O caso Prestes Maia: no contexto da luta pelo cumprimento da função social da propriedade urbana.

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o caso prestes maia no contexto da luta pelo cumprimento da função social da propriedade urbana


daniela perre rodrigues orientação Ana Claudia Castilho Barone

banca Ana Claudia Castilho Barone Cibele Saliba Rizek João Sette Whitaker Ferreira

DEZEMBRO 2012 trabalho final de graduação faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade de são paulo


“A idéia de cidade justa é ir além de simplesmente remediar as injustiças, mas enfrentar as causas estruturais das injustiças, sem vícios nem delongas.” 1

1 Peter Marcuse, Searching for the just city. Debat in urban theory and practice [Em busca da cidade justa. Debates em teoria e prática urbana]. Routledge, Nova York, 2009.



AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, à minha família, responsável por toda minha formação e transformação. Especialmente à minha mãe, aos meus dois pais, e à minha avó, por cada sorriso, cada abraço, cada palavra ou cada silêncio. E também às minhas queridas irmãs: Aline, Anelise, Anna e Thaís, por cada inesquecível momento que passamos juntas. Agradeço ao Gabriel, pelo amor, respeito e por estar ao meu lado compartilhando, de maneira incrível, tudo que a vida nos proporciona. Aos velhos amigos, por toda a paciência nesse ano em que estive tão longe, mas tão perto ao mesmo tempo, pois não saíram do meu pensamento. Aos amigos que descobri nesses seis anos de FAU e que certamente continuarão comigo. Deixo-os representados aqui através de um único nome, Marina: fiel companheira nessa trajetória, dividindo comigo todos os momentos em que nada ou em que tudo fazia sentido. Aos colegas da Peabiru, pelo convívio diário nesse ano, por toda a paciência com o meu interminável assunto sobre o tfg, pelo aprendizado constante, pela troca e principalmente pela prática do diálogo. E, finalmente, agradeço às minhas orientadoras, que tornaram este trabalho possível. À Malu, pelo incentivo e motivação inicial. À Karina, pelos conselhos e pelo sorriso. E à Ana, por cada orientação, pelos ensinamentos, pela confiança e paciência, e sobretudo, pelos saberes da cidade.

Sem vocês, não teria sido possível.



ÍNDICE

primeiras palavras

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PARTE 01 construção da idéia de limitar o direito absoluto de propriedade e subordiná-lo ao cumprimento de uma função social

15

PARTE 02 contradições entre os avanços jurídicos e as ações municipais

27

PARTE 03 o caso prestes maia

45

últimas palavras

75

ANEXO construção da estrutura fundiária no Brasil

77

referências bibliográficas

103

lista de imagens

117

lista de abreviaturas

121



primeiras palavras

Diante do desordenado crescimento das cidades brasileiras e da expansão de suas áreas periféricas carentes de infra-estrutura urbana, apenas uma minoria da população tem acesso à moradia, transporte, saúde, educação, espaços públicos, enfim, acesso à cidade. Esse processo tem sido estimulado pelo mercado imobiliário e consentido pelo poder público. Dessa maneira, o atual cenário é de grande exclusão social, de cidades produzidas como espaço da minoria e da ilegalidade atingindo a maior parte da população, que vive sob essa constante segregação social e espacial. Não parece ser por falta de leis reguladoras que essa situação se mantém e se agrava. A legislação urbanística brasileira, considerada muito avançada por diversos autores, entre eles o jurista Edésio Fernandes, pressupõe políticas públicas que viabilizem e fiscalizem sua aplicação. Entretanto, há uma prática constante em nosso país de se aplicar a lei de acordo com as circunstâncias, tornando a legislação ineficaz quando contraria fortes interesses ou quando o assunto são direitos sociais. [...] a lei é importante, mas não basta. Sua aplicação também passa pela correlação de forças especialmente em países como o Brasil no qual o poder político, patrimônio e poder econômico se confundem. 2

2 MARICATO, 2001, p. 88, apud NETO, 2006, p. 142.

Sendo assim, as precárias condições urbanísticas em que vivemos não parecem ser decorrentes da falta de planejamento ou da omissão do poder público. Pelo contrário, são fruto de um pacto político-econômico que ordena, de acordo com os interesses daqueles que detém o poder, o desenvolvimento das cidades.

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As tragédias que atingem as cidades freqüentemente, como enchentes, deslizamentos, crescimentos das favelas, poluição, enfim, participam do cotidiano da sociedade sem que ela se dê conta de que o fio que liga todos esses fatos está na base do processo de crescimento urbano brasileiro.3

O direito privado de propriedade, com as suas raízes muito firmes em cinco séculos de formação da sociedade brasileira, pode conduzir ao favorecimento dos interesses particulares dos proprietários de terra, em detrimento dos interesses coletivos. Esse conflito de interesses delineia a produção das cidades e pode se configurar como um impedimento à efetivação do direito à moradia e à cidade. Cidades que são a representação espacial de uma sociedade cindida, herdeira da lógica escravocrata, onde as elites exercem uma hegemonia onipotente, e utilizam-se do Estado e da Justiça para quase sempre passar para trás o bem coletivo, garantindo seus interesses particulares.4

Por muito tempo, a propriedade da terra foi fundamentada no patrimônio individual, com direito assegurado a um indivíduo de destiná-la ao fim que lhe parecesse melhor; entretanto, essa abordagem foi evoluindo no sentido dos deveres do proprietário em relação ao coletivo, sofrendo uma demorada redefinição. art. 182 §2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.5 3 MARICATO, 1999, p. 08. 4 FERREIRA, 2012. 5 BRASIL. Constituição Federal, 1988.

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Esse trabalho pretende justamente discutir essa redefinição do direito de propriedade e sua subordinação legal ao cumprimento de uma função social, e analisar a contradição entre esses avanços jurídicos e a aplicação deles através de ações municipais. [...] aquilo que se festeja hoje como um salto de modernidade, a formação de cidades guiadas pela exclusão social, o consumo exacerbado e a defesa incondicional da propriedade, é na verdade um caminho inexorável para a barbárie. É hora do Brasil se organizar para uma verdadeira rebelião cívica urbana, para deixar às futuras gerações cidades verdadeiramente democráticas e socialmente justas.6

Para isso, o trabalho foi composto por três capítulos. O primeiro versa sobre a luta pela Reforma Urbana, contexto esse em que se estabeleceu a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade. O segundo pretende introduzir questões sobre as contradições existentes entre o estatuto jurídico conquistado e as ações do poder público municipal. O terceiro capítulo consiste em um estudo sobre o caso do Edifício Prestes Maia, que já foi ocupado três vezes por movimentos de moradia nos últimos 10 anos, e o direito à propriedade privada daquele imóvel continua sendo absoluto e mais protegido do que o direito à moradia. Esse estudo foi realizado fundamentalmente a partir de dois tipos de materiais: as teses acadêmicas que já estudaram o assunto e as notícias de jornais publicadas na mídia nesse período de 2002 até os dias de hoje. Optamos por não entrar em contato direto com o movimento de moradia responsável pelas ocupações do Edifício Prestes Maia, pois, acreditamos que a relação entre a academia e os movimentos populares, ora de aproximação, ora de afastamento, está repleta de contradições e de desafios a serem enfrentados que não estão no escopo deste trabalho. 6 FERREIRA, 2012.

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Durante a minha trajetória pela FAU tive algumas oportunidades de praticar atividades de extensão, isto é, atividades que pressupõem uma troca de conhecimentos e experiências entre a universidade e a sociedade. Essas oportunidades me levaram a inúmeros questionamentos relacionados à interação entre a população e a universidade, entre eles, as expectativas decorrentes do caráter transformador incitado por essa relação, as dificuldades de comunicação e os limites de atuação de cada um dos agentes. Por fim, trazemos um capítulo anexo que consiste em uma revisão bibliográfica sobre a construção da estrutura fundiária no Brasil, realizada através da leitura de diversos autores que abordaram este assunto.

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parte 01

construção da idéia de limitar o direito absoluto de propriedade e subordiná-lo ao cumprimento de uma função social Para compreendermos o significado da Constituição de 1988, a primeira Constituição do Brasil a tratar da questão urbana, quando as cidades já abrigavam mais de 80% de toda a população do país, é necessário entendermos o contexto político no qual o Brasil estava inserido naquele momento. A tal contexto político é preciso acrescentar o fim do regime autoritário no Brasil dos anos 80, para compreender o significado da Constituição de 1988, resultado do compromisso histórico dos grupos sociais interessados em assegurar suas plataformas reivindicatórias no novo texto. No que tange à questão da propriedade, o texto constitucional inclui a propriedade privada entre os alicerces da Ordem Econômica, juntamente com a função social da propriedade, esta também considerada autonomamente.7 A Constituição brasileira de 1988, promulgada em um momento de ascenso das forças sociais que lutavam pela democratização do país, assegura ao poder municipal a competência para definir o uso e a ocupação da terra urbana, e o Estatuto da Cidade reforça essa orientação autônoma e descentralizadora. O fortalecimento da autonomia do poder local se deu como reação à centralização autoritária da política urbana exercida pelo poder ditatorial no período anterior, entre 1964 e 1985.8

7 TEPEDINO, 1999, p. 268, apud PAGANI, 2009, p. 56. 8 MARICATO, 2010, p. 06.

As crescentes demandas e carências sociais resultaram na pressão dos movimentos sociais urbanos que evidenciaram a questão do acesso à terra urbana e da igualdade social, passando a exigir iniciativas do poder público e recuperando a bandeira da Reforma Urbana. Esta, surgiu pela primeira vez no Brasil em 1963 e foi abortada pelo Golpe Militar. Dessa maneira, em 1980

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foi constituído o Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) com objetivo de lutar pela democratização do acesso a condições melhores de vida nas cidades brasileiras. O Direito à Cidade compreende os direitos inerentes às pessoas que vivem nas cidades de ter condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania, de ampliar os direitos fundamentais (individuais, econômicos, sociais, políticos e ambientais), de participar da gestão da cidade, de viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável.9

A partir de então, foi criado o Fórum pela Reforma Urbana, com a finalidade de unificar todos os movimentos urbanos que faziam reivindicações naquele momento. Os movimentos de luta por moradia apareciam em maioria e passaram a refletir sobre a necessidade de mudanças mais estruturais e menos imediatistas, como a transformação dos parâmetros que regiam a propriedade fundiária no Brasil A consciência histórica sobre a ilegitimidade da “propriedade ociosa” teve origem nos movimentos camponeses que, durante toda a história do Brasil, enfrentaram a oposição dos latifundiários, também conhecido como “coronéis”. Estes comandavam milícias privadas e tinham poder de vida e morte sobre escravos, que constituíam a maior parte da força de trabalho até o final do século XIX e a população branca que, desterrada e deslocada no modo de produção escravista, despendia dos mencionados coronéis para a sua sobrevivência.10

Esse ideal de Reforma Urbana ganhou maior consistência política na Assembléia Nacional Constituinte, em 1986, cujo regimento previa a realização de audiências públicas e a apresentação de propostas de iniciativa popular, entre elas estava a Emenda Popular da Reforma Urbana.

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9 SAULE, 1997, p. 23, apud PAGANI, 2009, p. 73. 10 MARICATO, 2010, p. 17.


Segundo BALDEZ11, o povo estava politicamente organizado e isso representava uma grande ameaça ao poder público. A estratégia para desarticular a luta popular foi transformar o povo em constituinte, e dessa maneira, os movimentos sociais foram congelados na constituição e a luta política tornou-se uma luta juridicista. [...] todos nós na luta pelas emendas populares achando que éramos constitucionalistas sem nos darmos conta que nós estávamos sendo integrados, metidos dentro de uma camisa de força que era a constituição, a minha luta era política, a luta do povo era política e com esse golpe sensacional nós todos fomos obrigados e nós não tínhamos saída, nós fomos puxados para a luta juridicista que é fundamentalmente um mecanismo de organização das sociedades burguesas [...] 12

Essa emenda suscitou inúmeras reações, como por exemplo, a crítica do deputado constituinte Luiz Roberto Ponte que considerava que a terra, foco das preocupações da reforma urbana, não seria um problema importante, já que representava apenas 5% dos recursos necessários para construir uma habitação digna. Já para Ermínia Maricato, o custo relativamente baixo do solo na produção de moradia se dava em conjuntos habitacionais praticamente fora das cidades. Destaca-se assim o ambiente conflituoso em que a proposta da reforma urbana foi examinada.13

11 BALDEZ, Miguel. A cerca jurídica e a questão da terra no Brasil. Conferência na FAU USP, 2001. 12 BALDEZ, Miguel. A cerca jurídica e a questão da terra no Brasil. Conferência na FAU USP, 2001. 13 MARICATO in BASSUL, 2010, p. 78.

Ao final do processo constituinte, a Emenda Popular da Reforma Urbana foi parcialmente aprovada, o que desagradou ambos os lados do debate – o MNRU mostrava-se insatisfeito porque a função social da propriedade, diretriz fundamental da emenda, havia sido submetida a uma lei federal e a um plano diretor municipal; já a Federação Nacional das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), por exemplo, tornava pública sua inconformidade com a aprovação da usucapião urbana.

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Essa passagem elucida a origem dos entraves à concretização dos ideais da Reforma Urbana. A subordinação de questões colocadas pela Emenda Popular da Reforma Urbana a uma lei federal e à instrumentos municipais conferiu ao projeto uma necessidade de regulamentação posterior. Apontamos este como o primeiro indício de limitação e retardamento do processo. Soma-se a isso a coleção de opositores que a proposta reuniu diante da rejeição de vários setores do mercado. Estes se mantiveram organizados durante todo o processo, afim de não permitir a realização plena dos ideais propostos. Fruto do acordo possível, foram inseridos na Constituição de 1988 os artigos 182 e 183, que estabelecem instrumentos para o controle da produção do espaço urbano, além de introduzirem o princípio de função social da propriedade urbana. [...] pode-se dizer, sem medo de errar, que a propriedade constitui um direito e um encargo, a propriedade obriga.14

A idéia de estabelecer instrumentos urbanísticos que dessem ao Poder Público o controle sobre a produção do espaço urbano foi impulsionada por ações provenientes do Estado do Bem-Estar Social, na Europa. Entretanto, segundo FERREIRA15, essa tradição européia de forte regulação estatal, não conseguiu impedir, nem naqueles países, processos marcantes de exclusão social e de gentrificação, capitaneados pelas forças do mercado. Apesar disso, segundo o mesmo autor, é inegável que na Europa e até mesmo nos Estados Unidos haja uma cultura política de respeito ao papel importante do Estado no controle urbano. Já no Brasil, trata-se de uma tentativa de reverter um processo históricocultural de segregação espacial e de enfrentar os privilégios urbanos adquiridos pelas classes dominantes ao longo de 500 anos, sob o fundamento de se redistribuir a propriedade imobiliária urbana e de propiciar à população de baixa renda o acesso à moradia digna.

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14 ARRONE, 1999, p. 185, apud PAGANI, 2009, p. 80. 15 FERREIRA, 2005, p. 16.


Tal processo histórico, apresentado com mais detalhes em um capítulo anexo a este trabalho, tem origem no descobrimento do Brasil, quando todo o território brasileiro passa a pertencer à Coroa Portuguesa. O regime de distribuição de terras adotado foi o mesmo vigente em Portugal, o Sistema Sesmarial. As sesmarias consistiam em concessões de porções de terra da Coroa à homens de posses, que pudessem extrair proveitos da terra. O solo colonial não se constituiu como patrimônio destes, já que a efetiva propriedade da terra pertencia ainda à Coroa. Entretanto, diante da abundância de terras e do descontrole do Estado, as sesmarias eram concedidas em tamanho muito maior do que o permitido, e, como muitos não tinham condições de solicitar uma sesmaria, a ocupação indiscriminada do território ocorreu desde o início da colonização. A promulgação da Lei de Terras, em 1850, marca um momento de ruptura fundamental no que diz respeito à forma de apropriação da terra no Brasil. A partir dela, a única forma legal de reconhecimento da posse da terra passou a ser a compra devidamente registrada. Dessa maneira, a terra continuou sendo um privilégio da parcela mais rica da população, que podia adquiri-la, pois a propriedade baseada na cessão pública ou na ocupação, não era mais permitida. Não coincidentemente, no mesmo momento é aprovada a lei que extingue o tráfico de escravos e regulamentada a importação de colonos europeus livres para trabalhar no Brasil. Os escravos libertos e os imigrantes não tinham acesso a terra e não lhes restava outra saída senão vender sua força de trabalho para os grandes donos de terra. Sendo assim, a sociedade foi dividida em duas categorias: os proprietários fundiários de um lado, e de outro, os escravos libertos e imigrantes, sem nenhuma possibilidade de comprar terras. Essa diferenciação social e a hegemonia das elites verificadas nos latifúndios foram, posteriormente, reproduzidas nas cidades. Com a industrialização, a cidade torna-se o lócus do sistema de produção e a presença de um operariado urbano se faz necessária, tornando visível a segregação social

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e espacial. Esse panorama de extrema desigualdade no acesso à terra vai culminar na grande mobilização popular em torno da questão urbana, que abordávamos nas páginas anteriores. Retornando à questão da Carta Constitucional de 1988, o tratamento dado até então à propriedade da terra no Brasil passa a ser de interesse público, visando impedir que o direito de propriedade ocasione excessos em detrimento do bem estar coletivo, através do controle do Estado sobre o cumprimento da função social da propriedade. No Estado Social e Democrático de Direito, opera-se uma completa mudança na concepção de propriedade, visando desvinculá-la do liberalismo individualista. [...] O direito individual não pode ser exercido ou mesmo concebido em prejuízo da coletividade.16

A partir de então, a propriedade deve atender à sociedade como um todo, em prol da coletividade e não mais dos interesses de seu proprietário, ficando o direito de propriedade privada desprotegido quando seu titular negligencia a função social. A função social da propriedade é o núcleo basilar da propriedade urbana. O direito de propriedade urbana somente é passível de ser protegido pelo Estado, no caso da propriedade atender à sua função social. É esta a exata orientação constitucional, ao dispor no inciso XXI do art. 5º que é garantido o direito de propriedade e, em seguida, pelo inciso XXIII, dispor que a propriedade atenderá à sua função social.17

Sendo assim, a Constituição de 1988 apresenta avanços no que diz respeito ao direito de propriedade privada, segundo os quais a propriedade deve ser utilizada de forma condizente com os fins sociais que ela preordena, como produzir ou morar. O Poder Público é dotado de meios legais para intervir no domínio da terra quando julgar que uma propriedade não cumpre sua função, podendo inclusive conferir a perda da mesma pelo particular.

