Portadores - Porteurs

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PORTADORES Imaginรกrio e Arquitetura

PORTEURS

Imaginaire et Architectur e



PORTADORES Imaginรกrio e Arquitetura

PORTEURS Imaginaire et Architecture



PORTADORES Imaginรกrio e Arquitetura

PORTEURS Imaginaire et Architecture

Sรฃo Paulo 2015



Índice Os fenômenos Prefácio Préface Os Promesseiros do Círio de Nazaré Os Brincantes do Guerreiro Alagoano Aspectos do imaginário e da representação da arquitetura no Círio de Nazaré em Belém do Pará e no Guerreiro Alagoano Aspects de l’imaginaire et de la représentation de l’architecture du Círio de Nazareth à Belém do Pará et dans le Guerreiro de Alagoas Agradecimentos

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O Círio de Nazaré é um ciclo de celebração com vários dias de ritos festivos em homenagem à Virgem Maria, Nossa Senhora de Nazaré, Rainha da Amazônia, realizado em Belém do Pará desde 1793. Atualmente, na principal procissão do rito, realizada nas manhãs do primeiro domingo de Outubro, vários promesseiros integram a multidão portando sobre suas cabeças objetos com formas de casas. Feitos em miriti – material muito leve retirado do talo da folha da palmeira Buriti conhecido como ‘isopor da Amazônia’ –, madeira, isopor e diversos outros materiais de ocasião, estes modelos arquitetônicos são levados em oferenda à Virgem, como promessa ou como agradecimento pela graça obtida, ex-voto. Belém do Pará (PA)

Maceió (AL)

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Le Círio de Nazaré est un cycle de célébrations avec plusieurs jours de rites festifs en hommage à la vierge Marie, Notre Dame de Nazareth, reine d’Amazonie. Il se tient à Belém do Pará depuis 1793. Pendant la principale procession du rite qui a lieu le matin du premier dimanche d’octobre, plusieurs promesseiros intègrent la foule en portant sur leurs têtes des objets en forme de maisons. Fabriqués en miriti –matériel très léger issu de la feuille de palmier buriti, aussi connu sous le nom de « polystyrène d’Amazonie » – en bois, en polystyrène et en divers autres matériaux de fortune, ces modèles architecturaux sont portés en offrande à la Vierge comme promesse ou en remerciement d’une grâce obtenue sous la forme d’ex-voto.

O folguedo do Guerreiro Alagoano é um rito de celebração do nascimento do deus-menino Jesus e envolve a performance de um grupo organizado, de base familiar, que, trajado e ensaiado, ‘brinca’ o Auto. Entre meados de Dezembro e o Dia de Reis (06 de Janeiro), o Guerreiro promove a ruptura ritualística do transcurso do tempo ‘de trabalhar’ e abre um outro tempo, consagrado a ‘brincar’ em comemoração à Natividade. O Guerreiro apresenta-se como um corpo coletivo a promover uma dança-luta primordial entre as forças do bem e do mal em um ‘teatro do mundo’ no qual se deve realizar a passagem pela escuridão da noite, enfrentando monstros e a própria morte para assegurar a perpétua ressurreição da vida. Le folguedo du Guerreiro de Alagoas est quant à lui un rite qui célèbre la naissance de l’enfant Jésus et qui implique la performance d’un groupe organisé souvent issu d’une même famille, qui costumé et entrainé joue un Autov. Entre la mi-décembre et le Dia de Reis (fête chrétienne célébrée le 6 janvier), le Guerreiro instaure une rupture rituelle du cours du temps consacré au «travail» et ouvre sur un autre temps consacré au «jeu» en commémoration à la Nativité. Le Guerreiro peut être présenté comme un corps collectif qui s’érige en une dance-lutte primordiale entre les forces du bien et du mal, et en un «théâtre du monde» où le passage par l’obscurité de la nuit se fait à travers l’affrontement de monstres, de sa propre mort, assurant ainsi la perpétuelle résurrection de la vie. 9



Prefácio - Portadores Prof. Jean-Jacques Wunenburger Faculdade de Filosofia, Universidade Jean Moulin, Lyon 3, Lyon, França. Ritos, liturgias, festas, peregrinações são ocasiões para os seres humanos reencontrarem o sagrado, esta manifestação de algo invisível, transcendente ou sobrenatural. As posturas, gestos, cantos e orações se valem de imagens simbólicas que asseguram uma relação entre a vida profana e o mundo distinto e invisível da religião. As palavras, sons ou objetos sagrados servem de intermediário, como intercessor entre o plano humano e aquele do ou dos deuses. Eles servem para entrar em contato com a(s) divindade(s) e garantem, em troca, uma distribuição de benefícios ou proteções. Como as maquetes de casas, mais ou menos realistas, conduzidas sobre a cabeça podem entrar no rol de elementos de festas religiosas e servir de material simbólico aos ritos de celebração do divino? Como a casa, construção artificial e funcional, destinado ao habitar familiar, pode entrar na categoria de objetos destinados às homenagens religiosas e aos ritos propiciatórios? Esta santificação da casa não é incongruente e descabida ou não revelaria ela, no fundo, uma das fontes ocultas de todo o verdadeiro simbolismo sagrado? 11


Dispor a casa doméstica (e, por vezes, a igreja) no centro de uma celebração religiosa não é reconhecer de início como a arquitetura sempre serviu de espaço ao sagrado? Os homens têm construído casas para se abrigar mas, têm construído sobretudo palácios para governar e templos para receber os deuses. Se o divino pode se manifestar em sonhos, visões ou através de personalidades carismáticas e inspiradas, supõese, sobretudo, que deve ter um lugar entre os seres humanos em um templo, construído para conservar a imagem (estátua). Qualquer casa funcional e profana, o mais elementar, contém alguma filiação simbólica com a casa de Deus, o primeiro templo, tabernáculo visível do Deus invisível (retomada, por exemplo, no jogo de Tarot de Marselha). Na Bíblia, o templo, a pedra fundamental da Jerusalém terrena, é, por sua vez, uma pré-figuração do mundo eterno por vir, após o final de cada vida ou no fim dos tempos. Para a Bíblia, o tempo apocalíptico é inseparável de uma cidade santa, a Jerusalém celeste, construída ao redor do templo e de suas pedras. Se os fiéis constroem, celebram e consagram suas casas em um dia de festa, eles levam em direção ao divino tanto a imagem de sua casa real, profana, quanto a imagem da casa de Deus, da qual ela é uma derivação mimética. Ao invés de nos surpreendermos com a presença desta casa no rito, a sua ausência frequente é que deveria nos interrogar. Por que a imaginação religiosa não estabeleceu mais frequentemente a filiação simbólica entre o tabernáculo, o templo e a casa humana? Apresentar sua casa à santificação é, certamente, estabelecer uma ligação entre a sua própria casa e a casa de Deus, mas é também apresentar-se a si 12

mesmo a Deus através de sua própria casa. Fazer consagrar a casa, a abençoar, obter graças para ela é propor ao divino um espaço material miniaturizado de acolhimento. Para o construtor, para quem constrói a maquete, para o portador ritual, a casa é, em certo sentido, uma extensão de seu corpo, de seu ser. Se a nossa identidade corporal termina na superfície da pele, a imaginação pode prolongar, externalizar o eu através de outros envelopes, como aquele da casa, que abriga seu corpo. Nada como a casa para duplicar simbolicamente o corpo. Oferecer ao divino o volume de minha casa é oferecer-lhe a tridimensionalidade do meu corpo. A casa é um mundo voltado para o exterior, o céu e a terra, mas também é um mundo de dentro, no qual cada um se abriga como em um nicho, como em um ninho. Sobre a cabeça, o fiel transporta finalmente sua identidade projetada no envelope de sua casa. A casa serve bem como uma interface entre os homens e o divino, sendo ao mesmo tempo uma hiéro-topia, um espaço de acolhimento e de concentração sagrada onde o divino pode entrar, e um objeto antropomórfico por meio do qual cada um duplica seu corpo e se abriga sob o olhar de Deus. É significativo, aliás, que a casa esteja exposta sobre a cabeça, a parte vertical do corpo, essa parte anatômica exposta ao alto, em direção ao céu. A altura, o telhado, a cúpula evidenciam orientações espaciais simbólicas intimamente e universalmente ligadas ao divino, conforme estabelecido por Mircea Eliade. A casa é um substituto para o próprio corpo e, por sua posição de destaque no topo do crânio, identifica-se com a parte mais nobre do corpo, a cabeça, que é quem comanda e unifica o ser pelo espírito. A casa


colocada no topo do corpo dobra o valor sagrado da verticalidade celestial. A casa como objeto simbólico sagrado também atualiza claramente um imaginário feminino e maternal que se presta bem ao culto de divindades femininas, neste caso, no Cristianismo, à piedade mariana. Pois toda casa é um mundo oco, uma barriga, um útero, uma matriz de estar. Consagrar a casa é então mobilizar um imaginário místico no sentido de G. Durand, ou seja, centrado em valores de intimidade, de regressão, de encaixe, de refúgio. A procissão de casas pertence ao vetor simbólico da “anima” , esta parte da alma que valoriza o vínculo, a participação, mas também a fertilidade e a abundância. Enfim, a casa se presta bem ao exercício simbólico da miniaturização. O sagrado sempre suscitou a fabricação de objetos como modelo reduzido, que deveriam entrar nas tumbas, por exemplo, para acompanhar os mortos na vida no além. Bonecas, brinquedos, móveis em miniatura, utensílios e, especialmente, maquetes de casas constituem a materialização imaginária deste mundo, podendo ser perenizada, sob a forma de objetos funerários ou litúrgicos. Conforme destacado por Gaston Bachelard, a miniaturização nos convida a uma experiência do domínio visual e tátil dos objetos, permitindo-nos vê-los melhor, em nossa escala, utilizá-los conforme nossa conveniência e deles nos apropriarmos. A casa em tamanho real, imóvel sobre suas fundações, é marca de sua impotência, a mesma casa miniaturizada, transportável, alimenta um devaneio de poder, de propriedade e de visão panorâmica. Ao miniaturizar a casa, os homens convocam os valores do

habitar humano ou divino, e atribuem-se a capacidade de manipulá-los, transportá-los, em suma, de integrálos em um ritual sagrado. Os portadores dos modelos arquitetônicos de Maceió e Belém compreenderam intuitivamente a unidade antropológica da experiência religiosa, onde a casa da vida cotidiana se torna espaço simbólico no qual a presença de Deus é a mais concreta, a mais próxima, a mais vital. Longe de ser um sinal de um folclore pitoresco, a festa das casas acolhe o divino no coração da existência doméstica e convida a buscar, por mais um ano, sua proteção benevolente sobre os bens e a vida de todos os dias. Bibliografia Durand Gilbert, Les structures anthropologiques de l’imaginaire, Dunod. Eliade Mircea, Traité d’histoire des religions, Payot. Bachelard Gaston, La poétique de l’espace, PUF.

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Préface - Portadores Prof. Jean-Jacques Wunenburger Faculté de Philosophie, Université Jean Moulin, Lyon 3, Lyon, França. Rites, liturgies, fêtes, pélerinages sont autant d’occasions pour les humains de rencontrer le sacré, cette manifestation d’un invisible, transcendant ou surnaturel. Les postures, gestes, chants et prières font appel à des images symboliques qui assurent une relation entre la vie profane et le monde séparé et invisible du religieux. Les mots, sons ou objets sacrés servent d’intermédiaire, d’intercesseur entre le plan des humains et celui du ou des dieux. Ils servent à entrer en contact avec eux et assurent en retour une distribution de bienfaits ou protections. En quoi les maquettes plus ou moins réalistes de maisons portées sur la tête peuvent-elles entrer dans la panoplie de fêtes religieuses et servir de matériaux symboliques aux rituels célébrant le divin ? Comment la maison, construction artificielle et fonctionnelle, destinée à l’habitat familial, peut-elle entrer dans la catégorie des objets rituels destinés aux hommages religieux et aux rites propitiatoires ? Cette sanctification de la maison n’est-elle pas incongrue et déplacée ou ne révèle-t-elle pas au fond une des sources cachées de tout véritable symbolisme sacré ? Placer la maison domestique (et parfois l’église) au centre d’une célébration religieuse n’est-ce pas d’abord reconnaitre combien l’architecture a toujours servi d’espace au sacré ? Les hommes ont construit des demeures pour s’abriter, mais surtout des palais 15


pour gouverner et des temples pour accueillir les dieux. Si le divin peut se manifester dans les rêves, les visions ou à travers des personnalités charismatiques et inspirées, il est surtout censé prendre place parmi les humains dans un temple, bâti pour en conserver l’image (statue). Toute maison fonctionnelle et profane, la plus élémentaire, contient quelque filiation symbolique avec la maison de dieu, le premier temple, tabernacle visible du dieu invisible (repris par exemple dans le jeu du Tarot de Marseille). Dans la Bible, le temple, pierre de touche de la Jérusalem terrestre, est à son tour une pré-figuration du monde éternel à venir, après la fin de chaque vie ou à la fin des temps. Pour la Bible, le temps apocalyptique est inséparable d’une ville sainte, la Jérusalem céleste, bâtie autour du temple et de ses pierres. Si les fidèles construisent, célèbrent et consacrent leur maison le jour de fête, ils portent en direction du divin autant l’image de leur maison réelle, profane, que l’image de la maison de dieu dont elle est une dérivée mimétique. Plutôt que de s’étonner de la présence de cette maison dans le rite ce serait plutôt son absence la plus fréquente qui devrait nous interroger. Pourquoi l’imagination religieuse n’a-t-elle pas plus souvent établi de filiation symbolique entre le tabernacle, le temple et la maison humaine? Présenter à la sanctification sa maison c’est certes établir un lien entre sa propre demeure et la maison de dieu, mais c’est aussi se présenter soi-même à dieu à travers sa propre maison. Faire consacrer la maison, la faire bénir, obtenir des grâces pour elle, c’est proposer au divin un espace matériel miniaturisé d’accueil. Pour le bâtisseur, pour le constructeur de la maquette, pour le porteur rituel, la maison est en un sens un prolongement de son corps, de son être. Si notre identité corporelle s’arrête à la surface de la peau, l’imagination peut prolonger, externaliser le moi à travers d’autres enveloppes, comme celle de la maison, qui abrite son corps. Rien de tel que la maison pour redoubler symboliquement le corps propre. Offrir au divin le volume de

