A Cada Dia - Jota Clewton

[...]

Mas a minha tristeza é sossego Porque é natural e justa E é o que deve estar na alma Quando já pensa que existe E as mãos colhem flores sem ela dar por isso. [...]

1ª EDIÇÃO

NATAL 2020

Copyright © José Clewton do Nascimento, 2020 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610 de 19/02/1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, do autor.

1ª edição 1ª impressão (2020): 300 exemplares

Nascimento, José Clewton do (Jotaclewton) A cada dia : traços em uma quarentena / José Clewton do Nascimento (Jotaclewton). -- Natal, RN : Caravela Selo Cultural, 2020.

ISBN 978-65-88076-08-8 1. Arquitetura 2. Coronavírus (COVID-19) Pandemia 3. Desenho arquitetônico 4. Isolamento social I. Título.

CDD-720.284 Índices para catálogo sistemático:

1. Desenho arquitetônico : Arquitetura

João Bosco Araújo da Costa – Presidente (Prof. Dr. da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Alexsandro Galeno Araújo Dantas (Prof. Dr. da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Daniel Menezes (Prof. Dr. da Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

20-50068

CONSELHO EDITORIAL

720.284

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

Francisco Alencar Mota (Prof. Dr. da Universidade Estadual Vale do Acaraú) Jacimara Villar Forbeloni (Prof.ª Dr.ª da Universidade Federal Rural do Semiárido) Jessé de Souza (Prof. Dr. da Universidade Federal Fluminense) Joana Aparecida Coutinho (Prof.ª Dr.ª da Universidade Federal do Maranhão) Joana Tereza Vaz de Moura (Prof.ª Dr.ª da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) João Emanuel Evangelista (Prof. Dr. da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) José Antonio Spineli Lindozo (Prof. Dr. da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Maria Conceição Almeida (Prof.ª Dr.ª da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Maria Ivonete Soares Coelho (Prof.ª Dr.ª da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)

Direitos reservados a José Clewton do Nascimento Natal – Rio Grande do Norte – Brasil 2020 Printed in Brazil – Foi feito depósito legal

Norma Missae Takeuti (Prof.ª Dr.ª da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Vanderlan Francisco da Silva (Prof. Dr. da Universidade Federal de Campina Grande)

Dedicado aos “Inumeráveis”, lembrados por Chico César e Bráulio Bessa.

— Sou imensamente grato aos meus próximos (família e amigos) por tornarem possíveis esses traços-abraços.

PREFÁCIO____________________________________ 11 APRESENTAÇÃO______________________________ 13 PARTE 1_________________________________________ 21 Dias e traços de afetos Traços e memórias de lugar__________________ 23 “Cooperativa”______________________________ 23 Casa de Eunádia___________________________ 33 Traços-abraços_______________________________ 57 Família_____________________________________ 57 Amigos____________________________________ 69 PARTE 2_________________________________________ 83 Dias de juntar os traços – USKuarentena Desafios USK Natal________________________ 83 Encontros Virtuais USK Brasil (Brasil USKuarentena)_____________________ 93 PALAVRAS FINAIS_____________________________ 117

Completados, hoje, 124 dias de isolamento em função da pandemia do novo coronavírus, rever os desenhos produzidos por Clewton durante esse período, me faz refletir sobre as estratégias de sobrevivência que adotamos desde o início e que nos mantiveram, até o momento, saudáveis mental e fisicamente.

Nesse sentido, sem dúvidas, a rotina de desenhar o que fosse possível contribuiu imensamente para que o nosso “mão nervosa” se ocupasse com uma atividade que lhe dá muito prazer em realizar, enquanto esperávamos o desenrolar dos acontecimentos e a autorização para a realização de atividades acadêmicas remotas.

Para quem costuma desenhar na rua os cenários e cotidiano das cidades, notadamente seus centros históricos – sob várias possibilidades de observação –, pensando em como aquele desenho pode ilustrar uma aula, ou dar a entender como aquele sítio foi planejado, ou como se deu a sua transformação, foi preciso tomar a decisão de voltar esse olhar mais atento para as miudezas do cotidiano doméstico, limitado por paredes ou, quando muito, ampliado para o jardim/quintal da minha casa ou pelas janelas do seu apartamento no 15º andar de onde se vislumbra um trecho da cidade e sua cobertura vegetal mais expressiva formada pelo Parque das Dunas.

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A vegetação, inclusive, foi um dos temas abordados nessa série de registros em tempos de pandemia. A necessidade de se expor um pouco ao sol diariamente, para fortalecer o sistema imunológico, o levou a observar as cenas e o colorido do jardim, a textura das folhas e os detalhes das flores. Pode-se afirmar que há um quê de Marcovaldo nesses momentos de pequenas descobertas, de encontrar a importância das coisas simples do cotidiano, como bem observa Manoel de Barros em sua poesia, registrados nos desenhos que poderão ser apreciados neste livro.

A tentativa de se manter conectado à família e aos amigos não poderia se dar de outra forma que não fosse por meio do gesto carinhoso de representar o que lhe foi sugerido/enviado como imagens digitais.

Essa troca de energias decorrentes da procura por lembranças, do envio do achado, do recebimento do carinho, da interpretação da imagem, do traço que percorre o papel registrando o que é captado pelo olhar atento, passa pelo filtro do coração e chega à mão que segura a canetinha ou o marcador – seus instrumentos de registro preferidos — e, por fim, o envio do desenho tem gerado a “imunidade” necessária para se atravessar essa pandemia que, de súbito, nos afastou de pessoas e lugares.

Este livro marca esse momento excepcional que atravessamos. Afirma o sentido de perten[ser] aos/ nos lugares, aos/nos momentos e ao/no mundo apesar de tudo, por outro lado, expressa a vontade de [r]existir e sobreviver sem perder a ternura (e a saúde mental também) desenhando sempre.

Eunádia Cavalcante 21 de julho de 2020.

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Eu costumo me apresentar como professor-desenhador-viajante. Na medida do possível, procuro fundir essas três personalidades em uma só. Geralmente, quando estou viajando, também desenho e “preparo” aulas (pelo menos, já as organizo na minha cabeça).

Recentemente, no início de 2020, estive primeiramente em João Pessoa (janeiro) e posteriormente em Recife/Olinda (fevereiro) fazendo registros que irão compor uma publicação sobre as cidades coloniais brasileiras, vistas sob a ótica do meu olhar (aliando o professor ao desenhador). Além de João Pessoa e Recife, serão incorporados desenhos de

viagens anteriores, resultados de percursos por Salvador, Ouro Preto, Penedo, Areia.

