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º
período
CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Antropologia Cultural Fernanda Veloso Lima Flávio de Oliveira Carvalho
Fernanda Veloso Lima Flรกvio de Oliveira Carvalho
Antropologia Cultural
Montes Claros/MG - 2013
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Autores Fernanda Veloso Lima
Mestre em Desenvolvimento Social pela Unimontes. Bacharel em Ciências Sociais pela Unimontes. Professora de Antropologia do Departamento de Política e Ciências Sociais – Unimontes. Professora pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Homocultura – NEHOM/Unimontes.
Flávio de Oliveira Carvalho
Mestre em Desenvolvimento Social pela Unimontes. Bacharel em Ciências Sociais pela Unimontes. Analista Educacional da Superintendência Regional de Educação de Unaí – SRE Unaí-MG.
Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 A antropologia como ciência: surgimento, teoria, método e a especificidade do campo antropológico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.2 Antropologia na história: os primeiros contatos com a alteridade . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.3 Um novo contexto histórico: surgimento da antropologia como ciência, conceituação, objeto de estudo e especificidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1.4 A construção do conceito antropológico de cultura, o etnocentrismo e o relativismo cultural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 A antropologia e a análise das sociedades primitivas – organização social, sistemas de parentesco, economia, poder e expansão colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 2.2 Conceituando as sociedades primitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 2.3 Considerações sobre os sistemas de parentesco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.4 As trocas econômicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.5 Expansão colonial e as consequências para os povos não ocidentais . . . . . . . . . . . . . 37 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 A Antropologia e o estudo das sociedades complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 3.2 Os métodos e técnicas da Antropologia e sua utilização nos estudos das sociedades complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 3.3 A antropologia urbana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.4 A Antropologia no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . . 59 Atividades de aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
Ciências da Religião - Antropologia Cultural
Apresentação Caro(a) acadêmico(a), A disciplina Antropologia Cultural é parte integrante da estrutura curricular do primeiro módulo do Curso Ciências da Religião da Universidade Aberta do Brasil – UAB – da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. Na disciplina, discutiremos um conjunto de questões sobre algumas perspectivas do pensamento na Antropologia. Para tanto, este curso está direcionado para uma exposição introdutória e crítica dos conceitos basilares da perspectiva antropológica. Preferentemente, organiza-se em uma reflexão acerca de alguns conceitos e métodos que caracterizaram e caracterizam a especificidade da Antropologia como uma ciência no quadro das Ciências Sociais e/ou das Ciências Humanas. Nessa direção, almeja-se atingir os objetivos que se seguem: • oportunizar reflexões críticas acerca de conceitos fundamentais da teoria antropológica; • habituar o(a) acadêmico(a) com os conceitos basilares da Antropologia, para que consigam compreender, de maneira crítica, as diferenças sociais e culturais que compõem a humanidade e, também, entender as diversidades étnicas e culturais da humanidade; • principiar o(a) acadêmico(a) na problemática capital da Antropologia como ciência do outro, ou ainda, ciência da alteridade; • conduzir o(a) acadêmico(a) à compreensão das especificidades da Antropologia Cultural como uma ciência social e/ou humana; • discutir as análises antropológicas sobre as sociedades primitivas: organização social, sistemas de parentesco, economia e poder; • explicitar as relações construídas a partir do contato dos europeus com as sociedades primitivas no contexto da expansão colonial; • apreender, introdutoriamente, a trajetória da antropologia nas sociedades capitalistas e, em especial, no Brasil, abordando questões como raça, heterogeneidade cultural e populações indígenas. Diante disso, o presente caderno foi dividido em três unidades, nas quais abordaremos os temas descritos anteriormente, para fins de cumprimento dos objetivos propostos para esta disciplina. Ou seja: Unidade 1: A Antropologia como Ciência: surgimento, teoria, método e a especificidade do campo antropológico. Unidade 2: A Antropologia e a análise das sociedades primitivas: organização social, sistemas de parentesco, economia, poder e a expansão colonial. Unidade 3: A Antropologia e o estudo das sociedades complexas. E então, pronto(a) para começarmos nossos estudos? Lembre-se que a leitura deste caderno é de suma importância para o seu aprendizado. Além disso, sua participação nas ferramentas interativas da sala de aula virtual proporcionará o contato contínuo com o professor e o tutor para o esclarecimento de dúvidas, indicações de outras leituras e acompanhamento das atividades propostas. Portanto, organize o seu tempo e bons estudos! Os autores.
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Ciências da Religião - Antropologia Cultural
Unidade 1
A antropologia como ciência: surgimento, teoria, método e a especificidade do campo antropológico Fernanda Veloso Lima Flávio de Oliveira Carvalho
1.1 Introdução Esta primeira parte da disciplina Antropologia Cultural tem por intuito principiar o(a) acadêmico(a) do Curso de Ciências da Religião no entendimento das problemáticas fundamentais da Antropologia. É, pois, uma Unidade centrada na análise de conceitos e abordagens antropológicos. Almejamos que os(as) acadêmicos(as), ao se confrontarem com o esqueleto conceitual desta disciplina, consigam refletir sobre as singularidades da Antropologia como uma Ciência perante outras Ciências da Humanidade, compreendendo, portanto, a Antropologia como um saber erigido sobre um alicerce histórico, formado por indivíduos que colaboraram em cada contexto distinto, para sua fundação. Assim sendo, a formatação da Antropologia, como disciplina, se emoldura em um contexto no qual alguns pensadores intentavam analisar as diferenças percebidas sob uma forma sistematizada, proporcionando uma representação e compreensão mais elaboradas sobre as diferenças, especialmente em sociedades com características particulares. Portanto, constatamos que perceber as diferenças e concebê-las como um exercício da alteridade consiste em uma primeira forma, um rascunho de um pensamento antropológico. Nesse sentido, verificaremos como se cunharam as primeiras reflexões sistematizadas sobre o confrontamento com a diversidade, inclusive verificando as especificidades das primeiras descrições sobre o “Outro”, o diferente, por soldados, comerciantes, viajantes, cronistas, e missionários, refletindo, assim, sobre qual eram seus discursos sobre outras populações, outros povos. Poderemos ponderar, então, como, a partir da perspectiva de pensadores, uma discussão mais metódica a respeito da diversidade cultural inaugurou o movimento de instituição da Antropologia como Ciência. Por fim, examinaremos, nesta Unidade, as representações do conceito de cultura embasadas no referencial antropológico, bem como discutiremos as conceituações de etnocentrismo e relativismo cultural, basilares para uma compreensão da Antropologia como ciência que transita entre a unidade e a diversidade, procurando compreender a humanidade em sua totalidade. Não obstante, estudaremos esta unidade a partir dos temas relacionados em subunidades, que se apresentam da seguinte forma: 1.1 Introdução; 1.2 Antropologia na História: os primeiros contatos com a alteridade; 1.3 Um novo contexto histórico: surgimento da antropologia como ciência, conceituação, objeto de estudo e especificidade; 1.3.1 Antropologia e método: a imersão na cultura do outro; 1.4 A construção do conceito antropológico de cultura, o etnocentrismo e o relativismo cultural; 1.4.1 Etnocentrismo; 1.4.2 Relativismo Cultural. Agora que você já conhece a estrutura desta Unidade, leia com atenção, uma, duas, ou quantas vezes forem necessárias para assimilação do conteúdo.
Glossário Antropologia: antropos, homem; logos, estudo (LAPLANTINE, 2000).
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PArA SABer MAiS Para aprofundar a discussão sobre o surgimento do Homem como objeto de estudo da ciência, leia o artigo “As ciências humanas na arqueologia de Michel Foucault”. O artigo pode ser encontrado no endereço eletrônico: http://www.unicamp. br/~aulas/pdf3/05.pdf.
▲ Figura 1: Invasões ao Império Romano. Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/. Acesso em 29 jul. 2013.
Figura 2: Representação de “bárbaros” saqueando Roma. Obra de Heinrich Leutemann, 455 DC. Fonte: Wikipédia. Disponível em:<http://pt.wikipedia. org/wiki/Ficheiro:Heinrich_ Leutemann>. Acesso em 29 jul. 2013.
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1.2 Antropologia na história: os primeiros contatos com a alteridade O homem encarou a diversidade cultural desde os primórdios de sua história. Isso porque acreditamos que embora o homem sempre tenha pensado e refletido sobre si mesmo e sobre os diversos povos com os quais tivesse contato, esses pensamentos sempre foram guiados por seu próprio modo de interpretar o mundo, ou seja, seus valores, crenças, etc. Isso ocorreu pelo menos até o fim do século XVIII, quando uma nova realidade, a sociedade industrial, suscitou no homem a necessidade de colocar-se como objeto da ciência, como já fazia com a natureza (FOUCAULT, 2000). Assim, o pensamento do homem sobre si mesmo deixa paulatinamente o campo das especulações para tornar-se cada vez mais metódico, segundo os preceitos da ciência da época. Contudo, por hora, nos ateremos às formas como os homens se classificaram ao longo da história. Segundo Laplantine (2000) e DaMatta (1987), o hábito, entre os homens, de se observarem e levantarem reflexões uns sobre os outros é tão antigo quanto a própria humanidade. E são dessas relações, desses confrontamentos, que aparecem as primeiras reflexões acerca das diferenças. Nessa direção, a história da humanidade é marcada por vários períodos de encontros entre o “nós” e os “outros”, os iguais e os diferentes. Diante disso, de acordo com Laplantine (2000, p.13), “o homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo. Em todas as sociedades existiram homens que observavam homens”. O referido autor acrescenta, ainda, que para Lévi-Strauss, essa percepção sobre o “outro” consiste em modelos elaborados “em casa”, ou seja, categorias criadas pelo próprio observador. Resumindo, na percepção de Laplantine (2000, p.13), a ideia do homem sobre o homem e “sua sociedade e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na África, na América, na Oceania ou na Europa”. Todavia, convém lembrar que essa enorme diversidade da humanidade infrequen► temente sobressaiu aos olhos dos homens como um fato, pelo contrário, figuram, na maioria das vezes, como uma monstruosidade que carecia de justificação. Assim, por exemplo, eram designados como sendo bárbaros, pelos gregos antigos, tudo e todos aqueles que não participavam da helenidade. Essa atitude, que consiste em “expulsar” da cultura, da condição de humanidade todos aqueles que não participam de nosso modo de pensar, sentir e agir, configura-se, para Laplantine (2000), em um comportamento dos mais comuns entre as sociedades humanas, inclusive as ditas primitivas. Nesse sentido, conseguimos fazer uma ideia de quais foram as impressões europeias
Ciências da Religião - Antropologia Cultural sobre os povos da América, esse Novo Mundo em vias de “descobrimento”. É claro que não devemos esquecer que, nesse contexto, século XVI, a Europa, além de viver um intenso movimento humanista, já contava com várias nações em condições de enviar navios para exploração de outras terras. Também já contava com um comércio bastante avançado com o Oriente. Logo, não é de se estranhar que, do século XVI até o século XVII, vários escritos tenham sido elaborados acerca das mais variadas culturas, em distintos espaços sociais, especialmente se pensarmos a intensificação da expansão mercantil, bem como movimentos culturais como o Renascimento. Entretanto, cabe ressaltar que esse contato, essas primeiras impressões dos europeus sobre os não europeus ainda continuavam seguindo a lógica do estranhamento não sistematizado, isto é, o diferente como uma aberração. Nessa direção, não é de se estranhar que as populações do Novo Mundo fossem sempre colocadas na condição de bestializados. Não obstante, os depoimentos a respeito desses novos “seres”, sempre se valiam de metáforas zoológicas, evidenciando sucessões de faltas, como exemplos os seguintes discursos sobre os povos do Novo Mundo: não acreditam em Deus, não têm alma, não possuem escrita, são imorais, comem como animais, não possuem arte, enfim, não tem passado nem futuro (LAPLANTINE, 2000). É óbvio que devemos mencionar que todos esses relatos foram escritos por soldados, mercadores, colonos, viajantes, entre outros, provindos da Europa que, por um motivo ou outro, travaram contato com essa nova realidade.
Glossário Helenidade: relativo ao período Helênico ou Helenismo; do grego hellenizein, falar grego, viver com os gregos. Caracterizou-se pelo ideal de Alexandre, cujo propósito foi levar e difundir a cultura Grega, sobretudo, aos territórios conquistados (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001).
▲ Figura 3: Contato entre índios e europeus. Fonte: Canal do educador. Disponível em: <http:// educador.brasilescola. com/estrategias-ensino/. Acesso em 29 jul. 2013.
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DICA O Darwinismo constitui-se em um princípio pelos quais as espécies sofrem uma seleção natural, ou seja, os indivíduos mais adaptados à determinada condição ecológica eliminam aqueles desprovidos dessa mesma condição. A origem do termo se deu a partir da publicação da obra “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin. Posteriormente, o evolucionismo se apropria desse discurso para pensar o próprio desenvolvimento da humanidade.
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Os Lusíadas [...] A gente se alvoroça e, de alegria, Não sabe mais que olhar a causa dela. - «Que gente será esta?» (em si diziam) «Que costumes, que Lei, que Rei teriam?» [...] Comendo alegremente, perguntavam, Pela Arábica língua, donde vinham, Quem eram, de que terra, que buscavam, Ou que partes do mar corrido tinham? Os fortes Lusitanos lhe tornavam As discretas repostas que convinham: - «Os Portugueses somos do Ocidente, Imos buscando as terras do Oriente. [...]- «Somos (um dos das Ilhas lhe tornou) Estrangeiros na terra, Lei e nação; Que os próprios são aqueles que criou A Natura, sem Lei e sem Razão. Nós temos a Lei certa que ensinou O claro descendente de Abraão, Que agora tem do mundo o senhorio; A mãe Hebreia teve e o pai, Gentio. Fonte: CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas de Luís Camões. Direção Literária Dr. Álvaro Júlio da Costa Pimpão. Disponível em <http://web.rccn.net/camoes/camoes/index.html . Acesso em 12 mai. 2013.
Figura 5: Livro de Charles Darwin, “A Origem das Espécies”, de 1859. A imagem refere-se à publicação de 2009. Fonte: Linuxmall. Disponível em <http://www.linuxmall.com.br/produto/livro-a-origem-das-esp-eacute-cies.html. Acesso em 12 mai. 2013.
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▲ Figura 4: A catequização dos índios. Fonte: História Digital. Disponível em:<http://www. historiadigital.org/historia-do-brasil/brasil-pre-colonial/povos-indigenas/ questao-enem-2008-catequizacao-indigena-na-america/>. Acesso em 29 jul. 2013.
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Apenas no século XVIII, na Europa, esse discurso, que qualifica o outro como não humano, começa a enfraquecer. Em grande parte, isso se deve aos relatos dos missionários jesuítas que conviviam com os nativos na América. Assim sendo, as ideias sobre os selvagens maus, sem moral, sem humanidade, paulatinamente vão sendo substituídas por outras que concebem a existência de uma natureza moral pura nesses povos. A questão, então, seria de apenas direcioná-los rumo à civilização. De qualquer forma, o que podemos notar é
que esse discurso aproxima um pouco mais os indígenas da condição de humanos, ainda que considerados atrasados.
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Nesse sentido, percebemos a instauração de uma conjuntura embasada em interpretações com maior grau de sistematização, mas ainda distantes de desenvolver um método científico. Contudo, nesse contexto de revoluções, tanto políticas quanto industriais, assim como a crescente valorização da Ciência Natural, quando especialmente química e biologia ganham corpo em uma Europa encantada com o Darwinismo e perturbada com as rápidas transformações, surge uma recorrente questão entre os indivíduos: por que não voltar à ciência para o conhecimento do homem, na sua totalidade, colocando-o como objeto de um conhecimento metódico? Tudo com-
provava a necessidade de novos métodos e teorias, bem como a necessidade de planejamento para o crescimento industrial e urbano, a expansão para outros espaços. Tais necessidades proporcionaram o alargamento de horizontes, dados os contatos entre diferentes povos e nações, além de trazer à baila mais questionamentos para o homem sobre si mesmo. Enfim, nessa conjuntura, agregaram-se diversos elementos que contribuíram para o surgimento e consolidação das Ciências Humanas. Diante disso, como esse processo se deu com a Antropologia? É justamente isso que estudaremos a seguir.
1.3 Um novo contexto histórico: surgimento da antropologia como ciência, conceituação, objeto de estudo e especificidade. Estudamos na subunidade anterior que observar, pensar e refletir sobre a própria condição de existência permeia a vida dos seres humanos desde tempos remotos. Além disso, ainda que uma experiência em menor grau que o proporcionado pela expansão colonial europeia, os homens sempre travaram encontros com a alteridade. Esses encontros, dos quais temos vários exemplares no decorrer da história, como exemplo, cristãos e pagãos; gregos e bárbaros; e por fim europeus/ocidentais e não europeus /não ocidentais, perfizeram as primeiras e rudimentares impressões que balizaram as
atitudes de estranhamento, recusa, indagações, assombro ou mesmo, com menor frequência, o encantamento pelo exótico. À vista disso, ainda que compreendamos que as reflexões do homem sobre o homem sejam tão antigas quanto a própria humanidade, e que possamos conjecturar, como nos demonstra Maybury-Lewis (2002), que a Antropologia deriva de um arrebatamento da curiosidade acerca de outros povos, intercalada com uma reflexão a respeito do próprio eu, de um anseio por compreender a diversidade da cultura humana, concordamos com Laplantine que afirma:
[...] o projeto de fundar uma ciência do homem – uma Antropologia – é, ao contrário, muito recente. De fato, apenas no final do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza; apenas nessa época é que o espírito científico pensa, pela primeira vez, em aplicar ao próprio homem os métodos até então utilizados na área física ou da biologia. (LAPLANTINE, 2000, p.13).
Ainda, além disso, como nos mostra DaMatta (2000), seria infecundo buscar as origens da história da Antropologia, na antiguidade, esquadrinhando trabalhos como o de Heródoto ou de outros gregos. Nesse mesmo sentido, Copans (1971) e Mercier (1974) argumentam que foi somente a partir do século XIX que realmente se erigiu um empenho na direção de formatar um discurso antropológi-
co que atendesse a certos métodos, para que pudesse ascender à condição reconhecida de ciência. Assim sendo, o comportamento humano, agora, a partir de um nascente eixo teórico-metodológico, passava à condição de fenômeno observável e analisável. Aprofundando a perspectiva que trata da Antropologia como Ciência, Copans (1971, p. 35) pondera que “a história da Antropologia é também a
PARA SABER MAIS Para enriquecer os estudos sobre a História da Antropologia, confira o artigo “A Antropologia como ciência” escrito por José Lisboa Moreira de Oliveira. O artigo pode ser encontrado no endereço eletrônico: http://www. ucb.br/sites/000/14/ PDF/Aantropologiacomociencia.pdf.
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▲ Figura 6: Canibalismo Tupinambá. Representação do mau selvagem. Fonte: Brasil: Terra de Santa Cruz. Disponível em:<http://brasilterradesantacruz.com.br/wp-content/uploads/2011/07/ CanibalismoTupinamba. jpg>. Acesso em 29 jul. 2013.
PARA SABER MAIS A antropóloga Mirela Berger, em seu esquema “Breve histórico da Antropologia: cronistas e viajantes”, apresenta a percepção dos missionários e viajantes sobre os povos primitivos. Portanto, para conhecer um pouco mais sobre o tema acesse o artigo completo disponível em: http:// www.mirelaberger.com. br/mirela/download/ breve_historico.
Glossário Epistemológica: relativo à epistemologia; estuda a origem, a estrutura, os métodos e a condição de certeza do conhecimento científico em suas diversas áreas (AIRES, 2003).
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história das relações entre as sociedades europeias e as sociedades não e europeias”. Sendo assim, você consegue perceber que, no instante inaugural da Antropologia, os estudos voltaram-se para a narrativa histórica do encontro desses dois povos? Não obstante, sob o prisma de Da Matta (2000, p. 87), a constituição da Antropologia, como a conhecemos hoje, “[...] é especular sobre o modo pelo qual os homens perceberam suas diferenças ao longo de um dado período de tempo”. Especialmente, como vimos na subunidade 1.2, se pensarmos as relações que foram travadas no espaço social compreendido como sendo o “Novo Mundo”. Completando esse raciocínio, Laplantine (2000), considera que, no século XVI, os europeus descortinam e exploram novos ambientes, além de proferir um discurso truculento sobre suas populações. O século XVIII vem, por sua vez, iluminado sob as ideias dos filósofos e das viagens filosóficas, mas é somente no século XIX que a Antropologia se constitui realmente como disciplina e passa a analisar as sociedades primitivas em suas mais diversas facetas (econômica, biológica, linguística, política, dentre outras). Agora você pode concluir que, no seu início, a Antropologia intenta construir um saber examinando as sociedades não europeias, ou melhor, não ocidentais. Dito de outra forma, inauguralmente o “outro”, o distinto, é aquele que não é ocidental, é o “selvagem”, o “primitivo”, aquele que está muito mais próximo da natureza que da cultura. Nesse sentido, as sociedades consideradas simples, pela sua organização social, tornaram-se objeto privilegiado dessa Ciência nascente, a Antropologia.
