Baião de Dois
Arte, memória e tradição: tudo junto e misturado Sebo JB, o recanto dos livros
Nós por nós: o studio: Benedita Tattoo House
Acervo Jorge Mello e muito mais
Edição nº 001
O “Candomblues” de Pablício Casapronta Entrevista sobre uma composição inspirada na mistura de negritudes interamericanas
“Conto dos Orixás”, de Hugo Canuto, é lançado na CCXP 2018
Na cozinha de Vaneidson Santos: Um papo sobre sonhos, conquistas e, é claro, comida boa!
Pesca artesanal no recôncavo: uma atividade que denota identidade, arte e um modo de sobrevivência peculiar
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E D I T O R I A L A Baião de Dois é uma revista que busca trazer o Brasil aos seus leitores, em poucas palavras. Um Brasil contente com sua cultura. O Brasil de Ariano Suassuana, Luiz Gonzaga e de Patativa do Assaré. Essa edição traz a necessidade do cuidado para com o patrimônio nacional, seja ele material ou imaterial, rememora discos importantes de uma época muito frutífera de nossa canção e demarca o espaço das atualidades – futuras obras a serem rememoradas. A arte sempre se confundiu, ou coincidiu, com a vida do povo brasileiro. Se defender das agruras do sertão seco é, também, cantar versos de repentes na viola. Sobreviver os asfaltos quentes das capitais sudestinas é, também, cantar críticas às metrópoles. Ganhar a vida como migrante é, também, poetizar a saudade de sua terra. O povo nacional é, sobretudo, malabarista em sua existência. Por essa razão a Baião de Dois não pode se distanciar do cotidiano do povo, mas, também, não deixar a dimensão estética distante das realidades diárias. O que o povo quer e o que o povo precisa. Espero que vocês, alvos de todo nosso trabalho, possam refletir e submergir nas matérias e reportagens da Baião de Dois. É tudo nosso.
Este material gráfico foi produzido por estudantes do 3º semestre do curso de Comunicação SocialJorrnalismo da UFRB, para o componente de currícular de Editoração e Processos Gráficos, lecionado pelo professor Juliano Mascarenhas. FICHA TÉCNICA
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Diagramação e Design: Dalila Bispo Fotografia: Emilly Chaves Repórteres: Carlos Augusto Santana, Dalila Bispo, Emilly Chaves, Rafique Reis e Sandy Ventura Revisão de Texto: Rafique Reis
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Acervo Jorge Mello, morada de memórias sobre a cultura nacional Sebo JB, o recanto dos livros que perdura por gerações
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Eram deuses os super-heróis?
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Na Cozinha de Vaneidson Santos
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A pesca artesanal no recôncavo O “Candomblues” de Pablício Casapronta
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Memorial
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Anos 70 e música brasileira : vigor, criatividade e contestação
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Nós por nós
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O Curta-metragem “Mãe?, de Antônio Vitor
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Acervo Jorge Mello, morada de memórias sobre a cultura nacional Com mais de 50.000 documentos sobre a história da música nordestina principalmente a cearense da década de 70 -, acervo em Embu-Guaçú (SP), recebe estudantes, pesquisadores e jornalistas de todo Brasil.
Por Rafique Nasser Um acervo que funciona na cidade de Embú-Guaçu, no estado de São Paulo, à 48km da capital, guarda a memória de toda uma geração da Música Popular Brasileira, além de arquivar folhetos de cordel piauienses da década de 50. Seu responsável é o cantor e compositor Jorge Mello, artista surgido no interior do movimento denominado “Pessoal do Ceará” - cujos integrantes são, também, Raimundo Fagner, Belchior e Ednardo -, que invadiu o eixo RioSão Paulo e se firmou como marco importante para a canção nacional.
Teresina e lá, nesta mesma idade, teve seu primeiro poema publicado. Logo após, crônicas. Guarda tudo e vai para Fortaleza, no Ceará, com o fim de se lançar cantor na televisão. Aos 17, passa a integrar um programa na TV Ceará e a participar de festivais de música na cidade. Visto isso, matérias surgem em veículos impressos. Mello não deixa de armazenar. Emaranhadas em sua própria história, estão as de seus companheiros musicais. Compactos raros de Fagner, por exemplo, são documentos facilmente encontrados nas caixas do acervo.
Desde muito jovem, Mello, sem nenhuma pretensão futura, iniciou o armazenamento de uma série de documentos - isto na época em que já trabalhava na tradicional bodega de seu pai, em Piripiri, no interior do Piauí. Entre eles, revistas em quadrinhos, material poético de cantadores repentistas e fotogramas de filmes da época. “O interessante é que desde meados da década de 1950, eu junto e guardo esses documentos até hoje. Tenho muitos folhetos de cordel no acervo. Milhares deles! Grande parte adquiridos naqueles anos dourados como ajudante de bodegueiro com meu pai. Quero dizer com isso que sou um guardador de papéis. Nunca os jogo fora”, conta.
Belchior, artista cearense que fez sucesso na década de 70 com canções como “Apenas um Rapaz Latino-Americano” e “Velha Roupa Colorida”, é um dos maiores parceiros de Jorge - compuseram juntos inúmeras canções, tais como Notícia de Terra Civilizada, gravada no disco Baihuno, do cearense. Com ele, o arquivista manteve uma íntima amizade e também uma parceria comercial de sucesso a partir da fundação da produtora Paraíso Discos e da editora Constelações - responsáveis pela gravação de centenas de outros cantores. Foi com o famoso desaparecimento deste, no ano de 2007, que teve a ideia de organizar seus materiais. “Só vim ter consciência do que tinha guardado, com o desaparecimento do Belchior em 2007”. “Porque vi chegarem a minha casa os veículos de imprensa à procura de notícias para suas pautas e encontraram tudo o que queriam. Eu via a admiração daqueles
A história do arquivo se confunde com a trajetória artística de seu memorialista. Aos 15 anos, Jorge foi estudar em
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ivo pessoal
Arqu Jorge Mello/ Foto:
jornalistas pelo que eu guardara. Foi quando passei a organizar melhor aquela bagunça”, relata. O mais cativante é que o memorial é um espaço aberto e gratuito. Todos podem entrar, mexer nos documentos e levar cópias para casa. É, sobretudo, um espaço para a liberdade da pesquisa e, também, para a produção cinematográfica. São mais de 50.000 documentos. Tudo mantido com fundos financeiros particulares do seu curador. Desde a construção do espaço, e transporte dos documentos, ao pagamento dos custos fixos próprios do local. Os amigos de geração também ajudam, mas com a contribuição de CD’s, matérias veiculadas na imprensa, fotos e peças multimídia em geral. Embú foi escolhida para sede o acervo por inúmeros motivos. Entretanto, o mais
interessante é que Jorge, inicialmente, comprou a propriedade com o objetivo de colocar seus netos em contato mais profundo com a natureza, pois a cidade fica na região da Serra do Mar - morada de quatis e outras criaturas. Mello é um artista nordestino, enfiado no interior de São Paulo. Continua produzindo canções e textos e, como um bom senhor de 70 anos de idade, prefere a calmaria do sítio ao fervilhar da metrópole. Caso tenha mais curiosidade sobre a obra de Jorge Mello, muito facilmente podem ser encontradas entrevistas - Como, por exemplo, a que concedeu a Jô Soares e a do Programa Nomes do Nordeste, gravado no Centro Cultural Banco do Nordeste - no YouTube e textos variados - como um verbete no Dicionário Cravo Albin de Música
Brasileira - na internet. Além disso, ele próprio mantém um blog, onde é possível consultar muitas de suas impressões sobre a cultura brasileira. Caso queira visistar o arquivo, o contato com o memorialista pode ser feito pelo seu perfil pessoal no Facebook ou via e-mail, no endereço eujorgemello@gmail.com.