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ma maison c’est lui offrir la tridimensionnalité de mon corps. La maison est à la fois un monde tourné vers le dehors, le ciel et la terre, mais aussi un monde du dedans, dans lequel chacun s’abrite comme dans une niche, comme dans un nid. Sur la tête le fidèle transporte finalement son identité projetée dans l’enveloppe de sa maison. La maison sert bien d’interface entre les hommes et le divin, elle est à la fois une hiéro-topie, un espace d’accueil et de concentration sacrée où le divin peut entrer et un objet anthropomorphe par lequel chacun double son corps et l’abrite sous le regard de dieu. Il est significatif d’ailleurs que la maison soit exposée sur la tête, la partie verticale du corps, cette partie anatomique exposée vers le haut, vers le ciel. La hauteur, le toit, la coupole relèvent d’orientations spatiales symboliques intimement et universellement liées au divin, comme l’a établi Mircea Eliade. La maison est à la fois un substitut du corps propre et par sa position éminente au sommet du crâne, l’élection de la partie la plus noble du corps, la tête, qui est ce qui commande et unifie l’être par l’esprit. La maison placée au sommet du corps redouble la valeur sacrée de verticalité céleste. La maison comme objet symbolique sacré actualise aussi clairement un imaginaire féminin et maternel qui se prête donc bien au culte des divinités féminisées, en l’occurrence dans le christianisme la piété mariale. Car toute maison est un monde en creux, un ventre, un utérus, une matrice de vie. Consacrer la maison c’est donc mobiliser un imaginaire mystique au sens de G Durand, c’est-à-dire centré sur des valeurs d’intimité, de régression, d’emboîtement, de refuge. La procession de maisons appartient au vecteur symbolique de l”’anima”, cette partie de l’âme qui valorise le lien, la participation, mais aussi la fécondité et l’abondance. Enfin la maison se prête bien à l’exercice symbolique de le miniaturisation. Le sacré a toujours suscité des fabrications


d’objets en modèle réduit, qui doivent entrer dans les tombes, par exemple pour accompagner le mort dans la vie dans l’au-delà. Poupées, jouets, miniatures de meubles, d’ustensiles et surtout maquettes de maison constituent une matérialisation imaginaire du monde d’ici-bas, pouvant être pérennisé, sous forme d’objets funéraires ou liturgiques. Comme l’a souligné Gaston Bachelard, la miniaturisation nous convie à une expérience de la maitrise visuelle et tactile des objets, en nous permettant de mieux les voir, à notre échelle, de les utiliser à notre convenance et de se les approprier. La maison grandeur nature, immobile sur ses fondations est marque de mon impuissance, la même maison miniaturisée, transportable, nourrit une rêverie de puissance, de propriété et de vision panoramique. En miniaturisant la maison les hommes convoquent des valeurs de l’habiter humain ou divin, et se donnent la capacité de les manipuler, de les transporter, bref de les intégrer dans un rituel sacré. Les porteurs de maquettes architecturales de Maceio et Belem ont intuitivement compris l’unité anthropologique du vivre religieux, où la maison de la vie quotidienne devient le foyer symbolique où la présence de Dieu est la plus concrète, la plus proche, la plus vitale. Loin d’être une marque d’un folklore suranné, la fête des maisons accueille le divin au coeur de l’existence domestique et l’appelle à poursuivre, une année encore, sa protection bienveillante sur les biens et la vie de tous les jours. Bibliographie : Durand Gilbert, Les structures anthropologiques de l’imaginaire, Dunod Eliade Mircea, Traité d’histoire des religions, Payot Bachelard Gaston, La poétique de l’espace, PUF

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Os promesseiros do Círio de Nazaré Belém do Pará Les promesseiros du Círio de Nazareth Belém du Pará


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Que ninguém os obrigue a viver sem nenhum horizonte que eles vivam do ontem, do hoje, e em função de um depois! Que personne ne les oblige à vivre sans horizon qu’ils vivent d’hier, d’aujourd’hui, et d’un après!


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Mulher revestida de sol A lua debaixo de seus pés E na cabeça uma coroa Nossa rainha Enviai o vosso espírito e tudo será criado E renovareis a face da terra. Femme revêtue de soleil La lune sous ses pieds Et sur la tête une couronne Notre Reine Envoyez votre Esprit et tout sera créé Et vous renouvellerez la face de la terre.


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Portanto, quem ouve essas minhas palavras e as põe em prática, é como o homem prudente que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, os ventos sopraram com força contra a casa, mas a casa não caiu, porque fora construída sobre a rocha. Por outro lado, quem ouve essas minhas palavras e não as põe em prática, é como o homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enxurradas, os ventos sopraram com força contra a casa, e a casa caiu, e a sua ruína foi completa! Tout homme qui écoute ce que je vous dis là et le met en pratique est comparable à un homme prévoyant qui a bâti sa maison sur le roc. La pluie est tombée, les torrents ont dévalé, la tempête a soufflé et s’est abattue sur cette maison; la maison ne s’est pas écroulée, car elle était fondée sur le roc. Et tout homme qui écoute ce que je vous dis là sans le mettre en pratique est comparable à un homme insensé qui a bâti sa maison sur le sable. La pluie est tombée, les torrents ont dévalé, la tempête a soufflé, elle a secoué cette maison; la maison s’est écroulée, et son écroulement a été complet!


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Felicidade e graça vão me acompanhar todos os dias da minha vida e vou morar na casa do Senhor por muitíssimos anos. La félicité et la grâce m’accompagneront tous les jours de ma vie et j’habiterai dans la maison du Seigneur pour de très nombreuses années.


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Os brincantes do Guerreiro Alagoano Maceió LES Brincantes* dU Guerreiro d’Alagoas Maceió

* Le terme brincante signifie joueur. Cette appellation dénote l’investissement ludique, l’amusement dont font preuve les participants à la célébration susnommée.


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Essa é a Estrela de Ouro Boa noite ela vem dá Quero sabê se aqui festeja Hoje é noite de Natá Eu sou a Estrela de Ouro Com prazer e alegria Quero sabê se aqui festeja Jesus filho de Maria Eu sou a Estrela de Ouro Com prazer no coração Quero sabê se aqui festeja A Virge da Conceição

Voilá l’Étoile d’Or Elle vient souhaiter la bonne nuit, J’veux savoir si on célèbre ici, Aujourd’hui, c’est la nuit d’Noël Je suis l’Étoile d’Or Avec plaisir et joie J’veux savoir si on celèbre ici Jésus fils de Marie Je suis l’Étoile d’Or Avec du plaisir au coeur J’veux savoir si on célèbre ici La vierge d’la Conception 78


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Entrei nesta casa de beleza Com delicadeza para vim dançá Meu figurá, na cidade de Viçosa, Noite saudosa só é noite de Natá.

Je suis entré dans cette maison de beauté Doucement pour v’nir à danser Mon ‘figurá’ à la ville de Viçosa Nuit nostalgique ce n’est que la nuit de Noël.


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Eu sou uma Barbuleta Que venho de Maceió Dançando no mei’ da sala Fazendo meus caracó Boa noite a todos Queira apreciá: Eu sou a Sereia Das “ondias” do má. Je suis un Papillon Venu de Maceió Dansant au milieu du salon En faisant mes tours Bonsoir à tous Voulez vous profiter: J’suis la Sirène Des vague de la mer.


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Ô que saudade quando o Guerreiro partiu Quando seguiu dessa zona ispiciá, Eu vou deixá tanta morena bonita Que meu coração parpita, mas eu não posso levá. Ô quelle nostalgie quand le guerrier s’en est allé Quand il a quitté cette zone étrange Je vais laisser tant de belles brunettes Que mon coeur palpite, mais j’peux pas les em’ner.


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Aspectos do imaginário e da representação da arquitetura no Círio de Nazaré em Belém do Pará e no GuerreiroAlagoano Prof. Artur Rozestraten Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. INTRODUÇÃO “Existe aí um enorme conjunto de fatos. E fatos que são muito complexos. Neles, tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente social das sociedades que precederam as nossas – até às da proto-história. Nesses fenômenos sociais ‘totais’, como nos propomos a chamá-los, exprimem-se, de uma só vez, as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas, e morais – estas sendo políticas e familiares ao mesmo tempo; econômicas – estas supondo formas particulares da produção e consumo, ou melhor, do fornecimento e da distribuição; sem contar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e os fenômenos morfológicos que essas instituições manifestam” Marcel Mauss, Ensaio sobre a Dádiva, Programa, 2013

As aproximações realizadas ao fenômeno dos portadores de modelos arquitetônicos no Círio de Nazaré, em Belém do Pará e no Guerreiro Alagoano, em Maceió, entre 2010 e 2014, convergem aqui para uma organização de imagens e reflexões possíveis neste ponto de inflexão de uma pesquisa em andamento. Nesse processo de pesquisa, a fotografia e o vídeo constituíram as principais representações de estudo dos

promesseiros do Círio e dos brincantes do Guerreiro, em suas manifestações ritualísticas e em suas interações com a arquitetura. O foco dessas aproximações são os modelos arquitetônicos postos em cena, ou seja, as representações tridimensionais com formas de arquiteturas em escala reduzida, como maquetes. Essa abordagem demandou o estudo das relações existentes entre os modelos reduzidos e a arquitetura local, belenense e alagoana, em um sentido específico das características espaciais e construtivas do lugar, mas também em um sentido bastante abrangente, como manifestações plástico-espaciais humanas universais. O fenômeno dos portadores de modelos arquitetônicos, como motivo antropológico e artístico, também foi posto nessa dupla perspectiva: reconhecendo suas condições históricas e contemporâneas particulares em Belém e em Maceió, mas também explorando suas relações com uma ampla constelação de imagens que entrelaçam corpo e arquitetura ao longo da história. Na procissão da manhã do primeiro domingo de Outubro, das celebrações anuais do Círio de Nossa Senhora de Nazaré nas ruas de Belém, alguns promesseiros levam consigo sobre a cabeça, em meio à multidão de dois milhões de pessoas, objetos com formas de arquiteturas em escala reduzida, modelos arquitetônicos de casas, predominantemente, mas também de igrejas, comércios e outras edificações. Nas encenações do Auto Natalino do Guerreiro nas Alagoas, Mestres e Embaixadores portam chapéus ditos ‘catedrais’, com forma de igrejas com torres, e os Palhaços portam chapéus escalonados como zigurates. 117


Nos dois casos, as apropriações populares de formas arquitetônicas tradicionais, redesenhadas com grande liberdade e fantasia, de modo raro e original, posicionam o tema com pertinência no campo das representações e do imaginário da arquitetura. Ao longo desse percurso de pesquisa, que deve seguir adiante, a equipe procurou observar atentamente as manifestações em questão, colher depoimentos e gerar imagens dos promesseiros e dos brincantes, assim como procurou perceber e construir representações fotográficas e videográficas das arquiteturas de Belém e das Alagoas que pudessem se relacionar com o fenômeno em pauta. A partir dessas bases iniciou-se o reconhecimento de aspectos singulares e específicos de cada manifestação, assim como a compreensão de eventuais interações entre ambos os fenômenos, considerando seus enraizamentos culturais e históricos mais profundos na iconografia dos portadores de modelos arquitetônicos na cultura ocidental. Com base nessas imagens e nos estudos já realizados sobre o tema, a equipe de pesquisadores procurou compor cronologias e genealogias, investigando antecedências e expressões sincrônicas, identificando a partir daí permanências, metamorfoses, coexistências, desdobramentos e dispersões com o intuito de melhor compreender tais representações da arquitetura, suas articulações no campo do imaginário e suas motivações poéticas. A fundamentação conceitual dessas aproximações formou-se com base na noção de fenômeno de ‘longa duração’ de Fernand Braudel (2009), associada à noção de ‘sobrevivência’ proposta por Edward B. Tylor (1873; DIDI-HUBERMAN, 2002) e tensionada por Aby

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Warburg (1999) na proposição de sua pathosformeln. O movimento, o gestual e a interação do corpo com os modelos arquitetônicos presentes no Círio e no Guerreiro renovam e transformam motivos artísticos arcaicos, antigos e medievais, reinventados nas condições específicas de Belém do Pará e de Alagoas. Ampara também este estudo, a ‘metáfora da constelação’ de imagens desenvolvida por Warburg (2003) e retomada por Durand (1997 - 2004), que referencia aqui a convocação de imagens para a construção de conjuntos iconográficos por relações de semelhança e por um tensionamento dessa similaridade ou analogia aos limites da dessemelhança, da inversão de sentidos, compreendendo o caráter propriamente simbólico, dinâmico, divergente/convergente e evasivo/centrípeto do imaginário. Consideram-se, portanto, nessa convocação imagética além do motivo típico, o contra-tipo, o atípico e seus desdobramentos e derivações mais próximos e/ou mais distantes. Com isso, não se busca uma hermenêutica desveladora que encerre o fenômeno em uma suposta (e improvável) interpretação final. O que se pretende é constituir um campo visual de relações entre imagens sobre o qual é possível refletir, experimentar aproximações com caráter interrogativo, especulativo, propondo associações, agrupamentos, vínculos, proximidades e distanciamentos sugestivos de novas associações e reposicionamentos. Espera-se, com isso, contribuir à construção de conhecimentos sobre as características singulares dessas manifestações tipicamente brasileiras e assim ampliar o escopo de estudos pertinentes às representações e ao imaginário da arquitetura.


PROMESSEIROS O Círio de Nazaré é um ciclo de celebração com vários dias de ritos festivos em homenagem à Virgem Maria, Nossa Senhora de Nazaré, Rainha da Amazônia, realizado em Belém do Pará desde 1793. Atualmente, na principal procissão do rito, realizada nas manhãs do primeiro domingo de Outubro, vários promesseiros integram a multidão portando sobre suas cabeças objetos com formas de casas. Feitos em miriti – material muito leve retirado do talo da folha da palmeira Buriti conhecido como ‘isopor da Amazônia’, madeira, isopor e diversos outros materiais de ocasião, esses modelos arquitetônicos são levados em oferenda à Virgem, como promessa ou como agradecimento pela graça obtida, ex-voto. A oferenda de modelos arquitetônicos em escala reduzida a uma divindade feminina, Deusa da Natureza, Potnia Theron, Senhora dos Animais, é um costume arcaico, com registros neolíticos no Sudeste Europeu, no vale do Danúbio, em especial no norte dos Bálcãs. Esse costume se difundiu na cultura grega e tem como evidência material os modelos em terracota encontrados nos santuários de Hera, principalmente na ilha de Samos. O vínculo entre formas arquitetônicas e o corpo1 de uma divindade feminina capaz de conceber gerou expressões iconográficas nas figurações de Ártemis Efésia, com sua corona muralis e, posteriormente, desdobrou-se nas figurações de Cibele Imperial Romana, também coroada por arquiteturas. No mundo cristão, Maria é a Magna Mater, Theotokos, latinizada como Generatrix dei, Mater dei, e a iconografia da Virgem recebendo modelos arquitetônicos em

oferenda é profícua, especialmente a partir de meados do séc. VI. Dentre essas imagens, é bastante conhecido o mosaico no vestíbulo do acesso sul de Hagia Sophia, Istambul, no qual os imperadores Justiniano e Constantino comparecem como portadores oferecendo, respectivamente, um modelo da própria igreja Hagia Sophia e um modelo da cidade murada de Constantinopla à Virgem com o menino, assentada em seu trono de Cibele. No Círio de Nazaré, os portadores bizantinos ganham vida na multidão e apresentam-se publicamente no rito ofertório evidenciando a sobrevivência de uma mesma pathosformeln. As tomadas fotográficas e videográficas in loco permitem hoje uma aproximação à visualidade contemporânea dos promesseiros e seus ex-votos, seu gestual e sua participação individual e coletiva no rito. A contrução de perspectivas históricas sobre o fenômeno, entretanto, demandou ainda estudos iconográficos complementares em acervos de Belém. A iconografia do Círio tem suas primeiras imagens em gravuras do último quartel do século XIX. Essas representações apresentam o ‘rio de gente’ da procissão tendo à frente o Carro dos Foguetes, seguido por anjos com estandartes, depois Dom Fuas Roupinho, o escaler do brigue São João Batista e a multidão de devotos. O Carro dos Foguetes, aliás, com sua representação de torre com ameias é o primeiro modelo arquitetônico a se apresentar na história do Círio em Belém. Antes mesmo da Berlinda que protege a imagem da Virgem de Nazaré e também tem formas arquitetônicas.

