Revista Ciência em Prosa - Número 2

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Revista de Jornalismo Científico da Universidade Federal de Lavras

Dezembro de 2018 I Ano 1 I Número 2

BIOFORTIFICAÇÃO DE ALIMENTOS É ALTERNATIVA NO COMBATE À FOME OCULTA Culturas como arroz, feijão e hortaliças passam por testes para enriquecimento com iodo, zinco e selênio


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e d i t o r i a l expediente Com a primeira edição da Ciência em Prosa, publicada em julho de 2018, romperam-se as dificuldades que adiaram o projeto tão desejado de uma revista de jornalismo científico na UFLA. Foi uma conquista celebrada pela equipe de Comunicação e com repercussão positiva na comunidade, que se mostrou interessada pelo novo veículo e disposta a conhecer o trabalho. A chegada da segunda edição traz uma satisfação adicional, pela continuidade que se estabelece, pelo processo de sedimentação de um trabalho que busca, essencialmente, compartilhar com a sociedade o conhecimento científico. À medida que avançamos nessa tarefa, fica perceptível que ela é mais complexa do que parece à primeira vista, porque a ciência é uma construção contínua, em que uma descoberta está relacionada a muitas outras que a precederam e a outras que virão depois. É difícil falar em poucas páginas. Mas, ainda assim, o leitor pode ter, ainda que sob um recorte, a imersão em temas que mobilizam equipes de pesquisa da UFLA. A biofortificação de alimentos, nossa matéria de capa, por exemplo, poderia incluir muitos outros especialistas e conteúdos para discutir diferentes aspectos relacionados ao tema ou tratar de linhas de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento, porque as abordagens possíveis são muitas. Entretanto, dentro dos limites da proposta deste veículo, o leitor poderá conhecer o que pesquisadores da UFLA estão produzindo nessa área, junto com a Embrapa, Epamig e outros parceiros. Pelas - ainda poucas - dez páginas de matéria, é possível conhecer um projeto conduzido pela intenção de produzir um conhecimento que, em um futuro próximo, pode auxiliar na garantia de alimentos mais nutritivos à população.

CIÊNCIA EM PROSA Revista de Jornalismo Científico (Semestral) Universidade Federal de Lavras Câmpus Universitário Caixa Postal 3037 - CEP 37200-000 - Lavras/MG REITOR Prof. José Roberto Soares Scolforo VICE-REITORA Prof.ª Édila Vilela de Resende Von Pinho CHEFE DE GABINETE Prof.ª Joziana Muniz de Paiva Barçante DIRETOR DE COMUNICAÇÃO Sandro Freire de Araújo CONSELHO EDITORIAL (PopularizaCiência) Karen Luz Burgoa Rosso (área de Ciências Exatas e da Terra); Alessandra Angélica de Pádua Bueno (área de Ciências Biológicas); Juliano Elvis de Oliveira (área das Engenharias); Joziana Muniz de Paiva Barçante (área das Ciências da Saúde); Luiz Roberto Guimarães (área das Ciências Agrárias); Ana Paula Piovesan Melchiori (áreas das Ciências Sociais); Marcelo Sevaybricker Moreira (área das Ciências Humanas); Elaine das Graças Frade (área de Linguística, Letras e Artes); Cássio Alencar Nunes (representante dos estudantes de pós-graduação); Sergio Scherrer Thomasi (representante da Pró-Reitoria de Pesquisa); Rafael Pio (pró-reitor de Pós-Graduação); João José Granate de Sá e Melo Marques (pró-reitor de Extensão e Cultura); Ana Eliza Alvim, Camila Caetano, Gláucia Mendes, Samara Avelar, Heider Alvarenga e Sandro Araújo (representantes dos projetos do Núcleo de Divulgação Científica - DCOM/UFLA). EXPEDIENTE EDIÇÃO Ana Eliza Alvim. ASSESSORIA DE IMPRENSA Camila Caetano. REPORTAGENS Camila Caetano, Gláucia Mendes, Karina Mascarenhas, Pollyanna Dias e Samara Avelar. FOTOGRAFIA Alberto Moura, Gláucia Mendes, Heider Alvarenga, Karina Mascarenhas, Luiz Felipe Souza, Pollyanna Dias e Samara Avelar. FOTOS DIVULGAÇÃO Arquivo de Monique Inácio. FOTO DA CAPA kaigraphick (Pixabay.com). COLABORAÇÃO Karen Luz Burgoa Rosso e Jose Nogales. COORDENAÇÃO DE CRIAÇÃO Heider Alvarenga e Samara Avelar. PROJETO GRÁFICO ONE Studio e Heider Alvarenga. DIAGRAMAÇÃO Heider Alvarenga. ILUSTRAÇÕES Freepick.com; Pixabay.com; Pexels.com. REVISÃO DE TEXTOS Paulo Roberto Ribeiro. 3


