Revista Cutuca

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A Revista Cutuca quer captar a poesia das ruas do interior das mentes, das casas, da efervescência da cultura Por favor, entre, e pense o que quiser Discuta o que estiver nestas páginas Com seus amigos, tios, primos... Com o seu cachorro. Discuta consigo mesmo, crie diálogos imaginários Liberte a poesia em você A Cutuca não é pra ler. É para provocar, descobrir, imaginar, É pra ser livre Então, se solte, solte

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Seja Livre Poesia

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Rua Cinema Nosso

Que seja simples, que seja sem ritmo

Mostra itinerante ocupa as ruas do DF

10 Feiras Espaços de consumo democrático 24

Zé do Pife

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A perua comeu minha chita

Pífano pernambucano encanta Brasília

E ainda cuspiu o resto em mim

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Editorial A Revista Cutuca é a cultura que explode pulsante nas veias do povo. Nós andamos pelos tijolos e rejuntes dos becos culturais, ouvindo gritos quase que estrangeiros, mudos para ouvidos pouco atentos. Queremos que essas linhas tortas e livres, feito sapato apertado, te incomodem, te cutuquem. Desejamos que você ande pelo DF vendo com outros olhos, percebendo novas cores, novos tons de azul. Descubra os opostos e avessos. Perceba a cultura que se apropria, inventa – é reinventada. Que, sem motivo, sem razão – vai formando, vai surgindo – se transforma – passa de mão em mão – de boca em boca – vai pra televisão. Que vai ser exibida nas praças, como na Rua Cinema Nosso, mostra itinerante que leva cinema brasiliense a diversos lugares públicos do Distrito Federal. Vai ser ensinada nas universidades, como nas oficinas oferecidas pelo nobre Zé do Pife. Vai ser cantada em verso ou industrializada. Então, apenas vire a página e deixe que desague toda a alma da música, do cinema, da pintura, da moda, da arte. Aproveitemos!

Expediente Redação e Fotografia: Ana Teresa Malta, Camila Curado, Emily Almeida, Nayara Ferreira Diagramação: Ana Teresa Malta Camila Bendlin Camila Curado Emily Almeida Ilustração: Barbara Lopes (p.39) Djalma Guimarães (capa) Vicente de Paula (p. 36)

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Seja livre, poesia, seja livre Por Ana Teresa

Eu quero uma poesia leve, brincante Que me faça rir Que eu possa ler dentro do ônibus Que qualquer um entenda, se divirta, sinta Eu quero uma poesia que não exija nada de mim Que seja sem rima, sem forma E que tenha conceito Pois coisas sem conceito são difíceis de entender Que seja simples Que seja sem ritmo Que não me faça pensar Que entre, assim, por osmose ia? o E descanse calma no meu nc â açã g d a i r o d coração br nc na a o ar a Co que Coração? h in , , en rm Ah pare Que não tenha o t u te ã n o e e medo dos clichês, Qu mec e eu ver co Qu escre das coisas bobas Re de ão t ia es Que eu não tenha a o ap obrigação de nem ler m u nem de rimar ja se ir r ue Q a aça Ah, seja livre, poesia f b bo me ita ras Por favor, não me incomode p ue re lav Só se solte Q se s pa Solte ue a Q pita re se

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Rua cinema Nosso Reportagem: Ana Teresa Malta, Emily Almeida e Nayara Ferreira Texto: Ana Teresa Malta

-Jackeline, você já foi ao cinema? -Não. Também nem tenho vontade. Prefiro ficar em casa vendo os filmes do jeito que eu quiser. -Isso é comum, sabia? O fato de as pessoas nunca terem ido ao cinema. São vidas bem diferentes. Já fui várias vezes ao cinema e você com certeza tomou muito mais banho de lagoa do que eu.

Mostra gratuita e itinerante levou cinema brasiliense para doze cidades do DF entre julho e setembro deste ano. De iniciativa do coletivo Muruá, a Rua Cinema Nosso promovia a exibição de filmes em lugares públicos, com o objetivo de dinamizar o cotidiano das cidades e promover o acesso à arte cinematográfica.