Para além dessas viagens em locais mais próximos, estavam programados outros dois deslocamentos: a Portugal, para atividades de pesquisas relacionadas aos programas e às ações de regeneração urbana desenvolvidos na cidade de Torres Vedras (como continuidade das pesquisas desenvolvidas no período de pós-doutorado, de setembro de 2018 a fevereiro de 2019, as quais foram incorporadas a atividades relacionadas ao desenho de rua); e ao Rio de Janeiro, para participar do 5º Encontro Urban Sketchers Brasil.

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Essas experiências são atravessadas pelo ato de “estar nos lugares”, no sentido de experienciar, apropriar-se dos espaços da cidade, seguindo a perspectiva fenomenológica como norteadora desse ato. Ou seja: para mim, desenhar, como um ato de apropriação dos lugares, é o modo como afirmo o meu sentido de pertencimento no lugar-mundo.

No entanto... veio a pandemia.

E devido o alcance atingido pelo alastramento do vírus, nas escalas internacional e nacional, foram necessárias tomadas de decisões com relação às medidas de isolamento social que afetaram significativamente o planejamento de nossas vidas e, consequentemente, a necessidade de adaptação ao “estar no lugar”. Esse lugar agora está vinculado ao núcleo básico: ao meu apartamento e à casa da Eunádia, minha companheira. O olhar para as coisas da prática cotidiana mudou: agora está mais atento às minúcias, ao detalhe. É verdadeiramente um “olhar para dentro”, introspectivo. E esses objetos passam a ser os focos dos desenhos, já que sair para a rua tornou-se não recomendável.

Então, no primeiro momento, passei a fazer os registros do meu apartamento, carinhosamente 14

conhecido como “a Cooperativa”, por ser um espaço destinado a agregar os amigos por excelência. Por dias dediquei horinhas a desenhar os ambientes, os objetos, os utensílios, os souvenirs e, à medida que os desenhava, fui rememorando fatos, histórias, memórias, relacionados a cada objeto: locais de aquisição, pessoas com quem estava, cheiros, sons... enfim, aspectos relacionados à dimensão espaço-temporal do contexto que me vinculava aos objetos desenhados.

Em paralelo, passei a desenhar objetos e lugares na casa da Eunádia. E passei então a incorporar, além dos objetos de meu lugar – alguns em que dividimos histórias e memórias – os do lugar dela, de histórias de vida dela – passado e presente; os objetos que enlaçam histórias da família, dos amigos; e, principalmente, as plantas e os objetos que fazem parte do seu “horto particular”.

Foi quando percebi que estava a construir pequenos textos, que, ao se fundirem com os desenhos, tornaram-se narrativas de memórias e afetos entre mim e os objetos representados. Então comecei a me dar conta da possibilidade de transformar essas narrativas em um marco deste momento.

De imediato, fui conversar com minha sobrinha Fabiana sobre a ideia (a Fabiana é meu “grilo falante”: uma pessoa com quem converso praticamente sobre todos os assuntos e, com certeza, desse eu não iria me furtar a ouvir os seus comentários e sugestões). No decorrer das longas conversas, ela me sugeriu algumas leituras que trazem o tema relacionado aos objetos como suportes de memória. Tais referências foram fundamentais para eu estabelecer um caminho para estruturar esta publicação. Saliento, no entanto, que não tratei de fazer uma leitura aprofundada da temática, e sim procurei “parcerias” para estabelecer um diálogo sobre o assunto, puxado pelos desenhos, objetos e também fotografias como suportes e comunicadores de memórias.

Já discorri em outros momentos sobre a minha relação com o desenho vinculada a um modo de ser / estar no mundo e aqui retomarei alguns aspectos, para fazer uma articulação com os demais pontos. Primeiramente, reporto-me ao desenho como canal de construção de conhecimentos.

Conforme aponta Kuschnir (2012, p. 295), o desenho é “uma das múltiplas linguagens que produzem um conhecimento mais rico sobre tudo que nos cerca”.

Por meio da prática do desenhar podemos “conhecer o mundo”: “apresentar, revelar, manifestar, expor, marcar, dar provas de, realçar, atestar, salientar, deixar ver, fazer compreender, demonstrar, tornar visível” (KUSCHNIR, 2012, p. 296). Em síntese, o desenho nos possibilita construir um olhar – nosso, identitário – sobre o mundo. Torna-se, portanto, criação, invenção.

Ademais, a prática do desenhar apresenta uma possibilidade do acúmulo e uma construção de um quadro riquíssimo de imagens mentais (RICHARDS, in Urban Sketchers em Lisboa: Desenhando a cidade, 2012, p. 15-16), bem como incentiva um processo exploratório de descoberta e, por conseguinte, vincula-se a um processo de aprendizagem, pelo qual, necessariamente, ao se desenhar, busca-se aprender algo, e algo a mais, sobre uma pluralidade de coisas (BREHM, in Urban Sketchers em Lisboa: Desenhando a cidade, 2012, p. 20). É necessário discorrer sobre a relação aqui estabelecida entre os desenhos e os objetos: sobre estes, considero o aspecto de possuírem grande valor sentimental e memorial, podendo contar muito sobre os indivíduos, suas características, grupos 15

social e econômico, atuando como evocadores de memória (NERY et al, 2015, p. 43). Tornam-se elementos representativos da identidade dos sujeitos e de suas vidas, nos âmbitos individual e coletivo, e são também comunicadores de memórias e ‘pontes’ de uma memória coletiva ou individual (NERY et al, 2015, p. 44).

Nery et al (2015, p. 45) citam Le Goff (2003, p. 13), para corroborar o autor, no aspecto concernente à fotografia tornar-se manifestação da memória, sendo que ela “revoluciona a memória: multiplica-a e democratiza-a” – tendo, portanto, o poder de conservar a memória do tempo. Eu também me permitirei utilizar da afirmação de Le Goff para argumentar que o desenho também apresenta essa possibilidade. E é nessa perspectiva que apresentarei, neste livro, um conjunto de desenhos realizados durante uma boa parte do período de isolamento social relacionado à pandemia do novo coronavírus.