Isso nos conduz, portanto, a um primeiro elemento que caracteriza a especificidade do fazer antropológico, a saber, a singularidade de um objeto de estudo que lhe é próprio. Sendo assim, podemos dizer que a Antropologia, constituindo-se basicamente em espaços ocidentais (Estados Unidos e Europa mais precisamente), encontra no outro (o não ocidental) seus principais questionamentos. É então nessa esfera dicotômica, nós/outros, na compreensão dessas diferenças, às vezes radicais, que está assentada a preocupação recorrente da Ciência antropológica. Como pondera Sanchis (1999), é a procura por uma argumentação metódica a respeito da diferença que vai delinear inicialmente uma atitude, depois uma observação sistemática e, por fim, uma nova Ciência, a Antropologia. Com tais características, caro (a) acadêmico (a), você pode concluir que a Antropologia objetiva estudar o homem, mais especificamente as ações sociais do homem como ser integrante de uma determinada coletividade, e que ela, a Antropologia, diferencia-se das outras ciências que também estudam o homem uma vez que os questionamentos centrais que ela procura solucionar dizem respeito às diferenças culturais. Por esse motivo, consideramos que a Antropologia é a ciência da diversidade cultural e social. Nesse sentido, podemos dizer que o que ocupa a Antropologia é o empreendimento de tentar compreender e interpretar a multiplicidade das culturas humanas. Sintetizando, a Antropologia pleiteia ser uma Ciência da humanidade e da cultura, especialmente a Antropologia Cultural, que intenta desvelar a diversidade e complexidade da cultura humana. É claro que, como nos demonstra Laplantine (2000), passaram-se algumas dezenas de anos antes que a antropologia conquistasse um refinamento instrumental de investigação para oportunizar a coleta de dados no campo das observações e informações. Contudo, logo após ter consolidado seus particulares métodos de pesquisa e observação, no começo do século XX, os antropólogos constatam que o objeto empírico que eles tinham atribuído à sua ciência (as sociedades ditas primitivas, rudimentares) estava em vias de desaparecimento, visto que o próprio universo dessas populações não é preservado pela evolução social. Nesse tocante, surge uma crise de identidade, especialmente questionando se a morte do seu objeto de interpelação (o “selvagem”) representaria também o fim do projeto daqueles que se propuseram a estudá-los dentro de determinadas regras que atendessem a critérios científicos. O próprio Laplantine (2000) nos indica
Ciências da Religião - Antropologia Cultural três reflexões para essa problemática, apontando, inclusive, uma que considera mais frutífera e que também redireciona o paradigma que confere especificidade à construção do conhecimento antropológico. Dessa maneira, se por um lado o antropólogo pode aceitar, por assim dizer, seu aniquilamento, e dedicar-se a outros campos de outras ciências humanas, por outro ele pode se voltar para um objeto de estudo diferente, a saber, o camponês – este selvagem interno – que se transformaria em objeto ideal, visto que também não é contemplado por outros ramos das ciências da humanidade. Nesse ponto, desabrocha a terceira vertente que, aos olhos de Laplantine (2000), resolve a questão do aniquilamento na medida em que traz à baila a discussão sobre a mudança do objeto de estudo da Antropologia. Em outras palavras, a especificidade da Antropologia não está mais atrelada ao objeto de estudo que ela assumiu (o não ocidental, ou o camponês ainda ignorado por outras ciências sociais/humanas), mas a uma certa prática epistemológica. Portanto, a Antropologia evidencia sua singularidade não mais pelo objeto a que dedica suas atenções, mas sim pela forma que interpela, analisa e interpreta as possibilidades de ordenamento desse objeto. Então, você compreendeu que é a partir dessa relação com o outro (externo ou interno), que a Antropologia, pouco a pouco, se consolida como Ciência? Consequentemente, essa relação proporcionou o advento de uma reflexão metódica sobre um modo de vida, a princípio visto como excêntrico, e desencadeou a organização de um pensamento relativista. Por conseguinte, o outro deixa de ser esquisito, esquizofrênico, e passa a ser visto como diferente, mas possuidor de uma razão própria que lhe confere capacidade para interpretar a si mesmo e a sua realidade social.
Dado o exposto, acreditamos que se torna muito mais clara a necessidade de sistematizar e assimilar a percepção do outro sobre o mundo da vida. Assim, o antropólogo precisa mergulhar e submergir na cultura, na comunidade e no grupo social que procura interpretar. Ademais, a formatação dessa visão “de dentro”, segundo o conhecimento antropológico, é o que transforma em possibilidade a apreensão do ponto de vista do outro. Em outras palavras, usando um termo próprio do meio antropológico, trata-se de um procedimento que cria a possibilidade de evidenciar o “ponto de vista do nativo”. Não obstante, de acordo com Sanchis (1999), outro elemento que contribui para caracterizar essa especificidade da Antropologia é a probabilidade de, através dessa relação com o outro, com o exótico, o pesquisador começar a indagar seus próprios valores a respeito de comportamentos, visão de mundo, entre outros. Porquanto, enxergar o outro como um espelho nos dá a possibilidade de questionar nossos próprios valores, normas, regras, crenças, enfim, confere-nos a capacidade de principiar a estranhar o que nos é familiar. Em consonância com esse pensamento, Laplantine (2000) pondera que, restritos a uma única cultura, ficamos não apenas inconscientes sobre a dos outros, mas também incapazes de perceber a nossa. Observe esse argumento, nas palavras de Laplantine:
A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar atenção no que é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos ‘evidente’. Aos poucos notamos que o menor de nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‘natural’. Começamos então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a nos espiar. O conhecimento antropológico de nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento de outras culturas, e devemos especialmente reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única. (LAPLANTINE, 2000, p.20).
Nesse sentido, torna-se oportuno, já que a Antropologia se propõe a estudar o homem em sua totalidade, acompanharmos o raciocínio de DaMatta (2000) quando ele propõe que, para determinar o lugar da antropologia cultural, é preciso não esquecer dos outros
▲ Figura 7: Aprender Antropologia. François Laplantine Fonte: Biblioteca da Universidade de São Paulo. Disponível para download em: <http://disciplinas. stoa.usp.br/pluginfile. php/80913/mod_resource/content/3/Aprender%20Antropologia%20 %28Fran%C3%A7ois%20 Laplantine%29.pdf. Acesso em 29 jul. 2013.
PARA SABER MAIS Márcio Goldman, em seu artigo intitulado “O fim da Antropologia”, discorre sobre a questão do aniquilamento da Antropologia como ciência que estuda os povos primitivos. Sendo assim, sugerimos a leitura desse trabalho que se encontra disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/nec/ n89/12.pdf>.
ramos da Antropologia. Desse modo, torna-se mister individualizar cada uma dessas ramificações e evidenciar sobre qual ou quais facetas dessa totalidade do homem elas projetam suas luzes. Além disso, Laplantine (2000) adver-
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▲ Figura 8: O Antropólogo Roberto DaMatta. Fonte: FM 90,5. Disponível em:<http://www.905fm. com.br/estado/915-roberto-damatta-sera-palestrante-do-secop-2013-em-vitoria>. Acesso em 29 jul. 2013.
PARA SABER MAIS Sugerimos a leitura do artigo “Etnografia e pesquisa qualitativa: apontamentos sobre um caminho metodológico de investigação” para aprofundar os estudos sobre a percepção do outro acerca do mundo da vida. O trabalho está disponível em:<http:// www.unisc.br/portal/ upload/com_arquivo/ etnografia_e_pesquisa_qualitativa_apontamentos_sobre_um_caminho_metodologico_ de_investigacao.pdf>.
PaRA SABER MAIS Confira o vídeo “Ossadas de mais de 6 mil anos encontradas em Buritizeiro no norte-mineiro” para que você tenha uma ideia de como os arqueólogos fazem as suas escavações. O vídeo está disponível em: <http://www.youtube. com/watch?v=Z1MC WCsq1nE>
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te que nenhum pesquisador conseguiria ser um experto em todos os desdobramentos da Antropologia, porém nem por isso devemos abster-nos de conhecê-los. Por conseguinte, aproveitando-nos das observações construídas por esses dois últimos pensadores citados, podemos distinguir alguns dos principais campos da Antropologia, discutindo panoramicamente seus enfoques, características e procedimentos básicos. Então temos: a Antropologia Biológica, a Arqueologia, a Etnografia, a Antropologia Linguística, o Folclore e, por fim, a de nosso maior interesse, visto que consiste na discussão aqui empreendida, a Antropologia Cultural ou Social ou mesmo Etnologia. Do ponto de vista de Lévi-Strauss (1967, p.396), a Etnografia, Etnologia e Antropologia não são três disciplinas diferentes ou três percepções diferentes de um mesmo estudo, mas três fases ou três “momentos de uma mesma pesquisa, e a preferência por este ou aqueles desses termos exprime somente uma atenção predominante voltada para um tipo de pesquisa que não poderia nunca ser exclusivo dos dois outros”. Dessa maneira, estudiosos como DaMatta (2000), Laplantine (2000) e Lévi-Strauss (1967) explicam que os ramos da Antropologia Cultural mantém interfaces com a Antropologia Social e Etnologia e, embora Marconi e Presotto (2006) conceituem separadamente
Figura 9: Ossada ► encontrada no sítio arqueológico em Buritizeiro, norte de Minas Gerais. Fonte: Circuito Turístico Guimarães Rosa. Disponível em: <http://circuitoguimaraesrosa.com.br>. Acesso em 10 mai. 2013.
a Etnografia, a Etnologia e o Folclore ainda assim advertem que tais divisões pertencem ao mesmo ramo da Antropologia Cultural. A despeito de Marconi e Presotto (2006), as autoras explicitam seus pressupostos a partir da impossibilidade de entender um ramo da Antropologia sem o outro, a saber, o Cultural, o Social e a Etnologia. Como consequência desses argumentos e, conforme já esclarecemos, trataremos a Antropologia Cultural como sinônimo da Antropologia Social e da Etnologia, em outras palavras, no presente caderno você estudará sobre a Antropologia Cultural, Social ou Etnologia. Agora que você está inteirado(a) das argumentações de Lévi-Strauss (1967), DaMatta (2000), Laplantine (2000), Marconi e Presotto (2006) acerca da Antropologia Cultural, Social ou Etnologia, vamos conhecer um pouco mais sobre os desdobramentos dessa Ciência? A Antropologia Biológica, que no passado foi designada pela nomenclatura de Antropologia Física, caracteriza-se pelo estudo dos traços biológicos do homem levando em consideração tempo e lugar. Se valendo de métodos comuns ao campo da biologia, sua preocupação central é as interfaces entre nosso patrimônio genético e os diversos meios que nos circundam. Ou seja, como a(s) cultura(s) e esse patrimônio genético se influenciam? Em suma, o interesse desse ramo da Antropologia é pela genética das populações, bem como por suas culturas, do mesmo modo que procura, ainda, desvelar questões que dizem respeito ao inato e ao adquirido (LAPLANTINE, 2000). Mas, também, há o estudo das sociedades de primatas superiores como babuínos e gorilas que envolvem especulações sobre a evolução biológica do homem no geral.
Ciências da Religião - Antropologia Cultural A Arqueologia, por outro lado, é uma divisão da Antropologia Cultural, que pesquisa o homem por meio de vestígios materiais que as culturas deixaram para trás, ao longo do tempo. Muitas vezes, esses vestígios são encontrados enterrados no solo, ou na forma de pinturas em paredes (pinturas rupestres), ou
ossadas, em suma, qualquer traço de atividade humana. Seu intuito é restaurar sociedades já desaparecidas, especulando sobre suas técnicas, arte, religião, organização social, entre outros. Em DaMatta vamos encontrar os seguintes argumentos:
De fato o arqueólogo está interessado em pedaços de cerâmica, cemitérios milenares, cacos de pedra e restos de animais, enquanto tais resíduos permitem deduzir modos concretos de relações sociais ali existentes. A Arqueologia, assim, é uma Antropologia Social, só que debruçada em cima do estudo de um sistema de ação social já desaparecido. (DA MATTA, 2000, p.29)
Dessa maneira, observamos que a Arqueologia divide-se, ainda, em: a) Arqueologia Clássica, que “tenta reconstruir as antigas civilizações letradas”, como exemplo, Egito, Grécia, Mesopotâmia, entre outras; b) Antro-
pologia Arqueológica, cujos estudos se concentram nos “primórdios da cultura, relativa às populações extintas”, a saber, “culturas do Paleolítico, Mesolítico e Neolítico” (MARCONI; PRESOTTO, 2006, p.05).
◄ Figura 10: Processo de Hominização. Fonte: Curte a História. Disponível em: <http:// curteahistoria7.blogspot. com.br/2010/09/processo-de-hominizacao.html>. Acesso em 10 mai. 2013.
Como descrito por Marconi e Presotto (2006, p.05), a etnografia (éthos, povo; graphein, escrever) “é um dos ramos da ciência da cultura que se preocupa com a descrição das sociedades humanas”. Porém, para o presente momento, caro(a) acadêmico(a) ficaremos apenas com esse conceito, pois na subunidade 1.3.1 estudaremos mais detidamente sobre esse método e seus principais autores. Contudo, cabe ressaltar que essa é uma divisão da Antropologia Cultural que possibilitou o caráter relativista da Antropologia, bem como sua elevação à Ciência. Marconi e Presotto (2006, p.05) conceituam que a Etnologia (éthos, povo; logos, estudo) “é outro ramo da ciência da cultura, cujos pesquisadores utilizam os dados coletados e oferecidos pelos etnógrafos”. Como exemplo, em “Sistemas Políticos da Alta Birmânia: um estudo da estrutura social Kachin” de Edmund Ronald Leach, publicado em 1964, vamos encontrar o esclarecimento de que o livro versa sobre a população kchin e chan do nordeste da Birmânia, cujo objetivo
é “fornecer uma contribuição à teoria antropológica”. A obra, segundo o autor, não foi cogitada como uma descrição etnográfica, pois “[...] a maioria dos fatos a que me refiro foram publicados anteriormente. Não se deve, pois, procurar qualquer originalidade nos fatos de que trato, mas na interpretação desses mesmos fatos” (LEACH, 1996, p. 65).
DICA Roberto Augusto DaMatta é graduado e licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense (1959 e 1962). Curso de Especialização em Antropologia Social do Museu Nacional (1960); M.A e Ph.D em, respectivamente, 1969 e 1971, pelo Peabody Museum da Universidade de Harvard. Foi Chefe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional e Coordenador do seu Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (de 1972 a 1976). É Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, USA, onde ocupou a Cátedra Rev. Edmund Joyce, c.s.c., de Antropologia de 1987 a 2004. Atualmente é Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Realizou pesquisas Etnologicas entre os índios Gaviões e Apinayé. Foi pioneiro nos estudos de rituais e festivais em sociedades industriais, tendo investigado o Brasil como sociedade e sistema cultural por meio do carnaval, do futebol, da música, da comida, da cidadania, da mulher, da morte, do jogo do bicho e das categorias de tempo e espaço.
◄ Figura 11: “Tribespeaple of the Kachin”. População da tribo Kachin, Brimânia. Leach, 1940-1949. Fonte: Fields of study: Sir Edmund Leach, the social anthropologist Disponível em: <http://www.kings. cam.ac.uk/ archive-centre/archive-month/february-2013.html. Acesso em 09 mai. 2013.
Entre os ramos da Antropologia Cultural, a Antropologia linguística estuda especifica-
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PARA SABER MAIS Assista ao filme “Dança com Lobos” do diretor Kevin Costner. A obra conta a história do tenente John Dunbar (Kevin Costner) que, após ser condecorado por bravura na Guerra de Secessão, é enviado para um forte isolado na fronteira com as terras selvagens Sioux. Além do choque de culturas, o filme aborda, também, a expansão colonial dos Estados Unidos para o oeste e como se deu a ocupação das terras indígenas pelo homem branco. Fonte: Disponível em: <http://www. cinedublados.com. br/2013/06/ download-danca-com-lobos-dublado.html.
mente a linguagem como exteriorização de valores, pensamentos, sentimentos, pois, somente através do estudo da língua é que conseguimos compreender como os indivíduos pensam o que vivem; elaboram suas interpretações; como categorizam o que sentem, isto é, através desse desdobramento da Antropologia alcançamos suas categorias psicoafetivas e psicocognitivas (LAPLANTINE, 2000). Além disso, a linguagem constitui-se em um meio de comunicação e, também, em um “instrumento do pensamento”, portanto, uma “grande diversidade de línguas acompanha a grande diversidade de culturas, cada uma delas com suas formas e estruturas básicas definidas” (MARCONI; PRESOTTO, 2006, p.06). O Folclore, por sua vez, consiste em um dos campos de investigação da Antropologia Cultural, que observa a cultura “espontânea dos grupos rurais ou urbanizados”. Trata-se, portanto, de uma “ciência socioantropológica, uma vez que se dedica ao estudo de determinados aspectos da cultura humana”. Dedica-se, também, aos “fatos da cultura material e espiritual que, originados espontaneamente, permanecem no seio do povo, tendo determinada função”. Em outras palavras, analisa os “fenômenos em sua dimensão espacial e temporal”, com métodos e técnicas de pesquisa científica que lhes são próprios. Contudo, apesar de sua autonomia, são campos da An-
tropologia, porque trabalham com interesses comuns à essa Ciência; a saber, o homem e a cultura (MARCONI; PRESOTTO, 2006, p. 07). Resumindo, a Antropologia Cultural pretende compreender o homem como elemento de um dado sistema de valores, normas, crenças, etc. Entende a sociedade humana como sendo um agregado de ações e comportamentos organizados conforme um esquema de regras que ela mesma criou. Desse modo, o campo da Antropologia Cultural diz respeito a tudo que compõe uma coletividade: suas crenças, relações de parentesco, modos de produção econômica, regras jurídicas, arte, conhecimento, entre outros. Sendo assim, a Antropologia Cultural, que dá nome à nossa disciplina, é, portanto, o ramo no qual mais nos deteremos, especialmente porque é sobre ela que continuaremos discorrendo ao longo de nosso curso. Assim sendo, todas as vezes que já utilizamos ou venhamos a utilizar o termo genérico Antropologia é à Antropologia Cultural que estamos nos referindo. E, como já mencionamos, um traço distintivo da Antropologia é o seu método e metodologia, ou seja, o arcabouço teórico utilizado pelo pesquisador, bem como as suas condutas para auferir evidências empíricas. Agora, você está curioso sobre as características particulares do método antropológico e como ele se constituiu, já que repetidas vezes citamos sobre isso. Então, vamos estudá-los?
1.3.1 Antropologia e método: a imersão na cultura do outro
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Como discutimos anteriormente, na subunidade 1.2, a maior parte do material produzido sobre o Novo Mundo, ou mesmo sobre o oriente, adveio das percepções de colonos, soldados, viajantes, dentre outros. Isso ainda foi válido até o final do século XIX, sobretudo, porque quase nenhum antropólogo havia travado contato físico com as populações primitivas sobre as quais escrevia. Como demonstra DaMatta (1987), durante todo esse período, o etnólogo consumou sua prática e experiência no seu aconchegante gabinete ou numa confortável poltrona em uma biblioteca qualquer da Europa. O problema disso é que como os dados recolhidos eram superficiais e breves, dada a pouca permanência dos coletores nas aldeias e/ou comunidades, o trabalho etnográfico resumia-se a uma seleção e listagem de costumes exóticos. Quer dizer, havia uma enorme quantidade de informações, todavia a complexidade de significados que envolvem o cotidiano da vida social não eram desvelados. O conhecimento produzido então, acabava por flutuar
descolado do contexto investigado. Somente no final do século XIX é que alguns antropólogos, como Spencer e Gillen, que investigaram os aborígines australianos, começaram a se preocupar com essa experiência de sair do conforto do gabinete e inserir-se na cultura do outro. Isso se deu pois compreenderam que somente assim, com um trabalho de campo sistematizado, seria possível produzir interpretações sobre as ações sociais dos nativos, perfazendo-as como sendo um sistema integrado e dotado de lógica própria. DaMatta (1987) por exemplo, defende essa postura dizendo ser essencial buscar o sentido a partir do ponto de vista do outro. Assim sendo, é imprescindível esse contado direto, pois possibilita que o conhecimento produzido seja sempre intermediado pelo próprio nativo. Dessa forma, o antropólogo polonês se inseriu na cultura do nativo de maneira duradoura, aprendendo sua língua e afastando-se do contato com o homem branco. Tal iniciativa trouxe uma enorme contribuição para a Antropologia, uma vez que o pesquisador
Ciências da Religião - Antropologia Cultural realmente pôs em prática a pesquisa de campo, porquanto, os métodos de investigação sobre o outro foram alterados, fortalecendo a premissa de que a Antropologia é uma Ciência. Em outras palavras, Malinowski (1976) prenunciou um empreendimento etnográfico em consonância com os preceitos científicos de uma forma mais radical. Quer dizer, deixando seu mundo para trás e indo viver entre os nativos, participando de seu cotidiano e recolhendo ele mesmo os dados acerca da cultura estudada, a saber, comportamentos, valores, normas, mitos, cosmologias, etc.. Por isso, esse antropólogo inaugura e é o precursor de uma nova percepção sobre o trabalho de campo. Sendo assim, foi também quem cunhou o termo “observação participante” como sendo um sinônimo da pesquisa de campo, evidenciando ainda mais a antinomia existente entre o pesquisador que consuma este tipo de estudo e o antropólogo de gabinete. Desse modo, o entendimento da pesquisa de campo como observação participante trouxe à lume uma transformação interessante ao campo da antropologia, pois fazendo esse tipo de pesquisa, elimina-se a questão do coletor de dados e o pesquisador que os analisará serem indivíduos diferentes, o que possibilita, então, que a cultura pesquisada seja interpretada de forma contextualizada. Outro importante pensador da Antropologia que também defende o trabalho de campo é Evans-Prichard (1999). Segundo esse pesquisador a etnografia consiste em uma pesquisa minuciosa de uma única população ou mesmo de um conjunto de povos correlacionados. Também defende que um estudo etnográfico deve durar pelo menos dois anos, pois nesse período o pesquisador pode aprender a língua nativa, aumentando a sua interação com o grupo. É o trabalho de campo que possibilita ao antropólogo se tornar um etnógrafo.
▲ Figura 12: Malinowski e os Trobriand (Nova Guiné) durante trabalho de campo em 1918 (foto: Wikimedia Commons). Fonte: Antropologia, notícias do campo e do gabinete. Disponível em: <http//://agreste.blogspot.com. br/2011/02/antropologia-e-ciencia.html. Acesso em 29 abr. 2013.