1. Habita-se um corpo antes e enquanto se habita uma casa. O corpo é a casa primeira do ser que habita. O habitar uma casa é uma ampliação dos limites e potenciais do corpo a outro corpo, aquele da casa habitada.

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Os cartões-postais do Círio, realizados desde as primeiras décadas do século XX, iniciam a documentação fotográfica do rito e difundem as festividades fora de Belém. A partir dos anos 1930, há várias imagens fotográficas do Círio, dentre as quais destacam-se as do acervo Artur Vianna (1931), dos Álbuns do Círio (1936 e 1949) e do Acervo Vicente Salles (1954, 1963 e década de 1960). A documentação do Círio em vídeo tem registros desde os anos 1950, contudo, as imagens em movimento mais difundidas estão datadas a partir de 1970. A primeira hipótese formulada na aproximação aos promesseiros do Círio supunha que, dado o contexto de um rito ofertório a uma divindade feminina geratriz no qual se constata a prática de oferendas de modelos arquitetônicos, tais objetos deveriam estar presentes em Belém desde as origens das celebrações à Rainha da Amazônia. A análise da iconografia do Círio, no entanto, não conduziu à validação dessa hipótese. O que foi possível verificar é que os modelos arquitetônicos estão ausentes das coleções de imagens fotográficas das procissões do Círio até os anos 1970. Mas o que explicaria tal ausência? E o que justificaria sua súbita aparição somente em data tão recente? A hipótese que se constituiu, então, propõe uma relação sincrônica entre esse fenômeno e o déficit habitacional da região metropolitana de Belém, consequência de um crescimento urbano acelerado sem o devido planejamento, fato comum nas cidades brasileiras. A partir dos anos 1970, frente à crescente dificuldade de habitar na capital paraense, o apelo espontâneo e coletivo da população mais

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pobre à transcendência trouxe à tona e se valeu de representações tradicionais da casa miniaturizada e os expôs na cena pública da procissão dominical do Círio. Essas representações, aliás, como modelos reduzidos, já estavam presentes na cultura paraense do artesanato de miriti produzido em Abaetetuba, mas com outras funções sociais: como brinquedo e como objetos de ornamentação. De modo não-coordenado, espontâneo e coletivo, os modelos reduzidos em forma de casa foram deslocados para um outro campo semântico: o do imaginário de concepção da arquitetura. Tal deslocamento abriu caminho para que outros modelos reduzidos – de barcos, automóveis, motocicletas, etc. – também se fizessem presentes na procissão, mas considerando sua natureza similar como objetos artificiais, técnicos, antrópicos. Os sentidos associados aos modelos arquitetônicos, ao longo dessas últimas décadas, ampliaram-se bastante, para além da conquista /construção da casa, e ganharam uma vasta gama de sentidos pertinente ao habitar. Como objeto votivo, o modelo arquitetônico contempla no Círio de hoje relações diretas com a construção – como a compra de um terreno, uma reforma, uma ampliação, etc., assim como também relações existenciais indiretas, centradas na casa: como o nascimento de um filho, um novo casamento na família, uma mudança de endereço, o desejo de harmonia familiar, etc. Nas formas dessas casas oferecidas à Virgem há hoje toda uma diversidade de formas arquitetônicas da produção de habitações na região metropolitana de Belém. Predominam ainda os modelos de habitações


unifamiliares referenciadas no ideal da arquitetura ribeirinha – a casa isolada, feita em madeira, multicolorida, aberta com janelas aos quatro ventos – mas é cada vez mais comum a representação de casas com duas empenas laterais cegas encaixadas em lotes estreitos, assim como é crescente a incidência de representações de edifícios altos como moradia. Vários promesseiros adquirem suas oferendas junto a artesãos que trabalham com miriti ou madeira, outros compram seus modelos de ambulantes que revendem uma produção manufaturada em parafina modelada como uma casa de planta quadrada com telhado em quatro águas. Pars pro toto, há promesseiros que portam simplesmente um bloco cerâmico, dito ‘tijolo baiano’, e esta opção costuma se relacionar ao empreendimento de uma alteração de um sistema construtivo em madeira – que é tradicional na arquitetura ribeirinha amazônica, mas pode ser bastante precário nas favelas em palafitas – para um sistema em alvenaria. Há ainda uma parte considerável dos promesseiros que constrói seus próprios modelos, individualmente ou em família, valendo-se de materiais de ocasião diversos. O Museu da Casa de Plácido e o Museu do Círio, em Belém, possuem em seus acervos exemplares significativos da diversidade de soluções técnicas e formais empregadas pelos promesseiros na confecção de seus modelos. Em 2006, o IPHAN publicou um dossiê sobre o Círio de Nazaré com o propósito de registrar e inventariar o ciclo de devoção à Virgem. Essa publicação apresenta aspectos históricos da celebração, descreve as várias etapas da festa, evidencia suas ambiguidades entre

o caráter profano e religioso, apresenta mapas dos vários percursos já realizados pela procissão e traz uma organização importante das referências bibliográficas existentes sobre o assunto. Ainda que o referido trabalho tenha várias qualidades, é nítida a lacuna quanto ao reconhecimento da expressão singular dos promesseiros e de suas arquiteturas portáteis. O estudo sistemático do Círio é recente, muito embora alguns estudos pontuais tenham sido feitos ainda nas primeiras décadas do século XX, como o de Artur Vianna, de 1904, e o de Manuel Barata, de 1921. Podese dizer que a produção sistemática de estudos sobre o tema se organiza apenas a partir de fins da década de 1960. O estudo do geógrafo Eidorfe Moreira, de 1971, inaugura o enfoque das ciências sociais sobre o fenômeno do Círio e explora as interações territoriais, políticas e sociais. Na década seguinte, o jornalista Carlos Rocque compôs uma relevante síntese sobre a história da festa, publicada em 1981, como desdobramento de um tema específico dentro de seu projeto “Grande Enciclopédia da Amazônia”, que fora publicado em 1968. Registra-se também que, desde os anos 1970, Rocque se dedicara ao estudo do Círio, tendo publicado em 1974, no jornal “A Província do Pará”, um caderno especial com uma aproximação preliminar à história dessa manifestação. Os jornais e revistas, aliás, continuam cumprindo um papel importante na organização e difusão de informações sobre o Círio, como fazem hoje os telejornais e os principais veículos de imprensa escrita de Belém, como o Diário do Pará, O Liberal e O Paraense. A importância desse vínculo e das interações entre a

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imprensa e o Círio foram, aliás, estudadas por Heraldo Montarroyos no início dos anos 1990. A partir de meados dos anos 1990, os estudos do antropólogo Raymundo Heraldo Maués (1995, 1999, 2000), professor emérito da UFPA, centraram-se em análises das festividades consagradas à Virgem de Nazaré, sob o prisma da antropologia das religiões, dos mitos e do imaginário. Valorizando os enfoques antropológicos e teológicos, com diferentes abordagens que evidenciam a multiplicidade de aproximações possíveis ao tema, há que se fazer referência também à publicação “Círios de Nazaré”, organizada por Josimar Azevedo em 2000. Cabe mencionar ainda a publicação “Cultura Amazônica: uma cultura do imaginário” (2001) na qual estão reunidos os estudos de João de Jesus Paes Loureiro sobre os grandes Círios fluviais da região – a saber, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré de Belém, o de Nossa Senhora de Santana em Óbidos e o de Santo Antônio em Oriximiná. Paes Loureiro também analisa a produção artesanal de modelos em miriti, os chamados “brinquedos de miriti”, fabricados na época do Círio, especificamente no município de Abaetetuba, localizado a aproximadamente 60 Km da capital paraense. Em 2005, o Professor Sílvio Figueiredo, da UFPA, organizou a publicação intitulada “Círio de Nazaré: festa e paixão”, na qual a sobreposição de aspectos profanos e sagrados da festa são analisados sob perspectivas que salientam questões políticas, comerciais, organizacionais, turísticas e simbólicas. Nos últimos anos, algumas pesquisas acadêmicas dedicaramse ao tema, como é o caso das dissertações de mestrado

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de Vanda Pantoja (2006), que estuda as interações entre mercado e igreja, de Ildimar Viana Assunção (2012) que concentra-se sobre o discurso religioso e de Vera Lúcia Martins Figueiredo (2013), dedicada ao estudo dos roteiros devocionais do Círio e suas manifestações espaciais. Cabe mencionar ainda a tese de doutorado de Josimar Azevedo (2008), concentrada sobre a questão teológica da fé e os estudos coordenados pelo Professor Francisco de Assis Costa (2008) junto ao NAEA-UFPA sobre as relações entre economia e fé perceptíveis no Círio contemporâneo. Todos esses estudos anteriores contribuíram, em alguma medida, na aproximação ao fenômeno do Círio e é justamente a partir desse quadro referencial que se identifica com clareza a contribuição específica desta pesquisa ao se concentrar sobre os modelos arquitetônicos dos promesseiros, investigando suas interações com a produção da arquitetura, as características de sua confecção artesanal, suas interações com o corpo, com o gestual e com a performance dos promesseiros, reconhecendo assim suas características sui generis como tema próprio do campo das representações e do imaginário da arquitetura. GUERREIRO O folguedo do Guerreiro Alagoano é um rito de celebração do nascimento do deus-menino Jesus e envolve a performance de um grupo organizado, de base familiar,que, trajado e ensaiado, ‘brinca’ o Auto. Entre meados de Dezembro e o Dia de Reis (06 de Janeiro), o Guerreiro promove a ruptura ritualística do


transcurso do tempo ‘de trabalhar’ e abre um outro tempo, consagrado a ‘brincar’, em comemoração à Natividade. O Guerreiro apresenta-se como um corpo coletivo a promover uma dança-luta primordial entre as forças do bem e do mal em um ‘teatro do mundo’2 no qual se deve realizar a passagem pela escuridão da noite, enfrentando monstros e a própria morte para assegurar a perpétua ressurreição da vida. Encontramse em cena Mestres, Contra-mestres, Embaixadores, Rainhas, Palhaços, a Lira, o índio Peri, a Estrela brilhante, a Estrela-de-ouro, a Sereia, o Boi, o Zabelê, o Lobisomem, etc. As letras dos cantos convocam ainda outras entidades pertinentes à totalidade do rito e se abrem ao improviso: santos, a virgem, os alemães, os mata-mosquito, a capital Maceió, políticos e personalidades locais, etc. A música, a dança, os cânticos, as ‘palavras-mágicas’, as cores, os adereços, as espadas são elementos indispensáveis para que os figurantes possam atravessar a noite, entre o pôr e o nascer do sol, munidos de luz e calor. Contra a ausência de luz, o medo e a expectativa de morte que reside nas trevas, o Guerreiro deve estar protegido por guizos, fitas coloridas, espelhos, tecidos estampados e miçangas. As arquiteturas também compõem esse ‘teatro do mundo’2. Igrejas – ditas ‘catedrais’, zigurates e casas figuram nos chapéus ornamentados. Constrói-se, assim, a paisagem comum do mundo dos deuses e do mundo dos homens: seus templos-casa. A transformação desses modelos arquitetônicos em chapéus é conveniente para quem dança. As mãos ficam livres para portar espadas, tocar pandeiro, equilibrar os giros

e bater palmas. Corpo e arquitetura vêm a compor um só corpo alto que baila. Define-se assim o motivo artístico típico do Guerreiro Alagoano: o corpo que dança sustentando no alto, sobre sua cabeça, uma casa. A casa é, em suma, o tema de fundo de toda construção humana. Pode-se dizer que não é outro, enfim, o tema fundamental da arquitetura. Nos chapéus dos Mestres e Embaixadores do Guerreiro, duas casas3 se articulam e se alternam no ritmo do folguedo. De um lado, o templocasa coletivo da assembleia – a ecclesia, do outro, a casa individual ou familiar, sendo esta casa, um núcleo menor, mais oculto e mais propriamente tridimensional, como que protegido pela fachadamuralha da igreja. Vinculadas e coesas, ambas constituem a unidade da ‘catedral’. Na medida em que giram seus chapéus, os Mestres sugerem que toda casa pode se transformar em um templo; todo templo, enfim, é uma casa; e nesse ciclo contínuo de metamorfoses dançam e coabitam os homens que são como seus deuses: ‘criadores de um mundo’. Os zigurates presentes nos chapéus dos Palhaços, por sua vez, são estruturas bastante sintéticas e geometrizadas como volumes retangulares escalonados, de planta aproximadamente quadrada, o que lhes confere uma profundidade equivalente à sua largura. O caráter arquitetônico também está presente nas coroas das Rainhas e das Estrelas do Guerreiro por sua estrutura também escalonada, por seus detalhes construtivos e por sua verticalidade. O Guerreiro Alagoano é uma invenção moderna, formulado entre a década de 1920 e 1930. Não há

2. Apropriação em português da expressão latina theatrum mundi, o grande teatro do mundo, que indica intenções cenográficas abrangentes que intencionam sintetizar no palco, de modo alegórico, a complexidade e a diversidade do mundo. 3. Seriam duas casas que se fundem ou uma que se desdobra em duas e multiplica-se em outras tantas?