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S

empre foi muito natural pra mim. Eu achava difícil de acreditar que pessoas que moravam tão perto, a menos de uma hora da minha casa, simplesmente nunca tivessem ido ao cinema. Só fui capaz de perguntar sobre esse assunto para uma pessoa da minha família - permeada por desigualdades assim como todo o Brasil -, no caso a minha prima Jackeline. Na noite anterior, quando entrevistei Ana Paula Pereira, espectadora da mostra Rua Cinema Nosso, não tive coragem. Terminei por fazer uma pergunta tímida: “Você costuma ir ao cinema?” E ela me respondeu rapidamente: “Não, não.” E apenas isso. Uma reposta muito diferente da que recebi quando perguntei o que ela achou do filme exibido naquela noite, o Sagrada Terra Especulada, acerca da construção

do setor Noroeste sobre um Santuário indígena. Ela havia me dito: - O que eu mais gostei foi a luta dos índios pra poder ter a terra que era deles. Se ponha no lugar dos índios. Eu, por exemplo, moro no Setor de Chácaras. Não gostaria que eles retirassem a gente de lá pra montar prédios, pra montar lugares que não vão servir pra gente e sim pras pessoas de classe alta. Já passei por muita invasão aqui em Brasília. E passo por muitas dificuldades onde moro. Lá, quando chove, entra água dentro das casas, carrega as coisas. Aí a gente quer lutar para regularizar, para a gente ficar no nosso canto e preservar a natureza. A resposta de Ana Paula demonstra bastante o espírito que conduz a Rua Cinema Nosso. A responsável pela curadoria da

mostra, Daniela Marinho afirma que o coletivo Muruá “queria coisas bem desafiadoras, como foi no Gama, que era temática carcerária numa cidade que tem uma penitenciária próxima. Aqui na Estrutural a temática é terra num lugar que surgiu como invasão”. Além do motivo apontado por Marinho, há várias outras razões pelas quais a Rua Cinema Nosso é um projeto desafiador. Com sessões às quintas-feiras, no período noturno e geralmente em praças e outros lugares considerados perigosos pelos habitantes, o projeto nem sempre atinge a quantidade de público que os organizadores gostariam. De acordo com Alan Schvarsberg, que participa da direção da mostra, “muitas pessoas que vem nas sessões falam pra gente, às

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vezes até administradores: ‘Nossa, se isso aqui fosse no sábado ia dar mil, duas mil pessoas’. Mas a ideia não é ser uma política pública, nós queremos que seja uma intervenção que cutuque essa questão do cotidiano, queremos acabar um pouco com essa lógica de acorda – vai para o trabalho – vai para casa – dorme. A cidade é feita para as pessoas, não é feita para automóvel, não é feita para o trabalho. E cadê as pessoas na cidade? Cadê todos os espaços vivos?”. Mais do que intervenção no cotidiano, a Rua Cinema Nosso busca aproximar o cinema brasiliense ao seu público. Schvarsberg afirma que Brasília é com frequência representada pelo Congresso Nacional: “parece que a cultura de Brasília é a cultura da política. Com essa mostra tentamos fazer

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essa reaproximação, do cinema com o cidadão de Brasília, para ele se identificar na tela, e do cineasta conseguir circular o seu cinema, principalmente fora do Plano Piloto”. Como aproximar o público implica em ampliar os espaços de exibição, Daniela Marinho comenta: “todo ano nós vemos a polêmica acerca da Mostra Brasília que acontece durante o Festival de Brasília. Nós não podemos ficar só com esse momento de exibição do cinema brasiliense. Tem que ter outras datas. E uma coisa que percebemos nesse projeto é que não conhecemos o cinema do outro lado. Os filmes que estão sendo exibidos na Rua Cinema Nosso são muito do Plano Piloto. Futuramente até nos propomos o desafio de conhecer o filme que está sendo feito na Estrutural e em outros lugares. Que cinema é esse que está sendo feito na Ceilândia, no Gama, em Taguatinga, Varjão, Telebrasília? Tem gente fazendo filme, com certeza. Precisamos descobrir esse outro lado também.” Melhor seria eu visitar minha prima - e me envergonho ao admitir que não sei dizer em qual lugar do entorno do DF ela mora - ao invés

Integrante da formação original do Muruá, Alan Schvarsberg conta que o coletivo foi formado há cerca de quatro anos por quatro pessoas que se conheceram em um contexto de lutas para democratizar a comunicação. “Estávamos terminando a faculdade e pensamos: cara, ninguém aqui quer trabalhar em redação de jornal ou agência publicitária, então vamos fazer a nossa correria. Hoje, nós realizamos nossos projetos [como oficinas, mostras de cinema, documentários e animações] e prestamos serviços de comunicação audiovisual, mas que sempre dialogam com as nossas ideias e visões de mundo.”

de convidá-la para ir ao cinema. Ou talvez os dois.


