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Florados de Lagoa

Ana Martins, José Águas da Cruz, Anabela Simão e Luís Encarnação

MUNICÍPIO DE LAGOA APOSTA FORTE NA REVITALIZAÇÃO DOS «FLORADOS

DE LAGOA» Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina

rrancou, no dia 12 de agosto, nos Claustros do Convento de S. José, em Lagoa, a Campanha de Reativação da Marca «Florados de Lagoa», com a assinatura de um acordo de parceria entre o Município de Lagoa e, para já, as 10 entidades aderentes ao projeto de promoção deste doce conventual. O objetivo é recuperar este património gastronómico do concelho de Lagoa e do Algarve, através dos saberes históricos documentados, da arte do saber fazer e da memória coletiva.

Paulo Francisco

Os «Florados de Lagoa», com a sua composição à base de açúcar, amêndoa e fios de ovos, é um legado da cozinha tradicional algarvia, alicerçada nos milenares hábitos mediterrânicos e na fusão de sabores da alimentação árabe com a doçaria conventual. “Em Lagoa, a

presença de religiosas recolhidas no Convento de São José, desde o século XVII, estará na génese de um conjunto de receitas de doces registadas no concelho, entre os quais os agora conhecidos «Florados de Lagoa». Nos finais do século XIX, a Congregação das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena, cuja fundadora foi Teresa de Saldanha, instalou-se no Convento de S. José, onde ainda subsistiam algumas das freiras Carmelitas. Na correspondência trocada entre as madres superioras do colégio de Lagoa e a Madre Teresa de Saldanha, que se encontrava em Benfica –Lisboa, é retratado o seu dia-à-dia no convento, as atividades, o ensino, as visitas pastorais, a ajuda das senhoras mais abastadas da Vila, inclusivamente, o fato das irmãs confecionarem bolos, a pedido das ditas senhoras mais ricas da então Vila de Lagoa sempre que recebiam visitas em

suas casas”, recordou Paulo Francisco, coordenador das Atividades Culturais –Programação Cultural da Câmara Municipal de Lagoa.

A receita destes doces surgiu mais tarde integrada na primeira edição d’O Livro de Pantagruel, da autoria de Bertha Rosa Limpo, publicado em 1946 e considerado uma das maiores obras da culinária escrita na língua portuguesa, sob a designação «Floradas». “Se

inicialmente podemos não entender qual a relação de Bertha Rosa Limpo, cantora lírica e senhora da alta sociedade lisboeta, com este doce conventual tão característico do nosso território, mas ao mesmo tempo tão secreto, rapidamente descobrimos que Bertha, nascida em Quelimane (Moçambique 1894), é filha de pai alentejano e mãe algarvia. Ela própria o afirmou, em resposta a uma leitora da Revista M&B, na qual

era colunista”, contou Paulo Francisco, acrescentando que, nas últimas décadas, “a confeção dos

«Florados de Lagoa» caiu em desuso e no esquecimento de

muitos e gerações mais recentes perderam completamente

referência à existência deste doce”.

“Por outro lado, a D. Cremilde, doceira conceituada do nosso concelho, mantendo o legado da família desde a sua avó, é prova viva desta existência. Transmitiu-nos que se lembra dos florados e que era considerado uma iguaria/guloseima que, não sendo um bolo que se confecionasse com regularidade, estava destinado a momentos festivos, casamentos, batizados. Relatou-nos, inclusive, alguns locais onde se vendiam, tais como uma pastelaria em Portimão cujo dono

era de Lagoa”.