Desenho de Belchior, 1977, Acervo Jorge Mello Foto: Arquivo Pessoal
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Sebo JB, o recanto dos livros que perdura por gerações Texto de Rafique Nasser, reportagem Sandy Ventura Uma das livrarias sebos mais antigas de Salvador, a JB, fica na Rua Ruy Barbosa, número 04, no centro da cidade. Seu dono, o senhor João Brandão, pernambucano de 78 anos, chegou ao estado em 1969, por conta de um convite feito pelo então governador baiano Luiz Viana Filho – imortalizado pela Academia Brasileira de Letras. “Em 69 o governador Luiz Viana Filho ia sempre a Recife. Então ele pediu para gente vir para Bahia, pois aqui não havia mais sebos, então viemos a convite do governador. E o bom de tudo isso é que o acordo com Viana Filho, a ajuda foi só o convite, mas ele era muito intelectual, ele era escritor também, toda biblioteca que eu comprava ele tinha que ser o primeiro a ver. Por causa dele vinham muitos políticos para a livraria. Vinha deputado, secretário. O governador falava muito bem daqui, com isso a gente realmente prosperou”, conta.
Ariano Suassuna, dramaturgo e poeta nordestino, autor de “O Auto da Compadecida”, em suas aulas espetáculo afirmava que o livro nunca morreria. Nossa esperança é que, de fato, isso nunca ocorra. João Brandão é um dos arautos dessa cultura e crença – é quase um Ministro do Livro, ou, quem sabe, ainda com maior intensidade, um sacerdote deste. Se um dia, como no romance Farenheit 451, de Ray Bradbury, for proibido ler, seremos revolução.
O advento da internet e, consequentemente, das redes sociais, é a maior preocupação do velho livreiro. Em 2016, segundo o IBGE, 16 milhões de brasileiros tiveram acesso à internet,
A seguir, uma pequena entrevista concedida pelo proprietário da JB: 6
Fotos: Emilly Chaves.
Receber personalidades não era raridade, segundo Brandão. Dorival Caymmi, compositor de sucessos como “A Jangada Voltou Só” e “Maracangalha”, foi um dos frequentadores. “mas são interessantes visitas importantes aqui onde estou sentado, Caymmi cantando ai , minha mãe, minha mãe menininha. Recebi, também, na época, Sarney. O resultado: muita autoridade vinha nesse sebo e hoje ninguém quer saber de Cultura”, narra.
sendo que 94,6% desses a utilizaram para fins de bate-papo. Em contrapartida, o Instituto Pró-Livro, em pesquisa do mesmo ano, revelou que 30% dos brasileiros nunca compraram, sequer, um livro. “Sebo agora cai, cai, cai porque com o advento da internet o estudante tá limitando-se à telinha. Digo sempre: até na arquitetura das casas ou apartamentos, antigamente, tinha que ter gabinete ou biblioteca”, reclama.
BD - Como está o mercado de livros usados? JB - Você veja, Salvador tinha 60 e poucas livrarias, fecharam tudo. Depois veio a siciliano. A Saraiva comprou a Siciliano, aí veio à cultura e comprou a Saraiva. Agora tá fechando tudo. Agora o que foi que ela fez? Trabalha com estante virtual, concorrendo com a Amazon. Como que funciona isso? Eles não tem mais estoque em livraria. Comprou a estante virtual e vai trabalhando com o estoque das editoras e dos sebos. Já faço parte também da estante virtual. Então não precisa mais gastar tanto dinheiro com aluguéis de shoppings e companhia limitada. O movimento pequeno de livros usados é por causa do sistema dos colégios, que mudou. As editoras agora trocam os livros todo ano, por que a lei não permite, tem validade, mas o livro que saiu pela editora Ática, esse ano, sai pela moderna no ano seguinte [...]. Então isso é para atrapalhar o pai de família que tá sofrendo muito, aí é a família pagando caríssimo também. O país rico que está né? Precisando de dinheiro para cultura, precisando de dinheiro para tudo… E jogando a cultura no lixo. Dei uma entrevista para um jornal que teve aqui mês passado e só registrou como é o jeito que troca e compra a mercadoria, a crítica não fala. Vai falar da editora, vai falar do colégio, vai falar das faculdades. Os americanos compraram todas as faculdades particulares do Brasil? A federal não vai fechar, mas vai ser paga. As federais tempos atrás davam maior orgulho dizer “sou da federal”. Tudo organizado, tudo beleza. Era a casa dos estudantes, que dava todo apoio ao estudante, que hoje passa fome. Então tinha uma que a União dos Estudantes funcionava. Se o governo tomava uma decisão que atrapalhava os estudantes, a UNE se manifestava, o governo mudava de ideia. Então o que vai acontecer? Vai acabar o ensino gratuito, só vai ser 1° e 2° grau. Estragou, acabou tudo isso ai. BD - Quais as diferenças de quando abriu o sebo para hoje? JB - Dia de sábado tudo isso aqui fazia fila de carros comprando livros. Professor da Universidade
chegava aqui com aqueles carrões de luxo, com motorista. Até o carro chegava a ficar pesado de tanto pacote de livro que comprava. Hoje não. Eu tenho filho que é professor lá na Paraíba. Agora que ele não pede mais dinheiro, porque fez doutorado e melhorou a situação, mas, até o mestrado era “meu pai, me socorre aqui”. Antes comprava livros didáticos, chegava o período desocupava metade dessas estantes aqui. Enchia de livro didático e vendia tudo. Hoje é diferente. Ontem mesmo mandei sacos e mais sacos de livros usados para fábrica de papel, pra reciclagem. Antes morria um escritor de manhãzinha eu tirava tudo dele e sobre ele. Já deixava numas pilhas de livros separadas porque sabia que no outro dia todo mundo ia comprar alguma coisa.
