equipamentos médicos e odontológicos 72 mil empregos e todo setor privado de produção, de comercialização é que ocupa mais. A assistência médica suplementar acaba provendo 63 mil postos de trabalho, porque são basicamente as pessoas que trabalham no setor de planos e seguros, que são os que fazem atendimento das pessoas seguradas, dentro dos planos, vinculados, em sua maioria, a outra área de venda de seguros em geral. Também, a párea de saúde tem mais postos formalizados de trabalho 44
do que em outras áreas e o fato é que nessas áreas de produção de medicamentos e tal, ele tem uma média de até três vezes a remuneração média em relação ao conjunto dos setores produtivos.
Saúde e bem estar: condições para o desenvolvimento Em síntese, as áreas relacionadas à saúde consomem bens e serviços produzidos por outros setores da economia (indústria e serviços); representam mais de 5% da riqueza produzida no país; apresentaram crescimento duas vezes superior à média da economia em 2005; dependem das ações de saúde pública, responsável por cerca de 1/3 do valor adicionado do setor; são fortemente dependentes de bens produzidos no exterior (déficit comercial de R$ 8 bilhões); oferecem 3,9 milhões de postos de trabalho (4% do total),
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com rendimento médio anual 64% superior à média nacional; registram vínculos de trabalho mais formais; apresentam participação expressiva de estabelecimentos privados nas regiões de maior desenvolvimento do país (Sul e Sudeste). O estudo reforça a abordagem de que os investimentos no setor de saúde podem ter a capacidade de um efeito anticíclico importante, semelhante ao programa Bolsa Família e o Salário Mínimo, responsáveis pela criação de um colchão social importante que garantiu, de certa forma, o efeito anticíclico na economia nesse último ano. Outra reflexão necessária é se conseguimos recuperar o SUS na configuração original, dado o processo de degradação sofrido após sua constituição, num sistema econômico capitalista e de mercado. Porque um dos dilemas do SUS é o fato de que a constituição afirma o direito à saúde, mas também diz que a saúde é aberta à participação da iniciativa privada, que deve atuar de forma complementar ao sistema público. Só que a dinâmica do setor privado condiciona e subordina todo o setor público à lógica dos direitos privados. Na área de planos e seguros é bastante evidente. Uma ideia corrente é que o SUS é um sistema voltado basicamente para a parcela mais pobre da população, que está fora do mercado de trabalho; e que os setores mais organizados da classe trabalhadora tem como contrapartidas para os benefícios nas negociações salariais os planos e seguros de saúde. E isso gera um conflito no movimento sindical pela defesa do SUS. Por isso. O desafio de defender a ideia de um SUS efetivamente universal é complexo. Pois há um Sistema Único de Saúde, mas existe um nível de fragmentação que é derivado da própria dificuldade em se avançar no chamado desenho federativo de governo, com a ação dos municípios, dos estados e da União com autonomia. Para avançar, é preciso unidade em torno do pacto pela saúde que engloba o chamado pacto de gestão. Porque, da forma como está funcionando hoje, subordinado à lógica do setor privado, a lógica da redução
de desigualdades, de inclusão social, acaba tendo efeito de acentuar desigualdades. Há diversas lacunas que impedem que a saúde se constitua num dos pilares da estratégia de desenvolvimento, que podemos, em síntese, dizer: reduzida articulação da saúde com as demais políticas públicas; presença de uma significativa iniquidade no acesso; distribuição desigual da oferta de serviços (“vazios assistenciais”) pelo território brasileiro; descompasso entre a evolução da assistência e a base produtiva e de inovação em saúde; fragmentação da descentralização e da municipalização das ações de saúde (falta de visão regionalizada); predomínio de um modelo burocratizado de gestão; subfinanciamento do SUS; precarização do trabalho e baixo investimento na qualificação de recursos humanos. Com isso, elencamos algumas diretrizes estratégicas que podem nortear as propostas da plataforma da CUT na área da saúde e seguridade: avançar na implementação dos princípios constitucionais, com ações que associem desenvolvimento econômico e social; consolidar as ações de promoção da saúde e a intersetorialidade; priorizar, em todos os eixos de intervenção, os objetivos e as metas do pacto pela Saúde; aprofundar a estratégia de regionalização, de participação social e de relação federativa; fortalecer o Complexo Produtivo e de Inovação em Saúde; dar um expressivo salto na qualidade e na eficiência das unidades produtoras de bens e serviços e de gestão em saúde; equacionar a situação de subfinanciamento do SUS. A construção dessa plataforma implica no desafio de se retomar o tema e o conceito da seguridade social, de forma mais ampla, vinculando os temas da seguridade social, assistência, previdência e saúde no tema do desenvolvimento. Temos desafios e propostas que permeiam uma relação e um papel mais democrático e coordenador do Estado. É chegado o momento dos movimentos sociais radicalizarem mais no sentido de disputarem os espaços de poder e de decisão. Desenvolver estratégias concretas e fortalecer a unidade dos movimentos sociais será fundamental para as mudanças.”
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A visão da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde e Seguridade da CUT – CNTSS A seguridade é um bem público. E o SUS é uma das políticas de saúde mais avançadas no mundo e a mais significativa proposta de reforma do Estado brasileiro. Apesar dos avanços a sua efetiva implantação ainda enfrenta dificuldades complexas e resistências enormes. O SUS atuou como produtor de distribuição de renda no Brasil, ao pensarmos o sistema de saúde como um dos mais caros do mundo. Com o SUS, se introduziu o conceito de direito a saúde, através da garantia de um sistema de abrangência universal com amplo acesso ao atendimento gratuito; expansão do caráter público estatal da saúde no país; aumento da atenção preventiva; ampliação da participação direta do Estado na prestação de serviço e gestão com expansão do número de servidores e serviço público. A dimensão da importância desse conceito é demonstrada quando olhamos o passado recente em que só tinha direito a ter atendimento público quem tinha carteira de trabalho assinada. Quem não tinha trabalho formal com carteira de trabalho, não tinha direito e eram atendidas nas Santas Casas de Misericórdia, sem o direito universal do atendimento ou tratamento mais complexo, da prevenção. Para pensar em desenvolvimento e saúde é preciso ter em mente que 70% da população depende apenas do SUS. Isso significa que grande parte do povo brasileiro não tem convênio médico. E o SUS possui procedimentos de alta complexidade como transplante, cirurgias cardíacas, rádio e quimioterapia. São programas de excelência, como o de vacinas, o programa de AIDS que é o maior programa do mundo no tratamento de AIDS, do alcoolismo, das drogas, além dos renais crônicos que precisam da hemodiálise, um procedimento extremamente caro. Após a criação do SUS, sua implantação sofreu as consequências das políticas neoliberais dos anos 90. Assim como temos a pressão do setor privado, que recebe parte considerável dos recursos e atende o que denominamos perfumaria deixando para o SUS os procedimentos de alta complexidade. O tema do financiamento do SUS deve ser prioridade na plataforma da CUT, com a regulamentação da emenda constitucional 29, que reza sobre a destinação de recursos para a saúde. Porque os governos estaduais colocam no orçamento da saúde diversas coisas como em São Paulo: comida para presos, pagamento de dívida da CDH, pagamento de aposentados. O Estado tem de ter orçamento próprio para essas questões. Um dos gargalos é o controle social. Por isso, é prioridade o tema do controle social. É preciso atuar mais nos Conselhos de Saúde, em todos os âmbitos. Na última Conferência Nacional de Saúde foi deliberada a posição contrária às fundações de direito privado. E o Conselho Nacional estendeu para os Estaduais e Municipais. No entanto, o governo Lula enviou ao Congresso um PLP de fundação estatal. Isto é, há desrespeito até pelos governos democrático-populares do que conseguimos conquistar na constituição. Convivemos também com o problema da terceirização. O estado entrega as unidades para entidades privadas que as gerenciam com materiais e recursos financeiros do próprio estado, mas com a lógica privada das fundações, consórcio, organizações sociais, centro de estudo, cooperativas. Em São Paulo, por exemplo, as organizações sociais terão recurso para gerenciar o serviço e os recursos excedentes podem ser utilizados para aplicação no mercado financeiro. A descapitalização do SUS que são as UCIPs significa desprofissionalização do serviço e flexibilização do contrato de trabalho. O fim de uma gestão única para o SUS, a transferência da poupança pública para o setor privado; a recentralização de várias políticas públicas e da gestão do SUS nos ministérios e nas secretarias do estado; a questão da elitização do sistema de saúde e a inexistência total do controle da sociedade sobre os recursos é o debate que precisa ser evidenciado. É um grande desafio que precisa ser assumido por toda a classe trabalhadora, para que a saúde seja de acesso a todos e com a qualidade necessária. Nossas principais propostas são: priorizar o modelo de atenção a partir da prevenção; da promoção da saúde e da atuação da equipe multiprofissional; da intersetorialidade; da reestruturação e fortalecimento da rede pública estatal; concurso público; responsabilidade tripartite pela contratação e remuneração do trabalho, de acordo com as diretrizes nacionais do plano de cargos, carreiras e, salários do SUS. Que o poder público tenha fixação de metas; contrato de prestação de serviço; critério de avaliação de desempenho dos trabalhadores e do serviço prestado, porque os trabalhadores/as não temem a avaliação; queremos um processo transparente. Enfim, precisamos falar de um sistema de seguridade social, que alia saúde e assistência social, num sistema único, como direito do cidadão. Para fortalecer o conceito de seguridade social, precisamos lutar pela implantação do Conselho Nacional de Seguridade Social. 46
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Políticas Setoriais articulando campo e cidade, no Brasil e no mundo – O direito de viver com qualidade
Comércio, Serviços e Sistema Financeiro para o Desenvolvimento O professor Ladislau Dowbor, da PUC SP, na 3ª Oficina Nacional da Jornada pelo Desenvolvimento fala que a definição do modelo de desenvolvimento que queremos deve ter como premissa ser um modelo que inclua e que ao mesmo tempo faça a economia crescer. “Vivemos numa sociedade muito complexa, que precisa de um conjunto de soluções muito mais ar ticuladas e diferenciadas. Por isso, a arquitetura de um Plano Nacional de Desenvolvimento necessita organizar as relações intersetoriais, segundo ele, articuladas em quatro áreas de atividades, conforme quadro abaixo: Produção
Infraestrutura
Serviços Internacionais
Políticas Sociais
• Agricultura • Pecuária • Ecoflorestal • Pesca • Mineração • Construção • Indústria de transformação
• Transporte • Telecomunicações • Energia • Água • Redes físicas
• Financeiros • Comércio • Jurídico • Redes de informação
• Saúde • Educação • Esporte • Cultura e informação • Lazer • Turismo • Habitação • Segurança
• Empresa privadas • Mercado
• Estado planejando
• Misto • Controle social e transparência
• Prestação de serviços mistos • Descentralizado • Controle social
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Com isso, desenvolver as quatro grandes áreas de maneira equilibrada a única forma de se ter uma dinâmica efetivamente produtiva. Essa ar ticulação se dá através de redes de infraestrutura, transpor te, telecomunicações. Contudo, nenhuma dessas três áreas: produção, infraestrutura e ser viços de intermediação funciona se não existir investimento no homem, em saúde, educação. Se um país não tem pessoas com saúde, pessoas descansadas, com lazer e informadas, nenhuma das outras áreas funcionará. É preciso, então, ter mecanismos claros e vigorosos de regulação pelo Estado, pois o mercado não é suficiente para regular tudo. Um bom exemplo é a agricultura em que há uma razoável regulação do mercado, mas o solo agrícola não; a pecuária extensiva utiliza o solo como reserva de valor e subutiliza o solo. É por isso que a reforma agrária é tão necessária. Nenhum país se desenvolveu efetivamente sem realizá-la. Grandes empresas e grandes sistemas financeiros especulativos compram imensas regiões do país, em par ticular do cerrado para criar gado, a chamada pecuária extensiva, uma subutilização absolutamente fantástica de terra. Há aproximadamente 370 milhões de hectares de boa terra, de solo agrícola, a maior reserva mundial de terra agrícola parada hoje no planeta, em contraposição a aproximadamente cerca de 70 milhões de hectares, somando agricultura temporária e permanente classificados como terra ótima boa e regular. Por tanto, ao pensarmos em uso do solo para o desenvolvimento é preciso uma intervenção política, pois o mercado não resolve. O mercado resolve sim a venda da carne e coisas do gênero enquanto não houver monopólio de poucos matadouros que passam a controlar todo o processo. Na economia florestal, pode-se simplesmente explorar florestas existentes, 48
claro, liquidando uma herança natural do país. Hoje, com moto serras, trator de esteira, sistemas modernos de transpor te, é pago R$ 30,00 para um peão que derruba um pé de mogno que é colocado bruto na França, no Por to de Bordeaux, por cerca de 3.000 dólares. É outra dinâmica semelhante na pesca. A diferença entre a pesca dos pequenos produtores e a pesca oceânica industrial e com GPS permite mapear as rotas dos cardumes, na faixa de 90 milhões de toneladas por ano. Liquidamos, assim, a principal base de vida do planeta numa rapidez absolutamente trágica e como são bens naturais, o mecanismo de mercado regula. Pelo contrário. Nesse caso, o mecanismo de ofer ta e procura não funciona. Na área da mineração, em grande par te, é o mesmo sistema porque a pressão da população em todas as áreas naturais por consumo é intensa. Somos 7 bilhões de habitantes, 70 milhões a mais a cada ano. O exemplo do petróleo é emblemático. Ele está acabando. Foi acumulado em centenas de milhões de anos e terá desaparecido em 200. Significa que estamos montando uma tragédia planetária absolutamente insustentável. E não é questão de opinião é uma questão de dados. Usamos 1.3 vezes a capacidade de sustento do planeta; ou seja, gastamos água que não está se repondo, petróleo que não está se repondo, materiais raros que não estão se repondo e por aí vai. No entanto, os 4 bilhões de pobres do planeta estão fora do processo de decisão, as futuras gerações estão fora e a natureza é silenciosa. A segunda grande área é de infraestrutura. São redes, teias que recobrem todo o território nacional e que tem de ter lógica
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na sua organização. Como redes físicas, são reguladas geralmente pelo Estado e são propriedades do Estado, dominantemente, e com mecanismo de organização, planejamento. No transpor te, é preciso obser var que quase todos os centros econômicos no Brasil são por tuários, ou semipor tuários, porque somos essencialmente atlânticos, herança da economia dos ciclos expor tadores. Foi organizado um sistema de transpor te basicamente por caminhão. De longe, o mais barato é transpor tar por água. Então, a lógica mais significativa é ter uma densa capacidade de estaleiros navais e de transpor tes por navios que barateia radicalmente o transpor te, sobretudo em grandes distâncias e que usa muito transpor te de produtos de grandes bens e valor relativo por tonelada baixo. Enfim, um sistema de transpor te fluvial, com grandes eixos ferroviários para transpor te interno e o caminhão servindo com o que a gente chama de espinha de peixe. A carga que chega, por exemplo, a Belo Horizonte é redistribuída para distâncias cur tas. Por tanto, fazer esse sistema que ar ticula as unidades produtivas e os territórios e as regiões é vital, e exige planejamento, é uma visão de desenvolvimento com investimentos de longo prazo. Isso vale para a energia e a água. Na terceira área que são os serviços de intermediação, é a que mais for temente se desenvolveu nas últimas décadas. É preciso considerar três grandes grupos de atividade de intermediação: intermediação financeira, comercial e jurídica. Na área de intermediação comercial, o exemplo mais simbólico é o do atravessador. Não é nas empresas produtivas que se dá a acumulação de mais valia, é através dos sistemas financeiros de controle. Aí surgem as redes de informação, que muito
conectadas entre si, facilitam ou dificultam a solução dos problemas. Nas políticas sociais, basicamente de saúde, educação, espor te, cultura informação, lazer, turismo habitação e segurança. Isso tudo é investir nas pessoas. Numa área de prestação de serviços com usuários é diferente de uma área em que você tem um produto e um consumidor. Quando se privatiza serviços, estes se tornam inseguros. Aqui, o setor privado simplesmente não funciona. O setor privado só funciona nas áreas sociais aliado à indústria da doença, a indústria do diploma na educação, indústria do espor te, indústria cultural etc.
A economia precisa ser democratizada Outra ideia básica é que não basta democracia política botar um voto a cada dois anos na urna, a própria economia tem de ser democratizada. Por isso, há uma rede de professores em todo o mundo que disponibiliza todo seu conhecimento, contrariando aqueles intermediários que produzem a base material das ideias e não produzem as ideias. Até o MIT, o principal centro de pesquisas nor te-americano hoje trabalha com disponibilização online gratuita de toda a ciência. Desde quando realizaram essa liberação do material científico, já houve mais de 50 milhões de downloads de textos científicos no planeta. Nessa área, os processos par ticipativos funcionam porque as pessoas estão interessadas em ter saúde, segurança etc e que através dela tem se desenvolvido a democracia par ticipativa. Essa área está sendo a nova estruturadora social, da mesma maneira como a indústria foi estruturadora social do século passado. Isso é uma grande opor tunidade de estruturação social.
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O trabalho decente na dinâmica espacial produtiva
Planejar com descentralização e participação é essencial
Também é preciso compreender que essa dinâmica espacial produtiva tem diversas dimensões: econômica, social, e especialmente, ambiental. Por outro lado, não podemos deixar de analisar o impacto da inclusão produtiva na geração de empregos, sob a lógica da OIT, do trabalho decente, do emprego digno. E precisamos incluir a dimensão cultural. O essencial do valor de um produto é o conhecimento incorporado. O conhecimento é um produto cujo consumo não reduz o estoque – chamamos de ‘bem não rival’ e quanto mais você multiplica o conhecimento mais todo mundo se enriquece. Incorporar esse eixo na construção da plataforma é vital.