S U M Á R I O

30-39 “Superalimentos” enriquecidos com iodo, zinco e selênio

26-29 Nova instalação leva conforto ao gado e melhora qualidade do leite

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OPINIÃO Conquistas astronômicas

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CIÊNCIA EM IMAGEM Laboratório de Nutrição de Peixes

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CIÊNCIA NA COMUNIDADE Método intuitivo aplicado à alimentação pode ajudar crianças a ter uma vida mais saudável

14-17

PAPO COM PESQUISADOR A ciência ainda é uma grande desconhecida da população

18-19

CIÊNCIA EXPLICA Sonho, sonho meu

20-25

COTIDIANO Concurso Ciência em Imagem

44-45 Teste do Whey Protein

40-43 CIÊNCIA NO TÚNEL DO TEMPO Progresso, modernização e propaganda agrícola nas entrelinhas da revista O Agricultor

46-49 Mais sabor para uma das paixões dos brasileiros: o café

50-53 EM BUSCA DE VERDADES Frango: hormônios, não; melhoramento genético, sim

54-55 Produção UFLA: alguns livros lançados pela comunidade universitária da UFLA em 2018

56-58 PERFIL Gostos que se cruzam em uma trajetória de pesquisa


OPINIÃO

Foto: Pollyanna Dias

Conquistas Astronômicas Por Karen Luz Burgoa Rosso Professora do Departamento de Física (DFI/UFLA)

H

á muito tempo, os humanos começaram um caminho em direção ao entendimento da verdadeira natureza do universo e da própria natureza em si. Pela astronomia dos povos antigos, como, por exemplo, os boorogons da Austrália, os maias do México e os caiapós do Brasil, percebemos que tudo começou com a incrível capacidade do ser humano de ligar, de maneira contínua, a relação entre as estrelas do céu e os seres vivos na Terra. E hoje sabemos que os átomos que se formaram nas estrelas são a origem de tudo que existe aqui na Terra, e que alguns processos, a níveis atômicos, ocorrem nas estrelas e também nas folhas das árvores, quando iluminadas pelo sol. A observação da natureza e do céu foi e, sempre será, fonte de reflexões e descobertas pelo homem. Por isso, este artigo busca estimular o resgate desse hábito de observação.

Por meio das oficinas Festa das Estrelas, evento aberto à população realizado desde 2011, a UFLA compartilha os saberes da astronomia com pessoas de todas as idades. Os encontros ocorrem aos sábados, às 19h, no Museu de História Natural da Universidade. A iniciativa envolve também as feiras de ciência das escolas e praças de Lavras e região. Durante todos esses anos, observamos que o público sempre varia em número - às vezes centenas de pessoas e, às vezes, poucos participantes, mas sua composição sempre foi de grupos de amigos ou familiares, mães, pais, filhos, tios, avós, etc. Chegam muito ansiosos e curiosos para entender a origem e o movimento das estrelas no céu, saber quais os verdadeiros avanços no conhecimento sobre a vida fora da Terra e entender qual a conexão dos astros