Esse conjunto de 70 desenhos – selecionado dentre cerca de 150 desenhos feitos durante um período relativo a cerca de 120 dias – representa o modo simples e direto como procurei conviver de forma mais “leve” com esse momento. Foi minha principal 16

terapia. E foi também como eu pude deixar marcada a memória desse momento em que, mesmo distante fisicamente da família, dos amigos, dos colegas urban sketchers, procurei, por meio dos registros feitos, encontrar formas de aproximação com eles.

Os desenhos foram divididos em temáticas, que passarei a apresentar de forma sintetizada a seguir.

Chamei a primeira parte desse conjunto de desenhos de “dias de traços e afetos”, a qual dividi em dois subconjuntos: o primeiro, intitulado “traços de memória de lugar”, refere-se a desenhos realizados nos meus lugares de estar mais frequentes: meu apartamento (a “cooperativa”) e a casa da Eunádia. Os registros abrangem escalas distintas, desde a representação de ambientes em geral (quartos, salas, jardim, vistas das janelas) a desenhos de pequenos objetos, e transformam-se em narrativas de memórias, vinculadas aos objetos, aos espaços e às pessoas (com quem se estava, as cenas, os fatos ocorridos). À medida que desenhava, lembrava-me das histórias e fui sentindo a necessidade de fazer também registros textuais. O segundo subconjunto, batizado de “traços-abraços”, diz muito sobre esse título: foi uma maneira que encontrei de trazer

a família e os amigos para mais perto. Tive uma ideia de pedir que as pessoas de minha família e alguns amigos próximos me enviassem fotografias de pessoas e/ou de locais que visitaram em viagens que fossem, por algum motivo, marcantes. Recebidas as fotos, dei minha interpretação a elas sob forma de desenhos, e os enviei, o que possibilitou a lembrança de memórias que foram compartilhadas entre os envolvidos nesse “ir-e-vir”. De repente, saí da escala “de dentro” (apartamento-casa) e “ganhei o mundo” por meio das “viagens compartilhadas” da família e dos amigos.

A segunda parte, denominada “dias de juntar os traços: USKuarentena”, retrata os momentos em que me juntei a essa grande família formada pelo grupo de desenhadores urbanos Urban Sketchers, nas instâncias nacional e local. É bem sabido que as atividades dos grupos USK espalhados pelo mundo procuram ser fiéis aos princípios do seu Manifesto, dos quais um deles é o de que “desenhamos no local, dentro ou fora, capturando o que vemos a partir da observação direta”. Ocorre que, devido à condição de isolamento social, foi preciso pensar em flexibilizar esse princípio, visto que se tornou não recomendável

ir às ruas, principalmente evitando aglomerações.

Cumpre ressaltar também que essa flexibilização está atrelada à particularidade deste momento, ou seja, quando for possível a retomada das atividades na rua, volta-se a se seguir fielmente os princípios do Manifesto.

A série de desenhos que constitui a segunda parte também foi subdivida em dois blocos: o primeiro, intitulado “Desafios USK Natal”, é composto por desenhos feitos a partir dos desafios estabelecidos pela Coordenação do grupo e abrange o que chamo de “escala da proximidade”, ou “escala miúda”. São desenhos feitos de dentro de nossas casas e “de dentro para fora”: mobiliários, souvenirs, companheiros de quarentena, panelas e afins, esquadrias, vistas das janelas. Essa escala “de dentro” guarda então similitude com os desenhos que fiz em um primeiro momento de isolamento e que constam da primeira parte deste livro. O que será incorporado é o fato de que a construção das minhas narrativas (objeto desenhado e texto) agora junta-se às narrativas individuais de cada integrante do grupo, criando assim uma narrativa coletiva.

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O segundo bloco, denominado “Encontros Virtuais USK Brasil (Brasil USKuarentena)”, traz desenhos feitos a partir de uma ideia apresentada pela Coordenação USK Brasil, que objetivou manter os grupos realizando atividades, mesmo sem ir às ruas. Para isso, foi aventada a possibilidade de flexibilização do princípio do “estar no lugar”, em caráter excepcional, e foi elaborada uma lista de locais situados nas cidades do Brasil que possuem atualmente grupos ativos. Na sequência, foi elaborado um calendário de atividades que consistiram em “visitas virtuais” (tendo como base o Google Street View). O resultado foi um grande apanhado de registros pelas mais variadas situações urbanas. Tal experiência possibilitou não somente a atividade prática do desenhar mas também a socialização entre os participantes, por meio dos registros. Devo salientar também que vi nesse conjunto de atividades a possibilidade de me manter em contato com o mundo externo; e por que não dizer com as minhas “viagens”?

Esse conjunto de registros, portanto, para além do fato de ter sido minha principal terapia durante esse difícil período – que na verdade ainda estamos vivenciando – foi também o modo que utilizei para 18

relatar as duas “viagens” que fiz: uma “para dentro” do meu mundo cotidiano, das miudezas; a outra “para fora” do meu núcleo-base, pelas cidades do Brasil, umas revisitadas, outras ainda por visitar.

E considero necessário afirmar que essas duas viagens, na verdade, fazem parte de uma só: a que, a partir da conexão entre o “dentro” e o “fora”, me faz – com a permissão da licença poética – PERTEN(SER) a este mundo, da mesma forma que a Gabi Vieira entende o sentido da palavra PERTENCER como uma relação entre “falar de coisas grandiosas como planetas, ao mesmo tempo que se refere a coisas tão pequenas como chegar na casa de voinha e correr pra comer aquele bolo de mandioca, que só te enche de saudade e alegria”. É nesse sentido também que não posso deixar de me reportar a Manoel de Barros: o meu PERTEN(SER) dá importância e respeito às “coisas desimportantes” e às relações “miúdas”, pois “meu quintal é maior que o mundo”, ou seja, cabe o mundo dentro dele.

E nesse meu entendimento sobre o PERTENCER / PERTEN(SER) ao mundo, o traço é a minha principal fala.

REFERÊNCIAS BARROS, Manoel de. O Apanhador de Desperdícios. In Poesia Completa.

São Paulo: Leya, 2011.

KUSCHNIR, Karina. Desenhando Cidades. In Revista sociologia & antropologia, v.02.04, 2012.

LE GOFF, Jacques. História e Memória.

Campinas, Editora da Unicamp, 2003.

NERY, Olivia; SCHNEID, Frantieska; FERREIRA, Maria Letícia; MICHELON, Francisca Ferreira.

