SALVADOR, SÁBADO, 31 DE MAIO DE 2014
Um tapinha sempre dói DARLAN CAIRES
A
cidentes acontecem. Um minuto de distração e, pronto, já foi: desobedeceu às regras e acabou fazendo o que nunca pode. Daí, vem o inevitável: as consequências. Ou em forma de castigo ou em forma de palmada. Certo? Não. Acredite: mesmo de leve, dar tapinha não pode. Existe uma lei que proíbe isso. A palmada é uma forma de agressão. Quando um adulto resolve castigar batendo na mão ou no bumbum, ele está praticando um ato de violência. Essa proibição está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), um conjunto de leis que ditam normas com uma única intenção, a de proteger. William Novais, 10, estava brincando de ser fazendeiro. Ao ver um pé de tomates, ele resolveu arrancar os verdes para colocar na sua plantação. A brincadeira foi legal, mas foi interrompida pelo pai do garoto. “Ele me deu uns tapinhas porque arranquei os tomates”, contou. O pai de William queria mostrar a ele que para tirar as frutas precisaria esperar o crescimento delas. Mas esse não foi o melhor jeito de ensinar. “Além de não educar, ele ainda pode repetir o ato de bater”, disse a psicóloga Lilian Britto. Não só bater, mas outras formas de violência, como o bullying ou xingamentos agressivos, interferem na sua personalidade no futuro. “Quem cresce assim pode se tornar alguém agressivo ou dependente de outras pessoas”, explicou Lilian.
Palmadas da escola
Consertando a lei
Se não aprendia na escola, levava tapas na mão. Isso era comum no século 19 e início do século 20. Naquela época, estudar não era um direito de todos. Os que iam ao colégio eram vistos como adultos pequenos. Ainda não se tinha descoberto que cada um tem o seu jeito de aprender. Então, pensavam que podiam obedecer a qualquer ordem que lhe fosse pedida. A punição funcionava assim: quem não aprendia era castigado com a palmatória – um objeto de madeira feito para bater na palma da mão. Ficar preso em uma sala escura ou ajoelhar no milho eram outras formas de castigar. Essas técnicas eram adotadas não só pelos colégios, mas pelas famílias da época. “As crianças até aprendiam, mas era tudo na base do medo. Só a partir dos anos 50 é que as escolas e até as famílias começaram a mudar para o que é hoje”, disse a filósofa e professora do Departamento de Educação da UFRJ, Tânia Zagury.
Não está escrito com precisão no ECA que palmadas e tapas moderados são proibidos. Por isso, é muito difícil que casos assim sejam levados para julgamento. Para corrigir isso, desde 2003, foi sugerido criar um novo texto para melhorar o que está no ECA, chamando de Lei da Palmada. Na semana passada, um grupo que elabora leis do país, a Comissão da Câmara, disse sim para esse projeto. Para virar lei, ainda falta passar pelo Senado – conjunto de pessoas que analisam e que votam projetos como esse. A apresentadora Xuxa acompanhou o dia da votação. Ela tem envolvimento com esse tema desde 2006, quando se juntou à Rede Não Bata, Eduque. Sua presença causou polêmica porque um dos deputados da mesa se referiu à apresentadora com desprezo.
Problema brasileiro No Brasil, de tanto saber que lições assim existem, elas se tornaram normais. “Precisamos muito dessa lei porque vivemos em um lugar onde castigos físicos e humilhantes são tidos como educativos”, explicou a coordenadora do Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância do ABCD e psicóloga, Lígia Caravieri. Não é porque você não pode receber nenhum ato violento que vai sair por aí fazendo o que quer. Lígia ainda diz que para aprender precisamos experimentar. Mas é necessário controle. “Não pode fazer tudo. Saber quais os limites faz parte do crescer”, disse o advogado na defesa dos direitos humanos da criança e do adolescente Renato Roseno.
Quem é Bernardo? Registro novo Em homenagem a um menino chamado Bernardo, a lei mudou de nome. Desde o último dia 21, agora, ela será a Lei Menino Bernardo. A mudança é boa não só pela consideração com o garoto, ela melhora o seu significado. Segundo Maria Tereza Marcílio, diretora da Avante, colocar o nome de uma lei com a palavra “palmada” diminui a sua importância. Trata-se mais do que isso. “Ela fala sobre castigos físicos e formas de humilhação”.
Acervo da família/ Divulgação
Foi criada uma norma que muda as regras dentro de casa: castigo com palmada pode ser proibido
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Aziz
Bernardo Boldrini foi encontrado morto no Rio Grande do Sul após receber uma injeção. O caso tem comovido o país, e, em sua homenagem, deram seu nome à lei. Bernardo não recebeu palmadas. Mas, da mesma forma que acontece com alguém que é castigado com elas, ele foi vítima da violência. Por isso a homenagem. “Mudar o nome da lei para o dele foi um gesto de expor a violência contra crianças. Foi mais uma vítima de adultos”, explicou a assistente oficial da Coordenadoria da Infância e da Juventude, Sandra Gonzaga.