com todos os seres vivos da Terra. Os temas que abordamos em diferentes ciclos de palestras e com diversos ângulos do conhecimento buscam ajudar a solucionar essas inquietações: falamos sobre a história da astronomia, astrofísica dos corpos celestes, física da estrutura da matéria, astronomia cultural dos diferentes povos indígenas, cosmologia, astrobiologia e outros. O público tem a oportunidade de fazer um passeio turístico pelo céu, tendo como guias os professores. Após uma observação a olho nu e com telescópios, as pessoas ficam tão contentes que parece que o brilho das estrelas, que literalmente entrou em seus olhos, se amplia ao ponto de gerar um sorriso no rosto. Esse momento representa a essência da importância da evolução científica e tecnológica para a qual todos os dias e noites trabalhamos incansavelmente nesta Universidade. 5


OPINIÃO

GUIA TURÍSTICO DO CÉU DE LAVRAS Observando os astros na praça Dr. Jorge Professor Jose Nogales Professora Karen Luz Burgoa Rosso

A

partir de toda a curiosidade e do interesse que percebemos nos participantes das oficinas Festa das Estrelas, preparamos, para esta edição, um roteiro de observações do céu que pode levar o leitor a uma interação maior com os astros, com o conhecimento científico e com as peculiaridades de Lavras (MG). Basta olhar para o céu nos horários e no local indicados para identificar os corpos celestes que lá estarão. O céu da cidade, com a sua geografia e arquitetura,oferece

cenários espetaculares para a observação dos astros. No período que vai de fevereiro a maio de 2019, teremos conjunções de estrelas, planetas e fases da lua muito bonitas de ver a olho nu. Nosso primeiro ponto turístico será o pedacinho de céu que cobre a praça Dr. Jorge e a escola municipal Álvaro Botelho. Com ajuda da lua, nesse período, teremos destaque da constelação do Homem Velho, que é formada por estrelas muito brilhantes e famosas, que são: as 3 Marias, Rigel, Betelgeuse, Saiph, Aldebaran e Bellatrix - a famosa bruxa no filme Harry Potter. Também

faz parte dessa constelação o aglomerado das plêiades, que é um grupo de estrelas jovens e azuis que formam o cocar do homem velho. Constelação do Homem Velho - A figura do homem velho, ou pajé, é muito importante dentro das comunidades indígenas do Brasil, pois ele é quem ajuda a passar adiante a cultura, a história e as tradições dos povos. Na prática, a constelação do homem velho marca o início do verão e o começo das chuvas na cultura tupi-guarani.

ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO DO CÉU 12/2/2019 - Lua perto das plêiades, do lado esquerdo do Homem Velho. 20h às 23h. 13/2/2019

-

Lua

entre

Aldebaran e as Plêiades. 20h às 23h.

12/3/2019 - Lua minguante entre a Aldebaran e as Plêiades. 19h às 21h.

8/4/2019 - Lua do lado esquerdo do Homem Velho e o planeta Marte entre Aldebaran e as Plêiades. 18h às 19h.

13/3/2019 - Lua do lado direito do Homem Velho, perto da estrela Aldebaran. 19h às 21h.

9/4/2019 - Lua do lado direito do Homem Velho, perto da estrela Aldebaran e o planeta Marte. 18h às 19h.

SUGESTÕES DE LEITURA SOBRE TEMAS ABORDADOS NO ARTIGO Historia da Astronomia no Brasil. Trata de: Astronomia Indígena, Relações céu-terra entre os indígenas no Brasil: distintos céus diferentes olhares. Autores: Flavia Pedroza Lima et al. Disponível em: www.bit.ly/historia-astronomia 6


ACIMA A PROJEÇÃO DE COMO SERÁ A VISTA DA CONSTELAÇÃO DO HOMEM VELHO NO DIA 13 DE MARÇO DE 2019 ÀS 20H37 E, ABAIXO, A LOCALIZAÇÃO DE ONDE ELA PODERÁ SER VISTA DA PRAÇA DR. JORGE, EM LAVRAS

Três Marias Saiph Rigel

Bellatrix

Lua

Plêiades

Foto: Luiz Felipe de Souza

Imagem: Stellarium

Aldebaran

Betelgeuse

A Praça Dr. Jorge, na região central de Lavras, é um lugar privilegiado para observar fenômenos astronômicos. Lá, a constelação do Homem Velho, que marca o início do verão no Brasil, estará visível até maio. Confira os horários na página 6 e observe.

