Poemas da peste

Page 1

Poemas da peste Daniel Tomaz Wachowicz


Poemas da peste Daniel Tomaz Wachowicz


Esta plaquete ĂŠ dedicada a todos os artistas da quarentena, pela insistĂŞncia e ousadia em sobreviver a estes tempos da mais pura peste.



Medo Na lentidão dos corpos pousam medos. Nos olhos pairam e repousam dores Que nos refletem tantos vis segredos Arquitetados por sombrios atores. Asas não vistas pousam entre véus De incertas ondas de pavor e morte Que levam vidas fosso adentro e céus Em sombras cinzas vertem vil suporte. Fantasmas pousam suas podres asas Em nosso grito sufocado e somos Postos em coma que deságua em noite Densa que invade nossas frágeis casas. Somam-se olhos de terror a vis tomos Que nos condensam tão cruel açoite.


A Peste E estas bocas Sem bocas A esmagar corpos? Estas bocas Sem bocas Com suas mãos De invisível tato A enfiar seus dedos De doença em Bocas, olhos e narizes. Estas bocas Sem bocas Engolem vidas. Estas mãos Sem mãos Oferecem corpos Como oferenda A um estranho deus Com insaciável fome.


Já não estou. Tateio ausências No aqui e o Eu Se espalha pelo solo Do não lugar. Das fendas Escorrem gritos Úmidos que agarram Este que foi corpo Um dia antes. O não lugar, aos poucos, Engole o que seriam Velhos Eus que se Evaporam a cada oi Sussurrado no escuro Da própria pele morta.



Arranco girassóis Dos meus olhos E planto espinhos Nos campos áridos. Do sangue que banha Meu rosto pálido Escorrem corpos Que fertilizam a pele De dor e ausência. Muitos corpos Jazem na lama Bruta da pele Que respira Notas podres De ossos que Gritam e urram No silêncio Desta terra podre.


O Homem-Deus Não erguerás cadáver Da terra podre mais. Cuspirás os olhos Deste velho templo, Com sua carcaça Exposta ao vil solo Desta minha boca. Serás a oferenda Ou não d'um pai podre Que erguerá mãos langues De falsa promessa De ilusória pátria. Cuspirás a pátria, Chutarás o pai E jogarás longe O seu podre Deus.



O Encontro dos Malditos Na Confraria Negra a Noite Escura Arranca corpos deste falso sono. Somos o verme que rabisca a obscura PĂĄgina podre do covil sem dono. Da cova escorrem tintas podres entre PĂĄginas velhas asquerosas. Bestas Lunares cobrem este estranho ventre A cuspir olhos mortos pelas frestas. Nesta caverna espalham negro som Ausente d'outras bocas, firme e forte, Tumular corpo trama corpos brancos A tingir falsos cĂŠus de escuro, com O trovejar de toda a falsa morte Que se apresenta entre graves trancos.



Sabá negro O corpo oscila entre opostos. Nas entranhas, um sabá negro Tem início e tudo volta à noite. No corpo, estranha luz brilha E chama ninfas a dançar uma Dança de fogo em toda extensão De ossos, carne e sangue. Corpos nus dançam na noite Que abraça a pele que brilha Ante os olhos que bailam na mata. Neste corpo que dança no escuro De outros corpos que clamam fogo, Olhos cospem rinocerontes e bocas Se embriagam com os aromas Das ninfas com seus adocicados Toques de luz e prazer. Tudo finda quando os corpos Consomem os pássaros que se Liquefazem em todos os poros Da pele e todos dormem na Escuridão da carne outra vez.



Daniel Tomaz Wachowicz, poeta Danihell, nasceu em Taboão da Serra, SP. É formado em Letras, atua como professor do Estado de São Paulo e organiza o sarau Encontro dos Malditos, para celebrar a poesia dark e mórbida, além de ter lançado livros e plaquetes de contos e poesias.


E aqui somos tragados pela boca virulenta e fugaz do incerto.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.