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16 CHEMERIS, 2002, p. 40, apud PAGANI, 2009, p. 46. 17 SAULE, 2007, p.197, apud PAGANI, 2009, p. 49.


[...] a Constituição de 1988 prevê direitos sociais e coletivos que pressupõem políticas públicas e o neoliberalismo não quer isso, o que o neoliberalismo impõe é o fim do Estado, é a perda da soberania. 18

Ainda que de forma tímida, o princípio da função social da propriedade privada já havia sido implementado em constituições que antecederam a vigente. Entretanto, o mesmo não ocorreu com a legislação civil, pois o Código Civil que tratava a propriedade como um direito absoluto perdurou até 10 de janeiro de 2002, quando foi aprovada a Lei nº 10.406 e revogada a superada Lei nº 3.071 de 01 de janeiro de 1916. Segundo o novo texto constitucional, o Plano Diretor Municipal deve ser o instrumento capaz de garantir o cumprimento da função social, possibilitando o acesso à cidade e à moradia aos habitantes. Entretanto, esse e outros instrumentos ordenadores tiveram suas aplicações limitadas devido à ausência de leis regulamentadoras. Dessa maneira, começava-se a construir o Estatuto da Cidade, uma lei federal sob a qual a maior parte dos ideários da reforma urbana presentes na Constituição haviam sido submetidos. Essa Lei regulamentaria os artigos 182 e 183 da Constituição, com o intuito de colocar à disposição do Poder Público Municipal instrumentos legais capazes de respaldar a implementação de políticas públicas que garantam o acesso à cidade e à moradia. Em 1989 foi apresentado o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº181, pelo senador Pompeu de Souza, que não viveu para presenciar a aprovação do seu projeto, já bastante modificado, ocorrida apenas em 2001, depois de várias décadas de embates decorrentes da divergência de interesses.

18 BALDEZ, Miguel. A cerca jurídica e a questão da terra no Brasil. Conferência na FAU USP, 2001.

Ao justificar seu projeto, o autor afirmava que pretendia com ele conter a valorização imobiliária, já que a mesma dificultava o acesso democrático a terra. Além disso, afirmava que essa valorização resultava, na maioria das vezes, de investimentos públicos, portanto, era custeada por todos

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em benefício de poucos. Um ano depois de sua apresentação, o projeto foi aprovado no Senado e enviado à Câmara dos Deputados, onde seria reformulado e permaneceria por 11 anos. As definições do projeto referentes ao cumprimento da função social da propriedade e ao abuso de direito sofreram restrições radicais de vários setores do empresariado urbano. Os proprietários de terras, construtores e incorporadores, ou seja, o capital imobiliário urbano, parecia unido na rejeição ao Estatuto da Cidade. A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), por exemplo, considerava que este projeto do Estatuto da Cidade investia contra dois princípios de ordem natural, consagrados pela doutrina social da Igreja e arraigados na sociedade brasileira: o da propriedade privada e o da livre iniciativa.19 Assim sendo, de um lado o conjunto de movimentos sociais que construíram o ideário da reforma urbana apoiava o Estatuto da Cidade e cobrava sua aprovação; de outro, o empresariado urbano, reforçado por instituições de defesa da propriedade privada, opunham-se radicalmente ao projeto. Dentro da Câmara dos Deputados, o Estatuto da Cidade tramitou entre diversas Comissões. Nesse período, foram apresentadas várias emendas para mudar o caráter do projeto, sendo a maioria delas de índole conservadora. Entretanto, essas rejeições atenuaram-se em 1996, quando o deputado Luís Roberto Ponte – que anteriormente havia criticado o enfoque que a reforma urbana dava para o problema da terra – transformou a abordagem conceitual do projeto em pragmáticos instrumentos municipais. Alguns instrumentos já previstos foram mantidos, e outros acrescidos, como a transferência do direito de construir, a outorga onerosa e as operações urbanas consorciadas.

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19 TFP, 2004, p. 5, apud BASSUL, 2010, p. 81.


O instrumento denominado transferência do direito de construir possibilita que se transfira o potencial construtivo de um lote para outro lote de mesmo proprietário, ou que se venda para um terceiro. Já a outorga onerosa trata-se de uma concessão municipal para que o proprietário de um imóvel edifique além do estabelecido pelo coeficiente de aproveitamento básico, mediante contrapartida financeira. Permite também a mudança do uso do solo admitido em determinada área, igualmente mediante contrapartida financeira. Por fim, as operações urbanas consorciadas consistem em intervenções coordenadas pelo poder público municipal, com a participação da iniciativa privada, objetivando melhorias urbanísticas em áreas determinadas pelo município. A moeda de troca do poder público para atrair investimentos privados é também a concessão de aumento de coeficiente de aproveitamento e de mudanças no uso do solo. Os recursos obtidos em uma operação urbana devem ser investidos dentro da própria área de intervenção. No caso dos três instrumentos citados, o poder público municipal conta com investimentos da iniciativa privada. Deste modo, como temos observado cotidianamente, só há investimentos privados em áreas da cidade atrativas do ponto de vista do capital imobiliário. Portanto, são instrumentos claramente favoráveis ao mercado, através de investimentos públicos custeados por muitos e em benefício de poucos, e centralizadores do ponto de vista das melhorias urbanísticas, estimulando o processo de segregação sócio-espacial.

20 CÂMARA DOS DEPUTADOS, s/d, p. 377, apud BASSUL, 2010, p. 83.

Esses instrumentos acrescidos já vinham sendo aplicados em algumas cidades e muitos proveitos empresariais vinham sendo obtidos – os instrumentos podem ser benéficos para as atividades imobiliárias urbanas, ao inovar nas formas possíveis de parceria entre o poder público e as empresas privadas.20 Além disso, o empresariado urbano passou a ver a deterioração das condições de vida nas grandes cidades como um fator de risco para o mercado.

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A situação urbana ficou muito ruim, se degradou demais [...] Em São Paulo, você percebe que os empresários tomaram consciência de que o modelo não deu certo e se vê uma abertura para pensar em modelos alternativos.21

Portanto, o que parecia uma ameaça para o setor empresarial passou a ser percebido como uma oportunidade de mercado. As causas para que, em 1996, o deputado Luís Roberto Ponte recuasse na crítica e propusesse um acordo se somam. Segundo BASSUL, uma tentativa de acordo coordenada pela Secretaria de Política Urbana teria sido um fator de influência na atitude do deputado. Além disso, entidades ligadas ao movimento pela reforma urbana haviam tomado a iniciativa de buscar um processo de negociação com os deputados contrários à aprovação. O MNRU cedeu em suas propostas, com perspectivas de recuperar essas perdas posteriormente, e o empresariado despiu o projeto original de sua abordagem conceitual incorporando os tais instrumentos favoráveis ao capital imobiliário, resultando na aprovação do projeto sem disputas. Em 1997 se deu a primeira votação do Estatuto da Cidade na Câmara dos Deputados e, para espanto de todos os presentes, não houve uma objeção se quer ao relatório apresentado. Todas as manifestações foram favoráveis ao parecer, que foi aprovado por unanimidade. Depois de tão longo tempo de obstrução, que parecia denunciar fortes resistências ao teor da proposta de lei, assistiu-se uma votação por consenso, sem nenhuma ressalva.22

Em 2001 o projeto do Estatuto da Cidade volta para o Senado Federal, para ratificação das alterações promovidas na Câmara e é aprovado por unanimidade. Conservadores ou progressistas, empresários ou trabalhadores, mais à direita ou à esquerda, todos, sem exceção, apoiaram e elogiaram a proposta legislativa que nascera sob tachas como “socialista e confiscatória” ou “um desrespeito ao direito do cidadão e à propriedade”.23

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21 ROLNIK, 2003, apud BASSUL, 2010, p. 88. 22 ARAUJO e RIBEIRO, 2000, p. 3, apud BASSUL, 2010, p. 84. 23 BASSUL, 2010, p. 86.


Como vimos, as representações do empresariado urbano em nenhum momento solicitaram o veto integral do Estatuto da Cidade, nem teriam razão, pois, do ponto de vista do setor da construção, o projeto não é ruim.24 Houve apenas pequenas objeções, e a principal delas era relativa à proposta de Concessão de Uso Especial para fins de Moradia para as áreas públicas.25 Esse instrumento seria destinado a assegurar juridicamente a moradia em terras públicas. Como a Constituição de 1988 continuou impossibilitando que os imóveis públicos fossem adquiridos por usucapião, estar-se-ia diante de uma dificuldade quase intransponível para a regularização fundiária dos assentamentos em área pública, o que colocaria os moradores na posição de terem de resignar-se com a irregularidade.26 Ao sancionar o projeto sem esse dispositivo, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, afirmou que em reconhecimento à importância e à validade do instituto da concessão de uso especial para fins de moradia, o Poder Executivo submeterá sem demora ao Congresso Nacional um texto normativo que preencha essa lacuna. A Medida Provisória nº 2.220, de 04 de setembro de 2001, regraria a aplicação desse instituto. Em 10 de julho de 2001 o Estatuto da Cidade tornou-se a Lei nº 10.257. Segundo PAGANI27, a postergação na promulgação desse marco jurídico se deveu ao fato de que os instrumentos jurídicos constantes do Estatuto da Cidade têm o condão de alterar significativamente o conteúdo econômico da propriedade imobiliária urbana.

24 GRAEFF, 2003, p. 1, apud BASSUL, 2010, p. 86. 25 BASSUL, 2010, p. 86. 26 ALFONSIN, 2002, p. 163, apud BASSUL, 2010, p. 86. 27 PAGANI, 2009, p. 68. 28 MARICATO, 2010, p. 05.

Contudo, segundo MARICATO28, a Lei nº 10.257 não é suficiente para resolver os problemas estruturais de uma sociedade historicamente desigual na qual o direito à moradia e à cidade não são assegurados para a maioria da população. Para a autora, aplicar o Estatuto da Cidade em tal contexto, culturalmente excludente, tradicionalmente conservador, não é tarefa simples especialmente porque nessas sociedades o poder político e social

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vem associado à propriedade patrimonial e, diante disso, existem juízes que ainda ignoram essa lei e tratam a propriedade como um direito absoluto e não relativizado pela função social. Se, no século XVII, a Revolução Francesa seguiu a utopia de libertar a terra das relações de servidão e garantir seu acesso amplo por meio da propriedade privada individual, no século XXI, a grande utopia é a restrição ao direito individual de propriedade tendo em vista o interesse coletivo.29

29 MARICATO, 2010, p. 07.

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PARTE 02

c o n t ra d i ç õ e s e n t re o s a v a n ç o s j u r í d i c o s e as a ç õ e s mu n i c i p a i s A partir da Constituição Federal de 1988 e da posterior promulgação do Estatuto da Cidade, fruto da luta de muitos trabalhadores, intelectuais e movimentos sociais, as questões fundiárias urbanas ganharam tratamento legal inovador e avançado. Entretanto, a aplicação das leis que se referem ao acesso à terra urbana no Brasil tem se dado de forma ineficaz e contraditória. Apesar dos instrumentos jurídicos favoráveis, as leis não têm sido suficientes para garantir a efetivação dos direitos adquiridos, isto é, garantir a realização plena da função social da cidade e da propriedade urbana. A criação de leis é um importante instrumento de luta dos trabalhadores, no entanto, há de se assinalar historicamente a correlação de forças na sociedade para se verificar a possibilidade de sua aplicação, caso contrário, serão sempre instrumentos legitimadores da suposta democracia da classe dominante.30

A efetivação do direito à cidade e à moradia não se limita à competência do Poder Judiciário de atestá-los. Outros atores como o mercado imobiliário, o poder público representado por uma gestão municipal, os movimentos sociais, etc., têm papéis determinantes nesse processo. Cada ator envolvido representa um interesse diverso de utilização do solo urbano. Esses interesses, sejam eles particulares ou coletivos, freqüentemente são opostos e geram um conflito, isto é, uma disputa pela terra. Essa disputa se dá em meio a uma correlação de forças desigual entre os agentes envolvidos. Destaca-se o papel da aplicação da lei para manutenção de poder concentrado e privilégios, nas cidades, refletindo e ao mesmo tempo 30 VILLAÇA, 1986, apud CORAZZA, 2012. 31 MARICATO, 2003.

promovendo, a desigualdade social no território urbano.31

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É por esse motivo que, para fins desta pesquisa, estudaremos a região central de São Paulo. Poderíamos questionar a aplicação da lei e o cumprimento dos direitos adquiridos a partir da década de 1980 em diversas situações e regiões da cidade. Entretanto, é sobretudo na região central, diante da ampla oferta de infraestrutura, equipamentos e serviços, que se trava uma intensa disputa pela terra urbana. A partir da década de 70, ocorreu um intenso processo de abandono do centro, que gerou desvalorização imobiliária e redução de investimentos públicos na região. De acordo com a Sempla (Secretaria Municipal do Planejamento), entre 1990 e 2001, os distritos República e Sé perderam cerca de 20 mil habitantes, isto é, mais de 25% de sua população total. Paralelamente, a periferia da cidade de São Paulo e a região metropolitana, começavam a ganhar população exponencialmente, devido ao grande estoque de terrenos disponíveis, ao baixo custo da terra e à produção pública habitacional. Em decorrência desse crescimento horizontal da cidade, problemas como falta de acesso à infraestrutura, equipamentos, empregos, transporte, etc., acentuavam-se cada vez mais.

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Após a década de 90, diante do esgotamento dos terrenos disponíveis na periferia e do agravamento dos problemas de mobilidade, se fortaleceu novamente o interesse pela região central, dotada de completa infraestrutura urbana. E então, a conseqüente disputa pelo centro abriu caminhos opostos para o desenvolvimento urbano da região. De um lado, está a questão da ampliação do uso habitacional no centro para a população de baixa renda, que descobre a permanência na região como única possibilidade de sobrevivência. De outro, a possibilidade de transformar a área central em uma grande fonte de lucro, através de atrativos ao mercado imobiliário e à população de alta renda. Assim sendo, perante a revelada fragilidade dos mecanismos criados para garantir o acesso à terra urbana, os movimentos sociais passam a lutar pelo cumprimento dos direitos constitucionais adquiridos. Ao reivindicarem programas habitacionais para a população de baixa renda na área central da cidade de São Paulo, região muito privilegiada se comparada aos bairros periféricos, a luta por moradia se expandiu para a luta pela reforma urbana e pelo direito à cidade. A Reforma Urbana é a luta por um centro como lugar do povo, do direito à moradia, à cidade, à cidadania, um centro aberto e democrático e não 32 FÓRUM CENTRO VIVO, 2006.

um centro de repressão, da expulsão, da exclusão e da limpeza social.32

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crescimento demogrรกfico

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empregos por habitante (2001 - 2009)

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viagens diĂĄrias ao distrito da sĂŠ (2007)

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Devido à grande quantidade de prédios vazios ou subutilizados no centro da cidade de São Paulo, que não cumprem sua função social e desperdiçam infraestrutura urbana, os movimentos sociais viram a possibilidade de habitar essa região, principalmente após 2002, com a concretização do Plano Diretor Estratégico (PDE) e a posterior demarcação de suas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Dessa maneira, como forma de pressionar o poder público, mas também por falta de alternativas de onde morar, os movimentos sem-teto promovem ocupações dos imóveis ociosos, dandolhes uma função social.

páginas anteriores: fig 01. Mapa Crescimento demográfico do Município de São Paulo. fig 02. Mapa Empregos por habitante no Município de São Paulo fig 03. Mapa Viagens Diárias Distrito Sé. ao lado: fig 04. Mapa Edifícios Vazios no centro selecionados pela FAUUSP Fonte: FUPAM / COHAB-SP / 2009

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As comunidades auto-organizadas de luta por moradia no centro, através das ocupações dos edifícios, dando vida a espaços que não cumprem a sua função social, demonstram que o caminho para o cumprimento da função social da propriedade na será espontâneo e haverá um longo caminho para torná-la realidade.33 O Estatuto da Cidade, mesmo depois de muitos anos de lutas, e passados já três anos da aprovação do Plano Diretor, continua letra morta no município de São Paulo, no tocante à implementação do artigo 182. Note-se que a obstrução a esse avanço é um dos motivos do prosseguimento da reação desesperada de movimentos populares como a dos Sem-Teto, por exemplo.34

Mais de setenta ocupações de imóveis abandonados na área central foram efetuadas entre 1997 e 200735, cerca de 10 mil famílias em 44 edifícios, segundo o Instituto Pólis, 2009. Atualmente, de acordo com Neuhold (2009), aproximadamente 30% desses edifícios ocupados foram transformados em habitação popular (por iniciativa pública ou privada); 20% foram reformados para outro uso que não habitacional; 20% permanecem vazios e com dívidas tributárias, e sobre os 20% restantes não há informações. Não obstante, essas ocupações, em sua maior parte, foram reprimidas de maneira violenta, através de muitos confrontos com a polícia, sobretudo nas reintegrações de posse. Essa repressão aos movimentos de moradia pode ser observada principalmente na área central da cidade de São Paulo, afinal, é uma região consolidada e plenamente dotada de infra-estrutura urbana, portanto, com grande potencial lucrativo para o setor imobiliário. Ou seja, esse território é disputado entre os movimentos de moradia e os grandes proprietários imobiliários, sendo notável a desigual correlação de forças entre esses atores. Podemos observar que a repressão mais violenta aos movimentos de moradia se dá exatamente nas áreas centrais da cidade, onde a guerra dos lugares atinge adversários de maior poder na estrutura capitalista.36