Refletindo sobre o quadro das quatro grandes áreas e o conjunto de setores dentro delas, para o funcionamento geral da economia, é preciso planejamento, com descentralização e par ticipação. A ideia geral para um projeto de desenvolvimento é trabalhar com áreas com sistema privado e mercado, outra com redes físicas e planejamento, redes de informação mista e com controle e transparência, com um for te papel do Estado, no conceito de ar ticulação de mecanismos de regulação.
Há outro item impor tante para a Plataforma no que se refere às relações de trabalho: o direito à privacidade no emprego. Há uma evolução das tecnologias de controle dos empregados com uma rapidez incrível. Diversas empresas já exigem análise de urina. Nos Estados Unidos há um controle do compor tamento do trabalhador fora da empresa, porque isso afeta a imagem da empresa e reduz o seu valor. A imagem faz par te do valor da empresa; por tanto, o tempo privado do cidadão fora da empresa, per tence também à empresa e, por tanto ela tem o direito de acompanhar seu cotidiano.
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O Estado é cada vez mais essencial, não por motivos ideológicos, mas como a população do mundo urbaniza-se; na cidade o que antes era atividade individual privada, hoje são sistemas. Ninguém resolve individualmente o lixo, o esgoto, o abastecimento de água. Então, o consumo coletivo aumenta e com isso a dimensão das atividades públicas aumenta radicalmente. Se pensarmos em países mais desenvolvidos e mais tradicionalmente organizados; por exemplo, na Suécia o Estado administra 66% do PIB, 2/3 do PIB enquanto no Brasil é 35%. Quanto mais desenvolvido o país, maior o setor público. Numa sociedade complexa, não há solução simplificada; é preciso equilíbrio inter-setorial e para isso o planejamento - for te presença pública e ar ticulação dos mecanismos de regulação. Não é o planejamento ou o mercado, precisamos sim de planejamento, de mercado, de sistema de par ticipação comunitária e de concer tação internacional; aliados a uma revolução tecnológica.”
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A visão da CONTRACS – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comércio e Serviços A CONTRACS par ticipa ativamente do GT Desenvolvimento, porque compreende que é no envolvimento e ar ticulação de todos os setores que avançaremos nas propostas para a classe trabalhadora. Representamos no comércio em geral, a par te atacadista e varejista entre supermercados, lojas, promotores de venda, enfim, toda a gama de comércio: comércio lojista, calçadista, farmácias, óticas. Na par te de ser viços, representamos o setor de hotelaria, asseio e conser vação, assessoria, perícia, pesquisa, cabeleireiros, por tarias de edifícios, clubes, bares, restaurantes, constituindo 221 sindicatos filiados, sendo 111 do comércio, 110 de ser viços, uma base de representação de aproximadamente 2 milhões de trabalhadores/as, associados. Somos a estrutura ver tical da CUT nesse ramo. O comércio, geralmente, é o primeiro acesso da juventude, de qualquer pessoa ao mercado de trabalho. Temos inúmeros problemas nas relações e nas condições de trabalho como estágio, trabalho sem car teira assinada, alta rotatividade, estresse, depressão e lesão por esforço repetitivo. A jornada de trabalho é das mais extensas; pesquisas recentes do DIEESE mostram que os comerciários fazem até 56 horas semanais. Já nos ser viços os maiores problemas são os baixos salários, contrato temporário, jornada de trabalho também extensa, também sem car teira assinada, lesão por esforço repetitivo. Neste setor é mais for te ainda do que no comércio o assédio moral e sexual, principalmente no pessoal da limpeza, em hotéis. Nos dois setores, a terceirização é bastante empregada. A exploração se manifesta mais intensamente com jovens e mulheres. Os reflexos positivos do crescimento econômico sobre a ocupação no comércio e ser viços não ocultam contingentes expressivos de trabalhadores sem registro, sendo estas formas de contratação facilitada pela crença em sua invisibilidade e sua impunidade. A estratégia sindical da Confederação é conquistar um novo padrão de relações de trabalho e de organização sindical no setor de comércio e ser viços dentro de uma visão de desenvolvimento econômico e social, pautado pelos princípios da democracia, da cidadania ativa e da par ticipação popular. Por isso, atuamos com a bandeira: ”O trabalho e vida decente para todos e todas”. Outra luta histórica e fundamental é o combate à aber tura indiscriminada do comércio aos domingos e feriados. Temos também uma luta contra o banco de horas que é, hoje, o grande vilão da categoria. A organização por local de trabalho é outro grande desafio. O comércio brasileiro é constituído por grandes conglomerados internacionais; ou seja, grandes redes multinacionais de um lado e de outro, micro, pequenas e médias empresas, muitas delas familiares. Por outro lado, há o desafio do comércio local para o desenvolvimento. É preciso garantir um estudo do impacto econômico, social e ambiental quando da instalação de grandes redes nas nossas cidades, porque elas recebem incentivos fiscais e acabam com a economia local. É preciso garantir contrapar tidas sociais para a instalação dessas grandes multinacionais. Hoje, no Brasil, existem três multinacionais: Wal Mar t, Carrefour e Pão de açúcar, responsáveis por 40% do comércio. São empresas que não cumprem as diretrizes da OCDE de que os sindicatos devem ser ouvidos quando de processos de fusão. No setor de ser viços, os grandes conglomerados internacionais, principalmente cadeias hoteleiras, como a Accor, o Hilton, o mesmo acontece. Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho
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Política energética: matriz, eficiência e controle social O professor Célio Berman, do IEE – USP reafirma a necessidade de uma política energética que garanta a soberania nacional e a sustentabilidade de sua produção e uso. “O título do debate nos dá uma boa ideia de como a energia é um tema relevante para o desenvolvimento do Brasil. No Brasil, eficiência e controle social ainda têm um enorme caminho a ser percorrido.
Discutir política energética deve fazer parte do cotidiano Uma primeira questão a ser esclarecida é que o que está em jogo, essencialmente, é energia para que e para quem. O debate sobre matriz energética possibilita que questões importantes sejam discutidas, mas também faz com que questões sejam esquecidas pelo simples fato de estar falando em matriz. Pode parecer coisa de especialista,
porém, discutir política energética deveria fazer parte do cotidiano de todo cidadão. E a universidade deve ter um grande papel nisso. Porque os interesses hoje dominantes gostariam que a energia se mantivesse como coisa de especialista em que o cidadão comum não tem de dar palpite. O gráfico abaixo mostra a distribuição, no nosso país, da energia segundo cada uma das fontes. Observamos que o peso do petróleo e derivados é ainda muito importante no panorama energético brasileiro. Mesmo sendo reduzido, já esteve no começo da década de 2000 a algo em torno de 40%, e é ainda, a fonte energética que segura grande parte da produção e consumo.
Figura 1: Distribuição da Oferta Interna de Energia segundo a fonte - Brasil, 2008. Gás Natural Carvão Mineral e Derivados
10,2%
Urânio
1,5%
Hidráulica e Eletricidade
13,9 %
5,7%
Petróleo e Derivados
37,3% Fonte: MME-Resenha Energética Brasileira, 2009.
Derivados da cana-de-açúcar
16,6%
Lenha e carvão vegetal
11,4% • não-renováveis: 54,6% • renováveis: 45,4%
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Além do petróleo e derivados, há presença de uma forma hoje mais significativa do gás natural, sendo que há 10 anos a sua participação na composição da matriz energética brasileira não era superior a 3%. Houve uma política deliberada de inserção do gás natural na matriz energética brasileira, fundamentalmente para substituir os derivados de petróleo nas indústrias, no aquecimento, no processo de produção de calor nas indústrias. Esse processo tem sido objeto de uma polêmica muito grande em função daquilo que é considerado uma dependência; uma grande dependência do país em relação à disponibilidade de gás natural proveniente da Bolívia. A outra fonte fóssil é o carvão mineral e seus derivados que têm pequena presença. Entretanto, existe nos planos do atual governo, e das empresas envolvidas com a extração e a produção de carvão mineral e derivados uma expectativa de aumento da presença do carvão mineral. A alegação é que esta é a fonte com maior disponibilidade no mundo. Nesse contexto, aparece a hidroeletricidade. A produção de energia elétrica a partir da água é também a mais significativa no Brasil. Em seguida, vem a energia nuclear, com o urânio como fonte com 1,5%. Percentual relativamente pequeno, mas eventualmente
haverá aumento da participação com a entrada em operação de Angra 3. Há ainda outra parte da matriz energética relacionada com o álcool, o etanol e o bagaço da cana-de-açúcar que é utilizado pra geração da energia elétrica, que atualmente alcança 16,6%. E, por último, a lenha e o carvão vegetal com 11,5%. Há 30 anos, a lenha e o carvão vegetal correspondiam a 30% da matriz energética. Em resumo, energias não renováveis têm uma participação de 54,6% e as energias renováveis de 45,4%. Essa característica da matriz energética brasileira pode demonstrar como o Brasil está numa posição confortável em relação ao panorama mundial. No gráfico abaixo, com dados de 2007, a matriz mundial demonstra a dependência do petróleo. Ao mesmo tempo, comparativamente, uma participação muito grande do gás que chega a 21% na matriz energética mundial. O carvão que tinha ali menos de 6%, no contexto internacional chega a 26,5%. O que se pode perceber é que no geral, as energias não renováveis somam 87% e as renováveis menos de 13%. É esse comparativo que o governo brasileiro e setor empresarial têm utilizado internacionalmente para explicitar os esforços, principalmente quando se trata de emissões de gás de efeito estufa.
Figura 2: Distribuição da Oferta Interna de Energia segundo a fonte no Mundo, 2007. Hydro
2,2%
Combustible renewables & waste
9,8%
Other*
0,7%
Nuclear
Coal/peat
26,5%
5,9%
Gas
20,9%
Oil
34,0% *Outras inclui energia geotérmica, eólica (vento), solar. Fonte: IEA - Key World Energy Statistics, 2008. OBS: O mundo consome atualmente 84 milhões de barris por dia, ou cerca de 30,6 bilhões de barris/ano.
• não-renováveis: 87,3% • renováveis: 12,7%
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No Brasil, temos 160 grandes usinas hidroelétricas que representam ¾ da capacidade de produção de energia elétrica hoje no Brasil. As PCHs – pequenas centrais hidroelétricas, também têm par ticipação impor tante e as micro centrais hidroelétricas, com menos de 1.000 kW tem tido um desenvolvimento mais recente principalmente em função da necessidade de descentralização da energia. Em relação às energias renováveis, a biomassa tem hoje 3,6%; a eólica são 15 usinas com pouca expressão e a energia solar aqui aparece apenas uma usina e não aparece a energia fotovoltaica, que hoje tem algo em torno de 15.000 kW instalados. Recente levantamento do TCU Tribunal de Contas da União descobriu que 60% não estão operando. Esse.é um ponto impor tante para a Plataforma construir proposições: incentivo à indústria nacional para que o Brasil não seja considerado mercado para as empresas fabricantes de equipamento internacionais. Impor tante destacar a parcela da impor tação da eletricidade que o Brasil impor ta de Itaipu binacional. Recentemente houve um conflito com o Paraguai em função da reivindicação do governo Lugo de negociar a conta da energia que estava sendo comprada pelo Brasil. A disponibilidade hídrica do Brasil está localizada principalmente nas bacias do Amazonas e na bacia do Tocantins. Representam mais de 50% da capacidade a ser explorada no Brasil. É como uma obsessão o aproveitamento dos rios amazônicos, ao invés de aproveitar o potencial ainda restante no Sul e Sudeste. Nessas regiões, há uma população ribeirinha organizada que luta toda vez que existe um projeto. No mapa socioambiental brasileiro, as regiões para a construção de novas usinas nos rios amazônicos são de territórios indígenas. Além da necessidade de construção de outras para dar conta da vazão. 54
Controle social e descentralização são pilares Por todas essas questões, é de extrema importância o controle social da energia, para que a sociedade tenha conhecimento e possa tomar decisão sobre os planos de investimento na expansão da oferta de energia e os impactos sociais e ambientais desses projetos. Há uma variedade de problemas com os atingidos por barragens como a precariedade de informações cadastrais; fragilidade no processo de negociação entre as empresas concessionárias e os atingidos; falta de critério para reassentamento de indenização e ausência de condicionamentos sociais nos novos empreendimentos hidroelétricos. Quanto à energia nuclear, a maior questão é o que fazer com os rejeitos de alto nível de radiação. Angra 3 custará aos cofres públicos cerca de 8 bilhões de reais para ser concluída e poderá ser impedida de operar, porque não tem onde colocar os resíduos não é somente um problema brasileiro; o mundo não sabe também o que fazer com os resíduos. Temos essa complexidade no suprimento de energia. No consumo, que chega a 412 bilhões de kW/h por ano, o residencial consome 22%, e a indústria representa quase 50%. Mesmo que isso seja bom, porque mais consumo industrial significa geração de emprego e renda, há a questão de quais indústrias falamos. 27% do consumo de energia elétrica no Brasil é consumido por 6 tipos de indústria: cimento, ferro gusa e aço, siderurgia, ferro ligas, não ferrosos e outros da metalurgia que é basicamente a indústria do alumínio primário, o setor químico e finalmente o papel e celulose. Então, temos necessidade de refletir sobre qual o tipo de industrialização queremos para o Brasil. Se para o desenvolvimento que queremos não seria mais importante ao invés de indústrias com perfil de exportação, priorizar o mercado interno, com produção que requer maior valor agregado, incorporem mão de obra e gerem divisas para o Brasil.
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Outro ponto fundamental são as consequências da privatização no setor energético. 48% da venda das empresas de distribuição de energia elétrica no nosso país aconteceram com recursos públicos, 34% recurso do BNDES e 14% dos fundos de pensão. Dinheiro dos trabalhadores do setor que foram colocados na compra dessas empresas. Quando da privatização, houve a desverticalização das empresas, isto é, a separação entre geração, transmissão e distribuição, ficando com as empresas privadas a distribuição que é onde se ganha mais dinheiro. E gerando problema de ampliação do parque gerador, perda de conhecimento pelas demissões e diminuição significativa da qualidade dos serviços. Além de falta de manutenção e operação do sistema que causa perdas na transmissão, outro elemento da eficiência energética. Há diversas propostas para aumento da eficiência como a redução das perdas na transmissão, a repotenciação das usinas.
Meio ambiente e energias renováveis – mito e realidade Também é importante refletir sobre a questão ambiental e se os biocombustíveis são uma alternativa. Vocês verificaram que o petróleo tem uma participação de 34% da matriz energética mundial. A questão é: pode o biodiesel, o etanol substituir esse petróleo? E a resposta é não. Não há como fazer isso. Em relação ao etanol, nós temos hoje uma área de 7 milhões de hectares de cana-deaçúcar, metade dessa área é aproveitada para a produção de cana e a outra metade para produção do etanol. É importante também,
rapidamente, chamar atenção para o fato de que a produção do etanol cresce 10% ao ano enquanto que as exportações crescem mais que 50% ao ano. Então, no primeiro semestre de 2007 a exportação brasileira de etanol já havia atingido 1.546.685 litros, sendo 30% exportados diretamente para os Estados Unidos. Vale a pena utilizar a área recrutável brasileira pra produção do etanol? A que custo? Qual é o peso da produção de combustíveis e alimentos? Num cenário em que 306 grandes usinas com monocultivo representa uma alternativa energética para o Brasil, não necessariamente para o país, é preciso se perguntar se essa função de inserção do mercado internacional sendo produtor desse combustível para a utilização dos países desenvolvidos é alternativa para os brasileiros. Por outro lado, há o programa do biodiesel, criado pelo atual governo com uma conotação social muito grande, priorizando a agricultura familiar. No entanto, hoje, mais de 85% do biodiesel produzido no Brasil vem da soja, vem da monocultura da soja. A perspectiva hoje é que o B3 que é o 3% de biodiesel desde junho de 2008 chegue a partir de 2013 a mistura B5, 5% de biodiesel. Porém, essa produção está nas mãos de poucas grandes empresas. Enfim, falar de energia é pensar em descentralizar a produção e distribuição com várias formas de produção; incentivar a co-geração e descentralização do gás natural; desenvolver novas tecnologias para as energias renováveis, especialmente a solar, reduzindo o consumo de petróleo e; especialmente, mobilizar a sociedade nesta disputa de projeto para que a matriz energética tome o caminho que queremos.”
A visão da CNQ – Confederação Nacional dos Químicos sobre a política energética O centro do debate é o modelo de desenvolvimento que queremos e qual o padrão de produção e consumo necessários. Há uma grande disputa em torno da energia, principalmente pelo pré-sal; no entanto, é essencial pensarmos também nas novas fontes de energia. Por isso, defendemos a proposta de Projeto de Lei da FUP – Federação Única dos Petroleiros sobre o pré-sal que expressa claramente que a apropriação dessa riqueza seja para a sociedade, que Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho
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haja controle social, com a constituição de um fundo social soberano para promover educação, previdência social, agricultura familiar, reforma agrária. Para tal, desenvolvemos uma campanha denominada “O petróleo tem que ser nosso”. Que seja utilizada também para a mudança da matriz energética com pesquisa e desenvolvimento tecnológico. É preciso, pois, alterar o modelo de consumo. Do contrário, encontramos uma grande fonte de energia, mas vamos estimular o grande consumo. Caminhando para o esgotamento das fontes de energia. Por isso, é tão necessário pensar um projeto de desenvolvimento global, que ar ticule as necessidades de infraestrutura com a produção que agregue valor e desenvolva a sociedade, que atenda os interesses da sociedade e da sustentabilidade. Para a mudança do modelo de consumo, o governo pode contribuir mais com políticas públicas de educação, com disciplinas que estimulem a noção de sustentabilidade. Daí, também, a impor tância da mobilização para essa disputa de projetos. E o papel que a CUT vem cumprindo é fundamental nesse processo, aliando a reflexão à ação, com propostas concretas. Uma delas que consideramos fundamental para ser priorizada na Plataforma é a eliminação da terceirização.