Um importante elemento que integra a prática do antropólogo que faz a observação participante é o diário ou caderno de campo, uma vez que é nesse instrumento que o pesquisador rascunha todas as suas impressões para depois então sistematiza-las. Ribeiro (1996), por exemplo, comenta a enorme importância de seu caderno de campo quando esteve entre os índios Urubus-Kaapor, entre 1949 e 1951. Eram anotações diárias sobre tudo que os índios faziam ou diziam, material que depois é sistematizado e interpretado. Igualmente, Brandão (2007) pondera que tudo, qualquer situação, mesmo as mais insignificantes devem ser anotadas; a observação precisa ser sempre seguida pelas anotações e essas notas devem ser descritivas. É importante ressaltar que essa especificidade do método antropológico possibilita operações mentais para as quais o pesquisador deve estar preparado teoricamente. Em primeiro lugar a observação participante, haja visto que transforma o antropólogo em um sujeito ativo e participante na cultura estudada; permite-lhe, virtualmente, tornar-se um nativo. Assim sendo, como nos mostra Malinowski (1976), mais importante do que experimentar modos de vida diferentes é captar as visões de mundo do outro com respeito e verdadeira compreensão. Dessa maneira, torna-se imprescindível controlar nossos preconceitos, pois somente assim conseguiremos compreender as percepções do outro, bem como nossos próprios pontos de vista, re-elaborando nossa própria experiência cultural fora dela. Para o último autor citado é, então, essa capacidade de “tornar-se o nativo” que irá definir a profundidade da interpretação realizada. O antropólogo precisa, também, aprender a ver o que lhe é comum com olhos de estranheza, pois somente dessa forma é possível reconhecer práticas cotidianas e familiares como sendo construções sociais e culturais específicas. Esse procedimento, definido na antropologia como o ato de “estranhar o familiar”, permite que o antropólogo identifique o que é esquisito em sua própria cultura. Desse modo, para DaMatta (1987), o pesquisador deve fazer um esforço para transmudar o exótico em familiar e o familiar em exótico, transformando sua relação com o outro e consigo mesmo. Segundo Velho (2004), fazer etnografia depreende desse estranhamento do que é familiar, de uma busca por um certo grau de imparcialidade e neutralidade, uma vez que somente dessa maneira logra-se comparar, intelectualmente, as diversas interpretações relativas às realidades existentes. Vimos, portanto, que fazer etnografia pressupõe um preparo por parte do pesquisa-
PARA SABER MAIS Leia a definição de cultura apresentada no “Dicionário de Conceitos Históricos” que pode ser acessado no endereço eletrônico: http://www.igtf.rs.gov. br/wp-content/uploads/2012/03/conceito_CULTURA.pdf>.
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Atividade Leia o texto a seguir e depois comente e escreva sobre a diferença entre o trabalho de campo e os relatos de missionários, soldados e viajantes. Vá até o fórum de discussão e deixe seu comentário.
dor, uma disposição para questionar certezas até então cristalizadas por sua cultura. Imergir na cultura do outro requer uma entrega física, dado o deslocamento, e também uma íntegra intelectual, tendo em vista os esforços que devem ser empreendidos para uma interpretação que se tencione minimamente neutra e imparcial. Nesse sentido, Malinowski (1976), deixa três diretrizes metodológicas importan-
tes que todo pesquisador deve observar antes de arremessar-se ao trabalho de campo. São elas: a) o pesquisador deve ter objetivos genuinamente científicos e deve conhecer bem as teorias antropológicas; b) assegurar boas condições de pesquisa: viver entre os nativos e aprender a língua deles; c) aplicar métodos especiais de coleta (informantes), manipulação e registro de evidências (diário de campo).
BOX 2
Os Argonautas do Pacífico Ocidental [...] consistem, sobretudo, em isolar-se da companhia de outros homens brancos e em permanecer em contato tão estreito quanto possível com os nativos, o que, na realidade, só pode ser alcançado pela residência efetiva em suas aldeias. [...] Há uma grande diferença entre uma estada esporádica em companhia dos nativos e estabelecer um contato verdadeiro com os mesmos. O que quer dizer isto? Do ponto de vista do etnógrafo, significa que sua vida na aldeia, que a princípio era uma aventura estranha, às vezes desagradável e às vezes intensamente interessante, logo adquire um curso natural, em perfeita harmonia com os seus arredores. [...] Logo depois que me instalei em Omarakana comecei, de certa forma, a tomar parte na vida da aldeia, a buscar quais acontecimentos importantes e festivos, a adquirir um interesse pessoal no diz-que-diz e no desenrolar das ocorrências da pequena aldeia; o acordar cada manhã para um dia que se apresentava mais ou menos como se apresenta para o nativo. Saía do meu mosquiteiro para encontrar ao meu redor a vida da aldeia principiando a desdobrar-se, ou os indivíduos já bem adiantados nas suas tarefas diárias, de acordo com a hora e também com a estação, pois eles se levantam e começam as suas labutas cedo ou tarde, segundo o trabalho exige. Durante o meu passeio matinal pela aldeia, podia observar os íntimos detalhes da vida familiar, a higiene, a cozinha, as refeições; podia ver os preparativos para o dia de trabalho, as pessoas saindo para atender aos seus interesses, ou grupos de homens e mulheres ocupados em algumas tarefas manufatureiras. Disputas, piadas, cenas familiares, eventos usualmente triviais, às vezes dramáticos, mas sempre, significativos, formavam a atmosfera da minha vida diária, assim como da deles. Fonte: MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 43 (Os Pensadores).
1.4 A construção do conceito antropológico de cultura, o etnocentrismo e o relativismo cultural Estudamos nas subunidades 1.2 e 1.3 que Antropologia é a Ciência que se ocupa da diversidade da cultura humana, especialmente questionando sobre o inato e o adquirido, ou seja, o que é da natureza do homem e o que é adquirido, construído pelo meio sociocultural. Nesse sentido, foi exatamente a ampliação dos conhecimentos acerca dos diversos modelos culturais da humanidade que possibilitou às
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Ciências Sociais algumas retificações sobre o que consideramos como sendo natural. Assim sendo, desde os tipos de comida aceitáveis para cada sociedade, quem consideram como parente, as vestimentas ou tarefas de homens e mulheres, até suas formas de expressar a dor ou o que os indivíduos classificam como sendo sagrado, passa a interessar à Antropologia nessa constante busca por compreender a
Ciências da Religião - Antropologia Cultural natureza humana e sua enorme diversidade cultural. Ao travar contato com essa gama de diferentes comportamentos, começamos a questionar hábitos que antes considerávamos naturais e a percebê-los como construções de uma cultura específica, a nossa. Então um dos conceitos mais básicos da teoria antropológica diz respeito ao conceito de cultura. É claro que antes devemos esclarecer que a concepção de cultura adotada pela Antropologia não tem o mesmo sentido que a utilizada pelas pessoas comuns em seu cotidiano, no qual cultura está relacionada a apresentações artísticas, grau de conhecimento, erudição acumulada, dentre outros, pois isso nos dirige à perspectiva de que algumas pessoas seriam detentoras de cultura e outras não. A grosso modo, podemos dizer que em Antropologia a cultura está relacionada a formas de agir, pensar e sentir. Desse modo, é algo que se aplica a todas as pessoas e sociedades, sendo impensável, para a perspectiva antropológica, dizer que existem indivíduos sem cultura. O primeiro autor a formular o conceito de cultura foi Edward Tylor, em 1971, quando publicou o livro Primitive Culture. Em sua obra, o autor sintetiza o termo germânico Kultur (ligado à espiritualidade de uma sociedade) e o termo francês civilization (que define realizações materiais) com o intuito de compreender as relações estabelecidas em uma dada sociedade a partir da expressão Culture (LARAIA, 2005). A principal contribuição do desenvolvimento de um conceito de cultura, à luz dos ensinamentos de Tylor, foi evidenciar o caráter de aprendizado da cultura em detrimento às ideias de natureza humana, de inato. Assim, Tylor (1958, p. 01) define que cultura “[...] é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes, e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade”. Cultura, então, passa a ser vista como tudo que aprendemos como elementos de uma certa coletividade, mediante processos de socialização. Cabe ressaltar, contudo, que a definição de Tylor (1958), partiu de uma premissa evolucionista, portanto continua no interior de uma perspectiva altamente hierarquizada, não pluralista e não relativista, visto que o autor enxergava todas as culturas como estágios de evolução de uma única cultura. A situação da cultura entre as várias sociedades da humanidade, na medida em que possa ser investigada segundo princípios gerais, é um tema adequado para o estudo de leis do pensamento e da ação humana. De um lado, a uniformidade que tão amplamente permeia a civilização pode ser atribuída, em
grande medida, à ação uniforme de causas uniformes; de outro, seus vários graus podem ser vistos como estágios de desenvolvimento ou evolução [...] (LARAIA, 2005). Assim, podemos dizer que, desde o século XIX, a Antropologia construiu e se apropriou do conceito de cultura. Também percebemos que desde sua constituição até os dias atuais um vigoroso deslocamento conceitual perpassa a comunidade antropológica, que ainda se descobre interpretando e procurando um melhor entendimento sobre esse conceito. À vista disso, como nos demonstra Laraia (2005), continuam existindo agudas discordâncias entre as mais variadas conceituações de cultura. Kroeber e Kluckon, dois antropólogos, compilaram nada mais nada menos que impressionantes 164 definições distintas de cultura.
◄ Figura 13: Cultura: um conceito antropológico. Roque de Barros Laraia. Fonte: Google Search. Disponível para download em: < https://www. google.com.br/search?q= cultura+um+conceito+a ntropol%C3%B3gico&ie>. Acesso em 29 jul. 2013.
Todavia, para nossos propósitos, nos centraremos em pensar a cultura como sendo um sistema organizado, afugentando assim a perspectiva da cultura como um amontoado de leis, valores, crenças, moral, sem nenhuma ligação entre si. Isso quer dizer: refletir o “todo complexo” de Tylor enxergando-o como uma totalidade interligada, dotada de coerência, organização e lógica próprias. A partir desse horizonte, a cultura pode ser pensada como um conjunto de regras e códigos que direcionam as ações coletivas das populações, bem como lhes fornecem significados para interpretarem suas realidades. Por fim, compreendendo a cultura sob esse prisma, torna-se possível notar que toda cultura possui lógica e organização próprias, superando assim a con-
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DICA “Para os evolucionistas do século XIX a evolução desenvolvia-se através de uma linha única; a evolução teria raízes em uma unidade psíquica através da qual todos os grupos humanos teriam o mesmo potencial de desenvolvimento, embora alguns estivessem mais adiantados que outros. Esta abordagem unilinear considerava que cada sociedade seguiria o seu ouso histórico através de três estágios: selvageria, barbarismo e civilização. Em oposição a essa teoria, e a partir de Franz Boas, surgiu a ideia de que cada grupo humano desenvolve-se através de caminho próprio, que não pode ser simplificado na estrutura tríplice dos estágios. Esta possibilidade de desenvolvimento múltiplo constitui o objeto da abordagem multilinear”. (LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2005., p. 59).
PARA SABER MAIS Para ampliar os conhecimentos sobre o tema abordado, assista ao filme “Mister Johnson: no coração da África”. Direção: Bruce Beresford. EUA, Baseado no romance de Joyce Cary. Na trama, Johnson apresenta-se como uma pessoa negra que assimila as normas da cultura branca e acaba agindo de maneira etnocêntrica em relação à sua própria cultura.
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jectura de que as culturas diferentes da nossa são monstruosidades bizarras e irracionais. Veremos agora dois conceitos que são fundamentais para a teoria antropológica, e que estão intimamente relacionados ao conceito
de cultura, pois materializam por meio de atitudes em relação às formas de pensar, sentir e agir do outro. Tais materializações serão, portanto, pensadas a partir do conceito de Etnocentrismo e o conceito de Relativismo Cultural.
1.4.1 Etnocentrismo Como vimos, o homem sempre travou contatos com a alteridade ao longo de sua história. Vimos, também, que em grande parte das vezes o outro era visto como uma aberração. É a essa tendência de classificar o outro a partir de nossos próprios valores que os antropólogos chamam de Etnocentrismo. De uma forma mais sistematizada, de acordo com Herskovits (1963), o etnocentrismo consiste em ser “[...] o ponto de vista segundo o qual o próprio modo de vida de alguém é preferível a todos os outros”. Nas palavras de Everardo Rocha: Etnocentrismo é uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo, e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença, no plano efetivo, como sentimento de estranheza, medo, hostilidade, etc. Perguntar sobre o quê é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo residem dois planos do espírito humano: sentimento e pensamento vão compondo um fenômeno não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente encontráveis no dia-a-dia das nossas vidas. (EVERARDO ROCHA,1999, p. 7).
Portanto, caro(a) acadêmico(a), você é capaz de concluir que o etnocentrismo é uma concepção que nos leva a colocar nossos valores e características culturais como modelo de normalidade, como sendo natural. Além disso, o etnocentrismo é um sentimento corriqueiro entre todos os seres humanos, uma vez que é resultado da socialização de um indivíduo no interior de uma cultura específica. Em certo sentido, o etnocentrismo tem valores positivos, uma vez que contribui para a solidificação dos laços sociais que unem o grupo, pois valoriza suas características compartilhadas em oposição a outras coletividades. Contudo, cabe salientar que quando o etnocentrismo justifica ações para deteriorar ou aviltar outras culturas ele passa a ser uma vicissitude. Temos vários exemplos disso na história, a colonização europeia na América, o apharteid na África do Sul, o tratamento dispensado pelos nazistas às pessoas não arianas, para citar apenas alguns. Agora que você sabe o que é etnocentrismo, reflita sobre alguns exemplos que não men-
cionamos. Para ajudar, pense: qual é o melhor time de futebol do Brasil? Pensou? Baseado em que você escolheu esse time? Você já defendeu algum time e não percebeu que por algum motivo particular você o fez? Se sim, o etnocentrismo é parte integrante do ser humano e trata-se do primeiro encontro com o diferente; muitas vezes nem percebemos que estamos praticando. Porém, somente a forma hostil, desrespeitosa com a qual os indivíduos manifestam esse encontro é que vai gerar as violências físicas e simbólicas. Caso você não tenha escolhido um time por preferência, discuta com os colegas e tente observar quais as práticas que vocês realizam e que antes não consideravam como sendo uma característica do etnocentrismo. A própria Antropologia nasce etnocêntrica e, ao perceber que essa não era a melhor forma de lidar com a diversidade, essa Ciência busca, paulatinamente, compreender o outro em sua dimensão de riqueza, aspecto esse que estudaremos a partir de agora. E então, vamos continuar as nossas reflexões?
1.4.2 Relativismo cultural Discutimos que a avaliação que fazemos de culturas distintas da nossa são elaboradas a partir de nossa experiência, ou seja, ela é informada por nossa própria lógica cultural. Lembra da pergunta que fizemos agora a pouco? Qual o melhor time de futebol? Contudo,
é a partir de uma ampliação do conhecimento sobre a existência de padrões de comportamentos diferentes que tem feito com que os homens reflitam um pouco mais sobre a naturalização desses mesmos comportamentos. Isso vem contribuindo para que um novo po-
Ciências da Religião - Antropologia Cultural sicionamento a respeito das diferenças, e que procura reconhecer suas especificidades como legítimas, façam parte permanente da relação entre o “grupo do eu” e o “grupo do outro”. Assim sendo, o Relativismo Cultural pode ser considerado como ideologia que, ao reconhecer os padrões fixados em cada sociedade para dirigir sua própria existência, sustenta que cada conjunto de costumes possui legitimidade e reforça a necessidade da tolerância perante organizações diferentes da nossa (HERSKOVITS, 1963). Quem também tece considerações interessantes sobre essa noção de relativismo
cultural é Salhins (2004), quando pondera que a própria prática antropológica se tornaria infrutífera sem a postura relativista. Dito de outra forma, esse autor coloca que a compreensão genuína do outro perpassa por uma atitude de respeito e uma busca para elaborar um mínimo de imparcialidade e neutralidade, pois apenas nos despindo de nossos próprios valores é que conseguiremos, de certo modo, estar no lugar do outro. Esse ponto é essencial, pois, como podemos perceber, o relativismo para esse pensador não se constitui apenas em uma postura, mas em um método do fazer antropológico. Segundo Salhins:
O relativismo cultural é, antes de mais nada e sobretudo, um procedimento antropológico interpretativo – ou seja, metodológico. Ele não consiste no argumento moral de que qualquer cultura ou costume é tão bom quanto qualquer outro, se não melhor. O relativismo é simples prescrição de que, para que possam tornar-se inteligíveis, as práticas e ideais de outras pessoas devem ser “ressituadas em seus contextos históricos, e compreendidas como valores posicionais no campo de suas próprias relações culturais, antes de serem submetidas a juízos morais e categóricos de nossa própria lavra”. A relatividade é a suspensão provisória dos próprios juízos de modo a situar as práticas em pauta na ordem cultural e histórica que as tornou possíveis. Afora isso, não se trata de forma alguma de uma questão de advocacia [grifos nossos]. (SALHINS, 2004, p. 59).
Independente de pensar o relativismo como uma atitude ou mesmo como método, podemos notar que se constitui em uma postura diferente do etnocentrismo, quase contrária. Essa postura configura-se na busca por tentar compreender que cada cultura possui suas singularidades e que elas são derivadas de elementos sócio-históricos complexos que influenciaram e influenciam a identidade de seus integrantes. Nesse sentido, torna-se impensável a existência de culturas superiores e inferiores, pois cada uma delas tem seus critérios e conceitos que estruturam valores, regras, etc. Quer dizer, cada cultura sabe o porquê valoriza sua organização, seu modo de vida. Isso implica no fato de que, para compreendermos realmente uma cultura, precisamos reconhecer e respeitar a existência do outro como sendo diferente e não como uma variante inferior do eu. Convém, ainda, acrescentar que isso significa enxergar que a cultura da qual somos fruto é apenas uma possibilidade de organização social, meramente mais uma entre várias.
Pensando nisso, estudaremos, a partir de agora, as sociedades que outrora foram consideradas primitivas com o intuito de analisar os conceitos basilares da Antropologia, para que você consiga compreender, de maneira crítica, as diferenças sociais e culturais que compõem a humanidade e, também, entender as diversidades étnicas e culturais. Além disso, objetivamos localizá-lo na problemática capital da Antropologia como Ciência do outro, ou ainda, Ciência das diferenças. Aspectos esses que são de suma importância para a sua formação em Ciência da Religião. Embora você tenha consciência de que essa diversidade não é primitiva nos moldes que o evolucionismo tratou, ainda assim usaremos o termo, pois a bibliografia consultada traz essa nomenclatura. Trata-se, portanto, de um mecanismo de distinção utilizado pelos autores para analisar uma cultura que não a europeia, estadounidense e tantas outras sociedades capitalistas. Daí a permanência do uso do termo, apesar de alguns autores preferirem a seguinte grafia: “sociedades pré-capitalistas”.
DICA A antropóloga Rita Laura Segato em seus estudos sobre direitos humanos aponta que existe um conflito entre a ética a moral e a lei para a compreensão das populações ditas primitivas. Isso porque, segundo a referida autora, os direitos universais tomam como pressupostos a relação da dignidade da pessoa humana segundo preceitos ocidentais. Diante disso, povos que possuem costumes diferentes acabam sendo acometidos a interpretações etnocêntricas. Não obstante, Segato (2006) aponta o relativismo cultural como uma forma de mediação do conflito entre ética, moral e lei (SEGATO, 2006).
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Ciências da Religião - Antropologia Cultural
UNIDADE 2
A antropologia e a análise das sociedades primitivas – organização social, sistemas de parentesco, economia, poder e expansão colonial Fernanda Veloso Lima Flávio de Oliveira Carvalho
2.1 Introdução Estudamos na Unidade 1 que o homem, desde épocas remotas, alimenta uma curiosidade sobre si mesmo e suas diversas práticas. Basta relembrarmos discussões de autores como Laplantine (2000), DaMatta (1987) e Maybury-Lewis (2002) para rapidamente nos convencermos de que o homem sempre se interrogou sobre si mesmo. Percebemos, além disso, que esses contatos com a alteridade (e os discursos elaborados sobre ela) aumentaram consideravelmente com a expansão marítima principiada no século XVI e a consequente descoberta de novos mundos. Constatamos, também, que ainda que possamos considerar a Antropologia como sendo fruto dessa curiosidade do homem sobre a diferença, falar da constituição de uma Ciência antropológica é pensar em uma época muito mais recente, que engloba o final do século XVIII e o século XIX. Concordando com esse raciocínio, discutimos como a Antropologia se institui como Ciência e como ela adquire identidade ao definir seu objeto de estudo: as sociedades ditas primitivas. E, posteriormente, percebemos o paulatino desaparecimento desse objeto; a maneira com a qual a Antropologia refluiu para dentro de sua própria cultura e debateu sua singularidade em termos de método, ou seja, o olhar que lançava sobre seu objeto e agora o homem em sua totalidade. Por fim, ponderamos sobre as ramificações da Antropologia; sobre a especificidade da Antropologia Cultural
no interior da Antropologia Geral; e, também, discorremos sobre a especificidade de seus métodos, que procuram além de conviver com o nativo de forma duradoura, dar-lhe voz. Isto é, analisar e interpretar a cultura do nativo sob o ponto de vista do próprio nativo. Nessa direção, trataremos, nesta segunda unidade, quais foram as relações da Antropologia com seu primeiro objeto: as sociedades primitivas ou selvagens. Como se deram essas interpretações, que sentidos de organização foram captados? Posto isso, abordaremos algumas contribuições específicas dessa Ciência na interpretação das sociedades primitivas no que diz respeito às suas crenças, seus valores, normas, regras, enfim, sobre a organização social da sociedade primitiva, bem como ela adquire sentido. Para tanto, o nosso primeiro intuito é definir dentro de uma perspectiva antropológica quais são as características, os traços de uma sociedade dita selvagem. Dito de outra forma, analisaremos quais foram (e são) os critérios usados para classificar uma sociedade como sendo primitiva, selvagem, ou ainda como se diz correntemente em antropologia, uma sociedade simples. Posteriormente, estudaremos como a Antropologia compreende as relações que os nativos estabelecem entre si em diversas esferas da vida social. Assim sendo, examinaremos como as relações de parentesco formam percebidas pelos antropólogos; quais lógicas estão subjacentes às classificações das linhagens de des-
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PARA SABER MAIS Lévi-Strauss (1997), em seu livro “O Pensamento Selvagem”, publicado em 1962, critica veementemente a nomenclatura de “selvagem” atribuída à população não européia, conforme discutiremos nesta Unidade. Portanto, para aprofundar sobre essa temática, sugerimos a leitura desta obra de Lévi-Strauss. (LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. 2 ed. Trad. Tânia Pellegrini. Campinas/ SP: Papirus, 1997.)
▲ Figura 14: Pierre Clastres (à direita) junto com o cacique mbya-guaraní, Angelo Garay. Fonte: Casa de Vidro. Disponível em:<http:// acasadevidro.wordpress. com/2012/09/25/o-narcisismo-dos-povos-patriotarios-clastres-todorov-em-choque-com-o-etnocentrismo/>. Acesso em 29 jul. 2013.
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cendência; como os nativos compreendem suas obrigatoriedades parentais e em que medida se sujeitam a elas. Observaremos, também, quais são as racionalidades que conferem significação às trocas econômicas; como os nativos concebem o intercâmbio de bens, a que preceitos sociais as trocas estão atreladas; enfim, qual é a concepção de comércio que permeia suas vidas. Por último, traçaremos um panorama das consequências da expansão colonial européia, analisando-a, especialmente, sob as luzes de dois conceitos já tratados aqui: o etnocentrismo, que nesse contexto podemos chamar de eurocentrismo, e o relativismo cultural.
