GLOSSÁRIO DAS SITUAÇÕES PRIORITÁRIAS PARA OS SERVIÇOS DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS (SCFV)
Campinas|SP Março de 2018 - Ano Referência 2016
FICHA TÉCNICA Prefeito Municipal de Campinas Jonas Donize e Secretária Municipal de Cidadania, Assistência e Inclusão Social Jane Valente Departamento de Operações da Assistência Social Sílvia Jeni Luiz Pereira de Brito Coordenadoria Setorial de Proteção Social Básica Zuleika Aparecida Minussi Carneiro
ELABORAÇÃO Pesquisa e Redação Alexandre Ceconello Marinho Organização e Colaboração Técnica Alexandre Ceconello Marinho Giovanna Puosso Labbate Eliete Sampaio Leila Sueli Dias Maria Margarida da Silva Maria José Tofoli Maria Rachel Nascimento Projeto Gráfico e Editoração Daniella Tristão Esteca Supervisão Sílvia Jeni Luiz Pereira de Brito Zuleika Aparecida Minussi Carneiro Revisão Final Sílvia Jeni Luiz Pereira de Brito CONTRIBUIÇÕES Esta publicação foi elaborada a par r da colaboração de muitas pessoas, dentre profissionais e gestores de serviços da Proteção Social Básica (PSB), da Proteção Social Especial (PSE) e da área de Vigilância Socioassitencial, do município de Campinas, que se dispuseram aos encontros e às discussões sobre as onze situações prioritárias para atendimento nos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), conforme preconizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). As contribuições ocorreram durante o ano de 2016, através do Grupo de Trabalho para Reordenamento dos SCFV Ampliado (GT Ampliado) e dos Grupos de Trabalho para Reordenamento dos SCFV Regionais (GT's Regionais).
SUMÁRIO PREFÁCIO
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INTRODUÇÃO CARACTERÍSTICAS GERAIS DO SCFV O que é SCFV? Quem é o público-alvo dos SCFV? Quem é o público prioritário para os SCFV? Comprovação das situações prioritárias.
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SITUAÇÕES PRIORITÁRIAS: definição pelo MDS e discussões complementares I. Em situação de isolamento; II. Trabalho infan l; III. Vivência de violência e/ou negligência; IV. Fora da escola ou com defasagem escolar superior a 2 (dois) anos; V. Em situação de acolhimento; VI. Em cumprimento de medida socioeduca va em meio aberto; VII. Egressos de medidas socioeduca vas; VIII. Situação de abuso e/ou exploração sexual; IX. Com medidas de proteção do ECA; X. Crianças e adolescentes em situação de rua; XI. Vulnerabilidade que diz respeito às pessoas com deficiência.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXO - RELAÇÃO DOS SCFV NO MUNÍCIPIO DE CAMPINAS
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PREFÁCIO Quero expressar meu prazer em apresentar este trabalho por reconhecer a sua importância, a competência e o entusiasmo das pessoas envolvidas na sua elaboração. Este glossário faz parte das ações do processo de reordenamento dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos no município de Campinas e tem envolvido, além de servidores públicos, muitos outros profissionais de diversas organizações. Entendo que reordenar é reorientar prá cas e ideologias em busca de um novo paradigma sociopolí co - que leve em conta as novas formas de fazer propostas tanto pela Polí ca Nacional de Assistência Social quanto pela Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais – e o trabalho de reordenamento exige compromisso e fidelidade ao processo por parte de todos os envolvidos. Nesse processo de elaboração os encontros representaram uma rica oportunidade de troca de conhecimentos em assuntos tão próximos, mas ao mesmo tempo tão dis ntos. O desenvolvimento dos trabalhos foi ancorado no compromisso em respeitar cada território, com sua realidade e sua cultura, marcadas por trajetórias e conquistas próprias. A estratégia metodológica ofereceu oportunidade de comprome mento individual e cole vo: de forma grada va envolveram-se pessoas, com obje vos claros, engajamento, cria vidade, sempre no compromisso de uma ação reflexiva que oportunizou a construção de conhecimento e de sujeitos polí cos. Su lezas do co diano apresentavam-se como desafiosconstantes e as respostas eram provocadas de forma que cada profissional pudesse elaborá-las a par r de suas experiências. Ressalta-se a oportunidade do convívio com as especificidades e as peculiaridades do exercício de cada função, tornando relevante o trabalho mul disciplinar, oportunizando a explicitação da divisão técnica de trabalho e a resultante do trabalho conjunto.Mostra ainda a dimensão de parceria e do trabalho em rede com a ar culação entre os diferentes serviços socioassistenciais, o lugar de cada um e o di cil compar lhamento de responsabilidades. Estas questões tornaram-se muito presentes nas discussões dos profissionais! Afinal a assistência social, como polí ca pública, inscreve-se co dianamente como uma história de atendimento mul disciplinar, quer seja em ações preven vas, quer seja em ações cura vas. Porém, falar de ações preven vas na assistência social é falar de ações já cunhadas pela vulnerabilidade e risco social, haja vista o público prioritário discu do no presente trabalho. Evidenciou-se, então, a importância de fundamentar a par r deste glossário, reflexões e prá cas desenvolvidas pelas equipes de forma que desvelasse a relação intrínseca existente entre as diversificadas e contraditórias dimensões de seus trabalhos específicos. Ficou evidente, também, para além dessas diferenças, a valorização da transdisciplinaridade da abordagem, no sen do de recons tuir a unidade de seu objeto de intervenção no contexto da diversidade das ações necessárias para superação das questões postas. Neste trabalho, a equipe traduz muitos sen mentos e percepções que decorrem da experiência profissional de cada um e, penso, que ele provocará também muitos outros profissionais. Oferece a oportunidade de reflexões su s que trazem à tona muitos aspectos vividos nos serviços, nos territórios e no desafio co diano do viver profissional. Traz importantes nuances existentes no engajamento de um trabalho árduo e valoroso na atenção às famílias e indivíduos envolvidos em situações de vulnerabilidade e risco social. Parabéns pelo trabalho desenvolvido! Que ele seja aplicado da mesma forma evidenciada na sua construção: com responsabilidade e com amorosidade! Jane Valente Secretária Municipal de Assistência Social e Segurança Alimentar Dezembro de 2016
INTRODUÇÃO O processo de Reordenamento dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) encontra-se em desenvolvimento desde o ano de 2013, a par r do Termo de Aceite estabelecido entre o município e o então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Tal processo implica no cumprimento das orientações trazidas pela Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, na adoção de novos parâmetros da oferta para o “público prioritário” e no seu financiamento. Desde o mês de agosto do ano de 2014 a direção do Departamento de Operações de Assistência Social (DOAS) na perspec va da gestão compar lhada, princípio norteador de suas ações, ins tuiu e vem coordenando as ações de reordenamento do município e também o Grupo de Trabalho (GT) de Reordenamento dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), mais tarde iden ficado como GT Ampliado, um dos eixos norteadores de tal processo1. Com o obje vo de reunir e mobilizar a rede executora dos SCFV no processo de reordenamento, por meio de encontros mensais o GT buscou a construção cole va de ações estratégicas que impactassem no referido processo. Dentre as ações previstas para o reordenamento o desafio mais emblemá co voltou-se para o denominado público prioritário2, o qual se encontra caracterizado pela meta de inclusão nos SCFV de crianças e/ou adolescentes e/ou pessoas idosas nas seguintes situações: 1. Em situação de isolamento; 2. Trabalho Infan l; 3. Vivência de Violência e/ou Negligência; 4. Fora da escola ou com defasagem escolar superior a 2 anos; 5. Em situação de acolhimento; 6. Em cumprimento de MSE em meio aberto; 7. Egressos de medidas socioeduca vas; 8. Situação de abuso e/ou exploração sexual; 9. Com medidas de proteção do ECA; 10. Crianças e adolescentes em situação de rua; 11. Vulnerabilidade no que diz respeito às pessoas com deficiência. A ação afirma va em torno do público prioritário busca incluir aqueles que realmente se encontram em situação de vínculos familiares/sociais fragilizados, pois se demonstrou por meio de pesquisa nacional uma baixa inclusão do público nessas situações. Embora essas situações prioritárias sejam do conhecimento dos trabalhadores do SUAS, o fato de os serviços, a par r de então, se dividirem entre “público do serviço” e “público prioritário”, cada um com 50% das metas, gerou grande desconforto na rede.
Tal desconforto colocou em xeque as metodologias de trabalho. Se algumas já não se mostravam potentes, especialmente entre os adolescentes, o que esperar para as onze situações prioritárias consideradas ainda mais complexas? Diante dessa tensão, os encontros do GT Ampliado se dedicaram à melhor apreensão e reconhecimento do público prioritário, aos aspectos metodológicos dos serviços, ao mapeamento dos SCFV nos territórios, bem como ao perfil das equipes técnicas, ações essas que destrincharam aspectos comuns e singulares dessa importante rede de serviços do município, favorecendo sua qualificação, além de reunir os par cipantes em torno de uma mesma unidade de propósitos, qual seja, a de um trabalho no âmbito preven vo, potente e transformador. As ações de reordenamento desenvolvidas de forma integrada e ar culada em torno dos quatro eixos mencionados foram fortemente apoiadas pelo processo de formação “Convivência no SUAS”, o qual persis u durante o ano de 2016, capacitando diretamente 324 profissionais, tendo ainda o diferencial de revelar o protagonismo dos agentes de ação social e educadores, categoria profissional que atua na “linha de frente”, ou seja, na atenção direta aos usuários desses serviços e a qual, historicamente, ficou alijada de processos de formação. A proposta desse Glossário que ora se apresenta cons tuiu-se em mais uma ação de formação e fortalecimento da compreensão cole va em torno do público prioritário. A onze situações prioritárias foram discu das e registradas em cada um dos Encontros Regionais das cinco regiões administra vas do município (norte, sul, leste, sudoeste e noroeste). A cada mês o registro de uma região era passado para a outra que, por sua vez, deba a a situação e acrescentava o seu entendimento ao registro. E assim, sucessivamente, até que todas as onze situações prioritárias perpassaram por todas as regiões. A compilação do material e a interlocução com referências teóricas sobre os temas ficaram sob a responsabilidade da direção do DOAS e da Coordenadoria Setorial de Proteção Básica, a fim de se cons tuir um texto único e oficial, o qual, posteriormente, foi legi mado pelo cole vo do GT Ampliado. Cabe aqui agradecimento especial à Coordenadoria Setorial de Proteção Básica que acompanhou todo o processo, par cipando das discussões e em par cular, ao Alexandre Ceconello Marinho, apoio técnico dos SCFV, pela par cipação nas discussões, pesquisa teórica e compar lhamento dos registros. A riqueza do processo de reflexão, troca e aprendizado alcançados na elaboração desse Glossário, se por um lado ultrapassa este registro, por outro demarca o conhecimento cole vo produzido que agora trazemos a público! Aponta-se o conceito de cada situação prioritária de acordo com o estabelecido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Em seguida, apresentam-se elementos teóricos que dão sustentação aos diálogos estabelecidos durante esse processo, assim como se evidenciam experiências do município em direção ao enfrentamento dessas situações.