Caixas de Memórias: a relação entre objetos, fotografias, memória e identidade ilustradas em cenas da ficção. Revista Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, Vol. 51, N. 1, p. 42-51, jan/abr 2015.

URBAN SKETCHERS EM LISBOA. Desenhando a Cidade. Lisboa: Quimera Editores, 2012.

Comecei a minha série de desenhos USKuarentena. Essa será uma das principais formas de tornar esse período um pouco mais leve e alegre.

E tinha que começar com um desenho geral do meu cantinho, conhecido carinhosamente por Cooperativa. Espero que, num tempo breve, eu possa estar junto dos mais próximos, curtindo esse meu lugar.

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O desenho de hoje é do meu quarto de estudo.

Nele tem uma mesa, que herdei de uma grande amiga (que não está mais entre nós), e uma cadeira “xerife”, que garimpei nas lojas de “tudo usado” na rua da República, em Jampa. As duas fizeram um par perfeito. E tem as minhas estantes de livros, estas sempre “em constante transformação”.

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Hoje eu desenhei um lugar de que gosto muito em meu apartamento. Em um pequeno espaço, guardo vários tempos. Tem uma TV de tubo (tem gente que não vai nem saber o que é isso) que ganhei para que se ouça alguma zoada nesse apartamento. Tem também uma vitrola portátil, de design maravilhoso, que comprei de uma amiga. Essas raridades estão em cima de uma mesa de design alemão anos 1950, que motivou uma viagem que eu e Eunádia fizemos por algumas cidades históricas do Nordeste, no intuito de ir buscá-la em Aracaju, pois a comprei de uma amiga que foi morar na Alemanha.

Embaixo da mesa ainda deu para encaixar uma mala que comprei em uma loja de usados na Ribeira velha de guerra. Dentro da mala, uma dúzia de discos (bolachões) que, de vez em quando, colocamos para tocar na vitrola. Para arrematar a composição, tem uma luminária que carinhosamente dei o nome de Almodóvar e que está prestes a completar 15 anos. Não tem como não lembrar de Nalva quando olho para essa luminária, pois ela se apaixonou pela peça desde a primeira vez que a viu.

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Este é o desenho de hoje da série “os jardins da casa da Eunádia”. Na verdade, as plantas são minhas, presente dela. Um combo de espada de São Jorge com comigo-ninguém-pode. Para proteger, claro. Estão na casa dela desde uma viagem mais longa que fiz e que achamos melhor deixá-las aos cuidados dela.

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Série “os jardins da casa da Eunádia”: hoje desenhei o detalhe de uma planta. A flor de um dos tipos de helicônia.

Duas coisas tomaram a minha atenção: 1. não foi fácil eu chegar a uma representação razoável da relação entre cores e texturas e volumes (mas creio que valeu a intenção); 2. achei muito interessante a forma como cada pétala se articula para formar o todo.

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O desenho da série “os jardins da casa da Eunádia” de hoje é de uma bananeira. Porém não é uma bananeira qualquer: foi uma muda que veio lá do Crato, mais especificamente do sítio do meu irmão João Vianey. Foi cuidadosamente embalada por ele e viajou conosco 13 horas de “légua tirana”, cruzando uma parte do sertão nordestino, em um trajeto que conecta o Cariri cearense à cidade do Natal.

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Hoje retornei aos jardins da casa da Eunádia. Fiz um desenho de uma planta que passou a chamar minha atenção por conta da tonalidade prateada das folhas, que praticamente faz com que tenhamos clareza na sua estrutura. A espécie tem o nome científico “epíscia cupreata musaica” e nome popular “planta-tapete” (essas informações eu pesquisei no livro Enciclopédia 1001 plantas & flores, emprestado pela Eunádia). Só não tinha desenhado na semana passada porque estava sem a caneta prata.

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A Eunádia tem praticamente um conjunto de plantas “flor do deserto”, e hoje resolvi desenhar uma delas. Duas coisas me chamam atenção na espécie: a beleza da flor (que infelizmente não pude representar, pois, segundo Eunádia, não está no tempo de ela aparecer); e a forma como o caule se ramifica, fazendo com que cada uma plantinha dessas seja uma única.

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Na casa da Eunádia, existe uma variedade de escalas de vegetação, o que me oferece uma gama variada de possibilidades de registro. Nesses dias, eu estou muito concentrado na pequena escala (talvez influenciado pelas referências do Marcovaldo do Calvino e do Manoel de Barros, que sempre estiveram de olhares atentos às minúcias).

O desenho de hoje é de um “candelabro” (euphorbia trigona rubra). O exemplar desenhado não passa dos 20 cm de altura.

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Desde o dia que desenhei a flor do deserto “sem a flor”, fiquei com a necessidade de retratar mais que depressa uma espécie com flor. E escolhi uma orquídea (oncídio).

Eu não aquarelo (não me perguntem por que, pois nem eu mesmo sei). Utilizo frequentemente marcador. E representar essas cores e texturas acaba se tornando um grande desafio. Contudo, confesso que estou gostando dos resultados.

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Continuo a escolher a pequena escala: dessa vez, é uma flor-de-maio, ou flor-de-seda. E mais uma vez, sem a flor, que é belíssima. Todavia, como no manifesto USK é recomendado que se desenhe levando em consideração “O momento”, assim o fiz. Ficarei devendo o desenho da flor.

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A Eunádia ontem reclamou, pois eu não estava dando muita atenção às frutíferas. Então, hoje, resolvi desenhar o mamoeiro que fica no quintal. Como a escala mudou, a representação tende a ser mais estilizada. Falar de mamoeiro é lembrar do maravilhoso doce de mamão com coco que a minha querida e saudosa mãezinha – a Dona Fransquinha – fazia.

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No calendário católico, hoje é Domingo de Ramos.

E ao ver a Eunádia fazer com carinho as cruzes com ramos de uma Jussara, lembrei-me da tradição dos meus pais nesse dia: confeccionar as cruzes e distribuí-las com a família. Resolvi, então, fazer um desenho esquemático da Jussara, de onde saíram os ramos e as cruzes confeccionadas. Que hoje seja um dia que, independentemente de qualquer credo, peçamos força e proteção para superarmos esse momento da melhor maneira possível!

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Hoje, demorei um pouco mais a fazer a postagem.

Comecei a registrar alguns cenários de vegetação e decidi iniciar por um lugar que muito me apraz: o jardim interno da casa da Eunádia. O desafio foi grande, pois, no horário que desenhei, havia um forte impacto de luz e sombra na cena, mas creio que ficou razoável!