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registro nas referências bibliográficas específicas de sua existência antes do primeiro quartel do século XX. Tudo indica que se trata de uma encenação festiva urbana, para a qual convergiram elementos vários de outras expressões folclóricas como o Congo (RAMOS, 2007), o Reisado e o Auto dos Caboclinhos (BRANDÃO, 1976; ROCHA, 1977). Sua suíte de cantigas ou “peças” é puxada pelo Mestre e cantada coletivamente, sobre uma base de acordeão, com percussão de pandeiro e zabumba ou tambor. Nessa suíte são intercalados “entremeios” e o trupé, a batida ritmada dos pés no tablado ou no chão, marca o ritmo. Como no Reisado, tradicionalmente os Guerreiros cantam os Pedidos de Abrição de Porta ou de Sede, as peças de Entrada de Sala ou de Sede, a Louvação ao Divino, as Marchas de Ruas e outras peças “amorosas”, “de elogio”, “de época”, “do boi”, além de suas partes típicas, exclusivas, como a da Estrela de Ouro, da Estrela do Norte, da Sereia, do Índio Peri e da Lira. Ao final, o grupo canta sua saída, retirada ou despedida (BRANDÃO, 1976). Ao longo dessa sequência dramática, há lutas de espadas, algumas figuras morrem e ressuscitam, como é característico dos mitos de “sobrevivência” simbólica que marcam passagens como o início de uma estação ou um novo ano (RAMOS, 1951), inaugurando assim, ritualisticamente, um novo espaço e um novo tempo entrelaçados e consagrados. Conforme Abelardo Duarte (1975), a primeira menção ao Guerreiro alagoano teria sido feita por Arthur Ramos (1903-1949), em seu livro “Folk-lore Negro do Brasil: demopsicologia e psicanálise”, editado no Rio de Janeiro pela Casa do Estudante do Brasil, em 1935. Tal

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registro, em meados dos anos 30, referencia inclusive a datação do surgimento desse folguedo, já que não há conhecimento, até o momento, de nenhuma menção na imprensa escrita ou na bibliografia pertinente anterior a meados dos anos 1930. Ramos (2007) inicia sua aproximação ao autos populares que conduzem ao Guerreiro sob a noção de ‘survival’ (TYLOR, 1873). Para o autor, os negros fizeram com os autos “peninsulares, mouriscos e cavalheirescos”, trazidos pelos colonizadores europeus para o Brasil, o que os jesuítas já haviam feito ao adaptar na catequese “autos de sobrevivência medieval”. A essa vertente ibérica, adaptada à colônia, os africanos acrescentaram seus Congos, encenação dramática de “antigas lutas das monarquias e reinos africanos entre si e contra o colono invasor” (p. 30) e “sobrevivências da coroação de monarcas africanos nas terras de origem” (p. 32). Nada mais próximo à experiência histórica dos quilombolas nas Alagoas. O enredo de saudação, lutas, morte e ressureição, as “dramatis personae” do Rei ou “Emperadô”, da Rainha, do Embaixador, das princesas e guerreiros, caracterizam o Congo no Nordeste brasileiro, do início do séc. XVIII, como uma das principais fontes do moderno Guerreiro Alagoano. A tais elementos o sincretismo local adicionou outros mais, como o urso, o lobisomem, a sereia, a borboleta, o zabelê e as “coroas de papelão cobertas de papel pintado e dourado” (PEREIRA DA COSTA apud RAMOS, 2007, p. 72), transformadas em chapéus como ‘catedrais’. Arthur Ramos identifica claramente no Guerreiro indícios de sobrevivência de folguedos africanos que “entremostraram-se assim disfarçados


e irreconhecíveis” (p. 229). Muito embora esses vínculos com a cultura africana tenham sido expressos enfaticamente por Ramos, nos estudos subsequentes, mesmo daqueles seus seguidores mais próximos, as origens africanas foram minimizadas, para não dizer ignoradas 4. Na descrição que faz do Auto dos “Guerreiros”, Ramos apresenta seus personagens e o enredo da “luta entre dois partidos” (RAMOS, 2007, p. 91), mas não faz nenhuma menção aos chapéus com formas arquitetônicas, o que é digno de nota. A história da relação entre o Guerreiro alagoano e a arquitetura é marcada, de saída, por essa ausência sensível logo na origem dos estudos sistemáticos a seu respeito. Théo Brandão (1907-1981) – que já mencionara o Guerreiro em seus estudos sobre “O Reisado Alagoano” (1951) e sobre os “Folguedos Natalinos” (1961) – veio a escrever a primeira monografia sobre o tema (1964) e relata não se lembrar de ter visto o Guerreiro antes da década de 30 (apud DUARTE, 1975). Em meio a divergências quanto à datação e local de origem – alguns associam ao bairro de Bebedouro em Maceió e outros mencionam Viçosa no interior, entre 1927 e 1929, é fato que Arthur Ramos e Théo Brandão foram os pioneiros no estudo do tema, identificaram, descreveram e, assim, valorizaram o Auto, o que mereceu menção de Câmara Cascudo (1898-1986) em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, de 1954, no qual o autor registra seu próprio encantamento com os “chapéus maravilhosos, imitando catedrais” (p. 441).

O problema ou enigma das origens do Guerreiro é singular: trata-se de um folguedo moderno, recente, engendrado em pleno século XX, dentro de um contexto urbano e, mesmo assim, surpreendentemente envolto em imprecisões e dúvidas. Contudo, em termos metodológicos, o exame das origens no sentido geográfico-espacial e cronológico-histórico não deve se filiar à “crença estreita num ponto ou foco inicial de origem [...] mas se considerarmos um foco provável de disseminação inicial para acompanhar as transformações posteriores pela difusão, veremos que são fecundos muitos de seus resultados” (RAMOS, 1951, p. 93), o que é característico das manifestações do imaginário. Tais considerações sugerem que o estudo das origens do Guerreiro amplie sua abrangência, considerando em seu escopo, o estudo da difusão do folguedo, a descrição atual do auto e de seus possíveis desdobramentos, assim como estudos mais aprofundados sobre o contexto alagoano nas primeiras décadas do século XX. Dentre os esforços já realizados, há que se registrar ainda a contribuição de José Maria Tenório Rocha (1977), discípulo de Théo Brandão, a respeito das interações do Guerreiro com o Folclore Alagoano, e as menções ao auto do Guerreiro, feitas no estudo de Tânia de Maya Pedrosa (2000). Duas outras iniciativas recentes devem ser citadas aqui, por contribuírem significativamente com os estudos sobre o assunto: a primeira é o livreto e os CDs intitulados “A parte do Índio Peri do Guerreiro” recolhido e transcrito por Gustavo Quintella (2000). A segunda é a iniciativa da ASFOPAL – Associação dos Folguedos Populares de Alagoas, que lançou recentemente um registro de seus 25 anos de trabalho, com biografias e fotografias dos

4. Mário de Andrade (1893-1945), (apud RAMOS, 2007), aliás, no artigo Os congos, Boletim da Sociedade Filipe d’Oliveira, fev. 1935, p. 38, é um dos raros autores contemporâneos a Ramos a também enfatizar e valorizar as contribuições africanas na formação da cultura e do imaginário brasileiros. Essa mesma exceção deve ser estendida ainda a Roger Bastide (1898-1974).

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principais mestres da cultura popular alagoana (2010), dentre os quais vários mestres de Guerreiro. Quanto à iconografia, em torno de 1943, Marcel Gautherot fotografou vários grupos do Guerreiro Alagoano para o SPHAN, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, inaugurando um corpus documental etnográfico, revelador de uma postura metodológica, que almejava a objetividade científica do registro descritivo, patrimonial, valendose, contudo, da subjetividade e da composição artística do fotógrafo para tanto (SEGALA, 2005). Com formação em arquitetura, Gautherot atentou para a presença de representações arquitetônicas no Guerreiro alagoano. Chapéus como arquiteturas móveis, que lhe possibilitaram uma condição inusitada como fotógrafo. No Guerreiro, as arquiteturas giram sobre a cabeça dos brincantes e bailam em torno do fotógrafo, como uma cidade imaginária em carrossel, invertendo assim a ação habitual do fotógrafo de se movimentar em meio a objetos arquitetônicos estáticos. Os dois temas que receberam atenção especial de Gautherot no Brasil – os tipos humanos e as paisagens construídas pelas atividades humanas – se associam de modo único no Guerreiro: estão em movimento de dança, animados pelo trupé. As imagens produzidas por Marcel Gautherot em Alagoas, expuseram ao Brasil e ao Mundo – no pavilhão brasileiro na Exposição Universal de Bruxelas em 1958 (SEGALA, 2005) – a vitalidade da expressão artística do Guerreiro na qual evidenciava-se visualmente a sobrevivência de formas arcaicas, ibéricas, africanas e bizantinas, no mundo contemporâneo. Atualmente, 185 imagens

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do Guerreiro fotografado por Gautherot estão disponíveis para visualização no site do Instituto Moreira Salles e a análise dessa iconografia permite algumas reflexões estéticas. Comparando as ‘catedrais’ atuais com aquelas fotografadas por Gautherot na primeira metade da década de 1940, há algumas diferenças marcantes. Nas fotografias de Gautherot, as formas das ‘catedrais’ eram mais abstratas, planificadas e com a fachada nivelada, sem destaque para as torres laterais, como estandartes ou muralhas. É possível considerar essa planificação frontal abstrata como uma característica dos chapéus do Reisado que foi transformada e ampliada em escala para o Guerreiro. Essa relação formal ampliada é especialmente visível ao se comparar as dimensões dos chapéus dos Mateus e Palhaços do Guerreiro com os do Reisado. O artifício estético de ampliação dos chapéus é um recurso cenográfico favorável à perfomance do folguedo, pois confere maior altura e visibilidade aos brincantes, distinguindo-os nitidamente do público. Grosso modo, o Guerreiro promoveu uma metamorfose na figuração dos chapéus do Reisado, ampliando-os e operando sobre suas bases abstratas transformações enraizadas no imaginário arquitetônico. Outro conjunto significativo de imagens são as fotografias coloridas feitas pela antropóloga e folclorista norte-americana Katarina Real (19272006), em Maceió, no início dos anos 1960. Tais registros, além de acrescentarem cor à documentação etnográfica do Guerreiro – expondo a policromia e os contrastes nas estampas e nos chapéus – reforçaram as


possibilidades de múltiplos olhares sobre o fenômeno, e a necessidade de estudos acadêmicos sistemáticos a respeito. Atualmente, esse acervo fotográfico está sob a guarda da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife. Nas imagens de Katarina Real, assim como nas de Gautherot, as ‘catedrais’ apresentam-se bastante planas e niveladas, sem destaque para as torres laterais, o que também contrasta substancialmente com a forma das ‘catedrais’ nas últimas décadas. Considerando a iconografia fotográfica mencionada, tudo indica que, a partir dos anos 1960, a estética do plano na construção das ‘catedrais’ do Guerreiro alagoano alterou-se gradualmente e as representações das torres laterais ganharam maior profundidade, destacando-se do frontão central. Percebe-se, então, uma clara divisão tripartida das ‘catedrais’: com duas torres laterais destacadas e um frontão central, predominantemente triangular, configuração que não era evidente na iconografia fotográfica dos anos 1940 e 1960. Essa mesma estética do plano frontal é comum na arquitetura de capelas e igrejas alagoanas. Observase com frequência em Alagoas, de Porto Calvo a Penedo, uma solução compositiva nas arquiteturas religiosas (e também na arquitetura residencial urbana) que privilegia e distingue a fachada principal do corpo da arquitetura, salientando-a como elemento frontal nitidamente destacado do volume do templo, propriamente. Essa frontalidade é especialmente perceptível nas pequenas capelas e igrejas de menor porte. Nas igrejas de maior porte, matrizes e na própria Catedral de Maceió há um alargamento da espessura

desse plano frontal na medida em que se agregam ao frontão duas torres laterais. A progressiva tridimensionalidade das ‘catedrais’ do Guerreiro, documentadas na iconografia fotográfica, encontra certa referência na própria evolução das soluções volumétricas para as fachadas das matrizes e da Catedral metropolitana de Maceió. Assim como as igrejas, os chapéus também ganharam duas torres largas que vieram a definir um tipo, hoje consolidado e predominante, que evidenciou a verticalidade desses modelos arquitetônicos. Delineadas as características fundamentais do Auto e o histórico de estudos e registros iconográficos já realizados a seu respeito, cabe avançar a reflexões interpretativas sobre os fenômenos expostos. REFLEXÕES A constelação de imagens na qual se posicionam as representações da arquitetura no Círio e no Guerreiro Alagoano tem duas fontes elementares das quais derivam suas vertentes principais. A primeira dessas fontes primordiais, arcaica, é a iconografia das Grandes Deusas da Natureza que irá gerar uma vertente específica de figurações da interação corpo femininoarquitetura como oferendas de modelos arquitetônicos em terracota, como em Porodin na Macedônia (c. 5.300 a.C.); em Creta, com os modelos cilíndricos da Deusa Mgua (c. 1300-800 a.C.); em Samos, no Egeu (séc. VIII a.C.); em Idalion, Chipre (séc. VI a.C.) e em vários templetes romanos como o de Garaguso,

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na Magna Grécia (séc. V a.C.). Dessa vertente há uma ramificação de representações de divindades coroadas com arquiteturas, como a iconografia de Cibele no mundo romano com sua corona muralis (séc. V a.C.), as figurações de Horus como criança (séc. III a.C.) e as esculturas de Ártemis Efésia (séc. I). A segunda fonte primordial, mais recente, é a da iconografia próximo-oriental como os portadores egípcios Paneshy (c. 1270 a.C.) e Wahibre (c. 530 a.C.); e o relevo assírio do tributário de Khorsabad (séc. VIII a.C.). Dessa vertente, aparentemente, derivou a iconografia bizantina dos portadores que levam em seus braços modelos arquitetônicos como oferenda ao Cristo ou à Virgem e apresentam-se como interlocutores do projeto divino, partícipes no processo de concepção de ecclesias. Conforme a tradição iconográfica dessa interação específica entre corpo e arquitetura, devotos e tributários costumam se apresentar em cena levando consigo, nas mãos, modelos de arquitetura em ocasiões ofertórias, entretanto, apresentarse publicamente coroado por arquiteturas é uma prerrogativa dos deuses. Em suma, os portadores do Círio e do Guerreiro promovem uma síntese entre as duas fontes históricas mencionadas e desempenham publicamente um duplo papel: apresentam-se como divindidades, designados com corona architecturalis mas, ainda assim, posicionam-se nos ritos e festividades também como devotos apresentando suas arquiteturas em oferenda a divindades conceptivas. Movendo-se nos ritmos dos ritos, promesseiros e brincantes assumem tanto a

