Cosmopeles

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Cosmopeles

Daniel Tomaz Wachowicz


Cosmopeles

Daniel Tomaz Wachowicz


Arte poética Caneta bate em surdos ecos brancos Que já sangram insanos e inquietos. Caneta bate nestes muros, vetos Concretos se desfazem entre trancos. Aqui se fura a pele e se despeja O sangue aglutinado nesta tinta. Aqui, planeja, pensa... pensa e pinta Com a sanguínea tinta o que deseja. O sangue livra o branco das tensões De sua fúria cega para o inerte. O sangue almeja mundos no furor Deste intenso desejo de criações. O sangue na caneta expele, inverte, Reverte o branco e lhe converte em cor.


Cosmogonia Selo rompido, sangue brota, touro, Vespa, cavalo, cobra, sapo, verme E escorpiões emergem da epiderme Num cataclismo abrupto... Grande estouro... Desta ferida brotam mundos velhos, Mundos insanos, reluzentes mundos Toscos e turvos, foscos, tão profundos Mares escuros, negro sol, espelhos Esmigalhados, embaçados, homem Coisa sem forma, transformado em lava Árvore mundo brota em homem mente... Homem de seres anormais que somem E reaparecem transformados. Cava, Escava e cava até surgir ardente....


Notung Qu'esta palavra com o duplo gume Perfure fundo o couro forte e bruto Deste Dragão que vive em peito astuto, Oculto neste falso nada e assume Do sangue amargo a tinta fresca e viva, Que deste branco bruto verte a cor Das sombras densas com seu rubro ardor, Faça a floresta da mais viva e altiva. Do Dragão bebo o sangue tinta quente E cuspo mundos que borbulham deste Branco formando seres letras, são Os descendentes da ancestral serpente Viva em palavra nova, corpo veste, Feita por esta espada em firme mão.



Germinar Formas rodeiam mundos, percepção Abre-se em pétalas, alva aura, alma amena De formas, música, divina cena, Tempo e espaço em informe sala, ação... A mão de nuvem toca o corpo, vento Que sussurra suspiro sibilino, Igual ao som agudo do violino E tudo reverbera em nascimento... Marca no espaço sutis traços, vida Que adentra nosso mundo em timidez. Pra sempre da celeste paz banida Tenta a vida uterina então voltar, Mas percebe-se imenso desta vez Por carregar seu velho nobre mar...


Equívoco Do ocluso ocaso orbita, dum acaso, A vela acesa em hiperbóreos meus De desejos velados, veste deus Que quebra, esmaga e come o próprio vaso. Vaso velho, vestido de Vestais Vitrificadas nesta veste viva, Que se esboça, se esconde e sempre esquiva, Lânguida, nas latentes laterais Dos desejos que rondam esta boca Que oscila, esmaga, esconde, escorre e escapa. Um estrangeiro volta em dor, sufoca, Estremece, edifica e estabelece Cada sanguínea tessitura, etapa Por etapa naquela estranha messe.


Pele

...E cava cova em pele... Coita expele, Nela, repele e cola aquela leve Lacrimejante lua em planta breve Da lisa luta lida em leve pele... ...E cova expele coita e pele cava... Caverna pele cava e cela coita Que cresce em carne coma e cobre em moita, Esconde, escava, escorre, esconde... Lava De chama cinza clama, corre, eclode, Escoa e come coma em boca cova, Boca caverna cova escava e escarra Peles, cavernas, covas, boca e explode Em carne crua, escura, clara e nova, Que ‘scorre, esconde, expande, estica. barra.



O que sabemos dos deuses? O que sabemos destes deuses? São, Talvez, a sobra desta sombra langue Dos ancestrais que movem nosso sangue? Ali será, talvez, sutil portão? Portão de velhos mundos, cuja chave, Talvez, esteja em nossa pele agora? A mesma chave, em sonhos feita, aflora Em ouro e prata nesta estranha nave? Nave de carne, cujo sangue move E nos revela velhas urbes mortas, Cidades ossos, sangue e pele, sobras De nossos deuses abissais de nove Mundos que levam a visão por portas Do nosso corpo e nos solfejam obras?


Quando, depois de intenso ocaso, brota Por toda a pele a raiva em força intensa, Chocam-se lábios com tal fúria em densa Bifurcação que expele extrema nota Áspera, turva, dissonante e estranha. Da boca, trítonos destilam ira Pela atmosfera que respira e inspira A viva gente que se cinza e assanha. Lá, pelas densas ruas turvas, mares De gente raiva cospem ódios, gritam, Jogam palavras podres, fazem urros... Roem palavras torpes pelos ares. Massas sonoras explosivas ditam A sinfonia de estrondosos murros...



A voz de uma pedra Sou pedra. Falo feito pedra bruta, Dura, tão dura igual palavra dura, Palavra pedra, dura, forte e pura. Daqui não saio, tem que ter disputa, E pedra bate sempre bruta, forte, Impenetrável, grave, tesa e brava, Massa pesada, voz que é bruta clava, Som estridente de pavor e morte. Tenho vontade pétrea impenetrável, De duros sentimentos, maleável Nunca, teimosa sempre, sou teimosa E provarei para vocês agora. Posso virar estátua que decora, Mas permaneço toda pedregosa.


Da pele aflora o cosmo sanguíneo que revela deuses ancestrais de forças antagônicas que conduzem o ser para novos panteões sutis nas brechas do mundo. Há intensas guerras cósmicas captadas pelo olhar sutil do observador... Da pele brota um Daniel Tomaz Wachowicz construtor de panteões. Dialoga com seres ancestrais e perpetua pelas palavras toda uma cosmogonia que se faz carne pelo olhar atento à procura de deuses. Este Daniel, leitor de livros ocultistas e de poetas místicos mostra uma obra cuja essência é uma cosmogonia que brota no papel e ferve de mundos atrás das palavras, ou palavras peles que revelam deuses que correm pelo sangue e mostra as guerras destes seres primevos em suas lutas eternas encarnadas na forma de sonetos decassílabos e de fotos que dialogam entre si. Texto e fotos de Daniel Tomaz Wachowicz, formado em Letras, com especialização em literatura e cursando música. Deu continuidade aos seus aprendizados fazendo diversas oficinas literárias que o ajudaram a criar seu primeiro livro de poesias Convite ao abismo (Multifoco, 2014) e seu segundo, de contos, As musas estão esmagadas no asfalto (Benfazeja, 2016). Também fez publicações em revistas literárias digitais e atualmente está preparando seu próximo livro de poesias.





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