Espera-se que para além dos ganhos que todo esse esforço cole vo já tenha trazido aos trabalhadores da rede de Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, dos Distritos de Assistência Social (DAS), dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) e trabalhadores da Alta Complexidade, esse Glossário possa trazer luz a tantos outros profissionais que no seu co diano buscam fortalecer as seguranças e a proteção do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Silvia Jeni Luiz Pereira de Brito Diretora do Departamento de Operações de Assistência Social (DOAS)
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO SCFV O QUE É O SCFV? O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), juntamente com os demais serviços de Proteção Social Básica do SUAS, contribuem para prevenir o rompimento das relações familiares e comunitárias, por meio da promoção da convivência e da socialização entre os usuários. O fortalecimento de vínculos prote vos, saudáveis e constru vos é o obje vo principal e o resultado do trabalho desenvolvido no serviço. (BRASIL, 2016a) QUEM É O PÚBLICO-ALVO DOS SCFV? É preciso estar claro que o SCFV integra o SUAS, portanto, podem par cipar todas as pessoas que dele necessitar. Porém, entre os usuários a serem atendidos há os que vivenciam as situações de vulnerabilidade social e/ou violação de direitos elencadas na Resolução CNAS nº 1/2013, chamados de público prioritário. (BRASIL, 2016a) QUEM É O PÚBLICO PRIORITÁRIO PARA OS SCFV? De acordo com as diretrizes do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, atual Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS), e do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), três aspectos são determinantes para a iden ficação de usuários como público prioritário para os SCFV: o ciclo de vida/idade; estar contemplado em uma ou mais das 11 (onze) situações prioritárias; e as regras de compa bilidade (excessões). (BRASIL, 2016a)
Ciclos de vida/idade: - Crianças (de 0 a 12 anos incompletos); - Adolescentes (de 12 anos completos a 18 anos completos) - Pessoas idosas (igual ou superior a 60 anos).
Situações Prioritárias: I. Em situação de isolamento; II. Trabalho infan l; III. Vivência de violência e/ou negligência; IV. Fora da escola ou com defasagem escolar superior a 2 (dois) anos; V. Em situação de acolhimento; VI. Em cumprimento de medida socioeduca va em meio aberto; VII. Egressos de medidas socioeduca vas; VIII. Situação de abuso e/ou exploração sexual; IX. Com medidas de proteção do ECA; X. Crianças e adolescentes em situação de rua; XI. Vulnerabilidade que diz respeito às pessoas com deficiência.
Regras de compa bilidade (excessões): a) Trabalho infan l: crianças e adolescentes até 15 anos de idade b) Em cumprimento de medida socioeduca va em meio aberto: adolescentes com idade entre 12 e 21 anos de idade; c) Com medidas de proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): crianças e adolescentes até 17 anos de idade; d) Egressos de medidas socioeduca vas: adolescentes com idade entre 12 e 21 anos de idade; e) Situação de abuso e/ou exploração sexual: crianças e adolescentes até 17 anos de idade; f) Crianças e adolescentes em situação de rua: crianças e adolescentes até 17 anos de idade.
COMPROVAÇÃO DAS SITUAÇÕES PRIORITÁRIAS O § 2º do art. 3º, da Resolução CNAS nº1/2013, estabelece que a comprovação das situações prioritárias ocorre por meio de documento técnico, que deverá ser arquivado por um período mínimo de cinco anos, à disposição dos órgãos de controle na unidade que oferta o SCFV ou no órgão gestor, podendo este ser o CRAS, unidade que desempenham o papel de gestor territorial em cada espaço geográfico delimitado. dados:
Tal documento deve conter a iden ficação do usuário encaminhado, contendo os seguintes - nome; - data de nascimento; - Número de Iden ficação Social – NIS, caso o tenha; - filiação; - situação prioritária, conforme definido na Resolução CNAS nº01/2013; - assinatura e iden ficação do profissional que iden ficou e/ou que encaminhou.
Portanto, é considerado documento técnico comprobatório das situações prioritárias quando contemplada as informações acima citadas e que pode ser elaborado por técnico de nível superior do próprio SCFV, ou por outro serviço socioassistencial, do Sistema de Garan a de Direitos, ou de outras polí cas públicas, como as de Saúde e Educação, por exemplo. (BRASIL, 2016a)
SITUAÇÕES PRIORITÁRIAS: definição pelo MDS e discussões complementares
I. SITUAÇÃO DE ISOLAMENTO Definição pelo MDS Diz respeito à ausência de relacionamentos regulares e co dianos, bem como à redução da capacidade ou oportunidade de comunicar-se. Situações de adoecimento grave ou de longos tratamentos, sequelas de acidentes, deficiências que conferem às pessoas uma esté ca muito diferente, envelhecimento com restrições de deslocamento e outras situações dessa natureza tendem a dificultar a convivência entre as pessoas, tanto no âmbito familiar quanto no comunitário. Essas situações, por um lado, podem reduzir o interesse das pessoas de conviver com os outros e, por outro, reduzem o interesse dos demais – familiares, vizinhos, conhecidos, amigos, entre outros – de conviver com quem vivencia essas situações. Essa vivência instala um ciclo vicioso de di cil interrupção e transformação. No caso do idoso, por exemplo, as limitações e restrições causadas pelo envelhecimento muitas vezes levam os familiares a circunscrever ainda mais os relacionamentos e a interação social dessas pessoas. Assim, a par r do isolamento, outras vulnerabilidades são geradas, como a sensação de não ser reconhecido como importante para as pessoas. Viver essa situação torna a pessoa mais insegura e vulnerável (MDS, Concepção de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, 2013, p. 30, com adaptações). Vale destacar que, apesar de haver especificidades que demandam avaliação pela equipe técnica, o isolamento geográfico/territorial de comunidades não caracteriza, por si só, uma situação prioritária para o SCFV. (BRASIL, 2016a, p. 33-34)
Discussões complementares O conceito de isolamento social, de acordo com o pensamento de Karl Mannheim (1974, apud. CORRÊA e ROZADOS, 2014), é apresentado como falta de interação, de contatos sociais, uma situação marginal na vida social; pode ser interpretado como um comportamento em que a pessoa deixa de par cipar de a vidades sociais, como na família, no trabalho, na escola, em locais de lazer, dentre outras situações que exijam o contato com pessoas. Os profissionais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de Campinas, em especial da Proteção Social Básica, iden ficam que a situação de isolamento está presente nos diferentes ciclos de vida e nos diversos territórios do município. Esta situação pode ser voluntária ou não, ou seja: a pessoa pode escolher o isolamento, considerando-o uma forma de proteção individual; ou pode ser isolada por grupos sociais e ins tuições, em um processo de discriminação e/ou negligência. Idosos, por exemplo, é um grupo populacional em que o isolamento aparece como um problema recorrente. Em muitos casos, em decorrência de limitações impostas pelo processo de envelhecimento e do imaginário social nega vo sobre a velhice, estas pessoas são isoladas dos espaços de convivência por grupos e ins tuições, resultando em pouca ou nenhuma alterna va de sociabilidade; outras, para se protegerem do preconceito e das violências as quais estão vulneráveis, acabam se afastando dos espaços públicos e cole vos na tenta va de se sen rem menos desprotegidas. Processos similares podem ocorrer em relação às pessoas com deficiência, que, pela diferença, são excluídas de espaços cole vos e/ou tentam se preservar no afastamento social. Além disso, apesar da necessidade da acessibilidade ter ganhado destaque nos úl mos anos, os espaços adaptados para as pessoas com deficiência ainda são precários, prejudicando a mobilidade e o direito de acesso aos espaços públicos e privados.
Crianças e adolescentes são grupos populacionais em que as situações de isolamento estão crescendo. Corrêa e Rozados (2014), em uma pesquisa sobre isolamento nas redes sociais virtuais, percebem que muitas pessoas, principalmente crianças, adolescentes e jovens, pelo uso excessivo desses recursos tecnológicos, deixam de conviver presencialmente com outras pessoas, experienciando um estado de solidão intera va. Wolton (2008, p. 155, apud CORRÊA e ROZADOS, 2014) afirma que essa sociedade da informação pode ser perversa na medida em que se “homogeneíza tudo e faz desaparecer o homem por detrás dos fluxos da informação”. Dessa forma, as fraquezas, as forças e as contradições humanas que marcam as relações sociais se diluem e dificilmente podem ser trabalhadas como no âmbito das relações presenciais, em que outros componentes da comunicação, como o olhar, os gestos, o improviso, a argumentação são mais possibilitados. Ainda nesse campo, o chamado cyberbullying, quando a agressão se passa pelos meios de comunicação virtual, como nas redes sociais, através dos smartphones, computadores e das demais mídias, pode produzir e reforçar as situações de isolamento. Além disso, as desigualdades sociais em suas diferentes formas, como a pobreza, o racismo, a homofobia, a xenofobia, o preconceito de gênero, dentre outras, precisam ser consideradas pelo profissional que avalia para a compreensão da complexidade que envolve o isolamento e a busca por sua superação. Pessoas com demandas e eventualmente acompanhadas por profissionais e/ou serviços de saúde mental também podem se configurar numa parcela importante deste público prioritário, dada a existência de muitos usuários es gma zados, em situação de marginalidade, supermedicados, com vínculos familiares e sociais prejudicados ou rompidos. Equivocadamente, a maioria destas pessoas em situação de isolamento e sofrimento são reduzidas a problemas de ordem psicológica/psiquiátrica, numa perspec va individual, quando se trata de problemas mul fatoriais sustentados cultural e socialmente. Bader Sawaia (2001) nos ajuda a compreender melhor o fenômeno do isolamento e do sofrimento, decorrente da dialé ca inclusão/exclusão, quando aponta para o sofrimento é co-polí co: “é no sujeito que se obje vam as várias formas de exclusão, a qual é vivida como mo vação, carência, emoção e necessidade do eu. Mas ele não é uma mônada responsável por sua situação social e capaz de, por si mesmo, superá-la. É o indivíduo que sofre, porém, esse sofrimento não tem a gênese nele, e sim em intersubje vidades delineadas socialmente”. (SAWAIA, 2001, p.99)
Por isso, cada caso deve ser analisado em sua singularidade, buscando a compreensão dos fatores sociais, culturais, econômicos e subje vos que resultam no isolamento. A situação não pode ser compreendida como uma questão que se esgota em si mesma, mas sim como consequência de outras situações e das relações vividas. O sujeito que vive o isolamento deve ser compreendido em sua complexidade relacional, exigindo dos profissionais que venham acolher e intervir um olhar ampliado e histórico para as relações deste com a família, com a escola e demais ins tuições, com o território, no acesso ou na carência de polí cas públicas, nas con ngências culturais, dentre outros elementos cons tuintes, que estejam ligados à produção e ao fortalecimento do isolamento.
O acesso deste público aos SCFV dificilmente ocorre por demanda espontânea. Geralmente, são referenciados por outros setores, como as unidades de saúde e as escolas, ou através de terceiros, como familiares e vizinhos. Quando do seu acesso ao serviço, não é suficiente apenas promover espaços para que a pessoa em situação de isolamento esteja na presença de outras. É necessário compreender as questões que marcam o processo de exclusão, produzindo estratégias internas, intersetoriais e comunitárias de convivência, que promovam sen do para o usuário e que construa e fortaleça seus vínculos prote vos. Além da ar culação entre a rede socioassistencial, é fundamental a interlocução com outras polí cas públicas, principalmente, as de Cidadania, através de serviços como o Centro de Referência LGBT e o Centro de Referência de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa; as de Saúde, pela Estratégia de Saúde da Família e/ou Unidade Básica de Saúde, além dos Centros de Atenção Psicossocial; dentre outras.