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posição divina da concepção projetual de um mundo almejado, quanto a tarefa humana, técnica, tangível, da representação e da construção de arquiteturas e cidades consagradas. O campo da arquitetura é, sem dúvida, muito mais abrangente do que a atividade de arquitetos. Esse campo não se limita à fundamentação, representação, reflexão crítica e produção de objetos arquitetônicos e espaços urbanos. Seus limites imprecisos compreendem todo o conjunto de imagens, o imaginário propriamente, construído por apropriações poéticas do que parece concernente a esse campo e diz respeito a desejos, necessidades, representações e conformações materiais sensíveis e habitáveis. O contínuo tensionamento e investigação de pertinências nesses limites revigoram as reflexões sobre a natureza da arquitetura e suas interações com as ações de imaginar, conceber e habitar. O Círio e o Guerreiro são ritos festivos relacionados justamente à concepção de um mundo consagrado para o qual convergem os desejos dos homens e os desígnios dos deuses. O Círio celebra diretamente a Virgem Maria mãe de Deus, Senhora de Nazaré e o Guerreiro indiretamente, considerando que sua característica natalina celebra primeiramente o nascimento do Cristo Menino Jesus. Contudo, ambos ritualizam ciclos cosmogônicos que (re) originam continuamente um universo pleno de sentidos simbólicos, instaurados na reunião do mundo sensível à transcendência. Nesse contexto, o projeto e a construção da arquitetura – e mais precisamente da casa, do templo-casa –


constituem a intervenção humana por excelência, definidora de um axis mundi capaz de transformar e ressignificar condições naturais preexistentes com vista a um pretenso habitar em harmonia com as transcendências manifestas na natureza. Promesseiros e brincantes projetam sobre suas realidades um mundo consagrado e nessa instância projetiva as representações são recursos indispensáveis à concepção e à comunicação de intenções plásticoespaciais. É nessa ação projetual que se posicionam os modelos arquitetônicos, como forma desejada sensível e como bauopfer, oferendas de construção ou, mais precisamente, oferendas de concepção da construção (ELIADE, 2001). Afinal, construir é conceber um outro mundo artificial, e este há de ser um mundo de arquiteturas, de objetos fabricados pelos homens que, multiplicados, constituem a pólis, enfim. A fatura de representações, imagens ou modelos tridimensionais sensíveis – tangíveis e visíveis a todos – inicia um processo construtivo que almeja uma obra futura. Deseja-se que a concretude obtida no campo analógico das representações, nos modelos em escala reduzida, bidimensionais e especialmente tridimensionais, antecipe e garanta a validade de ações análogas em escala real, em tamanho natural. O que passa a existir em modelo reduzido adentra o campo poética da existência: passa a ser e assim manifesta seu potencial de seguir desdobrando-se, crescendo, até vir a ser uma arquitetura verdadeiramente habitável. O vínculo entre os modelos e o corpo dos portadores – que os forma, transporta e transforma – caracteriza

o campo da imolação indispensável a tal concepção. É necessário entregar uma vida em benefício de outra (DUNDES, 1996). É preciso um sacrifício que anime as arquiteturas, conferindo-lhes uma alma, condição decisiva para sua conformação e perpetuação. O suplício, como entrega e dedicação física e espiritual dos portadores nos ciclos do Círio e do Guerreiro, torna público e sensível tal sacrifício legitimando, assim, a perpetuação de casas e templos nas cidades. Em ambos os casos, a estrutura intermediária, sustentáculo da arquitetura, é o próprio corpo dos portadores que se planta na terra e se cobre das variações e inconstâncias da natureza selvagem. O lugar da arquitetura é, então, o ponto mais alto do corpo, o topo da cabeça, lugar limite entre o céu e a terra, entre a matéria e a transcendência. Ambos os fenômenos conferem, portanto, às representações e à técnica construtiva – em escala reduzida e, por analogia, em escala real – um papel poético central na transformação de uma condição existencial insenciente em uma condição existencial significativa, potencialmente plena, que enraíza e enriquece no tempo e no espaço a ação fundamental de transformar e habitar. Cabe à técnica, nesse âmbito, manifestar no campo simbólico e prático sua natureza ‘virtual’, possibilitadora, sua potência transformadora de realidades na interação desejo/matéria. A técnica que viabiliza a confecção do modelo reduzido pretende, por analogia, garantir a viabilidade da construção na escala real. Com, ou mais frequentemente sem, o apoio de arquitetos. 129


Entretanto, como já advertiu Vitrúvio, há soluções que vistas “em modelo parecem exeqüíveis, mas que ao passarem para a verdadeira grandeza mostram-se impraticáveis.” (POLIÃO, Livro X, XVI, 1999, p. 243). Essa restrição é perfeitamente cabível no âmbito prático da técnica, mas não é cabível no campo do imaginário, quando se apresenta a “casa mágica” (MAUSS, 2013, p. 77). Pois o modelo reduzido como semente é latente, guarda em si a potência mágica de metamorfosear-se e crescer transformando-se conforme uma dinâmica que não é a da técnica, mas a da vida.

sugeridas metamorfoses várias como metáforas da infinitude e da onipresença.

Em um sentido platônico – com o qual tanto Santo Agostinho quanto Lévi-Strauss (1962) concordariam – toda igreja é um modelo reduzido de uma igreja sobrejacente. Afinal, toda obra de arte relacionada a uma realidade maior pode ser tomada como uma representação menor, isto é, um modelo reduzido. Somente como modelo reduzido ‘A Criação’ pode caber no teto da Capela Sistina. Entretanto, além de ser um modelo reduzido, as igrejas promovem uma estética da redução (que alguns denominarão como miniaturização) e esta se multiplica, proliferandose em outros modelos associados: jazigos, altares, sacrários, oratórios, etc. A estética do modelo reduzido está presente em toda a relação formal em torno da igreja. Cada materialização na progressão diminutiva e /ou aumentativa é uma epifania, uma manifestação concreta do divino. O recurso poético de progressiva redução ao limite do sensível e, em sentido contrário, de progressiva ampliação ao limite da superação da arquitetura em direção à abóbada celeste, explora o movimento na máxima amplitude formal, entre o microcosmos e o macrocosmos e, assim, são

Tudo o que se vê ao longe parece pequeno. O pequeno é, então, reconhecido como uma qualidade do que está distante no espaço. A distância reduz em tamanho as coisas postas em profundidade. A casa no horizonte, a igreja longínqua, parecem modelos reduzidos de si mesmos, assim afastados e diminuídos. Essa condição espacial elementar da interação visual com objetos no espaço pode ser deslocada analogicamente para o entendimento de posições e relações no tempo passado e futuro postos em profundidade. Distante e pequeno podem ser também qualidades temporais e o que se encontra distante, em uma posição profunda no tempo-espaço, pode ser representado em escala menor, miniaturizado, também como modelo reduzido.

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As reduções sucessivas multiplicam-se também nos souvenires que oferecem aos turistas em Belém e em Maceió miniaturas das miniaturas, modelos reduzidos dos modelos reduzidos, tais como: minicatedrais dos mestres nos materiais mais variados para os mais diversos fins, pequenos bonecos em palha e miriti dos portadores, pequenos brincantes do Guerreiro em madeira, etc.

Como assunto ‘problemático’ para o campo da cultura e da arquitetura, mais precisamente, o fenômeno dos portadores do Círio e do Guerreiro poderia se integrar a uma contínua ampliação da ‘Problembibliothek’ de Aby Warburg. Tal integração seria plausível justamente pela abrangência imaginária do tema, isto é, por sua capacidade evasiva, sua potência de abrir-se, ampliar-


se e vir a relacionar-se com outras imagens sugerindo, assim, uma constelação móvel, instável, que pode desdobrar-se em inúmeros outros pontos de luz afim e linhas imaginárias interligando pontos distantes entre si no tempo e no espaço. É justamente esse potencial centrífugo que estimula o aprofundamento dos estudos em andamento em Belém e Alagoas, assim como também a sequência de investigações que se delineia hoje. Há que se seguir investigando as interações entre ambos, especialmente as repercussões das representações arquitetônicas do Guerreiro nas origens das manifestações arquitetônicas no Círio. A partir dos pontos de apoio no Círio e no Guerreiro, também demandam estudos a presença de modelos arquitetônicos no Reisado Pernambucano em Recife, no Reisado Paraibano em João Pessoa, assim como também nos ritos ofertórios à Nossa Senhora da Penha, em João Pessoa, na Paraíba. REFERÊNCIAS ALVES, I. O carnaval devoto – um estudo sobre a festa de Nazaré, em Belém. Petrópolis: Vozes, 1980. ARGAN, G.C. A História da Arte. In: História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992. AZEVEDO, J. (coord.). Círios de Nazaré. Belém: Graphitte, 2000. ___________________. Círio de Nazaré: a festa da fé como comunhão solidária – uma análise teológica a partir da concepção de fé de Juan Luis Segundo. Belo Horizonte: FAJE, 2008. Tese (Doutorado). Prog. de Pós-graduação em Teologia, FAJE, BH, 2008.

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Aspects de l’imaginaire et de la représentation de l’architecture du Círio de Nazareth à Belém do Pará et dans le Guerreiro de Alagoas Prof. Artur Rozestraten Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. INTRODUCTION “Existe aí um enorme conjunto de fatos. E fatos que são muito complexos. Neles, tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente social das sociedades que precederam as nossas – até às da proto-história. Nesses fenômenos sociais ‘totais’, como nos propomos a chamá-los, exprimem-se, de uma só vez, as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas, e morais – estas sendo políticas e familiares ao mesmo tempo – ; econômicas – estas supondo formas particulares da produção e consumo, ou melhor, do fornecimento e da distribuição – ; sem contar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e os fenômenos morfológicos que essas instituições manifestam” Marcel Mauss, Ensaio sobre a Dádiva, Programa, 2013 Les rapprochements réalisés autour du phénomène des porteurs de modèles architecturaux dans le Círio de Nazaré à Belém do Pará et dans le Guerreiro de Alagoas à Maceió entre 2010 et 2014 avec l’appui du CNPq1, convergent ici en un assemblage d’images et de réflexions possibles. Au cours de ce chantier scientifique, la photographie et la vidéo ont constitué les principaux moyens de représentations de l’étude des promesseiros du Círio et des brincantes du Guerreiro dans leurs manifestations rituelles et dans leurs interactions avec l’architecture. Le point focal de ces

rapprochements sont les modèles architecturaux, ou autrement dits, les représentations tridimensionnelles d’architectures à échelle réduite, comme des maquettes. Cette approche a demandé l’étude des relations existantes entre les modèles réduits et l’architecture locale, à Belém et Alagoas, en s’attardant sur les caractéristiques spatiales et constructives du lieu, mais aussi plus largement sur les manifestations plastico-spatiales humaines universelles. Durant la procession du matin du premier dimanche d’octobre—apogée des célébrations annuelles du Círio de Notre-Dame de Nazareth dans les rues de Belém—quelques promesseiros portent avec eux, sur leur tête, au cœur d’une foule de deux millions de personnes, des objets aux formes d’architectures à échelle réduite, modèles architecturaux de maisons en prédominance, mais aussi d’églises, de commerces, et d’autres édifications. Dans la mise en scène de l’Auto de la nativité du Guerreiro à Alagoas, ‘maîtres’ et ‘ambassadeurs’ portent des chapeaux en forme d’église à tourelle appelés ‘cathédrales’, et les clowns portent des chapeaux échelonnés comme des ziggourats. Dans les deux cas, les appropriations populaires de formes architecturales traditionnelles redessinées avec grande liberté et fantaisie, de manière inattendue et originale, placent ce sujet dans le champ des représentations de l’imaginaire de l’architecture. Cette recherche s’est employée à observer avec attention les manifestations en question, à recueillir des témoignages de la part des promesseiros et des brincantes, et à construire des représentations photographiques et vidéographiques des architectures de Belém et de Alagoas qui puissent à leur tour mener à des interprétations sur le phénomène du Guerreiro. A partir de ces bases nous avons pu distinguer des aspects singuliers et spécifiques de chaque manifestation et comprendre les interactions éventuelles entre les deux phénomènes, en prenant en compte leurs enracinements culturels et historiques dans l’iconographie des porteurs de modèles architecturaux dans la culture occidentale. L’équipe de chercheurs a donc essayé de construire des chronologies et des généalogies en investiguant les antécédents et les expressions synchroniques, en identifiant à partir de ces points des permanences,

1. Conseil National de Développement Scientifique et Technologique, agence du Ministère de la Science, Technologie et Innovation du Gouvernement Fédéral du Brésil.

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des métamorphoses, des coexistences, des ramifications et des dispersions avec l’intention de mieux comprendre ces représentations d’architecture, leurs articulations dans le domaine de l’imaginaire, et leurs motivations poétiques. Les fondements conceptuels de ces rapprochements ont pour origine la notion de ‘phénomène de longue durée’ de Fernand Braudel (2009), associé à la notion de ‘survivance’ proposée par Edward B. Tylor (1873 ; DIDI-HUBERMAN, 2002), et mis en tension par Aby Warburg (1999) qui forge le terme ‘Pathosformel’. Le mouvement, le geste, et l’interaction du corps avec les modèles architecturaux présents dans le Círio et dans le Guerreiro renouvellent et transforment les motifs artistiques archaïques, antiques et médiévaux, réinventés dans les conditions spécifiques de Belém do Pará et de Alagoas. Cette étude prend aussi appui sur la ‘métaphore de la constellation’ d’images développée par Warburg (2003) et reprise par Durand (1997, 2004), qui y référence la convocation d’images pour la construction d’ensembles iconographiques régis par des relations de similitude, ainsi que par une mise en tension de cette similarité ou analogie aux limites de la dissemblance, de l’inversion des significations, en incluant le caractère proprement symbolique, dynamique, convergent/divergent et évasif/centripète de l’imaginaire. Sont donc à considérer dans cette convocation d’images au delà du motif typique : le contre-type, l’atypique et ses ramifications et dérives plus proches et/ou plus lointaines. On ne recherche pas ici une herméneutique de la révélation qui enfermerait le phénomène dans une supposée (et improbable) interprétation finale. On prétend plutôt constituer un champ visuel de relations entre images à propos desquelles il soit possible de réfléchir, d’expérimenter des rapprochements à caractère interrogatif, exploratoire et spéculatif, en proposant des associations et des repositionnements. On espère ainsi contribuer à la constitution de savoirs sur les caractéristiques singulières de ces manifestations typiquement brésiliennes et élargir ainsi le champ des études relatives aux représentations et à l’imaginaire de l’architecture.