Esta seção estará aberta, nas próximas edições da Revista, à participação da comunidade acadêmica. Se você deseja colaborar, escrevendo um artigo de opinião sobre o tema de sua pesquisa científica ou de seu tema de interesse, envie a sugestão para www.ufla.br/suportecomunicacao 7


CIÊNCIA EM IMAGEM

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CIÊNCIA EM IMAGEM Devido às variações populacionais e à modificação dos hábitos alimentares, o pescado tem sido cada vez mais designado para compor a dieta humana. Com isso, a aquicultura, quando comparada a outros setores da produção animal, tem apresentado elevadas taxas de crescimento. Com o intuito de aprimorar a cadeia produtiva de peixes, o setor de piscicultura da UFLA tem realizado pesquisas que avaliam como as fontes proteicas utilizadas nas rações podem interferir no desenvolvimento dos peixes. O objetivo é buscar alternativas eficazes, observando critérios de aproveitamento de nutrientes e desempenho, tendo em conta que a farinha de peixe e a farinha de soja, utilizadas atualmente, apresentam limitações econômicas e nutritivas para a produção aquícola. A farinha de insetos tem se mostrado um componente promissor para compor a dieta do peixe; sendo assim, as pesquisas realizadas buscam atestar se é viável a adoção desse ingrediente e como suas características nutritivas influenciam o desenvolvimento do peixe, de forma que o animal possa melhorar não só seu desempenho, mas também seu sistema de defesa, se tornando mais resistente a possíveis doenças. Por Luiz Felipe Souza

FOTO: TILÁPIA (OREOCHOMIS NILOTICUS) FOTOGRAFADA NO LABORATÓRIO DE NUTRIÇÃO DE PEIXES DO SETOR DE PISCICULTURA DZO/UFLA. COORDENADORA DAS PESQUISAS: PROFESSORA PRISCILA VIEIRA E ROSA

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CIÊNCIA NA COMUNIDADE

método intuitivo Aplicado à alimentação pode ajudar crianças a ter uma vida mais saudável Por Karina Mascarenhas

PROJETO DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL FOI REALIZADO EM INSTITUIÇÕES DE APOIO SOCIAL DE LAVRAS, COM ADAPTAÇÃO DA METODOLOGIA CRIADA POR PESTALOZZI

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m uma tarde qualquer o pequeno João*, de 7 anos, chega ao Centro de Apoio à Criança e ao Adolescente em Lavras (Ceacad – Projeto Semearte) para participar do projeto “Método intuitivo como metodologia inovadora para a prática em educação alimentar e nutricional”. Ele se senta junto aos colegas e recebe das orientadoras uma beterraba; curioso, ele a observa, cheira, aperta. João nunca havia visto aquilo, por isso logo surgem as dúvidas: seria algo de comer? Se for, como é feito o preparo? A

beterraba é uma fruta? Como seria plantada? Por que ele teria que comer aquilo? Os questionamentos do menino proporcionam um aprendizado inspirado em orientações do método intuitivo, criado no século XVIII pelo suíço Johann Heinrich Pestalozzi. O sistema de ensino propõe o desenvolvimento das habilidades naturais do sujeito apresentadas por meio de estímulos. “Neste método intuitivo, o próprio educando, após observar, tocar, analisar e discutir sobre

