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ECONOMIA

EDITORA: Renata Neves E D I TO RA - A S S I STE N TE : Ve ra S c h m i t z E-MAIL: economia.em@uai.com.br TELEFONE: (31) 3263-5103

MUNDO VERMELHO

CHINATOWN

à mineira

Chineses já dominam comércio na área boêmia de Belo Horizonte, onde circulam até jornais escritos em mandarim. Para especialistas, trata-se da “globalização popular”

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aindo do Shopping Xavantes, na Rua Curitiba, escuta-se uma profusão de gritos e sons da cidade nervosa. O barulho do trânsito intenso se funde ao funk que escapa do Xavantes, aos berros dos ambulantes vendendo pen drives. Ao olhar para o outro lado da rua vê-se a placa do Restaurante Mandarim Mineiro, com a inscrição: comida chinesa. Subindo a Rua Curitiba, é possível observar o Atacadão Oriental, com toda sorte de produtos que a China produz e que uma pessoa pode passar várias vidas sem usar. Ao virar à esquerda, na Rua Guaicurus, estão lá afamados hotéis, como o Brilhante e o Maravilhoso, com o habitual e intenso movimento de homens que sobem as escadas em busca de prazer. Há ainda uma série de lojas de atacado, como a Ying, em que sempre é possível ver chineses dando expediente. O périplo pela região boêmia segue pela Rua Guaicurus, com oferta de caldo de mocotó a R$ 4 em anúncios amarelados nas paredes dos bares e mais chineses, alguns, inclusive, lendo jornais em mandarim no interior dos estabelecimentos. Quem desce a Rua São Paulo continua a ver hotéis, suas escadas e o insaciável movimento de rapazes. Também vê mais atacados e chineses.

GLOBALIZAÇÃO Ao virar à esquer-

da na Avenida Oiapoque, observa-se o shopping que leva o nome da via. Quando criado, em agosto de 2003, a intenção da Prefeitura de Belo Horizonte foi retirar os ambulantes da rua. A medida contribuiu para inserir Belo Horizonte, definitivamente, na globalização popular, protagonizada pelos chineses. No último programa de regularização migratória, chamado de anistia, do Ministério da Justiça, os chineses representam a nacionalidade que lidera os pedidos em Minas Gerais: 119, do total de 540. No Brasil, foram 42.445 pedidos, sendo que os bolivianos estão na frente (16.996), com os chineses em segundo (5.553). De acordo com Mário Valadares, proprietá-

DANIEL CAMARGOS/EM/D. A PRESS

BETO MAGALHÃES/EM/D. A PRESS - 8/12/09

DANIEL CAMARGOS

SHOPPING XAVANTES, FOCO DO COMÉRCIO ORIENTAL REPRODUÇÃO

SHOPPING OIAPOQUE, NO HIPERCENTRO DA CAPITAL: SEGUNDO DONO DO LOCAL, 36 FAMÍLIAS VINDAS DO GIGANTE ASIÁTICO TÊM LOJAS NO CENTRO DE COMPRAS. NOVE VEZES MAIS QUE NO INÍCIO, QUANDO ERAM APENAS QUATRO rio do Shopping Oi, no início foram para o local quatro chineses, que trabalhavam nas ruas do Centro da cidade como ambulantes: Aiping Zhou, We Jinseng, We Li e Zhou Zha Olan. Hoje, são 36 famílias chinesas entre os 800 boxes do local. O aluguel do box, segundo Valadares, pode variar entre R$ 200 e R$ 1,5 mil, dependendo do ponto. Na sequência do Oi veio o Shopping Xavantes, criado em 2004, atualmente com 600 boxes e cerca de 30 famílias chinesas. O proprietário do Xavantes, Leonardo Furman, já fez um levantamento e estima que o faturamento médio diário de cada box seja de R$ 2 mil. Porém, o delegado Bruno Tasca, da Delegacia Especializada em Investigação de Crimes Cibernéticos, diz que em

uma operação no Xavantes a polícia teve acesso ao livro-caixa de um comerciante de CD e DVDs piratas e se surpreendeu ao constatar faturamento superior a R$ 100 mil em um mês. Tanto dinheiro movimentado pelo comércio popular explica porque foram necessários quatro dias somente para retirar a mercadoria apreendida do antigo Hotel Diniz, último ponto de observação do périplo da reportagem pelo quarteirão boêmio da cidade, que começa a ganhar ares de uma Chinatown à mineira. O hotel, na esquina da Avenida Oiapoque com a Rua Curitiba, já vitimado por um incêndio, foi comprado por um casal chinês, cuja especialidade é o comércio de óculos. A chamada Operação Caxias, em 25 de agosto do ano passado, reco-

lheu 1.699 caixas com óculos, em um total de 2 milhões de unidades. A reportagem tentou uma entrevista com o comerciante, conhecido como Jim, mas não teve sucesso. Jim comprou o prédio no centro nevrálgico do comércio popular por R$ 350 mil, pagando R$ 50 mil a mais do que Mário Valadares, dono do Shopping Oi, ofereceu pelo local. Na esquina, no térreo do antigo hotel, funciona a loja do chinês, em que ele mesmo trabalha no caixa. O fenômeno chinês nos shoppings populares de BH integra, na opinião do professor titular de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB) e ex-presidente da Associação Brasileira de Antropologia Gustavo Lins Ribeiro a globalização popular – conceito que ele define como

Jornal em mandarim, encontrado no Centro

globalização econômica de baixo para cima, “que possibilita o acesso à riqueza, que de outra forma nunca chegaria às classes mais vulneráveis da sociedade”, explica.

DIÁSPORA A globalização, por sua vez, “está estruturada por fluxos de pessoas entre mercados distintos que, por sua vez, são os nós do sistema mundial não hegemônico”, explica. Fluxos que ocorrem em locais como o Oi e também na Rua 25 de Março, em São Paulo; no Saara, no Rio de Janeiro, e na feira do Paraguai, em Brasília. A conexão com a China, o epicentro desse sistema, é feita via sacoleiros, que vão a Cidade del Este, no Paraguai e lá buscam os produtos importados do país asiático.

De acordo com Ribeiro, um dos fatores do protagonismo chinês nessa lógica é que o sistema produtivo está concentrado no Sul do país, em Guangdong, especialmente na capital Cantão. Essa concentração da produção em uma região possibilita que a diáspora (dispersão do povo) chinesa, a maior do mundo contemporâneo, seja voltada para o fluxo de informações e objetos, o que facilita os contatos e o intercâmbio no comércio internacional. “Ser o centro do sistema e ter a maior diáspora do mundo facilita a penetração dos chineses onde esses mercados existem”, explica o antropólogo.

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