De posse dos temas que abordaremos na Unidade 2, apresentamos em seguida os títulos das subunidades: 2.1 Introdução; 2.2 Conceituando as sociedades primitivas; 2.3 Considerações sobre os sistemas de parentesco; 2.4 As trocas econômicas; 2.5 Expansão colonial e suas consequências para os povos não ocidentais. Agora que já conhece as divisões desta Unidade, você está pronto para uma nova caminhada intelectual no campo da Antropologia? Então vamos nessa!
2.2 Conceituando as sociedades primitivas As sociedades ditas primitivas consistem naquelas que, a princípio, são consideradas como possuidoras de uma organização social homogênea, ou seja, muito mais simples que as sociedades ditas complexas ou industriais. Como pondera Lienhardt (1965), são populações cujas comunidades se aglomeram em pequena escala, ocupam territórios limitados, e a amplitude das relações sociais são simples, especialmente se comparadas às sociedades mais avançadas, com tecnologia mais desenvolvida e maior especialização e diversidade de funções sociais. Ainda sob o prisma de Lienhardt (1965), foi nesse sentido que os antropólogos investiram nos estudos dessas sociedades, pois acreditavam que, ali, as peculiaridades essenciais das instituições sociais estariam mais evidentes que nas sociedades modernas. Concordando com essa assertiva, mas aprofundando a concepção de sociedade simples, Clastres (2004) argumenta que embora a sociedade primitiva seja não dividida, homogênea e ignore diferenças entre ricos e pobres, ou exploradores e explorados, isso não é o
fundamental para distingui-las das sociedades complexas. O essencial é, sobretudo, que a sociedade simples desconhece a divisão política entre dominantes e dominados; dito de outra forma, é uma sociedade sem Estado. Do ponto de vista de Clastres (2004), a falta de percepção acerca de relações antagônicas, explorador/explorados, sempre intrigou os ocidentais, visto que desde a antiguidade grega sempre se admitiu a oposição entre dominantes e dominados (no sentido político) como sendo uma marca intrínseca da sociedade humana. Assim sendo, as primeiras visões sobre as sociedades simples acabavam por classificá-las como uma massa uniforme dirigida por instintos e sem qualquer racionalização sobre sua própria organização social. Na mesma direção de Clastres (2004), em Sahlins (1983) encontramos o seguinte esclarecimento: em termos amplos a discrepância entre sociedades complexas e primitivas residiria na mesma dicotomia entre paz e guerra, respectivamente. Isso porque a complexidade da sociedade moderna depende da lei e da ordem institucional para a manutenção de uma ordem, ao passo que as sociedades simples viveriam em um “estado de natureza”. Observamos, portanto, a definição de uma sociedade complexa nas palavras do próprio Sahlins:
Mais analiticamente, um Estado ou uma sociedade civilizada é uma sociedade na qual: 1) existe uma autoridade pública oficial, um conjunto de serviços da sociedade como um todo conferindo poder de governar sobre a sociedade como um todo; 2) “sociedade como um todo”, o domínio dessa autoridade governante é territorialmente definida e subdividida; 3) a autoridade reinante monopoliza a soberania – nenhuma outra pessoa ou assembleia pode por direito usar o poder (ou força) exceto através de delegação, permissão ou con-
Ciências da Religião - Antropologia Cultural sentimento do soberano; 4) todas as pessoas e grupos do território são como tal – em virtude da residência no domínio – súditos do soberano, de sua jurisdição e coerção. (SAHLINS,1983, p. 16):
Sendo assim, a dicotomia entre guerra e paz seria insuficiente para distinguir sociedades simples e complexas, uma vez que todo o sistema de parentesco ou as regras de trocas econômicas repousam em uma complexa estrutura de normas e regras que contribuem para coibir o conflito entre as sociedades primitivas. Lienhardt (1965) utiliza-se da mesma argumentação quando explica que as labirínticas estruturas de parentesco e de obrigações sociais atendem às mais diversas funções e têm por finalidade a manutenção da convivência pacífica e organizada entre as sociedades simples. Nesse sentido, como afirma Lévi-Strauss (1967, p. 122) “Um povo primitivo não é um povo ultrapassado ou atrasado; num ou noutro domínio pode demonstrar um espírito de invenção e realização que deixa muito aquém os êxitos dos civilizados”. É claro que a ideia de reduzir a diversidade das culturas humanas às cópias atrasadas da civilização ocidental se choca com uma dificuldade: todas as sociedades possuem história. E, para admitir que cada uma delas seja uma etapa do desenvolvimento de outras, teríamos que consentir que enquanto em algumas sociedades muitas coisas aconteciam, em outras nada ocorria. Em geral, com exceção de algumas sociedades (como as da América), todas as sociedades possuem uma história que é basicamente da mesma grandeza. Porém, como nos lembra Lévi-Strauss (1967, p. 123); “A história desses povos nos é totalmente desconhecida e, devido à ausência ou pobreza de tradições orais e vestígios arqueológicos, nunca será atingida: não poderíamos daí concluir sua inexistência”.
Diante do exposto, cabe ressaltar a importância de um dos maiores pesquisadores que contribuiu para romper com a ideia de etapas de evolução, ou, ainda, que as sociedades ditas primitivas consistem em etapas anteriores da sociedade européia, a saber, Franz Boas. Você lembra das discussões que proferimos na Unidade 1? Sobre o desenvolvimento do conceito de cultura? Que para refletir sobre o outro se fez necessário romper com ideia de estágios de evolução? Então, vamos repensar um pouco mais sobre esse aspecto para ratificar o que acabamos de estudar sobre o pensamento de Sahlins (1983), Lienhardt (1965) e Lévi-Strauss (1967) acerca das sociedades simples e complexas.
PARA SABER MAIS Para conhecer um pouco mais sobre a perspectiva de Pierre Clastres sobre paz e guerra, recomendamos a leitura do artigo “A sociedade contra o Estado”, disponível em: https://we.riseup.net/ assets/71282/clastres-a-sociedade-contra-o-estado.pdf>.
◄ Figura 16: Franz Boas em campo com trajes esquimó. Fonte: Das Boas-Projekt. Disponível em: <http://www.franz-boas.de/content/index. php?n=7&c=71>. Acesso em 29 jul. 2013.
Glossário
▲ Figura 15: O Antropólogo Claude Lévi-Strauss. Fonte: Enciclopédia Britannica. Disponível em:<http:// www.britannica.com/EBchecked/media/141902/Claude-Levi-Strauss-2001>. Acesso em 29 jul. 2013.
O alemão naturalizado americano, Franz Boas, pensou a cultura como um emaranhado de relações, sendo que os indivíduos e grupos criariam para essas relações soluções, mediações, ou formas de convivência particulares. Segundo esse antropólogo culturalista, estudar uma cultura é perceber a sua totalidade e considerar as maneiras com as quais cada uma delas lida com o seu próprio desenvolvimento. Antes mesmo de Malinowski ou Lévi-Strauss, Franz Boas instituiu as primeiras observações diretas com as sociedades ditas primitivas, quando estabeleceu, por um ano, contato íntimo com os esquimós, os Inuit, da Ilha de Baffin. Tal experiência possibilitou ao antropólo-
Difusionismo: perspectiva teórica que versa sobre as diferenças das sociedades a partir da ideia de mudança e progresso segundo a apropriação de traços de uma cultura pela outra. Esses traços são aperfeiçoados e transferidos pela cultura que o adquiriu, daí a ideia de difusão (AIRES, 2003).
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DICA Clifford Geertz, em sua obra “A Interpretação das Culturas”, descreve a importância do desenvolvimento de cultura para a compreensão de que o homem também é diverso. Assim, como Franz Boas, Geertz passou a interpretar a cultura em uma perspectiva de totalidade, refutando, portanto, a ideia de progresso e evolução do homem segundo o processo de hominização (GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989).
PARA SABER MAIS Para conhecer sobre o estruturalismo de Lévi-Strauss, indicamos a leitura do artigo “O estruturalismo de Lévi-Strauss: significação do estrutural inconsciente”, escrito por Acílio E. Rocha. O trabalho está disponível em: http:// www.repositorium. sdum.uminho.pt/bitstream/1822/8719/1/ Estr.L.S.pdf.
GLOSSÁRIO Endogâmico: relativo à endogamia; casamento entre pessoas que pertencem à mesma tribo. Exogâmico: relativo à exogamia; casamento entre pessoas que pertencem a tribos diferentes.
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go um interesse sobre a Geografia Cultural e o direcionou para a compreensão do papel da tradição social e suas interfaces com os comportamentos humanos. Em outras palavras, como a cultura pode ser determinada a partir de uma tradição cultural (LAPLANTINE, 2000). As reflexões de Franz Boas trouxeram à baila um questionamento crítico sobre os métodos difusionistas e evolucionistas, pois pensou as culturas humanas como diversas e plurais. Logo, a difusão não seria suficiente para pensar tal diversidade. Além disso, sugeriu que a comparação entre as culturas somente poderia ser realizada entre sociedades que possuíssem as mesmas leis, isto é, estudar sociedades que possuíssem o mesmo conceito de parentesco ou economia, por exemplo. Assim, Franz Boas inaugurou duas tarefas para Antropologia: a) reconstruir “a história de povos ou regiões particulares”; b) comparar “a vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis” (LAPLANTIE, 2000, p.35). Desse modo, a “História da Humanidade” perdeu o “H” maiúsculo e passou a ser estudada com “h” minúsculo. Consequentemente, o conceito de “homem” perdeu a característica de universal, ou seja, falamos, portanto, em “homem” com “h” minúsculo devido à influência do impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem. Outro argumento utilizado por Franz Boas para os estudos das culturas consistiu na relação que o autor fez com diversas áreas do conhecimento. Assim, estudar as culturas, para o antropólogo, era pensar ora a língua que determinada sociedade falava; ora a personalidade dos indivíduos; ora a relação que mantinham com o ambiente no qual viviam; entre outros aspectos da totalidade da cultura em estudo. Não obstante, seus discípulos sofreram forte influência no fazer etnográfico. Como exemplo Gilberto Freyre e Margareth Meed, só para citar alguns, e fundação de escolas como: Ambiente e Cultura; Personalidade e Cultura. Apesar de uma ampla discussão acerca das categorias que permeiam as culturas, Franz Boas, em suas obras, não fixa nitidamente um conceito para a cultura como fez Tylor, por exemplo. O pensamento de Franz Boas voltou-se mais para um levantamento de hipóteses novas do que “torná-las sistematicamente formuladas”. “Era um homem de deixar pistas férteis, instigante, inquieto, com interesses demasiadamente múltiplos para se conter
num conjunto de ideias bem arrumadas e acabadas” (EVERARDO ROCHA, 1988, 17). Agora você pode concluir que não somente o pensamento de Franz Boas contribuiu, sobremaneira, para a mudança no paradigma acerca dos estudos das sociedades simples e complexas? Bem como a maneira com a qual os antropólogos engendraram seus estudos rumo ao relativismo cultural? Então, foram esses esforços que acabamos de estudar que possibilitaram à Antropologia uma compreensão sobre que tipo de comparação poderá ser feita em suas pesquisas, bem como interpretar as diversidades segundo o que cada cultura valoriza e concebe. O intuito aqui não foi o de negar que existem diferentes graus de desenvolvimento tecnológico entre diferentes culturas e nem dirimir o fato de que algumas sociedades alcançam uma complexidade e diversidade social maior que outras. Como demonstrou Lévi-Strauss (1967), poderíamos distinguir duas histórias sociais: uma progressiva que acumula suas aquisições somando-as, e outra, talvez igualmente inventiva, mas que não teria a característica cumulativa. Contudo, isso não significa que as sociedades não cumulativas (digamos, simples) e as sociedades cumulativas (digamos, complexas) constituam um só caminho do desenvolvimento humano, no qual a primeira seja a infância da segunda. Portanto, ainda que aceitemos, em diversos níveis, que as sociedades primitivas possam ser consideradas mais “simples” em relação às sociedades modernas (complexas), partiremos do princípio de que sendo múltiplas as culturas dos seres humanos, são múltiplos, também, os caminhos que cada povo resolve trilhar no curso de seu desenvolvimento. Estudamos a importância da substituição do termo cultura (no singular) por culturas (no plural), sendo que a partir desse pressuposto foi possível a construção de uma nova ideia acerca da diversidade cultural. Lembra que Franz Boas foi quem inaugurou a escola culturalista e proporcionou uma ampla discussão sobre as diversas categorias que poderiam ser incluídas no conceito de cultura? Assim sendo, nas próximas subunidades examinaremos como a antropologia discutiu alguns dos significados que permeiam a cultura dos diversos grupamentos humanos, especialmente o que os membros desses grupamentos dizem a respeito das relações de parentesco, e as modalidades de trocas e intercâmbios econômicos.
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2.3 Considerações sobre os sistemas de parentesco A união entre dois seres é um fenômeno biológico. Contudo, o casamento é uma construção específica da sociedade humana, que tem por finalidade estabelecer laços entre pessoas e coordenar as obrigações de uns para com os outros, formando uma família. Assim sendo, de uma forma mais ampla, podemos dizer que as relações de parentesco são similares, ainda que mais complexas, à nossa noção de família. Segundo Lienhardt (1965),
nas populações mais tradicionais, o casamento é algo além da união de duas pessoas ou mesmo de suas famílias adjacentes, formatando, na verdade, relações entre grupos inteiros, de maneira que qualquer casamento tem significações sociais de grande importância. Isto posto, podemos dizer que os tipos de relações de parentesco ou grupos de descendência se encontram organizados de acordo com os mais variados fundamentos.
GLOSSáriO Matrilinear: “Diz-se de uma regra de filiação que determina que o indivíduo adquire os principais elementos do seu estatuto, e nomeadamente a sua inclusão num determinado grupo de parentesco, tendo exclusivamente em vista os laços genealógicos que passam pelas mulheres. Por extensão, diz-se igualmente matrilinear um grupo (linhagem, clã, etc.) cujo recrutamento é determinado pela aplicação desta regra de filiação” (PANOFF; PERRIN, s/d). Patrilinear: “Regra que determina que o indivíduo receberá automaticamente do pai os principais elementos do seu estatuto e, nomeadamente, que esse indivíduo pertencerá ao mesmo grupo de filiação (linhagem, clã, etc.) que o seu pai e o pai do seu pai” (PANOFF; PERRIN, s/d). ◄ Figura 17: A recepção do Capitão Cook, em Hapaee, atualmente Polinésia.
Segundo Sahlins (1983, p. 77), “A tribo é uma constelação de comunidades e relações entre comunidades.” As descendências podem ser dos mais diversos tipos, matrilineares, patrilineares ou cognatas, isto é, não unilineares. Pode acontecer mesmo de, em uma única tribo, existir a combinação funcional entre grupos patrilineares e matrilineares. Ademais, esses grupos de parentesco podem estar circunscritos ou espalhados; podem ser igualitários ou hierarquizados, endogâmicos, exogâmicos ou agâmicos. Nesse sentido, percebemos que existe uma considerável gama de combinações que permeiam a vida das populações ditas primitivas, e coordenam suas relações sociais de forma a organizar as interações e trocas sociais entre os diversos grupos. Vejamos alguns dos tipos organizacionais de parentesco e suas principais características, discutidas por Sahlins (1983, 79-81): • Clãs Cônicos: possuem uma formação
segmentada e hierarquizada. O tempo genealógico é a primeira regra de hierarquia desse clã; assim, as pessoas são classificadas conforme sua longitude do fundador da linhagem. Ramificações equivalentes, por exemplo, são categorizadas a partir do posicionamento de seus correspondentes fundadores na genealogia do clã. Esse tipo de clã é, a priori, patrilinear. Contudo, existem também casos de valorização da descendência materna. Além disso, não são endogâmicos nem exogâmicos. “A tribo é formada por um ou vários desses clãs, organizados em uma ou (normalmente) várias chefias independentes” (SAHLINS, 1983, p. 79); • Sistemas de Linhagem Segmentários: são sistemas descentralizados e igualitários, assemelhando-se aos Clãs Cônicos apenas na sua forma, pois em substância e função são muito distintos. Esse tipo de
Fonte: Revista de História. Disponível em:<http:// www.revistadehistoria. com.br/secao/capa/ conquista-nada-pacifica>. Acesso em 29 jul. 2013.
PArA SABer MAiS A resenha do livro de Sahlins “Ihas de Histórias” trata de forma sucinta as ideias do antropólogo sobre a recepção do Capitão Cook. Recomendamos, portanto, a leitura do trabalho que está disponível em: <sociologiaeantropologia.blogspot.com/.../normal-0-21-false-false-false_1.
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▲ Figura 18: Sociedades Tribais. Fonte: Sebo do Messias. Disponível em: <http:// sebodomessias.com.br/ sebo/detalheproduto. aspx?idItem=68768>. Acesso em 29 jul. 2013.
▲ Figura 19: Marshall Sahlins Fonte: Michiganto Day. Disponível em:<http:// michigantoday.umich. edu/01/ Sum01/mt5s01.html>. Acesso em 19 mai. 2013.
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sistema não é hierarquizado; em fato, além das camadas dos segmentos autônomos mínimos, não existe organização ou liderança. Não existem políticas perenes de chefia ou regionais, mas sim negociações e arranjos em momento de tensão. Sugere-se que essa formação é uma resposta adaptativa rápida às oportunidades de expansão geradas pela permanência de tribos fracas em territórios próximos e desejáveis (SAHLINS, 1983); • Clãs Territoriais: esse tipo de clã assume e defende um espaço territorial definido no interior do qual vive a maior parte dos homens adultos. São geralmente de descendência patrilinear e também exogâmicos. Dentro do clã existem pequenos grupos de descendência, nos quais os indivíduos podem citar sua genealogia até o fundador da tribo. Mas os Clãs Territoriais não apresentam a mesma relação que os Clãs Cônicos com sua genealogia; assim sendo, os indivíduos e os segmentos não se encontram hierarquizados daquela forma. Ademais, não existe uma sistematização de cargos de chefia, mas sim líderes locais que representam seus subclãs ou seus clãs em questões intergrupais (SAHLINS, 1983); • Clãs Dispersos: essa forma de clã é a mais comum, sendo encontrada em quase todos os continentes. Conquanto esteja baseado também em descendência comum, matrilinear ou patrilinear. Esse tipo de clã é bastante distinto dos que vimos anteriormente; é uma classe de pessoas, não coordenada, que possuem mesma ancestralidade, mas não agem como coletividade. Os membros desses clãs vivem espalhados e misturados com pessoas de outros grupos. As comunidades locais, então, costumam ser compostas por diferentes linhagens de diversos clãs. Um aspecto interessante dessa formação é que como homens de uma mesma linhagem estão espalhados por diversos outros clãs, quando há encontros para trocas econômicas ou outras entre os clãs de diferentes locais, isso pode contribuir para facilitar as negociações e mesmo para formação de alianças. Todavia, apesar dessa separação, formam uma frater-
nidade forte demais para casamentos, portanto são exogâmicos. Também são igualitários, ou seja, não existe a hierarquização (SAHLINS, 1983); • Grupos de Descendência Local Cognáticos: são estruturas mais descentralizadas que os clãs, assim esse tipo de comunidade é quase sempre maior do que o é de fato, e alguns de seus possíveis aderentes são componentes reais de outros grupos. Os grupos cognáticos não são exogâmicos nem endogâmicos e sua descendência pode ser tanto materna quanto paterna para legitimar seu pertencimento total ao grupo. Contudo, o usual é que a pessoa pertença ao lugar onde vive, portanto, ainda que a dispersão de seus antepassados abra alternativas na escolha de residência, o indivíduo vai participar do grupo no qual se encontra. A filiação ao grupo é então uma combinação entre descendência e residência (SAHLINS, 1983). Nesse emaranhado de configurações sociais, como nos mostra Lienhardt (1965), a predileção pessoal na escolha do par para o casamento é com frequência obliterada por convenções de importância pragmática, política e econômica. Isso não quer dizer que o amor, nos termos ocidentais, esteja completamente ausente dessas relações, mas sim que a finalidade precípua do casamento não é a companhia ou o prazer sexual, mas, primeiramente, o nascimento de filhos legítimos. Nesse sentido, Sahlins (1983), demonstra que várias linhagens estão inteira e solenemente unidas pelas trocas de suas filhas. Portanto, as relações de parentesco suprimem possibilidades de conflitos, estabelecem regras para trocas econômicas e criam normas matrimoniais que estipulam quais indivíduos podem casar com quais e que obrigações derivam dessas uniões. Assim sendo, o parentesco é um fundamento para o pensamento humano pacifico, visto que as relações de parentesco nas sociedades tribais podem ser representadas como uma outra forma de manter a ordem e buscar a paz. Ainda, como discute Lévi-Strauss (1967), essas relações estão transpassadas por princípios de reciprocidade e troca; assim, as oferendas matrimoniais (o que chamamos de dote) são as mais comuns formas de trocas entre os grupos. Contudo, pode existir também a troca direta de filhas entre dois grupos, e cada uma dessas filhas se tornará esposa em sua nova residência. De uma maneira inteligível o autor demonstra que o sistema de trocas mais simples ocorre em comunidades formadas por apenas dois grupos onde seja proibido o casamento dentro do mesmo grupo, assim,
Ciências da Religião - Antropologia Cultural portanto, o grupo A deveria trocar suas mulheres com o grupo B. Quando o número de grupos aumenta, as regras tendem a ficar mais complexas. Nesse caso, o grupo A pode ceder mulheres ao grupo B, mas somente poderia
recebê-las do grupo C, enquanto o grupo B poderia enviar mulheres ao grupo C e assim sucessivamente. É claro que aqui estamos citando apenas um simplificado exemplo das possibilidades das relações de parentesco.
◄ Figura 20: Divindade e experiência: a religião Dinka estudada por Godfrey Lienhardt. Fonte: Facebook Godfrey Lienhardt. Disponível em: <https://www.facebook. com>. Acesso em 29 jul. 2013.
Atividade
Lienhardt (1965), ponderando sobre a abrangência das relações de parentesco na vida das sociedades ditas primitivas, ainda argumenta que elas não são apenas doutrinas fundamentais das relações econômicas, jurídicas e políticas dessas sociedades, mas contribuem, também, para delimitar conceitos ligados à moralidade e até mesmo a questões de ordem religiosa. Dito de outro modo, esse elemento moral e religioso pode ser percebido não apenas nas oferendas e rituais que circundam as trocas matrimoniais, mas na percepção que na base mesmo de qualquer sistema de parentesco está uma proibição religiosa, a do incesto, pois é essa proibição que as relações de parentesco estabelecem para seus membros no exato momento em que constroem categorias de mulheres com as quais os homens podem ou não podem casar-se.