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O jardim da casa da Eunádia tem uma série de recantos em que a vegetação faz composição com objetos de memória e do cotidiano. Este é um deles. Decidi não carregar nas cores e utilizei praticamente traços e sombreados (como nos velhos tempos!). Das espécies, identifico (pela escala) a árvore-da-felicidade (fêmea) e a palmeira­-­washingtoniana-de-saia.

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Sabe aquele marcador que não é recarregável e a tinta está acabando? Não jogue fora! Ele será necessário para dar um ar de pátina, de marca do tempo, em alguns desenhos. Foi o que fiz para representar essa parede. A atmosfera “ruskiniana” também é possibilitada pela presença da unha-de-gato (ficus pumila) a tomar conta da superfície.

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A cozinha da casa da Eunádia também tem jardim.

Ele é a continuidade do pergolado da sala de estar, que se transforma num recanto bem agradável.

Nesse lugarzinho, temos uma jiboia (passando da sala para a cozinha), um cacto-macarrão e uma dracena marginata tricolor.

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Desde que resolvemos nos fixar na casa da Eunádia nesse período de quarentena, coloquei uma mesa no terraço da casa para servir de local de estudo. Desde então, esta é a principal cena que avisto. Uma profusão de luz e cor. Hoje, eu resolvi encarar o desafio de fazer o registro. Na cena, fragmentos de locais que já foram registrados nessa série, em diálogo com outras luzes, cores e formas, e a famosa mangueira, ao fundo.

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No jardim da casa da Eunádia, tem uma série de composições que pretendo desenhá-las. Algumas estão vinculadas ao jambeiro, que, além de propiciar uma sombra indispensável, é “suporte” para essas composições. Hoje eu trago uma, predominantemente formada por orquídeas em jarros suspensos, que fez Eunádia intitular de “pé de orquídea”. Aproveitamos para desejar um bom domingo de Páscoa a todos e todas!

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No “canto do muro” do jardim da casa da Eunádia, encontramos uma variedade de espécies (cheflera, zamioculca, clorofitos, alpínia, café-de-salão). É, portanto, um canto bem alegre e animado.

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Ao pé do jambeiro do jardim da casa da Eunádia, podemos ver a folhagem do cacto-macarrão acompanhando o tronco, uma orquídea sobrália, um agapanto, uma íris-da-praia e uma areca bambu.

Fazendo parte da composição, também tem um simpático jarrinho amarelo e duas corujas em cerâmica, que são as primeiras a me dar as boas-vindas quando abro a porta do carro.

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Hoje choveu. Aliás, continua chovendo. E, por isso, não saí para desenhar o jardim da casa da Eunádia (com essa chuva, esse jardim deverá estar mais bonito ainda amanhã!). Resolvi, então, desenhar um cantinho de sua sala, que é carregado de memórias afetivas (de longas datas e também de tempos recentes). Nesse cantinho, temos: uma peça da máquina de costura que foi da mãe dela; uma das plainas que pertenceu a seu pai, que foi da Marinha e lá trabalhava como carpinteiro; um simpático jarrinho de flores confeccionado por uma de suas irmãs que mora no Canadá já há 27 anos; uma toalha que recobre a base da mesa na qual repousam esses objetos (a mesa foi comprada em

um “tudo usado”, em Recife, é linda, mas acabei não a desenhando, pois perdi a noção da escala enquanto desenhava). Voltando à toalha: ela foi presente da Suzy Simon, esposa do querido Fernando Simon. O presente foi dado durante uma visita que fizemos à Vila Boa de Goiás, ciceroneados pela amiga Ariane Borges, em 2017. A frase de Cora Coralina gravada na toalha é um registro também da presença dessa inestimável figura nesse cantinho de memórias. Fiz o desenho sentado a uma distância de, aproximadamente, 80 cm dos objetos, o que faz com que se tenha uma impressão de distorção das proporções. Com certeza, o António Procópio faria bem melhor!

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Hoje amanheceu chovendo de novo. Então, vamos de mais um canto de memórias. Eunádia ontem me falou que, em uma viagem que fez a Caruaru no final dos anos 1990, acompanhando uma turma de alunos do Departamento de Artes, sob a responsabilidade da professora Regina Guedes, adquiriu, no Alto do Moura (região que se notabilizou pela produção artesanal de peças cerâmicas, cuja maior referência foi o Mestre Vitalino), duas peças que estão nesse desenho: o burrinho carregador de cesta de flores, adquirido em uma loja mais “formal”; e o pequeno leão, adquirido de um menino que estava a vender seus objetos “no meio da rua” .Em outra viagem, essa mais recente, realizada em

2017, em que visitamos algumas cidades históricas nordestinas, passamos uns dias em Aracaju, onde ela comprou o porquinho no Mercado Central daquela cidade. O porquinho serviu para juntar uma pequena economia para ajudar nas despesas de formatura do seu filho mais novo. O fato curioso é que, quando o porquinho já estava cheio, não se teve coragem de quebrá-lo, e então se decidiu que iriam “cirurgiá-lo”. E assim se fez: foi aberto cuidadosamente um buraco na parte de baixo do porquinho, retiraram-se as moedas, e depois foi feito o fechamento com uma tampa de vedação que Eunádia comprou no Mercado de BH, em outra viagem que fizemos.

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Hoje voltei ao jardim. Dessa vez para registrar o ele­ mento fundamental: o jambeiro e sua indispensável sombra (em fachadas voltadas para o poente). Também é possível ver, no registro, algumas com­posições que já foram desenhadas, agora em conjunto.

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Enviei a foto dos meus cachorros porque não há nada mais verdadeiro do que um sentimento de um animal pelo seu dono, hoje vejo que seu amor é, sim, puro e leal.

Pryscylla Nascimento, sobrinha.

Esta foto significa a reinvenção de um amor diário. Um lugar de afeto e de reencontro diário com o amor. Uma alegria materializada em meu dia a dia.

Fabiana Nascimento, sobrinha.

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A foto retrata meu nascimento como mãe. Retrata o melhor do que há em mim.

Nayara Nascimento, sobrinha.

Quando me foi pedida uma foto que eu quisesse para ser desenhada, tracejada por alguém de talento e sensibilidade, logo pensei numa foto bem simples, bem natural da minha pequena Mariah. O resultado foi surpreendente, pois alguém de muito talento e sensibilidade a desenhou tão bem que minha pequena ficou do jeitinho que é: alegre e simples.