Desenvolvimento urbano: serviços, direitos e sustentabilidade Mais controle social sobre o uso do solo urbano e implementar o Estatuto das Cidades para uma política nacional de desenvolvimento urbano, que articule Estados e Municípios para adoção de práticas e ações destinadas à resolução dos problemas de habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana como também de planejamento do território municipal são premissas apontadas pela professora Ermínia Maricato, doutora da FAU/USP, que elogia a terceira oficina, por se tratar de um espaço de pensar o Brasil, com todas as suas contradições especialmente trazidas pela globalização. “A discussão da questão urbana é muito recente no Brasil. Não é que o Brasil é urbano recentemente. Ele é majoritariamente urbano já faz 50 anos. Mas, que se descobriu urbano e começar a pesar no ideário é mais recente. A formação do urbano no Brasil é a história da formação do urbano na periferia do capitalismo. O Brasil inicia o século XX 56
com 10% da população na cidade; ou seja, um país predominantemente agrário termina o século em 2000 com 84% da população na cidade. Isso significa um movimento fantástico de pessoas que deixam o campo e vão para as cidades como também de uma região para outra. Na maior par te do século XX, o nordeste se mudou para
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o sudeste. Esse foi o período da chamada industrialização tardia, onde principalmente a par tir de 1930, o país se industrializa, com uma mão de obra baratíssima. Industrialização que era produção de bens não duráveis, num primeiro momento e na chamada segunda industrialização, a produção de eletrodomésticos, automóveis etc, que se deu num tripé Estado, capital internacional e capital nacional.
importante sem distribuir renda, sem reforma agrária e urbana, mantendo trabalhadores na informalidade e grande parte das cidades na informalidade. Esta é a marca do capitalismo periférico. A lei é repressora e não garantidora de direitos.
Como é uma indústria de baixos salários, temos também uma urbanização de baixos salários, em que os trabalhadores acabam construindo as casas. É uma situação em que o trabalhador é super explorado pois deixa sua mais valia na linha de produção e nas horas de folga tem que dar conta da sua reprodução ao construir a periferia das cidades (casa, rua, transporte), a exemplo dos metalúrgicos em São Paulo, pois o mercado privado residencial capitalista não chega na periferia.
Vejamos algumas características que permanecem mesmo com as mudanças. O clientelismo é uma delas. Há donos de bairros na cidade. Cada vereador, cada deputado faz uma emenda para determinado bairro para levar um recurso público como se fosse um favor. Usa-se o recurso público como se fosse privado: a ambulância, a ponte, a praça. Assim, a lógica das emendas parlamentares é algo terrível que alimenta essa política clientelista. Já a globalização, nas palavras do americano David Harvey – a reestruturação produtiva do capitalismo – trouxe uma quebra do poder dos sindicatos internacionais, do poder do Estado, pois vem acompanhada da ideologia neoliberal.
Controle do uso do solo urbano
Aplicar o Estatuto da Cidade
Não há controle sobre o uso do solo no Brasil. Há a lógica do capitalismo patrimonialista, cujo lucro não vem apenas da atividade produtiva, mas muito da atividade especulativa. Na produção do espaço, o lucro vem de uma atividade especulativa em que se ganha com a renda da terra.
O Estatuto da Cidade é festejado mundialmente, pois é uma lei avançada. Porém, é pouco aplicado. Quando menciona a função social da propriedade, o Estatuto mexe naquilo que é o âmago, a essência da sociedade patrimonialista, que é a sua terra antes do seu interesse individual. Mantémse terra vazia servida de infraestrutura (asfalto e iluminação) que daria pra dobrar a população da cidade e a população pobre é expulsa da cidade; Isto é, a terra sempre foi e continua sendo um nó na sociedade brasileira, no campo e na cidade.
São as mudanças na lei que definem o que é rural e o que é urbano. Este é o grande jogo, pois se cria renda aumentando o preço do patrimônio. É o chamado rentismo fundiário. E esta é a chave para entendermos como se desenvolveu o urbano no Brasil. Em nosso país, são as câmaras municipais que definem o limite da expansão urbana, passando a terra que antes era vendida em alqueires a metro quadrado, o que eleva significativamente seu preço. Esses são os interesses patrimonialistas. Para reverter isso é impor tante o controle social. São Paulo é exemplo de uma cidade que foi construída sob a égide do que a Maria da Conceição Tavares chama de modernização conservadora. O país criou um operariado
Com o Ministério das Cidades, teve início uma mudança na política habitacional, por meio do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento e o Programa ‘Minha casa, Minha vida’. O PAC contribui na urbanização de favelas já que a população pobre constrói suas próprias casas, sem assistência técnica, porque eles não têm lugar no espaço. O uso e ocupação do solo são regulados e observados apenas para alguns. Se o movimento social ocupa uma área de interesse privado, há comoção nacional das instituições e da mídia
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e em 24 horas a propriedade é reintegrada, sem sequer averiguar as irregularidades da propriedade. Por outro lado, o acesso aos recursos do FGTS deve ser facilitado para a população de menor renda. Os recursos são depositados por todos os trabalhadores, mas quem tem mais facilidades para acessá-lo é a classe média. O ‘MCMV’ não é suficiente: foi formulado a partir da lógica do mercado. Pode existir, mas é precisos elaborar outro programa, que garanta acesso para todos. Por isso, é fundamental regulamentar e efetivar as leis já existentes, que trazem um arcabouço jurídico bastante relevante para os problemas urbanos como também rever as competências das três esferas – federal, estadual e municipal – e como elas dialogam.
Saneamento e Urbanização De 1980 a 2003 não houve, no Brasil, investimento em áreas fundamentais como saneamento e habitação. Durante este período, houve um esforço neoliberal para enfraquecer o Estado, com a promoção do sucateamento para que as privatizações avançassem. Não temos técnicas desenvolvidas adequadas à realidade brasileira. As universidades públicas ensinam e desenvolvem técnicas baseadas nos modelos europeus do século XIX. O resultado é que 40% da água tratada é perdida e não chega às vilas e favelas. Em 2005, houve uma queda de braço para privatizar os serviços de saneamento e os sindicalistas foram os grandes responsáveis em barrar estas privatizações e por aprovar o marco regulatório que o Brasil tem hoje, pois têm sido os movimentos sociais os grandes responsáveis pelas mudanças. Há, então, necessidade de regular Lei do Saneamento e elaborar programa especial para regiões metropolitanas. É preciso também atenção especial à coleta de lixo. Vivemos, então, um grande período sob uma base desigual vinda do século XX. Nos tornamos a 8ª economia do mundo, mas a desigualdade e a exclusão se mantiveram, 58
porque não foram realizadas as reformas sociais, aumentando o número de favelas, desregulando os transportes etc. É o chamado primado do mercado, com o recuo das políticas públicas. É porque o impacto da globalização sobre o território brasileiro foi tão grande que passamos ainda por uma transição na dinâmica demográfica. Hoje, as migrações não vão mais para as metrópoles, vão principalmente para as cidades de por te médio e as cidades que mais crescem hoje são as do oeste do país, norte do país. O exemplo do desenvolvimento do agronegócio é crucial. A exploração de madeira ou de celulose está indo para o oeste da Bahia, sul do Piauí, sul do maranhão. O arco do desmatamento pega Rondônia, Amazonas e Pará. O mapa da renda gerada no Brasil 30 anos atrás e o mapa atual é completamente diferente. Essa mudança na dinâmica econômica territorial demográfica urbana mostra o crescimento das cidades de porte médio e não as regiões metropolitanas. A competência sobre as questões urbanas está dividida nas três esferas federativas e se estas não se entenderem não há solução. Do ponto de vista institucional, a ocupação do solo é de competência municipal, porém quando há integração com a questão ambiental, a competência é concorrencial – pode ser federal, estadual, municipal. Nesse sentido, a questão federativa merece uma atenção especial quando se trata da questão urbana. As regiões metropolitanas, sem dúvida nenhuma, merecem um programa especial federal, estadual e municipal, porque são áreas mais vulneráveis social, ambiental e economicamente.
Mobilidade urbana: priorizar o coletivo Outra questão importante é a da matriz de mobilidade urbana. Ela não pode mais ser baseada no automóvel. As cidades estão parando. Há um estudo sobre a poluição do ar em São Paulo, do professor Paulo Saldiva,
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da USP o que mostra a diminuição da vida do paulistano em média de um ano e meio em relação a locais que não têm poluição do ar. Sem dúvida, a matriz de mobilidade urbana deve priorizar e privilegiar o coletivo assim como novas fontes de energia. Ao mesmo tempo, temos uma economia atlântica; por isso é necessário utilizar um modelo intermodal, com grandes eixos ferroviários e caminhões para alimentação e distribuição a par tir dos eixos. Observe-se que não temos até hoje uma ligação entre o atlântico e o pacifico. Esses são pontos fundamentais para a Plataforma da CUT Ainda temos todo um emaranhado na questão da macrodrenagem urbana. É preciso respeitar o caminho da água e deixar espaço sem pavimentação para a água ser absorvida.
Para viver com dignidade e qualidade é preciso luta social Há uma questão teórica para aprofundarmos: a mudança do capitalismo fordista,
que gerou o ABC para o capitalismo global, em que se tem um escritório em Nova York que produz a tecnologia, a marca e o design e que depois faz o tênis com as crianças da Ásia; ou vem para o Brasil produzir uma indústria que se instala em qualquer lugar. Inclusive, desmontou-se parte dessa indústria pela importância política do sindicato. Daí, advém a questão da ocupação do território. É preciso trabalhar com o binômio trabalho e território. O capitalismo internacional é muito mais forte em definir nossos destinos do que a gente tem se dado conta. É fundamental discutir o direito à cidade de forma integrada e incorporar o “Direito de Viver” e “morar com dignidade” nas campanhas salariais e nas propostas gerais. O trabalho da CUT é vital ao buscar estudar o impacto estrutural, principalmente no mundo do trabalho e a unificação dos movimentos sociais para lutas que extrapolem a esfera institucional. Porque um governo não consegue mudar tudo, há limites claros na sua atuação. Por isso, a essencialidade da luta social.”
A visão da FNA – Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas A Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, é fundadora da CUT. Esse debate, tão fundamental para a classe trabalhadora e para o Brasil, vem a ser tratado como resolução sobre a reforma urbana apenas no 10º CONCUT, em 2009. Sinal de que é preciso aprofundar o debate das questões urbanas no âmbito do movimento sindical brasileiro. É fundamental tratar do desenvolvimento urbano e habitação com o olhar no trio: Ministérios das Cidades, do Conselho das Cidades e da Conferência das Cidades. Por isso, é impor tante incorporar no debate da CUT a Car ta Mundial do Direito à Cidade, que é um documento político da sociedade mundial, que trata dos direitos da pessoa morar na cidade, que chamamos Direito aos Ser viços da Cidade. Serviços de habitação, transpor te, saneamento, infraestrutura, enfim, ser viços que quando analisadas as estatísticas do IBGE, percebemos que pouca gente tem acesso a eles na totalidade. Um documento extremamente debatido nos Fóruns Sociais Mundiais, nas discussões dos Fóruns Urbanos Mundiais que cer tamente for talecerá a luta nossa enquanto entidade sindical que par ticipa do processo de reforma urbana. Também é impor tante reafirmar que a discussão da reforma urbana no âmbito sindical precisa incorporar a dimensão da negociação coletiva, introduzindo pontos como a tarifa de transpor te coletivo, mobilidade etc. Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho
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Ponto impor tante também no campo da reforma urbana é a luta para instituir nos estados e nos municípios os conselhos das cidades que discutirão habitação, saneamento, transpor te e urbanismo no âmbito local, no âmbito estadual. Dos 27 estados da federação, apenas 14 têm conselhos estaduais e apenas 120 conselhos municipais num universo de 5.565 municípios brasileiros. Será necessário incorporar a noção de territorialidade nas propostas da CUT e na ação sindical. Impor tante destacar também uma lei que foi aprovada em 2008 no Congresso Nacional, entrou em vigor em 2009, que permite que a família de baixa renda de 0 a 3 salários mínimos tenha acesso gratuito aos serviços de arquitetura e engenharia destinados à reforma, ampliação, construção ou a regularização fundiária do empreendimento onde mora. Chama Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social. Outro ponto fundamental a ser incorporado nas propostas da Plataforma é o dos recursos públicos. O Brasil já tem uma política urbana. Porém, falta ar ticulação no conjunto da esfera pública: União, Estado, Município, para sua efetiva implantação. O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS tem recursos que podem ser acessados por entidades sociais e sindicais, cooperativas, ONGs que têm no seu estatuto também a finalidade da habitação.
A visão da CONFETAM – Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal A iniciativa do GT Desenvolvimento de construir coletivamente a Plataforma é muito importante, pois possibilita aos Ramos ter uma visão geral da classe trabalhadora e das questões que a afetam assim como a sociedade em geral, saindo do isolamento cotidiano. A história dos municipais é a história do setor público na CUT que, nos anos 80, lutou pelo reconhecimento sindical, para negociação com as administrações, com os governos, em todas as esferas municipal, estadual e federal. Toda essa dificuldade se dá inclusive pela globalização neoliberal, pela visão do Estado mínimo, que coloca uma série de desafios na relação com os governos, sejam conservadores ou democrático-populares. Um dos resultados dessa luta pela negociação é a proposta da Convenção 151, encaminhada pelo Governo Lula, pelo direito à negociação coletiva no setor público como também a regulamentação do direito de greve, uma questão tabu no movimento sindical. Isso demonstra a necessidade de pensar o desenvolvimento como um todo e, em par ticular, as políticas públicas, estabelecendo com a cidade uma relação democrática. A alternância das políticas públicas nos diversos governos leva a uma descontinuidade terrível tanto do ponto de vista dos interesses do cidadão que se utiliza dos serviços como também dos próprios servidores públicos, da consolidação de planos de carreira etc e isso reflete na cidade, par ticularmente onde as pessoas vivem. Por isso, a impor tância de que as políticas públicas se tornem políticas permanentes, de Estado. E a Plataforma da CUT, com propostas dos trabalhadores/as para influenciar na disputa de projetos de 2010, de continuidade dessa relação do Estado democrático, de investimento, de outra direção para a política econômica, política de educação, política de habitação, com respeito à par ticipação social será fundamental em contraposição a uma pauta regressiva, como está, par ticularmente, no cenário de São Paulo. Daí a importância de uma grande aliança com a sociedade, priorizando os principais temas que são do interesse geral como a questão de gênero, raça, habitação, energia, transporte, meio ambiente, superando o corporativismo, pois é um salto de qualidade não ficar olhando só pro umbigo e não viver no isolamento. Porque este é o nosso desafio: buscar qualidade de serviço, qualidade da cidade, qualidade de vida das pessoas a partir do local onde elas vivem. 60
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A visão da FISENGE – Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros Discutir a cidade é uma questão nova, pois nos acostumamos a discutir os setores, separadamente: saneamento, energia, habitação. É um desafio discutir o direito à cidade, o direito de viver com dignidade, o direito de morar integradamente. Por tanto, resgatamos alguns desafios setoriais. No saneamento, há uma grande dívida do Estado brasileiro com os trabalhadores/as, um déficit já que é exatamente nas camadas de 0 a 3 salários mínimos onde se tem mais impacto dos problemas da falta de saneamento sobre a saúde. Não há desenvolvimento de técnicas para saneamento de favelas, para a realidade brasileira. Nesse modelo, reproduzido da Europa, 40% da água tratada, fluoretada, clorada é perdida no caminho. É preciso regulamentar a lei do saneamento para que sejam atendidas as pessoas que realmente necessitam. Com relação à mobilidade, a política de isenção do IPI não vem acompanhada de nenhuma contrapar tida das indústrias automobilísticas para o impacto que isso ia causar nas cidades. O SUS apresentou um estudo sobre o impacto do aumento de veículos sobre a saúde. Um elemento impor tante para a plataforma é a fiscalização da aplicação dos recursos públicos, em especial, os do saneamento. Assim como, introduzir nas campanhas salariais a questão do direito de morar com dignidade. O nosso grande desafio é pensar o Brasil, a par tir de uma ideia de desenvolvimento que extrapola a fronteira do urbano; trazer a perspectiva regional. É impossível pensar urbano no país sem pensar o rural, pensar uma população urbana que cresce vegetativamente, que permanece no urbano sem nenhuma perspectiva nas cidades de 10 mil habitantes, 15 mil ou de 50 mil habitantes de continuar a viver e morar nessas cidades se ainda tem alguma qualidade de vida, mas nenhuma perspectiva de trabalho e de desenvolvimento.
Indústria e Agricultura produzindo com eficiência e sustentabilidade Para o professor Arilson Favaretto, da Universidade Federal do ABC, o importante é sair de uma política setorial para uma política territorial, extinguindo o hiato entre regiões produtoras e consumidoras. “Ao apresentar um retrato da estrutura do Brasil rural atual, por meio de alguns indicadores econômicos, sociais e ambientais podemos verificar se estamos próximos da palavra eficiência e longe da sustentabilidade e, a par tir daí, apontar alguns desafios para o desenvolvimento sustentável e as implicações para o movimento sindical.