II. TRABALHO INFANTIL Definição pelo MDS Segundo o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infan l e Proteção ao Adolescente Trabalhador (2011-2015), trabalho infan l refere-se às a vidades econômicas e/ou a vidades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a par r dos 14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional. Em relação às piores formas de trabalho infan l estabelecidas pela legislação brasileira, é importante consultar o Decreto Federal nº 6.481, de 12 de junho de 2008, que define a Lista das Piores Formas de trabalho infan l (Lista TIP), anteriormente descrita pela Portaria nº 20/2001 da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. O SCFV realiza o atendimento a crianças e adolescentes que estão em situação de trabalho infan l e/ou dela re rados, visando garan r especialmente o direito à convivência familiar e comunitária, além de outros obje vos descritos na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução CNAS nº 109/2009). Ressalta-se que a informação acerca do trabalho infan l no CadÚnico tem por finalidade retratar a situação do fenômeno no município. Já os dados registrados no Sistema de Informação do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SISC) visa informar sobre o atendimento de usuários que se encontram em situação de trabalho infan l e/ou dela re rados. As informações extraídas do SISC permitem obter dados atualizados sobre o atendimento no SCFV de crianças e/ou adolescentes que vivenciam e/ou vivenciaram a situação de trabalho infan l. (BRASIL, 2016a, p. 34-34)
Discussões Complementares A par r da década de 1990 houve uma mobilização nacional em torno do fenômeno do trabalho infan l e uma consequente produção de saberes e polí cas públicas para o seu enfrentamento. Ainda de ocorrência frequente, o trabalho infan l pode ser caracterizado desde as formas mais clássicas, na incidência em linhas de produção, como confecções, indústria de brinquedos, dentre outros, até as mais su s, como as a vidades domés cas no ambiente familiar. Em linhas de produção, houve uma redução expressiva nas úl mas décadas, principalmente em empresas de médio e grande porte, fruto das polí cas públicas aplicadas, tendo, hoje, sua maior incidência em pequenas empresas, comércios e ambientes domés cos, de di cil iden ficação para fiscalização. No município de Campinas, no ano de 2013, houve uma importante ar culação envolvendo diversas polí cas públicas, culminando numa ação em que o trabalho infan l em cemitérios, até então com expressiva incidência na cidade, foi pra camente erradicado. Por outro lado, se a superação de certas modalidades de trabalho infan l foi possibilitada, suas manifestações são dinâmicas ao longo da história e novos modos surgem, principalmente em períodos recessivos, demandando a atenção sistemá ca dos profissionais para a iden ficação e a ar culação de estratégias de intervenção. Em Campinas, os profissionais dos SCFV iden ficaram e apresentaram alguns modos de trabalho infan l: · Trabalhos em pequenos comércios, principalmente de origem familiar e aos finais de semana, como feiras, bares e mercearias; · A vidades em lava-rápidos;
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A vidades em ambientes domés cos (da família de origem ou não), como faxina e no cuidado de bebês e crianças; A vidades das como culturais, ar s cas e espor vas, mas que demandam profissionalização, como ar stas de rua, de circo, profissionalização para o futebol, modelos, dentre outras, e que necessitam de autorização do juizado competente para o exercício por crianças e adolescentes; Tráfico de drogas; Exploração sexual (considerada outra situação prioritária).
Essa dificuldade na erradicação do trabalho infan l e a emergência de novas modulações do fenômeno, conforme aponta a pesquisa de Kassouf (2007), tem como contribuição fundamental o capitalismo e o processo de industrialização, em que os detentores dos meios de produção acabaram reduzindo “o salário dos trabalhadores e, conseqüentemente, o meio de sobrevivência das famílias”. (KASSOUF, 2007) Feitosa e Dimenstein (2004), em uma pesquisa sobre Escola, Família e Trabalho Infan l, iden ficaram a existência da crença, no discurso de pais e professores, de que “o trabalho é o que livra as crianças dos perigos que a rua e a ociosidade podem trazer”, na tenta va de jus ficar a prá ca laboral na infância e adolescência. Nessa perspec va, os profissionais da Proteção Social Básica de Campinas também iden ficaram que muitas famílias es mulam o trabalho de crianças e adolescentes, principalmente nas a vidades consideras internas, ou seja, dentro do espaço familiar (os fazeres domés cos e o cuidado de irmãos, por exemplo) ou a par r dele (o caso das a vidades autônomas em que os pais levam seus filhos para “aprender”). No caso das a vidades domés cas, além da invisibilidade que dificulta a iden ficação, a maioria dos casos, 72%, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2013, é executado por meninas, expondo a implicação da questão de gênero que também demanda atenção, reflexão e intervenção. Ou seja, o trabalho infan l também se impõe como uma estratégia de poder disciplinar sobre os corpos de crianças e adolescentes. Além disso, as autoras alertam que “o trabalho infan l está vinculado, em parte, aos processos de desigualdade existentes no país” e que, para além da complementação da renda, existe a preocupação de muitas famílias em “dispor de oportunidades para seus filhos”. (FEITOSA E DIMENSTEIN, 2004) Em muitos casos, o trabalho é um dos únicos capitais culturais de que muitos pais e professores dispõem para transmi r às crianças. A desigualdade social em todas as suas formas – de acesso aos bens materiais e imateriais produzidos pela civilização, por diferenciação econômica, étnica, de gênero, dentre outras – reduz a perspec va de indivíduos e famílias quanto à possibilidade de alcançarem outros modos de vida considerados posi vas pela sociedade.
Kassouf (2007, p. 347) aponta que “quase a totalidade dos estudos aborda o lado da oferta do trabalho infan l, mas é preciso analisar também o lado da demanda. Entender as razões pelas quais as crianças são contratadas e seus efeitos na estrutura e no lucro das empresas e nos salários e nível de emprego do trabalhador adulto é primordial”.
Hoje, o programa Jovem Aprendiz permite aos adolescentes, a par r dos 16 anos de idade, o ingresso no mercado de trabalho, na perspec va de gerar experiência e conhecimento, garan ndo os seus direitos. Apesar de uma inicia va posi va para muitos, é importante que os serviços que atuam na proteção destes adolescentes, em conjunto com suas famílias, estejam atentos aos limites da atuação no âmbito do programa, a fim de se prevenir situações em que o adolescente possa subs tuir a mão de obra profissional, garan ndo sua finalidade. Dessa forma, é importante não incorrer na criminalização das famílias, mas na avaliação cuidadosa dos fatores culturais, sociais e subje vos que sustentam, em cada caso, a perpetuação do trabalho infan l. A intervenção, nesse caso, não passa simplesmente pela re rada da criança dessa condição. Para além, requer um olhar sistêmico para a rede de relações da criança, do adolescente e suas famílias, dos fatores socioculturais e econômicos influentes e, consequentemente, da ar culação das diversas polí cas públicas, para que a situação seja superada ou, pelo menos, minimizada através da oferta de serviços ou programas socioassistenciais e de saúde, educação, habitação, cidadania, dentre outros. É, portanto, consenso entre a maioria dos profissionais das polí cas públicas e das pesquisas sobre o tema que o trabalho infan l deve ser banido, “assim como os inves mentos na qualidade e disponibilidade de escolas devem ser incen vados, associando-os aos programas de transferência de renda às famílias pobres.” (KASSOUF, 2007)
III. VIVÊNCIA DE VIOLÊNCIA E/OU NEGLIGÊNCIA. Definição pelo MDS Ocorre quando indivíduos ou grupos são impedidos de pra car ações ou compelidos a executá-las em desacordo com a sua vontade e interesse, por vezes, tendo a vida ameaçada. A violência é o ponto extremo do exercício de poder de uma pessoa ou grupo sobre outra pessoa ou grupo, em que o uso de força sica e/ou psicológica induz e/ou obriga à realização de atos e condutas em que aquele que realiza não quer ou não sabe por que faz. Os estudos sobre violência reconhecem que ela se manifesta de diferentes formas: violência verbal, sica, psicológica, domés ca, intrafamiliar, patrimonial, entre outras. Em muitas situações, essas violências se manifestam de forma associada, ou seja, juntas. Destacamos, a seguir, aquelas que comumente levam usuários até os serviços socioassistenciais. A violência intrafamiliar, por exemplo, é toda ação ou omissão que prejudica o bem-estar, a integridade sica, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser come da dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e em relação de poder à outra. Não se restringe ao espaço sico onde a violência ocorre (MS, 2002). Já a violência domés ca se dis ngue da violência intrafamiliar por incluir outros membros do grupo, sem função parental, que convivem no espaço domés co. Incluem-se aí empregados(as), pessoas que convivem esporadicamente no domicílio ou agregados. Outro po recorrente de violência é a psicológica, que é iden ficada quando existe um po de assimetria nas relações entre as pessoas, mais especificamente nas relações de poder. Ela se expressa na imposição de forças de uma pessoa sobre a outra, que é subjugada num processo de apropriação e dominação da sua vontade. Pode produzir na pessoa que foi subjugada comportamentos destru vos, isolamentos, medos/fobias, entre outros. São exemplos desse po de violência as ameaças de morte, a humilhação pública ou privada, a tortura psicológica, a exposição indevida da imagem da criança ou do adolescente (FALEIROS,1996; AZEVEDO; GUERRA, 1998). A violência sica, por sua vez, se refere a toda e qualquer ação, única ou repe da, não acidental ou intencional, come da por um agente agressor, provocando danos sicos que podem variar entre as lesões leves a consequências extremas, como a morte (LACRI/USP, s/d). São exemplos de violência sica as surras, os espancamentos, as queimaduras, as agressões com obje vo contundente, a supressão da alimentação com caráter puni vo e as torturas (Manual de Instruções para o Registro das Informações especificadas na Resolução CIT nº 04/2011, alterada pela Resolução CIT nº 20/2013). Expressa-se por meio da omissão e do descumprimento de responsabilidades por parte daqueles que têm o dever de cuidar e proteger: família, Estado e sociedade. Consiste na omissão injus ficada por parte dos responsáveis em supervisionar ou prover as necessidades básicas da criança, adolescente, pessoa idosa ou pessoa com deficiência, os quais, face ao estágio do desenvolvimento no qual se encontram e/ou de suas condições sicas e psicológicas, dependem de cuidados constantes. Pode representar risco à segurança e ao desenvolvimento do indivíduo, podendo incluir situações diversas, como por exemplo: privação de cuidados necessários à saúde e higiene; descumprimento do dever de encaminhar a criança ou adolescente à escola; deixar a pessoa sozinha em situação de iminente risco à sua segurança, etc. O abandono consiste na forma mais grave de negligência. Pode ser parcial, por exemplo, quando os pais ou responsáveis se ausentam temporariamente deixando a pessoa (criança ou adolescente, pessoa idosa ou com deficiência, por exemplo) em situação de risco; ou total, que se caracteriza pelo afastamento completo do convívio daqueles responsáveis pelo seu sustento, apoio, amparo e proteção. Dessa forma, tais pessoas ficam expostas a inúmeros riscos, tendo os seus direitos básicos violados. Segundo Azevedo e Guerra (2008), é importante diferenciar a negligência daquelas situações jus ficadas pela condição de vida da família. No âmbito dos atendimentos socioassistenciais, é necessário considerar se a família como um todo está vivenciando situações de abandono e/ou se os seus direitos básicos também estão sendo negligenciados. Assim, antes de realizar o encaminhamento de usuários ao SCFV alegando-se situação de negligência, é preciso conhecer, de maneira mais aprofundada, as condições de vida da família, de modo a iden ficar os recursos e estratégias que ela mobiliza para prover proteção a seus integrantes. A avaliação superficial de certas situações pode levar à conclusão equivocada de que se trata de negligência. Nessa avaliação, é preciso atentar-se aos esforços que as famílias realizam para garan r, por exemplo, o mínimo necessário à subsistência de seus integrantes. Isso se aplica, por exemplo, nas situações em que os provedores da família deixam as crianças pequenas aos cuidados de irmãos ou primos mais velhos para ir trabalhar. Trata-se de uma situação bastante complexa, que não toca apenas os deveres dos pais ou responsáveis em relação às criança e adolescentes. O Estado é responsável por implementar polí cas públicas capazes de dar suporte, alterna vas e meios às
famílias, a fim de que crianças e adolescentes não fiquem desprotegidos na hipótese de sua família não ter condições de protegê-los integralmente e constantemente. Se o Estado não oferta – ou oferta de modo insuficiente para suprir a demanda total - o suporte, as alterna vas e os meios – que, neste caso, podem ser creche, escola em tempo integral, programas ou projetos de acesso a esporte, lazer e cultura no contraturno escolar – também é negligente com relação às famílias, às crianças e aos adolescentes. Nessa situação, a família é colocada em uma “encruzilhada”, pois precisa assegurar o sustento das crianças e adolescentes por meio do trabalho dos adultos e também deve mantê-los em segurança durante a sua ausência, sem ter, entretanto, com que/quem contar. No atendimento socioassistencial, é importante ter um olhar sensível a esse po de situação, a fim de não culpar as famílias, julgando-lhes negligentes, quando, na verdade, a situação sugere um contexto de negligência bem mais complexo do que a aparência. Diante de uma situação como essa, cabe aos técnicos dos serviços socioassistenciais auxiliar as famílias a encontrar alterna vas mais adequadas para a proteção das crianças e adolescentes, por exemplo, localizando possíveis parceiros na rede local para os quais as crianças e adolescentes possam ser encaminhados durante a ausência dos pais ou responsáveis. Os técnicos devem acionar, ainda, o Conselho Tutelar, que é o órgão competente para apurar violações de direitos contra crianças e adolescentes e aplicar as medidas prote vas cabíveis, caso sejam necessárias. É importante considerar que a situação de negligência assim é caracterizada quando a ausência ou omissão injus ficada dos familiares adultos submete a risco ou a violação de direitos a pessoa que demanda cuidados. Assim, nos encaminhamentos de usuários ao SCFV, é preciso zelo para não banalizar a situação de negligência, aplicando-a indiscriminadamente às pessoas. Constatada essa situação, mais do que encaminhar os usuários a esse serviço, é necessário acionar a rede de proteção e defesa de direitos – Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros, a fim de que a situação seja apurada e que as autoridades competentes tomem as medidas capazes de fazer cessar o problema. Os profissionais responsáveis pelo atendimento à família devem fazer uma leitura atenta do contexto familiar, a fim de não incorrer em simplificações da realidade vivenciada pela família (Orientações Técnicas: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos, MDS, 2013 – versão preliminar - com adaptações). (BRASIL, 2016a, p. 35-38)
Discussões complementares A questão da violência é complexa, coexis ndo uma série de ins tuições, autores e perspec vas teóricas que versam sobre o tema. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define “a violência como o uso de força sica ou poder, em ameaça ou na prá ca, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”, demarcando o lugar do poder nas situações reconhecidas como de violência. Para Foucault (1982, apud. MAIA, 1995), violência e poder não são sinônimos. A violência pode ser u lizada como um instrumento nas relações para a garan a do poder. “Ele [o poder] é uma estrutura de ações; ele induz, incita, seduz, facilita ou dificulta; ao extremo, ele constrange ou, entretanto, é sempre um modo de agir ou ser capaz de ações. Um conjunto de ações sobre outras ações”. (FOUCAULT, 1982, p. 220, apud. MAIA, 1995, p. 90)
Dessa forma, pode se compreender que o poder é elemento fundamental das relações sociais, que podem facilitar ou dificultar as ações, os empreendimentos dos sujeitos no seu co diano, na relação com outras pessoas, ins tuições, desafios, desejos, etc. No entanto, torna-se violência quando o poder é assimétrico e, a si próprio ou a outras pessoas, constrange, promove dano sico e/ou psicológico, pontual ou prolongado.