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PROMESSEIROS Le Círio de Nazaré est un cycle de célébrations avec plusieurs jours de rites festifs en hommage à la vierge Marie, Notre Dame de Nazareth, reine d’Amazonie. Il se tient à Belém do Pará depuis 1793. Pendant la principale procession du rite qui a lieu le matin du premier dimanche d’octobre, plusieurs promesseiros intègrent la foule en portant sur leurs têtes des objets en forme de maisons. Fabriqués en miriti –matériel très léger issu de la feuille de palmier buriti, aussi connu sous le nom de « polystyrène d’Amazonie » – en bois, en polystyrène et en divers autres matériaux de fortune, ces modèles architecturaux sont portés en offrande à la Vierge comme promesse ou en remerciement d’une grâce obtenue sous la forme d’ex-voto. L’offrande de modèles architecturaux d’échelle réduite à une divinité féminine, Déesse de la Nature, Potnia Theron, protectrice des animaux, est une coutume archaïque du registre néolithique du sud-est européen, de la vallée du Danube et tout particulièrement au nord des Balkans. Cette coutume s’est diffusée dans la culture grecque et possède comme preuve matérielle les modèles de terre cuite trouvés dans les sanctuaires d’Héra, principalement dans l’île de Samos. Le lien entre les formes architecturales et le corps d’une divinité féminine capable de concevoir a généré des expressions iconographiques telles que les figures d’Artémis d’Éphèse et sa couronne muralis et s’est postérieurement ramifié dans les figurations de Cybèle Imperial Romana, elle aussi couronné d’architectures. Dans le monde chrétien, Marie est la Magna Mater, Theotokos, latinisée comme Generatrix dei, Mater dei, et l’iconographie de la Vierge recevant des modèles architecturaux en offrande est prolifique, en particulier à compter de la moitié du VIe siècle. La mosaïque du vestibule de l’entrée sud de Hagia Sophia à Istanbul, dans laquelle les empereurs Justinien et Constantin aparaissent en tant que porteurs offrant respectivement, un modèle de l’église même de Hagia Sophia, et un modèle de la cité fortifié de Constantinople à la Vierge à l’enfant, assise sur son trône de Cybèle, est l’une des représentations les plus connues de ce phénomène. Au cours du Círio de Nazareth, les porteurs byzantins prennent vie dans la foule et se présentent publiquement durant le rite d’offrande, rendant évident la survivance d’un pathos-formel similaire.


Les prises photographiques et vidéographiques sur site permettent aujourd’hui un rapprochement entre le visuel contemporain des promesseiros et leurs ex-votos, leur gestuelle ainsi que leur participation individuelle et collective dans ce rite. Cependant, la construction de perspectives historiques d’après ce phénomène a requis d’autres études iconographiques complémentaires à partir des fonds de Belém. Les premières images du Círio datent de gravures du dernier quart du 19e siècle. Ces représentations montrent le ‘fleuve humain’ de la procession avec en tête le char de feux d’artifices suivie d’anges portant des étendards, puis de Don Fuas Roupinho, la chaloupe du brick de Saint Jean-Baptiste et de la multitude des croyants. Par ailleurs, le char de feux d’artifices avec sa représentation de tour à créneaux est le premier modèle architectural à se produire dans l’histoire du Círio à Belém avant même la berline qui protège l’image de la Vierge de Nazareth et qui manifeste aussi des formes architecturales. Les cartes postales du Círio datant des premières décennies du XXe siècle, inaugurent la documentation photographique du rite, et diffusent les festivités en dehors de Belém. A partir des années 1930, on voit l’occurrence de nombreuses images du Círio, parmi lesquelles se démarquent celles des fonds Artur Vianna (1931), des Albums du Círio (936-1949) et des fonds Vicente Salles (1954, 1963 et la décennie de 1960). La documentation du Círio en vidéo peut être retracée à partir des années 1950, bien que les images en mouvement les plus diffusées datent de 1970. La première hypothèse formulée dans l’étude des promesseiros du Círio suppose qu’étant donné le contexte de rite offertoire à une divinité féminine génératrice dans lequel on constate la pratique d’offrandes de modèles architecturaux, de tels objets devraient être présents à Belém depuis les origines des célébrations de la Reine d’Amazonie. Cependant, l’analyse de l’iconographie du Círio n’a pas confirmé cette hypothèse. Ce qu’il a été possible de vérifier est que les modèles architecturaux étaient absents des collections d’images photographiques des processions du Círio jusqu’aux années 1970. Mais comment

expliquer une telle absence ? Et comment justifier sa subite apparition si récemment datée ? L’hypothèse propose donc une relation synchronique entre ce phénomène et le déficit en logement de la région métropolitaine de Belém, conséquence d’une croissance urbaine accélérée exempte de sa nécessaire planification, fait commun dans les villes brésiliennes. A partir des années 1970, face à la difficulté grandissante d’habiter la capitale du Pará, l’appel spontané et collectif de la population la plus pauvre à la transcendance, s’est servie de représentations traditionnelles de la maison miniaturisée qu’elle a exposées sur la scène publique de la procession dominicale du Círio. Par ailleurs, ces représentations de modèles réduits étaient déjà présentes dans la culture artisanale de miriti produit à Abaetuba dans le Parà, mais avec d’autres fonctions sociales : en tant que jouet et objet ornemental. De manière non coordonnée, spontanée et collective, les modèles réduits en forme de maison furent déplacés vers un autre champ sémantique : celui de l’imaginaire de la conception de l’architecture. Un tel déplacement a ouvert la voie à d’autres modèles réduits—bateaux, automobiles, motocyclette, etc— aujourd’hui présents lors de la procession, de part leur nature similaire d’objets artificiels, techniques, et anthropiques. Au cours de ces dernières décennies, les significations associées aux modèles architecturaux se sont largement amplifiées, au delà de la seule conquête/construction de la maison, et acquirent une vaste gamme de significations relatives à l’habiter. En tant qu’objet votif le modèle architecturaux admet dans le Círio d’aujourd’hui des relations directes avec la construction—tel que l’achat d’un terrain, une réforme, un agrandissement, etc—, de même que des relations existentielles indirectes centrées sur la maison : la naissance d’un enfant, un nouveau mariage dans la famille, un changement d’adresse, de désir d’une harmonie familiale, etc. Il y a aujourd’hui dans l’aspect de ces maisons offertes à la Vierge, toute une diversité de formes architecturales venues de la production d’habitations dans la région métropolitaine de Belém. Les modèles d’habitations unifamiliales référencées dans l’idéal de l’architecture ri-

2. Brique de Baia.

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veraine—maison isolée, faite de bois, multicolore, percée de fenêtres aux quatre vents—prédominent toujours, mais il est de plus en plus commun de voir des représentations de maisons pourvues de deux pignons aveugles latéraux sur d’étroites parcelles, de même qu’est croissante l’incidence de représentation de bâtiments élevés en lieu de maison. De nombreux promesseiros acquièrent leurs offrandes auprès d’artisans qui travaillent le miriti ou le bois. D’autres achètent leurs modèles auprès d’ambulants qui revendent une production manufacturée en paraffine modelée de maison à plan carré, avec un toit à quatre pentes. Pars pro toto, certains promesseiros portent simplement une brique creuse appelée ‘tijolo baiano’ 2. Cette option est généralement relative à l’emprunt d’une altération du système constructif en bois—qui est traditionnel dans l’architecture riveraine d’Amazonie mais qui peut s’avérer très précaire dans les favelas en palafittes—vers un système de maçonnerie. Une partie considérable des promesseiros contruit encore elle-même ses modèles, individuellement ou en famille, en se servant de divers matériaux d’occasion. Le musée de la maison de Placide et le musée du Círio de Nazareth possèdent dans leurs collections des exemples significatifs de la diversité de solutions techniques et formelles employées par les promesseiros lors de la confection de leurs modèles. En 2006 l’IPHAN a publié un dossier sur le Círio de Nazareth afin d’enregistrer et de faire l’inventaire du cycle de dévotion à la Vierge. Cette publication fait état des aspects historiques de la célébration, décrit les différentes étapes de la fête, met en évidences les ambiguïtés entre son caractère profane et son caractère religieux, présente des cartes des divers parcours déjà empruntés par la procession, et apporte une organisation importante des références bibliographiques existantes sur le sujet. Malgré la qualité de ce travail, la lacune concernant l’identification d’une expression singulière des promesseiros et de leur architecture portable, est nette. L’étude systématique du Círio est récente, bien que certaines études ponctuelles aient déjà été faites durant les premières décennies du XXe, comme celle d’Artur Vianna en 1904, et celle de Manuel Barata en 1921. 138

3. « Grande Encyclopédie de l’Amazonie » 4. Centre des Hautes Études Amazoniennes

On peut dire que la production systématique d’études sur ce thème s’organise seulement à partir de la décennie de 1960. L’étude du géographe Eidorfe Moreira de 1971 inaugure la focalisation des sciences sociales sur le phénomène du Círio, et explore les interactions territoriales, politiques et sociales. Durant la décennie suivante, le journaliste Carlos Rocque a composé une synthèse pertinente publiée en 1981 sur l’histoire de la fête, développement d’un thème particulier à l’intérieur de son projet « Grande Enciclopédia da Amazonia »3 , qui fut publié en 1968. On note également qu’à partir des années 1970, Rocque se dédiera à l’étude du Círio, puisqu’il publie en 1974, dans le journal « A Provincia do Pará », un cahier spécial incluant une approche préliminaire à l’histoire de cette manifestation. Par ailleurs, les journaux et les revues continuent à tenir un rôle important dans l’organisation et la diffusion d’informations relatives au Círio, à l’image de l’influence actuelle des journaux télévisés et des principaux diffuseurs de la presse écrite de Belém, tel que Diario do Pará, O Liberal, et O Paraense. L’importance de ce média, les interactions entre la presse et le Círio furent d’ailleurs étudiées par Heraldo Montarroyos au début des années 1990. A partir de la moitié des années 1990, les études de l’anthropologue Raymundo Heraldo Maués (1995, 1999, 2000), professeur émérite de l’UFPA (Université Fédérale du Pará), se focalisèrent sur l’analyse des festivités consacrées à la Vierge de Nazareth, à travers le prisme de l’anthropologie des religions, des mythes et de l’imaginaire. Dans le cadre des approches anthropologiques et théologiques dont les diverses démarches suggèrent la multiplicité des regards possibles sur ce sujet, on se doit de faire mention de la publication « Círios de Nazaré », organisée par Josimar Azevedo en 2000. On citera aussi la publication « Cultura Amazônica: uma cultura do imaginário » (2001) dans laquelle sont réunies les études de Joao de Jesus Paes Loureiro sur les grandes processions fluviales de la région — c’est à dire, le Círio de Nossa Senhora de Nazaré à Belém, celui de Nossa Senhora de Santana à Óbidos, et de Santo Antônio à Oriximiná. Paes Loureiro


analyse aussi la production artisanale de modèles en miriti, dénommés « jouets de miriti »., fabriqués à l’époque du Círio spécifiquement dans la municipalité d’Abaetetuba, localisée à environ 60 kilomètres de la capitale du Pará. En 2005, le professeur Silvio Figueiredo de l’UFPA, a organisé une publication intitulée « Círio de Nazaré: festa e paixão», dans laquelle la superposition des aspects profanes et sacrés de la fête est analysée sous des perspectives qui soulèvent des questions politiques, commerciales, organisationnelles, touristiques et symboliques. Au cours de ces dernières années certaines recherches académiques se sont dédiées à l’étude de ce thème comme c’est le cas des dissertations de maîtrise de Vandora Pantoja (2006) qui étudie les interactions entre le marché et l’église, de IIdimar Viana Assunçao (2012) qui se concentre sur le discours religieux, et de Vera Lucia martins Figueiredo (2013), dédiée à l’étude des scenarios dévotionnels du Círio et ses manifestations spatiales. Il faut encore faire mention de la thèse de doctorat de Josimar Azevedo (2008), consacrée à la question théologique de la foi, et les études coordonnées par le professeur Francisco de Assis Costa (2008) en collaboration avec l’NAEA4-UFPA sur les relations entre économie et foi, perceptibles lors du Círio contemporain. Toutes ces études antérieures ont apporté leur contribution dans l’étude phénomène du Círio proposée ici, et c’est justement à partir de cadre référentiel que l’on peut identifier avec clarté la contribution spécifique de cette recherche inscrite dans le domaine des représentation et de l’imaginaire de l’architecture, qui se consacre à l’étude des modèles architecturaux des promesseiros, en investiguant leurs interactions avec le corps, avec la gestuelle, et la performance pour reconnaître ainsi ses caractéristiques sui generis.

GUERREIRO Le folguedo du Guerreiro de Alagoas est quant à lui un rite qui célèbre la naissance de l’enfant Jésus et qui implique la performance d’un groupe organisé souvent issu d’une même famille, qui costumé et entrainé joue un Auto.

Entre la mi-décembre et le Dia de Reis (fête chrétienne célébrée le 6 janvier), le Guerreiro instaure une rupture rituelle du cours du temps consacré au « travail » et ouvre sur un autre temps consacré au «jeu» en commémoration à la Nativité. Le Guerreiro peut être présenté comme un corps collectif qui s’érige en une dance-lutte primordiale entre les forces du bien et du mal, et en un «théâtre du monde» où le passage par l’obscurité de la nuit se fait à travers l’affrontement de monstres, de sa propre mort, assurant ainsi la perpétuelle résurrection de la vie. S’y trouvent mis en scène des ‘maîtres’, ‘contremaîtres’, ‘ambassadeurs’, ‘reines’, ‘clowns’, ‘la lyre’, ‘l’indien Peri’, ‘l’étoile brillante’, ‘l’étoile d’or’, ‘la sirène’, ‘le Zabêle’, ‘le loup garou’, etc. Les paroles des chants rassemblent encore d’autres entités appartenant à l’ensemble du rite, et restent ouvertes à l’improvisation : les saints, la vierge, les allemands, les tue-mouches, la capitale de Maceió, les politiciens et personnalités locales, etc. La musique, la danse, les cantiques, les « paroles magiques », les couleurs, les accessoires, les épées sont des éléments indispensables à la traversée de la nuit par les figurants, entre le coucher et le lever du soleil, munis de lumière et de chaleur. Le Guerreiro doit être protégé de l’absence de lumière, de la peur et de l’appréhension de la mort qui réside dans les ténèbres, par des grelots, des bandelettes colorées, des miroirs, des tissus imprimés, et des perles. Les architectures composent aussi ce «théâtre-monde» 5. Des églises—dites cathédrales—des ziggourats et des maisons figurent sur des chapeaux ornementés. Se construit ainsi un paysage commun au monde des dieux et au monde des hommes : les temple-maisons. La transformation de ces modèles architecturaux en chapeaux est commode pour celui qui danse. Les mains restent libres pour porter des épées, jouer le pandeiro 6, tourner en équilibre et frapper dans ses mains. Le corps et l’architecture composent un seul corps élancé qui danse. C’est ainsi que se définit le motif artistique typique du Guerreiro de Alagoas : un corps dansant qui soutient en hauteur, une maison sur sa tête. La maison est en somme une thématique de fond de toute la

5. Appropriation de l’expression latine theatrum mundi, le grand théâtre du monde, qui indique des intention scénographiques larges visant à synthétiser sur l’estrade et de manière allégorique, la complexité et la diversité du monde. 6. Sorte de tambourin.