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Feiras Por Ana Teresa Malta e Nayara Ferreira

As feiras são lugares que abrangem vários mundos. Na tentativa de desvendá-los, a Cutuca visitou algumas delas aqui no DF. São ricos ou quase ricos e pobres ou quase pobres sempre à procura dos produtos mais diversos – das carnes penduradas, dos videogames importados, das roupas coloridas e das comidas temperadas. Em busca das melhores pechinchas, ficamos todos juntos nesses espaços de consumo democrático.

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Mestre do PĂ­fano:

ZĂŠ do Pife 25


Foto Camila Curado

Por Camila Curado

CONTERRÂNEO DE MÚSICOS COMO LUIZ GONZAGA, GERALDO Azevedo, Zé do Baião, Chico Science, Chiquinha Gonzaga e Lenine, Zé do Pife também carrega enorme talento consigo, além da coragem e força de vontade típicas dos pernambucanos. Saiu de São José do Egito a procura de emprego, contudo acabou por conquistar os brasileiros com a sonoridade do pífano que ele mesmo confecciona. Chegou à Brasília em 1992 e permaneceu aqui, com a missão de preservar a cultura da região de onde veio e manter vivas as bandas de pife ao ensinar às novas gerações a como tocar o instrumento. 26


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nome de batismo é Francisco Gonçalo da Silva, porém possivelmente poucas pessoas saibam disso, afinal desde que deu vida ao artista Zé do Pife, ficou conhecido como tal. Ana Teresa e eu, repórteres da Cutuca, conversamos bastante com ele durante as Oficinas de Pífano da Universidade de Brasília e nunca ouvimos ninguém se direcionar ao mestre do pífano pelo nome de Francisco. No máximo, chamam-no de “Seu Zé”. Nascido em 24 de maio do ano de 1943, na cidade de São José do Egito, Pernambuco, Zé do Pife cresceu cercado por bandas de pife. Ele e o irmão assistiam às apresentações desses conjuntos, muito populares na região nos meses de maio e junho. Geralmente, na região, as bandas tocam em festas juninas e em celebrações religiosas ou quando contratadas por algum “chefe de família” para sonorizarem novenas. Seu Zé conta que assistia a tudo com o irmão: “A gente ficava olhando o modo de eles soprarem, o modo de eles mexerem os dedos. A gente era criança: oito ou nove anos de idade”. Aprenderam a tocar sem estudar música, sem nenhuma explicação de quem já conhecia o instrumento. Ambos iam até as plantações de jerimum (abóbora), tiravam o talo da fruta o faziam o pífano. Depois reproduziam as músicas que as bandas tocavam de ouvido. Isso chamou a atenção de moradores de um povoado próximo a São José do Egito, chamado Riacho do Meio, que se surpreenderam com o dom de Seu Zé e do irmão. E, então, resolveram presenteálos com pífanos de taboca. Foi a primeira vez que eles tiveram o instrumento, fato que os moti-

varam a desenvolver melhor as habilidades musicais. Seu Zé conta que o avô, ao ver o talento dos netos, comprou uma zabumba, uma caixa de esteira, um triângulo e um prato e montou uma banda de pífano com eles. “A gente aprendeu a tocar direitinho, afinadinho e sem errar. E aí os donos de novena, pais de família, donos dos povoados e das cidades, deixaram de chamar as velhas bandas de pife, os pifeiros velhos, pra chamar a gente, porque chamávamos a atenção do povo.”, nos disse, orgulhoso.