34

33 AFFONSO, 2010. 34 VILLAÇA, 2005, apud AFFONSO, 2010, p.52. 35 AFFONSO, 2010. 36 RAMOS, 2009, p.42.


ocupaçþes no centro entre 1997 e 2005

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remoçþes no centro entre 2005 e 2012

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Os proprietários acreditam na valorização dos seus imóveis através da proposta municipal de requalificação do centro. Nesse contexto, uma das formas de obter esse resultado concretizou-se na aprovação do Projeto Nova Luz37. Trata-se de um projeto de intervenção urbana em uma área consolidada do centro de São Paulo, envolvendo o polígono formado pelas Avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias, Casper Líbero e Rua Mauá. A intervenção proposta pretende requalificar a área central, através de um instrumento urbanístico denominado Concessão Urbanística. Este instrumento visa promover investimentos na área e para tanto, concede ao capital privado o direito de exploração e de desapropriação do perímetro delimitado, conforme diretrizes determinadas por lei38 e mediante contrapartidas públicas. O Projeto Nova Luz foi apresentado em agosto de 2011, pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e pela SP Urbanismo (antiga EMURB) e vem sendo desenvolvido pelo Consórcio Nova Luz, que compreende: Concremat Engenharia, Cia. City, AECOM Technology Corporation e a Fundação Getúlio Vargas.

páginas anteriores: fig 05. Mapa Ocupações (1997-2005). Elaboração: Beatriz Kara José, 2006. fig 06. Mapa Remoções (2005-2012). Fonte: Fórum Centro Vivo/ Observatório de Remoções/Fogo no Barraco/ Artigos de Periódicos (Cesad) Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. 37 http://www.novaluzsp.com.br/ 38 http://www.prefeitura.sp.gov.br/ cidade/secretarias/desenvolvimento_ urbano/legislacao/index.php?p=1382

Essa proposta vai de encontro com os interesses daqueles que lutam para fazer valer os instrumentos urbanísticos do Estatuto da Cidade: os movimentos que pleiteiam soluções de moradia para a população de baixa renda nessa área. O poder público afirma que a requalificação proposta pelo Nova Luz reverterá o quadro de imóveis ociosos na região central – quadro esse resultante justamente da especulação dos proprietários que aguardam a revalorização. Entretanto, as recentes ações municipais não apontam para o favorecimento dos interesses coletivos através do cumprimento da função social da propriedade, mas sim dos interesses ligados ao capital imobiliário: proibição da circulação de carroças de catadores de materiais recicláveis na área central; retirada dos vendedores ambulantes; remoção dos moradores de rua e fechamento dos albergues do centro; interdição dos cortiços; incêndios em favelas localizadas em áreas de interesse imobiliário; reintegrações de posse com despejos violentos de moradias irregulares e ocupações; etc.

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O discurso que prevalece é aquele do senso comum: os centros urbanos precisam ser revitalizados, embelezados. Poucos se arriscam a mostrar o caráter ideológico desse discurso, que associa uso popular a deterioração, como se a única maneira de recuperar o centro fosse trazer de volta as elites. Essa visão reforça práticas de órgãos públicos de varrer as pessoas do centro, como se fossem literalmente lixo. E mostra o descaso pelos que vivem atualmente no centro e que são vítimas de violência constante, documentada no dossiê do Fórum Centro Vivo. A visão de que as melhorias no centro só virão com a valorização imobiliária recria antigos mecanismos de impedimento do acesso a terra pela população. Falta opor claramente o projeto que está por trás do senso comum da revitalização e o projeto da reforma urbana.39

Ao considerarmos as reintegrações de posse; onde o judiciário declara invasão de propriedade privada, determina a devolução do imóvel ao seu proprietário e ordena o despejo dos moradores através de força policial; percebemos que os argumentos absolutamente favoráveis à subordinação do direito de propriedade à sua função social presentes na lei não tem sido suficientes para barrar o processo de remoção das ocupações dos imóveis ociosos na região central. As remoções são freqüentemente justificadas pelos riscos a que os moradores estão expostos devido à precariedade das habitações improvisadas ou por privilegiarem o interesse público, que poderá ser comprometido com a permanência das ocupações no local. Ou seja, a habitação de baixa renda na área central contraria o processo de revitalização da região – percebemos a designação de interesses individuais como interesse público em detrimento dos coletivos. E, dessa maneira, a habitação popular na região central tem tido um destino comum: remoções sem nenhum tipo de atendimento ou garantia para as famílias e os imóveis continuam vazios e ociosos, demonstrando o total desrespeito às leis e aos direitos adquiridos. 39 FIX, 2008, apud AFFONSO, 2010, p.38.

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A prática de despejos forçados ocorre quando há remoção de pessoas ou grupos de suas casas contra a sua vontade, constituindo uma grave violação dos direitos humanos, particularmente do direito a uma moradia adequada, nos termos da resolução 1993/77 da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e do art.49 da Declaração de Istambul sobre os Assentamentos Humanos (ONU), que prevê a “necessidade de promover, com vigor, habitações acessíveis e serviços essenciais aos sem-teto, evitando despejos forçados que contrariam a legislação e facilitando o acesso de todas as pessoas, particularmente dos grupos pobres e vulneráveis, não apenas a informações sobre leis habitacionais, inclusive quaisquer direitos subjetivos, como também a recursos quando essas leis forem violadas.40

páginas anteriores: fig 07. Foto Carroceiros. Mariana Cavalcante, 2005. fig 08. Foto Direito à Moradia. Isadora Lins, 2005.

Em suma, ocorreram e continuam ocorrendo inúmeros despejos violentos e reintegrações de posse na região central de São Paulo. Essas ações decorrem do aval do Poder Judiciário, visto que nas suas sentenças sempre prevalece o direito de propriedade à revelia do cumprimento de sua função social, e diante da omissão do poder público municipal, responsável pelo desenvolvimento urbano. Note-se que a palavra omissão pressupõe uma neutralidade do Estado perante o conflito, entretanto, este, tendo o Poder Judiciário e a Polícia Militar como parte de seu aparato, intervém no território garantindo a dominação de uma classe sobre o espaço urbano.41 O direito à propriedade é talvez mais protegido do que o direito a se ter uma propriedade e do que o direito a ter terra para as pessoas semterra. [...] Há interesses muito conflituosos neste país, que vão tornar

40 FÓRUM CENTRO VIVO, 2006. 41 GOHN, 1991, p.35, apud RAMOS, 2009, p.97. 42 Hila Jilani, representante do secretário-geral das Nações Unidas para a Situação dos Defensores de Direitos Humanos, em entrevista à Prima Página, 16 de dezembro de 2005.

difícil para qualquer governo implementar uma política que pode não agradar algumas pessoas. [...] Mas você não pode reconhecer um direito e não garantir que as pessoas realmente tenham esse direito.42

Por outro lado, em janeiro de 2010, a atual gestão municipal noticiou para a imprensa um investimento da prefeitura em parceria com o governo federal

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para desapropriar e reformar 53 prédios abandonados no centro de São Paulo, através do programa Renova Centro43; apesar da notável prioridade dada até então pelos projetos de reabilitação da área central, com a construção de grandes equipamentos culturais para atrair novos públicos para essa região, e, da proposta de redução dos recursos direcionados para habitação de interesse social. No entanto, as informações referentes ao andamento do programa e à situação dos imóveis selecionados para desapropriação não são disponibilizadas publicamente. A única coisa que se sabe é que, desde o lançamento do programa até hoje, somente o Hotel Cineasta está em obras, e será destinado para artistas aposentados. Segundo Neuhold (2009), as primeiras experiências de produção habitacional na área central aconteceram na gestão da Luiza Erundina (PT - 1989/92). Essas iniciativas foram interrompidas durante as gestões de Paulo Maluf (PPB – 1993/96) e de Celso Pitta (PPB – 1997/00), para serem retomadas em 2001, durante a gestão de Marta Suplicy (PT – 2001/04). Até 1990 a produção pública habitacional concentrava-se nos bairros periféricos da cidade. As ações dos movimentos de moradia, como as ocupações dos imóveis vazios, e o esgotamento de terrenos disponíveis na periferia, podem ser considerados fatores importantes que contribuíram para pressionar o poder público a produzir unidades habitacionais no centro da cidade. Entretanto, destaca-se a insuficiência das unidades produzidas até hoje frente à demanda existente, a renda familiar como fator limitante ao acesso dessas unidades, bem como a descontinuidade dos programas habitacionais, como políticas de determinados governos cuja ininterrupção sempre esteve atrelada à permanência dos mesmos partidos no poder executivo, e não a uma política de Estado em prol da efetivação do direito à moradia digna na área central.

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fig 09. Foto Reforma Hotel Cineasta, Renova Centro. Fonte: PMSP, 2012. 43 http://www.prefeitura.sp.gov.br/ cidade/secretarias/habitacao/cohab/ noticias/?p=15692


A atual gestão tem sido negligente com as camadas mais pobres da população e bastante generosa com o mercado imobiliário. Porém, é necessário pensar se uma gestão municipal progressista pode garantir que as leis sejam cumpridas e os direitos dos trabalhadores respeitados.44

Para o coordenador do MMC (Movimento de Moradia do Centro), de acordo com Neuhold (2009), essas pequenas conquistas silenciaram os movimentos sem-teto. Seriam, pois, políticas sociais, ou fragmento delas, que inverteriam os sentidos e a própria luta pela cidadania, mantendo-se afastadas do horizonte da universalização dos direitos. Tenho certeza que são conquistas pontuais. É um cala a boca. Você já viu uma criança brigando por uma bala? Como é que o pai faz, rapidamente, ou a mãe, ou o avô? Vai lá e dá a bala para ela. Daqui a meia hora ela está querendo bala? Então, o que ele devia brigar é pela fábrica de balas, e não pela bala. Então nós, proletários e proletárias, temos que brigar pela Reforma Urbana feita com a participação popular ativa, com o povo organizado, é que resolverá o problema das desigualdades sociais. Nós temos que brigar para que se tenha programa e política de Estado e não política de governo. Calma, meu irmão, foi o governo que mais fez. É verdade, foi o que mais fez. Mas e quando acabar o governo Lula? Esse povo que ganhou alguma coisa, que avançou? Vai ficar como? [...] A nossa grande briga se dá exatamente em cima da política de Estado, só que nós no satisfazemos com qualquer migalha. As balinhas distribuídas...45

44 CORAZZA, 2012. 45 Coordenador do Movimento de Moradia do Centro, MMC, em entrevista concedida à Roberta dos Reis Neuhold, 2008.

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PARTE 03

o caso prestes maia

O edifício Prestes Maia é composto por dois blocos, A e B, sendo que o primeiro possui 9 andares com entrada pela Rua Brigadeiro Tobias, 700; e o segundo, 22 andares, e entrada pela Avenida Prestes Maia, 911. Localizado praticamente em frente à Estação da Luz, tem acesso fácil garantido ao metrô, bem como aos trens da CPTM e a diversas linhas de ônibus. A Avenida Prestes Maia é uma das avenidas de maior circulação da cidade, dá continuidade a Avenida Tiradentes até desembocar nas Avenidas Nove de Julho e 23 de Maio, interligando as zonas Norte e Sul da capital paulista. Possui grande concentração de variados tipos de serviços, além de uma completa infraestrutura, com ampla oferta de transportes, saúde e educação. Originalmente o edifício abrigava a Companhia Nacional de Tecidos, porém, em 1978, época da descentralização industrial em São Paulo e também da acentuação do processo de abandono do centro pelas classes dominantes e a conseqüente desvalorização imobiliária da região, a fábrica se mudou para o interior e o edifício foi vendido para o Banco Citibank. Posteriormente foi comprado em um leilão por Jorge Hamuche, empresário do ramo dos tecidos e também incorporador imobiliário, e desde então, aproximadamente 20 anos, o prédio encontra-se vazio e com uma dívida de IPTU de mais de cinco milhões de reais. fig 10. Foto Edifício Prestes Maia. Eduardo Costa fig 11. Mapa de Localização. Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. 46 Jorge Hamuche em entrevista concedida à Mariana Desidério Barbosa, em junho de 2011, publicada no site www.edificiosabandonados. com.br, acessado em setembro de 2012.

No cartório, o Prestes Maia ainda pertence à falida Companhia Nacional de Tecidos. Jorge Hamuche diz que não é de seu interesse registrar o prédio e que tem uma carta de arrematação provando sua propriedade. Ele justifica o abandono do prédio devido à situação econômica do país e ao descaso do poder público com a região da Luz, diz que nesses últimos 18 anos nenhum investimento ali seria rentável, e que, portanto, a demora pra ocupar o prédio nada tem a ver com especulação imobiliária 46. Com a opinião de que o

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edifício não tem vocação para moradia, seria um desperdício de potencial, pretende fazer do Prestes Maia um grande prédio de escritórios, após a esperada valorização da região, decorrente do Projeto Nova Luz.

movimento sem teto do centro A organização de movimentos de moradia no centro da cidade se fortaleceu na década de 1990, em presença de uma abertura da possibilidade de diálogo entre eles e o poder público municipal naquele momento. Em 1991, diante do anseio de reunir os movimentos organizados em torno da questão das habitações de aluguel na área central para denunciar as precárias condições de vida nos cortiços e encaminhar reivindicações ao poder público, foi criada a Unificação das Lutas de Cortiços (ULC). Com o passar dos anos foram surgindo discordâncias entre os diferentes grupos que formavam a ULC: questões relativas aos projetos políticos, à organização interna, às estratégias de luta e às relações político-partidárias.47 Dessa maneira, em 1993, houve uma primeira divisão do movimento – alguns grupos saíram da ULC para formar o Fórum de Cortiços. Quatro anos depois, em 1997, uma nova dissidência da ULC deu origem ao Movimento de Moradia do Centro (MMC). O Fórum de Cortiços dividiu-se em 1998, originando o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central (MTSTRC) e em 2000, o Movimento Sem Teto do Centro (MSTC). Com relação ao Movimento de Moradia do Centro, este foi dividido em 2003, quando algumas famílias se desligaram do MMC e criaram o Movimento de Moradia Região Centro (MMRC). Todos esses movimentos eram ligados à União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM), fundada na década de 1980. No ano de

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fig 12. Mapa Perímetro Nova Luz. Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. fig 13. Esquema Divisão dos Movimentos de Moradia. Fonte: NEUHOLD Elaboração: Daniela P. Rodrigues,2012.

47 NEUHOLD, 2009, p. 45.


2004, o MSTC, junto com o MMRC e o MTSTRC, entre outros movimentos da região metropolitana de São Paulo, desligaram-se da UMM e fundaram a Frente de Luta por Moradia (FLM). Para fins desta pesquisa, nos ateremos apenas às questões relativas ao Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), responsável pelas ocupações do Edifício Prestes Maia entre 2002 e 2010. As principais maneiras pelas quais as famílias sem-teto tomam conhecimento sobre os movimentos de moradia, neste caso sobre o MSTC, se dão através de divulgação realizada em cortiços ou de cartazes colados em postes e pontos de ônibus, bem como por divulgação de pessoas que já faziam parte do movimento, com quem os novos integrantes mantêm relações de amizade, profissionais, mas principalmente de parentesco. Algumas pessoas demonstram uma resistência inicial em participar do movimento, muitos só tinham ouvido falar em sem-teto pelos noticiários televisivos, a partir das coberturas de ocupações, tendiam a achar que os sem-teto eram compostos por baderneiros.48 A atividade que mais ocupa os integrantes das famílias que compõem o movimento é a de camelô, mas também se encontram catadores de material reciclável, garçons, manicures, faxineiras, seguranças. Boa parte deles escolheu morar no centro por ser uma região com grande oferta de serviços e oportunidades para esses tipos de atividades. Segundo uma das coordenadoras do MSTC, qualquer pessoa deveria exercer seu direito de escolher onde quer morar.49

48 AQUINO, 2009. 49 AQUINO, 2009. 50 AQUINO, 2009.

Quanto à origem, tem-se uma grande maioria de nordestinos, além de pessoas de outros países da América do Sul, dos quais se destacam muitos bolivianos, que trabalham principalmente em confecções dos bairros do Brás e do Bom Retiro, localizados na região central de São Paulo.50

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interesse do MSTC pelo prédio Entre 2000 e 2001, de acordo com o relato 51 de Manoel Del Rio, advogado do MSTC, surgiu um interesse da coordenação do movimento pelo Edifício Prestes Maia, que estava abandonado há mais de 15 anos. Segundo ele, mais ou menos nessa época, havia saído o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal, o que ocasionou uma grande procura de prédios para serem apresentados ao programa. O Programa de Arrendamento Residencial atuou em parceria com a Prefeitura do Município de São Paulo durante a gestão da Marta Suplicy com o intuito de promover a construção de conjuntos de locação social e a reforma de edifícios reivindicados por movimentos de moradia no centro da cidade. As famílias atendidas pelo PAR, que tivessem renda mensal de até R$1800,00, pagariam por mês 0,7% do valor do imóvel. 52 Entre 2001 e 2002 há um período de negociações entre os proprietários do Edifício Prestes Maia (Jorge Hamuche e seu sócio Eduardo Amorim), com o MSTC e a Prefeitura do Município de São Paulo. Entretanto, não houve nenhum tipo de acordo que viabilizasse a compra do imóvel pela Secretaria Municipal de Habitação.

primeira ocupação Diante dessas características, somados a vacância imobiliária do centro e a existência de uma legislação favorável aprovada, como exposto nos capítulos anteriores, que o Edifício Prestes Maia é ocupado pelo MSTC em 2002. De acordo com o Fórum Centro Vivo , o edifício Prestes Maia foi ocupado pela primeira vez em novembro de 2002, por 468 famílias, aproximadamente 1630 pessoas, organizadas pelo MSTC. O edifício foi inteiramente ocupado, 53

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51 AQUINO, 2009. 52 http://www.caixa.gov.br/pj/ pj_social/mg/habitacao_social/par/ saiba_mais.asp 53 Fórum Centro Vivo, 2006, p.70.


mesmo sem contar com o funcionamento dos elevadores, dando o título ao Prestes Maia de maior ocupação vertical da América Latina. O edifício é uma construção de planta livre, com amplas dimensões, capaz de comportar muitas famílias. Ao escolherem quem ia morar em cada andar, as pessoas idosas ou com dificuldades de mobilidade tiveram prioridade para ficar nos andares mais baixos, e houve uma intenção de que as pessoas que partilhavam laços de parentesco ficassem no mesmo andar. Os moradores definiram o espaço de cada família através de uma lógica de aproveitamento das janelas, portanto, distribuíram-se de forma perimetral, configurando a formação de um pátio no centro. Eram aproximadamente 14 famílias por andar, sendo que cada uma ficou com cerca de 10m², além de um espaço coletivo de convívio no centro. Os banheiros e lavanderias eram coletivos, um por andar. No subsolo, onde originalmente havia um estacionamento, estabeleceu-se um espaço também coletivo no qual foi instalada a Biblioteca Popular Prestes Maia, e também onde aconteciam assembléias, reuniões e confraternizações. Além disso, era utilizado pelos catadores para armazenamento e separação de materiais recicláveis. Na organização interna da ocupação, as decisões eram tomadas coletivamente em assembléias. Haviam comissões de moradores encarregadas de funções específicas, como elétrica e hidráulica, por exemplo. Os moradores pagavam uma taxa mensal de manutenção do prédio, no valor de 20 reais. Havia programas de reciclagem, de alfabetização, oficinas culturais e uma biblioteca comunitária. fig 14. Organização interna da Ocupação Prestes Maia (2002-2007). Fonte: RAMOS Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. fig 15. Biblioteca Popular Prestes Maia. Henrique Parra, 2006.