Os territórios mais vulneráveis, em que as desigualdades são destacadas e questões como pobreza, más condições de saneamento, mobilidade, infraestrutura e acesso às polí cas públicas em geral – que por si só já configuram violação de direitos – afetam diretamente a vida de famílias e indivíduos, facilitam outras formas de violência, exigindo das pessoas e grupos que ali vivem formas improvisadas de organização para lidar com as dificuldades onde o Estado não se faz presente. Um exemplo são as comunidades dominadas pelo tráfico que garantem, ainda que de forma secundária e precária, a renda e a segurança de muitas famílias. No entanto, apesar de a violência ser comumente associada à população mais pobre, ela se expressa em todas as camadas da sociedade e em diferentes modulações. No entanto, o empoderamento econômico e social desses indivíduos e famílias, para além da garan a de proteções e bene cios, também pode se configurar em barreiras para a atuação do Estado e das polí cas públicas, permanecendo veladas, dadas as formas mais sofis cadas de sua ocorrência e o domínio que o privado acaba estabelecendo sobre as polí cas públicas e o próprio Estado. Além disso, a polí ca de Assistência Social no imaginário cole vo ainda é muito restrita ao campo da pobreza, de uma tradição beneficente, se materializando, muitas vezes, na atuação dos profissionais e na relação com o cidadão que poderia denunciar estes casos, como os de violência domés ca, por exemplo. Os profissionais da Proteção Social Básica de Campinas compreendem que a situação de violência, quando da sua ocorrência ou eminência, tem de ser observada em sua complexidade, não reduzindo ou fragmentando os indivíduos e famílias que vivenciam e sentem a violência de forma singular, dependendo de suas relações e do capital cultural de cada um. No entanto, sem o intuito de generalizar, foram iden ficadas várias formas de violência, que se associam e inter-relacionam com outras questões, e que estão em consonância com o que dispõe o Conselho Nacional de Jus ça (CNJ), inclusive, algumas já explicitadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), dentre elas:
· Violência sica - ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade sica de uma pessoa. · Violência moral - ação des nada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação de qualquer pessoal, famílias ou grupos. · Violência psicológica - ação ou omissão des nada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de in midação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal. · Violência de gênero ou por orientação sexual - violência psicológica e/ou sica sofrida pelo fato de ser mulher, traves , transexual, lésbica ou gay, produto de um sistema social que subordina o feminino, denominado machismo; e que tem a heterossexualidade como modelo dominante de orientação sexual, chamado heteronorma vidade.
· Violência étnico-religiosa: violência moral e sica, mo vadas pela discriminação e ódio às diferenças por cor da pele, descendência e/ou prá ca religiosa, como as de matriz africana. · Violência domés ca e familiar – ocorre dentro de casa ou no âmbito das relações familiares, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha, etc) ou civil (marido, sogra, padrasto, ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo, ou o do marido) ou afe vidade (amigo ou amiga que more na mesma casa). · Violência sexual - ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual ( sico ou verbal), ou a par cipar de outras relações sexuais com uso da força, in midação, coerção, sedução, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Também se considera violência sexual o fato do autor da violência obrigar a ví ma realizar alguns desses atos com terceiros. Este po de violência se caracteriza como uma situação prioritária específica para os SCFV. A negligência em relação às crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, conforme exposto pelo MDS, se dá pela omissão ou descumprimento da responsabilidade de cuidar e proteger, seja por parte da família, do Estado e/ou da sociedade; além disso, demarca a importância de não se banalizar o conceito, principalmente por parte das famílias, quando estas também estão vi madas por algum processo de exclusão e/ou violência, o que “inclui pobreza, discriminação, subalternidade, não equidade, não acessibilidade, não representação pública” (SPOSATI, 1996, p.11) Dessa forma, em vez de culpabilizar e tomar alguma inicia va que penalize a família, é necessário inicialmente compreender se, para que ela cumpra o papel que lhe é social e legalmente atribuído, há condições mínimas de sobrevivência, renda, emprego, serviços públicos adequados, habitação, saúde, educação e assistência; e que ela seja respeitada em suas diferentes organizações, em seus direitos civis e sociais. Caso haja a iden ficação de alguma privação que interdita os direitos das famílias e integrantes, a ar culação entre as diferentes polí cas públicas precisa ser tratada com urgência e prioridade, para que a superação ou minimização dos danos sejam efe vadas, a fim de que ela (re)estabeleça sua capacidade prote va. Além disso, qualquer intervenção que resulte em alguma medida legal deve ser considerada como temporária, ou seja, um período para o (re)estabelecimento dessa capacidade.
IV. FORA DA ESCOLA OU COM DEFASAGEM ESCOLAR SUPERIOR A 2 (DOIS) ANOS Definição pelo MDS Situação em que crianças e adolescentes veram o prosseguimento regular do percurso escolar interrompido ou re do. A interrupção implica em abandono dos estudos ou evasão escolar. A retenção poderá ocorrer devido a situações de repetência escolar, de modo que o estudante passa a vivenciar uma defasagem em relação ao ano/série/ciclo em que deveria estar na escola e a sua faixa etária. Em algumas situações, esse descompasso passa a ser incompa vel com a organização (seriada ou em ciclos) estabelecida para o sistema regular de ensino. Vale lembrar que, de acordo com a legislação, a obrigatoriedade de inserção no ensino fundamental é a par r de 6 (seis) anos. O encaminhamento de crianças e adolescentes que estejam fora da escola ou em defasagem escolar ao SCFV é coerente com um dos obje vos desse serviço, que é o de contribuir para a inserção, reinserção e permanência dos usuários no sistema educacional, com o reconhecimento de que a educação é um direito de cidadania (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, 2009, p. 12-13). (BRASIL, 2016a, p. 38.)
Discussões complementares Esta situação prioritária é compreendida pela condição de estar fora da escola ou em defasagem superior a dois anos, de acordo com o ciclo/série correspondente à idade escolar ideal. É uma questão complexa, que não se resolve apenas com o retorno escolar de quem está fora ou com a progressão con nuada do aluno que não desenvolveu o aprendizado dos conteúdos propostos para determinado período. ara além da evasão escolar e a dissonância entre o ciclo/série e a idade escolar ideal, os SCFV recebem P crianças e adolescentes com defasagem de aprendizagem em relação ao conteúdo do ano em que cursam; muitos são iden ficados como analfabetos funcionais, com dificuldades de leitura, escrita, interpretação e cálculos simples. Apesar destes casos (em que não se apresenta a evasão ou a defasagem entre ciclo/série e idade escolar, mas com prejuízo na aprendizagem) não configurarem situação prioritária, de acordo com as orientações do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), estas crianças e adolescentes são público-alvo dos SCFV, uma vez que o prejuízo na aprendizagem potencializa o risco da evasão e da defasagem escolar. Essa nova diretriz para os SCFV reforça a proposta de convivência para fortalecimento de vínculos, com a intencionalidade de proteção social, superando a concepção equivocada de contraturno ou de serviço complementar à escola. Portanto, aulas de reforço e exigência de matrícula ou frequência escolar para acesso aos SCFV são vedadas. Além disso, muitos jovens, adultos e idosos não iniciaram ou veram seu processo de escolarização interrompido e podem ter acesso a essas etapas da escolaridade por meio de cursos e avaliações, através da Educação de Jovens e Adultos (EJA) ou do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). s profissionais da Proteção Social Básica de Campinas iden ficaram outros fatores que podem O contribuir para a evasão e/ou a defasagem escolar de crianças e adolescentes. São eles: · Patologização e medicalização; · Desnutrição;
Questões de saúde mental sem a devida atenção/cuidado; · Desigualdade social; · Trabalho infan l; · Doenças orgânicas; · Uso de substâncias psicoa vas pela criança/adolescente ou pela mãe durante a gestação; · Envolvimento com o tráfico de drogas ou outras a vidades ilícitas; · Falta de saneamento básico em casa; · Violência domés ca; · Situações de bulling (violência moral e/ou sica); · Sistema educacional não atra vo; · Expulsão da escola. ·
o entanto, os fatores acima citados também não se produzem de forma isolada, mas fazem parte de N uma rede de relações que compõe a história e a experiência daqueles que vivem estas situações. ão é incomum encontrar discursos que tentam explicar a evasão e a defasagem escolar de forma N ar ficial, resultando em categorizações genéricas e/ou na culpabilização da escola e, principalmente, do próprio aluno e sua família. Afirmar que crianças e adolescentes, em especial os mais pobres e que moram em bairros periféricos, são vi mados por “famílias desestruturadas” é um exemplo deste po de categorização. De acordo com Asbahr e Lopes (2006), trata-se de uma posição preconceituosa que precisa ser superada e que diversos autores, dos quais, Marilena Chauí e Maria Helena de Souza Pa o, refletem: “a pobreza, desde o início da revolução industrial, passou a ser entendida como inferioridade moral e sica, natural de povos e indivíduos primi vos e transformou-se em instrumento de culpabilização das classes populares por suas condições de vida”. (ASBAHR E LOPES, 2006, p. 64)
Além disso, a organização das famílias está cada vez mais diversificada e a perspec va de uma família nuclear, tradicional, como organização familiar ideal, está cada vez mais distante da realidade social. Famílias com casais homoparentais e/ou com mulheres liderando o grupo familiar, e/ou com avós, os e agregados compar lhando o cuidado, são exemplos de novos arranjos que têm se tornado cada vez mais frequentes e precisam ser compreendidos em sua singularidade, nas relações que as cons tuem, nas necessidades e desejos que mobilizam seus membros e que dão sen do ao seu agrupamento familiar; crenças pessoais ou valores culturais dominantes não podem servir de manual para a leitura e a compreensão das dinâmicas familiares. É necessário que a criança e/ou o adolescente nesta situação prioritária sejam compreendidos na relação com a estrutura e organização de sua família, com a realidade de sua comunidade e do território ao qual circulam, com o acesso aos recursos materiais e imateriais ao qual dispõem ou carecem, e com o próprio sistema escolar. Assim como outras queixas escolares, a evasão ou a defasagem não podem ser concebidas como problemas que se encerram no aluno, de forma naturalizada, mas, conforme aponta Asbahr e Lopes (2006, p. 70), “um processo construído nas relações escolares, nas histórias de vida dos personagens
envolvidos, nas relações ins tucionais. Estas, por sua vez, só podem ser entendidas no contexto maior da estrutura social como produto da história.” A defasagem ou a interrupção do processo de escolarização acarreta àqueles que estão nesta situação outras vulnerabilidades sociais, tendo em vista que os códigos formais, como a escrita, a leitura, o raciocínio lógico, os esquemas de interpretação, dentre outros, são instrumentos de poder no acesso e no pleito de direitos sociais. Além disso, a dificuldade para o ingresso no mercado de trabalho, sendo relegados a trabalhos desprotegidos, que comprometem a integridade biopsicossocial, com baixa remuneração, perpetuando os ciclos de pobreza, é outra possível consequência da exclusão desses sujeitos do processo de escolarização. ortanto, não cabe aos profissionais e serviços socioassistenciais um posicionamento conservador P para a situação de evasão e defasagem escolar, ou seja, que empreende um certo modo de análise repe vo, genérico e centrado em valores individuais. É necessário um olhar ampliado e crí co para cada caso; fomentar a ar culação com outras polí cas públicas, principalmente de Educação, a fim de se promover estratégias e contribuir para a criação de alterna vas no sistema escolar, incluindo as propostas pedagógicas e a forma de funcionamento das escolas; a produção de sen do para o retorno ou para a implicação no processo de escolarização daquele que evadiu ou está em defasagem; além da necessidade de construir com estes sujeitos outras relações (com a família, com o bairro, com grupos e ins tuições) que promovam sua proteção social.
V. EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO Definição pelo MDS Situação em que famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados são atendidos em diferentes equipamentos de permanência provisória ou longa, a depender de cada situação, garan ndo a privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de: ciclos de vida, arranjos, raça/etnia, deficiência, gênero e orientação sexual, a fim de ter garan da a sua proteção integral. O SCFV não poderá ser executado nas unidades de acolhimento. Os usuários deverão par cipar das a vidades nas unidades executoras, sejam elas de execução direta ou indireta, tendo em vista que esse serviço, entre outras atribuições, deve favorecer as trocas culturais e de vivências entre os usuários, a socialização e a convivência comunitária, além da heterogeneidade na composição dos grupos (Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, 2009, p. 9-10). As Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (MDS, 2009, p. 56) afirmam que o acolhimento não deve significar a privação do direito à convivência comunitária. É necessário que haja parceria com as redes locais e a comunidade para favorecer a construção de vínculos significa vos entre crianças, adolescentes e comunidade. As pessoas em situação de acolhimento devem par cipar da vida diária da comunidade e ter oportunidade de construir laços de afe vidade significa vos com a mesma. Nesse sen do, a par cipação dos usuários em situação de acolhimento no SCFV deve propiciar a sua circulação no território onde são estabelecidas as relações sociais mais recorrentes e nos seus arredores, de maneira a apropriar-se da história do local, perceber suas necessidades e potencialidades, a fim de que também par cipe nos processos intervenção e mudança por meio do exercício da cidadania. A realização do grupo de convivência do SCFV na própria unidade de acolhimento, apenas com usuários acolhidos, dificulta o alcance dos obje vos propostos. (BRASIL, 2016a, p. 38-39)
Discussões complementares O acolhimento ins tucional de crianças e adolescentes, geralmente em Abrigo Ins tucional ou Casalar, deve ser de caráter excepcional e provisório, e nunca de longa permanência. A reavaliação do acolhimento, de acordo com a Lei Federal 12.010/2009, deve ocorrer a cada seis meses e, em até dois anos, as crianças e adolescentes precisam estar reinseridos à vida sociofamiliar, salvo análise muito criteriosa do caso. Por isso da importância na “agilização do fluxo de informações entre os diversos serviços da rede de proteção (Varas da Infância, Conselho Tutelar, ins tuições de acolhimento) com a implantação de cadastros estaduais e nacional de crianças e adolescentes”. (GULASSA, 2010, p. 22) A determinação sobre o acolhimento de crianças e adolescentes é ato exclusivo do Poder Judiciário, no entanto, ele se concre za, na maioria dos casos, com a par cipação da rede de serviços que acompanha as crianças, os adolescentes e suas famílias. Nas emergências sociais, em que os direitos são violados, o Conselho Tutelar é acionado e “os conselheiros tomam as providências iniciais para garan r a segurança e a proteção da criança ou do adolescente e podem (em casos de extrema gravidade) encaminhar para os serviços de acolhimento”. (GULASSA, 2010, p. 32) No caso de idosos, o acolhimento geralmente é de longa permanência em abrigo ins tucional e ocorre após estudos realizados pelos serviços da rede socioassistencial (DAS, CRAS, SCFV, CREAS, dentre outros) em que recebem atendimento, ou por demanda do sistema judiciário, sempre remetendo a solicitação, acompanhada de relatório, à gestão do DOAS, responsável pela regulação das vagas.
ontudo, o acolhimento ins tucional de crianças, adolescentes e idosos deve ser considerado como C úl ma alterna va, após terem sido esgotadas todas as estratégias de intervenção, inicialmente com a família de origem e posteriormente com a família extensa; ocorre quando há manutenção da situação de violência ou efe vo risco de morte. s SCFV compõem a rede de proteção social à criança, ao adolescente e ao idoso (ciclos de vida O contemplados no grupo prioritário). Por essa responsabilidade, os SCFV poderão realizar o trabalho antes, durante e após o acolhimento: na prevenção, iden ficando riscos ou direitos violados, ar culando com os demais serviços socioassistenciais, principalmente com os CRAS, DAS e os CREAS, além de outras polí cas públicas do território, para o enfrentamento das questões vivenciadas pelos indivíduos e suas famílias; na iden ficação das situações, que após as intervenções ar culadas intersetorialmente demandem encaminhamentos no sen do do acolhimento; na par cipação do Plano Individual de Atendimento (PIA), no caso de criança ou adolescente acolhido, contribuindo para o retorno destes ao convívio da família de origem ou extensa e, posteriormente, na prevenção da reincidência. esse contexto, a atenção e o cuidado dos serviços, para não incorrerem em equívocos quanto à N sugestão de acolhimento ins tucional, é fundamental. Conforme aponta Valente (2008, p. 148), “uma dificuldade a ser superada no trabalho com famílias é a carga de ideologias e valores dos profissionais, a maioria das vezes não explicitada verbalmente, mas expressos em ações e a tudes.”
A mudança paradigmá ca que envolve toda a Polí ca de Assistência Social no âmbito do SUAS coíbe a culpabilização das famílias sobre situações que não dependam exclusivamente da vontade ou do mérito delas, como é a questão da pobreza, por exemplo. Neste caso, todas as inves das para a superação do problema, como a inserção das famílias em programas de transferência de renda, de segurança alimentar, de habitação, de acesso à creche e/ou escola e das demais polí cas públicas necessárias, devem ser priorizadas, para se prevenir ou até para se reverter a situação de acolhimento. Com o propósito de promover o fortalecimento de vínculos de seus usuários com o território ao qual se relacionam, os SCFV devem mobilizar os indivíduos a par ciparem das decisões públicas e es mular o seu protagonismo quando da busca por direitos sociais. Na ocasião do acolhimento prioriza-se a manutenção do co diano das crianças, dos adolescentes e dos idosos em seu território, onde os vínculos prote vos sejam significa vos, inclusive no SCFV em que eventualmente frequentem, dentre outros espaços. Na impossibilidade dessa manutenção, em decorrência do distanciamento e/ou rompimentos de vínculos relacionais, que deve ocorrer somente em úl mo caso, os mo vadores das possíveis mudanças, como exposição às situações vulneráveis, dificuldade de mobilidade, falta de vagas, dentre outros, devem ser amplamente trabalhados com os acolhidos, a fim de se prevenir ou reduzir os riscos e as desproteções sociais existentes e de se evitar novas.
É importante ressaltar que, mesmo com a dificuldade de transporte entre a ins tuição de acolhimento e o SCFV, a escola, por exemplo, é fundamental que todas as inves das para a superação da barreira e a consequente viabilização da par cipação sejam empreendidas. O interesse e o valor destes espaços para os usuários devem ser priorizados. Caso a criança, o adolescente ou o idoso acolhido ainda não par cipe do SCFV, sua inserção é indicada como público prioritário, espaço que deve se configurar como prote vo. Apesar do encaminhamento de acolhidos aos SCFV ainda não ser uma prá ca frequente, ela deve ser incen vada e es mulada pela rede socioassistencial e pelo Sistema de Garan a de Direitos (SGD), este úl mo, no caso de crianças e adolescentes. uitos idosos, por questões de saúde e dificuldades de mobilidade comuns à idade, podem ter M dificuldades de acesso ao SCFV. Portanto, a ar culação com os serviços de saúde, como a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e com a própria rede sociassistencial, pode resultar em ações potentes que garantam o acesso destes usuários aos SCFV e a outros serviços. ão é indicada a ocorrência de ações do SCFV dentro das ins tuições de acolhimento, principalmente N de crianças e adolescentes, tampouco em grupos exclusivos para estes públicos, prá ca que es gma za e marginaliza. A lógica que prevê a oferta de serviços de saúde, de educação, de assistência social, de lazer, dentre outros, dentro das ins tuições, evitando que as pessoas saiam para buscá-los em outros espaços da sociedade, se aproxima das caracterís cas do que Goffman (1987 apud. BENELLI, 2004) chamou de ins tuições totais: um modo de funcionamento que produz a ins tucionalização e seus efeitos iatrogênicos na cons tuição das subje vidades. Por isso, deve ser es mulado o acesso e a par cipação deste público em espaços e grupos diversificados, intergeracionais, com temá cas que façam sen do aos seus usuários, a fim de se promover a construção e o fortalecimento de vínculos prote vos dos acolhidos com o território e as ins tuições, serviços e pessoas que nele convivem.