Dados dos anos 90 demonstram que nas regiões rurais acentuam-se as disparidades regionais, com um divórcio entre regiões produtoras e consumidoras. A produção concentrada em grandes centros e regiões modernizadas, com dependência das transferências de renda nas regiões consumidoras. Isso significa que nos anos 90,
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a trajetória do Brasil foi de estagnação do crescimento econômico, redução da pobreza mais aumento da desigualdade; enquanto que nessa década as coisas melhoraram um pouco. Temos, simultaneamente, aumento da renda, redução da pobreza e redução da desigualdade. Contudo, há um divórcio entre regiões produtoras e regiões consumidoras. Isso possibilita uma mudança no perfil da pobreza; que sempre foi tipicamente rural; ela é cada vez menos rural e mais urbana. Por isso, é extremamente importante pensar o planejamento do desenvolvimento numa escala territorial. Pensar em planejamento territorial significa reinventar o planejamento. Porque, o Brasil é um dos países que tem uma importante e rica tradição em planejamento regional, em planejamento do desenvolvimento regional. Porém, a ideia de polos de desenvolvimento que irradiam um efeito benéfico para o conjunto da região não foi tão bem sucedida quanto se preconizava. Pensar em planejamento territorial implica em reconhecer as diferenças existentes e construir mecanismos e fóruns de gestão que respeitem as diferenças e equilibrem as assimetrias de poder. Se olharmos para a agricultura brasileira, vemos que há no Brasil 5 milhões de unidades produtoras entre sítios, fazendas, enfim, estabelecimentos agropecuários, sendo que quase a metade estão no nordeste, 19% no sul, 18% no sudeste, 9% no norte e 6% no centro oeste. Dessas unidades de produção agropecuária, quase 4 milhões e meio são propriedades familiares, equivalente a quase 85% das propriedades agrícolas do país e corresponde a ¼ da área ocupada. Por outro lado, ao pensarmos na ideia de sustentabilidade, houve queda na utilização das terras com matas e florestas contidas nos estabelecimentos agropecuários: 12 milhões de hectares principalmente no norte, no centro oeste e no nordeste e 20 milhões de hectares em pastagens naturais; ou seja, 62
áreas que foram ocupadas de outra maneira. Também houve um declínio do percentual de pessoas; trabalhando na atividade agrícola, 18% da população ocupada, isto é, produzimos mais com menos terra e com menos gente, fundamentalmente. Podemos observar algumas tendências: primeira, a agricultura ganha importância no competitivo cenário internacional; segunda, o fim do êxodo generalizado, seja porque as políticas sociais agora garantem melhores condições de vida para essas populações, seja por conta da crise do emprego nas grandes metrópoles, ou mesmo porque as pessoas não têm mais o mesmo ímpeto de sair das regiões rurais porque existe um incentivo pra ficar que é a garantia de alguma renda; terceira, essas regiões passam a dotar de um mínimo de infraestrutura: acesso a educação, à saúde, à comunicação, e isso muda o perfil das regiões rurais. Essas tendências geram uma convivência conflituosa de duas formas de produção agropecuária brasileira. Sob governos democráticos, com maior compromisso com os trabalhadores/ as, imaginávamos ter uma aceleração do processo de reforma agrária e, com isso, uma alteração substantiva na estrutura fundiária brasileira em prol de um modelo onde tivesse uma maior concentração da agricultura familiar e menor na agricultura patronal; porém, os dados mostram que, mesmo com a intensificação do processo de assentamentos rurais como aconteceu sob os dois governos do Lula, a concentração fundiária permanece praticamente inalterada. Portanto, o peso da agricultura patronal continua sendo praticamente o mesmo; com segmentos dinâmicos tanto na agricultura familiar como na agricultura patronal. É um agronegócio que comporta a agricultura familiar e a agricultura patronal. É por isso que pensar a reforma agrária nos 60 a 80 como uma profunda alteração na estr utura fundiária fazia todo sentido. Tínhamos 80% da população vivendo nas áreas r urais e 20% vivendo nas cidades.
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Reforma agrária para possibilitar o acesso à terra, para produzir alimentos e equilibrar o contingente de pessoas que iam para as cidades. No entanto, o Brasil desenvolveu a chamada modernização conser vadora, solucionando o problema da produção de alimentos com o pacote tecnológico, priorizando a grande empresa. Por isso, há necessidade de atualizar o debate sobre a reforma agrária e sobre como fazê-la, em especial, as instituições, a exemplo do INCRA. Uma quar ta tendência é a emergência do que podemos chamar de uma nova economia rural, que se destaca por algumas características: alta competição e seletividade, no setor de produção de grãos e na pecuária bovina, com modernização de técnicas de produção, equipamentos, principalmente nos cerrados brasileiros, no interior do estado de São Paulo, em áreas da região Sul do Brasil; a expansão da ocupação, caso típico da produção de frutas, hor taliças e da produção de leite. Com isso, uma emergência cada vez maior de nichos de mercado, ou seja, produtos diferenciados, produtos regionais, produtos típicos. Outra característica é a dependência de boa par te dos agricultores familiares, principalmente os mais pobres, dos programas de compras públicas, programas de leite, programa de aquisição de alimentos etc, para conseguir acessar alguns mercados; e também, as opor tunidades de diversificação com comércio, ser viços e pequenas indústrias. Se a tendência é uma nova economia rural, com alta competição, seletividade, mesmo nas unidades familiares, o desafio para um futuro sustentável é potencializar o planejamento territorial, a construção e implantação de políticas públicas além das políticas sociais e de crédito e em investimentos e desenvolvimento em tecnologias, possibilitando que o jovem permaneça na terra. E essa dinâmica traz alguns desafios relevantes para pensar o futuro sustentável das regiões rurais do Brasil.
Planejar o território em todas as suas dimensões Há três elementos fundamentais: o primeiro, do ponto de vista do planejamento do desenvolvimento é a necessidade de alterar a lógica das políticas setoriais para políticas territoriais. Apesar das políticas setoriais serem tremendamente importantes para gerar competitividade na agropecuária brasileira, significa menos oportunidades de geração de renda para os agricultores no seu conjunto. É um aparente paradoxo, resultado do processo de modernização setorial da agropecuária brasileira, Quanto mais aprofundado o processo de modernização agropecuária através de políticas setoriais menores são os seus efeitos irradiadores para o tecido social e econômico das regiões e para a geração de renda das famílias. Daí, a necessidade de pensar o planejamento das regiões rurais no seu conjunto, com uma palavra chave: diversificação. O segundo está no âmbito das políticas públicas, que tem de ser combinadas, e de todos os âmbitos, crédito, tecnologia, infraestrutura, competitividade etc. O terceiro está no âmbito das tecnologias, pois nossas instituições de pesquisa, de extensão rural estão presas ao paradigma tecnológico do século passado. Portanto, inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento rural vai demandar necessariamente o que se poderia chamar, grosseiramente, um processo de inovação verde e de exploração das novas vantagens comparativas às regiões rurais. As principais vantagens comparativas podem garantir um futuro sustentável, explorando de maneira sustentável a biodiversidade, as diferenças regionais. Com isso, temos algumas implicações vitais para o movimento sindical. É necessário responder às seguintes questões: qual é a base social organizada do movimento sindical hoje e qual é a base social que se quer representar? Existe uma tendência de uma presença mais forte nos setores mais
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organizados, No entanto, quando se pensa no futuro do processo de desenvolvimento, e o maior desafio está nos setores públicos não organizados. No campo, os segmentos mais pobres estão completamente desorganizados, inclusive pelo Movimento Sem Terra. Essa é uma questão que precisa ser respondida: o que queremos representar, o setor intermediário, os mais organizados ou o conjunto de uma base social que tem demandas latentes sem serem caminhadas? Outra questão diz respeito à atualização e ampliação da agenda, sob pena de ver a sua base social organizada diminuir progressivamente à medida que cada vez menos gente vive da atividade agrícola. Também, é preciso se perguntar sobre qual agenda, quais benefícios pleitear num governo democrático e popular? A percepção é que se perde uma oportunidade ímpar de sedimentar alguns ganhos na estrutura institucional das políticas do Brasil rural, ao invés de priorizar reivindicações como quantos milhões de crédito via PRONAF, número de famílias assentadas etc. E mais, que aliados o movimento sindical deve buscar para construir um novo compromisso social? É preciso ampliar o campo de forças mobilizadas em torno de uma agenda para o desenvolvimento. Nesse caso, do Brasil rural, um segmento muito impor tante para se estabelecer uma política de aliança são os prefeitos dos pequenos municípios, pois eles têm legitimidade, mas também precisam aprender a reivindicar.
Uma agenda de futuro protagonizada pelo sindicalismo Por fim, qual será a agenda pública da próxima década e quem será seu portador? Nos anos 80, a agenda foi a da democratização, nos anos 90, a modernização do estado e da economia brasileira. Nesta década, a agenda foi a questão social. E a da próxima década? Será a continuidade da agenda social? 64
Uma combinação da agenda social com crescimento econômico? A sustentabilidade é um tema já maduro na sociedade brasileira. Porém ainda com diversas ambiguidades. Exemplo do etanol, que ainda não temos a conta correta de suas vantagens. Persiste ainda certa fantasia em torno da temática, pois não se extinguirá a dependência do petróleo dos árabes para criar uma dependência com o Brasil. É um tema possível de ser o debate da década, sobretudo se pensarmos a sustentabilidade para além do discurso ambiental. Há um imperativo ético no mundo já que este precisa de alimentos; pode-se produzir conforme as velhas tecnologias ou descarbonizando a matriz energética, produtiva. Esse é um desafio do século XXI. Se ele vai se materializar numa agenda da próxima década ou não dependerá das forças sociais e não há forças portadoras de um projeto que seja capaz de articular todas as dimensões da temática. O movimento ambientalista coloca ênfase na questão ambiental e, por vezes, coloca a dimensão econômica e social como antagônica. Já o mundo do capital coloca ênfase na dimensão econômica e o mundo do trabalho na dimensão sócia. Se alguma coalizão de atores conseguir transformar essas demandas hoje dispersas num projeto, poderá fazer disso a agenda da próxima década. O sindicalismo rural entrou em crise nos anos 90, porque suas bandeiras foram esvaziadas - a reforma agrária foi empunhada por outro ator, o MST e a dos direitos trabalhistas foi perdendo peso, pois o número de assalariados rurais foi diminuindo gradativamente. Perderam o sentido estruturante. A agenda sindical hoje precisa incorporar a ideia de um grande pacto pela paridade entre regiões rurais e urbanas. É preciso buscar algo novo nessa estrutura das demandas sociais e econômicas do Brasil rural e urbano e transformá-lo em agenda. E o movimento sindical pode contribuir muito e mesmo ser o portador dessa nova agenda.”
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A visão da CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Quando da criação do Programa Nacional de For talecimento da Agricultura Familiar, pudemos debater alternativas para a modernização do campo, para agregar valor aos produtos. Por isso, esse é um elemento essencial para os trabalhadores/as. Contudo, ainda é preciso desenvolver políticas específicas para quem não consegue acessar o PRONAF, para que haja efetivamente melhoria na distribuição de renda. Mesmo os agricultores familiares já consolidados têm produção, vendem seus produtos, mas a renda - que é necessário ser estável - ainda é decidida pela indústria, pelo quanto se paga pelos produtos. Há uma lógica de que o produtor é responsável por tudo. Se há um ano bom de colheita, tudo bem; mas e se houver intempéries, seca ou chuva demais, esse risco é do agricultor, porque o seguro agrícola protege a dívida existente no banco enquanto que este – o seguro agrícola deveria proteger a produção e a renda. Temos ainda o desafio da assistência técnica, segurança alimentar, das patentes, dos transgênicos, da construção de um sistema nacional de comércio justo e solidário para for talecer os empreendimentos. O nosso grande desafio é produzir e gerar renda, para manter os agricultores no campo e, especialmente a juventude. Por isso, a necessidade de consolidar políticas como o PRONAF e o PAA. Temos que consolidar um projeto de economia solidária que sirva para a manutenção do campo e para ampliação da representação CUTista no campo. E, acima de tudo, ar ticular os trabalhadores/as do campo e da cidade, para juntos com as políticas sociais estabelecer uma economia rural dinâmica que possa manter as pessoas no campo, vivendo com dignidade. Esse é o grande desafio para a Plataforma da CUT.
CONTAC – Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação, Agroindústrias, Cooperativas de Cereais e Assalariados Rurais Iniciamos o debate do campo e cidade pelas megafusões. O Brasil detém as maiores empresas de alimentação do mundo, por exemplo a Brahma e a Antár tica, maior cervejaria do mundo, multinacional brasileira; a Perdigão/Sadia, maior indústria avícola do mundo, Marfrig e Seara, segundo maior frigorífico do mundo,Friboi e Swift que é o primeiro frigorífico de carne bovina do mundo. A AMBEVE é uma empresa com 130 mil empregados aqui no Brasil; é uma empresa globalizada, tem fábricas brasileiras que expor tam para o mundo todo. Temos uma tarefa que é ampliar a relação com os consumidores dessas empresas. As indústrias de alimentação do Brasil são as melhores do mundo. Num frigorífico, há um sistema de esterilização invejável. Na indústria avícola, temos um preço internacional imbatível. Contudo, há diversos problemas na integração como as diferenças salariais entre trabalhadores/ as rurais e os trabalhadores/as da fábrica. Para não ficarem dependentes de um só produto e das oscilações do comércio internacional, há uma diversificação da produção. Nesse sentido, a Contac nasceu com a proposta de organizar a cadeia produtiva; ar ticulando os trabalhadores/as assalariados com os pequenos produtores. Por isso, é necessário aprofundar o debate na CUT sobre a reforma agrária e essa ar ticulação campo e cidade. Mas temos enormes dificuldades nessa ar ticulação, porque há uma questão cultural. Precisamos de um novo modelo de economia no campo e cidade. Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho
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Política Internacional: integração regional, instituições multilaterais, democracia e soberania O Ministro de carreira, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Milton Rondó, enfatizou que a política externa brasileira deve ter como diretriz a complementaridade e não a competitividade, pautando-se pela solidariedade ativa visando garantir a soberania dos países menores. “Num projeto de desenvolvimento, a ar ticulação campo e cidade é fundamental, porque atualmente não há mais uma demarcação clara entre o que é campo e cidade. Dados da OCDE, por exemplo, sobre o número de habitantes por quilometro quadrado, mostram diferenças profundas com o Brasil entre campo e cidade. Ao falarmos dessa ar ticulação campo e cidade, falamos de direitos humanos que são fundamentais, são universais. Que valem se vivemos no campo ou na cidade, no Brasil, nos Estados Unidos, na Jamaica ou na Nicarágua. Direito à alimentação, à água, à terra. Impor tante lembrar, por exemplo, que nesse ano se completa 30 anos da Car ta ao Camponês, da Conferência da FAO de 1979, com delegação chefiada por Delfin Neto, ministro da agricultura do regime militar, que estabeleceu uma série de princípios, entre eles, justamente o limite à propriedade da terra, que ainda não implementamos no Brasil. Por isso, é preciso globalizar a luta pelos direitos sociais, pelo direito de viver com qualidade, viver em plenitude. As relações internacionais são, em primeiro lugar, políticas. Na diplomacia brasileira, nossa tarefa é efetuar análise política dos rumos daquele país ou da conjuntura internacional e onde os interesses do Brasil coincidem, para que se possa corretamente conduzir a política 66
externa, papel desde o século XIX, da Convenção de Viena. E a política externa tem uma relação dialética com a política interna, pois pode modificá-la para melhor ou para pior, exemplo do Barão do Rio Branco, na delimitação da fronteira do Brasil, baseado no princípio de que a propriedade só se justifica pela sua utilização, bandeira dos movimentos até hoje.
Soberania e complementaridade são premissas da política externa brasileira Hoje, podemos falar que nossa política externa é exitosa porque ela tem fundamentos muito sólidos como pouquíssimos países do mundo têm. Somos um país caribenho, apesar de não nos reivindicarmos como tal, em vir tude do litoral nor te. E quem conquistou foi o Barão do Rio Branco. Esses fundamentos vêm desde Alexandre Gusmão, diplomata por tuguês, nascido no Brasil, primeiro homem a dar uma cara do mapa do Brasil atual, ao modificar o estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas. Depois o Barão da Ponte Ribeiro, o Joaquim Nabuco e Rui Barbosa que estabelecerão as bases da nossa política externa. As relações diplomáticas devem ser orientadas pela soberania, que deve
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preceder qualquer processo de integração. E quando falamos de soberania, falamos diretamente de democracia. Esta soberania, a base da soberania, como a base do Estado, da ética pública segundo Aristóteles é a democracia distributiva e par ticipativa; que só se legitima quando é par ticipativa e distributiva. A democracia é um bem final. Não é um meio. É um bem estratégico, não tático. E isso tem que estar muito claro. Esse deve ser o foco da execução da política externa de qualquer Estado democrático. Por tanto, a integração deve ser feita entre soberanias. E quando se fala de soberania, lembramos de soberania alimentar, energética, e do grande lema da campanha do Presidente Lula – a soberania financeira, econômica. Na maioria dos documentos do Itamarati já não existe mais o paradigma da competitividade e sim o da complementaridade, assim como no mundo. Porque temos que nos complementar. Nossas economias são complementares. Utilizando o conceito de vantagens comparativas, fica o exemplo do etanol brasileiro. Temos vantagens comparativas evidentes no caso do Brasil. Isso também nos leva a um ou outro tipo de paradigma quando a gente fala em relações internacionais. No caso dos direitos trabalhistas, estes são direitos fundamentais. Por tanto têm de ser protegidos em qualquer lugar do mundo. Há uma grande responsabilidade do Brasil nisso, especialmente, pelas empresas transnacionais, incluindo as brasileiras.
Com relação às instituições multilaterais, é preciso que elas reflitam a democracia par ticipativa e distributiva. Exemplo é a batalha travada pelo Paulo Batista Nogueira Junior, com o FMI para que realmente tenha a sua representação na medida do seu peso político, da sua impor tância econômica e da sua contribuição. O Brasil precisa ter a devida representação com FMI, nas Nações Unidas. Hoje, somos um dos países que mais praticam o diálogo com sociedade civil nos fóruns internacionais. Temos alguns exemplos impor tantes de ações do Brasil com relação à ajuda humanitária que são reveladores de nossa política externa, em especial, o da CONAB, para países latinos e africanos, com transferência de tecnologia para abastecimento alimentar. Temos feito grandes conquistas nesse campo e o papel da sociedade civil organizada, das centrais sindicais, dos movimentos sociais têm sido fundamental para que a política externa seja cada vez menos distante, já que tem reflexos diretos no nosso dia a dia, no nosso bem estar. Cito uma frase de Samuel Pinheiro, agora Ministro de Assuntos Estratégicos: ‘essa história de que um país é igual a uma empresa é uma balela, é uma das piores comparações que se pode fazer, porque uma empresa pode demitir seus funcionários e o país não pode jamais demitir seus cidadãos porque um país tem, com relação a eles, obrigações; que são obrigações de direitos, de promover, proteger e prover direitos aos seus cidadãos’.”