É, pois, intenção do Município de Lagoa recuperar esta verdadeira marca identitária da pastelaria tradicional algarvia. Para esse efeito, foram feitas várias experiências, testes e provas de superação, até se chegar ao resultado final, apurado e classificado por diversos especialistas na matéria. A segunda fase do projeto aconteceu a 17 de julho de 2019, com a apresentação ao público dos «Florados de Lagoa» aquando da XVII Mostra do Doce Conventual de Lagoa, seguindo-se a Feira de Gastronomia de Santarém e a FATACIL do mesmo ano. “A fim de

mobilizar os profissionais

doceiros do Canal HORECA, nomeadamente pastelarias, restaurantes, hotéis do nosso concelho, foram organizados dois workshops com a doceira Cremilde Paias a demonstrar a sua confeção. Em 2020, tivemos uma paragem forçada no projeto e, em maio deste ano, o presidente deu-nos «luz verde» para avançarmos para a terceira fase, «Do Convento para a Mesa», uma campanha que pretende colocar os «Florados de Lagoa» nas pastelarias, restaurantes e hotéis do concelho. E, para isso, garante-se o fornecimento do produto e pretende-se gerar o interesse do público na sua

compra”, frisou Paulo Francisco.

Para além da recuperação da antiga receita, houve também necessidade de a adaptar aos dias atuais, esclareceu, por sua vez, Luís Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Lagoa, devido às normas da Organização Mundial de Saúde e da Direção-Geral de Saúde. “Parece

que a receita original tinha demasiadas calorias e Lagoa é um

concelho ativo e saudável”, lembrou

o edil, com um sorriso. “Queremos

levar bem longe a identidade de Lagoa, que se revela nas mais variadas formas e naquilo que nos distingue dos outros. Vivemos essencialmente do turismo e esta pandemia veio realçar a necessidade de se diversificar o tecido económico, mas, no curto e médio prazo, o que nos vai ajudar a sair desta crise, aquilo que vai criar emprego e estimular a economia, será o turismo. E, hoje, são mais as pessoas que viajam no mundo motivadas pela gastronomia e pelos vinhos, do

que propriamente pela qualidade das praias, o sol e mar, os campos

de golfe”, sublinhou o autarca. “Temos

praias fantásticas, campos de golfe extraordinários, excelentes unidades hoteleiras, gente que gosta de acolher – e que o sabe fazer melhor do que ninguém – mas temos igualmente uma incrível gastronomia e vinhos para a acompanhar. E, assim, quem nos visita parte com a ideia de que provou algo diferente e fica com

vontade de regressar”, acredita Luís

Encarnação .

SALVADOR SANTOS PUBLICOU «SELVAGEM», MAS CONTINUA A NÃO SENTIR-SE UM POETA

Texto: Daniel Pina | Fotografia: Daniel Pina ascido em Chaves, em 1979, Salvador Santos vive no Algarve desde os quatro anos de idade, tendo crescido em Salir. Após estudar em Loulé rumou para Faro para frequentar o curso de Estudos Portugueses na Universidade do Algarve e por ali ficou a viver, tendo, entretanto, assumido funções de editor da «Sul, Sol e Sal». Há cerca de quatro anos mudou-se de malas e bagagens para Loulé e foi aí que nasceu, de forma inesperada, «Selvagem», um livro de poesia editado pela D. Quixote e que apanhou de surpresa o próprio autor. “Toda a minha vida persegui

um romance. Sempre sonhei,

desejei e trabalhei para um romance, tudo o que escrevi até há quatro anos está em cadernos e no computador e nada ligado à poesia.

Nunca quis, nem me senti, poeta”,

reconhece o entrevistado, à conversa na «Casa do Meio-Dia», em Loulé.

Foi o seu regresso a Loulé que despoletou, de facto, a veia poética de Salvador Santos, após um confronto de ideias com Carlos Albino, “depois de

passar muitas horas a falar com ele sobre a Revolução, sobre o seu percurso como escritor e jornalista, e percebendo um

grande silêncio na cidade”. “A

minha poesia foi fruto de uma inquietação filosófica muito grande, de os dias de Loulé me parecerem sempre noites, de

existir uma noite perpétua”,

explica. E se escrever poesia não foi premeditado, muito menos o foi a publicação de «Selvagem», algo que ficou a dever-se bastante à conhecida escritora Lídia Jorge. “Fui fazendo

textos com o intuito de colocá-los nas redes sociais, as pessoas liam ou não, comentavam ou não, e depois até os apagava, por já terem cumprido a sua obrigação. Mas nunca entendi que esses poemas tivessem pertinência, que fossem necessários. A Lídia Jorge pediu-me os poemas para os ler, juntei-os todos, dei-lhes um alinhamento coerente, ela acreditou neles e apresentou-os à

Cecília Andrade, a editora”, relata.

