O ESPÍRITO ME UNGIU: O AMOR, A ABERTURA AO OUTRO E À DIVERSIDADE COMO DESAFIOS À IGREJA EVANGÉLICA A

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O ESPÍRITO ME UNGIU: O AMOR, A ABERTURA AO OUTRO E À DIVERSIDADE COMO DESAFIOS À IGREJA EVANGÉLICA A PARTIR DA VIDA DE JESUS Daniel Dantas Lemos DECOM/UFRN, Natal/RN. E-mail: danieldantas79@uol.com.br.

Resumo Este ensaio propõe a análise do discurso religioso evangélico e sua implicação nas questões relacionadas à diversidade religiosa, ética e cultural no contexto contemporâneo. A partir da profecia do Terceiro Isaías, da sua aplicação feita por Jesus e das questões prementes no cenário atual, procuramos apresentar uma análise do discurso religioso, em particular o evangélico, apontando seus fechamentos e as dificuldades que enfrentam aquelas que se posicionam internamente de maneira crítica frente a ele. No espírito do ministério de Jesus, entendemos não ser nos permitido condescender com o discurso que justifica e estrutura as relações opressivas de poder nas quais somos inseridos na igreja. Consideramos que promover libertação significa libertar não-somente os oprimidos como também os opressores da relação. Tal libertação significa um passo na direção de assumir a postura de diálogo, abertura e respeito diversidade, tão fundamentais à escola e à sociedade nos dias atuais. Defendemos, por fim, que o cristianismo, diverso em sua existência, deve se abrir e ser promotor da diversidade total, no mais apropriado espírito inspirado nas ações do próprio Jesus Cristo, recebendo à mesma mesa os que excluem e os que foram excluídos. Nesse sentido, propomos que só devemos abraçar uma religião que seja capaz de compartilhar as dores e os sofrimentos dos seres humanos. Este ensaio é um convite, enfim, para que os sofridos, os pobres, os aflitos, os impuros, virem as costas para a religião, para quem lhes vira as costas: os donos da verdade religiosos, os donos do rito correto, da teologia correta, da religião verdadeira. Palavras-chave: Religião; Cristianismo evangélico; Diversidade Introdução

Há um episódio, narrado nos evangelhos sinópticos, muito significativo para a vida e ministério de Jesus.

Trata-se de sua presença na sinagoga de Nazaré. Lucas localiza tal

narrativa logo no início de seu ministério público. Segundo o evangelista, Jesus já estivera com João Batista na Judeia e, tendo retornado para a Galiléia, morava em Cafarnaum. Mas naquele sábado Jesus estava em Nazaré, “onde havia crescido” (Lucas 4. 16), e foi à sinagoga. O fato, aliás, de Jesus ser reconhecido ao longo de sua vida como Nazareno - assim como a seita fundada por seus seguidores haver sido chamada também como “dos Nazarenos” - é significativo. Nazaré era uma vila de pescadores e artesãos insignificante na Galiléia, que,


por sua vez, era a periferia da província romana da Palestina, cujo centro político ficava na Judeia. A opção de Jesus é sempre periférica. É nesse contexto que se insere, em Lucas, esse episódio na sinagoga de Nazaré. Diz o texto que Jesus se levantou para ler as Escrituras e encontrou o lugar em que estava citado o capítulo 61 do profeta Isaías: “O Espírito do Eterno, o Senhor, está sobre mim porque o Eterno me ungiu. Ele me enviou para pregar as boas-novas aos pobres, curar os de coração partido, anunciar liberdade aos cativos e o perdão a todos os prisioneiros” (Is. 61. 1). A cena da leitura de Isaías só está presente na narrativa de Lucas, mas a rejeição que se seguiu dos presentes a Jesus é recorrente em Mateus e Marcos. Eu afirmo a vocês que isto é verdade: nenhum profeta é bem recebido na sua própria terra. (…) Quando ouviram isso, todos os que estavam na sinagoga ficaram com muita raiva. Então se levantaram, arrastaram Jesus para fora da cidade e o levaram até o alto do monte onde a cidade estava construída, para o jogar dali abaixo. Mas ele passou pelo meio da multidão e foi embora (Lc. 4. 24, 28-30)