Rafael Freire, Secretário de Política Econômica e Desenvolvimento Sustentável da CSA – Confederação Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas reafirma a atualidade do debate do desenvolvimento, especialmente na América Latina. “Se os países da América latina não puderem ter um padrão diferente de desenvolvimento, questões como a reforma sindical, o pleno emprego ficam distantes. Ter
um Itamarati cada vez mais comprometido com uma visão de desenvolvimento social, de inclusão e de redistribuição, operando a política do governo brasileiro é fundamental.
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Esse debate remete a questionar onde nos inserimos e qual é o papel nosso na disputa no cenário internacional e a nossa capacidade de produzir políticas nacionais que possam influenciar políticas regionais ou políticas internacionais nos organismos que o Brasil par ticipa. A responsabilidade do Brasil é bem maior do que imaginamos. Não há nenhuma outra região do planeta que tenha capacidade de produzir uma política pós-neoliberal do que aqui na América do Sul ou parte da América Latina, com uma perspectiva democrática e par ticipativa, Não é a China, Rússia ou Índia que apresentam uma perspectiva democrática, pelo menos, como nós do movimento sindical no Brasil e na América Latina constituímos. Também não estão nos países árabes, pela realidade da presença islâmica que por si só não é um problema, mas não é algo que nos organize, nem muito menos na luta da Palestina. A Europa a cada dia ela se “endireitiza”, com uma capacidade reativa muito pequena frente à crise. Por tanto, o tema do desenvolvimento e da integração nos coloca, hoje, uma responsabilidade muito maior do que um debate no campo teórico. É um tema que requer ações práticas, que sejam sustentáveis não somente do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista político; que não se perca com a mudança de orientação política no governo. Par tindo dessa compreensão, nós CUTistas temos uma grande responsabilidade por construir uma plataforma de desenvolvimento, pois podemos ter uma influência real no sindicalismo latino-americano, se formos ativos nisso.Temos uma luta que é pensar qual ordem mundial queremos. O Presidente Lula é muito corajoso quando, desde o primeiro mandato, fala que precisamos de uma nova ordem econômica mundial. Luta que se dá na perspectiva, também, do que queremos para a região, pela sintonia que há do que se denomina governos progressistas ou de esquerda na América latina e em especial na América do Sul, tendo dois pólos de oposição muito for te hoje na América do Sul, que é 68
Colômbia e Peru. E temos uma preocupação real, que é uma disputa de futuro que é como garantir nossa soberania em relação aos recursos que tem na América do Sul, em especial, na região norte e na Amazônia. Fizemos uma opção pela integração. E isso nos remete ao tema da soberania. Um debate que nos impede avançar concretamente no que seria passos mais rápidos na integração latino americana e em especial sul-americana, que é o debate do interesse nacional versos interesse regional. Precisamos constituir um interesse regional maior do que o nacional; uma integração que possa atender ao povo latino-americano ou sul-americano ou “mercosuriano”, com políticas de Estado que permitam o livre trânsito de pessoas, atendimento a saúde, atendimento a alimentação. Enfim, a integração regional deve não apenas assegurar o livre trânsito de bens de consumo, mas também de pessoas. Nesse sentido, os direitos dos trabalhadores migrantes devem ser respeitados, em especial, através da garantia do beneficio previdenciário. Devemos nos mobilizar para incluir a pauta dos trabalhadores/ as nos acordos comerciais, ar ticular com o movimento sindical de outros países a negociação coletiva com empresas brasileiras lá instaladas e aumentar a relação bilateral da CUT na América Latina. Essa é a possibilidade de se construir uma relação diferente entre os países. O Brasil joga um papel decisivo no cenário mundial, especialmente nesse último período. É impor tante recuperar o papel da OEA. O movimento sindical, ao entrar nesse debate real e concreto da integração, da complementaridade, de um projeto de desenvolvimento, pode contribuir para construir alternativas reais. Nossa geração precisa apresentar alternativas, conquistar vitórias. O padrão de desenvolvimento necessário para o século XXI implica em questionar a produção de automóveis que sustenta boa parte da economia, porque não é sustentável ambientalmente e como se recompõe o emprego.
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Nesse debate, é imprescindível que a CUT aumente sua relação internacional na América Latina. Além do supor te à CSA, é necessário ampliar a relação bilateral da CUT, que passa também pelo financiamento da CUT para programas em centrais que são mais débeis financeiramente, priorizando temas como o da agricultura familiar, da comunicação, da organização sindical. Também é preciso ar ticular essas ações em três frentes principais de intervenção: negociação coletiva, par ticularmente nas empresas brasileiras que atuam nos países da América, o trabalho nos acordos comerciais, imigrantes. A CUT, ao aprofundar o debate sobre desenvolvimento, sem o dogma de um modelo único, dá um passo importante para o movimento sindical na América Latina. A alternativa é a construção de um padrão pós-neoliberal com uma produção econômica sustentável que permita ter o desenvolvimento dos países em desenvolvimento, que conduza à uma
mudança do padrão de consumo dos países do norte; de construção de uma nova ordem internacional, com medidas concretas, que possibilitem às populações terem acesso ao direito mínimo do bem estar, pois o viver bem da Bolívia é muito diferente do viver bem do paulistano, por várias características diferentes. E transforme esse acúmulo em mobilização social. Vivemos uma múltipla crise: financeira, ambiental, energética, mas, sobretudo existe uma crise distributiva no mundo, que tem que ser atacada de conjunto pelo movimento sindical. E a opção pela democracia par ticipativa é a saída. Não acredito que os manuais do século XIX e início do século XX europeus resolvam o problema do socialismo de século XXI para a América Latina, porque não incluem o tema dos indígenas, das mulheres, da complexidade tecnológica. Por isso, resgato uma frase dos uruguaios – ‘que o movimento sindical necessariamente tem que ser independente, mas jamais pode ser indiferente’.”
O Secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felício reafirma o protagonismo da CUT no cenário internacional. O momento vivido pelo Brasil, de protagonismo internacional, remete a um novo momento também para o movimento sindical. Hoje, não mais respondemos àquela agenda negativa dos anos 90 e sim questões como o Brasil saiu mais rapidamente da crise, especialmente quando o Presidente Lula vai um organismo internacional como a OIT e se propõe debater com o movimento sindical. Contudo, é preciso apontar algumas dificuldades. A primeira delas é que empresas brasileiras se transformaram também em grandes multinacionais, e por vezes, o movimento sindical vê a CUT e o governo brasileiro como obrigados a resolver determinadas contradições que são inerentes a uma sociedade capitalista. Outra, é que no Mercosul, as relações ainda são estritamente comerciais; é preciso incorporar a pauta trabalhista, por meio da Declaração Sócio Laboral. Um exemplo é o movimento social boliviano que gostaria muito que o governo brasileiro não fizesse uma represa no rio Madeira, que cria tensionamento, mas que é relativo à questão objetiva, discutindo energia, matriz energética, o futuro que desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a CUT tem efetuado atividades para uma parceria mais eficaz entre a CUT e o movimento sindical africano, o movimento sindical das Américas e inclusive o movimento sindical americano e canadense. Não somente pelo compromisso ideológico e político como também porque temos questões concretas para serem resolvidas que são as relações das nossas empresas do mundo todo com os sindicatos locais, que são perversas, difíceis. E nessa atuação, a democracia é questão fundamental, uma coisa ainda não consolidada nas Américas. Quando há ditadura, quem mais sofre as consequências são os movimentos sociais, não o capital; na democracia quem sobrevive somos nós, na ditadura não sobrevivemos. Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho
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Por isso a questão da democracia e soberania são fundamentais. Essa deve ser a premissa da agenda para quem quer construir um mundo novo, uma América Latina livre, soberana com a democracia consolidada. Nessa disputa pela democracia, que é uma disputa ideológica, os meios de comunicação são importantes. Todos os governos de centro esquerda na América Latina não têm apoio da imprensa local. É preciso potencializar a disputa ideológica através da comunicação. Para a integração regional, um elemento estratégico é a matriz energética. Um debate que a CSA e a própria CSI tem desenvolvido com intensidade. Estabelecer a relação entre uma pauta eminentemente trabalhista e uma pauta muito mais ampla sobre o mundo que a gente quer, sobre o mundo que a gente está construindo, o futuro da humanidade, que tipo de sindicalismo a gente quer construir é essencial.
Território, Desenvolvimento e Sustentabilidade O professor José Alberto, da UFA, enfatiza que desenvolvimento e sustentabilidade serão a agenda da próxima década, iniciando a contribuição na terceira Oficina apresentando o estudo “Instrumentos Econômicos para a Proteção da Amazônia – A experiência do Polo Industrial de Manaus”, que potencializa o debate. “Nesse estudo, algumas causas do desmatamento na Amazônia, entre elas, a ausência do Estado, expansão da fronteira agropecuária, extração de madeira, grandes rodovias, migração, especulação fundiária e a agroindústria são apontadas assim como as áreas próximas do PIM – Polo Industrial de Manaus tem baixo nível de desmatamento, com 97,9% de preservação. Em 1997, o PIM colaborou com a redução de 85% do desmatamento na região de Manaus e evitou o desmatamento de 5,2 mil Km² da floresta amazônica. Já no estado, o PIM colaborou com a redução de 70% a 77% do desmatamento. Além disso, o benefício total para o estado do Amazonas ficou entre US$ 1 e 10 bilhões, no período entre 2000 e 2006, o equivalente a US$ 143 mi a US$ 1,43 bi por ano. Por isso, ressalta a necessidade de formulação de uma política coerente que reforce, de forma planejada, 70
sua função catalisadora e crie desta maneira um processo de desenvolvimento que poderá ser considerado sustentável e servir de modelo para a Amazônia. É importante ressaltar que sempre associam a Amazônia com um enorme espaço verde que precisa ser preservado. No entanto, é imprescindível que a preservação venha acompanhada de projetos e investimentos sustentáveis. De maneira geral, a literatura fala que são as atividades produtivas que buscam o desenvolvimento econômico e provocam alterações no espaço, como a fronteira pecuária, a extração de madeira, grande rodovias, migrações. Também se atribui a causa do desmatamento da Amazônia. Mas, o que podemos perceber é que em algumas regiões a taxa de desmatamento evoluiu com estagnação ou crescimento econômico reduzido. Ou, apesar do desmatamento
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ter ampliado, não houve um consequente crescimento econômico. Já em outras se manteve controlado; ou seja, taxas baixas de desmatamento e um significativo crescimento econômico e melhorias de indicadores sociais. No Amazonas, o polo de Manaus tem influência nas baixas taxas de desmatamento. O polo é visto nacionalmente como um enclave econômico, porque é originário da Zona Franca de Manaus e que teoricamente não teria sofrido nenhuma mutação ao longo desse tempo; portanto, nacionalmente ele sequer é considerado como um vetor que contribua para o desmatamento ou a baixa taxa de desmatamento dessa região. O
polo passou por um processo de reconversão bastante grande com intensificação tecnológica, com automação, com políticas públicas e de lá para cá tem crescido baseado nas premissas de uma inserção nacional mais intensa e mais significativa, uma busca de tecnologias e de espraiamento dos seus efeitos positivos para toda região. Em 2007, o Polo Industrial de Manaus contava com 510 empresas, um faturamento de 26 bilhões de dólares, com 103 mil postos de trabalho na planta de produção. Sem o polo, a região Norte é um vazio econômico pelo menos do ponto de vista desse indicador, receita fiscal e tributária. O efeito regional no seu entorno hoje representa ¾ do PIB da Amazônia Ocidental. Além dos investimentos pesados em ciência e tecnologia, com grandes empresas internacionais sediadas, mas também uma quantidade grande de empresas nacionais e regionais. Há uma rica diversidade de produção lá: bens de informática, duas rodas, eletro eletrônico, químico, metalúrgico, termoplástico, mecânico, relojoeiro, uma quantidade grande de segmentos, com produtos exportados para a América do Sul e também para os Estados Unidos e Europa. São produtos com bastante valor agregado e com algum tipo de complexidade tecnológica. Em geral, em virtude da lógica do lucro, ficam ofuscados os efeitos positivos do polo para o desenvolvimento da Amazônia como
um todo e para proteção de suas florestas. A pesquisa procurou demonstrar uma análise de correspondência entre desmatamento e atividade produtiva. Percebemos que o estado do Amazonas tem uma taxa de cobertura de 98. Então, se o polo industrial não existisse o desmatamento seria 70 a 77% maior e isso valorável em termos de preço de carbono nas bolsas de Chicago e Europa. Daí, depreendemos que o polo é uma força que atua contra a lógica do desmatamento e, portanto teve significativa influência na queda da taxa de desmatamento. Segundo um dos avaliadores internacionais da pesquisa, “todos os dados apresentados indicam que a verdadeira função do PIN – Polo Industrial de Manaus, é de catalisador econômico que, de um lado alivia a pressão da floresta e por outro é capaz de canalizar recursos financeiros para educação e desenvolvimento de CTI – ciência, tecnolgia e informação que por sua vez, impulsiona o movimento de tecnologias e inovações de processos econômicos sustentáveis no longo prazo”. Essa é a função histórica do PIM: possibilitar a formulação de uma política coerente que reforce de forma planejada sua função catalisadora e crie um processo de desenvolvimento que poderá ser considerado sustentável e servir de modelo para a Amazônia. Para os pesquisadores, o modelo não é perfeito. Ao contrário, tem uma série de problemas, mas hoje ele é a única fonte geradora de rendas e com uma escala dessa magnitude, tem conseguido uma série de avanços. Como nunca foi considerado uma política estratégica da nação, apenas algo que existia do governo militar e que os governos democráticos que se seguiram foram levando sem buscar qualificar ou reformular, foi perdendo seu poder de atração e competitividade. Mas, com um direcionamento estratégico, uma vontade regional organizada, planejada, concertada com os movimentos sociais e representantes políticos, o polo se desenvolveria como uma impor tante ferramenta de planejamento territorial e sustentabilidade.
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Com relação à temática do desenvolvimento sustentável, apresenta o professor José Alberto, considerações baseadas numa pesquisa que está no livro “A sustentabilidade nos sistemas complexos. Conceitos básicos para uma ciência de desenvolvimento sustentável aspectos teóricos e práticos”. Elementos que possibilitam transformar esse debate em políticas e ações concretas na sociedade.
A questão da sustentabilidade pode ganhar 5 abordagens. A primeira, a abordagem toxicológica, associada muito mais a substâncias químicas produzidas pela sociedade que produzem distúrbios ambientais localizados que são perigosos à vida humana, animal e vegetal, exemplo da poluição de rios, de colocação de enxofre na atmosfera. O objetivo dessa abordagem é limitar emissões, fazer controles pelas agências municipais, locais para que isso não ocorra. Outra abordagem é a do chamado equilíbrio sistêmico, que são as intervenções que a sociedade faz no funcionamento natural dos ecossistemas em detrimento da capacidade de auto regulação. Essa é tipicamente a emissão de CO2 para a atmosfera que cria e que tem sido a agenda básica da sociedade para a sustentabilidade hoje e tem por objetivo identificar os sistemas naturais, a necessidade de proteção e fazer limite de emissões. Tem uma abordagem ético-moral em que há a transformação do ambiente natural para as necessidades dos seres humanos em detrimento das demais espécies. Há uma suposição de que a diminuição da biodiversidade compromete os ecossistemas porque retiram de circulação espécies que têm funções impor tante na manutenção do sistema biológico do planeta e seu objetivo é demonstrar o quão perigoso que é para outras espécies o bem estar humano. Na abordagem econômica, temos o esgotamento de reserva de recursos não 72
renováveis e o objetivo é conscientização e valoração correta dos recursos naturais e serviços ambientais fornecidos pelo ecossistema. Há a abordagem termodinâmica, em que o problema tem duas naturezas: o uso de energia baseado em recurso não mais presente no círculo corrente da biosfera, caso de combustível fóssil, minérios, e a velocidade de uso de recursos renováveis acima da velocidade de reconstrução dos mesmos. Ou seja, retira material renovável em uma velocidade e uma proporção que a natureza não dá conta de reconstruí-los e qual é o dano causado. Aqui, o grande objetivo político é a valorização do trabalho humano em relação ao uso excessivo de recurso natural e foi baseado nessa abordagem que elaboramos nossa pesquisa. O desafio da sociedade é integrar essas diversas dimensões, para ter métricas que reflitam exatamente a integração delas. Nossa pesquisa efetuou a medição em cinco economias da quantidade de matéria consumida pela economia, na suposição de que essa matéria consumida não some; e tem problemas tanto porque esgota recursos quanto porque transformada em lixo, é colocada na biosfera e não consegue ser absorvida. Tivemos como base metodológica a ideia do metabolismo socioeconômico, par tindo do pressuposto que a sociedade desenvolve com seu entorno cer to metabolismo como os organismos biológicos.
