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Estertores do sonho
AMERICANO
Clássico do jornalismo gonzo, Medo e delírio em Las Vegas, reportagem sobre o clima mental do início dos anos 70, está de volta às livrarias
KATHY WILLENS - 19/5/98
LANÇAMENTOS
5 .
CONTOS
A DAMA DA SOLIDÃO De Paula Parisot Companhia das Letras, 144 páginas, R$ 33,50
Em seu livro de estréia, a carioca Paula Parisot desfila um elenco de personagens femininas que se deparam com dilemas ancestrais e os CIA DAS LETRAS/REPRODUÇÃO encaram sob o prisma das mudanças de comportamento surgidas nas últimas décadas. Entre elas, há uma garota que descobre a natureza de seu verdadeiro príncipe encantado e uma mulher que ingressa em uma trupe de teatro erótico que cria versões humanas de pinturas clássicas. Assim como elas, as outras protagonistas deste livro dão voz a um mundo de inquietações que a autora traduz numa prosa ousada e arrebatadora. Alternando o registro dos contos entre o monólogo interior, as cartas e a narração onisciente, Parisot traz à tona os movimentos íntimos que regem nosso comportamento.
JORNALISMO
A
EDIOURO/REPRODUÇÃO
Hunter Thompson, entre Benicio Del Toro e Johnny Depp: livro do jornalista gonzo com vocação para o cinema
DANIEL CAMARGOS
dedicatória de Medo e delírio em Las Vegas – uma jornada selvagem ao sonho americano é para Bob Dylan, por ter composto Mr. Tambourine Man. O badalado Johnny Depp também já se valeu da história, interpretando o papel principal no filme homônimo dirigido por Terry Gilliam, em 1998. Porém, nada disso existiria se a pauta de uma revista de esportes não tivesse sido passada para Hunter S. Thompson (1937-2005). A expectativa era que ele retornasse de Las Vegas com uma reportagem sobre a Mint 400, um rali de motos. Mais uma, entre tantas matérias modorrentas que os correspondentes de empertigadas revistas enviariam apressados aos seus editores. Com imensos óculos escuros, o indefectível chapéu de pescador e um arsenal de todas as modalidades possíveis de drogas, Thompson não foi capaz de entregar a matéria. Também não acompanhou o rali, comendo poeira em um carro cedido pela organização. Foi além, em vários sentidos. Fundiu realidade com ficção e se valeu de seu alter ego, Raoul Duke, para descrever delírios, alucinações e o significado de um rali de motos em uma cidade como Las Vegas: nenhum. A estratégia para a conclusão de Thompson é o “gonzo jornalismo”, estilo de reportagem criado por ele e que tem em Medo e delírio em Las Vegas sua obra maior, relançada pela Editora Conrad – a última edição brasileira, chamada de Las Vegas na cabeça, era de 1984 e raríssima em sebos. Não existe uma tradução exata para definir a palavra gonzo, o mais correto seria torto, desequilibrado. No jornalismo, gonzo é o estilo que deixa de lado protocolos, fórmulas e bom-mocismo. Thompson surgiu concomitantemente à geração do “novo jornalismo”, de Truman Capote, Tom Wolfe e Gay Talese, e pelo talento pode ser apontado como uma vertente deles. Medo e delírio em Las Vegas é o segundo livro do autor, cujo primeiro foi Hell’s Angels, em que passa um ano convivendo com a gangue dos temidos motociclistas. Em Medo e delírio em Las Vegas Raoul Duke vai junto com seu advogado, chamado de dr. Gonzo, cobrir a Mint 400 na cidade dos cassinos, no deserto americano. Conseguem US$ 300 de verba para as despesas, uma reserva no hotel de luxo, a credencial para corrida e alugam um Chevy vermelho conversível abastecido com dois sacos de maconha, 75 bolinhas de mescalina, cinco folhas