BD - Por que o senhor continua com a sebo? JB - Cultura minha amiga, educação nesse país. Eu digo sempre: quem vive de cultura e para cultura no país hoje, é um ato de heroísmo. É preciso gostar. Eu por exemplo faço isso porque gosto, aprendi a gostar disso aqui. Então a gente fica sofrendo por causa disso. O patrimônio que você conseguiu fazer, acabou. E você vai gastando, vai vendendo para sobreviver. E não sei quando isso vai parar não.
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Foto/Reprodução: Hugo Canuto
ERAM DEUSES Os SUPER-HERÓIS?
As histórias em quadrinhos (HQs) atravessam gerações e vêm conquistando cada vez mais espaço no universo cinematográfico. Em 2018, por exemplo, o filme Pantera Negra trouxe à tona a importância da representatividade entre os heróis, e é em meio a este cenário que o baiano Hugo Canuto, 32 anos, desponta com sua mais recente obra, “Conto dos Orixás”, uma HQ desenvolvida a partir de mitos e lendas sobre as divindades da África Ocidental. Conto dos Orixás teve seu pré-lançamento em dezembro de 2018, na Comic Con Experience, em São Paulo, e foi lançado oficialmente este ano, dia 22/01, no Teatro Sesi, no Rio Vermelho, salvador, com palestras na abertura e noite de autógrafos. Com respeito às tradições dos povos iorubás, o artista coloca os Orixás como heróis e protagonistas da trama. Para a construção da história, Hugo
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passou aproximadamente dois anos e meio estudando com sacerdotes, pesquisadores e ainda realizou um curso para aprender a língua iorubá. Todo esse processo se fez necessário para a construção da narrativa, ainda que não possua a finalidade de ser uma obra religiosa. A partir de uma campanha no Catarse, uma plataforma que funciona como vaquinha virtual, foi possível arrecadar doações que contribuíram para o financiamento do projeto, já que se trata de uma obra independente. O crowdfunding, que era de R$20.000, atingiu três vezes a meta. Dependendo do valor da colaboração, seria possível receber revistas impressas e o livro em casa. A campanha se manteve ativa até o dia 18 de janeiro. Como Hugo conseguiu mais do que esperava, decidiu destinar parte do recursos para programas sociais de Salvador, sua cidade natal. Também serão doados 100 exemplares para espaços culturais.
Por Dalila Bispo
Sobre o autor
Hugo Canuto é soterapolitano, ilustrador freelancer, criador e histórias em Quadrinhos e Concept Artist, trabalhando em meios digitais e tradicionais. Formado em Arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, expressa uma relação entre arte e mitologia de muitas maneiras, seja em murais como cidades imaginárias do #NAPAREDE, na saga a Canção de Mayrube e agora, através do projeto Conto dos Orixás.
YEMANJÁ! SENHORA DAS ÁGUAS, MÃE DOS ORIXÁS
Foto/Reprodução: Hugo Canuto
OGUM! GUERREIRO SENHOR DO FERRO
Foto/Reprodução: Hugo Canuto
OXUM! RAINHA DOS RIOS E CACHOEIRAS
Foto/Reprodução: Hugo Canuto
“Em um tempo antigo, deuses e heróis caminharam entre os homens. Travaram batalhas como furor, ensinaram a curar e lidar com a terra, o ferro e o fogo, reinaram e amaram com a mesma intensidade. Alguns desceram do luminoso Orum para realizar seus destinos enquanto outros nasceram no Aidê e pelos grandes feitos, foram elevados a Orixás, marcando para sempre a história de dois continentes.”
Foto/Reprodução: Hugo Canuto
XANGÔ! DEUS DO TROVÃO
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Foto/Reprodução: Hugo Canuto
PROCESSO DE CRIAÇÃO DE UMA DAS PÁGINAS DO QUADRINHO: DO ESBOÇO À ARTE DIGITAL.
ENTREVISTA BD: Primeiramente, como se deu o processo de construção da obra?
HC: Foram dois anos e meio de estudo e orientação até o projeto chegar ao Catarse. Tive acompanhamento de sacerdotes e estudiosos da área também. Por conta do legado das civilizações africanas que moldaram minha terra de origem, a Bahia e sua ancestralidade, eu resolvi transformar isso em uma das coisas que mais amo, tanto ler como produzir, que são as HQs.
BD: A cultura iorubá e religiões de matriz africana ainda sofrem com episódios de intolerância. Como você espera que através da sua grapich novel seja possível fomentar a descontracção desse preconceito?
HC: Eu acredito que esse preconceito também seja fruto da falta de conhecimento e interesse das pessoas em saber mais sobre as religiões de matriz africana, e olhe que isso está na nossa origem. Espero que os quadrinhos possam atingir o público jovem e que isso estimule essa nova geração a descontrair o medo que é imposto em cima dessas crenças.
BD: Pelo fato da grande massa consumir HQs americanizadas, como você se vê diante deste cenário?
HC: A ideia de transformar os Orixás em heróis vem por conta disso mesmo. É um desafio para mim, mas é uma satisfação enorme trazer isso e estimular a valorização da diversidade.
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BD: Sua obra traz a tona o tema da representatividade e, devido à isso, como espera que seu público-alvo se sinta afetado por ela?
HC: Eu quero que as pessoas possam ter a capacidade de apreciar a diversidade das histórias, sejam elas com deuses nórdicos ou Orixás. Além disso quero que aqueles que seguem esta religião se sintam representados dentro das histórias também, que os jovens desse seguimento possam visualizar seus deuses como protagonistas e heróis também.
BD: Por último, qual recado para os jovens que são pouco incentivados e acabam desistindo de seus sonhos por medo e insegurança.