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As principais constatações são: 1. A economia brasileira tende a ser alta consumidora de matéria. O consumo de matéria da economia brasileira cresce a uma dimensão insustentável, porque cresce em proporções muito mais amplas do que o crescimento da economia, do Produto Interno Bruto e o crescimento da própria população. O PIB de todas as economias analisadas (Brasil, EUA, Alemanha, Japão e Holanda) cresce com a DMT, mas o PIB das economias industrializadas cresce as taxas muito maiores do que a taxas de crescimento de suas DMT. Ver Gráfico abaixo:
2. A matéria não reconhecida, a chamada “mochila ecológica”, que é o que se perde na produção de uma mercadoria, exemplo: para cada tonelada de cobre que se transforma em commodities, 240 toneladas ficam como dejetos no ambiente. 3. Em 1975 tínhamos aproximadamente 1 bilhão de toneladas de perda de solo de erosão, por exemplo, para cada hectare de soja plantada, você perde 20 toneladas de solo.
Anualmente, as economias estudadas retiram do Ambiente, 33 bilhões de toneladas de matéria. Se considerarmos a média per capita do estudo e a extrapolarmos para a população mundial chegaríamos à conclusão de que as sociedades humanas, em conjunto, retiram do planeta, anualmente, 306 bilhões de toneladas de matéria. Se tomarmos por base o maior consumo per capita do estudo - o dos EUA - seriam 444 bilhões de toneladas; e se considerarmos o menor - o do Brasil - ainda teríamos a astronômica cifra
de 129 bilhões de toneladas anuais. Tratase, portanto, de um enorme esgotamento de recursos não renováveis do planeta os quais após o uso se transforma em lixo, em fonte de entropia, que cria problema para o planeta em termos gerais. O mais grave desses resultados é que, do total da matéria demandada pelas economias estudadas, 23 bilhões de toneladas são da classe não renováveis. Se for feita a mesma extrapolação anterior, concluiremos que as sociedades em conjunto retiram do
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planeta 216 bilhões de toneladas de matéria não renovável. Se tomarmos por base a maior demanda per capita de matéria não renovável - a dos EUA (53,57 tons) - seriam 321 bilhões toneladas; e se considerarmos a menor - a do Brasil (5,74 tons) - seriam 35 bilhões de toneladas (só em relação aos estudados são 23 bilhões). Isso acontece porque é da natureza do sistema econômico. Está implícito na sua lógica de funcionamento, portanto impróprio supor que o sistema se autocorrija. Como o mercado é deixado ao sabor de suas dinâmicas próprias, a tendência é a exacerbação dos padrões encontrados na pesquisa. O trabalho também revelou que a economia do Brasil, caminha, a passos largos, para assumir o mesmo perfil dos países industrializados, isto é: perdulário no uso, gigantesco no desperdício e intenso na utilização de matéria não renovável. Com o agravante que a crescente voracidade dos seus recursos naturais não conseguiu trazer benefícios palpáveis para sua população. Os resultados também mostraram que as crises econômicas sempre foram compensadas por um aumento considerável da voracidade e do desperdício dos seus recursos naturais.
Desenvolvimento sustentável é estratégico para o futuro da civilização O que é cer to é que nós estamos em transição. Há um limite da capacidade de supor te do planeta. O desenvolvimento sustentável não é modismo; é um tema que veio para ficar, porque ele é o vetor que vai reorganizar o nosso novo processo civilizatório. O rumo dependerá da nossa competência e sabedoria para tratar dessas questões todas. Esse processo de debate empreendido pela CUT é uma demonstração inequívoca do seu papel de vanguarda no cenário. Essa é uma reflexão estratégica. E o grande desafio é compreender que o que acontece no meio laboral é reflexo de um modelo de mundo, um modelo de sociedade que inclui todos esses vetores anteriormente citados.”
Na Amazônia, os principais desafios estão na dificuldade de medição; na pouca vontade regional organizada; na pouca valorização do que já existe, com agências federais sem convergência, na lógica da proibição e focando só o ambiente, ofuscando o econômico e o social. A impor tância desse diagnóstico se dá por termos de clareza do problema e de sua magnitude; primeiro passo para sua solução. Há uma transição de processo civilizatório, e cer tamente no final teremos um outro modelo de relação com o ambiente, com as riquezas geradas, com o tipo de consumo, com as relações interpessoais, com as relações entre os países. Agora, estamos em transição, em busca de qual é esse modelo adequado. 74
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O Desenvolvimento e a Plataforma da CUT – Estratégia e impactos na ação sindical Para Artur Henrique, presidente da CUT e coordenador do GT Desenvolvimento, não há modelo pronto. É preciso uma agenda e uma estratégia capaz de ampliar a mobilização para implementar a Plataforma da CUT.
“Com a contribuição do conjunto de companheiros e companheiras de todas as regiões do país e o apoio de renomados intelectuais e lideranças dos movimentos sociais, temos consolidado a Plataforma da CUT, que reafirma o papel do Estado no desenvolvimento nacional e a importância do aprofundamento da democracia.
Precisamos estar, cada vez mais, preparados para enfrentar a disputa política e ideológica permanente na sociedade. A Jornada pelo Desenvolvimento com Distribuição de Renda e Valorização do Trabalho é uma iniciativa que tem contribuído para a construção coletiva inovadora no interior da CUT. Por outro lado, tem sido importante
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para consolidar laços com setores acadêmicos comprometidos com as lutas da classe trabalhadora. Não há modelo pronto. Nossa construção coletiva tem garantido a participação efetiva dos ramos da CUT, apresentando suas elaborações e ampliando os horizontes de nossas propostas. Conseguimos iniciar uma forma de construção de propostas que provoca a integração de temas ainda fragmentados pela prática setorializada e, às vezes, corporativa. Em nossos debates, integramos as elaborações produzidas nas secretarias e nos ramos da CUT. Pudemos perceber que o tema saúde possui questões que vão desde os trabalhadores na indústria química até a concepção de Estado como provedor da seguridade social. Percebemos que a questão da reforma urbana interessa ao conjunto da classe trabalhadora, de todos os ramos de atividades e todas as regiões. Porém, o efeito mais relevante da recente experiência da Jornada pelo Desenvolvimento foi a política acertada de construirmos Plataformas para as eleições – o que ocorreu tanto em 2008 quanto em 2010. O envolvimento das Estaduais da CUT na mobilização em busca de comprometer candidaturas com nossa Plataforma demonstrou a consolidação de mais um instrumento de disputa política do movimento sindical CUTista. Cobrar compromissos de candidaturas com nossa agenda é um profundo exercício de autonomia e ofensividade. Temos a grande tarefa de manter aceso esse instrumento. Ele possui potencialidades enormes de aprofundar metodologias de construção coletiva no interior da CUT e de consolidar relações com a intelectualidade de esquerda e com a vanguarda dos movimentos sociais. Assumimos o desafio urgente de pensar uma agenda de ampliação de direitos para os próximos dez anos. Sem sombra de dúvida, 76
temos dois temas que estarão no centro dessa agenda: 1) A valorização do trabalho, através da geração de mais e melhores empregos, na ótica do trabalho decente, criando uma nova dinâmica de ampliação de direitos do trabalho. 2) O aprofundamento da dimensão política democrática desse projeto. À inclusão econômica e social – base social fundamental junto com o fortalecimento da classe trabalhadora – devemos agregar a “inclusão” democrática. A luta por um processo amplo e participativo de reformas democráticas na sociedade e no Estado – na supremacia da sociedade sobre os mercados, nos direitos do trabalho, na eliminação da pobreza, na rápida redução da desigualdade social, na emancipação das mulheres e dos jovens e na conquista da igualdade racial, na relação com o meio ambiente, na democratização da comunicação, na reforma política e na democracia participativa – tem novas e melhores condições e forças para avançar. Uma estratégia de desenvolvimento que tenha como centro o trabalho não pode prescindir de uma política econômica ousada. Articulada ao fortalecimento das demais políticas públicas, ela deve orientar o país para alcançar elevadas taxas de crescimento com sustentabilidade ambiental, redução da pobreza, da desigualdade de renda, das disparidades regionais e o fortalecimento do sistema de proteção social. Tal estratégia somente será possível se conseguirmos ampliar o papel redistributivo do Estado. Ademais, em nossa concepção de desenvolvimento, a educação deve ser levada ao centro dos interesses da ação pública desse Estado renovado. A CUT teve ação determinante durante o Governo Lula, por meio de mobilizações e pressão. Foi criada uma nova dinâmica macroeconômica e novo reposicionamento público do Estado. A defesa de um projeto de
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desenvolvimento sustentável com distribuição de renda e valorização do trabalho ganhou potência e foi ao centro da experiência de governo nesses últimos oito anos. A grande vitória de 2010 marca a consolidação desse novo período. A eleição presidencial liderada pelo PT amplia os laços com os/as trabalhadores/as e setores populares, com os partidos de esquerda e com uma militância social que se engajou na luta para derrotar a direita e eleger Dilma. Nossa vitória tem, portanto, um caráter democrático, popular e de esquerda. Os impactos da construção da Plataforma podem ser sentidos no maior envolvimento dos dirigentes com as temáticas e na visibilidade que as propostas alcançaram na sociedade e na base. Por isso, a reunião da Direção Nacional da CUT, realizada no início de dezembro de 2010, aprovou algumas tarefas estratégicas, que organizam a ação sindical em 2011: Um novo tempo de potencialidades. Estamos em um período político mais favorável à esquerda. Isso implica em novos desafios e tarefas. Fomos capazes até agora de enfrentar o neoliberalismo, de caminhar para um novo modelo de desenvolvimento, de integrar amplas massas ao conceito de nação e de iniciar mudanças importantes no cenário internacional em oposição ao imperialismo. Nossa estratégia para 2011 é seguir mudando o Brasil para viver com qualidade e dignidade. É por isso que a Jornada pelo Desenvolvimento continuará organizando os rumos da nossa disputa na sociedade. Será através da combinação da mobilização e negociação das propostas contidas na Plataforma da CUT que lograremos êxito. Será necessário transformar as diretrizes da Plataforma da CUT em bandeiras de luta, ações concretas e políticas públicas. Faremos um enorme esforço para consolidação da aliança com os movimentos sociais, aprofundando o binômio reflexão–mobilização.
A agenda do trabalho decente como dimensão prioritária da Plataforma. Pela sua concepção ampla, o Trabalho Decente busca abarcar todas as dimensões do trabalho e tem por objetivo o combate à precarização e à deterioração dos instrumentos de proteção e inclusão social. É um conceito ainda em disputa e precisa ser reafirmado constantemente, em especial no que se refere à ampliação de direitos. Por isso, se articula com as ações que a CUT já vem desenvolvendo ao longo de sua trajetória, em defesa da garantia e ampliação de direitos para a classe trabalhadora, emprego digno e de qualidade, igualdade de oportunidades e de tratamento e plena liberdade de organização e associação e reforça os objetivos que o sustentam. A Agenda Nacional de Trabalho Decente construída e lançada em maio de 2006, com base em diversos planos governamentais, terá seu desfecho com a realização da I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente (inicia-se com conferências municipais e estaduais a partir de março de 2011 e culmina com a etapa nacional em maio de 2012). O papel da CUT – Estaduais e Ramos na construção das Conferências deve ser prioridade para ação em 2011, participando da coordenação, discutindo regimento, definindo diretrizes, público etc. Esta será a primeira Conferência do Mundo do Trabalho, espaço em que devem ocorrer as disputas por mudanças que democratizem as relações de trabalho no País. Devemos realizar amplo investimento em formação e comunicação sindical para reforçar nossa mobilização e intervenção em todas as etapas da Conferência. As estaduais e ramos da CUT deverão realizar plenárias com o intuito de organizar a mobilização local. Ao mesmo tempo, devemos reafirmar o papel estratégico das alianças com os movimentos sociais, par ticularmente a par tir da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS).”
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Anexo 1 O documento a seguir foi aprovado pela CUT em 2007 e foi formulado em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho – CESIT – da Unicamp. Buscou mostrar os limites ao desenvolvimento brasileiro sob a ditadura dos mercados financeiros; destacar a importância de alcançar uma taxa de crescimento mais elevada; apresentar as questões diretamente relacionadas com o mercado de trabalho, a regulamentação das relações de trabalho e as políticas voltadas para a proteção dos trabalhadores no contexto de um novo projeto de desenvolvimento bem como as políticas sociais e o papel fundamental que elas devem exercer dentro dos objetivos propostos e, finalmente, considerações sobre o papel central do Estado como coordenador de um projeto de desenvolvimento nacional sustentável.
Desenvolvimento com Distribuição de Renda O Brasil é um país subdesenvolvido. A sua renda per capita equivale a 20% da norteamericana, 30% da japonesa, 40% da coreana, 60% da chilena e 70% da argentina. Além de subdesenvolvido, o País nos últimos 25 anos não manteve a trajetória de crescimento do PIB que no passado vinha permitindo que o país reduzisse a diferença em relação à renda dos países desenvolvidos. Entre 1947 e 1980, o PIB do País cresceu num ritmo médio anual de 7,1%; entretanto, entre 1980 e 2005 cresceu em média somente 2,1%. Diante do crescimento demográfico de 1,4% ao ano, isso significou um aumento da renda per capita de apenas 0,7% ao ano. Neste ritmo, o País somente alcançaria a renda per capita atual do Chile, por exemplo, depois de 75 anos. Esses números revelam a gravidade da situação. O progresso material é vital para a melhoria generalizada das condições de vida da população. O crescimento continuado da produção e da renda é condição necessária para a estruturação do mundo do trabalho e ampliação do bem-estar social. Porém, 78
a experiência histórica mostra que o crescimento econômico só se traduz em desenvolvimento social quando há uma distribuição de renda mais igualitária. O mais grave, portanto, é que ao longo das últimas duas décadas do século passado e da década atual o aumento da renda per capita brasileira foi insignificante. No início dos anos 1990, a opção do País foi inserir-se na globalização priorizando o desenvolvimento do mercado financeiro, enquanto economias asiáticas conseguiram inserir-se na nova ordem mundial com estratégias voltadas para a dinâmica produtiva. Desde então, tomou forma um projeto que trouxe consigo uma agenda ampla de reformas e de mudanças da gestão da política econômica, para inserir a economia nacional na ordem global liberalizada: aber tura financeira, abertura comercial, adequação da política cambial, redução do papel do Estado na economia, reforma fiscal, privatizações e desregulamentações, entre outras, todas em conformidade com as diretrizes do Consenso de Washington.
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Tal agenda prometia retirar o País da instabilidade e da estagnação, criando condições para que o crescimento da economia fosse compatível com a estabilização monetária, pressuposto para o almejado desenvolvimento do sistema financeiro nacional (com prioridade para a valorização do capital financeiro privado, tanto de origem nacional como internacional). Na verdade, a promessa de retomada de um crescimento vigoroso a partir das reformas econômicas liberais não se concretizou. Sob conjunturas diferentes no plano doméstico e no plano externo, acabaram predominando políticas fiscais e monetárias austeras, contrárias ao avanço dos investimentos governamentais, o que restringiu o alcance das políticas públicas e o enfretamento dos enormes problemas sociais. O resultado mais geral, que perpassa distintos governos nesses anos de liberalismo triunfante, no Brasil, foi a relativa estagnação da renda per capita já citada. Evidentemente, isto não significa que os rendimentos individuais tiveram comportamentos similares, pois durante o período houve ganhadores (poucos) e perdedores (muitos). Nem houve congelamento da estrutura produtiva, pois não podem ser ignoradas as mudanças provocadas pela reestruturação econômica em vários segmentos de atividade, uma vez que muitas empresas buscaram ganhos de produtividade e de competitividade. Mas, o fato é que foram aplicados freios a um desenvolvimento econômico mais substantivo e socialmente equilibrado, o que provocou novos problemas no mercado de trabalho, prejudicou bastante o movimento sindical e repercutiu negativamente sobre as condições de vida de parcela expressiva da população. Políticas sociais para os mais pobres entre os pobres – Em virtude da natureza da inserção internacional e seus desdobramentos, o chamado “ajustamento estrutural da economia brasileira” que seria realizado de forma temporária no período de implementação das reformas estruturais e de modernização da gestão econômica, torna-se um processo permanente, na medida em que
as próprias políticas de ajustamento reforçam os desequilíbrios estruturais da economia. Um ajustamento macroeconômico que nunca se completa, que exige permanentes reformas e sacrifícios inócuos ao povo brasileiro, produzindo e reproduzindo um padrão de baixo crescimento, subordinando as políticas econômica e social à lógica dos mercados financeiros globalizados, impondo a “desindustrialização” ao País e a dilapidação do Estado. Longe da ditadura militar, mas sob a ditadura do mercado financeiro, a estagnação econômica aprofundou-se, com seus desdobramentos deletérios sobre a estrutura produtiva nacional e sobre a capacidade de atuação do Estado em prol do desenvolvimento. E, sob essas condições, a questão social, de forma geral, vem sendo progressivamente redimensionada ao atendimento precário aos mais pobres entre os pobres, adequando-se ao quadro de possibilidades oferecidas pela ordem econômica. Dependendo da política econômica que venha a ser adotada nos próximos anos, a economia brasileira poderá crescer num ritmo maior ou menor, avançar numa nova direção ou permanecer como está, ou ainda regredir para uma situação ainda mais frágil e dependente dos mercados globalizados. Assim como no passado, as decisões tomadas hoje irão repercutir no futuro, abrindo ou fechando possibilidades de superação do subdesenvolvimento. Economia é política – atuação efetiva do Estado e participação popular – Se houver consenso de que é preciso que o crescimento econômico atenda aos interesses de toda a sociedade e não apenas de alguns segmentos, é fundamental que seja discutido um projeto de desenvolvimento. Para que isto ocorra num ambiente democrático, é importante que a classe trabalhadora tenha voz ativa, provocando o debate e fazendo proposições. Se a Nação não for capaz de elaborar um novo projeto e reorientar a direção do crescimento econômico, corre-se o risco de, mais uma vez,
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ser priorizada uma modernização econômica restrita, sem o enfrentamento dos profundos problemas sociais que um desenvolvimento substantivo deveria propiciar. Deixar que a direção do crescimento seja definida pelo mercado, como se estas decisões fossem de natureza técnica (ou seja, “despolitizadas”), não só frustra os anseios de parcela ponderável da sociedade, como impede uma atuação mais efetiva do Estado na tarefa de redução das desigualdades sociais, seja desconcentrando a distribuição da renda, seja por intermédio de políticas sociais que promovam uma efetiva melhoria no bemestar social. Portanto, fortalecer o Estado e ampliar os espaços de participação social nas diversas instâncias decisórias é fundamental para que seja implementado um projeto legítimo de desenvolvimento para o País.