VI. EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA EM MEIO ABERTO Definição pelo MDS As medidas socioeduca vas em meio aberto, previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são aplicáveis a adolescentes autores de atos infracionais com idade entre 12 a 18 anos incompletos. Configuram-se em resposta à prá ca de ato infracional, devendo ter um caráter educa vo, e de responsabilização do adolescente quanto às consequências do ato infracional. O art. 112 do ECA afirma: “Verificada a prá ca de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas em meio aberto: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assis da; e medidas em meio fechado: V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (Lei nº 8.069/1990). Conforme dispõe a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009), cabe ao Serviço de Proteção Social a Adolescentes em cumprimento de Medida Socioeduca va de Liberdade Assis da (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), ofertado no CREAS, prover atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeduca vas em meio aberto, determinadas judicialmente. A PSC está prevista no art. 117 do ECA e consiste na realização por parte do adolescente de serviços comunitários gratuitos e de interesse geral, como a vidades em hospitais, escolas, creches, en dades e organizações de Assistência Social, com duração máxima de seis meses. Já a LA está prevista no art. 118 do ECA e implica, por um período de no mínimo seis meses, em restrição de direitos, mas mantém o adolescente no meio familiar e comunitário, acompanhado por um técnico de referência. É importante ressaltar que a par cipação dos adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeduca va nos grupos de convivência do SCFV complementa o acompanhamento familiar que é realizado no âmbito do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), tendo, em relação a estes, os mesmos obje vos que estão descritos para os demais adolescentes que par cipam do SCFV (conferir pergunta nº 3 deste documento). Nesse sen do, o SCFV não é um espaço onde os adolescentes em cumprimento de medidas socioeduca vas devam estar segregados e, principalmente, não se des na ao cumprimento de PSC e LA. O encaminhamento desses adolescentes aos grupos de convivência do SCFV deve estar estreitamente relacionado ao atendimento/acompanhamento de sua família no PAEFI ou no PAIF e ao exercício do direito de conviver e fortalecer os seus vínculos familiares e comunitários. (BRASIL, 2016a, 39-40)
Discussões Complementares O SCFV não possui caráter sancionatório nem reparador de atos infracionais come dos pelos adolescentes. Por isso, a par cipação deste público nos SCFV não deve ser vinculada ao tempo da Medida Socioeduca va (MSE). Em outras palavras, o encerramento da MSE não implica no desligamento do adolescente do serviço. execução do serviço de Medida Socioeduca va (MSE) em Meio Aberto deve acontecer de forma A ar culada entre a Proteção Social Especial de Média Complexidade (PAEFI ou serviço complementar), a Proteção Social Básica (principalmente nos SCFV e, quando necessário, com a família no PAIF/CRAS), além da ar culação entre outras polí cas públicas, para a oferta de atendimento integral aos adolescentes e suas famílias. lém disso, o adolescente em cumprimento de MSE é considerado público prioritário para os SCFV, A que deverá organizar a oferta de serviços para este público, evitando a formação de grupos específicos “para não suscitar preconceitos e segregação, uma vez que o obje vo do diálogo entre estes dois serviços deve ser a ampliação das relações de sociabilidade desses adolescentes”. (BRASIL, 2016b, p. 55)
As estratégias devem ser pensadas e efe vadas no sen do da inserção deste público nos espaços e ações gerais dos SCFV. Sabe-se que muitos chegam – quando chegam – aos serviços marcados por um forte processo de es gma zação e marginalização, desafiando os profissionais a não reproduzirem a discriminação. A par cipação de adolescentes em cumprimento de Medida Socioeduca va no SCFV deve ocorrer da mesma forma que a dos demais adolescentes prioritários ou não prioritários, garan ndo-lhes os mesmos direitos e deveres. As ações e a vidades não devem ser orientadas para o ato infracional, mas, voltar-se para adolescente e suas relações, possibilitando a construção de novos vínculos e a ampliação de suas vivências e projetos de vida, tais como de esporte, retorno à escola, culturais, etc. É importante destacar que todas essas ações e a vidades serão potenciais quando levadas em consideração os interesses, ap dões e perspec vas dos par cipantes, inclusive com o intuito de se prevenir evasões e frustrações no processo de par cipação. Tendo em vista a alta rota vidade de educadores nos SCFV e a importância de uma prá ca que não reitere preconceitos, o processo de formação dos profissionais deve ser con nuo, tanto para dentro das ins tuições, quanto a nível de gestão pública, a fim de que todos estejam atentos a estas necessidades e preparados para o acolhimento dos adolescentes: promover e ins tuir espaços de discussão e reflexão nos serviços (reuniões de equipe); compar lhar as informações necessárias entre os profissionais sobre os usuários dos serviços; planejar em equipe e executar a vidades com intencionalidade, ou seja, com obje vos delineados e refle dos, evitando o improviso como prá ca con nua ou a ideia de oficina para ocupação do tempo. Portanto, é imprescindível dinamizar a metodologia das ações ofertadas pelos SCFV, de forma que estas acompanhem as mudanças sociais, tecnológicas, culturais, polí cas, dentre outras, considerando as especificidades de cada território e priorizando a escuta qualificada para todo o público atendido pelo serviço. Nem sempre apenas a intervenção dos serviços socioassistenciais dá conta de responder às problemá cas e aos anseios dos usuários. Muitas vezes, dependem de aspectos macrossociais e da organização da própria sociedade, ultrapassando os limites dos usuários, das famílias e do próprio território em que vivem. Nesse sen do, além de ar cular com outras polí cas públicas e es mular a par cipação popular nos espaços de controle social, é também responsabilidade é co-polí ca dos serviços ar cularem e apontarem os limites e análises nos diferentes espaços de gestão e deliberação, para que as problemá cas sejam tensionadas, refle das e suas respostas construídas de forma ampliada e cole va. Um exemplo deste limite é o envolvimento de adolescentes como tráfico de drogas, que resultam, entre outras coisas, na capitação de renda e no reconhecimento social, dificultando a construção de alterna vas que subs tuam essa prá ca. Conforme explicado no Caderno de Orientações Técnicas - Serviços de Medidas Socioeduca vas em Meio Aberto, “símbolos valorizados socialmente são encontrados pelo adolescente e pelo jovem no tráfico. Status, autoes ma e virilidade são vantagens simbólicas não encontradas facilmente em outros espaços sociais. Existem ganhos simbólicos com a inserção no tráfico que podem ser mais significa vos do que os ganhos econômicos”. (ATHAYDE; MV BILL; SOARES, 2005 apud BRASIL, 2016b, p. 25)
Por fim, no encerramento da Medida, o adolescente não deixa de ser público prioritário. Pelo contrário, permanece vinculado ao SCFV, pois os egressos de MSE também são considerados público prioritário nestes serviços. (Vide protocolos e fluxogramas municipais para as MSE em: http://www.campinas.sp.gov.br/governo/cidadania-assistencia-e-inclusaosocial/doas_mais_informacoes_creas.php)
VII. EGRESSOS DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS Definição pelo MDS As medidas socioeduca vas têm duração máxima de três anos, e podem ser reavaliadas a qualquer momento pelo Judiciário. O adolescente ou jovem que cumpriu inteiramente sua medida, seja em meio aberto ou fechado, é considerado egresso de medidas socioeduca vas. (BRASIL, 2016a, p. 40)
Discussões complementares De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), são considerados egressos de Medidas Socioeduca vas (MSE) em meio aberto ou fechado, para efeito de público prioritário, adolescentes e jovens com idade entre 12 e 21 anos. O egresso de MSE pode chegar ao SCFV através de encaminhamento da rede socioassistencial, do Sistema de Garan a de Direitos (SGD), por busca espontânea ou se tornar egresso dentro do próprio SCFV, quando este já es ver em par cipação no período de cumprimento da Medida. Assim como em relação aos adolescentes em cumprimento, há uma grande dificuldade de vinculação dos egressos de MSE com os SCFV e, em alguns casos, ainda mais agravado em decorrência do término da Medida que influencia na par cipação. A acolhida do jovem ou adolescente, assim como de qualquer usuário dos SCFV, é fundamental no processo de vinculação. A escuta enquanto estratégia requer uma disponibilidade dos profissionais em receber as histórias, as angús as, os medos e os desejos de cada um sem julgamentos preestabelecidos por valores pessoais e/ou ideais, fazendo com que se sintam valorizados e reconhecidos em suas trajetórias, a fim de favorecer a reflexão das experiências e a (re)construção de projetos de vida. É importante que os SCFV atuem como facilitadores na concre zação desses projetos, que pode demandar desde a criação de espaços de convivência, até a ar culação com outras polí cas públicas, intra e intersetoriais, que possibilitem ofertar vivências ar s cas, culturais, de estudos, de formação profissional, dentre outras, e que dialoguem com os anseios destes jovens. O fato de muitos não considerarem as a vidades atra vas é um grande impasse vivido pelos profissionais dos serviços, que precisam desenvolver ofertas que façam sen do para esse público, com temá cas e linguagem próximas à realidade de seus usuários. Portanto, a constante revisão metodológica das a vidades e ações deve ser priorizada pelos serviços. Não só para este, mas tendo em vista todos os públicos que acessam os SCFV, além da ar culação com as demais polí cas públicas, os Conselhos Municipais e os diferentes espaços de gestão.
A rotulação e a reiteração do estereó po não podem ocorrer. Os profissionais precisam estar constantemente atentos, inclusive, cuidando do sigilo das informações, para que os demais usuários dos SCFV não obtenham acesso à história do outro através da ins tuição, deixando para o jovem ou o adolescente a decisão de contar ou não sobre as questões que dizem respeito a ele, principalmente em relação à MSE. É fundamental não reduzi-los a este acontecimento. Outra questão importante para os adolescentes egressos de MSE é a pressão que, em muitos casos, eles sofrem por parte de familiares, e até dos próprios serviços socioassistenciais, no sen do de uma profissionalização e da sua inserção no mercado de trabalho, a fim de que não reincidam no ato infracional. Neste caso, se necessário, em ar culação com o PAIF, os SCFV devem intervir de forma cuidadosa, compreendo quais são as aspirações desses adolescentes, suas histórias e qual o sen do da profissionalização e do trabalho formal para cada um. As famílias, por vezes, para lidar com todas as expecta vas, possibilidades e limites, necessitam de acompanhamento. Assim como a questão do trabalho, o retorno à escola para aqueles que interromperam os estudos deve ser es mulado com base na produção de sen do, por isso, em alguns casos, os serviços socioassistenciais poderão ar cular com a escola, a fim de se trabalhar possíveis tensões e dificuldades, tanto por parte da ins tuição, quanto do jovem ou adolescente.
VIII. SITUAÇÃO DE ABUSO E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL Definição pelo MDS A violência sexual pode ocorrer por meio de contatos sicos não desejados, como carícias, penetração (oral, anal ou vaginal com pênis ou objetos), masturbação forçada, entre outros. São situações de violência sexual também os casos em que, embora não haja contato sico, implicam a exposição de sujeitos em ou a material pornográfico, exibicionismo (exposição dos genitais) e uso de linguagem ero zada em situação inadequada. A violência sexual pode ser caracterizada como exploração sexual e abuso sexual (CMESC,1996). O abuso sexual é um ato por meio do qual um adulto obriga ou persuade uma criança ou adolescente a realizar a vidade sexual que não é adequada para a sua idade e que viola os princípios sociais atribuídos aos papéis familiares (GOUVEIA, 2006). É todo e qualquer jogo sexual, em uma relação heterossexual ou homossexual, entre um ou mais adultos com uma criança ou adolescente, tendo por finalidade es mular sexualmente a criança ou u lizá-la para obter uma es mulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa (AZEVEDO; GUERRA, 1989). O abuso sexual se configura de diversas formas, sendo elas o exibicionismo, as carícias inapropriadas, a violação ou incesto, os telefonemas obscenos, o voyerismo (observar a vidades sexuais), o fe chismo (uso de objetos inanimados) e o fro eurismo (tocar ou roçar-se numa pessoa que não consente). Já a exploração sexual se refere a todo e qualquer uso de criança ou adolescente para propósitos sexuais em troca de dinheiro ou favores em espécie entre a criança, o intermediário ou agenciador, o qual se beneficia do comércio de crianças para esse propósito. Cons tuem casos de exploração sexual a pros tuição de crianças e adolescentes, a pornografia, o turismo sexual, o tráfico de crianças e adolescentes para fins comerciais e sexuais (Manual de Instruções para o Registro das Informações especificadas na Resolução CIT nº 04/2011 alterada pela Resolução CIT nº 20/2013; CMESC, 1996). (BRASIL, 2016a, p. 40-41)
Discussões Complementares De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2014), a violência sexual pode ser definida como: · qualquer ato sexual ou tenta va de conseguir um ato sexual; · insinuações ou comentários de conotação sexual não desejados, ou atos para negociar situações sexuais, que, por meio de coerção e/ou sedução, envolvem a sexualidade de uma pessoa, independentemente do relacionamento com a ví ma, em qualquer situação, inclusive em casa e no trabalho. Normalmente dis nguem-se três formas de violência sexual: · violência sexual envolvendo relações sexuais (por exemplo, o estupro); · violência sexual com contato (por exemplo, o toque indesejado, mas sem relação sexual); e · violência sexual sem contato (por exemplo, a ameaça de violência sexual, exibicionismo e assédio sexual verbal). De acordo com o Código Penal Brasileiro, é denominado Estupro o fato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal, a pra car ou permi r que com ele se pra que outro ato libidinoso se a ví ma é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos. É considerado Estupro de Vulnerável ter conjunção carnal ou pra car outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009). Ambos os crimes independem de representação da ví ma ou representante legal da ví ma.