Escrever um poema e colocá-lo numa rede social era um risco facilmente assumido por Salvador Santos, já partir para a publicação de um livro é uma história bem diferente, como bem sabe o editor da «Sul, Sol e Sal». “Precisas

ter consciência do meio e entender que aquilo é realmente muito bom e que merece passar ao papel, o que depois acarreta uma série de custos. Quando o colocas num livro é como se o

poema ficasse institucionalizado, como se fosse uma chancela de qualidade, é bom, pertinente e deve ser lido. Numa rede social tudo parte da minha iniciativa, escrevo num sítio que é meu e que é gratuito, e faço isso por minha conta e risco. Ao avançar para um livro, penso que deve ser outra pessoa a dizer que aquilo deve ser

lido”, declara, concordando que «Selvagem» não combina com a imagem que muitas pessoas continuam a ter da poesia de frases curtas e que rimam umas com as outras. “Felizmente temos

pessoas que já percebem que a poesia não é só isso e sinto-me privilegiado por estar a escrever para um público que sabe distinguir as duas coisas. Mas não sei se estarei muito distante de um poeta popular, tenho bastantes dúvidas em relação à profundidade filosófica das ideias que transmito nos meus poemas. Se pegar neste livro, tenho uma grande dificuldade em mostrar dois ou três poemas que considere muito bem

conseguidos”, refere, com humildade. “Acho sempre que não está bom, que podia ser melhorado”, justifica.

Não significa isso que os poemas tenham passado diretamente da rede social para o papel, houve uma necessária pré-produção, mas os próprios textos originais foram escritos e reescritos várias vezes antes de serem publicados na internet. “Há poemas que começam

de uma maneira e que depois se misturam com ideias de outros, acabando três ou quatro por se juntar num só. É tudo bastante mastigado, não tenho facilidade

de escrita e de pensamento”,

admite, sem problemas, o entrevistado. E é essa constante dúvida que gera também uma constante insatisfação com aquilo que escreve.

“Parecem-me sempre coisas fracas e superficiais, daí ficar surpreendido quando alguém me diz que aquele poema o tocou, porque sentiu aquilo, porque passou por aquilo. É algo esquisito porque os meus poemas

são absolutamente imperfeitos”.

Uma constante insatisfação com o que escreve que, como se imagina, nunca se coadunaria com a produção de poemas comerciais, que fossem fáceis de ler, que se ajustassem às tendências de mercado. “É muito

difícil fazer a ti próprio essa proposta, até porque nunca sabemos o que é que vende. Não é fácil perceber e estar em sintonia com a grande massa de leitores. Eu, felizmente, nunca escrevi para publicar, portanto, nunca me submeti a esse tipo de

censuras”, garante, pensando somente na ideia e na estética dos poemas que escreve. “Não sei se

estaria disponível para abdicar da minha forma de pensar e de escrever da maneira como eu vejo

o mundo para ter mais 100 ou 200 vendas. É uma traição que não consigo assumir, porque não consigo fazer o contrário do que fiz neste livro. E também acho que não conseguiria escrever um tipo de

poesia que vendesse mais”.

“AINDA NÃO QUERO DESISTIR DO ROMANCE”

Escrever a pensar em publicar pressupõe criar-se também, logo à partida, um plano, um esquema, um fio condutor. Como foi então no caso de «Selvagem», que, conforme referido, não era suposto ver a luz do dia. “Eu

consegui dar lógica ao corpo porque, no fundo, não escrevo assim sobre muitos temas

diferentes”, responde, enquanto folheava o livro. “Não faço uma poesia

lírica no sentido tradicional, olho pouco para dentro de mim quando estou a escrever. O meu motor é sempre aquilo que está fora de mim e existe um eixo muito nítido que tem a ver com a relação campo/cidade, a vida nas cidades, a arquitetura dos espaços e o que ela

provoca na vida das pessoas”, indica.