Danielle Nascimento, sobrinha.

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Foi uma viagem dos sonhos, que sรณ em olhar a foto sinto leveza na alma.

Nayara Nascimento, sobrinha.

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A foto da Barra do Ceará faz parte de um momento em que estava iniciando no mundo da fotografia, percebendo a minha cidade através de outras linguagens e, paralelamente às andanças pela cidade, eu estava me aventurando nas leituras de Michel de Certeau e seu olhar sobre as caminhadas e os caminhantes: “A caminhada afirma, lança suspeita, arrisca, transgride, respeita etc. as trajetórias que ‘fala’”. “Todas as modalidades entram aí em jogo, mudando cada passo, e repartidas em proporções, em sucessões, em intensidades que variam conforme os momentos, os percursos, os caminhantes”.

Em uma dessas caminhadas foi que descobri a Vila do Mar. Foi um momento muito potente e libertador em minha formação acadêmica.

Fabiana Nascimento, sobrinha.

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Esta foto significa um pouco da vida de um casal que, com muita luta e muito amor, conseguiu achar um lugar de paz e harmonia, ou seja, um lugar de muito amor.

JoĂŁo Vianey, irmĂŁo.

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Lúcia e Simão...O significado de um amor que transcende...desde um jarro com uma plantinha dedicada em sonho...Lúcia e Simão...amor para todo sempre.

Vânia Lúcia, irmã.

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Imagem de um espaço de refúgio em tempos duros, em que as fugas nos fazem sobreviver. Um cantinho perto-longe para renovar as forças. Não há saída fora da esperança.

Thatiany Nascimento, sobrinha.

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Conhecer o Sítio é uma experiência incomum. Para além da felicidade de viver a natureza, ali ela se faz pródiga pela arte na paisagem. Composição de muitas mãos, iniciada por Burle Marx, o Sítio prossegue moldado continuamente com paixão.

Ali se experimenta a lição da complementaridade, da parceria entre as pessoas e o mundo natural, da convivência que eleva o espírito e permite encontrar a nós mesmos.

Paulo Nobre 71

Passei uma temporada em Paris, em 2015. Fui fazer parte do meu doutorado. A partida foi cheia de dicas de amigos que já conheciam a cidade, e uma delas me chamou atenção. Isabel me pediu para mandar para ela foto de todos os carrosséis que eu encontrasse. Achei estranho, já tinha visitado Paris antes, por poucos dias, mas não tinha visto carrossel algum, ou não tinham me chamado atenção. Mas, prometi mandar as fotos.

Chegando lá, ao circular, comecei a observar que eles estão muito presentes na cidade como um todo e trazem um colorido e um movimento lindos para essa cidade que alguns chamam de

“cinza”, monótona. Eles estavam em todos os cantos, e quanto mais se aproximava o verão, mais comum era vê-los. Na minha primeira ida a Montmartre, para conhecer a Sacre Cœur com um casal de amigos, o encantamento foi duplo. Saí do metrô e andei alguns metros... o dia estava escuro, era inverno, mas lá em cima destacava-se a igreja (linda!) e, no canto, bem próximo a nós, o “meu primeiro” carrossel, colorindo aquele dia frio. Minhas lembranças dessa temporada são muito boas, foram dias incríveis, e em geral coloridos pelos carrosséis.

Isabel recebeu muitas fotos deles.

Amíria Brasil

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Eu e minha família chegamos de carro em Dinant, em um dia de muita chuva e muito frio. Era janeiro, um mês de inverno rigoroso na Europa. Ao entrar na cidade, nos deparamos com uma linda vista do rio Meuse e, ao lado deste, margeando-o, uma “fenda” de uma rocha imensa que se abre para a estrada que nos leva ao centro da cidade e à cidadela. A imagem é impactante e impressionante. Eu confesso nunca ter visto nada parecido. A Bélgica é pequena, mas cheia de surpresas.

Apesar de frio, cruzamos a ponte a pé, no intuito de perceber melhor a cidade na escala do pedestre. Difícil cruzar a ponte e não se apaixonar de imediato pela cidade. Os barcos, as casas coloridas, a igreja gótica, a cidadela medieval… A chegada em Dinant é aquele momento em que se pensa “Será que isso é real? Será mesmo que estamos nesse cenário de filme?”. A visão do casario e da Catedral de Notre-Dame é espetacular, assim como o rio caudaloso, que naquele dia estava com volume elevado, é uma atração à parte. Após percorrer parte da cidade, resolvemos parar para comer e,

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por isso, optamos por saborear um “fondue na pedra” (quente, muito quente mesmo!) com batatas fritas, acompanhado de uma cerveja genuinamente belga (claro) e de uma deliciosa sobremesa de chocolate belga (mais uma especialidade deles), tudo isso desfrutando a vista do cartão-postal da cidade, à margem do rio. Imperdível! Sem dúvidas, o momento mais prazeroso dessa viagem.

Dinant é uma cidade localizada na província de Namur, ao sul, região da Valônia, quase na fronteira com a França. É uma cidade pequena... Tem cerca de 110 mil habitantes. É a cidade da cerveja belga mais conhecida no Brasil, a Leffe. Mas o que a torna de fato uma atração turística é o cidadão mais ilustre nascido em Dinant, Adolphe Sax, o inventor do instrumento musical de mesmo nome.

Ao longo de toda a cidade, ruas e pontes, vemos diversos saxofones esculpidos espalhados pelas calçadas. Embora eu já tenha tido a oportunidade de visitar alguns lugares famosos e encantadores pelo mundo, admito que esse foi um dos lugares mais impressionantes que tive o prazer de ter

conhecido. A beleza dessa cidade é simplesmente espetacular! Essa é a minha memória afetiva de paisagem mais significante. A Bélgica sempre me surpreende!

Glauce Albuquerque

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Tudo aconteceu em uma viagem em família à Itália em janeiro de 2020. Fomos eu e meu esposo com as duas filhas, Maria Eduarda (Duda) de 12 anos, completados durante a viagem, e Isabela Maria (Belinha) de 7 anos. Já tínhamos ido à Itália em outra oportunidade sem as crianças, e o desejo

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de voltar especificamente para Roma era enorme.