DE PERNAMBUCO PARA O BRASIL

“Fui pra São Paulo em 1973. Foi minha primeira grande viagem”, disse Seu Zé. Ele trabalhou na obra da linha de metrô que liga Santana a Jabaquara, estação inaugurada em 1974. Mesmo longe da terra natal, ele não deixou de tocar e, por isso, fabricava pífano de PVC que conseguia na construção. Os colegas de trabalho, viam o domínio que ele tinha ao tocar o instrumento, incentivaram-no a participar dos programas de talentos da TV. Seu Zé lembra-se da trajetória que percorreu desde a condição de operário, até as primeiras aparições televisivas e, por fim, o início da carreira como tocador de pífanos em forrós da maior cidade do Brasil: “Meus amigos, os trabalhadores e os mestres me viam tocar e diziam: ‘Vai lá ao Silvio Santos pra você ganhar seu dinheiro! Você toca bem!’. Na época, estavam abertas as inscrições para ‘Calouros e Vale Tudo’ no programa. Mas eu não sabia o que era uma emissora de rádio nem televisão, então, ficava com aquele medo, aquela

vergonha... Não queria ir de jeito nenhum, mas meus colegas diziam: ‘Vai, rapaz! Os outros vão, não fazem nada e ganham! Imagine você!’. Aí, eu disse: ‘Sabe de uma coisa? Isso é besteira: medo é manha’. Fui e fiz minha inscrição no Silvio Santos.” Essa aparição televisiva era apenas o primeiro passo. Ele continua: “Por fim, me apresentei no Silvio Santos, depois fui para o Raul Gil, Barros de Alencar e Chacrinha. Em seguida, comecei a tocar naqueles forrós famosos dali de São Paulo. Toquei nos dois forrós de Zé Lagoa: o de Pinheiros e de Santo Amaro. Logo após, me apresentei com os grupos de Pedro Sertanejo e Zé Bettio. Também toquei em Tucuruvi, no forró de Renato Leite, na Freguesia do Ó com Zé Pernambuco e na Lapa com o Forró Diamante Cor de Rosa. Então, eu perdi aquele medo, aquela vergonha... O povo diz que medo é manha e é mesmo.”

BRASÍLIA NA HISTÓRIA DE ZÉ DO PIFE

“Brasília, pra mim, é uma mãe...” Depois de quase 20 anos em São Paulo, Seu Zé voltou para Pernambuco. Passou pouco tempo lá e decidiu buscar emprego em outro lugar. Um primo conseguiu trabalho para ele na construtora Delta em Brasília e, então, em 1992, o pifeiro veio para a cidade. Ficou um pouco mais de um ano na empresa até que ela faliu. Muitos funcionários foram demitidos, inclusive Seu Zé.

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Segundo ele, após esse episódio, o primo que havia arranjado o trabalho na construtora disse “É, rapaz, você está na idade que está, agora tem que se virar”. E, realmente, ele não podia ficar parado. Sem ter muitos contatos, não pensou duas vezes e foi procurar Bambu do Reino. Sem sucesso. Fez o pífano com a única planta do gênero que encontrou na região, a Taboca, e foi se apresentar em Brasília. “E, então, eu fiquei tocando aqui na Rodoviária [do Plano Piloto] e o povo achando muito bonito... Onde eu tocava as pessoas se juntavam. Meu irmão chegou a vir para cá e ficou durante três meses. E onde a gente andava era um sucesso. Tanto que, até hoje, muita gente pergunta por

Foto Camila Curado

OFICINA DE PIFE NA UNB

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ele.” Com essas performances, além de admiração, Seu Zé recebeu muitas informações sobre Brasília das pessoas que o viam nas ruas. Nessa época, ele obteve endereço da Escola de Música de Brasília, do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), do Colégio Objetivo e da Universidade de Brasília (UnB). A partir dessas referências, ele pôde se apresentar em diversos lugares e se estabelecer na cidade. Ganhou reconhecimento e conquistou respeito através do nome artístico de Zé do Pife. A cidade o acolheu desde as primeiras aparições. Por esses motivos, os brasilienses se mostram dispostos em disseminar a cultura brasileira no Distrito Federal. Afi-

nal, a cidade abriga cidadãos de todas as regiões do Brasil. Com isso, eles enxergaram o potencial do Seu Zé em manter e incentivar a prática musical nordestina de raiz na capital. Por isso, o benefício em tê-lo nas apresentações culturais e a cada oficina ministrada na UnB é de um valor indiscutivelmente imensurável. Diante disso, ele reconhece: “Em São Paulo eu nunca tive a oportunidade que eu tive aqui. Não me procuraram para dar oficina – e lá tem muito lugar bom para isso, como na Praça da República, na Praça da Sé, no Brás. Tem muito espaço, mas nunca fui convidado. E também ninguém nunca me deu uma mão como me deram aqui. Brasília, pra mim, é uma mãe...”