Nesta subunidade, discutimos de forma introdutória as representações dos sistemas de parentesco na vida social das sociedades ditas primitivas. Percebemos que tais sociedades se desenvolvem de várias formas entre os diversos grupos, mas que estão ligadas a preceitos muito maiores que dizem respeito à organização social e às obrigações de cada indivíduo ou grupo para com os outros. Assim sendo, constatamos que a delimitação de pessoas “proibidas” ou “permitidas” para o casamento encontra-se estreitamente ligada à manutenção da ordem e da paz sociais. Portanto, de acordo Sahlins (1983, p.18) “[...] homens de tribo vivem em agrupamentos e comunidades de parentesco dentro dos quais a briga é usualmente suprimida [...]”. Vimos também que essas organizações prestam-se a um papel moral e religioso, na medida em que são
Assista ao filme “Messias do Mal”, baseado em fatos reais de uma comunidade cujo líder (Roch Thérault) mantém relações poligâmicas de matrimônio e, portanto, foge aos padrões estabelecidos nos Estados Unidos da América. Na trama, e na vida real, Roch Thérault pratica rituais para ratificar o seu status social, o que gera mutilações físicas, mortes e uma sentença. Em seguida, poste no fórum de discussões como você interpretou as relações de parentesco. MESSIAS do Mal. Direção: Mario Azzopardi. Canadá, Flashstar, 2002. DVD (94 mim), color. O material está disponível no endereço eletrônico: http://www. telona.org/messias-do-mal-dvdrip-xvid-rmvb-dublado/.
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UAB/Unimontes - 1º Período regras proibitivas do incesto. “O incesto está incluído entre as transgressões que resultam na perda da condição humana e destroem a ordem humana e divina” (LIENHARDT, 1965, p. 124). Nessa direção, continuando nossas análises sobre as instituições que atravessam e compõem a vida social das sociedades ditas
primitivas, selvagens ou simples, estudaremos a partir de agora suas relações econômicas. O intuito é perceber quais são as racionalidades que dão sentido às suas trocas, assim como suas concepções de prestígio ou riqueza; enfim, como essas sociedades executam e compreendem as trocas econômicas.
2.4 As trocas econômicas Para Lienhardt (1965), os aspectos econômicos podem ser mais visíveis nas sociedades simples por não estarem transpassados por um complexo sistema financeiro ou fiscal. Contudo, nem por isso poderíamos inferir que esses sistemas são rudimentares simplificações do sistema ocidental. Nesse sentido, afirma o autor supracitado que os antropólogos devem ficar atentos às características do comportamento social e econômico das tribos que normalmente funcionam por lógicas distintas das que interessam à economia moderna. Isto é, existem paradigmas que se baseiam muito mais em um status social do que propriamente no ganho pessoal. Nesse sentido, a troca de presentes, a ajuda bilateral entre parentes, vizinhos e amigos, os rituais mágicos, bem como as festividades e exibições se tornam motivações e finalidades da produção.
▲ Figura 21: O gado: um dos sistemas de troca Dinka estudado por Godfrey Lienhardt. Fonte: Facebook Godfrey Lienhardt. Disponível em:<https://www.facebook.com>. Acesso em 29 jul. 2013.
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A organização econômica diz respeito à maneira com a qual as pessoas ou grupos adquirem, gerenciam, utilizam e comercializam seus bens e recursos. Está intimamente ligada com a organização social, existindo em todas as sociedades, mesmo nas consideradas mais simples. De acordo com Marconi e Presotto (2006), por esse motivo as primeiras observações sobre a economia e suas diferenças nas diversas culturas seguiram a lógica evolucionista. Tal perspectiva elabora um quadro no qual as economias seriam colocadas em estágios de desenvolvimento, sendo as sociedades industriais as mais evoluídas. Contudo, com o amadurecimento da Antropologia, bem como a intensificação dos trabalhos de campo, assim como estudados na Unidade 1, e, também, nas subunidades anteriores, diversas foram as informações coletadas que apontavam para uma complexidade muito maior das relações econômicas.
▲ Figura 22: Capítulo do livro “A Religião Dinka”. Fonte: Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/GodfreyLienhardt>. Acesso em 19 mai. 2013.
Completando esse raciocínio, Lienhardt (1965) argumenta que, nas organizações sociais não industriais, a redistribuição da riqueza desempenha um papel muito importante nas formas como as tribos se relacionam socialmente. Dessa maneira, o que um indivíduo possui de excedente é utilizado para sanar as deficiências de seus amigos, parentes ou vizinhos, constituindo uma rede que tem por
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PArA SABer MAiS Para ampliar os estudos, sugerimos o artigo intitulado “De Sahlins a Claude Lévi-Strauss: no setor transpacífico do sistema mundial. O trabalho está disponível em: http:// www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext &pid=S0104-7183200 1000200013. ◄ Figura 23: Localização das Ilhas Trobriand onde Malinowski estudou o sisstema Kula.
princípio corrigir as anomalias locais do provimento de alimentação e tragédias individuais. Em alguns casos, ainda, essa redistribuição pode estar ligada a fatores religiosos que estipulam o valor da doação; assim, a religião também admite um caráter econômico. Nessa direção, Malinowski (1976), pondera que é um equivoco classificar a economia desses povos como sendo um “comunismo primitivo”, haja visto que as reivindicações nas relações desses povos nunca se encontram restritas às ideias de propriedade individual ou coletiva. Sahlins (1983), corroborando essa perspectiva, argumenta que as trocas nas sociedades tribais infrequentemente estão baseadas em competição ou ganho, mas sim na construção de relações amistosas ou hostis que podem ser estabelecidas. Dessa maneira, podemos perceber que em uma elevada quantidade de transações tribais, o valor material não é valorizado, mas sim, e o que é mais prestigiado, as vantagens ‘relacionais’ que um negócio (ou troca) pode proporcionar. Pode acontecer, portanto, das duas partes trocarem quantidades idênticas de bens (inclusive que já possuem) para terminar contendas, estabelecer fraternidades sanguíneas ou acordar um matrimônio. Assim sendo, está claro um forte objetivo moral, no qual o mais importante não é o ganho material (exceto se for para a outra parte), mas sim a manutenção da paz, das relações harmoniosas entre as partes envolvidas. Ou seja, essas trocas constituem-se em estratégia social; configuram-se, portanto, em tratados de paz. Baseando-se em um raciocínio similar, Malinowski (1976), também nos chama a atenção para o fato de que o trabalho ou o esforço podem ser interpretados de distintas maneiras
pelas mais diversas culturas, assim como os benefícios pretendidos, que frequentemente não são materiais. O kula, por exemplo, constitui-se como uma instituição extremamente complexa que abarca várias tribos em um extenso sistema de trocas. Os dois principais artigos dessas trocas são os Soulava (colares de conchas vermelhas) e os Mwali (Braceletes de conchas brancas). Os agrupamentos que mantêm interações estão dispostos em um amplo conjunto de ilhas que formam um círculo fechado. Os Soulava e os Mwali partem em rotas contrárias e quando se cruzam são trocados em cerimônias que, além dessas trocas diretas, envolvem também trocas secundárias que são essenciais ao funcionamento do sistema. Nessas cerimônias do Kula, quando uma pessoa ganha de outrem uma doação, fica obrigada, em um intervalo de tempo, a retribuir com uma oferta de correspondente e honrado valor. Se a retribuição for de relevância inferior pode-se romper a ligação de reciprocidade que ela poderia estabelecer. Isso porque, para esses povos, a generosidade que é um sinal de riqueza; quanto mais se tem mais se deve doar. A avareza, por consequência, torna um indivíduo digno de desprezo. Outro dos exemplos antropológicos mais frutíferos provém da análise de Mauss (2003), investigando uma atividade não econômica designada de Potlatch, situada entre os índios
Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http://upload. wikimedia.org/wikipedia/ commons/e/ea/Trobriand.png>. Acesso em 29 jul. 2013.
▲ Figura 24: Sistema kula: Saulava e Mwali. Fonte: Clã. Disponível em: <http://cla.calpoly. edu/~lcall/213/kula1.gif>. Acesso em 29 jul. 2013.
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Figura 25: Chegando ► ao potlatch. Alert Bay, British Columbia. Fonte: Clã. Disponível em: <http://peabody2.ad.fas. harvard.edu/potlatch>. Acesso em 29 jul. 2013.
Figura 26: Livro Os Nuer, de Evans-Pritchard. Fonte: Better word books. Disponível em: <http:// images.betterworldbooks. com/019/The-Nuer-Evans-Prichard-E-9780195003222.jpg. Acesso em 02 de jun. de 2013.
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da Columbia britânica. Entre esses índios, extremamente afortunados mesmo em comparação às mais ricas economias de subsistência, existia um labiríntico sistema de status e posições que era sustentado por uma competição, segundo a qual as pessoas destruíam ou doavam demasiadamente enormes quantidades de seus bens. Nessas relações, bens como folhas de cobre eram supervalorizadas, mesmo sendo pouco úteis aos índios, ao passo que cobertores ou roupas, com utilidade potencial, valiam poucas ou quase nenhuma dessas folhas de cobre. Contudo, convém observar que a finalidade dessas trocas consistia em afirmar ou reafirmar uma posição social; por conseguinte, quem comparecia ao Potlatch era obrigado a aceitar “presentes” e retribuí-los, mesmo que passado um ano, superando o valor da doação recebida anteriormente. Nesse mesmo sentido, Evans-Pritchard (1978) menciona que negociar (trocar) mercadorias com preços e padrões de valor determinados soava como uma anomalia a muitos povos. Os Nuer, por exemplo, consideravam suas negociações com os mercadores árabes como sendo uma troca de presentes, pois na perspectiva Nuer não existe uma relação entre mercadorias, mas sim entre pessoas.
E então, você consegue perceber que os conceitos de economia pura adotados pelas sociedades industriais estão longe de operacionalizar categorias que possam explicar as motivações das transações comerciais das sociedades ditas primitivas? Para isso, basta relembrar as argumentações utilizadas pelos autores supracitados para ratificar que as trocas entre os povos selvagens estabelecem-se levando em consideração várias esferas da vida social, que não necessariamente almejam o acúmulo de ganhos pecuniários. Essas trocas, antes, encontram-se pautadas em relações pessoais que buscam fortalecer os laços de solidariedade, mesmo que isso signifique (e isso é impensável para o homem ocidental) perder, doar ou mesmo destruir grandes quantidades de seus bens (talvez até com certo prazer, pois o individuo que doa menos é classificado como um párea nessas sociedades). Como comenta Lienhardt (1965), é apenas nas sociedades ocidentais modernas que o dinheiro e o acúmulo de bens materiais assumem uma força transcendental e torna-se um comportamento altamente desejável. Contudo, cabe ressaltar que essas sociedades simples só se tornaram conhecidas, para nós, a partir dos contatos com o homem branco. Contatos estes, como observado na Unidade I, que se intensificaram a partir do século XVI com as Grandes navegações, e consolidaram-se com a expansão colonial européia dos séculos seguintes. Sendo assim, quais foram as consequências dessa expansão para os povos não ocidentais? É justamente sobre isso que vamos estudar agora. Vamos nessa, então?
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2.5 Expansão colonial e as consequências para os povos não ocidentais Faz pouco tempo que podemos falar na existência de um mundo chamado de civilizado e outro mundo classificado como primitivo. Em diversos rincões do planeta (florestas da América do Sul, pradarias norte- americanas ou do leste africano, ilhas do pacífico, dentre outros) povos selvagens estavam ainda formatando interpretações de um tipo de cultura há muito já considerado obsoleto pelos europeus. Atualmente, a civilização moderna desconhece fronteiras, pois essas diferentes populações selvagens foram subjugadas por quatro séculos de exploração européia a nível planetário. Num mundo que paulatinamente passou ao domínio dos Estados-nação para fazerem dele o que bem entendem, esses povos descobertos (ou dominados/invadidos) foram ligeiramente colonizados, classificados e traumatizados culturalmente. Aculturados seria o conceito técnico correto. Dessa maneira, a expansão da sociedade industrial moderna se coloca como um processo evolucionário de “sucesso”, quer dizer, é o processo pelo qual um grupo ascende, se amplia e diversifica e, por conseguinte, provoca o solapamento dos tipos primitivos (SAHLINS, 1983). Nesse momento, você deve se lembrar que foi no bojo dessas concepções sobre a alteridade, conforme estudamos na Unidade 1, que a antropologia se consolida como Ciência, no final do século XVIII e início do século XIX. Nesse contexto, como discute Lienhardt (1965), a nascente ciência antropológica foi influenciada por problemas morais das metrópoles europeias que se expandiam cada vez mais e, consequentemente, se questionavam sobre a natureza e situação dos povos ditos selvagens. Assim sendo, numa conjuntura de humanitarismo europeu, eram constantes as preocupações sobre suas responsabilidades, na condição de povos colonizadores, para com os povos colonizados. Contudo, essas preocupações não significaram um refreamento no afã expansionista europeu. No Brasil, por exemplo, estima-se que
antes do contato com os colonizadores havia uma população indígena de cerca de 2 a 2,5 milhões de pessoas. Em 1900, existiam 230 tribos no território nacional, sendo que, em 1957, restavam apenas 143. Ademais, a população indígena havia sido reduzida e contava no máximo com um contingente de 99.700 indivíduos (RIBEIRO, 1957). Segundo Clastres (2004), existem dois conceitos parecidos, porém distintos entre si, que servem muito bem ao propósito de caracterizar esse processo, especialmente porque a história da construção dos impérios coloniais das potências europeias está recheada de massacres metódicos contra as populações nativas. São os conceitos de genocídio e etnocídio. O genocídio pressupõe a noção de raça e o desejo de extermínio físico dessa mesma raça; já o etnocídio mata a cultura de um povo, ou seja, aniquila suas maneiras de agir, pensar e sentir. “Em suma, o genocídio assassina os povos em seu corpo, o etnocídio os mata em seu espírito” (CLASTRES, 2004, p. 83). Esses dois conceitos têm uma visão similar do outro, o outro é o diferente, mas especialmente o diferente ‘mal’. O que diferencia esses dois conceitos é que enquanto o genocídio nega a diversidade e pretende destruí-la fisicamente, o etnocídio nega a diferença, mas pretende domá-la, transformando-a o máximo possível no modelo que é concebido como padrão de normalidade e civilização. Poderíamos mesmo dizer que genocídio e etnocídio seriam comparáveis a duas formas perversas de pessimismo e otimismo (CLASTRES, 2004).
PARA SABER MAIS Para compreender melhor os discursos acerca das sociedades simples, ou tipos primitivos, à luz dos autores Lienhardt, Evans-Pritchard e outros mencionados nesta unidade, sugerimos a aula do professor Erneto Veiga de Oliveira que está disponível em: <http://ceas.iscte.pt/etnografica/docs/vol_10/ N1/Vol_x_N1_08-Goldman-AEVO.pdf..
▲ Figura 27: O Antropólogo Darcy Ribeiro. Fonte: Blog de Pedro Eloi. Disponível em: <http:// www.blogdopedroeloi. com.br/2013/03/o-povo-brasileiro-darcy-ribeiro. html>. Acesso em: 15 mai. 2013.
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Figura 28: Campanha ► de conscientização “Voz Ancestral”. Fonte: Voz Ancestral. Disponível em:<http:// yosoyxinka.blogspot.com. br/2012/02/voz-ancestral-serie-de-postales.html. Acesso em 12 mai. 2013.
DICA Darcy Ribeiro foi “antropólogo, educador e romancista. Nasceu em Montes Claros (MG), em 26 de outubro de 1922, e faleceu em Brasília, DF, em 17 de fevereiro de 1997. Diplomou-se em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1946), com especialização em Antropologia. Etnólogo do Serviço de Proteção aos Índios dedicou os primeiros anos de vida profissional (1947-56) ao estudo dos índios de várias tribos do país. Fundou o Museu do Índio, que dirigiu até 1947, e colaborou na criação do Parque Indígena do Xingu. Escreveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena. Elaborou para a UNESCO um estudo do impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros no século XX e colaborou com a Organização Internacional do Trabalho na preparação de um manual sobre os povos aborígenes de todo o mundo”. Fonte: Academia. Disponível em: <http:// www.academia.org.br/ abl/cgi/cgilua.exe/sys/ starthtml?infoid=438 &sid=158>.
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Podemos perceber, então, que a história das relações dos europeus com os povos não europeus foi marcada por uma série de conflitos que decretaram o desaparecimento de diversos desses povos. Não obstante, a Antropologia, conforme estudamos no início desta Unidade, começou a refletir sobre a extinção de seu objeto de estudo, e, por conseguinte, o fim da própria Ciência da alteridade. E você, o que pensa sobre isso? Será mesmo o fim dos estudos antropológicos? É sobre esse tema que versaremos os nossos estudos a partir de agora.
Referências Aires, Almeida, org. (2003) Difuisonismo. In:___ Dicionário Escolar de Filosofia. Lisboa: Plátano. Versão online: http://www.defnarede.com/a.html. CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2004. EVANS-PRITCHARD, E. E. Evans. Os Nuer. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1978 (Série Estudos Antropologia). EVERARDO ROCHA, P. O que é etnocentrismo? 11. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Coleção Primeiros Passos; 124), p.07-55. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. LAPLANTINE, F. Aprender antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000. LÉVI-STRUASS, Claude. A antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. 2. ed. Trad. Tânia Pellegrini. Campinas/SP: Papirus, 1997. LIENHARDT, Godfrey. Antropologia Social. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacifico Ocidental: Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guine Melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1976. 436 p. (Coleção Os Pensadores).
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Ciências da Religião - Antropologia Cultural
Unidade 3
A Antropologia e o estudo das sociedades complexas Fernanda Veloso Lima Flávio de Oliveira Carvalho
3.1 Introdução Na Unidade 2, nosso objetivo foi apresentar algumas das análises que a Antropologia construiu sobre as sociedades consideradas primitivas. Nessa altura, acadêmico(a), você deve relembrar que as sociedades selvagens foram o primeiro objeto de estudo da Antropologia. Você se lembra também que esse fato aconteceu por causa da influência das ciências naturais que tinham como prerrogativa a objetividade? Nessa direção, foi definido que a distância do pesquisador (ocidental) com seu objeto de observação (não ocidental) serviriam ao propósito de garantir a neutralidade do pesquisador em relação ao universo pesquisado. Não obstante, podemos recordar, também, como mostra Laplantine (2000), que, no contexto do evolucionismo, as primeiras comparações usadas para referir-se às populações primitivas evocavam sempre metáforas zoológicas. Em verdade, foi apenas com o fortalecimento do trabalho de campo que a ciência antropológica passou a se preocupar mais em entender a vida do nativo segundo seu próprio ponto de vista. Assim sendo, a partir das ponderações de autores como Lévi-Strauss (1967), Sahlins (1983), entre outros, começamos a vislumbrar que as relações de parentesco dos povos selvagens, por exemplo, transitavam em um campo muito mais amplo que a família imediata. Seus complexos sistemas de afinidade e obrigações respondiam não só às suas necessidades diretas de sobrevivência, mas a um complicado esquema político que compreendia, entre outros, a consolidação de alianças políticas ou econômicas ou mesmo a conquista de aliados e até a manutenção da paz. Além disso, com Malinowski (1976) e Mauss (2003), observamos, também, que as transações econômicas nem sempre almejam os ganhos que são valorizados pelo homem ocidental. Desse modo, ações que seriam consideradas como
irracionais por indivíduos das sociedades capitalistas ocidentais (ou mesmo as ditas socialistas) respondem a regras sociais que almejam bens simbólicos em detrimento dos bens materiais. Por esse motivo, entre os indivíduos que praticam o Kula ou o Potlatch é extremamente coerente doar ou mesmo destruir enorme quantidade de seus bens, ou, como diria o ocidental, de suas propriedades. Primeiramente, como já discutimos, a Antropologia se viu em uma espécie de “beco sem saída”, essa foi a primeira motivação que a fez voltar os olhos para a própria cultura: o desaparecimento paulatino das sociedades simples. Esse deslocamento, como você deve se lembrar, proveio de uma crise de identidade quando a ciência antropológica previu o desaparecimento de seu primário objeto de pesquisa. Isto é, as sociedades selvagens. Esse primeiro ensejo possibilitou à Antropologia uma reflexão completamente nova: sua especificidade derivava de seu objeto de estudo ou de seu “olhar” sobre ele? Dito de outra forma, o que diferencia a Antropologia das demais ciências, que também tomam o homem por objeto de questionamento, é o homem que é interpelado ou a forma como esse homem é interpelado? Além disso, as mudanças sociais, na civilização ocidental, colocaram novas indagações que diziam respeito a como o homem se adequaria à urbanização, à industrialização e aos inéditos padrões relacionais que surgiam juntamente à nova ordem. A ciência antropológica deslocou-se, então, e principiou a tentar responder questões que diziam respeito aos valores de sua própria civilização. Nesse sentido, veremos, nessa terceira Unidade, como o homem ocidental passa a pensar a si próprio no interior de um contexto que se modifica diuturnamente. Conforme aponta Bhabha (1998), dentro de uma conjuntura que está sempre inacabada, visto que fru-
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UAB/Unimontes - 1º Período to de um devir moldado sobre contingências momentâneas. Por conseguinte, discutiremos temáticas que concernem à forma como o homem se localiza nesse complexo emaranhado de relações, buscando compreender as diversas formas de pensar e se posicionar frente à realidade social e pleiteando sua legitimidade. Assim sendo, em um contexto de aglomeração urbana, concentração de riqueza e crescente divisão social do trabalho, intentamos identificar como o homem “civilizado” se articula nos mais variados espaços sociais. Para tanto, abordaremos tanto as metamorfoses sociais quanto as reflexões que são erigidas a partir dela.
Para tanto, dividimos essas análises nas seguintes subunidades: 3.1 Introdução 3.2 Os métodos e técnicas da Antropologia e sua utilização nos estudos das sociedades complexas 3.3 A Antropologia Urbana 3.4 Antropologia no Brasil Sendo assim, o intuito nesta Unidade perpassa pela análise de fenômenos que constituem as relações urbano-industriais, as novas relações de trabalho, bem como as percepções acerca de uma diversidade cada vez maior. E aí, pronto(a) para continuarmos os nossos estudos? Então vamos nessa!