Na portaria havia um regulamento interno fixado na entrada onde constavam as normas de comportamento para as famílias moradoras da ocupação, como por exemplo, definição de horários para entrada e saída, e proibição do consumo de bebidas alcoólicas dentro do edifício.

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Para que as negociações com o poder público fossem satisfatórias, era necessário que a ocupação servisse de modelo de organização, freqüentemente apontado pela coordenação como importante para o atendimento no centro e não na periferia.54

A relatada necessidade de transformar a Ocupação Prestes Maia em um modelo de organização pode ser compreendida visto que ocupar uma propriedade alheia é um ato ilegal e não se justifica por si só, precisa se tornar legítima perante a opinião pública. O modelo de organização apontado acima dava visibilidade a ocupação e a legitimava, além de tornar viável a vida em um prédio abandonado há anos.

negociações durante a ocupação (ações e reações / momentos de ruptura / hipóteses) Já no início de 2003 os proprietários entraram na justiça com o pedido de reintegração de posse. Em 12 de março o Juiz da 25ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo expediu a ordem de reintegração, discutindo apenas o caráter ilegal da ocupação, sem colocar em pauta os direitos daquelas famílias. Entretanto, apesar da ilegalidade contida no ato de ocupar um prédio que não é deles, existe um contexto histórico e político por trás da ocupação, que a torna apta a pleitear direitos. Tal contexto deve ser associado ao elevado problema habitacional que aflige o município de São Paulo, bem como aos instrumentos urbanísticos recém adquiridos, para fins do cumprimento da função social da propriedade urbana no município de São Paulo. Entre eles, nos cabe aqui citar a aprovação do Plano Diretor Estratégico 55 em 2002, com o intuito de ordenar o desenvolvimento da política urbana municipal, a demarcação das Zonas Especiais de Interesse Social 56 em 2004, destinando porções do território prioritariamente à regularização fundiária e

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fig 16. Foto “468 famílias ameaçadas”. Bijari, 2006.

54 AQUINO, 2009. 55 http://www.prefeitura.sp.gov.br/ cidade/secretarias/desenvolvimento_ urbano/legislacao/plano_diretor/ index.php 56 http://www.prefeitura.sp.gov.br/ cidade/secretarias/desenvolvimento_ urbano/legislacao/planos_regionais/ index.php?p=822


a produção de habitação de interesse social, e a regulamentação do IPTU progressivo no tempo 57 em 2010, forçando o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado a promover o seu adequado aproveitamento. Nesse sentido, em resposta à ordem judicial de reintegração de posse, o então Secretário da Habitação Paulo Teixeira determina o cancelamento do despejo, argumentando: Os imóveis reintegrados estavam abandonados há alguns anos pelos proprietários, o que ensejou a atual ocupação [...] face ao candente problema habitacional que atualmente aflige grandes contingentes populacionais urbanos. Tendo conhecimento do problema esta municipalidade está apoiando negociações entre os proprietários do imóvel e a Caixa Econômica Federal, objetivando o seu arrendamento para os atuais ocupantes, com utilização do PAR (Programa de Arrendamento Residencial) destarte solucionando o litígio de modo menos dramático para estes e também sem causar prejuízos para os proprietários.58 fig 17. Foto Direito à Cidade. Diana Helene. 57 http://ww2.prefeitura.sp.gov. br/arquivos/secretarias/financas/ legislacao/Lei-15234-2010.pdf 58 Ofício do Secretário da Habitação e Desenvolvimento Urbano Paulo Teixeira para o Juiz de Direito da 25² Vara Cível do Foro Central da Capital, nº 469/SEHAB-G/2003. 59 http://www3.prefeitura.sp.gov.br/ cadlem/secretarias/negocios_juridicos/ cadlem/integra.asp?alt=06092003D%20 437290000

Posteriormente, em setembro de 2003, Marta Suplicy anunciou o Decreto de Interesse Social (DIS) nº 43.729 59. Este decreto declarou o Edifício Prestes Maia, entre outros na área central, de interesse social para desapropriação. A Secretaria Municipal afirmou que estava contratando projetos de viabilidade técnica para que as famílias fossem atendidas pelo PAR. Entretanto, a desapropriação não se concretizou por falta de acordo entre o Judiciário, a Prefeitura e os proprietários do edifício. Foram alegados problemas de documentação do edifício, e a gestão seguinte revogou o decreto. Esse primeiro período reflete um momento histórico claro, após anos de lutas dos movimentos sociais e de intelectuais pela Reforma Urbana, o Estatuto da Cidade acabava de ser promulgado, bem como o Plano Diretor

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Estratégico (PDE) do Município de São Paulo e a demarcação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Esses condicionantes representam um período de ascensão e fortalecimento do processo de mobilização popular, que são a explicação para o Prestes Maia ter sido ocupado nesse momento – os instrumentos jurídicos recém conquistados e aplicação deles são a esperança e a reivindicação do MSTC ao ocupar o edifício. O diálogo aberto com as instâncias populares perceptível na gestão municipal de Marta Suplicy (2001/2004) e o empenho em ampliar o uso habitacional no centro através de programas como o Morar no Centro revelam uma convergência de interesses entre o poder público e os movimentos de moradia, refletindo justamente esse momento de euforia das forças populares, o que possivelmente justifica a resistência da Ocupação Prestes Maia nesses dois primeiros anos, apesar dos já existentes investimentos com vistas à revitalização do centro. Em 2005, o Decreto de Interesse Social (DIS) foi revogado pelo então eleito Prefeito do município de São Paulo, José Serra (PSDB); e o processo de reintegração de posse do Edifício Prestes Maia teve continuidade. Além disso, outros edifícios ocupados no centro de São Paulo sofreram remoções forçadas, entre eles, os prédios da Rua Plínio Ramos, da Rua do Ouvidor, da Rua Paula Souza e da Rua Tenente Pena. As famílias provenientes desses despejos montaram um acampamento em frente aos prédios vazios, simbolicamente batizado de Favela José Serra, em alusão ao prefeito que autorizara a remoção dos prédios ocupados. A Secretaria da Habitação cedeu um auxílio de R$ 250,00 para cada família (apelidada pelos moradores de bolsa-miséria) que acabaram por aceitar e desmontar o acampamento. Perguntado sobre o que fazer com os sem-teto, o secretário da

fig 18. Conjunto Residencial Olarias. Programa Morar no Centro. Fonte: COHAB-SP fig 19. Conjunto Residencial Parque do Gato. Programa Morar no Centro. Fonte: COHAB-SP

Habitação Orlando de Almeida Filho respondeu: tem um monte de gente sem; eu, por exemplo, estou sem carro, que roubaram o meu, estou sem relógio rolex, que não posso comprar... Cada um mora onde pode morar. Desde que possa comprar o imóvel e morar.60

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60 Trecho da entrevista ao Orlando Almeida Filho, ex Secretário Municipal da Habitação, concedida à repórter Natalia Viana em 1º de novembro de 2005.


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A reintegração de posse do Edifício Plínio Ramos, realizada em agosto de 2005, foi a mais violenta de que se teve notícias nos últimos anos na cidade de São Paulo, segundo o Dossiê de Denúncias do Fórum Centro Vivo 61. Dois meses depois foi realizada a reintegração de posse do Edifício Paula Souza. E, no entanto, esta aconteceu sem violência, talvez devido a um recuo dos moradores frente à violência sofrida pela ocupação Plínio Ramos. Em ambos os casos, as famílias não foram encaminhadas para programas habitacionais. Nesse mesmo ano, o Secretário Municipal de Habitação, Orlando de Almeida Filho, anunciou que não dará prosseguimento ao projeto de reforma do Edifício São Vito e que trabalhará com a possibilidade de implosão, visando solucionar os males provenientes da deterioração do edifício.62 Se você coloca na mesma área uma população de renda inferior, ela não vai conseguir acompanhar o ritmo, sendo previsíveis os conflitos sociais [...] Se você reforma um prédio antigo, não consegue a liberação dos bombeiros, por exemplo, por que não há áreas para escada de incêndio. Acontece que o prédio já está lá. Só se derrubar e fizer de novo. E esse não é o interesse. Precisamos achar alternativas que possibilitem a aprovação do projeto, nestes casos [...] Trata-se páginas anteriores: fig 20. Foto Favela José Serra. Mariana Cavalcante, 2005. fig 21. Foto Janela no Prestes Maia. Eduardo Costa. acima: fig 22. Foto Despejo Plínio Ramos. Isadora Lins, 2005. 61 FCV, 2006, p. 33. 62 SIQUEIRA, 2009. 63 Orlando de Almeida Filho, Secretário Municipal da Habitação, em entrevista à Revista Notícia da Construção, 19/09/2005, defende a ocupação do centro pela classe média.

de uma realidade de mercado. Ninguém tem recursos hoje. Se não houver créditos por parte das instituições financeiras, ficará difícil viabilizar qualquer projeto.63

Enquanto isso os proprietários do Edifício Prestes Maia continuaram exigindo a reintegração de posse do imóvel e a coordenação do MSTC continuou entrando com recursos de adiamento do despejo. Em fevereiro de 2006, o movimento, em reunião com o poder público municipal, recebeu a notícia de que a proposta de transformar o edifício Prestes Maia em moradia popular era inviável, devido ao seu alto custo tanto de desapropriação quanto pelas reformas necessárias (declarado pela COHAB após uma avaliação técnica). Esse diagnóstico desfavorável contribuiu para os argumentos do Ministério Público Estadual em favor do despejo.

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A reação dos moradores para esta notícia culminou em um protesto no dia 07/02/2006. Este, foi amplamente divulgado pela mídia, apoiado por diversos coletivos de arte e fortemente reprimido pela polícia militar. [...] São freqüentes as manifestações por meio de passeatas na região central, causando transtornos a quem transita na cidade e desrespeitando aqueles que de forma ordeira e civilizada fazem suas inscrições nos programas públicos de atendimento habitacional [...] A população da cidade de São Paulo que acorda cedo, trabalhar, estuda, que quer melhorar de vida, pretende realizar o sonho de ter sua casa própria, não tolerará ser passada pra trás por lideranças que incitam a invasão de propriedades alheias.64

No mesmo dia, o poder público municipal ofereceu aos sem-teto um auxílio de R$ 5.000,00 para as famílias que deixassem a cidade de São Paulo e voltassem para a sua terra natal. Todos que recebessem esses recursos seriam considerados atendidos e retirados dos cadastros dos programas de moradia. Essa proposta municipal de verba assistencial para que as famílias semteto voltem para sua terra natal, já oferecida também às famílias provenientes dos despejos citados anteriormente, demonstra uma pretensão do poder público que vai além de expulsar as pessoas da região central, mas também expulsá-las da cidade de São Paulo. Será que podemos classificar esse tipo de conduta como uma política pública? Desconsiderando completamente os direitos constitucionais de um cidadão brasileiro. Quem seriam os verdadeiros paulistanos com direitos de nascença, seriam eles os Guaranis? Como numa cidade considerada cosmopolita como São Paulo; composta de originais, como os indígenas; os que obrigados foram arrastados para cá, escravos africanos; os que aqui reinaram tortura, conquistadores portugueses; os que acreditaram numa terra sonho, italianos e

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64 Orlando de Almeida Filho, Secretário Municipal da Habitação, em artigo no jornal Folha da Tarde, 26/02/2006.


japoneses, ou mesmo judeus; os refugiados de genocídios, armênios; os que buscaram oportunidades, coreanos e seus rivais chineses; os estrangeiros que prestam o papel de escravos voluntários no centro de São Paulo, refugiados da miséria, bolivianos e peruanos; sem contar os haitianos que estão por desembarcar, os angolanos, cabo-verdianos; há também os nossos próprios, brasileiros, atraídos como estes estrangeiros, por razões bastante conhecidas, fruto das desigualdades deste país, os nordestinos e povos do norte, estão aqui há algumas décadas, desde que os estrangeiros emanciparam-se a patrões. Seria São Paulo ainda o mesmo sertão de índios brabos da outrora original Guarani? Quem pode distinguir-se? Quem é branco? Quem é preto? Não sabemos há muito tempo, mas, o que temos certeza e podemos infelizmente apontar por aí é quem é pobre. Esta foi uma cidade que nasceu para ter os ares frios e temperados como os da Espanha, já brotou colonizada, nova rica, deslumbrada, e devemos a todo momento recordar que ninguém, ninguém, daqui surgiu espontaneamente. Aqui se construíram natividades, lares-cidade, sonhos, paixões. Tentar exportar a própria pobreza é no mínimo uma porcaria.65

No final de 2006, apesar da força de vários coletivos de artistas e intelectuais para chamar a atenção da opinião pública, ocorre uma decisão judicial que determina a reintegração de posse do edifício. A Polícia Militar chega a alegar uma impossibilidade de realizar a reintegração devido à probabilidade de confronto violento, entretanto, o Juiz permanece com a sua decisão. Foi favorável ao proprietário a desapropriação. Então isso é fato consumado, não dá pra fugir disto, vocês só tem duas saídas: ou sai, 65 AFFONSO, 2010. 66 Reunião da Polícia com os moradores da Ocupação Prestes Maia, disponível em http://www.youtube. com/watch?v=C2qTWnIDm2U&feature =related

ou sai! Nós temos que cumprir a determinação do juiz e estamos aqui reunindo os órgãos envolvidos para que isto ocorra da forma menos traumática possível [...] Eu falei desde o começo, o governo está fora. O problema é entre vocês, o dono do prédio, que pediu a reintegração, e nós.66

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Aziz Ab’Saber realiza uma palestra no dia 11/11/2006 no subsolo do edifício, fazendo um discurso próximo ao das lideranças do MSTC, elucidando as atitudes dos governantes em oposição às famílias e estimulando as práticas de coletivização para o sucesso da ocupação, isto é, para garantir o atendimento por parte do poder público.67 A mudança da gestão municipal de Marta Suplicy do PT (2001/2004) para José Serra do PSDB (2005/2006) representa um momento de reação conservadora diante da fragilidade - que se revelava - das recentes conquistas dos trabalhadores. A revogação do DIS, os inúmeros despejos truculentos de edifícios ocupados no centro de São Paulo e a decisão judicial pela reintegração de posse do Prestes Maia, muito possivelmente estão relacionados com a conjuntura política/social desse período entre 2005 e 2006, momento esse de claro abalo na articulação do poder público com os movimentos sociais e de forte direcionamento dos investimentos públicos e privados para a revitalização do centro. Entre os dias 06 e 22/02/2007 os moradores montam um acampamento na frente da Prefeitura, com o intuito de pressionar novas negociações, reivindicando o adiamento do despejo e um atendimento habitacional para as famílias. Durante o período do acampamento, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a reintegração de posse do Prestes Maia deveria acontecer no dia 25/02/2007. Em vista da estremecida relação e da impossibilidade de diálogo entre os moradores do Prestes Maia e o Secretário da Habitação, Orlando de Almeida, um grupo de artistas e intelectuais lança um apelo ao poder público municipal para que se tente mais uma vez uma solução amigável. [...] o local estava abandonado e servia de ponto para o tráfico de drogas. Os atuais moradores afastaram o crime e revitalizaram o comércio da região. Eles sobejamente demonstraram que a cidade é revitalizada

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67 AQUINO, 2009.


pelos próprios cidadãos: se forem expulsos devido a um projeto segregacionista e estetizante, é parte da cidade que morre [...] Embora o Judiciário não tenha se manifestado em favor desses cidadãos que, vale dizer, construíram para a cidade um novo espaço onde o lixo, a lama e o crime vicejavam, é preciso lembrar que o direito está do lado deles. A função social da propriedade e o direito à moradia estão previstos na Constituição brasileira, mas, quando ela será aplicada em favor dos pobres? O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU também os ampara – mas quando o Brasil cumprirá seus deveres internacionais para com os direitos humanos? [...] A legalização da ocupação Prestes Maia, além de resolver o problema da falta de moradia para centenas de famílias que hoje vivem no prédio e cuidam dele, representaria um grande passo de civilidade para o nosso município. Seria uma estratégia inteligente para que a vocação original do espaço urbano seja cumprida: a hospitalidade, a cooperação criativa, o trabalho coletivo, o encontro. E que o direito à cidade seja garantido àqueles que a constroem.68

Dessa maneira, o prefeito Gilberto Kassab, recém empossado perante a candidatura de José Serra ao governo do Estado de São Paulo, nomeia Walter Abraão Filho, Diretor Comercial da COHAB, como novo mediador do conflito. A partir de então, o movimento consegue pleitear uma nova abertura de negociações junto à Prefeitura e a reintegração de posse é suspensa por 60 dias.