os alunos da melhor forma, Seu Zé se posiciona na frente de todos e, de modo pausado, vai explicando como soprar, qual a sequência das notas e como posicionar os dedos em um microfone. Enquanto isso, integrantes do grupo Juvelinas e o Max vão auxiliando, individualmente, os alunos com mais dificuldade. Até hoje, a Oficina de Pífano dada na Universidade de Brasília já recebeu mais de 500 alunos. Segundo Max, o motivo do sucesso se dá pelo fato de as pessoas sentirem necessidade de cultura “As pessoas têm sede de cultura. Então, a DEA oferece essas oficinas que são comunitárias.”. Além disso, ele percebeu mudança nas oficinas durante os anos: “Acredito que elas tenham adquirido mais cara de cultura de raiz das bandas de pífano. Primeiro, a gente começou a tocar o pífano, depois ele ensinou a gente a fabricar. A última aula da oficina se chama Oficina de Furos e se ensina como se fabrica o pífano.” As aulas também tornaram-se aprimoradas com a introdução de

Foto Camila Curado

Todas as terças e quintas-feiras dos meses de maio e junho, das 12 às 14 horas, estava lá, Seu Zé do Pife pronto para ensinar quem quisesse aprender pífano. Foi assim esse ano, quando a equipe da Cutuca ia até lá conversar com os alunos, com o mestre do pífano e com o Max. Esses encontros denominados Oficinas de Pífano são promovidas pela UnB e comandadas pelo Zé do Pife e têm ocorrido uma vez por ano, cerimonialmente, desde 2007. A proposta surgiu de uma ideia de Max Müller, servidor da Diretoria de Esporte, Arte e Cultura do Decanato de Assuntos Comunitários (DEA/DAC), quando Zé do Pife ainda tocava em frente ao Restaurante Universitário (RU). A sugestão foi aceita pelo pifeiro e já comemora a sexta edição este ano, com encontros realizados na Praça Chico Mendes que, segundo Max, foi cedido pelo Sindicato dos Trabalhadores da Universidade de Brasília (Sindifub): “A gente sabe que quando tem movimento de greve, esse espaço é de preferência deles. Mas, quando não há nada, a gente ocupa.” As oficinas não têm lugar fixo, porém, na maioria das vezes, elas ocorreram na Praça. As seis músicas são selecionadas por Zé do Pife, que dá preferência a canções lentas. Portanto Frevo e Forró não fazem parte do repertório. Neste ano, os alunos aprenderam a tocar Asa Branca e Joazeiro, de Luiz Gonzaga, Maria Bonita e Mulher Rendeira, de Lampião e duas de autoria própria de Seu Zé: O Caboré e O Grito do Cachorro com a Onça. A Volta da Asa Branca também já fez parte das selecionadas, contudo foi trocada por Joazeiro recentemente. Nos encontros, a fim de ensinar

Luciana Bergamaschi, à frente, tocando zabumba.

instrumentos de percussão como bumbo, surdo, zabumba, tarol, pratos e triângulo, e os alunos podem aprender a tocá-los, se quiserem. “Isso aconteceu na oficina passada e estamos repetindo esse ano porque deu certo, a gente viu resultado”, comentou Max. Luciana Bergamaschi, integrante do grupo Juvelinas, confessou sentir um grande progresso nas oficinas ministradas por Zé do Pife, em entrevista à Cutuca: “Eu percebi uma evolução, principalmente na didática do Seu Zé. A gente vê a melhora dele a cada semestre, isso é muito lindo! Quando eu comecei a oficina, no primeiro semestre de 2007, era um pouco diferente. Só ele falava e tocava. E, hoje, vejo uma interação maior entre aluno e professor.” Ela conta, e Max confirma, que há uma grande desistência durante a oficina. Quase metade dos participantes não chegam até o fim dos encontros. Os motivos são variados: falta de dedicação e persistência, falta de tempo ou desinteresse. Ele deixa claro: “A oficina mesmo é uma introdução ao pífano. A pessoa não pode entrar daqui com a ilusão de que vai sair dominando o instrumento, porque isso é com o tempo. Catorze ou dezesseis encontros não vão proporcionar o domínio de um instrumento como esse, que é rústico, mas não quer dizer que é simples.” Luciana também ressalta as dificuldades no aprendizado do instrumento: “O pífano exige bastante dedicação. Eu demorei três oficinas pra aprender a tocar. Nas duas primeiras eu nem sabia soprar. Foi por isso que entrei na banda do Seu Zé como percussionista.” Ela ainda ressalta que