3.2 Os métodos e técnicas da Antropologia e sua utilização nos estudos das sociedades complexas
Figura 29: Malinowski ► em trabalho de campo. Fonte: Sciapode. Disponível em: <http://www. sciapode.net>. Acesso em 29 jul. 2013.
Percorremos, na Unidade 2, o novo caminho intelectual que Antropologia seguiu a partir do advento do trabalho de campo. Relativizar, nesse contexto, tornou-se imprescindível para a compreensão das sociedades ditas primitivas, uma vez que o saber “selvagem” se apresentou com uma forma própria cuja lógica era diferente daquela conhecida pelos povos do Velho Mundo. Nesse sentido, como aponta Malinowski (1976), tornou-se
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imperativo captar as interpretações do nativo a partir do ponto de vista do próprio nativo. Estudamos, ainda, que as pesquisas antropológicas, tradicionalmente, associaram-se aos estudos das sociedades consideradas primitivas, que em sua maioria, são tribais e vivem no campo. Isso porque, a princípio, as etnografias consideravam que essas sociedades, dada a sua simplicidade, seriam mais facilmente assimiladas. Também se considerava
Ciências da Religião - Antropologia Cultural que a objetividade da pesquisa seria maior uma vez que o “outro” era muito diferente do observador. Não obstante, desvelamos a maneira dizimadora com a qual o colonialismo solapou esses povos na forma do genocídio e etnocídio. Por outro lado, em países que não possuíam colônias, a Antropologia concentrou seus esforços nos estudos de populações indígenas, de grupos rurais e, por ventura, urbanos, sendo esses últimos reconhecidos por “camadas menos favorecidas da população” (OLIVEN, 2007, p.11). Diante disso, pensaremos, a partir de agora, sobre o “novo” campo de investigação dos antropólogos: a sociedade complexa capitalista que vive na cidade. Você se lembra dos avanços oriundos da revolução industrial? A máquina a vapor, entre outros? Nesse momento, a Europa, já no final do século XVIII, deixou de apresentar características rurais; sofreu um grande êxodo que provocou um inchaço populacional nas cidades (CARVALHO, 2007; LIMA, 2008).
sociedade complexa que permita preservar a particularidade das situações concretas que analisa” (DURHAN; CARDOSO, 1973, p.54). Isso porque a experiência do trabalho de campo deveria ser orientada pelo distanciamento do pesquisador de sua própria cultura, conforme vimos nas Unidades 1 e 2. Assim, o antropólogo deveria viver entre os nativos. Portanto, caro(a) acadêmico(a), surge para a Antropologia uma questão fundamental: quando o nativo passou a ser a própria cultura do pesquisador? A partir de tal questionamento, vários foram os esforços reflexivos de diversos pesquisadores que visavam compreender como a ciência antropológica deveria lançar seus olhares para dentro de sua própria civilização.
PARA SABER MAIS Para obter mais informações sobre os impactos da revolução industrial na sociedade e na ciência, sugerimos a leitura do artigo intitulado “Depois da Revolução Industrial”. Disponível em: <http:// www.antropologia. com.br/pauloapgaua/ trab/dep.pdf>.
◄ Figura 31: A Interpretação das Culturas, Clifford Geertz. Fonte: Skook. Disponível em: <http://skoob. s3.amazonaws.com/ livros>. Acesso em 09 mai. 2013
▲ Figura 30: Cena do filme “Tempos Modernos” de Charlin Chaplin onde o artista faz uma crítica à revolução industrial e ao modo de produção capitalista. Fonte: História para todos. Disponível em:<http://www. artigosdehistoria.blogspot.com>. Acesso em 29 jul. 2013.
Enquanto algumas sociedades consideradas primitivas deixavam de existir, as cidades encontram dificuldade em seu ordenamento territorial, o que gerou diversos fenômenos sociais, isto é, o espaço citadino passou a se constituir um campo de lutas e reivindicações de grupos que outrora não receberam às atenções dos estudos das Ciências Sociais e Humanas. Pensar, portanto, nesse processo de mudança, é extrair, dos fenômenos sociais, algumas categorias de análise que emergem nas sociedades complexas e se tornam passíveis de investigação, como exemplo a identidade, a urbanização, a violência, a prostituição, para citar apenas alguns exemplos. Eis que surge um impasse para Antropologia: ”elaborar um modelo geral, mas não formal da
A experiência proveniente do trabalho de campo com as sociedades consideradas primitivas possibilitou, ao antropólogo, o estranhamento, ou seja, observar fenômenos que podem parecer insignificantes: distinguir piscadelas de piscadelas. Geertz (1989), em seu livro “A Interpretação das Culturas”, argumenta que o fazer etnográfico consiste em um esforço intelectual para elaboração de uma descrição densa. Sendo assim, cabe ao etnógrafo saber distinguir o ato de contrair a pálpebra (uma piscadela); de um tique nervoso (outra piscadela); de uma imitação de outrem que acabou de piscar; ou, ainda, uma piscadela por ato de conspiração entre duas ou mais pessoas. São essas distinções que fazem da etnografia um saber semiótico, uma vez que a cultura, segundo Geertz (1989), consiste em uma teia de significados que o próprio homem teceu e na qual ele se encontra amarrado.
PARA SABER MAIS Para compreender melhor o conceito de identidade, assista ao vídeo Identidade de Fernando Meireles. O vídeo está disponível em: <http:// www.youtube.com/ watch?v=yKG8no8OK Dg.
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UAB/Unimontes - 1º Período Além disso, a etnografia é interpretativa, uma vez que o que ela interpreta “é fluxo do discurso social” de uma dada cultura, por isso a importância de se saber distinguir uma piscadela de outra. Não obstante, o que o etnógrafo interpreta envolve “tentar salvar o dito”, ou seja, materializar a “coisa” falada (o discurso que ouvimos) em um discurso que possibilite a compreensão dos fenômenos estudados (GEERTZ, 1989, p. 15).
social segundo as mensagens, representações e discursos que não passam de uma ficção da própria estrutura real de relações sociais.
Figura 32: Clifford ► Geertz. Fonte: Tela de Rayon. Disponível em: <http:// www.teladerayon.com/ Articulos/Articulo. aspx?id=18758. Acesso em 09 mai. 2013.
DICA “Pierre Bourdieu sociólogo francês cuja contribuição teórica mostrou-se particularmente importante para diversificadas áreas, tais como a antropologia, história e ciência política - dedicou-se, em especial, ao estudo dos mecanismos que difundem e legitimam as diversas formas de dominação. Sua reflexão teórica estabeleceu e consolidou conceitos importantes para as ciências humanas, como o de “violência simbólica”, entre outros”. (Café História. Disponível em: http://cafehistoria.ning. com).
PARA SABER MAIS Para ampliar seus conhecimentos sobre o as relações de poder na hierarquia social, sugerimos a leitura do artigo “Relações de poder segundo Bourdieu e Foucault: uma proposta de articulação teórica para análise das organizações”. O trabalho está disponível em:<http:// ageconsearch.umn. edu>.
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Para tornar mais claro a discussão supracitada, vamos relembrar, como exemplo, o sistema Kula que descrevemos na Unidade 2? Então, o Kula desapareceu, ou se transformou ao longo do tempo, porém, a obra de Malinowiski, “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” ainda existe e está em constante reimpressão, portanto, o “dito” dos nativos acerca do sistema Kula não perecerá, possibilitando que outros estudiosos façam análises constantes sobre tal sistema. Podemos dizer, assim, que “salvar o dito” consiste em “fixá-lo” de uma maneira que sempre um maior número de pessoas possa participar dele. O caso mais comum é a escrita (GEERTZ, 1989). Em Bourdieu (1992), vamos encontrar o seguinte esclarecimento acerca da interpretação da cultura: é preciso apreender os mecanismos de produção simbólica da cultura que integram suas linhagens e representações, assim como a maneira com a qual tais linhagens e representações adquirirem uma realidade própria. Da perspectiva adotada por Bourdieu (1992), porém, o que interessa é discernir as relações de sentido para além das representações que os sujeitos materializam em suas ações (ou não ações). Em outras palavras, o pesquisador deve compreender e reconstruir a teia completa de relações simbólicas e não simbólicas, isto é, as circunstâncias materiais e a hierarquia social que resultam dessa teia de significados. Isso porque o intuito do referido autor é conhecer o arranjo interno do campo simbólico cuja aplicabilidade está na expectativa de ordenar o mundo natural e
▲ Figura 33: Pierre Bourdieu. Fonte: Café História. Disponível em: <http://cafehistoria. ning.com>. Acesso em 09 mai. 2013.
Ademais, a diferenciação entre o campo simbólico e as simulações dos sujeitos é de suma importância para que possamos compreender uma determinada imagem da sociedade, sobretudo, a capitalista. Pois, nas sociedades complexas, o desenvolvimento dessa imagem é reflexo da divisão do trabalho social, assim como de todas as relações provenientes dessa divisão. Sendo assim, as categorias de análise que servem como instrumento interpretativo da divisão do trabalho sugerido por Bourdieu (1992), pode ser encontrado no capital econômico e capital social. Segundo Bourdieu (1992), o capital econômico consiste na forma em que diferentes fatores de produção (terras, fábricas, trabalho) e do conjunto de bens econômicos (dinheiro, patrimônio, bens materiais) são acumulados e reproduzidos. Ao passo que o capital cultural refere-se a um conjunto de regras, valores e arranjos promovidos, sobretudo, pela família, pela escola e pelos demais agentes da educação, que predispõem os indivíduos a uma atitude dócil e de reconhecimento ante as práticas educativas. De acordo com Bourdieu (1992, p. 24), “jogo das distinções simbólicas se realiza,
Ciências da Religião - Antropologia Cultural portanto, no interior dos limites estreitos definidos pelas coerções econômicas e, por esse motivo, permanece um jogo de privilegiados das sociedades privilegiadas”. Dessa forma, faz-se necessário “tentar apreender as regras do jogo e da divulgação da distinção segundo as classes sociais exprimem as diferenças de situação e de posição que as separam”. Isso porque a interpretação do campo simbólico deve pautar-se em uma “abstração que deve revelar-se como tal, um perfil da realidade social que, muitas vezes, passa despercebido, ou então, quando percebido, quase nunca aparece enquanto tal”.
▲ Figura 34: Homi Bhabha. Fonte: Universiteit Utrecht. Disponível em:<https:// encrypted-tbn2.gstatic.com>. Acesso em 29 jul. 2013.
Ainda refletindo sobre a dimensão da cultura e sua forma de interpretação, Bhabha (1998) salienta que não podemos analisá-la de maneira única e acabada. Portanto, para que possamos tornar evidentes as funções da cultura, devemos concebê-la em sua condição de plural. Isto é, o arranjo de forças simbólicas que determina o objeto teórico e discursivo do conjunto de bens de identificação de uma dada cultura. Assim, o conceito operacional de cultura permeia tanto a contingência quanto a contiguidade, ou seja, a possibilidade de diversas culturas apoderarem-se de bens de identificação de outras e elaborar um determinado bem cujo mérito e arranjo o direcione a ser admitido por uma cultura de âmbito mais abrangente. Diante da complexidade de interpretação da cultura e retomando a noção de distanciamento do sujeito/objeto de pesquisa que o
DICA
antropólogo terá que admitir nos estudos da sociedade complexa, consideramos, portanto, que tal distanciamento é uma tarefa árdua e esquizofrênica. Estranhar o familiar, nesse contexto, é mais difícil que examinar um sistema que nos parece completamente estranho, como o Kula, por exemplo. Isso porque quando nos voltamos para a nossa própria sociedade, além de correr o risco de não conseguir distinguir as piscadelas, estaremos diante da possibilidade de romper com certezas que acreditávamos serem verdades absolutas. Em outras palavras, como descrito por Diniz (2001, p.40-41), “o conflito como um valor é criação recente da história moral da humanidade [...] isso não quer dizer que a diferença e a discórdia morais não possuam passados”. Antes, pelo contrário, como salienta a autora “[...] onde houve seres humanos organizados em sociedades existem diferenças, diferenças estas que conduziram ao conflito”. Diante disso, “o dilema do antropólogo não deve ser resultante apenas do enfretamento cotidiano com as etnografias impossíveis”, mas com o paradoxo dos dilemas morais que se converte, também, “no dilema pessoal do antropólogo”. A referida autora adverte, ainda, que o dilema moral é uma das ilusões mais próximas “no campo do pensamento humanista”, porém, somente o “futuro poderá assegurar qual é a medida da desilusão que os antropólogos serão capazes de suportar” (DINIZ, 2001, p.40-41). No que se refere ao pensamento humanista, segundo Hall (2006, p.10), pensar sobre suas mudanças é questionar a transformação que a própria modernidade passou. Consequentemente, é, também, perguntar-se acerca de novas dimensões relativas à concepção essencialista ou fixa de identidade.
Para aprofundar a discussão sobre a divisão do trabalho social, sugerimos a leitura do livro de Émile Durkheim, ”Da Divisão do Trabalho Social” (DURKHEIM, Émile. Da divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1995).
DICA Débora Diniz, em seu artigo “Antropologia e os limites dos direitos humanos: o dilema moral de Tashi”, trata da possibilidade de romper com certezas que acreditávamos ser verdades absolutas. Confira o artigo no endereço eletrônico: http://www.abant.org. br/conteudo/livros/ DIREITOS%20HUMANOS%201%5B1%5D. pdf.
DICA Para aprofundar o tema, sugerimos a leitura do livro de Stuart Hall e Tomaz Tadeu da Silva intitulado “Identidade e Diferença”- (Hall, Stuart ; Tadeu, Tomaz. Identidade e Diferença : a perspectiva dos estudos culturais. São Paulo: Vozes, 2005.).
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Figura 35: A identidade cultural na pós-modernidade, Stuart Hall. Fonte: Armazém dos Livros. Disponível em:<https:// armazemdoslivros.blogspot. com>. Acesso em 29 jul. 2013.
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PARA SABER MAIS Para ampliar os conhecimentos, assista ao filme “O Diário de uma Babá” (2006). Annie Braddock depois de se formar na faculdade de antropologia procura um emprego em uma grande empresa da Upper East Side, em Manhattan. Porém, ela ainda não sabe que caminho deseja seguir. Os questionamentos reforçam os laços com a Antropologia, visto que a personagem começa a estudar a família para a qual trabalha.
Lembra o que estudamos na Unidade 1? Sobre a capacidade do homem em pensar sobre si mesmo? E as formulações que ele elaborou sobre o outro? É claro que naquele momento descrevemos esse outro como um estranho, o exótico, portanto, é justamente sobre essa identidade fixa que o autor denomina de sujeito do Iluminismo. Ou, ainda, nas palavras do próprio Hall (2006, p.10-11), “o sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo centrado [...] o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa”. Em outras palavras, “pode-se ver que essa era uma concepção muito ‘individualista’ do sujeito e de sua identidade (na verdade, a identidade dele: já que o sujeito do Iluminismo era usualmente descrito no masculino) [grifos do autor]”.
Figura 36: Movimento ► Punk de liberdade Cultural. Fonte: Letter James. Disponível em:<http://www. letterjames.de>. Acesso em 29 jul. 2013.
PARA SABER MAIS Conheça mais sobre Identidade segundo Bhabha. Para isso sugerimos a leitura do capítulo “Interrogando a Identidade” que está disponível em:<http:// www.ufrgs.br/cdrom/ bhabha/bhabha.pdf>.
A mudança, portanto, que Hall (2006, p.11) chama nossa atenção, refere-se àquilo que estudamos na Unidade 2, ou seja, o sujeito sociológico que refletiu “a crescente complexidade do mundo moderno”. Percebemos, portanto, na Unidade 2, como a cultura passou a ser considerada múltipla e, por conseguinte, o homem que também passou a ser cada vez mais observado na sua dimensão cultural. Hall (2006) aprofunda um pouco mais a discussão da diversidade ao afirmar que o sujeito sociológico “ainda tem um núcleo ou essência in-
terior que é o ‘eu real’, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com mundos culturais ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos oferecem [grifos do autor]”. Diante disso, chegamos ao terceiro tipo de sujeito que completa o raciocínio de Hall (2006) acerca da crescente complexidade do mundo moderno, ou seja: o sujeito pós-moderno. Não obstante, retomaremos essa discussão na subunidade 3.3, quando trataremos de um dos ramos da Antropologia, que é a Antropologia Urbana. Por hora, concluímos que entre as diversas categorias de análise das sociedades complexas, a identidade emerge como um campo de estudo para os antropólogos que estudam sua própria sociedade. Sendo que esse campo torna-se absorto por tratar de conflitos morais de sua própria sociedade, proporcionando, portanto, um estranhamento do familiar. Embora tal estranhamento apresente-se complexo tal qual esse novo objeto da Antropologia: as sociedades complexas. Agora você compreende a dimensão desse novo caminho traçado pela Antropologia? Porém, as análises não findam com os discursos sobre identidade, pois a gama de fenômenos que possibilitam a análise das sociedades complexas é múltipla, tornando-se, portanto, um campo fértil para novas pesquisas e minimizando a crise de identidade que a ciência antropológica passou quando percebeu que as sociedades primitivas estavam se extinguido. Sendo assim, estudaremos na subunidade 3.3 outro ramo da Antropologia Cultural, a Antropologia Urbana. Tal vertente da Antropologia empreenderá seus estudos sobre os fatos sociais ocorridos na cidade. Aqui, entendemos “urbano” e “cidade” como sinonímias, uma vez que falar de urbano refere-se, portanto, discorrer sobre a cidade e a complexa rede de relações na qual o homem encontra-se emaranhado. Sendo assim, você está pronto(a) para desvelar mais um campo de estudo da Antropologia? Leia com atenção para que você possa debater com o professor e o tutor as ponderações que vamos apresentar.
3.3 A antropologia urbana As análises da Antropologia Urbana nos reportam à conjuntura similar aos estudos da Sociologia Urbana que, também, versam sobre a interpretação dos fenômenos que acontecem na cidade. Porém, para compreender tais interpretações, faz-se necessário discutirmos,
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primeiramente, algumas teorias a respeito da cidade e das consequências da vida urbana sobre seus habitantes. Observamos, sumariamente, na subunidade 3.2, alguns fenômenos oriundos do êxodo rural, ainda no final do século XVIII. Pensaremos, agora, sobre a forma-
Ciências da Religião - Antropologia Cultural ção dessas cidades e como se desencadearam os fenômenos que são passíveis de investigação pela Antropologia. O processo de formação das cidades foi marcado por dinâmicas territoriais, que dizem respeito não somente aos conflitos por demarcações de fronteiras, mas também a um campo de lutas e representações simbólicas, conforme estudamos na subunidade 3.2 à luz dos argumentos de Bourdieu (1992) e Bhabha (1998). Nesse sentido, para discorrer sobre a cidade, é necessário pensar, também, sobre o seu território, espaço social e espaço simbólico. Algumas considerações devem ser apontadas no sentido de compreender o significado desses conceitos, uma vez que, no decorrer da história das civilizações ocidentais, as representações sociais atribuídas a tais conceitos se modificaram. O termo território, para Braga (2004, p. 26), origina-se de uma expressão que vem do latim, territorium, que por sua vez deriva de terra cujo significado consiste em pedaço de terra apropriado. Por outro lado, a língua francesa territorium deu origem às palavras terroir e territoire. O primeiro não se reduz somente à noção física de uma determinada área, mas também aos atributos que distinguem e agregam valor aos produtos de uma dada região ou localidade. Ao passo que, o segundo, territoire, significa “o prolongamento do corpo do príncipe. Aquilo sobre o qual o príncipe reina, incluindo a terra de seus habitantes” (BRAGA, 2004, p. 27).
um conceito de territorialidade centrada na delimitação de Estados soberanos. Assim, percebe-se que a noção de território, em sua gênese, foi associada estritamente à de território nacional, ou seja, uma entidade que representa o estabelecimento de uma territorialidade fundada no conceito legal de soberania, que postulava a exclusividade do controle de seus territórios nas mãos do Estado. Como descrito por Braga (2004, p. 27), o conceito de território, em princípio, foi associado no mundo ocidental à base física dos Estados, “incluindo o solo, o espaço aéreo e as águas territoriais”. Entretanto, a territorialidade contempla mais do que um “significado jurídico e não diz respeito apenas à territorialidade do Estado” (BRAGA, 2004, p. 27). É claro que o conceito de território contribuiu para a compreensão do próprio conceito de cidade. Isso posto devido ao fato de a definição dos territórios consistirem em uma das primeiras demarcações do espaço citadino, suas leis, normas e jurisdição. Obviamente, esses não são os únicos fatores que contribuem para a análise de uma cidade, mas, iniciam, também, uma demarcação dos grupos que vivem nela. Na visão de Carvalho (2007), a Escola de Chicago proferiu discursos acerca de uma nova configuração cultural dentro do espaço citadino, uma vez que nesse espaço configuram-se papéis sociais bem delimitados; isolamentos; aproximações; anonimato; fugacidade dos envolvimentos sociais, entre outros fenômenos.
Glossário Espaço Social: “espaço que o território se constitui em identidades individuais e coletivas, despertando a sensação de pertencimento e de especificidade” (LIMA, 2008, p.30). Espaço Simbólico: consiste nas “representações sociais de imagens, símbolos e mitos que se projetam e se materializam de acordo com o tempo e o espaço, configurando-se, então, a identidade territorial” (LIMA, 2008, p.30).
PARA SABER MAIS Gilberto Velho, em seu livro “A Utopia Urbana”, discorre mais detidamente sobre Escola de Chicago. Outro autor que se dedica aos estudos da Escola de Chicago é Ruben Oliver, na obra “A Cidade como Categoria Sociológica”. Portanto, se quiser aprofundar mais na leitura sugerimos os autores mencionados, bem como o livro “Espaço Urbano e Criminalidade: Lições da Escola de Chicago”, de Wagner Cinelli de Paula Freitas.
◄ Figura 38: Danielle de Oliveira de Souza, 32 anos, é uma das 120 alunas do projeto “Mão na massa” que qualifica mulheres para a construção civil. Fonte: Inforsuhoy. Disponível em:<http://infosurhoy. com>. Acesso em 29 jul. 2013.
▲ Figura 37: O leviatã, Thomas Hobbes. Discorre sobre a formação dos estados. Fonte: Dado concreto. Disponível em: <http://dadoconcreto.blogspot.com.br>. Acesso em 29 jul. 2013.