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construction humaine. On peut dire que c’est bien elle, le thème fondamental de l’architecture. Sur les chapeaux de maîtres, et d’ambassadeurs du Guerreiro, deux maisons s’articulent et s’alternent au rythme du folguedo. D’un côté, le temple-maison collectif de l’assemblée—l’ecclesia—, de l’autre, la maison individuelle ou de famille, cette maison étant le petit noyau, plus occulte et plus véritablement tridimensionnelle, comme protégée par la façade muraille de l’église. Rattachées et unies, toutes deux constituent l’unité de la ‘cathédrale’. Dans la mesure ou les chapeaux tournent, les ‘maîtres’ suggèrent que n’importe quelle maison peut se changer en temple ; chaque temple est en fait une maison ; et au sein de ce cycle continu de métamorphoses dansent et cohabitent les hommes, ils sont comme leurs dieux : créateurs d’un monde. Quant aux ziggourats présentes sur les chapeaux des clowns, ce sont des structures très synthétiques et géométriques comme des volumes rectangulaires échelonnés, dont le plan est à peu près carré, ce qui lui confère une profondeur équivalente à sa largeur. Le caractère architectonique est également présent dans les couronnes des reines et des étoiles du Guerreiro par leur structure échelonnée, par ses détails constructifs et sa verticalité. Le Guerreiro de Alagoas est une invention moderne qui a pris corps entre les années 1920 et 1930. Il n’y a pas de registre dans les références bibliographiques spécifiques, de son existence avant le premier quart du XXe siècle. Tout indique qu’il s’agit d’une mise en scène urbaine festive vers laquelle ont convergé des éléments variés d’autres expressions folkloriques comme le Congo7 (RAMOS, 2007), le Reisado et l’Auto des Caboclinhos (BRANDAO, 1976 ; ROCHA, 1977). Sa succession de cantiques ou «pièces » est mené par le ‘maître’ et chanté collectivement sur une base d’accordéon, avec des percussions de pandeiro et zabumba ou tambour. Des « intermèdes» sont intercalés dans cette suite, et le trupé, battement rythmé des pieds sur la scène ou le sol, marque le rythme. En addition des parties spécifique du Guerreiro comme celle de l’étoile d’or, ou de l’étoile du nord, de la sirène, de l’indien Peri, et de 140

la lyre, les guerriers entonnent des chants traditionnels que l’on trouve dans le Reisado : ‘les demandes d’ouverture de porte’ ou ‘de siège’, les ‘pièces d’entrée de salon’ ou ‘de siège’, l’éloge au divin, les marches de rue et autres pièces « amoureuses », « d’éloge », « d’époque », « du bœuf » . Pour finir, le groupe chante sa sortie, sa retraite ou son salut (BRANDAO, 1976). Tout au long de cette séquence dramatique, il y a des combats d’épées, certaines figures meurent puis ressuscitent, comme cela est caractéristique des mythes de « survie » symbolique qui marquent des passages comme le commencement d’une saison, ou d’un nouvel an (Ramos, 1951), inaugurant ainsi de façon rituelle, un nouvel espace et un nouveau temps entrelacés et consacrés. D’après Abelardo Duarte (1975), la première mention du Guerreiro de Alagoas a du être fait par Arthur Ramos (1903-1949), dans son livre « Folk-lore Negro do Brésil, demopsycologia e psicanalise », édité à Rio de Janeiro par la Maison de l’Etudiant du Brésil en 1935. Cette archive des années 30, répertorie par ailleurs la datation de l’avènement de ce folguedo, puisqu’il n’y en a jusque là, aucune autre mention dans la presse écrite ou dans une bibliographie antérieur pertinente antérieure aux années 30. Ramos (2007) initie son étude des pièces populaires qui conduisent au Guerreiro à partir de la notion de survie (Tylor, 1873). Pour l’auteur, les noirs firent avec les mises en scènes « péninsulaires, mauresques, et cavalières » apportées par les colons européens jusqu’au Brésil, ce que les jésuites avaient fait en adaptant au catéchèse « les autos de survie médiévaux ». A cette déclinaison ibérique adaptée à la colonie, les africains y ajoutèrent leurs Congos, mises en scènes dramatiques de « luttes anciennes de monarchies et règnes africains entre eux et contre le colon envahisseur » (p.30) et « de survivances du couronnement de monarques africains dans les terres d’origine » (p.32). Il n’y a rien qui soit plus proche de l’expérience des quilombolas8 dans l’état de Alagoas. Les intrigues de salut, de luttes, de mort et de résurrection, les « dramatis personae » du roi ou de ‘l’empereur’, de la ‘reine’, de ‘l’ambassadeur’, des ‘princesses’ et des ‘guerriers’, caractérisent le Congo du Nordeste brésilien au début du 18e siècle comme l’une des principales sources du Guerreiro de Alagoas. A ces éléments, le syncrétisme local en a additionné d’autres encore, tel que

7. Le Congo est une expression folklorique apportée par les esclaves africains au Brésil dans la période coloniale. 8. Terme désignant les esclaves échappés qui après avoir fui rejoignaient des communautés installées dans des repères cachés appelées Quilombos.


l’ours, le loup garou, la sirène, le papillon, le Zabelê et les « couronnes de carton couvertes de papier peint et doré » (PEREIRA DA COSTA apud RAMOS, 2007, p.72) transformées en chapeaux qui sont comme des « cathédrales ». Arthur Ramos identifie clairement dans le Guerreiro, des indices de survivance des folguedos africains qui «se montraient avec parcimonie ainsi déguisés et méconnaissables» [notre traduction] (p.229). Bien que ces liens avec la culture africaine aient été exprimés avec emphase par Ramos, dans les études subséquentes, même parmi ses plus proches légataires, les origines africaines furent minimisées pour ne pas dire ignorées. Dans la description que Ramos fait de l’Auto des « Guerreiros », l’auteur présente ses personnages et l’intrigue de « la lutte entre les deux partis » (Ramos, 2007, p.91) mais il ne fait aucune mention des chapeaux aux formes architecturales, qui méritent une attention particulière. L’histoire de la relation entre le Guerreiro de Alagoas et l’architecture est marquée par cette absence, notable dès l’émergence d’études systématiques à son sujet. Théo Brandao (1907-1981), – qui mentionne déjà le Guerreiro dans ses études sur « O Reisado Alagoano » (2007) publié à l’origine en 1951, et sur les «Folguedos Natalinos» (2003), publiés pour la première fois en 1961—, écrivit sa première monographie sur le sujet (1976) en 1964, et raconte ne pas se souvenir d’avoir vu de Guerreiro avant les années 30 (apud DUARTE, 1975). Parmi les divergences quant à la datation et la localisation d’origine – certains l’associent au quartier de Bebedouro à Maceió, et d’autres font mention de Viçosa dans l’intérieur du pays, entre 1927 et 1929 — le fait est qu’Arthur Ramos et Théo Brandao furent pionniers dans l’étude de ce thème. Ils identifièrent, décrivirent et valorisèrent ainsi l’Auto, dont il fut fait mention par Camara Cascudo (1898-1986) dans son dictionnaire du folklore brésilien de 1954, dans lequel l’auteur archive son propre

enchantement quant aux « merveilleux chapeaux imitant des cathédrales » (p. 441). Le problème, ou le mystère de l’origine du Guerreiro est singulier : il s’agit d’un folguedo moderne, récent, engendré en plein 20e siècle dans un contexte urbain, et même ainsi, il est de façon surprenante entouré d’imprécisions et de doutes. Toutefois, en termes méthodologiques, l’examen des origines d’un point de vue géographicospatial et chronologico-historique, ne doit pas se rattacher à la « croyance étroite d’un point ou d’un foyer initial de l’origine [...] mais si l’on considère un foyer probable de dissémination initial pour accompagner les transformations postérieures par la diffusion, on verra combien sont féconds nombre de ses résultats » (Ramos, 1951, p.93), ce qui est caractéristique des manifestations de l’imaginaire. De telles considérations suggèrent que l’étude des origines du Guerreiro ouvre son champ à l’étude de la diffusion du folguedo, à la description actuelle de la pièce et de ses possibles variations, ainsi qu’à des études plus approfondies sur le contexte de Alagoas dans les premières décennies du 20e siècle. Parmi les efforts déjà réalisés, il convient également de citer la contribution de José Maria Tenorio Roch (1977), disciple de Théo Brandao, à propos des interactions entre le Guerreiro et le folklore de Alagoas, ainsi que les mentions faites à l’Auto du Guerreiro par Tânia de Maya Pedrosa (2000). Deux autres initiatives récentes doivent être citées ici, car elles contribuent significativement avec leurs études sur le sujet ; la première est un livret et des Cds intitulés « A parte do Índio Peri do Guerreiro » recueilli et transcrit par Gustavo Quintella (2000). Le deuxième est une initiative de l’ASFOPAL – Association des Folguedos Populaires de Alagoas, qui a lancé récemment un enregistrement de ses 25 années de travail incluant des biographies et des photographies des principaux maîtres de la culture d’Alagoas (NOVAES, 2010) parmi lesquelles on compte de nombreux maîtres de Guerreiro. Quant à l’iconographie, aux alentours de 1943, le photographe français Marcel Gautherot (1910-1996) a mis en mémoire de 141


nombreux groupes du Guerreiro de Alagoas pour le SPHAN, Service du Patrimoine Historique et Artistique National, en inaugurant un corpus documentaire ethnographique révélateur d’une posture méthodologique qui tendait vers l’objectivité scientifique du registre descriptif, patrimonial ; en utilisant toutefois à cet effet la subjectivité et la composition artistique du photographe (Segala, 2005; Peralta, 2007). Formé en architecture, Gautherot a pris en compte la présence de représentations architecturales dans le Guerreiro de Alagoas. Les chapeaux comme architecture mobile attribuèrent au photographe une condition inhabituelle : pendant le Guerreiro, les architectures tournent sur la tête des brincantes et dansent autour du photographe comme une cité imaginaire sur un manège, en inversant ainsi la position usuelle du photographe qui se déplace entre des objets architecturaux statiques. Les deux thèmes qui reçurent une attention particulière de Gautherot au Brésil – les types humains et les paysages construits par les activités humaines –s’associent de manière unique dans le Guerreiro: ils sont en mouvement de danse, animés par le trupé. Les images produites par Marcel Gautherot à Alagoas exposèrent au Brésil et au monde, notamment dans le pavillon brésilien de l’exposition universelle de Bruxelles en 1958 (SEGALA, 2005) la vitalité de l’expression artistique du Guerreiro dans laquelle se révèle visuellement la survie de formes archaïques, ibériques, africaines et byzantines, dans le monde contemporain. Actuellement, 185 images du Guerreiro photographié par Gautherot peuvent être visualisées sur le site de l’institut Moreira Salles et l’analyse de cette iconographie permet quelques réflexions esthétiques qui seront ici esquissées. Lorsque l’on compare les cathédrales actuelles à celles photographiées par Gautherot durant première moitié des années 1940, on trouve des différences significatives. Dans les images de Gautherot, les formes de cathédrales étaient aplanies, avec une façade nivelée, sans projection ni saillie pour les tours latérales, ni pour étendards ou les murailles. On peut considérer cet aplatissement frontal absolu comme la caractéristique des chapeaux du Reisado qui a été transformée et 9. Personnage qui incarne un domestique turbulent et farceur.

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amplifiée à l’échelle du Guerreiro. Cette relation formelle amplifiée est particulièrement visible lorsque l’on compare les chapeaux des Mateus9 et des clowns du Guerreiro avec ceux du Reisado. Les artifices esthétiques d’amplification des chapeaux sont un recours scénographique favorable à la performance du folguedo puisqu’il confère une plus grande stature et une meilleure visibilité aux brincantes en les distinguant clairement du public. Le Guerreiro a donc permis une métamorphose de la figuration des coiffes du Reisado en leur donnant plus d’envergure et en opérant sur elles des transformations enracinées dans l’imaginaire architectural. Un autre ensemble significatif d’images sont les photographies en couleur faites par l’anthropologue et folkloriste américaine Katarina Real (1927-2006), à Maceió au début des années 1960. Plus qu’ajouter de la couleur à la documentation ethnographique du Guerreiro –exposant la polychromie et le contraste dans les motifs et les chapeaux—, ces répertoires renforcèrent les possibilités de regards multiples sur le phénomène, et la nécessité d’études académiques systématique sur le sujet. Actuellement, ce fond photographique est sous la garde de la fondation Joaquim Nabuco à Recife. Dans les images de Katarina Real, ainsi que dans celles de Gautherot, les cathédrales apparaissent très planes et nivelées, sans distinction pour les tours latérales, se plaçant substantiellement en contraste avec la forme des cathédrales des dernières décennies. Si l’on considère l’iconographie photographique mentionnée, tout indique qu’à partir des années 1960, l’esthétique du plan dans la construction des ‘cathédrales’ du Guerreiro de Alagoas s’est graduellement altéré et les représentations de tours latérales ont gagné plus de profondeur, se démarquant du fronton central. On perçoit alors une vision tripartite claire des ‘cathédrales’ : deux tours latérales affirmées et un fronton central principalement triangulaire, configuration qui n’était pas évidente dans l’iconographie des années 1940 et 1960. Cette même esthétique du plan frontal est commune dans l’architecture des chapelles et des églises d’Alagoas. On trouve fréquemment, à Alagoas, de Porto Calvo à Penedo, des architectures religieuses (et aussi dans l’architecture urbaine résidentielle) dont


la composition privilégie et distingue la façade principale du corps de l’architecture, en la mettant en saillie en tant qu’élément frontal clairement démarqué du volume du temple. Cette frontalité est particulièrement perceptible dans les petites chapelles et églises plus modestes. Dans les églises de plus grande envergure, églises matrices, et dans la cathédrale même de Maceió il y a un élargissement de l’épaisseur de ce plan frontal dans la mesure ou les deux tours latérales s’agrègent au fronton. La tridimensionnalité progressivement acquise des « cathédrales » du Guerreiro documentées dans l’iconographie photographique fait écho à l’évolution même des solutions volumétriques des façades des matrices et de la cathédrale métropolitaine de Maceió. De même que pour les églises, les chapeaux ont aussi acquis deux larges tours qui vinrent définir un type, aujourd’hui consolidé et prédominant, et qui a mis en évidence la verticalité de ces modèles architecturaux. Un fois définies les caractéristiques fondamentales de l’Auto et l’historique des études et des enregistrements iconographiques déjà réalisés à ce sujet, il convient de progresser vers des réflexions interprétatives sur les phénomènes exposés.