Em muitos casos, em especial nos ambientes domés cos, essa violência não é percebida quando há a naturalização dos atos pelos membros familiares, principalmente ao se tratar de criança ou adolescente do gênero feminino, em que a violência de gênero se impõe, gerando medo e dificuldades na busca por proteção. A violência sexual também pode ocorrer a par r de uma ou mais crianças e/ou adolescentes sobre outra(s) criança(s) e adolescente(s), no entanto, nesses casos, os serviços que se depararem com esta situação devem avaliar cuidadosamente as relações de poder e as submissões implicadas, a idade dos envolvidos, dentre outros fatores, para que se desenvolva uma compreensão e uma dis nção entre as situações de violência e os processos de desenvolvimento saudáveis. É importante que situações como esta sejam sempre tratadas entre outros profissionais da ins tuição e/ou serviços socioassistenciais com cuidado e é ca, preservando as partes envolvidas, para que não se produza danos complementares e outras desproteções. É fundamental compreender se entre os envolvidos também existe histórico anterior de violência sexual. Já a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescente (ESCCA) é definida como uma violência, “que contextualiza em função da cultura (do uso do corpo), do padrão é co e legal, do trabalho e do mercado. A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes é uma relação de poder e de sexualidade, mercan lizada, que visa a obtenção de proveitos por adultos, que causa danos biopsicosociais aos explorados, que são pessoas em processo de desenvolvimento. Implica o envolvimento de crianças e adolescentes em prá cas sexuais, coerci vos ou persuasivos, o que configura uma transgressão legal e a violação de direitos à liberdade individual da população infanto-juvenil” (LEAL, 1999, p. 72 ).
Os profissionais da Proteção Social Básica de Campinas compreendem que são muitos fatores que contribuem para a violência e exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, dentre elas: · Pouca proximidade e atenção dos pais ou responsáveis; · Dificuldade ou falta de estratégias dos serviços socioassistenciais, das escolas e das famílias em trabalhar a reflexão de questões rela vas à corporeidade, sexualidade e gênero, para fortalecer a capacidade prote va de crianças e adolescentes diante das situações de risco; · Banalização, mercan lização e obje ficação do corpo e do sexo, principalmente através dos meios de comunicação; · Ligação com o tráfico de drogas e uso de substâncias psicoa vas; · Situação de pobreza e dificuldade de acesso às polí cas públicas; · Fragilidade dos vínculos sociais; · Sensação de impunidade pelo agressor. É importante que os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos produzam espaços para discussão sobre o tema, em que seus usuários possam debater e refle r abertamente sobre a questão, expondo seus modos de pensar, suas dúvidas, medos e experiências vividas. Cabe aos serviços da Proteção Social Básica (PSB) fortalecer indivíduos, famílias e comunidade na criação de condições prote vas, na
circulação de informações sobre as polí cas públicas existentes e o Sistema de Garan a de Direitos que deve ser procurado em caso de necessidade. Portanto, a PSB não atua no sen do de inves gar possíveis situações de violência sexual, no entanto, os DAS, CRAS e SCFV podem se configurar em espaços significa vos para seus usuários e, assim, possibilitar a iden ficação de violência sexual através dos atendimentos e a vidades ofertadas. Em caso de iden ficação, a interlocução cuidadosa com o CREAS, na Proteção Social Especial (PSE), e com outras polí cas públicas, como as de saúde, principalmente através das Unidades Básicas de Saúde (UBS), é fundamental para iniciar um processo avalia vo do caso, prevendo sempre a é ca e o sigilo das informações.
IX. COM MEDIDAS DE PROTEÇÃO DO ECA Definição pelo MDS Medidas de proteção são as aplicadas por autoridade competente (juiz, promotor, conselheiro tutelar) a crianças e adolescentes que veram seus direitos fundamentais violados ou ameaçados. A autoridade competente pode determinar, nos termos do art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V- requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - abrigo em en dade; VIII - colocação em família subs tuta (Lei nº 8.069/1990). (BRASIL, 2016a, p. 41)
Discussões complementares De acordo com as orientações do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), as Medidas de Proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) só podem ser aplicadas por autoridade competente: juiz, promotor e conselheiro tutelar. Contudo, em caso de iden ficação de situações que violem os direitos de crianças e adolescentes, e após ampla ar culação com os demais serviços socioassistenciais, os SCFV podem tensionar o Sistema de Garan a de Direitos (SGD) para que alguma medida seja aplicada. Independente do mo vo dessa aplicação e do po de Medida de Proteção do ECA, a criança ou o adolescente se torna público prioritário para os SCFV. Por exemplo: o juiz, o promotor, ou conselheiro tutelar, ao requisitar tratamento médico para uma criança ou adolescente como Medida de Proteção, torna-o público prioritário para os SCFV. Justamente por se tratarem de crianças e adolescentes que necessitaram de uma medida prote va, sua inclusão nos SCFV significa uma ação complementar de proteção. Além disso, o SGD pode requisitar a inclusão de crianças e adolescentes nos SCFV como Medida de Proteção do ECA, conforme estabelece a Lei Federal 8069/1990: “art. 101. - Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: (…)
IV – inclusão em
programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente”.
Por isso, a interlocução entre o SGD, através do poder judiciário e do Conselho Tutelar, e a Proteção Social Básica, através dos DAS, CRAS e os SCFV, bem como outros serviços socioassistenciais e outras polí cas públicas, é fundamental para garan r o acesso aos serviços e a proteção dessas crianças e adolescentes. Não cabe apenas aos órgãos do Sistema de Garan a de Direitos encaminharem este público aos SCFV, qualquer serviço socioassistencial, ao iden ficar crianças e adolescentes com Medida de Proteção do ECA em sua ro na de trabalho pode fazer o referenciamento. No acolhimento deste público e no co diano dos serviços, é fundamental que não haja posturas de revi mização e/ou julgamentos morais em relação ao fenômeno que mo vou a Medida de Proteção do ECA.
X. EM SITUAÇÃO DE RUA Definição pelo MDS De acordo com o Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que ins tuiu a Polí ca Nacional para a População em Situação de Rua, trata-se de grupo populacional heterogêneo, que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares fragilizados ou rompidos e a inexistência de moradia convencional regular. Essa população se caracteriza, ainda, pela u lização de logradouros públicos (praças, jardins, canteiros, marquises, viadutos) e áreas degradadas (prédios abandonados, ruínas, carcaças de veículos) como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como unidades de serviços de acolhimento para pernoite temporário ou moradia provisória (Caderno Perguntas e Respostas: Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – CENTRO POP). Crianças e adolescentes subme dos a situações de risco pessoal e social nos espaços públicos devem ser observados com prioridade pelas polí cas sociais em razão de sua condição peculiar de seres em desenvolvimento e em face do disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual nenhuma criança ou adolescente deverá ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 5º, Lei nº 8.069/1990; Caderno Perguntas e Respostas: Serviço especializado em Abordagem Social). (BRASIL, 2016a, p. 41-42)
Discussões complementares A rua enquanto espaço público adquire sen dos diversos, individuais e/ou compar lhados, para cada pessoa ou grupo, tendo as questões sociais, econômicas e culturais como elementos cons tuintes desta relação. No caso das pessoas que estabelecem grande aproximação com a rua, a ponto de pernoitar e cons tuir vínculos afe vos e de subsistência nestes espaços, Vieira, Bezerra e Rosa (1992, apud. Junior et al., 1998), compreendem três modos de situação de rua: ·Ficar na rua: diz de uma situação circunstancial que leva o indivíduo a não ter uma moradia, seja por desemprego, por ter migrado de cidade ou estado em busca de tratamento médico ou à procura de entes familiares, dentre outras. Estas pessoas não possuem a rua como referência e, geralmente, mantém vínculos e contato com os familiares, persis ndo num projeto de vida; eventualmente, vão à busca de albergues públicos ou pensões quando possuem alguma condição de pagar. ·Estar na rua: trata-se de uma situação recente, em que os pernoites são mais freqüentes, estabelecendo vínculos com logradouros e com pessoas na mesma situação; costumam se declarar trabalhadores desempregados e compreendem a situação como temporária, mantendo um projeto de vida. O contanto com a família é mais prejudicado, mas ainda presente. ·Ser da rua: é uma situação permanente, em que a referência e o espaço de relações é a rua. Além disso, os vínculos familiares são extremamente prejudicados ou inexistentes e, dificilmente, persiste um projeto de vida. As pessoas nesta situação apresentam condição sica comprome da, em decorrência da situação de alimentação e higiene insalubre. Há alta incidência de uso de álcool e outras drogas. Apesar destas modulações não serem categorias estanques, pois cada sujeito possui uma trajetória singular, elas se configuram como referenciais importantes para uma leitura temporal da condição, que, na maioria dos casos, estão dispostas num con nuum, ou seja, conforme aumenta o tempo, também aumenta a possibilidade de se tornar uma situação permanente de rua.
Os casos de crianças e adolescentes em situação de rua é uma questão importante, principalmente nas metrópoles em que a complexidade das relações humanas e com o próprio espaço público é uma realidade, no entanto, o seu entendimento não pode ser banal. Um exemplo é o fato de crianças e adolescentes que ficam na rua por períodos, geralmente em praças, locais que cons tuem espaços de sociabilidade, principalmente durante o dia, às vezes sem a supervisão de adultos, mas que possuem vínculos familiares preservados. Nesse caso, não é possível categorizar como situação de rua. Ao se depararem com situações semelhantes a esta, os profissionais dos SCFV devem buscar compreender a realidade da criança/adolescente e o sen do que a rua e/ou outros espaços públicos adquirem a par r de suas experiências. Além disso, é sabido que muitos pais e/ou responsáveis precisam trabalhar – em casa ou fora dela – e não conseguem estar a todo o momento supervisionando seus filhos. A carência de espaços públicos específicos de cultura, esporte e lazer, que conte a supervisão de profissionais e que possibilitem a sociabilidade, facilita a ocupação de outros espaços, principalmente a rua, muito percebida nas regiões periféricas e mais pobres da cidade. Dessa forma, não é possível avaliar estes casos a par r de um referencial que diz de um outro lugar socioeconômico, em que o acesso aos espaços privados com forma de sociabilidade é uma cultura vigente, ou a par r da experiência individual de um profissional. Por isso, antes de quaisquer medidas que acarretem na judicialização, é fundamental a compreensão do território e seus recursos, além da situação da família, ar culando os serviços da Proteção Social Básica (DAS, CRAS e SCFV) e outras polí cas públicas, como as de cultura, lazer, educação, dentre outras, a fim de se atuar preven vamente. Em muitos casos, a situação de rua ou sua iminência possuem outros fatores con ngentes que precisam ser observados e demandam intervenção: pobreza, violência familiar, falta de acesso às polí cas públicas, evasão escolar, uso ou tráfico de drogas, exploração sexual, etc. As questões socioeconômicas demandam atenção especial, para que não se incorra na criminalização da pobreza. De acordo com os profissionais das Proteções Sociais Básica e Especial de Campinas, esta afirmação se confirma quando, em situação de abordagem social, muitas crianças e adolescentes resistem ao diálogo e/ou omitem informações por medo de serem encaminhadas ou “denunciadas” para algum órgão que as penalize. A maioria das crianças e adolescentes em situação de rua que chegam aos SCFV é encaminhada pela PSE de Média Complexidade, no entanto, essa iden ficação também pode ocorrer a par r do próprio SCFV ou do CRAS, conforme exposto acima, ar culando os diferentes níveis de Proteção Social e outras polí cas públicas. É importante destacar que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) norma zou como público prioritário os casos que envolvam criança, adolescente, idoso e pessoas com deficiência, no entanto, os adultos em situação de rua se configuram como público alvo dos SCFV.