“Viver em Olhão deu também uma dimensão marítima à minha escrita, o mar e as salinas. Depois, há também uma vertente política, poemas cuja preocupação é a governação, a exploração humana, as liberdades, uma noite metafórica do sentir que a catástrofe está sempre eminente, que novas ditaduras regressam, que os atentados às nossas liberdades fundamentais pesam sobre nós, que caímos outra vez num fosso,

numa guerra”.

Alguns temas são, então, recorrentes, não foge muito deles, resta perceber se a poesia de Salvador Santos é fruto de inspiração ou de trabalho, se surge espontaneamente ou se tem rotinas de

escrita. “Estou vários dias sem

escrever e, depois, há períodos em que tudo aquilo que vejo se transforma em poemas. Uma história que ouço no café, qualquer coisa que vejo na televisão, dá lugar a um poema. Noutras ocasiões, aponto ideias ou frases num bloco, mas não me forço a ser poeta todos os dias. Prefiro esperar pelos momentos em que a minha cabeça está em sintonia com o querer

criar”, declara, admitindo que essa é, provavelmente, a razão do seu primeiro romance estar há vários anos em banho-maria. “Se calhar a única

capacidade que tenho, enquanto escritor, é para fazer poemas, mas quero pensar que não, para não

desistir já do romance”, diz, com um sorriso. “Um romance exige um

trabalho constante, investigação, existe um tema ao qual não podemos fugir. O poema é mais

livre, é uma resposta a um

sentimento”, compara o autor.

«Selvagem» está publicado, mas, por força da covid-19 e de todos os constrangimentos inerentes à pandemia, ainda nem sequer foi formalmente apresentado. “Estamos a tentar

perceber como é que vamos fazer a promoção do livro e eu, como editor, sei bem quais as dificuldades que existem nesse processo, por muito boa-vontade que os autores tenham. Não pressiono a editora em nada, mas estou disponível para tudo aquilo que ela pedir de

mim”, indica, até porque não tem feitio para ser figura mediática, gosta de estar sossegado e resguardado na sombra. “Não sou um homem

público e não me causa transtorno nenhum que não associem o «Selvagem» à minha pessoa. Sei que, hoje, publicam-se tantos livros e que há tão pouco espaço mediático para os autores, que é nas apresentações ao vivo que os próprios leitores têm oportunidade de conhecer melhor o livro. Falar-se do

«Selvagem» do Salvador Santos se calhar não diz nada a ninguém, contudo, se alguém ouvir um ou dois poemas do livro, se calhar fica com vontade de comprá-lo. Mas a conjuntura não é propícia a preparar digressões para

apresentação de livros”, analisa o

entrevistado.

Certo é que «Selvagem» não vai alterar a forma de escrever de Salvador Santos, porque sempre teve um tremendo respeito pelas palavras que partilha com os outros. “O uso da palavra é algo

muito responsável e tenho noção que possuo alguns instrumentos que me distanciam do comum cidadão, que tenho um público e uma forma diferente de

transmitir ideias”, sublinha,

revelando que tem material suficiente para um segundo livro, mas que também não tem pressas em colocar esses poemas no papel impresso.

“Não sei o que o futuro me vai trazer, a única coisa que quero é continuar a escrever, e com algum critério e qualidade. Se é editado ou não é algo que não me dá canseiras. A partir do momento em que um poema é escrito, ele acabará sempre por ser lido, seja num telefone, num e-book ou em papel. O que tu queres, quando escreves, é que alguém te leia, o

suporte é acessório”, garante. “E,

ao olhar para este livro, fico a pensar naquilo que eu acrescento ao mundo, em que é que o «Selvagem» pode mudar a vida das pessoas. Acho sempre que é pouco, pelo que terei sempre dificuldade em publicar algo só para estar nas bancas ou por satisfação pessoal. Aquilo em que aposto, verdadeiramente, é na minha missão cultural no Algarve enquanto editor da «Sul, Sol e Sal». Penso que, à poesia, trago muito pouco, daí não estar preocupado com uma carreira

literária” .

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