68 Aziz Ab’Saber, Maria Rita Kehl e Pádua Fernandes, Revitalizar sem segregar: o direito à cidade. Tendências e Debates, Folha de São Paulo, 12/04/2007.

Em abril de 2007 foi criado um plano de ação conjunta entre o Município, o Estado e a União, que contemplava o adiamento da reintegração de posse e a escolha de três edifícios no centro que pudessem se tornar habitação popular, que deveriam ser comprados com uma liberação de 20 milhões de reais do PAC. Além disso, essa verba deveria garantir o pagamento de seis meses de auxílio aluguel para os moradores do Prestes Maia, enquanto aguardariam uma moradia definitiva.

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No mesmo mês o próprio Prefeito Gilberto Kassab visitou o Prestes Maia e anunciou que a reintegração de posse fora suspensa por mais 60 dias e que seria promovida a saída progressiva das famílias para moradias definitivas ou auxílio aluguel, graças ao esforço conjunto das três esferas de governo. Walter Abraão Filho também compareceu à ocupação neste mês para esclarecer quais opções de atendimento as famílias teriam, sendo elas: _auxílio aluguel de R$300,00 por mês durante seis meses até que os imóveis no centro fossem comprados; _unidades de um empreendimento já pronto da CDHU em Itaquera, um bairro na periferia da cidade de São Paulo. Houve uma comoção por parte da maioria das pessoas presentes, muitas palmas, gritos de alegria, abraços:69 Fiquei muito alegre com a notícia. No fundo, eu sempre achei que seríamos vitoriosos.70

A partir da recepção positiva dos moradores com relação às propostas de atendimento do poder público municipal, podemos perceber um primeiro indício de desarticulação do movimento. A ocupação é um ato político, que só se justifica na esfera política. A partir do momento em que os moradores aceitam o desmonte dessa ocupação perante uma promessa do poder público de atendimento de demanda, acabam por enfraquecer e esvaziar o movimento político. Ao aceitarem as unidades habitacionais da CDHU em Itaquera revelam-se coniventes com a produção pública de habitação na periferia da cidade – sendo que a premissa principal do movimento era reivindicar habitação na área central – além de se disporem a uma fragmentação da luta, ao optarem por atendimentos isolados de acordo com interesses individuais.

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fig 23. Mapa Localização CDHU Itaquera. Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. 69 AQUINO, 2009 70 Anita Mendes, moradora do Prestes Maia, em entrevista ao jornal A Folha de São Paulo em 14/04/2007.


Dessa maneira, compreendemos que o discurso que coloca os movimentos populares em constante oposição ao poder público acaba por amparar uma visão maniqueísta sobre a luta pela terra urbana. Essa luta envolve uma complexa trama que entrelaça interesses diversos e não deve ser simplificada. Os movimentos por moradia, assim como o poder público, não representam um todo homogêneo, e dessa maneira, em alguns momentos o poder público pode agir em consonância com as reivindicações populares, assim como, os movimentos podem se beneficiar de políticas que não favoreçam necessariamente o coletivo, ou seja, nem sempre há uma oposição absoluta entre eles. E são justamente esses, ora conflitos, ora associações, que desenharão as políticas municipais. No mês seguinte, maio de 2007, iniciou-se a saída pacífica das famílias que optaram por ir para unidades da CDHU em Itaquera. Os proprietários receberam o imóvel desocupado no dia 18/06/2007. Falaram em transformar o edifício em um centro de escritórios, e disseram ter conseguido um desconto na dívida de IPTU (através do Programa de Parcelamento Incentivado da Prefeitura do Município de São Paulo). Segundo Manoel Del Rio, advogado do MSTC, tal desconto não tem base jurídica, para a Prefeitura abrir mão de impostos seria necessária uma aprovação legal.71 Portanto, após cincos anos de ocupação e muitas ameaças de reintegração, o Prestes Maia foi desocupado mediante acordo entre as três esferas de governo, resultando em uma desocupação pacífica dos moradores. Das 468 famílias, o acordo foi que 150 seriam atendidas pela CDHU em Itaquera e as demais receberiam uma ajuda de custo de R$ 300,00 por mês 72, enquanto aguardavam um atendimento definitivo.

71 G1 – O Portal de Notícias da Globo, 15/06/2007. 72 G1 – O Portal de Notícias da Globo, 15/06/2007.

Como se vê, o período descrito anteriormente como momento de forte reação conservadora perante as reveladas frágeis conquistas populares, culmina em 2007, com a reintegração de posse do Edifício Prestes Maia. Atitudes como a troca do mediador do conflito efetuada pelo Prefeito

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Gilberto Kassab, ao declarar o intuito de se obter um acordo amigável; a forma pacífica de remoção das famílias; somadas à desarticulação do movimento; resultaram em uma aceitação bastante positiva com relação às propostas municipais de atendimento habitacional – tanto das famílias quanto da opinião pública. Podemos observar nessa passagem a intenção do Prefeito Gilberto Kassab de provocar a aceitação da opinião pública, com o provável intuito de se manter no poder, visto que no ano seguinte (2008) aconteceriam novas eleições municipais, onde o mesmo foi reeleito.

papel da biblioteca, da mídia e dos artistas Não obstante, o Edifício Prestes Maia foi o que resistiu ocupado por mais tempo após receber o primeiro mandado de reintegração de posse. Essa resistência, principalmente entre 2005 e 2006, parece estar vinculada diretamente à participação de diversos apoiadores pela luta por moradia no centro da cidade. Os artistas e intelectuais que apoiaram a Ocupação Prestes Maia, nos vários momentos citados anteriormente, são pessoas públicas, que aparecem na mídia freqüentemente e, portanto, são formadores de opinião. Ao apoiarem a luta dos moradores publicamente, deram grande visibilidade à ocupação e conquistaram uma opinião pública positiva, além de denunciarem as práticas higienistas do poder municipal. Inclusive a mídia, ao explorar a história pessoal de alguns moradores da ocupação Prestes Maia, acabou por humanizar a discussão. Dessa maneira, essa relação entre atores externos e moradores legitimou a ocupação perante a opinião pública e fortaleceu a luta, fator esse determinante para a resistência da ocupação por cinco anos, enquanto outras ocupações contemporâneas ao Prestes Maia resistiram por muito menos tempo.

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Por outro lado, percebe-se que a conquista da opinião pública através desse apoio dos artistas não universalizou os direitos, ou seja, não foi eficaz na conscientização da população dos direitos daquelas famílias e do papel do estado de garanti-los. Podemos afirmar isso, pois, se essa estratégia de divulgação tivesse sido efetivamente conscientizadora, legitimaria e fortaleceria todas as ocupações, entretanto, legitimam apenas o Prestes Maia e por isso ele resiste mais que os outros. Outro fator importante para a concretização desse símbolo de resistência e determinante para o processo de tornar a ocupação legítima perante a opinião pública foi a organização interna da ocupação. A existência de uma Biblioteca Popular, de programas de alfabetização, reciclagem, assim como o regulamento interno da ocupação, as decisões coletivas e a manutenção predial dividida em comissões de moradores com funções específicas, também foram estratégias de visibilidade da ocupação na mídia e pela conquista da opinião pública. Ao atrair pessoas de fora que se interessavam em conhecer o modelo de organização do Prestes Maia, convencia-se que os moradores não eram baderneiros, mas sim trabalhadores. O catador de lixo Severino Manoel de Souza fechou os olhos. A guilhotina preparava-se para decepar Machado de Assis. Algumas das melhores páginas da literatura brasileira seriam reduzidas a papel branco, 8 centavos o quilo. Pára, gritou Severino. Isso é um crime muito grande. Foi nesse momento, tendo por cenário um galpão de reciclagem, que começou a biblioteca dos sem-teto do edifício Prestes Maia. Após este evento, ele e a mulher Roberta Maria da Conceição, de 44 anos, passaram a abrigar todos os exemplares sem-teto que iam topando pela rua, a reportagem conta passagens trágicas da vida do casal e revela como foram 73 REVISTA ÉPOCA, 2006, apud AFFONSO, 2010, p.107.

parar na ocupação.73

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Seu Severino e Roberta tendiam a valorizar o papel da biblioteca enquanto principal elemento de divulgação positiva da ocupação, responsável pelos contínuos adiamentos da reintegração e posteriormente pelo atendimento prometido às famílias. Defendiam que a biblioteca trouxe visibilidade e respeito à ocupação e ao movimento. Entretanto, para Jomarina, coordenadora da ocupação, a biblioteca só era freqüentada por pessoas de fora e não por moradores, e essas pessoas que visitavam a biblioteca não se preocupavam com os problemas dos moradores, portanto, para ela, a biblioteca não era tão importante assim para a ocupação.74 Ou seja, o modelo de organização interna tornou a ocupação legítima perante a opinião pública, e seus moradores passaram a ser considerados aptos a pleitear direitos, pois eram merecedores. Sendo assim, também não foi eficaz no que tange a universalização dos direitos. Portanto, também não conscientizou a população do papel do estado de garantir o direito à moradia digna e à cidade a todos, não só aos que comprovam seu mérito perante a opinião pública. O contexto já mencionado do elevado déficit habitacional, da vacância imobiliária do centro e da existência de uma legislação favorável ao cumprimento da função social da propriedade urbana, isso sim legitima todas as ocupações através da consciência de que todos os moradores de prédios ocupados no centro de São Paulo são possuidores de direitos e de que devem reivindicá-los. Portanto, a organização interna e o apoio dos artistas demonstram-se estratégias frágeis de legitimação, apesar de terem sido determinantes para a resistência da Ocupação Prestes Maia em um momento onde todas as outras ocupações foram despejadas e seus moradores não tiveram nenhum tipo de atendimento habitacional.

fig 24. Biblioteca Popular Prestes Maia. Antonio Brasiliano, 2006.

74 AQUINO, 2009.

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destino das famílias Após a desocupação do Prestes Maia, os moradores que optaram por permanecer na região central concentraram-se em cortiços ou migraram para outro prédio ocupado, na Rua Mauá. Essa ocupação foi uma alternativa aos altos preços de aluguel cobrados na região. Essas famílias argumentavam que os prédios oferecidos pela CDHU em Itaquera eram muito distantes, carentes de serviços, empregos e infraestrutura. Já os moradores que escolheram Itaquera diziam que: mais vale um pássaro na mão do que dois voando. 75 (temos aqui novamente um indício de individualização da luta, que pode, de certa maneira, transformar um movimento de moradia em apenas uma reivindicação popular atendida) Lá em Itaquera é assim, o apartamento é bom, é grande, dois quartos, sala, cozinha, mas a infra-estrutura... No primeiro ano, quando as pessoas foram pra lá, em 2007, as pessoas perderam escola, a escola é longe. Mesmo assim conseguiram bastante coisa, tem perua, tem ônibus, mas mesmo assim, às vezes os pais, para vim trabalhar, tem dificuldade de condução. Porque se você mora no centro, você acessa tudo, você vai a pé, nem que ande bastante, você consegue e lá não. Você tem que disponibilizar de duas conduções, uma perua até o metrô e pegar o metrô, o ônibus ou dois ônibus. [...] A Radial Leste é congestionada de manhã e a tarde, é complicado. E o ponto de ônibus é longe, agora que eles colocaram um asfaltinho na metade da rua, até pra chegar nos condomínios é difícil, é barro quando chove.76

75 AQUINO, 2009. 76 Jomarina, ex-coordenadora da ocupação Prestes Maia, em entrevista concedida à Elenira Arakilian Affonso, 13/01/2010.

Segundo dados publicados pela Prefeitura do Município de São Paulo, no ano de 2007, 148 famílias já estavam morando em casa própria da CDHU em Itaquera. Outras 342 famílias recebiam auxílio aluguel e aguardavam uma moradia definitiva na região central.

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procura de imóveis no centro Para aqueles que optaram por aguardar por uma moradia definitiva na região central, o governo federal disponibilizaria para cada família cerca de R$27.650,00, como subsídio, e a CDHU complementaria com o restante para atingir o valor da unidade. Apenas o valor complementado pela CDHU seria financiado para as famílias. Esse atendimento no centro, entretanto, resvalou em questões urbanas como os altos custos dos imóveis nessa região e também nas regras de aplicação dos recursos, o que impossibilitou que o processo fosse completado. A coordenação do movimento passou anos à procura de imóveis passíveis de desapropriação para fins de habitação de interesse social, entretanto, a seleção desses edifícios passava obrigatoriamente por uma avaliação da CDHU com relação a sua adequação urbana para interesse social. Tratava-se de um estudo de compatibilidade com o entorno para não haverem conflitos sociais, isto é, se o entorno passou por revitalização, se existissem moradores de classe média, ou mesmo a presença de uma associação de comerciantes ativa, os prédios eram descartados.77 A existência desse estudo revela um preconceito relacionado à coexistência com os sem-teto por parte do poder público. Outro motivo alegado pelo poder público como impedimento para a compra de imóveis no centro era a questão do desmembramento dos prédios antigos, que possuíam uma escritura única, o que contrariava as regras de aplicação dos recursos. A partir de 2008, com a crise financeira mundial, acirrou-se a procura por imóveis em busca de investimentos mais estáveis na cidade de São Paulo, e, dessa maneira, houve uma renovação do interesse pela região central. Soma-se a isso o empenho da atual gestão municipal em seu projeto Nova Luz 78, gerando uma onda de especulação no centro da cidade e resultando

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77 AFFONSO, 2010. 78 Ver projeto em http://www. novaluzsp.com.br/home.asp.


em um aumento significativo no valor dos imóveis. Essa questão coloca-se como um obstáculo ao prometido atendimento habitacional no centro: se em 2007 havia a possibilidade de se adquirir um imóvel no centro, em 2010, a oferta diminuiu e os preços aumentaram consideravelmente. Veja bem, o quanto valorizou daquela época para agora. Vamos ver, se ele tivesse vendido o imóvel, segundo dos dados que eu coleto por aí, é o melhor investimento, dá um retorno maior do que uma indústria, comércio, do que qualquer outro investimento. É como se fosse um cofre, entendeu? É um dinheiro lá no cofre valorizando, ele não está parado, embora ele esteja se deteriorando, vazio.79

Segundo AFFONSO 80, apenas 11,5% das famílias que optaram por não ir para Itaquera conseguiu efetivamente comprar seus imóveis, mas não na região central. Estes romperam com o processo em grupo em busca de edifícios centrais passíveis de desapropriação e resolveram seus problemas individualmente. As famílias remanescentes permanecem até hoje sem atendimento habitacional definitivo. Se eles tiverem nos enganando, vamos dar uma rasteira e se eles não cumprirem, vamos ocupar o Prestes Maia de novo? Ao que a grande maioria respondeu em coro: Vamos!81

79 Manoel Del Rio, advogado do MSTC, em entrevista concedida a Elenira Arakilian Affonso, 2009. 80 AFFONSO, 2010. 81 Manoel Del Rio, advogado do MSTC, em uma reunião no dia 06/11/2007, em comemoração aos cinco anos da ocupação Prestes Maia, segundo AQUINO, 2009.

Dentre todas as dificuldades encontradas, essa questão da solução individual versus a solução coletiva, possivelmente foi o fator de maior ameaça à preservação do movimento, presente inicialmente na opção de algumas famílias irem para unidades habitacionais em Itaquera, e posteriormente, entre as famílias que optaram pela carta de crédito, que acabaram buscando soluções individuais para não perderem a chance de adquirir uma casa própria. Esse processo foi incentivado pelo poder público que, se empenhando em promover a fragmentação, atraiu o movimento para os seus objetivos.

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Você está entendendo porque não está realizando? Quanto tempo existe essa busca para que não saia do coletivo? Já está fadado ao fracasso! Se ela (referindo-se à coordenadora do movimento) continuar com essa teoria, eles vão ficar presos nessa situação a vida toda e vão perder as cartas de crédito. Porque vai ter uma hora que este governo vai cortar o subsídio, porque isto é contrato, não vai ser vitalício. A qualquer momento esse subsídio vai acabar. Se o próximo governo não achar que é interessante repassar, a CDHU não vai assumir os R$ 27.000,00.82

Cabe citar também a disputa entre os movimentos de moradia para garantir o atendimento habitacional de seus integrantes. As administrações públicas municipais, ao perceberem as discórdias entre os movimentos, tenderam a incentivar a fragmentação e o enfraquecimento da luta. Nesse sentido, os movimentos vêm se distanciando da perspectiva de uma luta conjunta para a democratização do acesso às políticas sociais. 83 Fragmenta-se assim a luta em torno do direito à moradia digna no centro de São Paulo. Eles buscaram uma forma de dividir os movimentos [...] Na verdade a palavra certa é cooptação. Vamos pegar o movimento mais forte, ou o que dá mais porrada, a gente atende e engessa esse movimento. Assim, ele não vai mais se agrupar, porque já foi atendido.84

estado de abandono em que continuam os prédios reintegrados Entre a desocupação (do Edifício Prestes Maia) e as novas ocupações do mesmo, realizadas em 2010 pelo MSTC, o prédio ficou vazio e lacrado. Para garantir que o prédio não fosse ocupado novamente, tanto o Prestes Maia quanto os outros edifícios citados foram construídas paredes nos vãos das portas e janelas do térreo e do primeiro andar, ação essa nomeada pelo poder público de emparedamento e pelas famílias despejadas de muro da vergonha.