HC: Muito do que eu aprendi, eu aprendi sozinho, senti muita falta do incentivo, mas com muito esforço aprendi que não podemos abrir mão dos nossos sonhos, porque são eles que nos mantém, de certa forma, vivos. Os projetos nacionais estão começando a ter maior reconhecimento agora e isso é de extrema importância, então não precisam ter medo de tentar, falhas vão acontecer, mas independente disso, vamos continuar tentando e aprendendo com cada experiência.
Material Extra
Artes de outros ilustradores
Foto/Reprodução: Brão
Foto/Reprodução: Jefferson Costa
Foto/Reprodução: Pedro Minho
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Na cozinha de Vaneidson Santos Um papo sobre sonhos, conquistas e, é claro, comida boa!
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Fotos: Emilly Chaves
Por Dalila Bispo
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omunicativo e muito desinibido, Vaneidson Santos, 19 anos, não esconde sua paixão pela gastronomia e ama desafios que envolvem preparar novas receitas. Dos pratos mais sofisticados aos mais simples e caseiros, Vaneidson afirma não ter apenas um estilo de cozinhar, mas que os pratos típicos da região Cachoeira e da Bahia em geral tem um espaço especial em seu coração. Apesar de amar o que faz, e de ter a gastronomia como fundamental para
INGREDIENTES
seu cotidiano, o jovem cachoeirano conta que nem sempre foi assim e que nunca gostou muito de cozinhar, mas por ser muito curioso, adorava se aventurar na cozinha quando criança, e em meio a estas aventuras com uma pitada de brincadeira e bagunça foi crescendo um carinho especial pela arte da culinária. Mesmo com a pouca idade, seu talento é notável. Para aperfeiçoar suas habilidades, realizou um curso profissionalizante de gastronomia e criou uma página no Instagram, a @mundochefba, onde
publica seus preparos e aceita encomendas. Seus planos incluem fazer uma graduação em Gastronomia e abrir seu restaurante, com direito à franquias. Vaneidson também conta que almeja participar do famoso programa de TV Master Chef. Apesar de não ter sido chamado na primeira tentiva, o rapaz não desanima, e diz que tentará até o momento em que for selecionado. Quando perguntado sobre sua inspiração, ele não hesita: “minha inspiração sou eu mesmo”.
Terrine de atum com arroz cremoso
Para o terrine
1 lata de atum 1 lata de milho e ervilha 2 cebolas pequenas picadas Metade de 1 pimentão vermelho picado 2 ovos cozidos Cebolinha e salsa picada a gosto 1 pimenta de cheiro picada Suco de 1 limão siciliano 2 colheres de sopa de azeite de oliva Uma pitada de páprica defumada Uma pitada de sal 2 colheres de sopa de ketchup Pimenta do reino à gosto 2 pimentas biquinho em conserva
Para o arroz cremoso
2 xícaras de arroz cozido 1 lata de creme de leite 2 colheres de sopa de manteiga
Modo preparo Em um bowl, misture todos os ingredientes. Tempere a gelatina sem sabor e acrescente com as rapasas de 1 limão siciliano e leve ao congelador por 40min. Cozinhe o arroz branco até que ele esteja no ponto e toda água tenha evaporado. Coloque a manteiga e o creme de leite, leve ao fogo para refogar por 2min e desligue. Sirva o terrine acompanhado do arroz. Decore com gergelim preto e salsa à gosto. Dica do chef: utilize cortadores quadrados para cortar o terrine. 13
Fotos: Emilly Chaves
Pesca artesanal no Recôncavo
Uma atividade que denota identidade, arte e um modo de sobrevivência peculiar Por Carlos Augusto Santana A pesca artesanal é uma atividade milenar, baseada em uma relação peculiar de harmonia do ser humano com a natureza, no qual o sistema pesqueiro normalmente envolve grupos comunitários ou familiares. A pesca artesanal é exercida nos rios e nos mares de várias formas seja com rede de arrasto, com linhas, com manzuá, mariscando, é uma atividade tradicionalmente passada 14
de geração em geração, por meio dos costumes familiares. Segundo informação do extinto Ministério da pesca. “Os próprios trabalhadores desenvolvem suas artes e instrumentos de pescas, auxiliados ou não por pequenas embarcações, como jangadas e canoas”. Uma da mais antigas marisqueiras em atividade da região, Maria José de Jesus, mora na vila, na sede
do muncípio de São Felix. Começou a pescar desde os dez anos e hoje, aos sessenta, continua pescando com todo vigor com a sua canoa de madeira às margens do rio Paraguaçu, localizado no fundo da casa de sua filha, Girlene, e do seu genro, Silvestre. Quando a gente chegou para fazer a entrevista, Maria José estava pescando e deu uma pausa para conversar. Mas, como uma
pescadora experiente, ficar no meio d’água aí, que eu estou sentindo não deixou de estar ó. Aí estou bem. Aí não que eu vou ganhar um atenta ao horário de tendo aqui, Ave-Maria, neném. Aí ele pegou, retornar à maré para pra mim perdeu o dia”. deixou a minha canoa capturar o siri. Com Ela viveu boa lá, botou na dele, me risos, a marisqueira parte de sua vida na trouxe em casa e tinha explicou o motivo que maré e se lembra com seu Ruqui que era um impedia que entrevista alegria dos momentos rapaz de Maragogipe, não tomasse muito marcantes, inclusive que tirava retrato. do seu tempo. “O siri do nascimento de um Ele ainda disse: olha não vai demorar muito dos filhos - ocorrido Maria, se eu trouxesse porque já comeu a isca no momento em que a máquina você ia ser toda que eu levei”, disse. exercia a atividade.“eu feliz. Mas eu não trouxe. Maria José informou sonhei, que uma pessoa Aí não deu Nada. Ele que quando iniciou a tinha tido um filho. Mas ainda ajudou a chamar atividade capturava eu não me liguei que a parteira, a parteira foi ostra, sururu, siri, era eu que tava grávida, tirar, cortar o menino. mirim - pescados que aí eu fui lá para São Assim dentro da maré, segunda ela tinham Francisco, lugar longe. e da beira da maré eu com abundância, na Aí quando eu cheguei lá, vim para o hospital de época. No entanto, ela aí quebrou água. Tome Cachoeira. Fiquei três os vendia muito barato, quebra água e sem dias. Mas eu tive na maré nos preços o menino e não “Meu primeiro contato entre R$ 0,20 e tive dor nenhuma. R$ 0,50 o litro. Parí sem dor. com o mundo da pesca Atualmente, ela Tive uns quatro vende o marisco foi muito bom porque meninos assim por R$ 25,00 o sem dor, sem havia muitos pescados quilo e a corda nada. Parí e ainda do siri ela vende e também pescava en- vim remando na por R$ 12,00, já maré até certo tre família com meu pai meio. Aí ainda o quilo do siri catado é vendido vim remando... em especial”, disse. por R$ 25,00. naquele dia foi A pesca beleza”, recordou. artesanal para ela é muito mais que uma dor. Tome quebra água, A pesca em algumas atividade profissional. tome quebra água, a Comunidades É a sua identidade, valença que passou um Quilombolas na qual expressa uma casal, aí eu peguei um relação de amor com pano... Chega eu me No Quilombo seu território.“Ah, eu arrupiar, ópaí, abanei Salamina Putumuju, gosto! A minha vida é assim, ai ele veio pro situado no município de essa ai. Eu já acostumei. meu lado. Quando Maragogipe, foi onde No dia que eu não ele veio pro meu lado, Emílio Costa Borges venho, pergunte a eu disse assim: Não, começou a pescar minha filha aí, eu fico pois eu vim pescar e.. apenas com 12 anos. doente. Eu gosto de e agora que eu acho Emílio relata que a
