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Permissão

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Argila

Argila

Isadora Barbosa da Silva

“Deus não fez um amor tão lindo para ser proibido e, se fosse, eu ainda te amava” (Santo - Jão)

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Eu não tenho permissão para me apaixonar. As lágrimas molhavam meu rosto enquanto eu, insistentemente, tentava convencer aquela cega criança traiçoeira a me flechar novamente, ao mesmo tempo em que ele teimava em dizer que a culpa do meu sofrimento não era dele. Era deles. Daqueles que me olhavam todos os dias e me pintavam de cinza, reduzindo o meu arco-íris a uma monocromia que eu me recusava a aceitar. Mas eu ainda não tenho permissão para me apaixonar. Pior, não tenho permissão para amar. Então me encontro nessa loucura de barganhar com o Amor, implorando-lhe permissão para ficar com os dois, ao invés de me forçar a escolher um. Como poderia? Eu o amo desde aquele primeiro novembro e a amo há uma vida, apesar de não ter notado antes. O Amor me encarava, não da mesma maneira que os Outros, mas com um olhar de pena. Eu não quero a sua pena, quero a sua permissão. Vou proclamar minhas paixões diante de ti, para que entendas a importância do meu pedido, a urgência da minha oração. Era vermelho, como na música da Taylor Swift no verso “apaixonante como o pecado”, só que você sempre fez com que

esse sentimento fosse sagrado, com que eu fosse a sua devota mais fiel. Ela segurou a minha mão na pior noite de tempestade que já senti, quando os raios explodiram dentro de mim e eu não conseguia controlar a descarga elétrica que me dominava. Na escuridão, ela me mostrou o vermelho de um nascer do sol que eu desconhecia. Ali, eu soube que a amava, que a amava do jeito que os pecadores amam. Agora, eu via os cabelos dela derramando-se em meu travesseiro, as ondas bagunçadas e incontroláveis criando o mais lindo mar. Poseidon ficaria com inveja. Agora, eu a via sorrir de canto ao notar nossas fotos penduradas na parede, naquele estilo bem brega que as pessoas apaixonadas costumam fazer. É um clássico, na verdade. Um dos meus clichês favoritos. “Você não tem permissão para amar”. Maldito Cupido! Continuei mesmo assim… Com ele, era laranja a mudança de toda a minha lista de tarefas. Soube que o amava naquele doze de novembro, quando uma chuva inesperada invadiu o céu e me obrigou a buscar abrigo naquela Capela. Uma capela solitária no fim da rua, assim como ele. O encontrei sentado no último banco, ouvindo aquela que seria a nossa música (conseguem adivinhar?), concentrado em esperar a chuva passar. Reparei primeiro nos olhos tristes, para depois encarar a rosa que ele segurava. Nada como as lágrimas de um Deus para aproximar duas pessoas que se escondem, não só de si mesmas, mas também do mundo. Sentei-me ao lado dele e puxei uma conversa, daqueles protocoladas, cotidianas. Depois, aprofundamos o assunto e, ao final, já éramos tão íntimos ao ponto de eu não querê-lo só como meu melhor amigo. Nosso sentimento germinou ali, porém, foram necessários outros novembros para que florescessem. Assim, meus dias se coloriram em uma explosão de amarelo, verde e azul, em uma tríade celestial estranha aos olhos dos Outros, acostumados a ignorarem a paleta de cores que existe

ao seu redor, impondo a existência de duas delas. Nós três dançávamos sob a luz anil da sala de estar, deixando que as estrelas artificiais iluminassem nosso amor e apagasse, pelo menos por um breve momento, a lembrança de que não tínhamos permissão para nos apaixonar. Parei por um momento para secar as lágrimas. Preciso continuar. Preciso convencê-lo de que não posso escolher só um deles. No Mito da Alma Gêmea, Platão conta que a alma foi dividida em duas partes, mas sinto informar que o filósofo se equivocou, pois a minha se divide em três: uma sou eu, a outra é ele e ela é a parte que me completa. Formamos o violeta que faltava. O Cupido me deu mais uma flechada, símbolo da minha permissão. Eu finalmente a tinha. Havia chegado a hora de eternizar meu sentimento. Neste altar, eu sussurrei “eu te amo” para ela ao colocar nossa aliança. Neste altar, eu sussurrei “eu te amo’’ para ele ao colocar nossa aliança. Neste altar, eu gritei “eu tenho permissão para amar” ao dar as mãos aos meus dois amores. Podem os Outros julgar, protestar, reclamar, espernear contra e inventar inúmeras curas milagrosas para este meu “problema”. Eu não me importo mais, pois o Amor me deu permissão para amar. E o Amor não vai me condenar, está escrito, e eu sei que ele cumpre as promessas dele.

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