Pensando sobre o que poderia ser dito por mim neste evento que discute "Diversidades Religiosas, Educação e Direitos Humanos: o desafio da escola frente à discriminação e à violência”, e tomando em consideração que falo do lugar do religioso evangélico, decidi que a reflexão sobre esse episódio e esse discurso de Jesus citando Isaías seriam importantes para começarmos a pensar a questão. Por mais diversas que sejam as comunidades cristãs (católicas, protestantes, evangélicas, protestantes, etc), todas elas reconhecem no impulso do Espírito Santo na vida de Jesus, o Messias1, e a partir de Sua Ressurreição e do evento do Pentecostes a existência do movimento de Jesus que, gradativamente, se institucionalizou em igreja. Esse movimento, desde o início, prova-o os textos que vieram a compor o Novo Testamento, era diverso e plural. Não havia uma só forma de se organizar as comunidades cristãs, mas havia diversas comunidades cristãs unidas pela fé em Jesus, ainda que nem o que significava tal fé fosse objeto de consenso então. Logo, a diversidade é uma característica típica desse movimento espiritual - inclusive por ser uma característica típica da própria sociabilidade humana.

Ainda que o discurso

!1 Messias quer dizer ungido. Era um título real para os judeus, reservado aos reis. Após os tempos de Saul, Davi e Salomão, os primeiros reis em Jerusalém, gradativamente Messias foi sendo reservado como um título do libertador futuro, que restituiria a glória antiga perdida dos judeus. Em grego, Messias foi traduzido como Cristo. Já nos tempos de Paulo, três décadas depois da morte de Jesus, Cristo foi incorporado como uma espécie de sobrenome a Jesus. O Messias agora era conhecido como Jesus Cristo.


religioso seja, por definição, autoritário e absolutista, o movimento espiritual do cristianismo, a partir do próprio Jesus, era aberto a uma forma ética de diversidade. Tal diversidade emerge de propostas como essa do texto de Lucas 4 a partir da leitura de Isaías.

O livro de Isaías é uma coletânea das profecias de pelo menos três diferentes

profetas. A primeira parte do livro, até o capítulo 39, se refere às profecias do profeta Isaías propriamente falando. Os textos reunidos entre os capítulos 40 e 55 foram escritas no exílio babilônico e se referem às promessas de restauração de Israel a partir da intervenção de Ciro, o rei persa.

É o segundo ou Deutero-Isaías que viveu cerca de dois séculos depois do

primeiro Isaías. Já o conjunto de profecias entre os capítulos 56 e 66 do Terceiro ou TritoIsaías, trecho em que se encontra nossa profecia, data, principalmente, do período pós-exílico. Sua mensagem se refere à restauração da fé e do povo de Israel. A profecia de Isaías 61 faz um chamado a um ano jubilar, como expresso em Levítico 25. Um momento de proclamar "a liberdade por toda a terra”, de redistribuição das terras para maior justiça, um momento de justiça social.

É esse, aliás, o Espírito de Deus que

encontramos especialmente no Terceiro Isaías. Isaías 58, por exemplo, fala sobre libertação. Na verdade, fala sobre culto e práticas ascéticas - no caso, o jejum -, em sua relação com as práticas de justiça e libertação: Este é o tipo de jejum que eu quero ver: quebrem as correntes da injustiça, acabem com a exploração no trabalho, libertem os presos, cancelem as dívidas. O que espero que façam é: repartam a comida com os famintos, convidem os desabrigados para casa, coloquem roupa nos maltrapilhos que tremem de frio, estejam disponíveis para sua família (Is 58. 6-7).

O terceiro Isaías esclarece que o culto, por si, nada significa.

O Senhor não chama

Seu povo para cultuar, mas para promover a justiça. Esse Isaías confronta toda uma tradição religiosa dos cristãos, em geral, e dos evangélicos, em particular, que conduz tais comunidades ao fechamento arbitrário em si mesmas e em torno de uma identidade que se organiza numa moralidade distintiva e nas formas de culto e práticas ascéticas típicas. Antes mesmo que as propostas histriônicas de malafaias, felicianos ou cunhas fossem amplamente questionadas publicamente, o Terceiro Isaías já mostrava o absurdo de tais ideias. Tenho a impressão, no entanto, que sempre haverá uma força gravitacional que puxará os cristãos para uma prática de fé ensimesmada, uma vez que ela é melhor do que o risco que se corre quando se decide seguir a prática de jejum que o Senhor diz escolher.

Mas o Terceiro Isaías não é


condescendente com ninguém: a vida de fé é necessariamente uma vida de compromisso com a libertação. Assim, Isaías 61, lido por Jesus, nos fala do evangelho.