1. Os limites ao desenvolvimento brasileiro sob a hegemonia financeira A forma de combate à inflação nos anos 90 deixou como herança enormes dívidas (a externa e a pública interna), uma estrutura produtiva muito mais dependente das importações de produtos tecnologicamente sofisticados, o avanço da desnacionalização não somente da produção de bens, mas também no setor de serviços, no comércio, no sistema financeiro, e até nos serviços de utilidade pública. Além disso, deu um grande impulso ao desenvolvimento e à predominância do mercado financeiro nacional, que significou uma mudança radical nas formas de aplicação da riqueza dos brasileiros. Para tanto, as medidas visaram a aproveitar a grande liquidez financeira e a escassez de alternativas de aplicação de alta rentabilidade nos países desenvolvidos, condições do mercado financeiro internacional julgadas favoráveis para a consecução dos objetivos de estabilização monetária, de um lado, 80
e desenvolvimento e modernização do mercado financeiro nacional, de outro. A atração destes capitais internacionais foi promovida pela abertura financeira, facilitando as aplicações de recursos externos na Bolsa de Valores, em títulos públicos e privados de renda fixa. As privatizações, a abertura comercial, as concessões de serviços de utilidade pública, a permissão para entrada de capital estrangeiro nos serviços, bancos e comércio contribuíram para atrair recursos do exterior, por meio do fornecimento de alternativas altamente rentáveis de aplicações de recursos externos, que contribuíram para cobrir o elevado déficit em conta corrente criado pelas próprias caraterísticas desta nova forma de inserção na economia mundial. Crise asiática e elevação dos juros – A persistência dessa política, num novo contexto financeiro internacional mais adverso após a crise asiática (1997), diante da redução da entrada de capitais externos e da ameaça de fuga de capitais, resultou na elevação das taxas de juros, na explosão da dívida pública, em reduzidas taxas de crescimento do PIB, elevado desemprego e maior desnacionalização da economia brasileira. No quadro da crise cambial, os gestores da política econômica (ministérios da Fazenda e do Planejamento e órgãos subordinados) trataram de preservar os interesses do mercado financeiro – nacional e internacional – evitando a fuga de capitais e a volta da inflação. Para tanto, recorreuse ao FMI e foi definida uma estratégia de redução do dinheiro em circulação, na perspectiva de que as elevadas taxas de juros evitassem a fuga de capitais e freassem a aceleração do nível de atividade econômica. A fuga de capitais poderia dificultar o pagamento da dívida externa e o controle do câmbio, enquanto a elevação da atividade econômica, sempre na interpretação da equipe econômica, poderia comprometer o controle do câmbio e da inflação.
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Ainda que o resultado dessa política tenha sido a manutenção da inflação sob controle, seus principais objetivos foram garantir as condições de gestão da dívida pública interna e da dívida externa, de uma maneira que preservasse os interesses do mercado financeiro, daqueles poucos que detêm papéis da dívida e investem na ciranda especulativa. Com essa escolha, deixouse em segundo plano as alternativas que poderiam significar maior intervenção direta do poder público – controle de câmbio e de capitais, por exemplo – contra a fuga de capitais e outras formas de conter a inflação, mais compatíveis com o desenvolvimento produtivo e com a geração de emprego. Mais superávit, menos PIB e empregos – A manutenção dessa política de preservação dos interesses financeiros exigiu crescentes superávites fiscais primários para evitar o descontrole da dívida pública. Para obter superávit, a carga tributária foi ampliada substantivamente e foi reduzido o investimento público, medidas que tiveram impactos negativos para o ritmo de crescimento do PIB e do emprego. Ao mesmo tempo, combinadas com a elevadíssima taxa básica de juros, essas escolhas elevaram rapidamente as dívidas públicas internas e externas, enquanto operavam a desnacionalização da economia. Após mais de 10 anos... – A política de contenção da inflação e defesa do mercado financeiro foi mantida no novo quadro político brasileiro. Seus impactos, no entanto, foram amenizados em razão principalmente das novas condições do comércio e das finanças internacionais. A crescente e elevada liquidez internacional facilitou a combinação de uma política de valorização cambial, de redução da inflação e da redução da dívida externa. Porém, a manutenção da fórmula está em conformidade com os interesses financeiros e contra os interesses da produção doméstica. Embora nesse contexto mundial atual, favorável às exportações de commodities, a economia brasileira tenha apresentado crescimento do emprego formal, uma lenta
recuperação dos rendimentos do trabalho e inflação baixa, os principais resultados da política de preservação dos interesses do mercado financeiro foram: i) a redução da dívida externa – que tem garantido os interesses dos credores externos e a melhoria das avaliações do “Risco Brasil” ii) ii) a melhoria das expectativas em relação à solvência da dívida pública interna, ainda que o elevado custo de seu refinanciamento tenha sido mantido até o momento. Esses objetivos foram logrados em detrimento da obtenção de taxas mais elevadas de crescimento do PIB e do emprego, diferentemente do que tem ocorrido em muitos países em desenvolvimento, que têm aproveitado o cenário internacional bastante favorável para crescer a taxas acima de 7% ao ano. Essa política brasileira sacrificou, particularmente, o investimento público em infra-estrutura e os investimentos privados que são fundamentais para alterar o padrão de comércio do País (no sentido de ampliar a capacidade de exportar produtos com maior valor agregado e competir com importações de produtos tecnologicamente mais sofisticados). Esses investimentos são decisivos para o crescimento continuado da economia, para melhorar as estruturas produtiva e ocupacional, para elevar de forma significativa a renda per capita e, especialmente, para criar bases sólidas para a construção de uma efetiva política de inclusão social e distribuição de renda. A hegemonia dos interesses do mercado financeiro tem mantido o país em compasso de espera, freando todas as ações que não sejam as de preparação das condições para que o crescimento econômico possa ser compatível com a continuidade do desenvolvimento financeiro. Esta orientação tem bloqueado o crescimento da produção material do país, enquanto não se tenham ajustados os patrimônios e as dívidas, através do mercado financeiro.
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Ou seja, o compromisso aos contratos e à rolagem das dívidas têm prejudicado o aproveitamento das oportunidades proporcionadas pelo bom desempenho recente da economia mundial, em troca de uma promessa de crescimento futuro mais ajustado à ampliação do mercado financeiro, que com certeza facilitará as formas de enriquecimento por meio da propriedade de ativos financeiros, mas que não garantirão, em absoluto, uma ampliação econômica capaz de gerar um mercado de trabalho estruturado e o desenvolvimento de políticas sociais que ajudem a viabilizar uma vida decente e digna para todos os brasileiros.
2. A importância do crescimento econômico acelerado no Brasil Em um quadro complexo de múltiplas determinações, o lento crescimento da economia brasileira, característico dos tempos liberais no Brasil, consiste hoje na principal limitação para enfrentar as carências materiais e a grave questão social no País. Isso é particularmente visível na relativa regressão da estrutura produtiva, nas condições precárias do mercado de trabalho nacional ou, ainda, na colocação do Brasil na 86ª posição entre duzentos e oito países classificados pela renda per capita (dólar em paridade de poder de compra – PPC), em 2004, segundo dados do Banco Mundial. É visível também no lento crescimento da renda per capita nacional nas últimas décadas, assim como nos constrangimentos impostos pelo baixo crescimento à capacidade do Estado avançar nas políticas públicas em diversas áreas de interesse coletivo. A verdade é que o País experimenta uma situação preocupante: são enormes as carências econômicas e sociais e sua renda per capita, cabe repetir, é relativamente modesta para um projeto econômico e social 82
mais ambicioso e se encontra praticamente estagnada há vinte e cinco anos, apesar da redução do ritmo de crescimento da população. Os dados relativos ao ritmo de crescimento da renda per capita, medida em dólar (PPC), mostram que o Brasil deixou de figurar entre os países mais dinâmicos do mundo, como figurava nos período entre 1950 e 1980. O quadro abaixo mostra, no período entre 1980 e 2003, o quanto a velocidade de crescimento de nosso país, como representante de áreas semi-estagnadas, está distante dos países com renda per capita já muitas vezes superior à brasileira: Quadro Comparativo do Crescimento da Renda Per Capita/1980 - 2003 País
Crescimento Renda per capita
China
66
Coréia do Sul
39
Índia
22
Chile
100
Brasil
6
Fonte: Banco Mundial
Em relação aos países subdesenvolvidos, o movimento indica o mesmo sentido, todavia, com contornos particulares. De um lado, tem-se um conjunto de países que, apesar da renda per capita ainda menor, aproximaram-se rapidamente do Brasil no período. É o caso da China, cuja renda per capita, que em 1980 representava 11,1% da brasileira, passou a representar 69,0% em 2003. Assim também a Índia, cuja renda, em 1980, representava 19,9% da renda brasileira e passou para 41,5%, em 2003). De outro lado, está um conjunto de países que em 1980 tinham renda per capita inferior
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à brasileira e ultrapassaram o Brasil nessas duas décadas e meia. É o caso da Coréia do Sul, cuja renda per capita em 1980 era 66,4% da renda brasileira e que ao longo do período inver teu completamente a situação. Em 2003, a renda per capita brasileira medida em Dólar PPC pouco superior aos US$ 7.200,00 representava apenas 40,9% da renda sul-coreana (US$ 17.597,00). Em outros patamares, também o Chile se enquadra nessa situação, já que tinha, em 1980, renda per capita praticamente igual à brasileira e passou, em 2003, a apresentar renda 1,7 vezes superior (US$ 12.141,0) à do Brasil. Por fim, cabe a comparação com a África do Sul, que, mesmo sem um desempenho brilhante (longe disso), aumentou sua distância em relação ao Brasil, no que diz respeito à renda. A renda per capita brasileira, que representava 89,4% da renda sul-africana em 1980, passou, em 2003, a representar 81,5%.) Baixo crescimento tolhe políticas públicas – Não se deve ter dúvida que a dinâmica do crescimento econômico condiciona as possibilidades de modernização da economia, da promoção do bem-estar social, da melhor estruturação do mercado de trabalho, do avanço das políticas públicas e do gasto público e da desconcentração da renda. Um exemplo claro e concreto das relações entre desenvolvimento econômico e possibilidades para a promoção do bemestar social está na área da saúde. Dados do Banco Mundial indicam que, a despeito de algumas similaridades das despesas em saúde como porcentagem do PIB, entre países desenvolvidos e aqueles com renda média ou baixa no volume, comparações entre despesas per capita em saúde nesses países revelam diferenças gritantes. A comparação de três países com níveis de renda muito distintos, Japão, Brasil e Uganda ilustra tais diferenças.
O quadro a seguir mostra claramente como, apesar de os países da amostra gastarem, em 2002, praticamente o mesmo percentual do PIB em saúde (7,9%), a diferença em termos de investimentos per capita é brutal, especialmente na comparação com o Japão. Quadro Comparativo das Despesas Per Capita em Saúde/2002 Despesa per capita Saúde
% em relação ao Japão
Japão
US$ 2.476,00
-
Brasil
US$
206,00
8,3
Uganda
US$
18,00
0,7
País
Fonte: Banco Mundial
No entanto, observando-se o gasto per capita, constata-se que o gasto japonês (US$ 2.476,00) é 12 vezes superior ao brasileiro (US$ 206,00) e mais de 137 vezes superior ao de Uganda (US$ 18,00). Nesse caso, é evidente que, apesar da equivalência de seus respectivos esforços em termos da riqueza material disponível – gasto em porcentagem do PIB - as possibilidades de atenção à saúde são absolutamente distintas. No mesmo sentido, vale também observar que, embora a Coréia do Sul gaste 5% do PIB em saúde, menos, por tanto, do que o Brasil, seu gasto per capita é quase três vezes superior ao brasileiro (US$ 577,00). Evidentemente, o baixo gasto per capita do Brasil (US$ 206,00 em 2002), traz constrangimentos variados para a atenção à saúde. Segundo o Banco Mundial, enquanto em 2004 os países de alta renda tinham, em média, 3,8 médicos para cada 1000 pessoas, o Brasil tinha 2,1; em 2002, a média de leitos hospitalares para cada 1000 pessoas na Europa (UE) chegava a 8,0 e, na Coréia do Sul, a 6,1, e no Brasil, era de apenas 3,1. Como se não bastasse o gasto per capita baixo, a participação do gasto público em saúde, como parcela do gasto total (45,9%), é substantivamente inferior aos países de alta renda, salvo os Estado Unidos. Esse fato é importante, tendo em vista que grande parte da população brasileira
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depende do sistema público de saúde, e que, por tanto, a disponibilidade de recursos per capita para ela é significativamente inferior aos dados globais. Então, o que se apresenta é a impossibilidade de aumento expressivo do gasto per capita em saúde, sem contar com os efeitos dinâmicos do crescimento econômico. O mesmo ocorre em relação à educação, outro exemplo concreto sobre o assunto. Observa-se que o padrão de gasto per capita em educação nos países desenvolvidos, que chegava próximo aos US$ 1.300,00, em média, em 2001, correspondia a 10 vezes o valor apurado em países como o Brasil, o que mostra o abismo que separa um país de renda média semi-estagnada dos países com melhores estruturas educacionais. Constata-se, ainda, que países com gastos em educação similares, quando representados em porcentagem do PIB, apresentam enormes diferenças quando considerado o gasto per capita. Ao final dos anos 90 e no início dos anos 2000, Brasil e Coréia do Sul gastavam respectivamente 4,3% e 4,2% do PIB em educação. Todavia, o gasto per capita coreano era mais do que o triplo do brasileiro.Também considerando que o custo do atendimento privado é maior em relação àquele oferecido pela rede pública, o gasto per capita para os brasileiros que dependem do ensino público é seguramente inferior ao gasto per capita total. Então, novamente, o que se apresenta é a impossibilidade de aumento expressivo do gasto per capita em educação, sem se contar com os efeitos dinâmicos do crescimento econômico. Os dados apresentados mostram claramente como é falsa a tese liberalconservadora de que o Brasil já gasta muito (e mal) na área social. A estagnação e a conseqüente falta de recursos afetam não só a saúde e a educação, mas também saneamento, transporte público de
qualidade, infra-estrutura econômica e social, previdência e assistência social, segurança pública, políticas de reforma agrária e de proteção ao meio-ambiente, entre outras.
3. Desenvolvimento e trabalho Atualmente, o mercado de trabalho brasileiro apresenta quatro problemas centrais: i) a incapacidade de absorver a força de trabalho disponível, expressa no elevado desemprego e na alta informalidade ii) a imensa quantidade de postos de trabalho precários e de baixos salários; iii) a liberdade dos empregadores em determinar as formas de contratação e as condições de uso e remuneração do trabalho, que se ampliou no período recente com o processo de flexibilização das relações de trabalho; iv) a pequena participação da renda do trabalho na renda total (concentração funcional da renda) e a enorme desigualdade na distribuição da renda do trabalho (abertura do leque salarial). O retrato dessa realidade é que apenas 1 em cada 3 indivíduos economicamente ativos tem emprego formalizado (celetista ou estatutário). Dos dois terços restantes, a maior parte está desempregada (8,9 milhões em situação de desemprego aber to, 4,0 milhões ocupados no autoconsumo ou na construção para o próprio uso) ou precariamente ocupada (18,8 milhões de trabalhadores por conta própria, 15,4 milhões de assalariados sem carteira, 6,6 milhões de empregados domésticos, 5,9 milhões de trabalhadores sem remuneração)1. Mesmo entre os empregados formais parcela significativa não tem emprego regular e é mal remunerada.
Dados da PNAD de 2005.
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A melhoria observada na estrutura ocupacional com o crescimento do emprego formal, desde 1999, foi insuficiente para alterar o quadro de desestruturação do mercado de trabalho nacional. Esse fato reafirma a necessidade de medidas que recoloquem a economia brasileira numa trajetória de crescimento sustentado em níveis adequados para a geração de empregos e renda necessários à incorporação de todos que desejem uma ocupação remunerada em condições de dignidade. O enfrentamento desses problemas não pode ser feito por medidas paliativas, ainda que importantes, que atuam somente sobre o mercado de trabalho existente. Podemos citar como exemplo a fiscalização. É preciso mais. É preciso rever o modelo de desenvolvimento, hoje entregue às forças de mercado sob dominância financeira que impede o pleno desenvolvimento das forças produtivas. O novo modelo deve ser capaz de redirecionar a economia para o crescimento de modo a possibilitar o aumento da produtividade ao mesmo tempo em que incorpore parcela crescente da população ativa, redistribuindo melhor o tempo de trabalho, isto é, reduzindo a intensidade do trabalho e ampliando a participação da força de trabalho na produção. Sistema público de emprego, ampliação dos serviços públicos e investimento em pesquisa – Nesse sentido, um projeto de desenvolvimento deve contemplar a constituição de uma estrutura produtiva complexa, produtora de bens e serviços de alto valor agregado com geração de postos de trabalho de qualidade. Essa melhor qualidade do emprego está
também diretamente ligada à capacidade da regulação pública do trabalho que garanta um padrão de proteção social adequado e os direitos dos trabalhadores. A conjunção desses fatores é que permitirá a reversão da desigual distribuição da renda e redução da pobreza. Desenvolvimento com distribuição de renda e melhoria do bem-estar geral da população envolve a ampliação dos serviços públicos de uso coletivo tais como: saúde, educação, transpor te de massa, saneamento e outras políticas urbanas e rurais. Estas, além de garantir o acesso a serviços fundamentais, sobretudo para a população de baixa renda, gera intensa demanda de trabalho. Para que todos os trabalhadores tenham um padrão de vida razoável, essa ampliação dos serviços precisa ser acompanhada de um intenso crescimento da produção de bens e da produtividade na sua elaboração. Parte desses bens pode ser importada ou depender de importação, o que exige a capacidade de o país ter condições de manter um nível de exportação capaz de sustentar as importações necessárias. Esse desenvolvimento produtivo requer investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico que são fundamentais para atualizar o aparelho produtivo nacional, capacitando-o a acompanhar os avanços dos países que estão na fronteira do progresso técnico. O novo modelo de desenvolvimento deve assentar-se sobre a produção de bens e serviços de maior valor agregado e alto conteúdo tecnológico, sem deixar de explorar as oportunidades nas atividades ligadas ao agronegócio que, no entanto, não devem ter a proeminência que tiveram no passado2.