Nesse sentido, de acordo com Braga (2004), a formação de diversos estados na Europa, bem como as transformações ocorridas no mundo feudal constituiu a instauração de
Nessa direção, retomaremos as ponderações de Hall (2006) sobre o terceiro entendimento da identidade, isto é, o sujeito pós-moderno. À luz das premissas de Hall (2006, p.13), aquele sujeito que possuía uma identidade unificada e estável, com a vida na cidade, torna-se, assim como ela, fragmentado. Composto, porquanto, de uma multiplicidade de percepções que se constitui em várias iden-
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DICA O esquadrinhamento diz respeito às formas como o Estado se debruça sobre a vida privada das pessoas, investigando-a. A partir daí torna-se possível investir nos corpos dos indivíduos para discipliná-los. Dito de outra forma, é uma maneira de controlar os comportamentos humanos, higienizando-os, tanto quanto possível para a adequação de uma ordem vigente. A intenção é tornar as pessoas cada vez mais adaptadas às regras e, consequentemente, torná-las mais produtivas e dóceis. Enfim, o esquadrinhamento transforma os indivíduos em peças “saudáveis” da engrenagem social que os domina e oprime. Fonte: (FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. São Paulo: Vozes, 2005, 262p.)
PARA SABER MAIS No capítulo dois, da dissertação de Carvalho (2007), intitulado “Sobre mulheres, história e crime”, encontramos argumentos para elucidar questões sobre criminalidade e o envolvimento de mulheres com o tráfico de drogas. Sendo assim, sugerimos a leitura do trabalho para que você possa ampliar os seus conhecimentos sobre o tema. Fonte: A dissertação está disponível em:<http://www.ppgds.unimontes.br/index. php/2007>.
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tidades, dito de outra maneira, “a identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” [grifos do autor]. Essas postulações nos remetem também a Bhabha (1998), quando argumenta que as designações geopolíticas são deslocadas do centro de referência das identidades dos indivíduos por uma sequência de localizações que cada pessoa ocupa na estrutura social, tais quais gênero, raça, geração, dentre outros, isso sem mencionar as múltiplas vinculações locais, profissionais ou mesmo institucionais. Portanto, o que podemos notar é que as cidades, agrupando um crescente número de pessoas em um reduzido espaço físico, tornam-se gradualmente um espaço de conflagração constante. Convergindo para a questão das cidades, Foucault (1982a, 1982b) as percebe como um lugar que, permeado por uma diversidade cada vez maior, agrupa paulatinamente mais conflitos e, consequentemente, esses conflitos vão se tornando a principal razão que justifica o esquadrinhamento e a vigilância das populações. Desse modo, no final do século XVIII, a arquitetura citadina passa a ser cobrada como técnica que seja capaz de organizar o espaço. Nesse sentido, completa Foucault (2005) que tais medidas podem ser consideradas como sendo muito mais responsáveis pela crença, bastante difundida, desse aumento incessante e perigoso dos crimes, do que propriamente um aumento real dessas taxas de violência. E aí, caro(a) acadêmico(a), você consegue imaginar qual o fenômeno social que temos como objeto de estudo a partir das discussões que fizemos? Se você pensou em criminalidade, fez bem! E como os estudiosos da cidade percebiam tal fenômeno? De acordo com Carvalho (2007), Durkheim (1995) contribui, sobremaneira, para o avanço da análise criminal quando aproxima o crime da noção de normalidade em um duplo sentido. Quer dizer, o crime é normal não só por estar presente em todas as sociedades, mas também por desempenhar uma função dentro delas, ligada à própria manutenção de seu funcionamento. Nessa direção, a punição que o infrator chama sobre si funciona como um revitalizador e fortalecedor dos laços sociais na medida em que reafirma a validade da vontade e do pensamento coletivos. Contudo, cabe-nos destacar que, embora o crime seja considerado um fato normal, constituinte da própria organização social, sua incidência, principalmente quando apresenta níveis muito elevados, assume contornos patológicos.
A normalidade está contida no fato de existir atos delituosos e não nos números que eles podem atingir. Ora, diante disso, podemos inferir que a cidade não é a geradora do aumento da criminalidade. Em verdade, o fato ocorrido é que o espaço urbano se consolida concomitantemente ao aumento da severidade da justiça. Ou seja, a formação da cidade industrial coincide com o processo de transformação de práticas sociais antes toleradas, em crimes passíveis de punição. Nesse sentido, a violência urbana ou na cidade esboçada por nossos meios de comunicação torna-se bastante inquietante. Nos tempos atuais, ela se configura em tema bastante debatido pelo senso comum, permeia agendas de propostas políticas, basta nos lembrarmos das últimas eleições, além de já ser amplamente discutida cientificamente. Ademais, ocupa espaços significativos nas pautas de reunião dos poderes públicos que procuram engendrar medidas contra a criminalidade. O crime, então, se converte no maior símbolo da violência urbana ou na cidade. Se pensarmos, então, a sociedade complexa segundo o preceito de que ela consiste em um emaranhado de relações sociais, trocas simbólicas e delimitações de espaços, não poderiam deixar de mencionar os bens de identificação que, segundo Bhabha (1998), gera todo esse fenômeno. Nessa tessitura, relembrando a perspectiva de jogo de privilegiados e sociedades privilegiadas analisado por Bourdieu (1992) emerge, portanto, outro campo de interesse da Antropologia Urbana, a saber, os bens simbólicos não negociáveis, tais como identidade gênero, sexualidades, os novos movimentos sociais, para citar apenas alguns. No que diz respeito aos novos movimentos sociais, Durães, Lima, Carvalho (2005) argumentam que se trata de uma reconfiguração das demandas dos grupos que não dizem respeito à reivindicações por moradias, melhores condições de trabalho, entre outras manifestações provenientes do “problema urbano”. Consiste, portanto, em manifestações que lutam por bens não negociáveis, como a identidade de gênero, para citar um exemplo. Lembra das premissas estudadas no início desta subunidade? A identidade do sujeito pós-moderno? Recorde que, em contraposição ao sujeito do Iluminismo, o sujeito pós-moderno não possui uma identidade fixa e acabada, logo esse sujeito é múltiplo. Contudo, esse sujeito pós-moderno tornou-se fragmentado, isolado e são justamente através dos novos movimentos sociais que os sujeitos fragmentados encontrarão pares para lutar em prol de direitos não negociáveis, como exemplo a identidade de gênero.
Ciências da Religião - Antropologia Cultural
▲ Figura 39: Prostituição na Idade Média: um grande dilema, pecado ou necessidade? Fonte: História no Mundo. Disponível em:< http://www. historiadomundo.com.br>. Acesso em 29 jul. 2013.
Diante disso, cabe ressaltar que vimos, anteriormente, como a cidade foi pensada, levando em consideração seu território; alguns conflitos nele gerado e como os antropólogos analisaram esses fenômenos. Assim, destacamos outro fato social que chamou atenção dos estudiosos visto que se tornou, também, passível de punição, trata-se, portanto, da capacidade de ordenar o espaço urbano segundo uma lógica de moralização dos corpos. Certamente, esses conceitos eclodiram ainda no século XIX, porém trouxeram consigo alguns fundamentos que permeiam os discursos atuais sobre a cidade. O fenômeno que nos referimos consiste naquele que é chamado, pelo senso comum, de as mais antigas profissões do mundo: a prostituição feminina. Segundo Lima (2008, p.66), a cidade, no final do século XIX, passou a ser pensada “como vício, e, por conseguinte doente. Ela [a cidade] surge [portanto] como objeto de estudo médico, além de estar sob a vigilância do saber da medicina”. Dito de outra maneira, fenômenos como a prostituição eclodiu do problema urbano e, logo, deveria ser combatida com estratégias de disciplinarização dos corpos. Daí a intervenção do saber médico para tratar o corpo social viciado e doente (LIMA, 2008). Vimos, nesta Unidade, diversas formas de sociabilidade no contexto da cidade. Por último apreendemos, ainda, que em decorrência da vida na cidade a cultura urbana configurou-se em desorganização social e cultural cuja responsabilidade abateu-se sobre alguns fenômenos como a violência (criminalidade) e prostituição. Esses são apenas alguns exemplos da cidade entendida como vício, que para o presente momento encerramos essa discussão, porém ela não se esgota. O intuito, agora, é compreender outras formas de sociabilidade que tangem, especificamente, o seu curso, a
saber, a religião como uma extensão do campo Antropológico. Certamente, os estudos sobre religião não perfazem apenas as pesquisas sobre a cidade e tal categoria começou a ser analisada muito antes dos estudos das sociedades complexas. Porém, deixaremos a análise sobre a religião nas sociedades consideradas primitivas para a disciplina Antropologia da Religião e nos dedicaremos, brevemente, à compreensão de como a Antropologia concebeu esses estudos nas sociedades complexas. Diante disso, Oliven (2007, p.57) salienta que “autores com posições teóricas muito diferentes enfatizaram o processo de secularização que estaria ocorrendo nas sociedades complexas”. Não obstante, estudiosos como Durkheim “achava que os vínculos integrativos da religião estariam sendo ameaçados pela divisão social do trabalho e a estaria tomando o seu lugar”. Além disso, acrescenta Oliven (2007, p.57), Weber, contribuiu, significativamente, para o pensamento acerca do processo de racionalização secular uma vez que trouxe à baila argumentos que propunham o “desencantamento do mundo”. Marx, por sua vez, pensou que “o socialismo eliminaria a necessidade do que ele considerava o ‘ópio do povo’ [grifos do autor]”.
pAra saber mais Assista ao filme “CRASH: no limite” (2004). A película traz à baila a complexidade da vida urbana, especialmente levando em consideração os conflitos étnicos que permeiam as grandes cidades estadosunidenses, discutindo como cada etnia constrói estereótipos em relação às outras. Fonte: Disponível em: <http://www.downloadsfilmesdublados. org/download-crash-no-limite-dvdrip-avi-rmvb-dublado.
◄ Figura 40: Karl Marx: “A religião é o suspriro da criatura aflita, o estado de ânimo de um mundo sem coração, porque é o espírito da situação sem espítito. A religião é o ópio do povo” (Tradução livre dos autores).
Certamente que o objeto de estudo da Antropologia Urbana não se esgota com os exemplos descritos anteriormente. Portanto, o objetivo dessas descrições foi localizar os estudos antropológicos em um contexto de análise das sociedades complexas para que você pudesse compreender a abrangência de possibilidades de investigações que a cidade nos oferece. Assim, tratar de fenômenos no qual já possuímos algum conceito previamente estabelecido, como estudamos nesta unidade, vai exigir do pesquisador uma habilidade e conhecimento dos métodos antropológicos de forma mais detida. Com esses argumentos, caro(a) acadêmico(a), você percebeu, mais uma vez, a diversidade de estudos que o campo da cidade pode proporcionar ao Antropólogo? E não pense que na sua área de atuação será diferente, pois a Ciência da Religião vai perpassar todos
Fonte: Faculdade Alvorada, Turma de Direito 2010. Disponível em:< http:// alvoradadireito2010.wordpress.com/>. Acesso em 29 jul. 2013.
pAra saber mais Sugerimos a leitura do artigo “Novos movimentos sociais e movimentos de mulheres”, caso você queira ampliar seus estudos sobre gênero. O trabalho está disponível em:<http://www.ruc. unimontes.br>.
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PARA SABER MAIS Assista ao filme “A Antropóloga”. Direção: Zeca Nunes Pires, Brasil. Imagem Filmes, 2010. DVD (90min), color. “Aos 33 anos, Maria de Lourdes Gomes Azevedo Ramos (Malu) realiza na Costa da Lagoa – reduto açoriano na Ilha de Santa Catarina (Florianópolis/SC/BR) – sua pesquisa de doutorado na área de etnobotânica. Sua vinda a Costa da Lagoa não será meramente um marco em sua carreira acadêmica mais uma série de desafios emocionais que coloca a protagonista no limite entre a razão e a imaginação, ciência e misticismo, crença e ceticismo, amor e paixão. Com dona Ritinha, benzedeira mais conhecida na comunidade, Malu inicia o aprendizado da cultura mística que os descendentes de açorianos preservam no local”. Fonte: Disponível em: <http://castordownloads.net/download-a-antropologa-dvdrip-avi-rmvb-nacional-50063. html.
Figura 41: Desembarque de Cabral em Porto Seguro, por Oscar Pereira da Silva. Fonte: Portal do Governo Brasileiro. Disponível em:< www.brasil.gov.br>. Acesso em 29 jul. 2013.
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essas relações simbólicas que estudamos até o presente momento. Sendo assim, acreditamos que você está curioso para saber como essas relações irão se processar na Ciência que você
estuda, não é mesmo? Bem, sobre esse assunto você terá que esperar um pouco mais, uma vez que somente na disciplina Antropologia da Religião é que essas conexões serão amarradas.
3.4 A Antropologia no Brasil Estudamos como a Antropologia configurou-se em Ciência; o método adotado para as pesquisas antropológicas; e nos detemos às descrições dos ramos da Antropologia. Posteriormente, examinamos como essa ciência partiu de uma análise evolucionista até conceber a cultura segundo os princípios do Relativismo Cultural. Para tanto, observamos conceitos e análises de alguns antropólogos sobre as sociedades primitivas e complexas. Agora, perceberemos, de forma introdutória, como esses estudos começaram no Brasil e quais as vertentes que os antropólogos brasileiros seguiram. Lembre-se que Antropologia, em seu início, contou com os depoimentos de missionários, soldados e viajantes para a compreensão dos povos primitivos e, conforme a atividade que você desenvolveu na Unidade 1, postando seus comentários sobre o BOX 1, você compreendeu o posicionamento desses primeiros relatos. Diante disso, pense, agora, no Brasil do século XVI em um contexto que alguns países da Europa trilhavam caminhos para além-mar. Pensou? E aí? Qual foi a percepção dos portugueses ao desembarcarem no Brasil, levando em consideração os estudos que fizemos na Unidade 1? Se você pensou que os índios aqui encontrados foram considerados selvagens, você conclui e entendeu perfeitamente qual foi a primeira percepção dos portugueses diante os povos indígenas que encontraram, ou como nos narrou a historiografia por muito tempo “descobriram”, no Brasil.
Portanto, toda a discussão que fizemos na Unidade 1 aplica-se, no caso brasileiro, também aos séculos XVII e XVIII. Ora, essa terra foi considerada inabitada, portanto, passível de ser povoada. É só você se recordar das aulas de História do Brasil. Porém, a análise que faremos possibilitará uma compreensão teórica de fatos que na maioria das vezes só ouvimos falar. Sendo assim, pensar em uma Antropologia no Brasil e seu amadurecimento é buscar compreender a superação de conceitos como o de raça, superioridade e inferioridade. Diante disso, pensar em uma Antropologia no Brasil remete-nos ao passado que não está tão longe assim. Isso porque, segundo Melatti (1984), foram os memorialistas e cronistas que contribuíram para os primeiros relatos sobre as “sociedades primitivas” do Brasil. Sendo assim, as análises desses relatos têm pouco mais de 200 anos, uma vez que antes disso as Ciências Sociais ainda não existiam. Portanto, para o referido autor, esses “missionários, navegantes, diplomatas, empresários”, entre outros, ao escreverem suas crônicas e desenharem mapas acabaram criando, sem perceber é claro, instrumentos de coletas de dados. Em outras palavras, foi a partir de materiais como esses que pesquisadores, como Florestan Fernandes, desenvolveram os primeiros trabalhos sociológicos no Brasil.
▲ Figura 42: Florestan Fernandes entre índios Xavante em 1986. Fonte: Scielo. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em 05 mai. 2013.
O encontro dos europeus mediado pelo descobrimento da América, nesse contexto,
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◄ Figura 43: Artefato Sambaqui. Zoolíto em forma de peixe. Fonte: Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em: < http://www.museunacional.ufrj.br>. Acesso em 05 mai. 2013.
PARA SABER MAIS
fomentou uma série de questionamentos com o intuito de explicar a origem desses povos. Assim, os estudos arqueológicos e paleontológicos, de acordo com Marconi e Prezotto (2006 p.215), demonstraram que no caso brasileiro, “as datas mais antigas da presença do homem situam-se em torno do ano de 8.000 a.C, constatadas pelos testemunhos de fósseis do Homem da Lagoa Santa, em Minas Gerais”. Além disso, as autoras acrescentam que “recentes pesquisas da arqueóloga Conceição Beltrão talvez permitam recuar essa data para 12.000 ou 14.000 anos”. Concomitantemente, as descobertas de cerâmicas na Amazônia, contribuíram, também, para a datação da presença do homem na América. Essas cerâmicas encontradas na Amazônia datam por volta de “500 anos antes de Cristo [...]”, sendo assim, a qualidade técnica desses artefatos possibilitou a constatação da “presença de grupos portadores de nível de cultura avançado, em relação ao homem [de outras localidades do Brasil], cujas manifestações culturais limitavam-se aos instrumentos de pedra lascada e posteriormente polida” (MARCONI; PREZOTTO 2006, p.216). Vale ressaltar que, até 1930, grande parte da produção antropológica acerca desses povos foi realizada por estudiosos de outras áreas, como exemplo, juristas, médicos, botânicos, entre outras que se interessaram por índios, negros e sertanejos. Os estudos centram-se, portanto, na preocupação com o futuro do país, visto que as teorias de raças predominavam os discursos acerca da civilidade dos povos. Portanto, à luz do pensamento de Schwarcz (1993), a miscigenação no Brasil, se-
gundo a perspectiva de raças, configurou-se em um dos entraves para o desenvolvimento do país. Não obstante, fizeram-se necessárias políticas embraquecimento da população brasileira cujo intuito era minimizar a influência degenerativa e “impura” provenientes das raças indígenas e negras.
O interessante desses estudos, em específico o caso indígena, é que, de acordo com os interesses políticos de cada período histórico que o Brasil passou, a construção do imaginário social acerca desses povos foi se modificando. Ou seja, na época do descobrimento, o índio foi percebido como selvagem e sem alma devido às diferenças em relação aos europeus, conforme estudamos nas Unidades 1 e 2. Não obstante, quando do processo de expansão
A identidade de gênero consiste no autor reconhecimento que o indivíduo faz acerca das suas relações com o masculino ou o feminino, ou seja, uma mulher pode considerar sua identidade de gênero como sendo masculino, por exemplo. Tal perspectiva teórica contribuiu, sobremaneira, para a desnaturalização dos comportamentos sociais atribuídos, culturalmente, para homens e mulheres (LIMA, 2008).
▲ Figura 44: O Homem de Lagoa Santa, Museu Gruta da Lapinha, Lagoa Santa, Minas Gerais. Fonte: Panoramio. Disponível em: < http://www. panoramio.com>. Acesso em 05 mai. 2013.
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Figura 45: Alfabetização ► de Índios. Fonte: Luzmar Paz Leite. Disponível em: <http:// lusmarpazleite.blogspot. com.br >. Acesso em 29 jul. 2013.
DICA “Florestan Fernandes (22/07/1920-10/8/1995) nasce na cidade de São Paulo, de origem pobre, estuda com dificuldade e destaca-se pela disciplina e esforço. Torna-se professor da Universidade de São Paulo (USP), na década de 40, sendo afastado pelo regime militar em 1969. A partir daí, passa a lecionar em universidades do Canadá e dos Estados Unidos. Denuncia a marginalização do negro na sociedade na tese A Integração do Negro nas Sociedades de Classe (1964). Dedica-se, também, ao estudo das sociedades indígenas, da educação e da modernização, além da análise crítica da sociologia. Aborda o processo revolucionário latino-americano em Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina (1973). Em 1975, escreve A Revolução Burguesa no Brasil, sobre as classes dominantes do país e sua resistência às mudanças históricas. Volta ao Brasil, em 1977, passa a lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), a partir de 1979, retornando à USP em 1986. É considerado o fundador da sociologia crítica no Brasil”.
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do cristianismo, esse mesmo índio foi considerado como uma “criança”, logo, detentor de alma e passível de ser catequizado, leia-se convertido à normalidade cristã. Por fim, no período da independência do Brasil e em anos posteriores quando se pensava a identidade nacional, o índio elevou-se à categoria de herói, ou ainda, como parte reconhecida da nacionalidade brasileira. Nessa direção, Melatti (1994, p.1), em sua obra “Os Índios do Brasil”, propõe uma revisão acerca da imagem do índio e que essa deve se apresentar muito mais próxima da realidade. Descreve, portanto, um índio “humano” e tenta combater “uma série de ideias preconceituosas que sobre ele se mantêm [...]”. Sendo assim, o autor demonstra que as populações indígenas não se configuram em um corpo homogêneo, ou seja, “as línguas, os costumes, variam de tribo para tribo”. Consequentemente, o referido autor chama nossa atenção para o próprio conceito de índio, pois tal conceito nada mais é que uma categoria criada pelos europeus. Destarte, esclarece que nem todos os povos indígenas falavam Tupi e a imagem de unicidade da língua é proveniente de sua apropriação para a dominação e catequização. Em outras palavras, no primeiro contato com os indígenas, os jesuítas e alguns colonizadores trataram de aprender a língua Tupi para facilitar o processo de catequização e colonização. Portanto, os povos indígenas “convertidos” e “dominados” serviram como facilitadores para novas catequizações e dominações. Destacamos, ainda, outro estudioso que contribuiu, sobremodo, para os estudos das populações indígenas, a saber, Darcy Ribeiro. Para o referido autor, a questão indígena no
Brasil permeia discursos quanto à ausência de sua capacidade adaptativa à sociedade brasileira. Esse pensamento, de acordo com Ribeiro (1977), é proveniente da ideia de que o problema da inadaptação do índio à sociedade brasileira consiste no fato de se vincular a uma tradição pré-colombiana a manutenção dos costumes e hábitos indígenas.
▲ Figura 46: Índios do Brasil, Júlio César Melatti. Fonte: Mercado Livre. Disponível em: <http://produto. mercadolivre.com.br>. Acesso em 29 jul. 2013.
Ciências da Religião - Antropologia Cultural Diante do exposto, esclarecemos que a Antropologia no Brasil institucionalizou-se entre os anos de 1930 a 1960. No que diz respeito às décadas de 1930, inaugurou-se, em 1933, a Escola de Sociologia e Política de São Paulo; em 1934, criou-se a Faculdade de Filosofia e Letras do Brasil. Em 1955, a partir do fomento de algumas instituições das Ciências Sociais e Humanas, institui-se a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Desde então, a ABA passou a reunir interesses da Antropologia no Brasil e se mantém até os dias atuais, realizando congressos e pesquisas na área (MELATTI, 1984). Destacamos, ainda, o surgimento do Departamento de Antropologia da UNB, fundado em 1962, porém foi desativado em 1965 retornado ao funcionamento em 1969.
