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Ah,meu Deus,por que os filhos não ouvem os pais?”
GERAÇÃO
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Mãe de R.C, autuado por tráfico
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Droga preenche vazio DÉA JANUZZI, SANDRA KIEFER E DANIEL CAMARGOS Os argumentos dos jovens R.C, de 19 anos, e P.O, de 20, não convenceram o delegado Márcio Siqueira, da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes, no Bairro Gameleira, região Oeste de Belo Horizonte. Os dois foram presos, na rodoviária da capital, na quinta-feira que antecedeu o carnaval, com 23 micropontos de LSD e enquadrados como traficantes. Disseram que a droga seria para consumo próprio, que dividiriam o restante com a turma de amigos que iriam encontrar no Serro, distrito de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha. Não adiantou P. explicar que é estudante do 3º ano de direito da Universidade Estácio de Sá, no Rio de janeiro, onde mora com o pai, em Jacarepaguá. Nem mesmo que trabalha no cais do porto como conferente de carga de navios, também com o pai. E que seu maior sonho, depois de formado, era fazer concurso público para promotor de Justiça. Para o delegado, o que contava era a cartela de LSD escondida dentro de uma capa de CD. Ele não se convenceu de que era para uso próprio. “Eu tinha mais medo de ser preso do que da própria morte”, desabafou P., que ganha R$ 1,5 mil por mês e comprou a droga por R$ 400. R. também tentou: assustado com as algemas, usadas pela primeira vez, ele jamais pensou que poderia ser preso por tráfico, pois desconhece a Lei de Tóxicos 11.343/2006, aprovada no fim do ano passado, que aumenta a pena de três para cinco anos. Confusos e perdidos na delegacia, eles não imaginavam que seriam conduzidos para o Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp), onde teriam que ficar dentro da cela com mais 10 presos e só oito camas, com rodízio na hora de dormir. Antes de entrar no camburão da Polícia Civil, com a sirene ligada, eles foram levados, sem direito a ver pai ou mãe. Puderam apenas dar um telefonema para casa. Ao deixar a Divisão de Entorpecentes, R. olhou desolado e pediu para que a repórter tranqüilizasse sua família, no Bairro Jaraguá, região da Pampulha. Falou alto o número do telefone de casa, com os olhos cheios de lágrimas. “Diz para minha mãe que eu não queria prejudicar ninguém. Não sei agora o que vai acontecer comigo. Meu futuro está todo comprometido. Depois de tentar vestibular para relações públicas no
CYAN
Centro Universitário Newton Paiva, R. estava fazendo cursinho, porque mudou de idéia quanto à profissão. “Prefiro ciências sociais, mas agora já não sei o que vai ser da minha vida”, diz, envergonhado de sua avó saber das más notícias. “O maior exemplo na minha vida é a minha avó materna, que criou os três filhos debruçada na máquina de costura.” Quanto à religião, R. diz que foi “desgostando de Deus, depois que meu irmão morreu de acidente de carro, mas agora, estou até com vontade de rezar, porque acho que a minha vida vai mudar radicalmente. Não queria que meus pais passassem por isso, porque vão se sentir culpados”. De fato: a mãe de R. não consegue falar muito, só está preocupada com o estado emocional do filho, já contratou um advogado e não para de se perguntar: “Ah, meu Deus, por que os filhos não ouvem os pais?”.
PERPLEXIDADE A realidade cruel de ver um filho envolvido com tráfico e na cadeia mexe com os nervos dos pais e dos educadores, que tentam entender o que está ocorrendo com os jovens. A educadora Arminda Mata Machado, ex-diretora das escolas da Serra e Albert Einstein e que está hoje à frente do Instituto Libertas, também não tem respostas prontas, mas diz que, hoje, “os jovens não mais se diferenciam tanto em aparência física dos mais pobres, pelo menos aos olhos de adultos desatentos aos sinais de status emitidos pelo mercado da moda. Todos são parecidos: usam jeans, camisetas com dizeres incompreensíveis, bonés, tênis, bermudas, batinhas e sandálias. Todos freqüentam os shoppings, e as grandes lojas estão presentes em qualquer um deles, com os mesmos produtos. Todos são consumidores, tanto da Daslu quanto da Daspu”, constata a educadora. Quanto ao comportamento, as diferenças também são pouco perceptíveis. Inegavelmente, há uma universalização de falas, gestos e maneirismos. Se há poucos anos apenas os jovens pobres freqüentavam as páginas policiais, hoje, é cada vez mais comum ver os filhos das classes média e alta envolvidos com o tráfico, os assaltos a mão armada. Até os assassinatos atingem em cheio a família brasileira de qualquer camada social. Assustados, os pais se perguntam o que fazer. Arminda faz indagações: “Como acabar com a corrupção na política, na polícia, nas Forças Armadas e fazer com que os jovens voltem a acreditar num país belo, justo, equânime? Como acabar com os traficantes de armas? De dro-
MAGENTA
AMARELO
CRIME VIRTUAL
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JOVENS ESTÃO PERDIDOS,RETRATO DE UMA SOCIEDADE QUE PRECISA REVER SEUS CONCEITOS
CYAN
Perplexos, os pais se perguntam o que fazer diante da dura realidade de ver os filhos algemados, enquadrados por tráfico e presos em penitenciárias
AMARELO
PRETO
AUREMAR DE CASTRO/ EM
O hacker Otávio Bandetini,de 21 anos,não pode mais desfrutar do flat à beira-mar, no Rio de Janeiro, nem de seu automóvel Mercedes-Benz.Ele foi condenado no ano passado a 10 anos e 11 meses de prisão por furto qualificado e interceptação telemática não autorizada.A tática de Otávio era colocar janelas aparentemente inocentes em sites,que capturavam senhas e códigos de usuários.Ele vendia os dados para quadrilhas e ficava com 10% do dinheiro desviado das contas bancárias.O rombo provocado pelo hacker foi de aproximadamente R$ 2 milhões.Em seu computador foram encontrados dados bancários sigilosos de 242 pessoas e contas-correntes de outras 44. gas? Com as guerras tribais, territoriais que se repetem em quadros de genocídio banalizados constantemente pelas agências de notícias?”. Ela se refere também à guerra territorial dos morros e dos traficantes. Como acabar com o “dane-se o outro que eu quero é me arrumar?”. Fazer o contraponto ao que hoje é veiculado pelas diferentes mídias, aguçar o pensamento crítico, rever preconceitos, estudar e conhecer a fundo questões contemporâneas, aprender a buscar respostas, a não se contentar com meias verdades, a conviver lado a lado com os semelhantes, respeitando as diferenças; e aprender a incluir e não a segregar, a desenvolver e valorizar a arte. “Essa é a única receita”, de acordo com a educadora, “capaz de conter a marcha regressiva dos jovens”. Todos os dias, os educadores têm que conviver com afirmações do tipo ´aprender a competir em tempos de crença no papel regulador do mercado´. “É preciso reafirmar que não passam de frases para mascarar uma realidade econômica que deve ser reformulada, que os seres humanos precisam comportar-se cooperativamente e buscar a concretização de um mundo mais estável e pacífico, mais equilibrado. É desse tipo de sonho que a educação se nutre. É a educação que todos os alunos devem receber, sejam eles ricos, pobres, remediados, de escolas públicas ou privadas. Fora desse sonho, não há educação. Apenas treinamento”, conclui.
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