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82 Ivana Haddad Nasser, responsável pelo atendimento ao grupo Prestes Maia na CDHU, em entrevista concedida à Elenira Arakilian Affonso em 09/02/2010. 83 NEUHOLD, 2009. 84 Míriam Hermógenes, apud, SIQUEIRA, 2009, p. 119.




Em reportagem da Revista Veja, mais de um ano após a saída das famílias que ocupavam o Prestes Maia, é descrita a situação de abandono na qual se encontrava o edifício naquele momento. A reportagem também descreve a situação do Edifício da Rua do Ouvidor, de onde 650 pessoas foram removidas em 2005, e continua vazio até então.85 Após a reeleição do Prefeito Gilberto Kassab (2008/2012), projetos como a Nova Luz e as operações de higienização no centro da cidade podem ter motivado as novas ocupações do Edifício Prestes Maia, que vieram ocorrer em 2010, bem como a não realização plena dos atendimentos habitacionais prometidos às famílias anteriormente (2007).

segunda ocupação No dia 27/04/2010 o Edifício Prestes Maia foi ocupado pela segunda vez pelo MSTC. Eles reivindicam a desapropriação do edifício, e de mais outros três, o Edifício do INSS na Avenida 9 de julho; o segundo na Rua Mauá e o terceiro na Av. São João.

acima: fig 25. Foto “Dignidade”. Antonio Brasiliano, 2005. páginas anteriores: fig 26. Foto Muro da Vergonha. Fórum Centro Vivo fig 27. Foto Zumbi Somos Nós. Julia Valiengo, 2006.

85 Revista Veja, 26/10/2008. 86 Jornal da Tarde, 27/04/2010.

Em uma reunião do movimento com a Secretaria de Habitação do Município foi acordado que sob o comprometimento dos movimentos desocuparem os imóveis, a Prefeitura vai colaborar junto aos órgãos estadual e federal na negociação de parte das reivindicações, mas caso o movimento insista em manter as invasões a Prefeitura se isentará das responsabilidades.86

terceira ocupação A terceira ocupação do Edifício Prestes Maia aconteceu no dia 04/10/2010, quando cerca de dois mil integrantes da FLM (Frente de Luta por Moradia – união entre movimentos de moradia no centro, entres eles o MSTC,

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oficializada em 2004) ocuparam quatro prédios no centro: São João nº 588, Ipiranga nº 799, Prestes Maia nº 911 e Av. Nove de Julho nº 584. O perfil dos edifícios é muito semelhante ao do Prestes Maia: abandonados por cerca de 20 anos e devedor de IPTU. O movimento reivindica a reforma dos edifícios para a população de baixa renda. Jorge Hamuche, proprietário do Edifício Prestes Maia, logo entrou com uma ação do poder público para a desocupação do prédio.87 Em junho de 2011, segundo Mariana Desidério Barbosa 88, viviam no Prestes Maia 300 famílias, cerca de 1500 pessoas, desde 04/10/2010. Elas ocupam 20 andares do prédio, sendo que os dois últimos estão interditados por infiltração. Em outubro de 2011 a Ocupação São João e a Ocupação Prestes Maia comemoraram um ano de resistência, sendo que os outros dois edifícios ocupados no mesmo dia já haviam sofrido remoções forçadas. Apesar da regulamentação da Lei nº 15.234 em julho de 2010, que define a aplicação do IPTU progressivo no tempo em imóveis dentro do perímetro da Operação Urbana Centro, que é o caso do Edifício Prestes Maia, este não consta na lista de imóveis notificados pela prefeitura.89

situação atual Não há informações disponíveis na mídia sobre a atual situação da Ocupação Prestes Maia. A única notícia veiculada pela imprensa no ano de 2012 diz respeito a uma visita do candidato a Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ao edifício no dia 13/09/2012. Essa mesma reportagem que o edifício está ocupado, naquele momento, por cerca de 300 famílias.90

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87 Jornal A Folha de SP, 05/10/2010. 88 www.edificiosabandonados.com.br, acessado em 10/09/2012. 89 Veja lista em: http://www1.folha. uol.com.br/cotidiano/980800-donosde-1053-imoveis-podem-ter-iptuprogressivo.shtml 90 G1 – O Portal de Notícias da Globo, 13/09/2012.


Segundo dados do Observatório de Remoções91 (formado por pesquisadores do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos e do Laboratório do Espaço Público e Direito à Cidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) as famílias que atualmente ocupam o edifício já foram notificadas de uma futura remoção, bem como, a CDHU já realizou uma vistoria no imóvel para verificar possibilidades de desapropriação e reforma.

91 http://observatorioderemocoes. blogspot.com.br/

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últimas palavras

O caso estudado nos permitiu uma interpretação possível da história do Edifício Prestes Maia. História essa que consideramos emblemática por estar inserida em um conjunto generalizado de ações do capital imobiliário, apoiadas e incentivadas pelo poder público, condenando o destino da cidade e de seus habitantes. Acreditamos na importância do resgate dessa história, pois a disputa pela apropriação da terra tem se dado de forma extremamente violenta, em função dos projetos de infraestrutura, de revitalização, dos megaeventos, etc. Não demora aquele território se transforma e ninguém sabe mais o que aconteceu, a história vira outra. Após 30 anos de lutas sociais nas quais a questão principal era os direitos, estes continuam sendo violados. O destino da cidade vem sendo traçado sem a superação de questões históricas, como o problema do acesso à terra urbana. Este trabalho espera ter contribuído para uma leitura crítica a respeito da política urbana no município de São Paulo e do progresso atribuído às conquistas decorrentes da luta pela Reforma Urbana.

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anexo

construção da estrutura fundiária no Brasil

Entender a formação da estrutura fundiária brasileira requer algumas explicações sobre a formação e estruturação da Monarquia Absoluta Portuguesa, responsável pela colonização do Brasil e pelo seu ordenamento territorial. O reino de Portugal foi constituído entre o século XI e XIII a partir de disputas com o povo árabe e espanhol. As terras conquistadas através dessas disputas foram incorporadas ao domínio do rei, o que determinou a configuração física do país. No século XIV, uma revolução resultou na formação da Monarquia Absoluta Portuguesa. A estrutura patrimonial portuguesa é decorrente da centralização do poder nas mãos do rei, e é essa característica que guiará o modelo de ordenamento territorial no Brasil colonial. A partir de então, terminadas as guerras, o país voltou-se para o comércio internacional, através de aventuras pelos mares, com o apoio do capital holandês e inglês, iniciando um período de colonização na África, na Ásia e no Brasil. O território brasileiro já pertencia a Portugal antes do seu descobrimento. Com intuito de solucionar as disputas por terras foi assinado, em 1494, o Tratado de Tordesilhas entre Portugal e Espanha, por intermédio do Papa. Consistia em uma linha imaginária traçada a partir do Norte do Brasil até o Sul. Destinava as terras a leste da linha para Portugal e a oeste para Espanha. Essa divisão foi posteriormente alterada pelo Tratado de Madri, em 1750, diante do bandeirismo que alargou as fronteiras do país, em benefício de Portugal.

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Esse tratado, que atribuiu poderes absolutos ao rei de Portugal sobre terras ainda desconhecidas, constitui um importante referencial para os estudos do ordenamento jurídico da terra no Brasil: O descolamento existente entre o instrumento jurídico que reconhece oficialmente o domínio e a realidade da configuração geográfica, ambiental e da ocupação humana se reproduz desde o período colonial até os dias de hoje.92

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, a forma anterior de organização territorial e a relação que os índios tinham com a terra foi ignorada. Portanto, o atual regime de terras no Brasil tem origem no descobrimento, quando todo o território brasileiro passa a pertencer à monarquia portuguesa e, dessa maneira, foi aplicado aqui o mesmo ordenamento jurídico de Portugal – as Ordenações Afonsinas. A colonização do Brasil foi feita sob a estrutura patrimonial portuguesa, que manteve o domínio do território por meio do sistema de distribuição de terras e também sob a expansão do capitalismo comercial. Faoro assinala o caráter patrimonialista que o Estado português assume, cuja referência é a indissociação entre o público e o privado atinente à forma da propriedade. O traço marcante antifeudal da Coroa será o de não abrir mão da soberania do Estado na concessão de domínio da propriedade fundiária. [...] A falta de fronteiras entre o público e o privado tem na sua origem a concentração fundiária em poder da Coroa e a derivação da monarquia agrária para a monarquia mercantil e colonial, sem que se dê a absolutização da propriedade.93

Em 1375, num contexto de crise econômica na Europa, foi instituída em Portugal, por D. Fernando I, a Lei de Sesmarias. Consistia na prática de doar terras não cultivadas gratuitamente, viabilizando seu aproveitamento, com intuito de reverter uma deficiência de abastecimento. Essa doação se dava através de uma concessão condicionada ao uso produtivo da terra (ocupação com cultivo e desbravamento).

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92 NETO, 2006, p. 60. 93 SMITH, 1990, p. 97-98, apud NETO, 2006, p. 58.


Diante da necessidade de superar essa crise produtiva na agricultura e manter a população no campo, a finalidade principal da Coroa Portuguesa ao conceder sesmarias era a distribuição das terras não cultivadas sob a forma de pequenas propriedades, forçando o lavrador a cultivar a terra que recebesse, sob a pena de perdê-la. Segundo FAORO94, foi quando a terra passou a ser utilizada como instrumento para consagrar a agricultura e o repovoamento. Sesmarias são propriamente as dadas de terras, casas ou pardieros, que foram, ou são de alguns Senhorios, e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas e agora não o são. [...] E se as pessoas que assi forem dadas as sesmarias, às não aproveitarem ao tempo que lhes foi assinado, ou no tempo que neste Ordenação lhes assinamos, quando expressamente não lhe for assinado, façam logo os sesmeiros executar as penas que lhe forem postas, e dêm as terras que não stiverem aproveitadas, a outros que as aproveitem, assinando-lhes tempo, e pondo-lhes a dita pena.95

O Regime de Sesmarias, vigente na metrópole desde o século XIV, é transferido para a colônia. Sendo assim, a outorga de sesmarias foi o primeiro modo de aquisição de terras no Brasil. Não se pagava ao Rei de Portugal qualquer tributo pela utilização da terra. Entretanto, cabia àqueles que recebessem sesmarias o pagamento do dízimo de Deus. Isso se explica pela notável importância da relação entre a Igreja Católica e o Estado: todo o território brasileiro estava sob a competência da Ordem de Cristo, cujo dirigente no Brasil era o Rei de Portugal, as terras eram conquistadas em nome de Deus e concedidas à Coroa. 94 FAORO, 2008, apud AMBROSIO, 2012. 95 Ordenações Filipinas, Livro IV, p. 822 e 824, apud AMBROSIO, 2012. 96 NASCIMENTO, 1985, p. 7, apud VARON, 2005, p. 34.

Deus é quem, por dádiva, doava as terras por meio de seu representante legítimo, o Papa.96

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A igreja, em função da sua aliança com o Estado, teve um papel importante no desenvolvimento da estrutura administrativa da colônia, na formação e configuração do espaço urbano das cidades brasileiras, e na própria constituição da propriedade fundiária.97

O sistema de sesmarias em Portugal foi motivado pelo abandono das terras pelos seus senhores, que em punição as perdiam para serem distribuídas entre os que não possuíam terras. Ao ser transplantado para o Brasil, com algumas especificidades em relação à metrópole, esse sistema foi deturpado, na medida em que as terras não tinham sido abandonadas nem deixadas sem cultivo, pelo contrário, eram vagas, sem dono, nunca apropriadas, já que os portugueses não visualizavam no índio um semelhante – pelo contrário, os índios foram escravizados até serem substituídos pelo escravismo negro, que já era uma prática comum na Europa, para enfrentar as necessidades da colonização. Além disso, enquanto em Portugal a condição de que a terra fosse produtiva sob pena de perdê-la visava estimular a agricultura para que o povo tivesse o que comer, abatendo as epidemias; no Brasil visava à exploração da terra, que deveria produzir sim, mas produzir conforme os interesses do mercantilismo europeu. Entretanto, Portugal possuía várias outras colônias mais lucrativas na África e na Ásia, e, dessa maneira, não haviam pessoas nem recursos para serem investidos na colonização do Brasil. Somente após as constantes invasões do litoral brasileiro por povos europeus, com intuito de se apossarem das terras descobertas por Cabral, a Coroa Portuguesa resolveu programar de fato uma política de colonização no Brasil. A colonização portuguesa não gerou um conjunto sistemático de regras escritas. Pelo contrário, os portugueses permitiram uma ocupação livre da terra, desde que os lucros do comércio real e a efetiva ocupação estivessem

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97 VARON, 2005, p. 52.


garantidos. Porém, algumas normas presentes nos códigos lusos são importantes para a definição posterior de uma ordem urbanística brasileira, como por exemplo, o regime sesmarial.98 No ano de 1532, o Rei de Portugal, D. João III, enviou a Martim Afonso de Souza sua decisão de dividir o litoral brasileiro em 12 Capitanias Hereditárias – para compensar o desinteresse na colonização, entregou à iniciativa privada a solução do caso, isentando a Coroa Portuguesa do ônus da ocupação efetiva da terra por conta própria. Os donatários recebiam porções de terras da costa do Brasil equivalentes a sessenta léguas, das quais dez ficavam em sua posse e o restante deveria ser doado para quem as pudesse aproveitar, conforme previa o instrumento das sesmarias. O que caracteriza esse instrumento era a obrigação do aproveitamento da terra num prazo estabelecido de 5 anos. Caso alguma exigência não fosse satisfeita – como ocupar, produzir, pagar os tributos – uma cláusula permitia que a terra retornasse à Coroa (terras devolutas). Os escolhidos pelos donatários para receber as cartas de sesmarias eram sempre pessoas que dispunham de recursos e escravos para que pudessem extrair proveitos da terra. Sendo assim, a concessão de sesmarias já tinha um caráter mercantil, de forma que o sesmeiro deveria comprovar condições de providenciar mão de obra e de produzir para o comércio exterior.99

98 ROLNIK, 2003, p. 16-17. 99 COSTA NETO, 2006, apud AMBROSIO, 2012.

Como a Coroa Portuguesa transferia apenas a posse da terra, ou seja, o poder político de administrar aos donatários e de usufruir aos concessionários, o solo colonial não se constituiu como patrimônio destes já que a efetiva propriedade da terra pertencia ainda à Coroa.

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[...] do ponto de vista desse direito burguês que é o nosso direito, o direito construído a partir da revolução burguesa, o conceito de posse dizia uma relação de fato enquanto o conceito de propriedade é uma relação jurídica, propriedade a gente não vê, fala-se de propriedade como quem fala da casa onde se mora, minha propriedade, mas não, do ponto de vista jurídico, propriedade é só uma relação abstrata, é uma forma na verdade de fazer-se a apropriação da posse.100

As Capitanias Hereditárias não alcançaram os resultados esperados para a colonização das terras brasileiras, provando que essa tarefa não podia ser delegada apenas a particulares. Sendo assim, em 1549 as Capitanias foram abolidas e Tomé de Souza foi nomeado o primeiro governador-geral do Brasil. Já o instrumento das sesmarias perdurou no Brasil por três séculos, visando incentivar a vinda de pessoas para a colônia através da doação das terras. Tomé de Souza permitia dar sesmarias maiores para aqueles que quisessem construir engenhos de açúcar, transformando o sistema português – onde as sesmarias eram cedidas em pequenas áreas, com tamanho definido pela capacidade de produção do titular – com intuito de adaptá-lo as exigências da metrópole em relação à colônia. No final do século XVII, Portugal apresentava um quadro de dependência financeira, visto que o comércio com as Índias havia praticamente terminado. Dessa maneira, a colônia brasileira despontava como base comercial única para a atividade mercantil do Reino.101 Conseqüentemente, um enorme fluxo de imigrantes se dirigiu ao Brasil. A principal perspectiva era a cana-de-açúcar, que tinha grande valor comercial na Europa. Para implantação desta monocultura, as sesmarias deveriam assumir grandes extensões territoriais. Portanto, muito mais do que um instrumento de ordenamento, as sesmarias foram no Brasil um instrumento de dominação.

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100 BALDEZ, Miguel. A cerca jurídica e a questão da terra no Brasil. Conferência realizada na FAU USP, 2001. 101 PRADO, 1991, p. 34, apud VARON, 2005, p. 42.


A concepção patrimonial se ajusta perfeitamente à idéia de monopólio exclusivo da Coroa sobre os produtos do território metropolitano e colonial, monopólio que é um dos pilares da monarquia absolutista do período mercantilista.102

Nesse contexto, apesar de as Ordenações determinarem que não fossem dadas mais terras do que a pessoa pudesse aproveitar, as autoridades na colônia desprezaram essa recomendação, diante da abundância de terras e da pretensão de ocupar o imenso território. Dessa maneira, dispensou-se o rigor na aplicação das regras e as áreas cedidas eram imensas. O território brasileiro era incomparavelmente maior do que Portugal, o que inviabilizou a fiscalização do funcionamento do sistema.103 A aplicação da Lei de Sesmarias no Brasil foi acompanhada de imprecisões no tamanho e na localização das áreas, afinal, dada a vasta extensão e escassa população do território brasileiro, os limites das terras não eram precisos nem relevantes. O medidor enchia o cachimbo, acendia-o e montava a cavalo, deixando que o animal marchasse a passo, e quando o cachimbo se apagava, acabando o fumo, marcava uma légua.104

Sendo assim, o sistema sesmarial na colônia resultou no inverso do que havia ocorrido em Portugal: enquanto lá a distribuição de terras gerou, em regra, a pequena propriedade, no Brasil foi a causa principal do latifúndio.105 102 CHAUÍ, 2000, p. 83, apud NETO, 2006, p. 61. 103 PORTO, 1965, p. 53, apud VARON, 2005, p. 41. 104 PORTO, 1965, p. 93, apud NETO, 2006, p. 68. 105 PORTO, 1965, p. 59 apud VARON, 2005, p. 43.