Evangelho significa,

literalmente, boa notícia. O texto é claro: se há uma boa notícia ela só é boa para os pobres. A boa notícia aos pobres é, também, liberdade aos cativos, perdão aos prisioneiros. Se a boa notícia do evangelho é para os pobres, para os escravos, para os presos, para os oprimidos, por consequência, o evangelho não é uma boa notícia para os ricos, para os exploradores. E Jesus é ainda mais explícito adiante: Jesus olhou para os seus discípulos e disse: — Felizes são vocês, os pobres, pois o Reino de Deus é de vocês ... — Mas ai de vocês que agora são ricos, pois já tiveram a sua vida boa. — Ai de vocês que agora têm tudo, pois vão passar fome. — Ai de vocês que agora estão rindo, pois vão chorar e se lamentar (Lucas 6. 20-26)

O Deus revelado por Jesus tem lado: é o lado dos pobres. Não se pode contemporizar com essa mensagem que é clara no Antigo e no Novo Testamento. Logo, lamento quando vejo um cristão que afirma seguir Jesus mas não foi capaz de entender ao menos esse ponto fundamental do evangelho. Imagine alguém que diz seguir o Deus que tem o Espírito para anunciar uma boa notícia aos pobres, o Deus que os trata como bem-aventurados, o Deus que proclama os "ais" contra os ricos, mas que critica aquele que se solidariza com professores atacados pelas PMs Brasil afora, ou que defende que um linchamento ou que uma chacina em vingança contra a morte de um policial é justa porque “bandido bom é bandido morto”. Esse tal cristão não entendeu que o seu Senhor tem lado. O lado dos que são atingidos por balas de borracha, por bombas, por mordidas, por cassetetes. Por isso mesmo é que um cristão deve chorar quando vê aqueles que se dizem seus representantes defendendo ideias e práticas que nada têm a ver com a essência do que deveria ser, pelo menos a partir do testemunho das Escrituras, sua prática de fé. São cristãos os que fazem discursos apaixonados em defesa da Ditadura Militar, pelo direito de andar armados, pela redução da maioridade penal, pela violenta repressão da juventude marginalizada. São cristãos que lutam contra os direitos de camadas e camadas de


excluídos, em especial os LGBTs.

De cortar o coração cenas de cristãos celebrando no

Congresso Nacional a aprovação da redução da idade penal. De indignar a alma as imagens de cristãos gritando palavras de ordem contra sua mais recente invenção: a “ideologia de gênero”, uma desculpa perversa e piedosa para que seu direito de ser homofóbico e machista, e promover a violência simbólica contra mulheres, gays, lésbicas e trans - aquela que alimenta todos os dias a morte de LGBTs. Fazem o mal contra as minorias achando que, com isso, fazem culto a Deus. São como ovelhas sem pastor, perdidos nas mensagens de ódio que os afastam daquilo que o Senhor anuncia como seu culto e sua fé. Desse modo, vai ficando claro que a missão de Jesus, o Messias, ungido pelo Espírito, deveria ser continuada pela igreja, mas há uns tantos oprimidos aos quais a igreja negligencia ajuda para se libertar: as mulheres submetidas ao machismo, os negros submetidos ao racismo, os trabalhadores submetidos à exploração, os homossexuais e transsexuiais submetidos à trans e homofobia. O cúmulo de nossa incoerência religiosa: em vez de libertar mulheres do machismo, tivemos no ano passado um candidato a presidente e pastor evangélico que é acusado por violência doméstica ao agredir fisicamente sua então esposa. Em vez de libertar os negros do racismo, temos um pastor deputado muito famoso que usou o Twitter certa vez para dizer que os negros são amaldiçoados.

Em vez de ajudar a libertar trabalhadores da opressão,

reclamamos quando lutam por seus direitos em greves, ocupações. Ou defendemos flexibilizar seus direitos. Ou modificar a lei que tipifica o trabalho escravo no país, como foi feito recentemente pelo congresso com ajuda da bancada da Bíblia. Em suma: o que significa libertar os oprimidos nos dias de hoje? Seja o que for que signifique, será o único caminho para que a igreja evangélica se abra ao diálogo e se permita o respeito à diversidade que, aliás, deveria ser sua característica. No entanto, me parece que muitos cristãos pretendem, às vezes, trancafiar os gays em seus armários e atirá-los às chamas do inferno.