XI. VULNERABILIDADE QUE DIZ RESPEITO ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS
Definição pelo MDS De acordo com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em seu ar go 1º, pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza sica, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua par cipação plena e efe va na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Portanto, considera-se público prioritário aqueles sujeitos que, em função da deficiência, vivenciam situação de vulnerabilidade. Especificamente em relação ao atendimento da pessoa com deficiência na assistência social, ressaltase que a LOAS, em seu art. 2º, inciso I, alínea d, estabelece como um de seus obje vos a habilitação e a reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária. Por sua vez, a Resolução CNAS nº 34/2011 define a habilitação e a reabilitação da pessoa com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária no campo da assistência social, além de estabelecer seus requisitos. O art. 4º, § 2º, dessa resolução afirma que a habilitação e reabilitação na assistência social se realiza por meio de programas, projetos, bene cios e pela oferta dos serviços socioassistenciais pificados, entre os quais está o SCFV. Este, para possibilitar a inclusão das pessoas com deficiência, patologias crônicas e/ou dependências, deve “desenvolver ações intergeracionais; garan r a heterogeneidade na composição dos grupos; atender pessoas com deficiência, patologias crônicas e/ou dependência, independente da faixa etária; viabilizar o acesso às tecnologias assis vas” – que são “produtos, equipamentos, disposi vos, recursos, metodologias, estratégias, prá cas e serviços que obje vem promover a funcionalidade, relacionada à a vidade e à par cipação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social” (Lei nº 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência). (BRASIL, 2016a, p. 42-43)
Discussões Complementares A deficiência é comumente associada à ideia de falta ou déficit, recaindo sobre o sujeito uma marca, a referência dessa falta. No entanto, os estudos sociais vêm apontando uma compreensão da deficiência enquanto uma diferenciação do singular em relação ao esperado, ao ideal. Esses processos, marcados por discursos de poder que incidem sobre os corpos, estabelecem fronteiras entre os grupos da “normalidade (maioria) e o da anormalidade (minoria), que delimita uma relação caracterizada pelo jogo de poderes, dominação, opressão e silenciamento, em que os saberes cons tuídos e disciplinadores têm favorecido a maioria”. (WANDERER, 2012, p. 21) Para Canguilhem (2000), essa diferenciação ocorre pela existência de uma série de funções valorizadas pelas normas culturais; quando uma delas – ou várias – é exigida, mas o indivíduo não consegue executá-la com eficiência, sobre ele recai a responsabilidade de uma limitação, uma não correspondência à norma. A norma é ins tuída com referência na maioria – aquilo que na maior parte das pessoas é mensurável/observável. Nas pessoas compreendidas como deficientes, geralmente há um marcador biológico, salvo aquelas que são diferenciadas na dimensão psicológica, como é o caso dos chamados transtornos mentais e intelectuais.
Nem todas as pessoas na condição de deficiente estão em situação de vulnerabilidade, o que depende das relações que cada uma estabelece com o meio em que vive e circula, e na capacidade prote va que estas relações – com o território, a família, os grupos sociais e demais ins tuições – estabelecem com o sujeito. Para uma avaliação de maior ou menor vulnerabilidade, de acordo com Wanderer (2012, p. 68), é necessário compreender quais os fatores de proteção e quais os fatores de risco estão implicados em cada caso. Dentre eles, principalmente os destacados nas “listagens de fatores de risco para a violência em geral, tais como isolamento social, precariedade de moradia e dificuldades socioeconômicas, falta de acesso a serviços de saúde, educação, marginalização, drogadição/alcoolismo, história de violência na família, entre diversos outros”. (WANDERER, 2012, p. 68)
Ainda, para a autora, outra “conexão que se mostra promissora e apresenta desafios, tanto para a pesquisa quanto para a intervenção, refere-se às relações entre deficiência, violência e pobreza”. (WANDERER, 2012, p. 68)
A forma como os SCFV realizam o acolhimento e o acompanhamento sistemá co deste público pode reduzir ou ampliar a avaliação das vulnerabilidades. Por isso, a formação con nuada do corpo de profissionais ajuda prevenir a reprodução de estereó pos e a consequente discriminação: a forte tradição que olha para o sujeito em condição de deficiência como “coitado” e “inferior” reduz tanto a capacidade interven va dos serviços, quanto a capacidade de seus usuários em construir formas de empoderamento, permanecendo num ciclo vicioso beneficente. Portanto, os profissionais precisam estar em constante reflexão de sua prá ca e de como os serviços têm abordado e mediado a par cipação de seus usuários no co diano das a vidades. Além disso, as condições estruturais da ins tuição também são fundamentais para que o usuário se sinta acolhido e valorizado na sua diferença; espaço sico com acessibilidade inadequada também se configura como barreira ao acesso deste público aos SCFV e a outros serviços públicos. A discussão do tema da acessibilidade nas polí cas públicas brasileiras é recente e somente a par r dos anos 2000, com a ins tuição das Leis Federais nº 10.048/2000 e 10.098/2000, que uma visão mais ampla e direcionamentos para sua efe vação se consolidaram. As cidades, em geral, ainda não possibilitam que este público possa circular livremente por elas, seja em decorrência da discriminação, seja pela condição das vias públicas, como as calçadas, das formas de sinalização, etc. Nesse contexto, muitas pessoas com demandas de inserção nos SCFV não conseguem acessar este e outros serviços em decorrência dessas barreiras. Portanto, a ar culação com outros setores é fundamental para se iden ficar pessoas que necessitam de atendimento, para a construção de estratégias de par cipação e para se ar cular respostas às demandas que ultrapassam os limites dos SCFV e das polí cas de Assistência Social.
Torna-se estratégica a ar culação com os serviços de Saúde, através da Estratégia de Saúde da Família (ESF), do Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD) e dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os serviços da Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Cidadania, principalmente a par r do seu Centro de Referência; além da Secretaria de Transporte e outras polí cas públicas. As famílias das pessoas com deficiência, muitas vezes, sobrecarregadas pela falta de acessibilidade, ou no cuidado exacerbado, acabam por limitar o potencial destas pessoas, necessitando também de atenção e cuidado. Os DAS, os CRAS e os CREAS podem contribuir nessa intervenção compar lhada, bem como os serviços de outras polí cas públicas, principalmente os que tratam especificamente das situações de deficiências e transtornos que abarcam este público prioritário.
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ANEXO – RELAÇÃO DOS SCFV DO MUNICÍPIO DE CAMPINAS ADRA CENTRAL - NÚCLEO SOCIAL PROFª CÁSSIA RODIGUES LASCA AMIC - ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CRIANÇA - MONTE CRISTO ASSOCIACAO ASSISTENCIAL, PROMOCIONAL E EDUCACIONAL RESSURREICAO - APER ASSOCIAÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SÃO JOÃO VIANNEY - CASA MARCONDES PINHEIRO ASSOCIAÇÃO PRESBITERIANA DE AÇÃO SOCIAL - APAS - PARANAPANEMA CENTRO SOCIAL BERTONI CENTRO SOCIAL LÍRIO DOS VALES CENTRO SOCIAL ROMÍLIA MARIA CSESE - CENTRO SOCIO EDUCATIVO SEMENTE ESPERANCA FUNDAÇÃO EUFRATEN - FUNEBEM - EPV - VILA PALMEIRAS INSTITUTO PAULO FREIRE DE AÇÃO SOCIAL OBRA SOCIAL SÃO JOÃO BOSCO - JARDIM CAMPO BELO OBRA SOCIAL SÃO JOÃO BOSCO - JARDIM DOM GILBERTO OBRA SOCIAL SÃO JOÃO BOSCO - PARQUE OZIEL ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE SALÉM NAZARENA ASSISTENCIAL BENEFICENTE - ANA - DIC CENTRO COMUNITÁRIO DO JARDIM SANTA LÚCIA CENTRO DE ESTUDOS E PROMOÇÃO DA MULHER MARGINALIZADA CEPROMM - JARDIM ITATINGA CRECHE ESTRELINHA DO ORIENTE LAR ESCOLA NOSSA SENHORA DO CALVÁRIO - NÚCLEO COMUNITÁRIO CALVARIANO OBRA SOCIAL SÃO JOÃO BOSCO - VIDA NOVA SOCIEDADE DAS FILHAS DE NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO - CASA DA CRIANÇA MARIA LUÍSA HARTZER SOCIEDADE FEMININA DE ASSISTÊNCIA À INFÂNCIA - JARDIM ITATINGA AMIC - ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CRIANÇA - VILLAGE ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE CAMPINEIRA - NÚCLEO SÃO MARCOS ABBA - ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DA BOA AMIZADE ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DIREITO DE SER ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE SEMEAR - PARQUE VIA NORTE ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE SEMEAR - VILA OLÍMPIA ASSOCIAÇÃO CIVIL CARMELITAS DA CARIDADE - CENTRO ASSISTENCIAL VEDRUNA ASSOCIAÇÃO DAS FRANCISCANAS MISSIONÁRIAS DO CORAÇÃO IMACULADO DE MARIA CPTI - CENTRO PROMOCIONAL TIA ILEIDE - CHÁCARA BOA VISTA CPTI - CENTRO PROMOCIONAL TIA ILEIDE - PARQUE SHALON FIRMACASA - FUNDAÇÃO IRMÃ RUTH DE MARIA CAMARGO SAMPAIO – UNIDADE I FIRMACASA - FUNDAÇÃO IRMÃ RUTH DE MARIA CAMARGO SAMPAIO – UNIDADE II GRUPO PRIMAVERA LAR CAMPINENSE DE BEM ESTAR À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE - LAR VOVÓ ISABEL MOVIMENTO ASSISTENCIAL ESPÍRITA MARIA ROSA - SOPA DO GRAMEIRO NAS - NÚCLEO DE AÇÃO SOCIAL SOCIEDADE PRÓ-MENOR - BARÃO GERALDO UNIÃO CRISTÃ FEMININA ALDEIAS INFANTIS SOS BRASIL - CAMPINAS - PARQUE FLORESTA AEA - ASSOCIAÇÃO EVANGELICA ASSISTENCIAL CASA DE MARIA DE NAZARÉ - JARDIM LILIZA - CASA DOS ANJOS CASA DE MARIA DE NAZARÉ - SATÉLITE ÍRIS - CASA HOSANA CENTRO COMUNITÁRIO DA CRIANÇA DO PARQUE ITAJAÍ I E REGIÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO E ASSESSORIA POPULAR - CAMPINA GRANDE PROGEN - PROJETO GENTE NOVA - JARDIM BASSOLI PROGEN - PROJETO GENTE NOVA - SATÉLITE ÍRIS PROGEN - PROJETO GENTE NOVA - VILA C BRANCO ASSOCIAÇÃO ANHUMAS QUERO-QUERO - ANHUMAS ASSOCIAÇÃO ANHUMAS QUERO-QUERO - VILA BRANDINA ANA - ASSOCIAÇÃO NAZARENA ASSISTENCIAL BENEFICENTE APAS - ASSOCIAÇÃO PRESBITERIANA DE AÇÃO SOCIAL - SOUSAS CENTRO ASSISTENCIAL CÂNDIDA PENTEADO DE QUEIRÓZ MARTINS GRUPO COMUNITÁRIO CRIANÇA FELIZ INSTITUIÇÃO PADRE HAROLDO RAHM - JARDIM BOA ESPERANÇA INSTITUIÇÃO PADRE HAROLDO RAHM - CIRCOLANDO SERVICO SOCIAL NOVA JERUSALEM CECOIA - SOCIEDADE DOS IRMÃOS DA CONGREGAÇÃO DE SANTA CRUZ SETA - SOCIEDADE EDUCATIVA DE TRABALHO E ASSISTÊNCIA - VI
SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, PESSOA COM DEFICIÊNCIA E DIREITOS HUMANOS