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Foto Emily Almeida

Foto Camila Curado

Foto Camila Curado

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Foto Camila Curado Foto Camila Curado Foto Camila Curado

muitas pessoas compram o pífano só para ter o instrumento, sem interesse em aprender. E isso desagrada Seu Zé: “Tem pessoas aqui em Brasília que compram meu pife, me pagam e querem ir embora, mas eu digo ‘Não, espera aí! Não vai embora não! Deixa eu te dar uma aulinha aqui, rapidamente, pra você entender!’ Aí eu ensino”. O principal objetivo de Seu Zé, ao ensinar o pífano, é manter a cultura das bandas de pífano viva. Por isso, até quem o aborda na rua para comprar o instrumento ganha explicações. Ele declara ter o maior prazer em ensinar às pessoas a tocar e quer muito que isso se transmita de geração para geração, “Porque as bandas de pife não podem acabar”, ressalta.

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ALVORADA

stituto Central de Ciências - ICC) Norte até o Sul. Os instrumentos de percussão acompanham os pífanos e a turma toda - alunos, Juvelinas e Zé do Pife - faz paradas no Udefinho e no Ceubinho, locais de transição de alunos entre as alas do ICC. Este ano, esteve presente Valéria

Lehmann, ex-aluna do Zé do Pife, integrante das Juvelinas, violoncelista e autora de uma tese de mestrado entitulada Seu Zé, qual é sua didática? que aborda uma reflexão sobre o metodologia popular com a metodologia acadêmica de ensino.

Foto Camila Curado

Foto Camila Curado

Foto Camila Curado

A Alvorada encerra a Oficina de Pífano com uma apresentação onde os alunos demonstram o que aprenderam durante o curso. São tocadas as seis músicas ensinadas pelo mestre Zé do Pife durante a trajetória da celebração, que vai do popular Minhocão (In-

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Foto Camila Curado


Foto Camila Curado

AS JUVELINAS

As Juvelinas surgiram da vontade de Zé do Pife em ter uma banda. Quando as oficinas de pífano começaram na UnB, muitos alunos já o conheciam das ruas de Brasília e sabiam desse desejo do pifeiro. Então, ele começou a marcar ensaios extras e, aos poucos, um grupo foi se formando.

Coincidentemente composto somente por mulheres, o conjunto foi nomeado Zé do Pife e as Juvelinas e inclui, além de pífanos, instrumentos de percussão. Segundo a Juvelina Júlia Carvalho, a banda foi essencial para o crescimento de Seu Zé: “Tudo o que ele precisava era de alguém que o

produzisse, porque ele tem muito talento. Quando ele veio pra cá [Brasília], não tinha contatos e, por isso, fazia uma apresentação ou outra. Depois que a gente se uniu, começamos a ter mais referências, marcar shows, escrever projetos para o Ministério da Cultura e, por fim, gravamos o CD”. O grupo permanece praticamente intacto. Com exceção de uma integrante que, hoje, mora no Rio Grande do Sul, ninguém mais saiu. Sobre a visualização do grupo, Júlia diz que tem crescido muito: “Já participamos de programas de Rádio, TV Senado... O Correio Braziliense faz entrevistas uma vez ou outra. A mídia divulgou o CD quando a gente lançou e divulga as oficinas.” Através dos projetos que o grupo escreve para a Secretaria da Cultura, eles conseguem auxílios para tocar em festivais, como o Festival Lula Calisto, na cidade de Arco Verde, Pernambuco, dentre outros. O CD Mestre Zé do Pife e as Juvelinas, que possui somente músicas autorais do conjunto, também foi lançado graças ao Fundo de Apoio a Cultura (FAC). Gravado na produtora Beco da Coruja, em 2010, o álbum foi a realização de um sonho para Seu Zé: “Eu falava, quando estava lá em São Paulo, que sempre convivi com artistas, sempre toquei em forrós famosos. Então, meu sonho era lançar o CD.” Zé do Pife também tem um álbum solo, além do que ele tem com as Juvelinas, onde ele faz a primeira e a segunda voz do pífano. As trilhas sonoras do CD dele incluem músicas típicas do nordeste e outras de autoria própria.