A oportunidade surgiu no apagar das luzes, antes da pandemia. Duda estudando o mundo antigo na escola estava entusiasmadíssima, Belinha nem tanto, queria ter ficado com os primos no veraneio na praia de Pirangi. No final da viagem, chegamos a Roma, última parada. Momento especial, primeiro dia, fomos ao Vaticano. O entusiasmo também tinha um sabor especial, pois iríamos encontrar uma querida amiga, Natália Vieira-de-Araújo, que estava morando lá para o pós-doutorado, e sua família que a estava visitando. Primeiramente, bem cedo, chegamos para a Audiência Papal, um momento inesquecível; um Papa muito admirado por toda família.

Eis que, no final, depois de receber a benção de longe dentro do auditório lotado de admiradores e fiéis, quando ele vai embora no meio da multidão, estende sua mão e pega em Belinha e Duda, eu, claro, depois em lágrimas de emoção, também fiz questão de tocá-lo como uma oportunidade de estar mais perto do Pai! Passada a grande emoção, nos dirigimos para a Basílica de São Pedro e, na

sequência, já com ingressos marcados para evitar a enorme fila, fomos aos Museus Vaticanos. Foi lá na Capela Sistina que Isabela, com toda a sua perspicácia, encontrou algo inusitado na obra de arte mais famosa do mundo! Após várias explicações do audioguia de todo o contexto da obra, Duda muito concentrada, eis que Natália se aproxima e fica me observando tirar as dúvidas as crianças.

Isabela, de um supetão, diz: “Mamãe, olha só! Achei um homem fazendo slime (apontando para uma parte no canto superior esquerdo de onde estávamos sentadas)!!!”... Diante de todo o silêncio apropriado para o lugar, quase quebramos o protocolo morrendo de rir, o antagonismo da sobriedade do local, a riqueza de todo o contexto e o “insite” de uma criança com suas referências.

Pedi a Clewton para ilustrar essa obra devido a toda relevância e experiência que novamente tivemos em Roma; tinha também uma brincadeira de dar trabalho a ele, mas ele prontamente aceitou o desafio, e assim foi. Um dia queremos morar lá!

Bianca Araújo

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Esse período de quarentena começou de uma forma bem dolorosa pra mim por ter me obrigado a encurtar meu período de estudos na Itália e abrir mão de várias visitas técnicas já agendadas. Quem me conhece sabe o esforço que fiz para chegar lá...

Quando voltei, estava meio resistente a mexer nas minhas fotos do período em Roma pra não mexer na ferida. Meu querido amigo Jota Clewton me pediu uma foto significativa pra mim pra ele desenhar, e criei coragem pra passear pelas minhas fotos romanas. Foi incrível. Revi tudo de maravilhoso que vivi, e o retorno ficou mais leve.

Obrigada, Jota!

A foto escolhida tem muitos significados associados... difícil até de descrever. Vamos tentar. Nas minhas paixões patrimoniais, o Coliseu sempre teve um lugar especial. Além disso, foi especificamente um artigo escrito sobre ele que me fez começar a me aproximar da possibilidade de ir fazer o pós-doc na Itália. Essa foto foi tirada em um dos momentos vividos com a família completa em Roma, durante o mês de janeiro. Momento de

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plenitude completa: todas as minhas paixões de vida reunidas. O que mais posso fazer a não ser agradecer à vida e ao grande amigo por me ajudar a perceber o óbvio, o mais simples e o mais importante?

Natália Vieira-de-Araújo

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Em viagem pré-pandemia ao Uruguai, fiquei surpreso de como minha velha Lumix/Leica, que no geral aponta sua lente para a arquitetura, dividiu sua atenção com carros antigos, em uso ou abandonados, pelas ruas das cidades daquele país (depois descobri que é famoso por essa “coleção”).

Quando o Jota Clewton me pediu uma foto para desenhar, imaginei em desafiá-lo não com uma perspectiva urbana, mas com um “retrato meio natureza-morta” e escolhi esse velho Ford abandonado (ou só com os pneus secos?) que fotografei em Colônia, por volta de janeiro de 2020.

Emanuel Cavalcanti 81

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Para quem – como eu – gosta de viajar, o tema da semana é uma maravilha! E ficou até difícil escolher o SOUVENIR para fazer o registro. Então, resolvi desenhar um que juntasse mais de uma historinha.

Estas peças foram compradas na famosa “feira de pedra sabão” que fica no largo à frente da Igreja de São Francisco de Assis, uma das mais belas igrejas do conjunto barroco de Ouro Preto. Comprei estas

santinhas de pedra para fazerem parte do jogo de tabuleiro que foi feito por uma das equipes de uma das turmas do curso de Arquitetura UFRN, em uma das viagens que fizemos para Olinda. Esse jogo tem como “lócus” as ruas da cidade. E o bom dessa história é que os professores aproveitaram e levaram o jogo na viagem do semestre seguinte, para ser jogado com outra turma.

Na temática COMPANHEIROS DE QUARENTENA, não poderia deixar de desenhar estas duas criaturinhas que AMO! São companheiros fiéis e estão sendo muito importantes nesse período de isolamento social. Já os tinha desenhado, mas essa é a primeira vez que os registro em conjunto. No final de semana, desenharei o peixe.

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O tema da semana é FRUTAS. Aproveitei o café da manhã para desenhar umas tangerinas e como não há muita “complexidade” no formato dela, resolvi desenhá-la também descascada. O registro ficaria melhor se eu conseguisse captar o cheiro.

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Hoje desenhei uma peça do mobiliário do meu apartamento de que gosto muito. Trata-se de uma cristaleira que comprei também em um “tudo usado”, mas dessa vez em Natal mesmo, na Ribeira velha de guerra. A peça já tinha aparecido no primeiro desenho que fiz nesse período de isolamento social, quando registrei em desenho a sala de estar do meu apartamento.

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Na temática dos desafios USKUARENTENA NATAL da semana (OBJETO DECORATIVO), resolvi desenhar uma peça comprada em Igarassu, Pernambuco, em uma das viagens que fizemos com os alunos do terceiro período do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRN. Essa peça hoje integra o conjunto de objetos decorativos da sala da casa da Eunádia. E como hoje é o aniversário dela, a decisão de desenhá-la ocorreu por esse motivo.

E também pela vontade grande de voltar a viajar (com ela, principalmente).

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Como a semana para mim está repleta de atividades, resolvi fazer logo na segunda-feira o desenho da temática da semana (PANELAS, a qual acrescentei os AFINS). Eu gosto muito da produção artesanal cerâmica e, por isso, resolvi desenhar um conjunto cerâmico pertencente à Eunádia. Caso ela ache interessante, pode acres­ centar a historinha desse conjunto.