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pesca artesanal é uma herança de muitas gerações e que o seu pai foi quem o influenciou para que ele aprendesse a arte de pescar. Relembra com entusiasmo como foi o momento que aprendeu com seu pai a arte de uma boa pescaria. “Meu primeiro contato com o mundo da pesca foi muito bom porque havia muitos pescados e também pescava entre família com meu pai em especial”, disse. Desde a juventude, Emílio aprendeu a importância da pesca sustentável. “A minha relação com meu território é de harmonia no sentido amplo da palavra, pois entendo o quanto é importante preservar o nosso território, utilizando-se dele com responsabilidade e respeito para que as gerações futuras possam ter como sobreviver”, afirmou. Atualmente Emílio pesca com redes com malhas de numero 20 e 25, no ciclo familiar com Nadson Costa Borges, Hélio Costa Borges. Emílio relatou ao pé da letra os peixes que capitura: “Pescadas, Cutupanhas, Tainha, Camarão Branco, Camarão Vermelho, Papaterra, Massambê. Olha mim esqueci de especificar, Pescada amarela, Pescada branca,dentre outros”. Uma prática tradicional da atividade pesqueira é a troca de saberes, em que o mestre da pescaria, que é aquele que detém os conhecimentos das marés, do horário da lua, da enchente e vazante do mar e dos locais ideais para uma boa pesca, transmite na prática seus conhecimentos ao moço, que normalmente é o pescador inexperiente ou um mestre que por reverenciar o conhecimento, se submete ao papel de aprendiz. O pescador André Luis Silva Santos, de 24 anos, natural de Comunidade Remanescente de Quilombo Conceição de Salinas, no município de Salinas 16
da Margarida, estuda no curso de Licenciatura em Educação Física, No Centro de Formações de Professores (CFP), na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia,em Amargosa. Ele aproveita os recessos das aulas para voltar a sua comunidade para exercer a atividade que ele aprendeu esde a infância na vivência com seus avós. Ele explica como é desenvolvimento a pesca em seu quilombo. “A pesca artesanal ela desenvolvida de várias formas. Tem uma diversidade de forma de pescar. Uma diversidade de tamanho de rede de pesca porque na verdade a pesca artesanal, agente desenvolve ela com as redes artesanais. Agente antigamente tinha um barco que antigamente era de madeira, que a gente ia para o alto mar a remo e hoje em dia, a gente utiliza motores. São barcos motorizados e a gente dependendo temos diversos tipos de rede, diversos tamanhos de malhas para diversos tipos de peixes ou frutos do mar, alguns mariscos, camarão, lagosta entre outros. O auxilio defeso Criado para dar garantias de renda aos pescadores artesanais de todo o País, o seguro defeso é o benefício destinado aos profissionais que ficam impossibilitados de trabalhar no período de defeso, meses em que a pesca para fins comerciais é proibida devido à reprodução dos peixes. Trata-se de um auxílio financeiro temporário, no valor de um salário mínimo, concedido ao pescador artesanal, no momento em que ele fica impedido de pescar no período de defeso, momento em que a pesca fica proibida para fins comerciais devido a reprodução dos peixes.
Quem pode utilizar esse serviço? Segundos informações do site do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que administra o benefício, são beneficiados os pescador que preencher os seguintes requisitos: • Exercer esta atividade de forma ininterrupta (individualmente ou em regime de economia familiar); • Ter registro ativo há pelo menos um ano no Registro Geral de Pesca (RGP), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), na condição de pescador profissional artesanal; • Ser segurado especial, na categoria de pescador profissional artesanal;
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Comercializar a sua produção à pessoa física ou jurídica, comprovando contribuição previdenciária, nos últimos 12 meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício ou desde o último período de defeso até o início do período atual, o que for menor; Não estar em gozo de nenhum benefício de prestação continuada da Assistência Social ou da Previdência Social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte; Não ter vínculo de emprego ou outra relação de trabalho ou fonte de renda diversa da decorrente da atividade pesqueira
Merivaldo Menezes de Salles, do conselho fiscal da Associação dos Remanescentes de quilombo de Acúpe, instituição que está localizada na cidade de Santo Amaro, diz se concorda ou não com o fato do pescador ser obrigado a pescar exclusivamente uma espécie de forma ininterrupta durante o ano todo. “Não, porque a pessoa fica impossibilitada de pescar outras espécies, e o pescador fica criminalizado se for pego pescando outro pescado a não ser o camarão”. É importante ressaltar que historicamente o pescador artesanal sempre teve em sua produção variedades de pescados.
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O “Candomblues” de Pablício Casapronta Uma composição inspirada na mistura de negritudes interamericanas Rafique Nasser
Fotos: Emilly Chaves
Pablício Casapronta, 42, é cantor, compositor, pai de dois filhos e feirense apaixonado por São Félix e Cachoeira. Vocalista de dois grupos atuantes no cenário independente da música baiana, teve a responsabilidade pela criação de um novo estilo musical, o “Candomblues” - Que mistura elementos da música religiosa afrobrasileira com o blues norteamericano. Nesta entrevista, Pablício conta como enxerga seu som, o mundo artístico que foi e vai se formando em sua volta e a construção do conceito estético de sua composição. 18
ENTREVISTA BD: Pablício, como você define seu gênero musical? Concorda
com o termo que críticos teceram: “Candomblues”?