de ácido de alta concentração, um saleiro cheio até a metade com cocaína e “mais uma galáxia inteira de pílulas multicoloridas, estimulantes, tranqüilizantes berrantes, gargalhantes”. No Chevy, eles levam também um litro de tequila, outro de rum, uma caixa de cerveja, meio litro de éter puro e duas dúzias de amilas. Enquanto se ocupa em consumir essa quantia de narcóticos e traçar estratégias para não ser preso, Thompson/Duke perfila um retrato da decadência da aura dos anos 60, quando os efeitos da lisergia perdem o glamour multicolorido ainda decantado. A situação era outra em Las Vegas, 1971, em um empoeirado rali, a quinta-essência da sociedade capitalista americana. Ali, Thompson/Duke muda o foco de sua matéria e parte em busca do sonho americano: “De fato. Mas o que é sensato? Especialmente aqui, em ‘nosso país’ – nesta desventurada Era Nixon. No momento, estamos todos buscando a sobrevivência. Nada restou da velocidade que abasteceu os anos 60. Os estimulantes estão saindo de moda. Esse foi o defeito fatal na viagem de Tim Leary. Ele
cruzou os Estados Unidos vendendo a ‘expansão da consciência’ sem parar para pensar nas realidades sinistras e dolorosas à espera das pessoas que o levaram a sério demais. Depois de West Point e do sacerdócio, para ele o LSD deve ter parecido completamente lógico... Mas não fico exatamente satisfeito ao saber que ele se deu muito mal, porque acabou levando muitos outros consigo”. A análise continua quando Thompson/Duke considera como um dos momentos cruciais dos anos 60 a ocasião em que os Beatles se encontraram com o guru indiano Maharishi, o que julga uma heresia, um desvio, já que qualquer forma de doutrina, na opinião do autor, mesmo que fosse zen, era uma grande besteira. “Foi como se o Dylan tivesse ido ao Vaticano para beijar o anel do papa.” A narrativa segue, poucos parágrafos depois Duke descreve o quarto de hotel destruído após a estadia dele e do advogado e relembra o episódio do ataque do companheiro a uma camareira. Tudo isso narrado na segunda parte do livro, quando eles saem do primeiro hotel sem pagar as despesas extras e vão para outro com o objetivo de fazer a cobertura de uma segunda reportagem, cuja pauta é uma convenção de promotores públicos e policiais para o combate às drogas. A seqüência frenética, e irônica, de fatos, o ritmo e a intensidade são características do estilo gonzo e colocam o leitor próximo dos fatos. A edição com as ilustrações originais de Ralph Steadman contribui para a sensação. Sobre o “sonho americano”, Thompson/Duke descobre que nada mais é que o nome de um abrigo para drogados, onde já foi o Clube dos Psiquiatras.
A SEQÜÊNCIA FRENÉTICA E IRÔNICA DE FATOS, O RITMO E A INTENSIDADE SÃO CARACTERÍSTICAS DO ESTILO GONZO
CINEMA Escape ideal para um filme, como o realizado pelo diretor Terry Gilliam, de Monty Pyton. Duke foi interpretado por Johny Deep e Dr. Gonzo por Benicio Del Toro. Agora, Depp produz outro filme baseado na obra do gonzo jornalista. Interpretá-lo-á com roteiro e direção de Bruce Robinson inspirado em Rum – Diário de um jornalista bêbado (Conrad, 2005). O livro, apesar de narrar a vida de um jornalista em Porto Rico, é um romance. Thompson, antes de criar o estilo gonzo, escreveu para jornais do Caribe e chegou a morar no Brasil, pouco antes do golpe militar de 1964, escrevendo para jornais de língua inglesa no Rio de Janeiro. Também fez reportagens sobre bastidores da política americana. Seus textos estão reunidos em outros dois livros também editados no Brasil pela