Portugal, percebendo o descontrole na questão da apropriação da terra, utilizou a lei como forma de coibir os desmandos, com intuito de gerar mais lucros para a metrópole. Entretanto, para as regras relativas ao tamanho das sesmarias, sempre havia exceções. Sem conseguir entender que o modelo de produção da colônia estava intrinsecamente ligado à forma de apropriação

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da terra e ao seu descontrole, editou normas cada vez mais restritivas para o regime sesmarial, que acabaram por gerar uma situação fundiária caótica, na qual a irregularidade da propriedade acabou sendo o usual.106 Diante disso, o processo de obtenção de sesmarias tornou-se burocrático, demorado e oneroso. Muitos sesmeiros não conseguiam se submeter às exigências excessivas da Coroa e perderam suas terras. Esses acabavam por se fixar em terras devolutas, isto é, terras sem título nem demarcações, portanto, sem obrigações com a Coroa. Conseqüentemente, outra forma de obter terras existiu nas brechas do sistema sesmarial: a posse pura e simples do território. O não cumprimento das exigências legais, principalmente a demarcação e a medição das terras, causou enorme balbúrdia entre sesmeiros e posseiros. Durante o século XVIII, a situação da propriedade territorial começou a configurar a existência de um problema grave. [...] As sesmarias não sendo demarcadas, nas cartas não constando o tamanho exato delas, a constante mobilidade dos agricultores em busca de novas terras férteis, todas essas razões faziam com que as autoridades não tivessem como ter certeza, ao efetuarem novas concessões, de que não estavam desrespeitando o direito de terceiros.107

A posse de terras por pequenos lavradores que não tinham condições de solicitar uma sesmaria, já que as concessões eram feitas àqueles que se encontravam próximos ao poder, ocorreu como alternativa desde o início da colonização. Os colonos diretos, trabalhadores livres que por aqui aportavam, não sendo homens de posse ou fidalgos, preferiam simplesmente ocupar um pedaço de chão a enfrentar a burocracia para obter uma (incerta) concessão de sesmarias.108

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106 VARON, 2005, p. 45. 107 SILVA, 1996, p. 61, apud NETO, 2006, p. 72. 108 BATTAGLIA, 1995, apud AMBROSIO, 2012.


Enquanto sob um aspecto essa ocupação livre representava uma forma radicalmente diferente da ocupação da terra, em outro, se baseava na mesma lógica sesmarial: seu fundamento de domínio era a ocupação efetiva da terra. A prática corrente, fácil de ser realizada e sem custo, era obter a legalização das posses, através da solicitação de carta de datas de terras, dirigida ao donatário, depois ao Governador Geral. Porém, no final do século XVII, com as modificações implementadas pela metrópole no sistema sesmarial, foram geradas complicações para obtenção da carta de datas. O pequeno colono se afastava cada vez mais da legalização das terras apossadas por não se caracterizar como homem de posses e por não ter prestígio nem recursos para obtenção das sesmarias. Assim, as sesmarias tornam-se o latifúndio inacessível ao lavrador sem recursos. 109 A coexistência de uma legalidade inscrita na lei (lei-dos-livros) e uma legitimidade inscrita na prática social (lei-em-ação), estabelecida desde o período colonial, e a natureza complementar da livre ocupação e do sistema sesmarial, constituem aspectos fundamentais da lei de propriedade urbana no Brasil.[...] A existência de um padrão dual de ordens em permanente tensão define os termos do desenvolvimento urbano no Brasil.110

109 LIMA, 1991, p. 51, apud VARON, 2005, p. 46. 110 ROLNIK, 2003, p.22. 111 MARICATO, 1999, p. 16.

Em 1808, a família real portuguesa, fugindo de Napoleão, desembarca no Rio de Janeiro, acompanhada de 10 mil pessoas. As melhores edificações da cidade foram desocupadas para recebê-las. Suas portas eram marcadas com as letras P.R., que significavam Príncipe Regente, ou, para os cariocas, Prédio Roubado, Ponha-se na Rua.111 Protegidos militarmente pela Inglaterra, a mesma passou a controlar o comércio brasileiro, afinal, a Revolução Industrial não podia conviver com monopólios mercantilistas. Com a abertura dos portos, a produção industrial no Brasil também foi liberada, findando as restrições que protegiam as mercadorias portuguesas. E foi nesse contexto que o Brasil se tornou um país independente.

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Diante do agravamento da situação de total descontrole na ocupação da terra, através da Resolução de 17 de junho de 1822, o príncipe regente D. Pedro suspendeu o regime de sesmarias até a convocação da Assembléia Geral Constituinte. Devido às características de como foi estruturado o acesso à terra no Brasil, a propriedade absoluta não havia se concretizado, pela inexistência de títulos que legitimasse a grande maioria dos possuidores de terras em seus domínios, e fundamentalmente, porque a suspensão das sesmarias não havia revogado as Ordenações e demais regulamentações da época da colônia, e, assim sendo, a condicionalidade estipulada nas concessões permanecia e a qualquer momento as terras cedidas, por não cumprirem as condições estipuladas na cessão, poderiam cair em comisso. 112

Em 1824 foi promulgada a primeira Constituição brasileira que evidenciava a permanência da elite como dona do poder. O direito de voto e de ser eleito era condicionado a uma renda mínima, ou seja, os direitos individuais eram filtrados pela condição patrimonial.113 A Constituição omitia qualquer referência à organização territorial e, portanto, diante da indefinição do Estado, a ocupação indiscriminada da terra (apossamento de terras devolutas) transformou-se em regra e se disseminou de forma ampla, descontrolada e desordenada, sendo a única forma de aquisição do domínio sobre a terra por um período de 28 anos – conhecido como fase áurea do posseiro 114. Segundo MARICATO 115, nesse período consolidou-se de fato o latifúndio brasileiro em função da ocupação indiscriminada das terras e da expulsão dos pequenos posseiros pelos grandes proprietários rurais. Para SMITH 116, o desmoronamento do instituto de sesmarias no início do século XIX pôs à mostra a essência sobre a qual repousava: o regime de posses.

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112 SILVA, 1996, p. 80, apud VARON, 2005, p. 61. 113 MARICATO, 1999, p. 17. 114 SILVA, 1996, p. 81, apud NETO, 2006, p. 75. 115 MARICATO, 1999. 116 SMITH, 1990, apud NETO, 2006, p. 74.


O regime de posses somente se encerrou em 1850 com a promulgação da Lei de Terras, proibindo a ocupação das terras devolutas, pelo menos na letra da lei. O colapso na exportação do ouro, a baixa nas exportações do açúcar e a expansão do café indicam mudanças na economia brasileira, as quais determinarão as condições para a promulgação da Lei de Terras. A expansão cafeeira na primeira metade do século XIX teve repercussões imediatas na questão da apropriação da terra. 117

A instalação da sede da monarquia portuguesa no Rio de Janeiro, a abertura dos portos da colônia a todas as nações e a ameaça inglesa de intervenção no capital envolvido com o tráfico negreiro, colocaram o Brasil em uma nova etapa do seu desenvolvimento. O Brasil estava inserido num processo econômico e político de caráter capitalista internacional, com leis de terras sendo formuladas em vários países da América Latina, América do Norte e Oceania. Para SILVA 118, a solução para o problema fundiário vinha sendo protelada devido à complexidade dos interesses em jogo, que opunham o controle do processo de ocupação territorial por parte do Estado aos interesses dos proprietários de terras. Na década de 1840, o rearranjo de forças políticas reunidas em torno do imperador e a riqueza econômica gerada pelo ciclo do café produziram condições favoráveis à retomada da questão do ordenamento jurídico da propriedade territorial.

117 SILVA, 1996, p. 88, apud NETO, 2006, p. 78. 118 SILVA, 1996, apud NETO, 2006, p. 78.

Em 18 de setembro de 1850 é aprovada a Lei nº 601, que traçaria os rumos legais básicos do sistema fundiário brasileiro, a Lei de Terras.

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Pelo disposto nessa Lei, tornou-se proibida a aquisição de terras devolutas por outro título que não o de compra. As sesmarias não cultivadas foram declaradas devolutas; as produtivas, confirmadas e isentas dos pagamentos dos encargos e as posses antigas foram legitimadas.119

Ou seja, a lei determinava que as terras devolutas fossem medidas e demarcadas para posterior cessão a título oneroso. Como o Brasil já existia enquanto nacionalidade, essas terras devolutas não retornariam ao Rei de Portugal, mas sim ao Poder Público, que se torna oficialmente proprietário de todo o território ainda não ocupado e, a partir de então, passa a realizar leilões para a sua venda. As sesmarias comprovadas com títulos e as ocupações comprovadas com efetiva utilização, ocupação pacífica e sem contestação da Coroa, ganhariam um tempo para serem registradas e legitimadas. Objetivando assim garantir o domínio de todo possuidor de terra que tivesse título legítimo de aquisição através de normas que revalidassem as terras possuídas por sesmarias e por outras concessões do Governo Geral. Artigo 1º. Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra.120

A promulgação da Lei de Terras marca um momento de ruptura fundamental no que diz respeito à forma de apropriação da terra no Brasil. A partir dela, a única forma legal de reconhecimento da posse da terra passou a ser a compra devidamente registrada. Dessa maneira, a terra continua sendo um privilégio da parcela mais rica da população, que podia adquiri-la, pois a propriedade baseada na cessão pública ou na ocupação, como era feita através do antigo sistema de sesmarias, não é mais permitida.

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119 COSTA NETO, et al., 2000, p. 443, apud NETO, 2006, p. 80. 120 ROLNIK, 2003, p. 23.


A Lei nº601 de 1850, adotando a compra como único meio de acesso a terra, foi um instrumento utilizado para favorecer a transferência e privatização das terras do Estado, legitimando os latifúndios existentes, seja os que se tinham constituído através das sesmarias ou das posses. Ao mesmo tempo, os elevados preços cobrados faziam com que o acesso a terra fosse um privilégio reservado unicamente a quem dispunha de vultosos capitais.121

Portanto, a partir deste momento, o direito de acesso à terra se desvincula da efetiva ocupação, ou seja, a propriedade da terra se torna absoluta e passa a ser uma mercadoria. Além disso, pela primeira vez na história do Brasil, diferencia-se solo público de solo privado, influenciando também na dinâmica de apropriação da terra urbana. A partir de agora, os que se apossassem de terras devolutas ou alheias estariam sujeitos ao despejo sem pagamento de benfeitorias, pena de 2 a 6 meses de prisão e multa de cem mil réis. Criava-se assim o modelo de propriedade privada no Brasil, que impedia que a maioria da população tivesse acesso, concentrando cada vez mais as terras nas mãos de poucos.122

A generalização da compra e venda da terra não se implantou imediatamente após a aprovação da Lei de Terras. Murilo Marx aponta que até 1911 a Câmara de São Paulo apresentou iniciativas de concessão de terras municipais, o que acaba definitivamente apenas em 1917 com a proibição dessa prática pelo Código Civil.123 121 TRECANNI, 2001, p. 83, apud NETO, 2006, p. 87. 122 AMBROSIO, et al., 2012. 123 MARICATO, 1999, p. 23. 124 NETO, 2006, p. 81.

A Lei de Terras inaugurou um período de tentativas de implementação de instrumentos para a regularização da ordenação da propriedade da terra.124 Os limites precisos dos terrenos passam a ser importantes para atribuição de um preço e do registro de propriedade privada.

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O sistema dos Estados Unidos, de vender terras em lotes quadrados, é, em geral, menos aplicável ao Brasil, onde em todos os municípios existem, encravadas irregularmente, terras que foram dadas sob o sistema brasileiro de águas vertentes, que, aliás, é o mais próprio para um país montanhoso e cortado de córregos e ribeirões, por mais praticável e barato; ao passo que o das linhas meridianas, ou de xadrez, requerem melhores engenheiros, maior número de marcos, instrumentos, etc. Algumas vezes, poderia ter mais vantagens, nos grandes chapadões, ainda absolutamente desocupados, o tal sistema; mas melhor é que a lei não imponha como princípio, para só ter exceção quando não admitam circunstâncias locais.125

O fato apresentado diz respeito ao sucesso que os Estados Unidos obtiveram à mesma época da promulgação da nossa primeira Lei de Terras, sem que dificuldades técnicas para demarcação e precisão dos limites das terras se constituíssem como obstáculos. Já no Brasil, argumentos de dificuldades técnicas serviram de retórica daqueles interessados na indisciplina vigente no ordenamento da terra. Lembrando que Portugal, movido pelo interesse do capital mercantil, foi um dos pioneiros em vencer obstáculos técnicos, o que lhe garantiu uma notável superioridade tecnológica no campo da navegação.126 O período entre a implementação da Lei de Terras e a proclamação da República, em 1889, acumula irregularidades que agravam ainda mais a confusão existente na documentação imobiliária. A definição e demarcação das terras devolutas, após 1859, foi uma das maiores farsas que marcaram a história do Brasil. Ela se assemelha à farsa que marcou a proibição do tráfico de escravos entre 1831 e 1859, isto é, era proibido, mas feito à luz do dia e envolvendo autoridades de prestígio na sociedade brasileira [...] Desde 1854, quando é regulamentada a Lei de Terras de 1850, até praticamente os nossos dias, as terras devolutas têm sido privatizadas, tirando proveito

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125 LIMA, et al., 1954, p. 64, apud NETO, 2006, p. 84. 126 NETO, 2006, p. 85.


de uma situação de fragilidade na demarcação da propriedade da terra no Brasil durante mais de quatro séculos, apesar das medidas legais que buscaram proteger o patrimônio público.127

Diante da pressão inglesa que, em conseqüência de seu avanço no modo de produção industrial, queria ampliar o seu mercado consumidor, uma semana antes da promulgação da Lei de Terras é aprovada a lei que extingue o tráfico de escravos, garantindo que a população de escravos fosse liberta para se constituir como uma massa de trabalhadores assalariados excluídos do acesso a terra, não lhes restando outra saída senão vender sua força de trabalho para os grandes donos de terras. Segundo BALDEZ 128, o latifúndio no Brasil se forma em função da acumulação econômica sobre a terra e da cerca jurídica construída em torno da terra, e isso não tem importância enquanto não se tem a figura do trabalhador livre. Só com o trabalhador livre é que vai surgir o risco de se perder a terra: se o trabalhador é escravizado, evidentemente, ele não tem acesso à terra. Portanto, no regime colonial a terra era secundária, o que importavam eram os escravos. A terra era proveniente de uma concessão da Coroa, já os escravos implicavam em um investimento.

127 MARICATO, 2000, p. 149, apud NETO, 2006, p. 115. 128 BALDEZ, Miguel. A cerca jurídica e a questão da terra no Brasil. Conferência realizada na FAU USP,2001. 129 MARTINS, apud ROLNIK, 2003, p. 23.

A própria Lei de Terras regulamentou a importação de colonos europeus livres para trabalhar no Brasil, e essa expressão importação evidencia que os colonos eram concebidos como uma mercadoria para substituição da mão-de-obra escrava. A conexão entre o novo regime de terras e o projeto de importação de colonos europeus foi elucidada por José de Souza Martins – a terra no Brasil é livre quando o trabalho é escravo; no momento em que se implanta o trabalho livre, ela passa a ser cativa.129 [...] não é por acaso que a Lei nº601, das terras, e a Lei Eusébio de Queiroz, que extingue o tráfico negreiro, são ambas do mesmo ano – 1850. No momento em que os trabalhadores vão deixando de ser

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objeto direto da dominação, se inicia o processo de sua reconceituação, agora como sujeito (capaz abstratamente de participar de qualquer mercado, mas destinado concretamente a só participar do mercado de trabalho), fecham-se para ele as portas do acesso natural a terra.130 A Lei de Terras de 1850 já teve um caráter ambiguamente conservador, o que mostra que, no fundo, os grandes proprietários de terra foram paulatinamente constituindo e reforçando seu poder. [...] É que a Lei de Terras, longe de ter por objetivo a liberalização do acesso a terra, teve por objetivo justamente o contrário: instituir bloqueios ao acesso à propriedade por parte dos trabalhadores, de modo que eles se tornassem compulsoriamente força de trabalho das grandes fazendas.131

Ou seja, a Lei de Terras coibiu a pequena produção de subsistência, dificultando o acesso a terra pelos pequenos produtores, inclusive escravos libertos e imigrantes, e forçou seu assalariamento nas grandes plantações. Antes da aprovação dessa Lei, o poder e a riqueza eram medidos pelo número de escravos que cada latifundiário detinha, sendo, portanto, a posse de escravos mais importante do que a da terra em si. Com a Lei de Terras, a terra passa a servir de garantia para empréstimos bancários em um momento em que estes se ampliavam como estratégia de expansão dos cultivos, transferindo o indicativo de poder e riqueza das elites – sua hegemonia não era mais medida pelo número de escravos, mas pela terra que possuíam, agora convertida em mercadoria.132 Nesse mesmo momento começa a se consagrar o registro imobiliário da terra, diante do valor econômico que ela adquire e do papel de garantia para empréstimos e financiamentos. Só através do registro imobiliário é que se pode identificar o proprietário da terra para garantir o financiador.

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130 BALDEZ, 1989, p. 10, apud, NETO, 2006, p. 87. 131 MARTINS, 1999, p. 76, apud NETO, 2006, p. 87. 132 FERREIRA, 2005, p. 03.