P.C - Com o passar do tempo entendi que música é música. Uns dizem se é boa, outros dizem se é ruim. Quando comecei com o Clube de Patifes há 20 anos, uma banda de blues na Bahia, cantando e compondo em português – brasileiro, automaticamente as pessoas se viam obrigadas a encaixar a banda num estilo – o Blues. Só que a gente fazia um som para além dos standards do Blues. Fazíamos um Blues nosso de cada dia, com a nossa cara, com as nossas referências. Daí percebemos que nossa religiosidade – candomblé, umbanda e samba de caboclo, estavam querendo vir pra dentro de nossa musicalidade de maneira sutil. A própria banda hoje se autonomeia como uma banda de candomblues. Tudo construído naturalmente, sem soar forçoso. E respondendo a sua pergunta, meu gênero musical ele oscila hoje entre o rock, o folk, o blues, a música do recôncavo (que é muito rica) e “otras cositas mas”. Costumo dizer que com Casapronta – projeto que estou a frente agora, junto com Igor Skay, Dante José e Christian Azevedo - Fazemos um “folk rock blues experience for all”.
BD: Como é possível unir “BB King”(referência da música negra estadunidense) com “Mateus Aleluia” (referência da música negra nacional do recôncavo baiano), “Pontos de Caboclo” com “Mississippi Blues”? P.C - Quando começamos a entrar mais no mundo do Blues, com as pesquisas, ouvindo, lendo, pra entender mais de perto aquele universo americano, que também fora influenciado por negros escravizados vindos forçados da África, percebemos similaridades entre as duas realidades – a nossa e a deles. Os caras lá têm o rio Mississípi como uma das alegorias que compõem aquele universo bluseiro americano. Nós, aqui na Bahia, temos o grande Rio São Francisco e o fabuloso Rio Paraguassú que banha nossas queridas cidades gêmeas, que são Cachoeira e São Félix. Daí uma certa feita me veio uma frase à cabeça: “Um dia vamos conseguir unir as águas do Mississípi com as águas do Paraguaçu”. Essa troca de informações que tiramos dessa diáspora do blues, nos ajudou muito a nos formar enquanto banda – Clube de Patifes – e principalmente a mim enquanto compositor e cidadão consciente de quem sou, de onde vim e que posso e podemos fazer uma algo mais por nossa terra, com nossa linguagem e alegorias próprias. BB King o ícone mais pop do Blues no mundo, com seus bends singulares e “incopiáveis”, vem se juntar com Mateus Aleluia, os Tincoãs e suas preces e rezas em forma de músicas - e tantos outros baianos e nordestinos - alimentando nossas almas, nos fortalecendo e nos mostrando que a música casa vez mais não tem barreiras nem fronteiras.
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BD: Você é o frontman de dois projetos que estão circulando nas plataformas digitais, qual a diferença entre eles? Qual tipo de composição vigora em cada um? P.C - Como disse, o Clube de Patifes, em 2018 completa 20 anos, tem uma musicalidade calçada no blues americano, influenciado por Luiz Gonzaga, Trio Nordestino e Raul Seixas. Além desse celeiro musical, acrescenta o seu “Candomblues” e suas referências da música, da religiosidade e da cultura de matriz africana. O nosso quarto disco de estúdio, lançado em 2016, “Casa de Marimbondo” começa trazer um pouco desse candomblues que estamos procurando. O Casapronta é um projeto novo, com pouco mais de um ano, que pretende não se prender a rótulos – é difícil – mas vamos seguindo e tentando. As composições são diferentes pra ambos os projetos. Nãos ou eu apenas que compõe. Tanto no Clube de Patifes como no Casapronta, a galera ajuda nas composições e nos arranjos. No Clube no começo tratávamos de temas que remetiam a noite e boemia, inspiradas em farras e vivências de jovens que se conheceram numa universidade e inventaram de ter uma banda de Blues. Cantamos os amores e as dores também e as crises existenciais que assolam a gente. Coisa normal. No Casapronta, ainda estamos montando nosso repertório que comporá noss primeiro disco oficial. Lançamos uma demo tape com cinco canções que podem dar mais ou menos um norte sobre o que são nossas composições. A demo tape se chama “Casapronta Nº 18” e você pode encontrar pela net. A gente fala muito de amor, eu acho. O amor é um produto que vai vender pra sempre. Como o “Neston”, existem mil e uma maneiras de falar do amor, invente uma. Nós temos a nossa. Escuta lá depois e manda o feedback pra gente.
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BD: Como você enxerga o cenário do blues no Brasil? Há mais do “mesmo”, ou
o “mesmo” tem se transformado no “mais”?
P.C - Hoje estou um tanto quanto afastado do cenário do Blues. Mas enxergo sempre com bons olhos. Vejo novos nomes surgindo, como os amigos de Salvador da banda Restgate Blues, que trazem os standarts do Blues à tona. Tem também os grandes amigos da banda Água Suja, que todas às quartas estão sustentando a bandeira do Blues, alí no Rio Vermelho em Salvador. E tem uma banda, que pra mim é a melhor e que estão na ativa até hoje, que são os queridíssimos da Blues Etílicos. São fantásticos, com belos trabalhos gravados e são referências até fora do Brasil. Se eu fosse você ouvia os caras. Esse ano o Festival Agosto do Blues, que realiza a terceira edição em Cachoeira, irá homenagear o saudoso Álvaro Assmar, que nos deixou recentemente. Então, o blues segue vivo e respirando.