REFLEXIONS La constellation d’images dans laquelle s’inscrivent les représentations de l’architecture du Círio et du Guerreiro de Alagoas ont deux sources élémentaires desquelles dérivent leurs tendances principales. La première de ces sources primordiales, archaïque, est l’iconographie des grandes déesses de la nature qui va générer une tendance figurative particulière des interactions corps féminin-architecture, à l’instar des offrandes de modèles architecturaux en terre cuite à Porodin en Macédoine (c. 5300 a.C.) ; en Crête, avec les modèles cylindriques de la déesse Mgua (c. 1300-800 a.C.) ; à Samos, en Egée (VIII siècle a.C.) ; à Idalion, Chypre (VI siècle a.C.) et dans de nombreux petits temples romains comme celui de Garaguso dans la Grande Grèce (V siècle a.C.). De cette tendance surgie une ramification de représentations

de divinités couronnées d’architectures, comme l’iconographie de Cybèle dans le monde romain avec sa couronnes muralis (V siècle a.C.), les figurations d’Horus enfant (III siècle a.C.), et les sculptures d’Artémis Efésia (I siècle). La deuxième source primordiale, plus récente, est l’iconographie du Proche-Orient tels que les porteurs egyptiens Paneshy (c. 1270 a.C.) et Wahibre (c. 530 a.C.) ; et le relief assyrien du tributaire de Khorsabad (VIII siècle a.C.). De cette tendance, a apparemment dérivé l’iconographie byzantine des porteurs qui amène dans leur bras des modèles architecturaux comme offrande au Christ ou à la Vierge et se présentent en tant qu’interlocuteurs du projet divin, participants dans le processus de conception de l’ecclésia. Conformément à la tradition iconographique de cette interaction spécifique entre le corps et l’architecture, les dévots et les tributaires ont pour coutume de se présenter en scène apportant dans leurs mains, des modèles d’architecture lors d’occasions offertoires. Toutefois se présenter publiquement couronné d’architectures est une prérogative des dieux. Pour résumer, les porteurs du Círio et du Guerreiro favorisent une synthèse entre les deux sources historiques mentionnées et jouent publiquement un double rôle : ils se présentent en tant que divinités désignés par leur couronne architecturalis, néanmoins ils se placent également dans les rites et festivités en tant que dévots présentant leurs architectures en offrande à des divinités de conception. En se déplaçant au rythme des rites, les promesseiros et les brincantes assument aussi bien la condition divine de la conception d’un monde désiré, que celle du devoir humain, technique, tangible de la représentation et de la construction d’architectures et de cités consacrées. Le Círio et le Guerreiro sont des rites festifs justement en relation avec un monde consacré vers lequel convergent les désirs des hommes et les dessins des dieux. Le Círio célèbre directement la Vierge Marie mère de Dieu, Notre-Dame de Nazareth et le Guerreiro indirectement, si l’on conçoit qu’à travers son rapport à la nativité, il célèbre avant tout la naissance de l’enfant Jésus. Cependant, tous deux ritualisent des cycles cosmogoniques qui (ré)originent continuellement un

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univers plein de significations symboliques, instaurées dans la réunion entre le monde sensible et la transcendance. Dans ce contexte, le projet et la construction de l’architecture—et plus précisément de la maison, du temple-maison—constituent l’intervention humaine par excellence, déterminatrice d’un axis mundi capable de transformer et de re-signifier les conditions naturelles préexistantes, dans l’idée de prétendre à un habiter en harmonie avec les transcendances manifestes de la nature. Promesseiros et brincantes projettent sur leurs réalités un monde consacré et dans cette instance projective, les représentations sont les recours indispensables à la conception et à la communication des intentions plastico-spatiales. C’est dans cette action que se positionnent les modèles architecturaux comme forme désirée sensible et comme Bauopfer, offrande de construction ou, plus précisément, offrande de conception de construction (ELLIADE 2001). Finalement, construire c’est concevoir au autre monde artificiel, et celui-ci se doit d’être un monde d’architectures, d’objets fabriqués par les hommes, qui multipliés constituent enfin la polis. La facture des représentations, images ou modèles tridimensionnels sensibles—tangibles et visibles à tous—initie un processus constructif qui ambitionne une œuvre future. On souhaite que la concrétude obtenue dans le champ analogique des représentations, dans les modèles à échelle réduite, bidimensionnels, et spécialement tridimensionnels, anticipe et garantie la validité d’actions analogues à échelle réelle, de taille naturelle. Ce qui vient à exister en modèle réduit entre dans le champ poétique de l’existence : il advient, et manifeste ainsi sa potentialité à se poursuivre en ramifications, en croissant, jusqu’à devenir une architecture véritablement habitable. Le lien entre les modèles et le corps des porteurs—qui les forment, les transportent, les transforment—caractérise le domaines de l’immolation, indispensable à une telle conception. Il est nécessaire de livrer une vie au bénéfice d’un autre (DUNDES, 1996). Il faut un sacrifice qui anime les architectures, qui lui confère une âme, condition décisive pour sa conformation et sa perpétuation. Le supplice comme reddition et dévouement physique et spirituel des porteurs au cours des cycles du Círio et du Guerreiro, rend public 144

et sensible un tel sacrifice, légitimant ainsi la perpétuation de ces maisons et temples dans les villes. Dans les deux cas, la structure intermédiaire, le socle de l’architecture, sont le corps même des porteurs, qui se plante dans la terre, et se couvre des variations inconstantes de la nature sauvage. Le lieu de l’architecture est alors le point le plus haut du corps, le haut de la tête, l’endroit limite entre le ciel et la terre, entre la matière et la transcendance. Les deux phénomènes confèrent toutefois aux représentations et à la technique constructive—à échelle réduite, et par analogie à l’échelle réelle—un rôle poétique central dans la transformation d’une condition existentielle insensible en une condition humaine significative, potentiellement pleine, qui enracine et enrichit dans le temps et l’espace l’action fondamentale de transformer et d’habiter. Pour ce faire, c’est à la technique qu’il échoit de manifester dans le champ symbolique sa nature virtuelle, qui rend possible, son pouvoir de transformation de réalités dans l’interaction entre le désir et la matière. La technique qui viabilise la confection du modèle réduit, prétend par analogie garantir la viabilité de la construction à l’échelle réelle. Avec, ou plus fréquemment sans, l’appui des architectes. Quant aux réductions à l’échelle de modèles, Vitruve observait déjà que certaines solution envisagées « en modèle semblent exécutables, mais qui au passage à la véritable dimension se montrent impraticables ». (POLIAO, Livre X, XVI, 1999, p.243). Cette restriction est parfaitement appropriée dans le cadre pratique de la technique, mais ne convient pas au champ de l’imaginaire, quand se présente la « maison magique » (MAUSS, 2013, p.77). En effet, le modèle réduit comme germe est latent, il garde en soi la potence magique de la métamorphose et peut croître en se transformant, en accord à une dynamique qui’ n’est pas celle de la technique, mais de la vie. En un sens platonique —avec lequel aussi bien Saint Augustin que Levis Strauss (1962) seraient en accord—toute église est le modèle réduit d’une église surjacente. Finalement, toute œuvre d’art liée à une


réalité plus grande peut être prise comme une représentation plus petite, c’est à dire, un modèle réduit. Ce n’est qu’en tant que modèle réduit que «la Création» peut tenir au plafond de la Chapelle Sixtine. Mais au delà du fait d’être un modèle réduit, les églises encouragent une esthétique de la réduction (que certains nommeront miniaturisation) et celle-ci se multiplie, prolifère dans d’autres modèles associés : mausolées, autels, tabernacles aratoires, etc. L’esthétique du modèle réduit est présente dans toutes les relations formelles rattachées à l’église. Chaque matérialisation en progression diminutive et/ou augmentative, est une épiphanie, une manifestation concrète du divin. Le recours poétique de réduction progressive aux limites du sensible à l’inverse d’une amplification progressive à la limite du dépassement de l’architecture en direction du dôme céleste, explore le mouvement dans l’amplitude formelle maximale, entre le microcosme et le macrocosme. Sont ainsi suggérées les métamorphoses variées comme métaphores de l’infinitude et de l’omniprésence. De telles réductions successives se multiplient par ailleurs dans la création de souvenirs qui offrent aux touristes de Belém et de Maceió des miniatures de miniatures, de modèles réduits tels que : mini cathédrales des maîtres dans les matériaux les plus variés pour les fins les plus diverses, petites poupées de pailles et de miriti des porteurs, petits brincantes du Guerreiro en bois, etc.

d’innombrables points de lumière, et de lignes imaginaires reliant des points distants entre eux dans le temps et l’espace. C’est justement ce potentiel centrifuge qui stimule l’approfondissement futur des études dans le Pará et à Alagoas, investiguant les interactions entre les différents phénomènes, et particulièrement les répercutions des représentations architecturales du Guerreiro dans les origines des manifestations architecturales du Círio. A partir du Círio et du Guerreiro, il convient également d’étudier la présence de modèles architecturaux du Reisado de Pernambuco à Recife, du Reisado de Paráiba à Joao Pessoa, ainsi que les rites offertoires à Notre-Dame da Penha et aussi à Joao Pessoa à Paráiba. Pour conclure, cette recherche espère avoir contribué grâce à la documentation et l’interprétation des phénomènes à stimuler d’autres études nécessaires à la compréhension d’aspects de l’imaginaire des représentations et de la production d’architectures et d’espaces urbains au Brésil.

Tout ce qui se voit de loin paraît petit. Le petit est alors reconnu comme une qualité de ce qui est distant dans l’espace. La distance réduit la taille des choses mises en profondeur. La maison à l’horizon, l’église lointaine, paraissent être des modèles réduits d’eux-mêmes ainsi éloignés et diminués. Comme sujet ‘problématique’ pour le champ de la culture et de l’architecture, plus précisément, le phénomène des porteurs du Círio et du Guerreiro pourrait s’intégrer à une amplification continue de la ‘Problembibliothek’ de Aby Warburg. Une telle intégration serait plausible justement en raison d’amplitude imaginaire du sujet, autrement dit, pour sa capacité d’évasion, son potentiel d’ouverture, d’amplification, et de mise en relation à d’autre images en suggérant ainsi qu’une constellation mobile, instable, qui peut se ramifier en 145



Agradecimentos/ Remerciements

À ASFOPAL, Associação dos Folguedos Populares de Alagoas, na pessoa de Josefina Maria Medeiros Novaes. Aos Mestres de Guerreiro: José Cícero Abdias Bonfim (Cicinho), Nivaldo Abdias Bonfim, Benon Pinto da Silva, André Joaquim dos Santos, Juvenal Domingos e Anadeje Morais da Silva. A todo o figurá dos grupos de Guerreiro de Alagoas. A todos os promesseiros do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará. Ao Museu Théo Brandão, em Maceió. À Casa de Plácido e ao Museu do Círio, em Belém. Ao Museu da Universidade Federal do Pará, em Belém. Ao Prof. Flávio Sidrim Nassar, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA. À Janaina Mimura, por suas traduções em francês de trechos de entremeios e cânticos do Guerreiro e do Círio. A ASFOPAL, Associação dos Folguedos Populares de Alagoas, en la personne de Josefina Maria Medeiros Novaes. Aux ‘maîtres’ de Guerreiro José Cicero Abdias Bonfim (Cicinho), Nivaldo Abdias Bonfim, Benon Pinto da Silva, André Joaquim dos Santos, Juvenal Domingos e Anadeje Morais da Silva. A tout le figura des groupes de Guerreiro de Alagoas. A tous les promesseiros du Círio de NotreDame de Nazareth à Belém do Pará. Au musée Théo Brandao à Maceió. A la Maison de Placio et au Musée du Círio à Belem. Au musée de l’université fédérale du Pará à Belém; Au professeur Flavio Sidrim Nassar de la faculté d’architecture et d’urbanisme de la UFPA. A Janaina Mimura pour ses traductions en français de passages d’intermèdes et de cantiques du Guerreiro et du Círio. 147


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Université de Sao Paulo Reitor/ Recteur Marco Antonio Zago Vice-reitor/ Vice-recteur Vahan Agopyan Pró-reitoria de Cultura e Extensão/ Pro rectorat de l aculture et de l’extension Maria Arminda do Nascimento Arruda

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO / Faculté d’architecture et d’urbanisme Diretora/ Direction Maria Angela Faggin Pereira Leite Vice-diretor/ Vice-directeur Ricardo Marques de Azevedo

Créditos Este projeto contou com o apoio do CNPq (400554/20100 e 404132/2012-0), da Pró-reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo (Editais 2013) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). A pesquisa acadêmica em pauta se desenvolveu dentro do Grupo de Pesquisa CNPq ‘Representações: imaginário e tecnologia’ vinculado ao Núcleo de Apoio à Pesquisa em Ambientes Colaborativos na Web (NAWEB), em parceria com o VideoFAU, com o LABHAB e com o LAMEMO - FAUUFPA. Ce projet compte sur l’appui du CNPq (400554/2010-0 e 404132/2012-0), du pro-rectorat de culture et extension universitaire de l’université de Sao Paulo (Editais 2013) et de la faculté d’architecture et d’urbanisme de l’université de Sao Paulo (FAUUSP). La recherche académique en question s’est développée au sein du groupe de recherche CNPq ‘Représentations : imaginaire et Technologies’ en lien avec le Centre d’appui à la recherche en milieux collaboratifs sur le web (NAWEB), en partenariat avec le VideoFAU, avec LABHAB et le LAMEMO – FAUUFPA. Cette recherche s’intègre au groupe de recherche CNPq ‘Représentations: imaginaire et technologie’ qui s’articule à la ligne de recherche homonyme en collaboration au NAWEB, et qui se relationne à la discipline elle aussi homonyme, AUT5836, du programme de post diplôme de la FAUUSP.


PORTADORES Imaginário e Arquitetura Organização/ Organisation Artur Simões Rozestraten Daniele Queiroz dos Santos Gabriel Negri Nilson Karina de Oliveira Leitão

Fotografias/ Photographies Artur Simões Rozestraten Daniele Queiroz dos Santos Karina de Oliveira Leitão

Projeto Gráfico/ Projet graphique

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7- 5880 P83

Portadores : imaginário e arquitetura = Porteurs imaginaire et arquitecture. -- São Paulo : Editora São Paulo : USP PRCEU : FAU : CNPq : Annablume, 2015. 147 p.. il.fotos. ; 23 X 23 cm . Inclui Referências Textos alternados em português e francês

ISBN: 978-85-391-0746-9.

1. Ritos e cerimônias(Usos e costumes). 2. Imaginação. 3.Simbolismo (Psicologia).I.Título. II.Título. imaginário e arquitetura CDD 291.3

Daniele Queiroz dos Santos

Índice para catálogo sistemático:

Equipe de Apoio/ Equipe d’appui

1. Ritos e cerimônias(Usos e costumes) 2. Imaginação 3. Simbolismo (Psicologia)

Débora Piacente Oliveira Paula Gerencer

Publicação e produção gráfica/ Publication et production graphique Daniele Queiroz dos Santos Doctela | Mídia e Comunicação André Menezes Lívia Perez

Revisão de Texto/ Révision

Jeferson Santiago de França

© Artur Simões Rozestraten

Daniele Queiroz dos Santos

Annablume Editora

Arquitetura, Urbanismo e Políticas Urbanas Conselho Científico Carlos Antônio Brandão Carlos Fortuna Giuseppe Cocco Jeroen Klink Joana Mello (coordenadora) João Sette Whitaker Ferreira Mario Henrique D’Agostino Maria Irene Szmrecsanyi (coordenadora) Rosana Denaldi (coordenadora) 1ª edição: outubro de 2015

Annablume Editora Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 554, Pinheiros 05415-020 . São Paulo . SP . Brasil Televendas: (11) 3539-0225 – Tel.: (11) 3539-0226 www.annablume.com.br



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