2 O País dispõe de uma ampla dotação de recursos naturais. A exploração desses recursos permite uma razoável base de exportação. Entretanto, o crescimento necessário para incorporação no mercado de trabalho da população brasileira exigirá uma diversificação da estrutura produtiva, que inclusive permita melhorar o padrão de comércio, ampliando o grau de transformações das exportações e reduzindo a dependência da importação de produtos mais sofisticados tecnologicamente e que tem alto valor agregado e elevada elasticidade renda da demanda.
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Tal diretriz tende a elevar o nível da distribuição da renda do trabalho em dois sentidos: dos preços e da composição das ocupações. Em relação aos preços, o desenvolvimento – e conseqüente aumento da oferta de produtos e serviços deve permitir uma evolução favorável em comparação com a renda dos trabalhadores. Quanto à composição das ocupações, o desenvolvimento deve permitir deslocamentos de trabalhadores com ocupações de baixo rendimento e produtividade para outras patamares mais elevados. Portanto, um projeto contemporâneo de desenvolvimento deve combinar crescimento econômico com diversificação da estrutura produtiva para possibilitar tanto a elevação sustentada da produção nacional como a geração de postos de trabalho de maior qualidade, rendimento e produtividade. A natureza do desenvolvimento deve contemplar além da quantidade e qualidade de postos de trabalho gerados, a regulação pública do trabalho e políticas de mercado de trabalho que garantam as condições para a valorização do trabalho na sociedade. Nesse sentido, o patamar de direitos e de proteção social está relacionado tanto à capacidade de organização dos trabalhadores como às condições objetivas possibilitadas pela estrutura econômica e política presente na sociedade. Portanto, a luta pela ampliação da proteção e da incorporação das pessoas em ocupações decentes necessita combinar, no caso brasileiro, a defesa dos direitos com uma política de estruturação do mercado de trabalho, que passa necessariamente pelo incremento do desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Com baixo crescimento, empresas querem lucro retirando direitos – Atualmente, diversos meios de comunicação, setores empresariais e conservadores estão buscando recolocar a necessidade de uma reforma trabalhista, 86
como parte de uma agenda que busca aprofundar a lógica liberalizante na condução da economia e na regulação do mercado de trabalho. O aumento da pressão está relacionado ao atual cenário de câmbio valorizado, de baixo crescimento, de abertura econômica e de um pequeno aprimoramento da máquina arrecadatória do Estado e, conseqüentemente, no sistema de fiscalização. As empresas buscam reduzir custos atacando os direitos trabalhistas e sociais. O desafio é defender os direitos sociais vigentes, buscando garantir a sua generalização para o conjunto dos assalariados e, ao mesmo tempo, combater todas as formas de desregulamentação e de flexibilização. Pois, os direitos vigentes são um patamar básico construído historicamente, que procuram garantir formalmente um grau mínimo de civilidade à relação de emprego. Essa questão é importante, dada a assimetria da relação existente entre capital e trabalho e as características particulares do mercado de trabalho brasileiro, marcado pela for te heterogeneidade geográfica e setorial, excedente estrutural de força de trabalho e pela flexibilidade histórica nos elementos centrais da relação de emprego. Portanto, o desafio é duplo: 1) enfrentar o debate conservador na sociedade na perspectiva de garantir uma regulação de trabalho de maior proteção contra a insegurança que os trabalhadores estão submetidos e 2) fazer com que haja efetividade das leis e normas vigentes, o que implica também em fortalecer o papel das instituições que atuam na área do trabalho, tais como: Sistema de fiscalização, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho e, principalmente, os Sindicatos. Movimento sindical combativo precisa se fortalecer – Do ponto de vista dos chamados direitos coletivos, temos
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que reconhecer também a necessidade de uma reforma para enfrentar a alta pulverização de entidades sindicais, a existência de muitas entidades com pouca representatividade, o processo de acomodação e burocratização de muitas lideranças, a ausência de organização sindical nos locais de trabalho, a ainda pequena expressão da negociação coletiva, o papel limitado das centrais sindicais e a inexistência de mecanismos de inibição da dispensa imotivada, como a Convenção 158 da OIT. Esses problemas são agravados pelo contexto de baixo dinamismo econômico e de desestruturação do mercado de trabalho. Enfim, o sistema de relações de trabalho tem relação direta com o padrão de desenvolvimento do país, com o tipo de sociedade que se pretende construir no país. Para incluir mais trabalhadores na formalidade, combatendo a flexibilização e a precariedade vigentes, e ampliar a regulação pública do trabalho em favor de uma estruturação menos desigual, a luta pelo crescimento econômico é indispensável. É impor tante ressaltar que o crescimento econômico sustentado que defendemos e necessitamos, acompanhado por uma atividade sindical que fortaleça a negociação coletiva, deverá ser complementado com políticas públicas de mercado de trabalho. Essas políticas, organizadas e articuladas em um Sistema Público de Emprego, têm papel destacado para que o crescimento econômico seja efetivo na redução das desigualdades presentes no mercado de trabalho. Isenções e facilidade de crédito devem beneficiar trabalhadores – Considerando que uma enorme parcela dos trabalhadores sujeitos à condição de trabalho e de remuneração ainda mais precárias encontram-se ocupados em pequenos negócios, é necessário que o conjunto de políticas destinadas a este segmento (Simples, Super Simples, microcrédito, isenções fiscais) beneficiem a estruturação
do segmento como um todo, contribuindo para melhorar as condições e as relações de trabalho e a permanência dos segmentos produtivos eficientes, não sendo justificadas medidas que visam à diferenciar e rebaixar o patamar mínimo de direitos trabalhistas, sociais e previdenciários dos trabalhadores dos pequenos negócios.
4. Desenvolvimento e políticas sociais A Constituição Federal de 1988 consagrou princípios e diretrizes que apontavam no sentido da construção das bases do Estado de bem-estar social no País. Educação, saúde, moradia, previdência e assistência social passaram a ser vistas como campos de direitos sociais inerentes à cidadania plena. Da mesma forma, foram obtidos avanços nos direitos trabalhistas e sindicais, na definição das áreas que integram a seguridade social (saúde, previdência, assistência social e seguro-desemprego) e nos seus mecanismos de financiamento sustentável (Orçamento da Seguridade Social). O princípio da seguridade social deveria garantir um acesso de caráter universal, independente da capacidade de contribuição individual. Na mesma perspectiva, destacam-se a consagração formal do Sistema Único da Saúde (SUS); a reformulação da política de assistência social, regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS); a reorganização da política educacional e os seus mecanismos de financiamento, assegurando fontes de recursos vinculadas e estáveis. A importância da luta social pelo desenvolvimento – Posteriormente, a partir de 1990 – na contramão do receituário neoliberal, que criara um ambiente hostil às políticas públicas –, o esforço dos movimentos sociais foi capaz de implantar grande parte dos direitos sociais consagrados na Constituição. A regulamentação da legislação
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infraconstitucional e um conjunto de normas e dispositivos complementares possibilitou colocar em prática a maioria das conquistas. Entretanto, se a sociedade brasileira teve êxito na restauração do Estado Democrático de Direito e na construção de um melhor sistema de proteção social, o mesmo não se verificou no tocante ao desenho de uma estratégia macroeconômica direcionada para o desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Em razão do modelo de estabilização monetária adotado, que sacrificou a capacidade de ampliação do gasto público, faltaram as bases financeiras que dariam sustentação para a cidadania recém conquistada, cerne da ordem democrática. Num contexto de estagnação da renda per capita e agravamento da crise social, esse quadro tem apresentado crescentes limites para a manutenção das conquistas populares no campo da proteção social. É possível que a manutenção desse quadro por um período mais longo coloque em risco a própria sustentação da ordem democrática. As conquistas dos movimentos sindical e social já citadas devem servir de exemplo de como a luta popular deve buscar a superação dessa etapa complementar rumo à cidadania, que vem a ser a mudança da política macroeconômica. Essa é uma bandeira essencialmente sindical.
Agravamento da crise social e limites da proteção social A crise do desenvolvimento econômico refletiu-se diretamente sobre a questão social no Brasil. O desempenho econômico medíocre nos anos 1980 gerou uma profunda crise social. Os rendimentos do trabalho declinaram, a concentração da renda pessoal permaneceu entre as mais elevadas do mundo. A concentração funcional da renda aumentou. A mobilidade social ascendente foi interrompida. E, nos anos 1990, muitos problemas estruturais parecem ter se agravado. O desemprego aberto e o trabalho 88
precário atingiram patamares inéditos. Os baixos salários, a desigualdade entre os rendimentos do trabalho e a elevada rotatividade continuaram distorcendo a estrutura ocupacional. A insegurança aumentou e a classe média empobreceu. E os jovens passaram a encontrar maiores dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Esse quadro, que combina desempenho econômico medíocre e desorganização do mercado de trabalho, foi o pano de fundo para a crise social brasileira que vem sendo agravada ainda mais a par tir dos anos 90. Além do desemprego e da desigualdade de oportunidades, a falta de moradias, os conflitos no campo, a prostituição infantil e a questão do crime organizado são sintomas muito evidentes da crise social contemporânea. Em paralelo ao agravamento da crise social ocorreu um aumento da dívida pública, que posteriormente levou a uma contenção da expansão do gasto corrente do Governo. A lei de responsabilidade fiscal e a exigência de superávit primário afetaram negativamente as políticas sociais, sobretudo pelo dramático estreitamento das possibilidades de financiamento do gasto social. Empregos, fonte de financiamento – Note-se que as fontes de financiamento da política social brasileira dependem, por um lado, das contribuições sociais que incidem sobre a massa de salários do mercado formal urbano (INSS, FGTS, salário-educação, PIS-Pasep, Incra, seguro acidente do trabalho etc.). Assim, o baixo crescimento do emprego urbano (e da massa salarial) debilitou as receitas da seguridade social. Por outro lado, dependem das contribuições sobre o faturamento (PISPasep, Cofins) sobre as movimentações financeiras (CPMF) e sobre os lucros das empresas (CSLL). Nesse caso, com o baixo crescimento e com as Desvinculações das Receitas da União (DRU), não somente as receitas cresceram num ritmo moderado, mas principalmente, foram destinadas em grande medida ao superávit primário. Essas
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são algumas das principais razões do alegado “déficit” da previdência social, sempre esquecida pelos porta-vozes da ortodoxia fiscal, focados no comportamento das despesas. O estreitamento das bases de financiamento da política social brasileira também é decorrente da manutenção de taxas de juros elevadas e seus efeitos sobre o endividamento público interno: entre 1994 e 2002, a relação dívida líquida /PIB passou de 30% para 60%. Ou seja, dobrou em oito anos, sobretudo pelo impacto das taxas de juros sobre o estoque da dívida. Embora descendente entre 2003 e 2006 (quando essa relação caiu para 47% do PIB), o estoque da dívida continua a crescer por conta dos juros elevados. Observe-se que, entre 2003 e 2006, esse estoque passou de cerca de R$ 700 bilhões para R$ 1,1 trilhão. A adoção dessas medidas limitou ainda mais o financiamento dos gastos sociais. A continuidade por mais alguns anos desse cenário colocará limites à própria sustentação das conquistas sociais na área da proteção social. Em síntese, pode-se dizer que há incompatibilidade entre, de um lado, a estratégia de preservação dos interesses do mercado financeiro e de reforma do Estado e, de outro, as possibilidades efetivas de desenvolvimento com inclusão social.
Paradigmas para o enfrentamento da questão social Atualmente, existem duas visões acerca do enfrentamento da questão social no Brasil. De um lado, a visão conservadora e neoliberal, defendida pelos porta-vozes da or todoxia fiscal. Para “erradicar a pobreza” defendem uma única estratégia: programas focalizados de transferência de renda. Elegem um único público alvo: as famílias que estão abaixo da “linha de pobreza” (R$ 160 per capita). Essa seria a linha divisória que separa os “pobres” dos “ricos”. Assim, toda política ou ação social que beneficie,
por exemplo, uma família com renda per capita de R$ 200, não é recomendada por não estar focalizada. Observe-se que o seguro-desemprego e a Previdência Social estariam nessa categoria. Desconsideram a importância do crescimento econômico e dos seus impactos sobre o emprego e a renda. Também se omitem em relação à taxa de juros e seus impactos sobre as despesas financeiras. Argumentam que o gasto social brasileiro em políticas universais seria “elevado” ante a experiência internacional. Além disso, seus benefícios seriam apropriados pelos “privilegiados” (quem ganha acima de R$ 160). Na visão desses por ta-vozes do liberalismo, não faltam recursos. O gasto social seria elevado e mal aplicado. A solução seria simples: desmontar as políticas sociais universais e transferir os recursos para os programas focalizados. Busca-se, em última instância, o ajuste fiscal pela subtração de gastos sociais. Argumentam que a sociedade brasileira terá de decidir por um “novo pacto social” diferente daquele “anacrônico” consagrado pela Constituição de 1988 e, mais recentemente, pelas urnas, nas eleições de 2006. De outro lado, a visão desenvolvimentista, que considera que uma estratégia de enfrentamento da questão social no Brasil depende de um amplo projeto nacional e desenvolvimentista liderado pelo Estado. Essa estratégia deve contemplar os seguintes eixos: a) o crescimento econômico deve ser seu principal sustentáculo. Embora insuficiente, trata-se de condição necessária, por seus efeitos sobre o emprego, renda e receitas fiscais; b) também é preciso considerar que há deficiências estruturais nas áreas consagradas nos paradigmas clássicos do Estado do Bem-Estar: saúde pública, educação, previdência, assistência social e seguro-desemprego. A superação desses problemas requer a intervenção do Estado, por meio de políticas de natureza universal;
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c) a questão social no Brasil também inclui deficiências na infra-estrutura urbana (habitação popular, saneamento básico e transpor te público). Seu enfrentamento combina geração de empregos e justiça social; d) permanece ainda vivo o problema da Reforma Agrária. Esse tema deixou de ser uma questão relevante nos países centrais. No Brasil, ao contrário, houve vários ensaios abor tados e o tema permanece exigindo uma resposta eficaz; e) Finalmente, não pode prescindir de programas emergenciais focados naqueles que estão à margem do trabalho e submetidos à miséria extrema, como o Programa Bolsa Família. O equívoco é pretender fazer desse eixo a própria “estratégia” de enfrentamento do problema social.
Considerações finais Em países periféricos, a forte presença do Estado sempre foi decisiva na promoção do desenvolvimento. À capacidade do governo em promover uma política econômica adequada ao crescimento acelerado da economia soma-se a necessidade de políticas setoriais, de política industrial, de política agrária, de crédito dirigido aos interesses nacionais e, ainda mais; de políticas voltadas para o trabalho e de proteção social que contribuam para a estruturação do mercado, das relações de trabalho e para a distribuição de renda. Com efeito, a sua presença é decisiva na conformação de um padrão de desenvolvimento mais democrático, capaz de melhor estruturar as cidades, o transporte público, o saneamento básico e a infra-estrutura ligada aos interesses coletivos. Também é decisiva em promover o acesso a direitos sociais fundamentais: a educação pública de qualidade, a atenção universal à saúde, o direito a aposentadoria e a proteção aos idosos, assim como a proteção à infância e à juventude. 90
Sob o espírito deflacionista dominante entre os condutores da política econômica e o avanço da liberalização cercada pelos interesses financeiros, externos e internos, em conjunturas distintas, mas sempre com juros altos, a opção por uma estabilidade monetária sob hegemonia do mercado financeiro teve sempre como resultado a instabilidade macroeconômica, grande expansão da dívida pública, baixo crescimento do PIB. No plano das relações Estado-mercado, a estratégia de redução da intervenção pública na economia foi, ao longo do período, prodigiosa em reduzir a capacidade governamental de conduzir o país rumo ao desenvolvimento, ao mesmo tempo em que ampliou o poder dos mecanismos de mercado e favoreceu o mercado financeiro. Nesse cenário, em que não houve melhorias efetivas nas contas públicas, as privatizações de empresas estatais (antes situadas em setores estratégicos para o desenvolvimento nacional) minaram profundamente a capacidade do Estado brasileiro em promover políticas de desenvolvimento. Recolocar o Estado brasileiro como ator fundamental da promoção do crescimento econômico é a tarefa necessária aos partidários do desenvolvimento nacional. Mais necessária ainda considerando que, mediante as possibilidades abertas pelo crescimento econômico, a disputa por um modelo de desenvolvimento mais ou menos democrático passa necessariamente pela capacidade de controlar a ação desembaraçada das forças de mercado. Por fim, não se pode deixar de mencionar que libertar o Estado da ortodoxia econômica, dos efeitos do baixo crescimento e das amarras financeiras impostas pela ordem liberal é fundamental para que se construa uma via mais civilizada e progressista para a estruturação do mercado e das relações de trabalho; condição necessária para o fortalecimento do movimento sindical e para o desenvolvimento social.
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