BD: Pablício, como você encara o público tradicionalista que acha que “samba é samba e blues é blues”? Você acredita que a música é “universal”? Há mais recusa à sua proposta ou mais aceitação? P.C - Bicho, os tradicionais ortodoxos sempre existirão. A cultura é mutável e com a música não é diferente. Não digo sair por aí enfeitando de qualquer jeito simplesmente pra se aparecer e torna a música descartável, não, não é isso. Mas a gente sabe que outros elementos acabam nos influenciando e transformando a música, seja ela samba ou blues. O que importa mesmo é a verdade que colocada na música. O público vai saber o que ele quer pra si, pra se emocionar, pra levar pra dentro de sua cabeça através dos fones de ouvido. A música ela se mantem viva quando é boa, quando emociona, quando te faz lembrar de algo, quando faz parte de tua vida. Nesse sentido posso dizer sim, a música é universal. Os públicos hoje em dia estão ávidos por coisa nova, a velocidade com que a internet expõe as novidades é muito rápida e as vezes não conseguimos acompanhar tudo que está sendo produzido, mas sempre a gente dá um jeito de fazer chegar nossa música pro nosso público e buscamos sempre ampliar. A aceitação do trabalho tem nos agradado bastante e a resposta do público que recebe nosso material é positiva. Que eu saiba, rejeições não foram registradas ainda (risos). E com isso vamos seguindo, compondo, tocando, com muita diversão e alegria com a música que fazemos. Grande abraço!!! Procurem o Casapronta e o Clube de Patifes no YouTube, Spotify, Deezer, iTunes e demais plataformas digitais e divirtam-se!!!! 21
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Foto: Emilly Chaves
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Cachoeira em luto
otel Colombo, marco da história cachoeirana, se torna alvo de discussões sobre a preservação do patrimônio.
janeiro de 2019, virou notícia em muitos jornais do estado e gerou grande comoção da população e dos amantes da cidade.
Não há quem visite Cachoeira e não repare a grande construção do Hotel Colombo – ou parte dela – localizada no ponto mais movimentado da cidade, principalmente nos finais de semana. A queda de parte do Hotel, ocorrida em 19 de
Com esse lastimáel acontecimento veio à tona tudo que estava por trás do descaso em relação ao hotel: brigas judiciais, sem desfecho, envolvendo a prefeitura, proprietário e o IPHAN.
O Hotel Colombo inicia sua história na década de 30, através de um espanhol que viu em Cachoeira a possibilidade de progresso econômico, recebendo pessoas de todos os lugares do mundo.
outras construções estão abandonadas e jogadas ao tempo, vindo a ser um risco para moradores e estabelecimentos próximos.
A Baião de Dois faz coro, direcionado aos órgãos competentes, junto à O que Aurélio Bouzas comunidade: provavelmente nunca CUIDEM DE NOSSA imaginaria seria o estado MEMÓRIA! que sua criação chegaria. Além do Colombo, várias
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ANOS 70 e a música brasileira: vigor, criatividade e contestação Ninguém duvida que toda a década de setenta foi extremamente prolífica para a canção popular nacional. Inúmeros festivais universitários e televisivos eram assunto extremamente comentado na sociedade. Artistas de grande importância, como Fagner, João Bosco, Ivan Lins e Alceu Valença, se consolidaram nesta época. A repressão na qual o país estava submerso, devido à Ditadura Militar e ao Ato Institucional n°5, fazia emergir hinos pela liberdade que, até hoje, são utilizados em protestos e manifestos. Aqui, a Baião de Dois selecionou um disco de cada ano da década. Por Rafique Nasser
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Foto: Emilly Chaves
1970 FORÇA BRUTA – Jorge Ben
1971 CONSTRUÇÃO –Chico Buarque de Hollanda
Sétimo álbum de Jorge Ben, segundo acompanhado do conjunto “Trio Mocotó” - que acompanhava, também, nomes como Nelson Cavaquinho e Clementina de Jesus -, é considerado, até hoje, um dos mais importantes do compositor. O disco começa com “Oba Lá Vem Ela”, composição de Ben, e termina com a canção que dá nome ao disco, também de Jorge.
Antológico álbum da música brasileira, Construção foi lançado em 1971. A canção que dá nome ao disco fala sobre o universo do operário da época, sua situação muitas vezes precarizada, e sobre seu cotidiano – que termina em tragédia -, além de ser um retrato sobre as ações de trabalhadores de determinadas classes sociais do período do regime militar. Construção é um álbum que acentua para o cenário nacional o Chico contestador, que faz críticas duras e profundas ao status quo. Foi gravado a partir de 70, quando o compositor voltou de seu autoexílio na Itália.
1972 TRANSA – Caetano Veloso Histórico disco do baiano de Santo Amaro, foi gravado em Londres, durante o período em que Caetano permaneceu no exílio. O disco, cantado em inglês e português, tem faixas que mesclam a musicalidade de Veloso com versos de poetas e compositores brasileiros mais
antigos – como é o caso de “Triste Bahia”, de Caetano e Grégório de Mattos e “Mora na Filosofia”, de Monsueto e Arnaldo Passos. Transa une, em uma só obra, elementos do pop estrangeiro, reggae, baião, samba e outras muitas coisas mais. Um de seus arranjadores é o cantor e compositor Jards Macalé quem também assume o violão.
1973 MANERA FRU FRU MANERA ou O ÚLTIMO PAU DE ARARA – Raimundo Fagner Disco de estreia do cearense de ascendência libanesa, é um dos marcos da “invasão” nordestina na música brasileira dos anos 70. Traz influências diretas do profundo sertão brasileiro e discute suas agruras, mas, também, está imerso na cultura popular urbana – como é o caso de “Nasci Para Chorar”, uma versão aportuguesada de “Born to Cry”, do norte americano Dion Dimucci. Fagner divide os vocais em duas músicas com a já consagrada Nara Leão.
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1974 GITA - Raul Seixas
Terceiro álbum de Raulzito, foi lançado em primeiro de fevereiro de 74. O título se refere a um livro hinduísta, o Bhagavad Gita, que trata sobre o diálogo entre Krishna – suprema divindade hindu – e seu discípulo. É o disco mais vendido do artista, ostenta sucessos como “Medo da Chuva” e “Sociedade Alternativa”. Foi produzido após a volta de Seixas do exílio. Assinala, em sete das doze faixas, sua fértil parceria com o escritor Paulo Coelho.
1976 FALSO BRILHANTE – Elis Regina Primeiro, esse disco foi responsável pela revelação do jovem compositor, naquela época ainda um ilustre desconhecido no cenário nacional, Belchior. Elis, pouco contida e experimentando sonoridades mais pungentes, canta, nesse álbum, músicas que ficariam tatuadas na história da canção popular brasileira – por exemplo “Como Nossos Pais” e “Velha Roupa Colorida”. É um disco de uma cantora já consolidada, mas que mostra que sempre é sempre possível a reinvenção. Para além disso, é inegável sua verve de ataque à repressão política, vigente na ocasião.