Fico pensando que libertar os oprimidos

significa nos dias atuais ajudar a arrombar as portas de tantos armários que ainda existem a serem abertos. E ajudar os oprimidos a encontrar libertação. Já deve estar ficando evidente a esta altura que a Bíblia não entende que o evangelho é uma mensagem só aos oprimidos. Claro que não é. A mensagem do evangelho é para ricos e


pobres porque a opressão é uma relação. Quando nós promovemos a libertação, libertamos oprimidos e opressores de seu peso: ao opressor, o evangelho é o Ai para que se arrependa; ao oprimido, a bem-aventurança para que se console: ”Deus está com você, apesar do pé do policial em seu pescoço". Por isso tenho pena dos que se dizem seguidores de Cristo mas se colocam, na prática de fé, fora de uma festa que Jesus faz e fará com os excluídos: o Reino de Deus deveria ser lugar para LGBTs e homofóbicos arrependidos. Por enquanto, tem sido lugar só dos primeiros.

O caminho para a diversidade

O Terceiro Isaías me diz que Deus não espera de nós, cristãos, o silêncio condescendente com a opressão. Propomos a justiça porque o Amor impulsiona um mundo mais justo que afasta de seu centro ideias de domínio, controle e poder. O Amor se opõe ao mundo que se organiza em torno desses centros de poder. O caminho para a diversidade, o respeito e o diálogo com o outro passa por reconhecer em Deus um Amor que abdica de ser o deus-nas-alturas, que se encontra de maneira libertadora com o ser humano ao ser personificado em Jesus - aquele que abria sua mesa para os excluídos pela religiosidade do seu tempo: cobradores de impostos, prostitutas seriam, nos nossos dias, as travestis, os gays, os mendigos. Nesse sentido entendo que a construção de uma via alternativa para o diálogo passará por reconhecer a característica autoritária do discurso religioso. Não se trata apenas de uma consequência da afirmação exclusivista da fé (“só a minha fé é correta e só se pode alcançar salvação para quem assume minha fé e religião”).

No âmbito da análise do discurso é

possível perceber o aspecto autoritário da religião - e a exclusão necessária de todo aquele que propuser uma posição que seja distinta da institucionalidade oficial. Esperem, portanto, que propostas de diálogo com a diversidade, abertura ao outro, sejam marginalizados no ambiente religioso evangélico.

Qualquer sentido teológico diferente, quando se confronta com o

sentido oficial e institucional, produz exclusão. Não foi a toa que o sistema político-religioso da Palestina do primeiro século levou Jesus à condenação à morte de cruz.


É nessa direção que Foucault (2008, p. 17) fala em “vontade de verdade” como um sistema de exclusão que se apoia sobre um suporte institucional, como o religioso. Desse modo, é preciso considerar, com Foucault (2008, p. 20), “a vontade de verdade, como prodigiosa maquinaria destinada a excluir todos aqueles que, ponto por ponto, em nossa história, procuraram contornar essa vontade de verdade e recolocá-la em questão contra a verdade”. Quem se põe em choque com a dimensão discursiva vai ser excluído e segregado, uma vez que fala ou formula enunciados inassimiláveis aos padrões do discurso enquanto vontade da verdade. O herege, que desafia o discurso oficial, deverá ter sua fala interditada e será excluído do seu grupo social. Logo, abrir-se, no mundo evangélico, à diversidade é se permitir ser acusado de não ser cristão. Eu mesmo já fui chamado até de anti-Cristo. Mas como fizeram Pedro e João diante do Sinédrio judaico, questionemos: “devemos obedecer aos senhores ou a Deus?” (Atos 4. 19). É papel discursivo da igreja, portanto, promover o fechamento e o encurtamento de sentidos possíveis de leitura e da prática religiosa. O culto, os usos e costumes, as ordens e normas morais serão, naturalmente, mais importantes que o jejum libertador que propõe o Terceiro Isaías.

A incursão por rotas de abertura, diversidade, polissemia, com sentidos

construídos a partir de livres interpretações, está permanentemente bloqueada a nível institucional, eclesiástico. Qualquer tentativa de iniciativa nessa direção, qualquer ultrapassagem da leitura e da teologia oficial, será logo classificada como pecado, rebeldia, blasfêmia - heresia. Logo, o sujeito que busca se puser respeitosamente diante do Outro, será posto pela instituição, na condição de quem precisa ser punido - ou, no mínimo, desacreditado, uma vez que a polissemia, o sentido aberto, no contexto do discurso religioso evangélico ameaçam com corrosão as bases estruturais de poder.