Conrad: A grande caçada de tubarões – histórias estranhas de um tempo estranho (2004) e Screw Jack (2005). O jornalista se matou em fevereiro de 2005 com um tiro na cabeça, mas antes já havia planejado sua cerimônia post mortem, com a ajuda do ilustrador Ralph Steadman. Cinco meses após a cremação, as cinzas foram misturadas com pólvora colorida e disparadas por um canhão no fundo de sua casa. Lá, onde Thompson costumava praticar tiro, o logotipo do gonzo – um punho que segura um botão de peiote (alucinógeno indígena) – foi esculpido com 100 metros de altura e os 350 convidados aspiraram o pó e ouviram Mr. Tambourine Man, de Bob Dylan, a canção preferida do gonzo e a quem ele dedicou seu melhor livro. Tudo pago pelo amigo e fã Johny Depp, que também tocou na banda durante a cerimônia. MEDO E DELÍRIO EM LAS VEGAS – UMA JORNADA SELVAGEM AO SONHO AMERICANO De para Hunter S. Thompson Editora Conrad, 224 páginas, R$ 45
HISTÓRIAS DO NEW YORK TIMES – OS CASOS QUE COMOVERAM OS REPÓRTERES DO JORNAL MAIS IMPORTANTE DO MUNDO Organização de Lisa Belkin Ediouro, 336 páginas, R$ 39,90
De um jornal são esperadas notícias, mas da capacidade e sensibilidade dos repórteres e editores do New York Times veio muito mais. Este livro traz contos que são autênticos pedaços da realidade, estimulantes e vivos, dramas que fazem das histórias publicadas nesse jornal mais que uma simples narrativa do que aconteceu no dia anterior. Que ensinam sobre conhecer e reconhecer os outros e a si próprio. Espelhos da vida e, ao mesmo tempo, maiores que a própria vida. A obra reúne algumas das milhares de histórias que chegaram às páginas do jornal. Casos como o de uma família de Scranton, na Pensilvânia, que procurava uma casa para morar com seus 17 filhos e um orçamento doméstico apertado, ou do morador de rua que recolhia as moedas lançadas na história Fontana di Trevi, em Roma, com a ajuda de um ancinho e um ímã.
BIOGRAFIA
O QUE É SER GEÓGRAFO De Aziz Nacib Ab’Saber Editora Record, 208 páginas, R$ 26 Trata-se de mais um volume da série O que é ser, que tem como objetivo mostrar características das RECORD/REPRODUÇÃO profissões a jovens que estão escolhendo a carreira. Em entrevista à baiana Cynara Menezes, Aziz Nacib Ab’Saber conta suas memórias profissionais e ensina como enxergar a terra, o relevo, a natureza e mesmo as fotos de satélite de outra maneira. O livro traz, ainda, A teoria dos redutos, talvez a mais importante contribuição do professor Aziz Ab'Saber à ciência. E algo curioso – como se fosse um detetive da história do território brasileiro –, o geógrafo descobriu, em algumas zonas, faixas de outra vegetação; pistas que evidenciam, por exemplo, áreas de secura onde hoje há florestas.
DIREITO
BLOWBACK – OS CUSTOS E AS CONSEQÜÊNCIAS DO IMPÉRIO AMERICANO De Chalmers Johnson Editora Record, 364 páginas, R$ 49 Quando publicado nos EUA, em 2000, este livro foi ignorado por lá. RECORD/REPRODUÇÃO Mas o interesse pela obra mudou drasticamente depois de 11 de setembro de 2001. Em menos de dois meses, ele foi reimpresso sete vezes e tornou-se best seller. Trata-se de uma advertência para o fato de que o complexo de “única potência”está levando os EUA a um conflito cada vez mais perigoso com países cruciais. Chalmers Johnson apresenta, com detalhes, os perigos enfrentados pelo império norte-americano, que cresceu excessivamente e insiste em projetar seu poder militar em cada canto do planeta, usando capital e mercados americanos para forçar uma integração econômica global em seus próprios termos.