A sociedade foi dividida em duas categorias: os proprietários fundiários de um lado e de outro os escravos libertos e os imigrantes, sem nenhuma possibilidade de comprar terras. Dessa maneira, a distribuição de terras no Brasil se deu em um sistema com pouca ou nenhuma concorrência. O período que se inicia com a proclamação da República em 1889 caracteriza mais uma etapa de agravamento na indisciplina da documentação e no registro da propriedade imobiliária. A lavoura cafeeira seguiu os moldes tradicionais da agricultura do país por ser fundamentada na grande propriedade e na monocultura, portanto, o latifúndio que era imperial, passou a ser também republicano. Para PORTO133, o Brasil republicano herdou, no que se refere ao problema fundiário, todos os vícios da colônia e do império: tudo quanto o sistema sesmarial podia produzir de nefasto, prejudicial e desastroso, estava consumado, restando, quando muito, evitar os males quanto ao futuro. A Constituição Republicana de 1891 cria o regime federativo, transferindo aos Estados o domínio das terras devolutas que foram apropriadas pelo poder público brasileiro em 1850. De acordo com SODERO 134, a propriedade da terra permaneceu concentrada nas mãos de uma aristocracia rural que não se dispunha a alterar nem permitir que se tentasse a reformulação da estrutura agrária no país. O século XX, assim, se abre para o Brasil como uma perspectiva de crise, de não-solução, no campo jurídico e político do problema 133 PORTO, 1965, p. 186, apud NETO, 2006, p. 95. 134 SODERO, 1990, p. 79, apud NETO, 2006, p. 95. 135 MARÉS, 2003, p. 78, apud NETO, 2006, p. 105. 136 NETO, 2006, p. 130.

fundiário.135

Na Lei de Terras, não havia normas específicas que objetivassem o ordenamento da confusa situação da propriedade imobiliária em áreas urbanas. Segundo NETO 136, esse ordenamento era necessário tanto pela indisciplina resultante da outorga de concessões de datas de terras pelos

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Conselhos das Câmaras Municipais, em conflito com as concessões feitas pelo governo provincial e com o apossamento indiscriminado das terras, quanto pela perspectiva de crescimento das cidades. Dessa maneira, da mesma forma que nas áreas rurais, o aprofundamento dos conflitos resultantes da indisciplina na documentação da propriedade imobiliária se faz presente nas áreas urbanas desde o início do primeiro governo republicano. A falta de controle das autoridades municipais sobre o ordenamento da propriedade da terra no município de São Paulo contribuiu para a manutenção de um processo de expansão urbana desordenada e fragmentada, determinada por interesses de particulares que prevaleceram sobre a necessidade de formação dos espaços de interesse público como ruas, praças, avenidas e destinação de espaços à moradia da população de baixa renda, que se afastaram das áreas centrais da cidade.137

A preocupação com a questão urbana só surge quando os fluxos migratórios começam a inverter os números de ocupação territorial por habitante, a favor das cidades. Essas alterações produziram profundas mudanças na economia urbana. Entretanto, o poder público não adota as medidas necessárias. No que diz respeito à consolidação das normas territoriais, a abordagem continua sendo predominantemente agrária, não revelando preocupações com o crescimento das cidades. [...] no nosso código civil que foi completado em 1899, publicado em 1916 e que entrou em vigor em 1917, o tratamento que de dá a posse da terra já é um tratamento de preservação de uma suposta propriedade [...] não há como pensar na propriedade antecedendo a posse, a propriedade é inevitavelmente uma conseqüência da posse, pressupõe a posse [...] a posse é uma relação de fato, e a necessidade de um vínculo jurídico nasceu, quando a apropriação do bem de

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137 NETO, 2006, p. 139.


produção se deslocou do campo para cidade, mas não se podia abrir mão da propriedade fundiária, então se cria uma relação jurídica através da qual se dê sustentação a propriedade fundiária [...] 138

No período agro-exportador e de industrialização incipiente, reflexo da Revolução Industrial, prevaleceu uma visão de que as cidades brasileiras não poderiam expressar o atraso nacional frente às modernas cidades européias. [...] visaram criar uma nova imagem da cidade, em conformidade com os modelos estéticos europeus [...] as elites buscavam afastar de suas vistas – e das vistas do estrangeiro – o populacho inculto, desprovido de maneiras civilizadas, mestiço. As reformas urbanas criaram uma cidade para inglês ver.139

As reformas urbanas do final do século XIX e início do XX definiram a sociedade republicana sem escravos. Nela, a massa trabalhadora pobre será varrida para debaixo do tapete.140 Dessa maneira, reproduzia-se nas cidades a mesma diferenciação social resultante da hegemonia das elites que se verificavam nos latifúndios. É dessa mesma época que datam os primeiros cortiços e as primeiras ocupações dos morros com moradias populares. A cidade já tinha como marca a diferenciação sócio-espacial, onde todas as intervenções urbanas promovidas pelo poder público visavam produzir melhorias nos bairros de classes dominantes, ficando a população mais pobre excluída em áreas menos privilegiadas.

138 BALDEZ, Miguel. A cerca jurídica e a questão da terra no Brasil. Conferência realizada na FAU USP,2001. 139 RIBEIRO e CARDOSO, 1981, p. 81, apud FERREIRA, 2005, p. 05. 140 MARICATO, 1999, p. 19. 141 FERREIRA, 2005, p. 07.

Na jovem república ou no Brasil industrial, o acesso à cidade urbanizada só foi possível para aqueles que pudessem pagar por ela. As relações de poder se estabeleciam no âmbito urbano por um lado, em torno do privilégio dado às elites no direcionamento de recursos públicos e na construção de bairros de elite, e de outro, pela exclusão que atingia a população urbana mais pobre.141

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Ao longo do século XX começa a ser constituída uma complexa legislação estabelecendo normas para a construção de edifícios. Dessa forma, saiu beneficiado o mercado imobiliário, capaz de respeitar tais regras ou de dobrá-las graças a sua proximidade com o poder público. Já a população mais pobre, incapaz de responder às exigências legais, era excluída das localizações urbanas privilegiadas. A localização na cidade e a legislação urbana incidente influem no preço da terra. Quando alguém compra uma casa está comprando também uma determinada oportunidade de acesso aos serviços, equipamentos e infra-estrutura. Portanto, a moradia está intensamente vinculada com a terra, já que cada novo edifício exige um novo solo, um novo pedaço de cidade, e a superação do obstáculo da vontade do dono da terra. Com a intensificação da industrialização, a cidade tornava-se o lócus do sistema de produção, com um aumento considerável da população de baixa renda, pela necessária presença do operariado urbano, intensificando a diferenciação e segregação espacial e revelando a importância da intervenção estatal. Até 1930 a provisão habitacional para essa população foi garantida pela iniciativa privada através de moradias operárias ou de aluguel. Entretanto, apenas os funcionários da baixa classe média tinham acesso a essas moradias, ficando a população mais pobre entregue aos cortiços, evidenciando a demanda por habitação de baixa renda. O período seguinte, a Era Vargas, presenciou os efeitos de uma crescente migração interna, decorrente da estagnação rural, em busca dos empregos industriais, compondo um novo quadro econômico e elevando o problema da provisão habitacional para a massa operária.

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O Estado mantém uma postura ambígua entre os interesses da burguesia agrária e os da burguesia industrial. [...] A essência do populismo consistirá em reconhecer a questão social, mas dando a ela um tratamento paternalista e simbólico, que nega a auto-organização dos trabalhadores. A oposição e as lideranças operárias são esmagadas, mas a massa trabalhadora seria submetida à intensa propaganda do governo e das benesses que este lhe concede: instituição da Previdência, promulgação da CLT, fixação do salário mínimo.142

Nesse momento, surgem as primeiras acusações contra o direito de propriedade da terra ilimitado e absoluto. A Igreja Católica e as forças sociais desencadeadas pelo processo de urbanização defendem a idéia de direito de propriedade articulado com a sua função social. Entretanto, essa concepção não evolui, em virtude do princípio constitucional que consagra o direito absoluto de propriedade. Por volta de 1940 houve um desestímulo à moradia de aluguel e a exaltação das virtudes da casa própria – a Lei do Inquilinato estimulou a propriedade privada do imóvel urbano, restringindo ainda mais o acesso à habitação. Portanto, com o declínio da oferta de moradia de aluguel, e sem que o Estado suprisse a demanda por habitações, nesse momento, o loteamento irregular na periferia, a simples ocupação de terras e a autoconstrução tornaramse a opção de moradia nas cidades, liberando o Estado e o mercado da responsabilidade sobre o problema da habitação urbana.

142 MARICATO, 1997, p. 35, apud FERREIRA, 2005, p. 11.

Os anos 50 se caracterizam pela exacerbação da situação de extrema desigualdade no acesso à terra urbana. O Brasil representava uma boa oportunidade de investimentos, vide a existência de um inesgotável exército industrial de reserva, representado pela população agrária pobre do Nordeste disponível para migrar para as cidades industriais em busca de emprego. Com a intensificação da migração rural-urbana explodia a demanda habitacional e cresciam os bairros periféricos de baixa renda.

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A primeira proposta de Reforma Urbana no Brasil, defendida em um Congresso de Arquitetos, em 1963, incorporou o conceito da propriedade ociosa como ilegítima, a partir da cultura herdada da Reforma Agrária. Nessa proposta, [...] a questão da terra era vista como central para a transformação que o país demandava.143

Abortada pelo Golpe Militar de 31 de março de 1964, inicia-se uma fase repressiva contra a ascensão dos movimentos sociais e sindicais, varrendo todas as propostas de reformas durante muito tempo. A proposta dos arquitetos foi incorporada pelo Regime Militar que a aplicou pelo avesso, constituindo um aparato institucional tecnocrático, fortemente centralizado, de política habitacional, de transporte e de saneamento, ignorando a questão fundiária.144

Dessa maneira, o debate regrediu e foi circunscrito à política habitacional. O Estado passaria a promover deliberadamente soluções habitacionais de baixo custo nas periferias. Com a criação do Banco Nacional da Habitação, inaugura-se uma nova fase de intervenção estatal na habitação, vinculada à ideologia de aquisição da casa própria. O modelo do BNH, em sua concepção original, destinava-se a erradicar condições subumanas de vida e facilitar o acesso à casa própria popular pelas classes menos favorecidas. Entretanto, para alavancar o milagre brasileiro, tinha como objetivo central a acumulação privada de setores da economia envolvidos com a produção habitacional. Esse financiamento habitacional proporcionou mudanças nas nossas cidades, porém, proporcionalmente significativas nas faixas de renda média ou alta: os centros verticalizaram-se, gerando valorização especulativa da terra urbana, a produção imobiliária para a classe média foi dinamizada, grandes empresas de obras públicas de infra-estrutura foram beneficiadas.145

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143 MARICATO, 2010, p. 17. 144 MARICATO, 2010, p. 17. 145 FERREIRA, 2005, p. 14.


A deflagração desse sistema foi uma das causas, embora não a principal, do progressivo encarecimento do solo urbano no Brasil. A implantação do sistema habitacional brasileiro, ao se fazer sem apoio em política urbano-fundiária paralela, não serviu de acesso ao sonho da casa própria e, ainda pior, limitou o acesso das classes populares ao espaço físico das cidades brasileiras de maneira ordenada, legal e regular.146

A submissão da terra urbana ao capital imobiliário fazia com que os limites das periferias que abrigavam uma enorme população de migrantes se expandissem e o mercado formal se restringisse a uma parcela da cidade. Segundo PESSOA 147, o mercado de livre concorrência do preço da terra urbana, sem qualquer intervenção estatal, leva ao descontrole absoluto dos preços. A valorização imobiliária está na base da segregação espacial e da carência habitacional. Em torno da apropriação da renda imobiliária é travada uma luta no contexto urbano que não é nada mais nada menos do que a própria expressão da luta de classes.148

146 PESSOA, 1981, p.60. 147 PESSOA, 1981, p. 64. 148 MARICATO, 1999, p. 44. 149 GRAZIA, 2003, p. 57, apud BASSUL, 2010, p. 75. 150 RIBEIRO e CARDOSO, 2003, p. 12, apud BASSUL, 2010, p.75.

Nos anos 70, os excluídos do milagre brasileiro começam a mobilizar-se em torno da questão urbana, reivindicando a regularização dos loteamentos clandestinos, a construção de equipamentos de educação e saúde, a implantação de infra-estrutura nas favelas, etc. Em 1976 foi elaborado um anteprojeto de lei de desenvolvimento urbano, baseado na constatação de que as administrações locais não dispunham de um instrumental urbanístico para enfrentar a especulação imobiliária e promover a distribuição dos serviços públicos urbanos.149 Esse anteprojeto suscitou manchetes nos jornais alertando os leitores para o fato de que o governo militar pretender socializar o solo urbano.150 Diante disso, o governo recuou. As reivindicações sociais cresciam. A campanha eleitoral de 1981, primeira eleição direta de governadores após o golpe, trouxe a questão urbana para a política nacional. Em 1982, João Figueiredo enviou ao Congresso Nacional

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uma versão abrandada do projeto elaborado anteriormente, motivado pelo risco de que a questão urbana pudesse empolgar as camadas populares em torno de lideranças da oposição ao regime autoritário.151 A Constituição vigente era a do Regime Militar, que se caracterizava pelo seu perfil autoritário e ignorava a natureza já predominantemente urbana do Brasil. Portanto, esse projeto era acusado de acabar com o direito de propriedade no Brasil e nunca foi posto em votação no Congresso Nacional. Em 1985, a redemocratização do país propiciaria a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Esta Constituinte e suas decorrências foram abordadas no primeiro capítulo deste trabalho.

151 RIBEIRO e CARDOSO, 2003, p. 13, apud BASSUL, 2010, p. 75.

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BREDA, Tadeu. Justiça suspende reintegração de posse no centro de SP. Rede Brasil Atual. São Paulo, 10/07/2012. SILVA, André Delfino; BONFIM, Raimundo. Incêndio nas favelas e valorização imobiliária. FSP. São Paulo, 25/09/2012.

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lista de imagens

fig 01. Mapa Crescimento demográfico do Município de São Paulo. Fonte: SEMPLA fig 02. Mapa Empregos por habitante no Município de São Paulo. Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) Fundação SEADE Elaboração: SMDU/Dipro fig 03. Mapa Viagens Diárias ao Distrito Sé. Fonte: Pesquisa Origem e Destino (Metrô - SP) Elaboração: SMDU/Dipro, 2007. fig 04. Mapa Edifícios vazios no centro selecionados pela FAUUSP em estudo encomendado pela COHAB-SP (apenas edifícios não ocupados por movimentos de moradia). Fonte: FUPAM / COHAB-SP, 2009. fig 05. Mapa Ocupações no centro entre 1997 e 2005. Fonte: LILP/LABHAB Elaboração: Beatriz Kara José, 2006. fig 06. Mapa Remoções (2005-2012). Fonte: Fórum Centro Vivo Observatório de Remoções Fogo no Barraco Artigos de Periódicos (Cesad) Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. fig 07. Foto Carroceiros. Mariana Cavalcante, 2005. fig 08. Foto Direito à Moradia. Isadora Lins, 2005.

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fig 09. Foto Reforma Hotel Cineasta – Renova Centro. Fonte: PMSP, 2012. fig 10. Foto Edifício Prestes Maia. Eduardo Costa fig 11. Localização Edifício Prestes Maia. Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. fig 12. Mapa Perímetro Nova Luz + Edifício Prestes Maia. Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. fig 13. Esquema Divisão dos Movimentos de Moradia. Fonte: NEUHOLD Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. fig 14. Organização interna da Ocupação Prestes Maia (2002-2007). Fonte: RAMOS Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012. fig 15. Foto Biblioteca Popular Prestes Maia. Henrique Parra, 2006. fig 16. Foto “468 famílias ameaçadas”. Bijari, 2006. fig 17. Foto Direito à Cidade. Diana Helene fig 18. Conjunto Residencial Olarias. Programa Morar no Centro. Fonte: COHAB-SP fig 19. Conjunto Residencial Parque do Gato. Programa Morar no Centro. Fonte: COHAB-SP fig 20. Foto Favela José Serra. Mariana Cavalcante, 2005. fig 21. Foto Janela no Prestes Maia Eduardo Costa fig 22. Foto Despejo Plínio Ramos. Isadora Lins, 2005. fig 23. Mapa Localização CDHU Itaquera. Elaboração: Daniela P. Rodrigues, 2012.

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fig 24. Foto Biblioteca Popular Prestes Maia (externa). Antonio Brasiliano, 2006. fig 25. Foto “Dignidade”. Antonio Brasiliano, 2005. fig 26. Foto Muro da Vergonha. Fonte: Fórum Centro Vivo fig 27. Foto Zumbi Somos Nós. Julia Valiengo, 2006.

Foto capa e contracapa: Julio Bittencourt

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LISTA DE ABREVIATURAS

BNH CDHU COHAB CPTM DIS EMURB FIESP FLM FSP IPTU JT MMC MMRC MNRU MSTC MTSTRC OESP PAC PAR PDE PLS PPB PSDB PT TFP ULC UMM ZEIS

Banco Nacional da Habitação Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano Companhia Metropolitana de Habitação Companhia Paulista de Trens Metropolitanos Decreto de Interesse Social Empresa Municipal de Urbanização Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Frente de Luta por Moradia Folha de São Paulo Imposto Predial e Territorial Urbano Jornal da Tarde Movimento de Moradia do Centro Movimento de Moradia da Região Centro Movimento Nacional pela Reforma Urbana Movimento Sem Teto do Centro Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central O Estado de São Paulo Programa de Aceleração do Crescimento Programa de Arrendamento Residencial Plano Diretor Estratégico Projeto de Lei do Senado Partido Progressista Brasileiro Partido Social Democrático Brasileiro Partido dos Trabalhadores Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade Unificação das Lutas de Cortiços União dos Movimentos de Moradia de São Paulo Zonas Especiais de Interesse Social

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