Assim, todo o sentido

somente poderá ser extraído a partir da autoridade da Igreja, em sua teologia e tradição. Ou seja, seu discurso e ideologia dirão que sentido se afirma como legítimo e literal. Soma-se a isso, o fato de a interação religiosa ser assimétrica por excelência: o espiritual domina o terreno, Deus domina sobre os homens. A partir dessa relação desigual entre os interlocutores, nasce a necessidade de o homem ser salvo, o que só pode ocorrer por meio da fé e a fé articulada segundo a forma de discurso que o meu grupo em especial organizou, normalmente manifestamente heteronormativo, anticatólico, racista com respeito a religiosidade afro, identificando todos esses como o Inimigo. Ou seja, Satanás.


Com o discurso religioso se encontrando no âmbito de uma formação discursiva comprometida fortemente à ideologia dominante conservadora, por fim o Deus que fala através desse agente (o pastor ou teólogo) torna-se uma imagem construída a partir do próprio discurso dominante. Em outras palavras, esse Deus e sua voz são, na verdade, a tradução dos interesses e idéias das classes dominantes. Como denunciava Benjamin (2012, p. 213), o “capitalismo se desenvolveu no Ocidente como um parasita do cristianismo - não apenas no Calvinismo, mas em todas as demais correntes cristãs ortodoxas [...]. E isto de tal forma que a história do cristianismo tornou-se a história do seu parasita, o capitalismo”.

Considerações finais

Percebam que ao longo de todo o texto, a minha articulação foi muito mais analítica que propositiva.

E, na minha análise, deixei questões em aberto que, de verdade, não

pretendo responder. Não que não mereçam respostas ou que não as tenha para mim, mas se o que se coloca é a necessidade de pensarmos os desafios e o diálogo em torno das "Diversidades Religiosas, Educação e Direitos Humanos: o desafio da escola frente à discriminação e à violência”, penso que será muito mais proveitoso para a nossa reflexão a manutenção de tais questões como abertas.

Se pretendemos a abertura e o diálogo,

necessitamos muito mais de boas questões do que de respostas precisas. Se queremos uma mesa de comunhão, necessitamos entender quem somos nós, o que somos, o que falamos e de que lugar falamos. Não há apenas uma forma de cristianismo assim como não há um só jeito de ser evangélico ou protestante. Em sua existência mais fundamental, o cristianismo é diverso. Logo esse movimento religioso, filho do espírito libertário de Jesus Cristo, inspirado na mensagem do Terceiro Isaías, na proposta jubilar, não deveria se permitir fechar-se em si mesmo, apenas dublando o discurso oficial heteronormativo, machista, ensimesmado em uma salvação da alma que inspira a liturgia mas não desafia o viver na dimensão da revolução e do diálogo. Se Jesus abria sua mesa para o Outro, nossa tarefa é entender esse Outro e manter aberta a mesma mesa a partir de nós mesmos. Se a religião é um desafio à consolidação dos direitos humanos no ambiente escolar é porque o nosso problema em compreender Jesus talvez seja muito pior do que já tenhamos


imaginado. Quando o cristianismo contribui para a desumanização, especialmente usurpando os direitos das minorias, trai Aquele que, inspirando a abertura ao totalmente outro na dimensão do jejum que o Terceiro Isaías pregava, pagou seu compromisso com a libertação com a sua própria vida. Se é possível algo diferente é na proposição de um discurso da libertação que implique a libertação dos oprimidos e dos opressores a partir da própria comunidade religiosa. Um discurso que implique responsabilização dos atos e compromissos individuais de todos os sujeitos - que se realize na dimensão do Deus-Amor mas que promova uma real liberdade que faça com que eu mesmo assuma a responsabilidade pelos meus atos, não entregando minha vontade ao discurso de um outro que, tantas vezes, no dizer de Benjamin (2012), é o parasita capitalismo no universo da fé. Se o discurso nos fecha, que a pergunta salutar nos abra. Quando quisermos uma religião que nos purifique, que a poeira das ruas nos faça sujar as mãos e o nome para receber e acolher aquele que é outro. Se quem é minoria carece de um espaço de fé e compromisso religioso, que a igreja possa ser digna de receber do Amor do Senhor essa minoria. Espero que refletir tais questões nos auxiliem na tarefa fundamental de construir à abertura ao diálogo e o respeito à diversidade a partir de um ponto de vista, entre outras perspectivas, evangélico.

Referências bibliográficas BENJAMIN, W. O capitalismo como religião. Organizado por Alberto da Silva Moreira. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2012.

FOUCAULT, M.. A ordem do discurso. Tradução por Laura Fraga de Almeida Sampaio.17a Ed. São Paulo: Loyola, 2008.


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