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As Oficinas de Pífano são gratuitas. O único valor gasto para fazer a aula é o preço do pífano que Seu Zé mesmo fabrica. No fogo à lenha, ele esquenta o ferro para fazer os furos do instrumento, que variam de acordo com o tamanho do pífano. Seu Zé explica que existem vários tipos de bambu para pífano: o Taguari, a Taboca, o Taguara (melhor matéria-prima para o instrumento) e o Bambu do Reino, utilizado por ele para fazer os pífanos que vende. Essa espécie não é encontrada em Brasília, por isso, ele viaja até Goiás para conseguir. De ônibus, Seu Zé passa pelo o Rio Maranhão, depois do Parque Bernardo, até chegar a alguma chácara ou fazenda, onde, depois de pedir permissão para os donos da propriedade, ele retira os bambus. Além de vender nas oficinas, Seu Zé sai pelsa ruas de Brasília com uma sacola cheia de pífanos. Ele sai tocando e, no meio de cumprimentos e saudações, pessoas se interessam e compram o pífano. E, claro, não vão embora sem antes aprender a maneira certa de tocar o pífano com o mestre.

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Foto Emily Almeida

A FABRICAÇÃO DO PÍFANO


SOBRE MAX MÜLLER

Foto Camila Curado

Natural de Mortugaba, Bahia, sempre esteve envolvido com música. Tem um irmão músico e vários familiares aprenderam a tocar instrumentos por conta própria. Seguiu o mesmo caminho e, na adolescência, aprendeu violão sozinho. Passou a ajudar Seu Zé na segunda oficina, quando já dominava as músicas que havia aprendido. Sobre como aprendeu a tocar o pífano, ele diz “Foi com o Zé mesmo... Bom, aprender um instrumento é como aprender uma nova língua: você é introduzido àquela linguagem. Cada

instrumento trás um método próprio já embutido e você tem que se adaptar. Então, como eu já tinha aprendido violão por conta própria, já tocava teclado, baixo e guitarra, foi mais fácil me adaptar ao instrumento. O que demorou mais foi aprender a embocadura, tirar o som limpinho, saber posicionar bem os dedos, aprender a digitação própria do pífano.” Além de servidor da UnB, Max Müller também escreve poemas e cordeis, cujo mais conhecido é é Bandas de pife não vai “acabá”.

XOTE PARA BRASÍLIA É bonito ver, é bonito olhar Buriti, Santa Maria e o Lago Paranoá É bonito ver, é bonito olhar A Torre de TV e a Ponte JK Brasília tu és bonita, quero crescer ao teu lado Domingo eu sonhei contigo nos campo verde guardado E no centro de você nasceu um pé de saudade, Um Centro de Convenções e um pouco do cerrado É bonito ver, é bonito olhar A Praça da Alvorada muita gente a namorar É bonito ver, é bonito olhar Eu já vi as Juvelinas fazendo o povo chorar

Foto Camila Curado

Teu olhar me faz chorar Mestre Zé do Pife e as Juvelinas

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A perua comeu minha chita Texto: Emily Almeida Ilustração: Vicente de Paula

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A equipe da revista Cutuca agradece todas as oportunidades oferecidas durante a execução deste projeto. Em especial, à professora Célia Matsunaga, pelos ensinamentos, apoio e incentivos. A todos os entrevistados, que gentilmente nos receberam e depositaram confiança em nossa equipe. Aos colaboradores, que se colocaram prontamente fazer lindas ilustrações para a revista: ao Djalma Guimarães, na capa; à Bárbara Viana, na páguina 39 e ao Vicente de Paula, na página 36. Também a todos aqueles que acompanharam e apoiaram nosso trajeto para que chegássemos à arte final. Enfim, a todos que, de alguma forma, tornaram esse projeto viável. Por todo o aprendizado, as pessoas, aos lugares, as discussões e as dificuldades, nossa equipe teve um desempenho muito além do desejado, com muitas surpresas a respeito das nossas próprias possibilidades. Isso nos fez amar nosso trabalho em cada passo, e nos enche de orgulho de vê-lo aqui, amadurecido. Valeu muito à pena. Obrigada! 36


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