FELISBERTO HERNÁNDEZ, Elsa (1931)

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Elsa (Conto) La envenenada (1931) Felisberto Hernรกndez Traduzido do original por Dan Oliveira.


ELSA [TEXTO INTEGRAL] I Nem quero dizer como ela é. Não! Se digo que é loira, imaginarão uma mulher loira, mas não será ela. Também com o nome: se digo que é Elsa, imaginarão como é o nome Elsa: mas o nome Elsa dela é outro nome Elsa. Nem poderiam imaginar como é uma escovinha que ela esqueceu em minha casa: embora eu dissesse que tem 26 dentes, a cor, e ainda assim, mesmo que tivessem visto outra igual, não poderiam imaginar como é precisamente a escovinha que ela esqueceu em minha casa.

II Eu quero dizer o que acontece comigo. E para quê? Bem, talvez dizendo o que me acontece, deixa de me acontecer. Entendam bem, me ocorre uma coisa má, horrível: logo saberão. Sei que, por melhor que diga, sucederá como a escovinha e todo o resto; não imaginarão exatamente como é o mal que me acontece; mas meu desejo é apenas ver se deixa de me acontecer todo este mal que imaginaram, o mal que, na verdade, me acontece.


III Elsa não é dessas que não me amam: ela não me amará dentro de pouco tempo, porque agora ela me ama. Nos vimos poucas vezes; ela está longe; nosso amor é por correspondência; mas eu tenho certeza, eu afirmo categoricamente, eu creio absolutamente – explicarei depois por quê tenho esta febre de afirmar – eu volto a afirmar que, do jeito que ela é, deixará logo de me amar, porque ela não poderá resistir ao amor por correspondência. Eu sim, mas ela não. IV Do que já não existe se fala com indiferença ou com frieza; mas eu falo com dor, porque falo antes que deixe de existir e sabendo que o deixará: lembrem que afirmei... Quando espero algo, sinto como se alguém – chama-se Deus, destino ou como queira – tratasse de me demonstrar que a coisa que espero não chega ou não acontece como eu esperava. Então, quando eu tenho interesse que uma coisa não aconteça, começo a pensar que acontecerá, para rir desse alguém se a coisa realmente chega ou ocorre, para que veja


que eu a previa; e ele por não dar braço a torcer não me dá esse gosto e a coisa ocorre; mas é aí que afinal ganho eu, porque precisamente o que mais desejava era que não ocorresse. Também devo dizer que esse alguém às vezes me surpreende se deixando zombar, e que eu ganhe aparentemente e fique derrotado intimamente: mas isto ocorre poucas vezes. Para ser sincero, direi que eu não acredito nesse alguém, que esse alguém é criado por nós, e para criá-lo supomos a torto e a direito. Mas quando enfrentamos uma grande dor, voltamos a pensar a torto e a direito se ele realmente existe. Agora penso que é melhor que exista, que é melhor que dê seu braço a torcer. Por me ser tão contrário faz com que não ocorra que ela deixe de me amar, posto que eu afirme que ocorrerá. Ainda assim tenho medo que esse alguém se deixe vencer e a coisa ocorra como nas poucas vezes: mas eu tenho esperança de outro modo: a torto e a direito. Teria esperança ainda quando visse que estou a ponto de que ela não me ame; pois com mais razão tenho esperança agora que ela me ame normalmente. Bom, definitivamente quero declarar que tenho a convicção, de que afirmo categoricamente e


que creio absolutamente, que Elsa ĂŠ diferente das demais, nenhuma das outras me ama, e que ela deixarĂĄ logo de me amar.


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