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1975 DI MELO – Di Melo Gravado em somente oito dias, o disco de estreia do pernambucano Di Melo é considerado uma raridade nos dias atuais. Relançado recentemente, em 2018, em vinil, por muito tempo foi o único disco do artista – que, inclusive, foi dado como morto. Faixas como “Kilariô” e “A Vida em seus Métodos diz Calma” são destaque no albúm, cuja sonoridade do funk, soul, samba e tango são vibrantes. Dentre os ilustres do time de músicos, está Heraldo do Monte (Viola e Violões) e Hermeto Pascoal (Flautas e teclados).
1977 REFAVELA – Gilberto Gil Segundo disco da trilogia Re – os outros dois são Refazenda (1975) e Realce (1979) -, Refavela traz influências sonoras africanas e afrobrasileiras fortíssimas. Elaboradas após uma viagem de Gil a Nigéria, as canções evocam, como uma de suas sonoridades principais, o afrobeat de Fela Kuti. O conteúdo da maioria das músicas discute o mundo negro, a beleza da arte de ancestralidade africana – Valorização do Ilê Ayê e do bloco Filhos de Gandhi - e os problemas que essa população – marginalizada pelos processos históricos cruéis – sofre no país.
1978 CORREIO DA ESTAÇÃO DO BRÁS – Tom Zé De arranjos com ares experimentais – como é de costume do baiano de Irará –, Correio da Estação do Brás é um disco que trata sobre a figura do nordestino migrante, sofredor das sequidões de todos os tipos. Na música faixa-título, o personagem é um homem solícito, e sério, que se propõe a levar recados de oriundos da Bahia aos seus parentes, pois viaja na próxima quinta, para Feira de Santa. É o sexto álbum de Antônio José, e o último deste lançado na década de 70. O bolero “Amor de Estrada”
1979 FREVO MULHER – Amelinha
Dirigida por Geraldo Azevedo e Zé Ramalho, Amelinha – cantora da geração do movimento Pessoal do Ceará – lança, em 1979, o “Frevo Mulher”’. Tem em seu time de músicos nomes como Raimundo Fagner, Pedro Osmar e Dominguinhos. O repertório apresenta canções de importantes compositores nordestinos
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Fotos: Emilly Chaves
Nós por nós Estúdio de tatuagem possui uma formação exclusivamente feminina que tem como foco abrir oportunidades para que outras mulheres adentrem ao mercado de trabalho. Por Emilly Chaves
O
avanço feminino pela independência e por criar seus próprios espaços, fez com que no dia 06 de setembro de 2018, Micaele, 22 anos, Karol, 25, e Mica, 20 inaugurassem a Benedita Tattoo House um es-
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túdio de tatuagem com o próposito de criar um ambiente confortável e aconchegante para todas as mulheres. E, inclusive, a escolha do nome Benedita foi feita com a intenção de representar, lembrar e relacionar com o feminino.
Além de fornecerem esse serviço, periodicamente elas abrem espaços para que outras mulheres empreendedoras exponham todos os seus produtos. Ao entrevistar Micaele, a mesma contou sobre as dificuldades
de se trabalhar em “Infelizmente muitas fazer é abrir as portas ambientes que em sua mulheres não se para essas mulheres, maioria são ocupados sentem confortáveis por sabermos que é por corpos masculinos em se tatuar com difícil de entrar” e o que enfrentou por homens, e o mercado . ser mulher. “é muito já está cheio deles”, por Apesar de já ter difícil ser mulher, artista estes e outros fatores, pensado em desistir e procurar emprego Micaela decidiu ter devido as dificuldades, nesses lugares, sempre a formação do seu Micaele se encontrou desconfiam do seu estúdio exclusivamente nesse espaço e agora trabalho, acham que feminina, mas destaca tem 100% de certeza não é capaz”. E que é isso que “É muito difícil ser mulher, por causa dessa quer para o resto desvalorização artista e procurar emprego da vida: tatuar ela decidiu e ajudar outras nesses lugares, sempre colocar seu mulheres a serem desconfiam do seu sonho em donas do seu trabalho, acham que não prática. próprio negócio. Apesar de é capaz”. possuir um foco feminino, o estúdio que isso não quer atende a todos os dizer que os homens públicos, mas destaca não sejam bons que 90% da sua clientela profissionais, ou não são compostas por respeitem as pessoas, mulheres, que sempre mas sim que o intuito elogiam a iniciativa, do projeto é abrir e apoiam, fazendo espaço para que as tatuagens, divulgando mulheres adentrem e ajudando sempre que e ocupem esses possível a manter esse espaços. “O mínimo sonho de pé. que a gente tem que
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LGBTFOBIA: Até quando? Por Emilly Chaves
O curta-metragem “Mãe?” dirigido por Antônio Victor, estudande de cinema da UFRB relata e faz crítica ao dilema enfrentado por muitos integrantes da comundade LGBT: a violência.
Fotos: Emilly Chaves
Confira ao lado o comentário de Antônio sobre a produção.
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Texto: Antônio Victor.
Antônio Victor
O drama “Mãe?” mostra ao espectador de forma gradual como o preconceito vai minando até os vínculos mais fortes, como uma relação materna. No momento em que estamos vivendo é necessário fazer filmes sobre nós que vão além da nossa própria bolha e consiga atingir aqueles que estão fora dela. Por isso, foi muito importante para mim produzir esse filme. Ainda que seja uma obra onde o homossexual sofra, ele não está sofrendo por ser parte do grupo LGBT, ele está sofrendo pelo preconceito ao seu redor. E até a mãe, que em parte é causadora dessa dor, ela também está sofrendo por conta de um preconceito que não nasceu dela, mas que está ali ao redor nas suas relações com a sociedade. Um retrato infeliz do nosso Brasil atual. Eu faço parte de um grupo que pesquisa cinema e educação, o PET Cinema, e a partir desses estudos percebi que as escolas
são um ótimo lugar para que esses filmes sejam distribuídos dentro da sociedade e atinjam novos públicos. Existe uma lei nacional que obriga a professores exibirem uma cota anual de horas em sala de aula de produtos audiovisuais. E tendo como a ótica de aulas de 50 min, curtametragem é perfeito para esse ambiente. Onde é possível dentro dessa ótica n apenas exibir o filme como discutilo dentro da sala de aula (sua temática e sua linguagem).
Sinopse: sozinha, a mãe de Miguel tenta criá-lo da forma que ela acredita ser a melhor, mas talvez, sem que perceba, ela perde um pouco do filho a cada passo que dá.
Reprodução: filme “Mãe?” 31
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