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Distância. Desenhos. Desejo de estar perto, de estar no mundo. Olhos em casa alcançam lugares, vidas que se tecem junto com as nossas. Nesses dias em quarentena, em casa, o olhar se amplia entre o que nos é familiar, como o cheiro do café recém-passado que habita esta casa e no qual me concentro para tecer essas linhas e fazer um contato sensível com minhas memórias ao longo desses últimos meses.

Nossas emoções têm cheiro.

Os desenhos que compõem Traços em uma quarentena acariciaram meus dias, como cartas trocadas, compartilhadas entre os pequenos e complexos mundos que somos cada um de nós. Cada memória inscrita nos desenhos e pelos desenhos em nós

germina no chão de nossos dias como uma experiência alquímica, transfigurando uma forma potente de se estar perto do mundo. Reinventamos nossas alteridades, tão difusas nesse momento, em que a pandemia nos coloca distantes fisicamente, redefinindo em parte nosso cotidiano. Eles, os traços desse desenhador, por quem tanto trago afeto no coração, nascem em um momento de ressignificação de nossas linguagens afetivas e de nossas socialidades, tecendo outras pontes de aprendizados, partilhas e de tudo aquilo que somos nós.

O encontro das linhas, dos traços e das cores que deram formas aos desenhos de nosso autor tem o cheiro dos caminhos afetivos trilhados por 117

nós, que abrimos o baú do arquivo de nossas memórias e fomos convidados, a partir dessa experiência, a reencontrar pedaços nossos que compõem o mundo e a perceber o mundo como pedaços que formam um todo nada homogêneo. Experimento de heterogeneidade, mais do que nunca é o que vivemos. Cria-se, com o processo de criação deste livro, outra forma de reconhecimento do “outro”, uma forma de reaprender esse novo velho mundo, uma nova possibilidade de poder contar mais uma história, traçada por outras linhas, outras rotas.

Traços em uma quarentena carrega os cheiros e sons das casas: o cheiro de café quente. O som do grilo na janela. O cheiro da orquídea, que decidiu parir suas flores de perfume intenso e perturbador, em uma noite de lua crescente. Os sons dos silêncios inquietos de nossos dias e dos gritos de soluços e revoltas. Também tem o som de nossos medos, anseios, saudades, solidões e esperanças de reencontros e risadas ensaiadas todos os dias em nossas mentes, corações e na maneira como cada um de nós encontrou de sobreviver, vivendo, esse momento.

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Esses desenhos, também, somos nós (re)existindo em um Brasil que nos apavora entre os descasos, as violências e os absurdos de um governo frente à devastação de um vírus em escala mundial, que arranca pedaços de vidas, memórias e histórias dos dias de nosso país. As realidades expostas, nesse momento, são diversas. Como estamos vivendo esse tempo de isolamento social? Reinventamos em muitos momentos nossa relação com a solidão.

O olhar se experimenta a partir do tempo da natureza: colho adubo, vejo crescer cactos e flores. O olhar fotografa bichos, pôr do sol e minha própria face, acompanho as mudanças visíveis. Outras, sinto. Só.

Nessa frente de batalha, a elaboração compartilhada de Traços em uma quarentena me fez lembrar a existência fulgurante e potente de meu querido Dom Quixote de La Mancha e suas batalhas contra seus moinhos de vento. Uma existência resistente à procriação de uma vida ordinária, de uma subjetividade ordinária que retira de nós nossos desejos de vida. Se há força de dominação, há existência de insubordinação na história desse personagem e de seu autor. Na contramola da existência veloz

e hegemônica, há a existência fulgurante de vida em seu estado de paixão, sensibilidade e revolução.

Compartilhar as imagens que fizeram parte dessa criação foi uma espécie de aconchego, um resguardo para minha existência, como os segundos que antecedem o espasmo do coração para que, assim, a vida continue a seguir. Uma vida sensorial.

Uma ambígua sensação de sentir o tempo distraidamente e, em outras horas, deparar-se com a impotência de um tempo que não se conforma na perda e no luto pelas vidas ceifadas. Uma revisitação a tantos lugares por meio de uma reconfiguração de entendimento físico, mental e emocional de nossa relação com o espaço e o tempo.

Aprendi, em minha formação acadêmica e principalmente na vivência prática desses dias em quarentena, que a significação do tempo não é algo natural, mas sim socialmente construída por nós.

Traços em uma quarentena foi essa criação, dentro da fenda aberta em nosso tempo, de isolamento social e mundial. Fala de ciclos. Da natureza. Fala da invenção de nossos dias. Fala de uma travessia permanente do tempo dentro da gente. Fala da relação

entre o familiar e o desconhecido. Fala da invenção de novos elos afetivos.

Em um período dessa quarentena, certa manhã recebi uma mensagem: “Tem uma borboleta, ainda no casulo, morando entre as plantas daqui de casa, vi e logo lembrei de ti! Vou trazê-la para você.”. Ela chegou e duas semanas dividiu a casa comigo, ficou no meu pé de pinhão roxo. Metade dela se movia e a outra metade gerava no silêncio a potência de se parir no mundo. Em uma manhã, acordei e percebi que suas asas floresceram, e ela havia ganhado o mundo. Eu quero acreditar que parte de mim ganhou o mundo com ela e que ganhará outras asas também. Eu quero acreditar que nós somos muito mais que um só e que a gente mora em todas as vidas que se tecem em experiências afetivas com a nossa.

Traços em uma quarentena tem um “quê” bonito e potente de asas. Ele nasceu para ser borboleta.

Fabiana do Nascimento Pereira 11 de agosto de 2020.

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Título

A cada dia: traços em uma quarentena

Autor

José Clewton do Nascimento (Jotaclewton)

ISBN Editora Coordenação editorial Revisão de texto Capa, Projeto gráfico e Editoração eletrônica Ilustrações Formato Número de páginas Tipologia Papel do miolo Papel da capa Impressão e acabamento Local e data

978-65-88076-08-8 Caravela Selo Cultural José Correia Torres Neto Cristinara Ferreira dos Santos Clara Wanderley José Clewton do Nascimento 15cm x 21cm 122 Open Sans e Eunádia, 2020 Offset 80 g/m2 Cartão Duo Design 250g/m² Offset Gráfica e Editora Natal (RN), dezembro de 2020.