Certamente, a criação dessas instituições ampliou o campo de investigação da Antropologia no Brasil e, paulatinamente, essa Ciência se consolidou no contexto brasileiro. Temas como mudança social, mudança cultural, interpretação do Brasil, identidade, cidadania, para citar alguns exemplos, emergem nas pesquisas antropológicas e contribuem para compreensão da cultura brasileira. No que diz respeito à cidadania, ou ao “jeitinho brasileiro”, citamos Roberto DaMatta que ao analisar esses temas recorrentes no Brasil aponta uma outra percepção acerca das relações sociais estabelecidas no contexto brasileiro. Para o referido autor, a cidadania vivenciada no Brasil nos remete à relação entre “a casa e a rua”, pois quando:
[...] a casa é englobada pela rua vivemos frequentemente situações críticas e em geral autoritárias. Situações onde momentaneamente se faz um rompimento com a teia de relações que amacia um sistema cujo conjunto legal não parte da prática social, mas é feito visando justamente a corrigi-la ou até mesmo a instaurar novos hábitos sociais (DAMATTA, 1997, p.10).
Em posse dos argumentos de DaMatta (1997), que também nos demonstra que o Brasil é uma sociedade hierarquizada, concluímos que quando nos sentimos ameaçados da posição hierárquica, que concebemos ter, invocamos o jargão “você sabe com quem está falando?” para retomar a posição que supostamente perderíamos, caso não nos identificássemos em um status superior. Isso se dá porque, como as relações no Brasil são muito pessoais, as pessoas não conseguem se adequar à impessoalidade das leis, portanto sempre se valem de algum laço relacional para driblar a burocracia. Nesse sentido, os estudos de DaMatta (1997) tornaram-se expoentes para a compreensão das relações na sociedade brasileira, bem como a concepção múltipla do conceito de cidadania. Aprofundando suas análises em um estudo comparativo, DaMatta (1990), também constrói uma ampla comparação entre Brasil e Estados Unidos, levando em consideração vários aspectos culturais das duas sociedades. Dessa forma, o autor supracitado aborda características que fazem com que, nessas sociedades, as pessoas se relacionem de formas distintas tanto entre si quanto com o próprio Estado. Um dos exemplos que DaMatta (1990) traz consiste na forma de colonização que foi empreendida em cada uma dessas nações, pois enquanto nos Estados Unidos ocorreu uma colonização de povoamento, no Brasil desenvolveu-se um empreendimento de exploração. No primeiro caso, foram famílias inteiras que saíram da Europa rumo aos Estados Unidos, ao passo que para o Brasil veio uma
grande maioria de homens. Esses fatos, ainda segundo o autor, podem contribuir para explicar o porquê da imensa miscigenação no Brasil, ao passo que nos Estados Unidos há uma separação tão escancarada. Não obstante, DaMatta (1990) aborda a questão religiosa para compreender algumas das diferenças entre os dois países. Seguindo um raciocínio parecido com o de Max Weber em seu livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, o antropólogo brasileiro demonstra como a crença religiosa dominante em cada um desses Estados contribui para que as pessoas tenham interpretações distintas acerca do trabalho.
PaRA SABER MAIS Leia o artigo “A Antropologia como Ciência Social no Brasil” de Mariza Peirano para aprofundar seus estudos sobre o tema. O artigo está disponibilizado no Centro de estudos de Antropologia. Fonte: Disponível em: <http:// ceas.iscte.pt/etnografica/docs/vol_04/N2/ Vol_iv_N2_219-232. pdf>.
PARA SABER MAIS Assista ao filme “BESOURO” (2009). A trama se passa no recôncavo baiano, década de 1920. A película retrata a discriminação com qual negros libertos eram acometidos embora a abolição já havia sido declarada. Manoel (Aílton Carmo), personagem principal aprendeu capoeira como Mestre Alípio (Macalé), seu tutor não somente em golpes de capoeira, mas, também, as virtudes da concentração e da justiça. Besouro, como ficou conhecido Manuel, vai defender o seu povo e lutar contra o preconceito de sua época.
◄ Figura 47: A Casa & a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil, Roberto DaMatta. Fonte: Arquitetônico. Disponível em: <http://www. arquitetonico.ufsc.br/>. Acesso em 29 jul. 2013.
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Atividade Assista à entrevista de Darcy Ribeiro, “Índios e Portugueses: encontros & desencontros” e poste no fórum o seu comentário levando em consideração os argumentos que estudamos até o presente momento. O Vídeo está disponível em: <http:// www.youtube.com>.
DICA A política indigenista proposta pelos irmãos Villas Bôas foi de sua importância para compreensão da riqueza cultural da população indígena Xingu. Nesse sentido, Darcy Ribeiro afirmou que “os Villas Bôas dedicaram todas as suas vidas a conduzir os índios xinguanos do isolamento original em que os encontraram até o choque com as fronteiras da civilização. Aprenderam a respeitá-los e perceberam a necessidade imperiosa de lhes assegurar algum isolamento para que sobrevivessem. Tinham uma consciência aguda de que, se os fazendeiros penetrassem naquele imenso território, isolando os grupos indígenas uns dos outros, acabariam com eles em pouco tempo. Não só matando, mas liquidando as suas condições ecológicas de sobrevivência.” (RIBEIRO, 1997, p. 194).
PARA SABER MAIS Para melhor compreensão das políticas indigenista, sugerimos o filme XINGU. Direção: Cao Hamburger, Brasil. DownTown Filmes, 2012. DVD (102min), color. Fonte: Disponível em: <http://www. baixarfilmesdublados. net/baixar-filme-xingu-nacional/>.
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Por fim, o mencionado autor conclui uma diferença interessante entre os dois países, especialmente no que diz respeito às leis, a hierarquia social e a forma como as pessoas convivem. Nesse sentido, enquanto no Brasil as pessoas vivem juntas (brancos e negros) e até se misturaram por meio de casamentos, nos Estados Unidos a separação foi (e ainda é) muito mais rígida, visto que existem lugares sociais muito bem definidos para brancos e negros. Contudo, não podemos deixar de mencionar que as leis nos Estados Unidos, onde as relações pessoais são muito mais fracas que no Brasil, são aplicadas com maior impessoalidade. Resumindo essas ideias, DaMatta (1990) conclui que no Brasil as pessoas vivem juntas, mas existe uma desigualdade
maior, ao passo que nos Estados Unidos as pessoas vivem separadas (por exemplo existem bairros de brancos e bairros de negros, assim como restaurante, programas de TV, etc.), porém nos Estados Unidos pessoas são mais iguais perante a lei. Em fim, você estudou diversas vertentes da Antropologia Cultural neste caderno. Percebeu a trajetória da Antropologia rumo ao relativismo para a interpretação das culturas, assim como os métodos que possibilitou a sua elevação à Ciência e os estudos das sociedades primitivas e complexas. Agora que você conhece essa trajetória, os principais conceitos e métodos, é hora de ler mais uma vez este caderno para reforçar o conteúdo.
Referências BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. BOURDIEU, Pierre; PRADO, Silvia de Almeida. A Economia das trocas simbólicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. 361 p. BRAGA, Christiano et. al. Território e territorialidade. In:___. Territórios em movimento: cultura e identidade como estratégia de inserção competitiva. Brasília: SEBRAE, 2004. p. 25-69. CARVALHO, Flávio de Oliveira. Desenvolvimento, mulheres e criminalidade: uma análise dos relatos das presidiárias detidas por envolvimento com tráfico de drogas na cadeia pública de Montes Claros/MG. 2007. 106f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros. DAMATTA, Roberto. A Casa e a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. DAMATTA, Roberto. Carnavais Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. DINIZ, Débora. Antropologia e os limites dos Direitos Humanos: o dilema moral de Tashi. In: NOVAES, Regina Reyes; LIMA, Roberto Kant de (Org.). Antropologia e direitos humanos. v. 1. Niterói: Ed. UFF/ABA, 2001, p. 17-46. DURÃES, Sarah Jane Alves; Lima, Fernanda Veloso; CARVALHO, Flávio de Oliveira. Novos Movimentos Sociais e o Movimento de Mulheres. Revista Unimontes Científica. v. 7, n. 2, jun/dez de 2005, p. 91-100. DURHAM, Eunice Ribeiro; CARDOSO, Ruth C. Leite. A investigação antropológica em áreas urbanas. In: Revista de Cultura. Petrópolis: Vozes, v. 67, n. 2, 1973. DURKHEIM, E. Da divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1995. FOUCAULT, Michel. O nascimento da medicina social. In:__. MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982a, p. 79 -98. __________. O olho do poder. In:__. MACHADO, Roberto. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982b, p. 209-227. __________. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. São Paulo: Vozes, 2005, 262p.
Ciências da Religião - Antropologia Cultural GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.
PARA SABER MAIS
HALL, Stuart. A identidade cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
Visite o sítio http:// www.arquitetonico. ufsc.br/a-casa-e-a-rua-resenha, caso queria conhecer um pouco mais sobre a obra de Roberto DaMatta “A Casa & a Rua”.
HALL, Stuart. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000. LÉVI-STRUASS, Claude. A Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. LIMA, Fernanda Veloso. Produção do corpo e produção da cidade: um estudo sobre os espaços sociais e simbólicos da prostituição feminina em Monte Claros/MG (1940-1970). 136 f. Dissertação de Mestrado, Unimontes: Montes Claros, 2008. MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacifico Ocidental: Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guine Melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1976. 436 p. (Coleção Os Pensadores). MARCONI, Mariana de Andrade; PREZOTTO, Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6 ed. 2ª impressão, São Paulo: Atlas, 2006. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. Paulo Neves. São Paulo: Cosac Naify, 2003. MELATTI, Júlio Cezar. Índios do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1984a. MELATTI, Júlio Cezar. A antropologia no Brasil: um roteiro. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, n. 17. p. 3-52, 1º Semestre, 1984b. A Missão. Direção: Roland Joffé, Inglaterra. Warner Bros, 1986. DVD (126 min), color. OLIVEN, Ruben George. A Antropologia dos Grupos Urbanos. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2007. RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. Petrópolis: Vozes, 1977. ___________. Confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. SAHLINS, Marshall. Sociedades Tribais. Tradução: Yvonne Maggie Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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Resumo Na Unidade 1, você aprendeu a definição de Antropologia e dos campos de abordagens antropológicos, bem como a comparação entre a Antropologia e outras Ciências. O objetivo é fazer uma reflexão sobre a especificidade do discurso antropológico e a produção de um conhecimento dessa Ciência. Refletimos, também, sobre métodos e trabalho de campo na Antropologia, buscando explicitar a singularidade do saber antropológico. Para tanto, estudamos: • como a Antropologia surge como Ciência em um contexto histórico específico e como ela foi, a princípio, influenciada pelas Ciências Naturais; • percebemos que a ciência antropológica definiu como seu primeiro objeto de estudo as sociedades consideradas primitivas e que essa foi a primeira característica que lhe conferiu especificidade na qualidade de um campo científico de investigação; • que o paulatino desaparecimento das sociedades ditas selvagens colocou a Antropologia em uma crise de identidade, fazendo-a refluir sobre sua própria civilização e questionar sua razão de ser; • a distinção da Antropologia e demais ciências que também estudam o homem, bem como a especificidade de seu método de investigação, ou seja, a observação participante que quer dizer uma vivência prolongada junto à cultura que pretende interpretar; • as divisões da ciência antropológica em diversos ramos, tais quais: Arqueologia, Antropologia Biológica, Antropologia Cultural, entre outras; • que para a Antropologia o conceito de cultura não se refere a erudição ou acúmulo de conhecimento, mas sim a formas de agir, pensar e sentir as quais são vividas de forma distinta por populações mundo afora; • o conceito de Etnocentrismo, que faz um grupo identificar seus valores como sendo preferíveis a todos os demais; • o conceito de Relativismo Cultural, que procura compreender os comportamentos segundo as explicações e pontos de vista da própria cultura que os origina. Na Unidade 2, descrevemos especificamente as sociedades consideradas primitivas, visto que se constituíram como o primeiro objeto de pesquisa da ciência antropológica. Nesse sentido, o objetivo consistiu em discutir conceitos que evidenciem de forma mais contundente quais são os aspectos que singularizam as sociedades “selvagens”, assim como apresentar os discursos antropológicos que foram construídos a respeito dessas sociedades. Desse modo, você pode analisar: • as características básicas que distinguem uma sociedade complexa de uma sociedade simples; • como as relações de parentesco, entre as sociedades selvagens, são regidas por um complexo esquema de alianças e procuram construir uma ordem social tanto no interior da tribo (relações endogâmicas) quanto entre tribos distintas (relações exogâmicas), visando a manutenção, na medida do possível, da harmonia social; • os tipos de clãs e suas organizações de parentesco; • como o arranjo de forças simbólicas é que determina o objeto teórico e discursivo do conjunto de bens de identificação de uma dada cultura; • que as trocas econômicas tribais se desenvolvem pautadas em valores sociais que são distintos do pensamento ocidental e respondem a necessidades que raramente são materiais, ou seja, infrequentemente visam o acúmulo de bens; • como o contato do europeu com o não europeu (expansão colonial) desencadeou uma devastação na diversidade cultural, especialmente apreendendo conceitos como os de genocídio (assassinato físico de um povo) e de etnocídio ( aniquilamento da cultura de uma população); • algumas análises antropológicas acerca das sociedades primitivas, bem como algumas considerações sobre as sociedades capitalistas. Por fim, na Unidade 3 estudamos que: • os métodos antropológicos para o estudo das sociedades complexas e que, nesse contexto,
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estranhar o familiar torna-se mais complicado, uma vez que o pesquisador estuda sua própria cultura; que a experiência oriunda do trabalho de campo possibilitou uma interpretação científica das sociedades complexas; que para estudar a cultura é preciso apreender os mecanismos de produção simbólica que integram suas linhagens e representações, assim como a maneira com a qual tais linhagens e representações adquirirem uma realidade própria; que a diferenciação entre o campo simbólico e as simulações dos sujeitos é de suma importância para a compreensão de uma determinada imagem da sociedade, sobretudo a complexa; as três concepções de identidade e que podemos entendê-la de forma diferente em cada contexto histórico, isto é, a percepção de identidade do sujeito do Iluminismo, do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno; um dos campos de análise das sociedades complexas, a saber, a Antropologia Urbana, bem como a cidade e os grupos que nela vive; o conceito de território e como ele contribuiu para a compreensão do espaço citadino; a visão da Escola de Chicago sobre os fenômenos urbanos; a associação equivocada entre crime e pobreza proferida por alguns discursos antropológicos do século XIX; o esquadrinhamento e a vigilância que as populações que vivem na cidade são acometidas cujo intuito é mediar o conflito proveniente da vida na cidade; a cidade complexa é dotada de um emaranhado de relações e conflitos sociais cujas reivindicações versam por bens inegociáveis, como gênero, identidade, raça, entre outros; que no contexto da cidade, e diante dos conflitos dela provenientes, os novos movimentos sociais eclodem em prol da dessa reivindicações; o modelo de controle de alguns grupos que ferem a ordem da cidade, como exemplo, a prostituição; foram os memorialistas e cronistas que contribuíram para os primeiros relatos sobre as “sociedades primitivas” do Brasil; que a partir das escavações feitas por estudos arqueológicos descobri-se que a presença do homem no Brasil é muito antiga, podendo datar em até 14.000 a. C; que, até 1930, grande parte da produção antropológica acerca desses povos foi realizada por estudiosos de outras áreas, como exemplo, juristas, médicos, botânicos, entre outras que se interessou por índios, negros e sertanejos.; que durante muito tempo os estudos Antropológicos no Brasil sofreram influência do evolucionismo, sobretudo no que diz respeito ao entendimento da miscigenação como um entreve à pretensão de um Brasil civilizado; as três diferentes visões sobre o índio em períodos distintos, ou seja, na época do descobrimento ele era selvagem, quando da expansão do cristianismo uma criança que tem alma e precisa ser salva, ao passo que no pós-independência, um herói; a proposta de revisão acerca da imagem do índio e que essa deve se apresentar muito mais próxima da realidade; o problema na interpretação sobre o índio está nos discursos que pensam a questão indígena, no Brasil, como uma ausência ou incapacidade adaptativa à sociedade brasileira; que Antropologia somente se institucionalizou no Brasil a partir das décadas de 1930 a 1960, quando divervas Faculdades de Filosofia e Ciências Humanas foram inauguradas no Brasil; a importância da criação da Associação Brasileira de Antropologia como um canal de estudos e pesquisas nessa área; a compreender o conceito de cidadania no Brasil com uma relação entre a casa e a rua.
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Referências Básicas BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. BOURDIEU, Pierre; PRADO, Silvia de Almeida. A economia das trocas simbólicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. 361 p. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.
Complementares DURHAM, Eunice. A dinâmica da cultura: ensaios de Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2004. FERNANDES, F. A função social da guerra na sociedade tupinambá. São Paulo: Pioneira: Edusp, 1970. MELATTI, Júlio Cezar. A antropologia no Brasil: um roteiro. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, n. 17. p. 3-52, 1º Semestre, 1984. PARK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano. Trad. Sérgio Magalhães Santeiro. In.: __ Velho, O. (org.). O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
Suplementares RADCLIFFE-BROWN, Alfred R. Estrutura e função na sociedade primitiva. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1973. SAHLINS, Marshall. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. 7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. Trad. Marina Corrêa Treuherz. In: __ Velho, Gilberto (org.). O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
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Ciências da Religião - Antropologia Cultural
Atividades de aprendizagem - AA 1) Assinale a alternativa CORRETA sobre o conceito de ETNOCENTRISMO: a) É a visão do mundo em que nosso próprio grupo é tomado como centro e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. b) A ação humana é perfeitamente explicável a partir de uma determinação biológica. c) É o respeito e a não negação da diversidade cultural. d) Os hábitos e os costumes são provenientes da reação ao instinto de sobrevivência dos seres humanos. 2) O RELATIVISMO CULTURAL consiste em: a) Um sentimento “natural” a todos os seres humanos, uma vez que é resultado do processo de criação de uma pessoa no interior de uma cultura. b) Repudiar as formas culturais, morais, estéticas diferentes daquelas com as quais nos identificamos. c) Recusar a admitir as diversidades culturais. d) Um esforço de compreender a diferença, sem pensar que existe apenas uma única forma possível de se viver em sociedade. 3) Sobre a Arqueologia é CORRETO afirmar: a) O estudo do homem como ser biológico, dotado de um aparato físico e uma carga genética, com um percurso evolutivo definido e relações específicas com as outras ordens e espécies de seres vivos. b) O estudo do homem no tempo, através de monumentos, restos de moradas, documentos, armas, obras de artes e realizações técnicas que foi deixando no seu caminho enquanto civilizações davam lugar a outras no curso da História. c) Dedica-se ao entendimento dos mecanismos e combinações genéticas fundamentais que permitem explicar diferenciações de populações e não mais as raças. d) O estudo do homem convivendo, produzindo e reproduzindo as regras de vivência em sua própria sociedade e as sistematizações acerca dos fenômenos. 4) De acordo com Franz Boas, o evolucionismo não é capaz de explicar as diversidades culturais. Assim, atribuiu à antropologia a execução de algumas tarefas que estão representadas nas alternativas abaixo, EXCETO: a) A reconstrução da história de povos ou regiões particulares. b) A comparação da vida social de diferentes povos cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. c) As diversidades culturais são resultados do estágio de evolução no qual cada sociedade se encontra. d) Através do particularismo histórico, cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. 5) Considerando a conceituação sobre as sociedades primitivas, marque, entre as alternativas abaixo, qual a característica fundamental que diferencia as sociedades simples das sociedades complexas. a) Nas sociedades simples há ausência do Estado. b) Nas sociedades simples não existem relações econômicas. c) Nas sociedades simples existe uma estrutura de relações de parentesco. d) Nas sociedades simples não existem relações de poder.
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UAB/Unimontes - 1º Período 6) Refletindo sobre as discussões empreendidas acerca da noção de Sistemas de Parentesco, marque a alternativa INCORRETA: a) A descendência pode ser tanto matrilinear como patrilinear, dependendo do grupo tribal. b) As relações de parentesco respeitam normas que vão muito além da união entre duas pessoas. c) A escolha individual é o principal critério para a definição de um par para o casamento. d) Uma das maiores preocupações das normas de parentesco é possibilitar o nascimento de filhos legítimos na tribo. 7) Sobre as trocas econômicas entre as sociedades tribais, podemos afirmar: a) Existe uma grande preocupação com o acúmulo de bens materiais. b) Seu principal objetivo é o estabelecimento de relações amistosas. c) Os sistemas econômicos das sociedades tribais são versões simplificadas das economias de mercado modernas. d) Estruturam-se sobre um complexo esquema de preços estabelecidos. 8) Pensando nas transformações sociais no contexto da urbanização e da industrialização do mundo, Hall (2006) fala da existência, ao longo desse processo, de três sujeitos que se sucedem. Entre as alternativas abaixo, qual não corresponde a um sujeito apontado pelo Autor? a) Sujeito pós-moderno. b) Sujeito sociológico. c) Sujeito do iluminismo. d) Sujeito filosófico. 9) Sobre a cidade, levando em consideração os pensamentos da Antropologia Urbana, marque a alternativa INCORRETA: a) Torna-se espaço de crescente conflito, visto que aglomera cada vez mais as diferenças em um mesmo local. b) Constitui-se em objeto privilegiado do saber médico, para tanto foi esquadrinhada e teve seus espaços e populações vigiados constantemente. c) Tornam-se mais pacíficas, visto que a aglomeração de pessoas permite a construção de laços de proximidade. d) Seu processo de formação foi marcado por dinâmicas territoriais que dizem respeito não somente aos conflitos por demarcações de fronteiras, mas também a um campo de lutas e representações simbólicas. 10) Sobre a Antropologia no Brasil, podemos afirmar, EXCETO: a) Institucionalizou-se entre os anos de 1930 e 1960. b) Paulatinamente foi reduzindo seu campo de atuação dedicando-se somente ao estudo das sociedades simples. c) Tem realizado descobertas arqueológicas que apontam para a presença do homem, em terras brasileiras, há milhares de anos. d) Discute características da cultura nacional, como o famoso “jeitinho brasileiro”.
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