*A narrativa é baseada na experiência do projeto, mas o nome do personagem é fictício, para que se preserve a identidade das crianças. 10

determinada questão, chega aos conceitos por si próprio. Dessa forma, além de estimular o aprendizado, ele desenvolve o senso crítico e a autonomia perante suas escolhas alimentares”, explica a mestranda em Nutrição da UFLA Monique Louise Cassimiro Inácio. A proposta inovadora de se usar o método intuitivo na educação alimentar partiu do Departamento de Nutrição DNU/UFLA e foi realizada em parceria com a Prefeitura Municipal de Lavras. “Nesse método, são reunidas diferentes áreas de conhecimento, para que o aprendizado se


Sendo assim, João, estimulado a refletir sobre a beterraba, aprendeu não só a importância nutricional dela, como sobre biologia, ao saber como ela é cultivada; sobre meio ambiente e política, entendendo sobre a proteção climática e os fatores que interferem positivamente e negativamente neste processo; sobre geografia, conhecendo a origem do alimento; e sobre cultura, ao perceber que este alimento faz parte da mesa de diversos povos. Tudo isso, de forma interligada. O estudo faz parte das dissertações de mestrado das estudantes Monique e Fernanda Costa Pereira, e foi realizado durante seis meses com crianças e adolescentes de 5 a 16 anos, de duas instituições de apoio social em Lavras: o Ceacad e o projeto social da Associação Atlética do Banco do Brasil (AABB).

Foto: Arquivo Monique Inácio

torne interligado e uma informação vá se unindo a outra. Assim, o educando aprende de uma forma que não esquece mais, diferentemente do sistema convencional, no qual se aprende uma disciplina por vez”, explica o professor Michel Cardoso de Angelis Pereira, coordenador da pesquisa.

EXECUÇÃO DE OFICINA CULINÁRIA COM BASE NOS PRINCÍPIOS DO MÉTODO INTUITIVO

As crianças tiveram um aprendizado baseado na nova classificação composta pelo Guia Alimentar para a População Brasileira. Participaram de teatro, oficina culinária e receberam informações sobre a publicidade negativa de alimentos. As pesquisadoras levaram alimentos próximos à realidade delas, e alguns ainda desconhecidos.

Para a pesquisa, primeiro foi feito um levantamento sobre o hábito alimentar das crianças e de suas famílias, como relata Monique. “Fizemos a avaliação inicial das crianças para identificarmos o que elas conhecem sobre alimentação. Também falamos com os pais, a fim de compreender o comportamento alimentar dos filhos. Depois, entramos com as intervenções baseadas no Guia Alimentar 11


Foto: Karina Mascarenhas

para a População Brasileira”. Para avaliar os resultados das intervenções, as pesquisadoras realizaram, posteriormente, outra avaliação, com entrevista, e o resultado foi surpreendente. “A entrevista é um modo mais aberto para essas crianças falarem qualquer coisa, já que são muito espontâneas. Elas relataram e demonstraram ter aprendido bastante conteúdo”, diz Monique.

DA ESQUERDA PARA DIREITA MONIQUE LOUISE CASSIMIRO INÁCIO, PROF. MICHEL CARDOSO DE ANGELIS PEREIRA E FERNANDA COSTA PEREIRA

Até o momento, já foram realizadas as primeiras análises dos dados da pesquisa, comparando o método convencional, - baseado em aulas expositivas de forma tradicional (por meio do simples repasse de informações às crianças), - com o intuitivo, para saber se este último é eficiente no ensino da educação alimentar nutricional, como explica Fernanda. “Por meio das análises prévias, constatamos que o método intuitivo foi melhor entre os escolares (7 a 9 anos) e adolescentes (10 a 19 anos). Já para os pré-escolares (5 e 6 anos), tanto o método intuitivo quanto o expositivo apresentaram efetividade. Após o término das 12

análises, iremos divulgar os dados para a comunidade em geral”. As pesquisadoras avaliaram os dois métodos (expositivo e intuitivo juntos), por isso chegaram a esse resultado. O professor Michel complementa: “são muitas informações que elas colheram e isso vai ser muito importante não só para a área de atuação do nutricionista, mas também para os profissionais que trabalham com alimentação e nutrição, já que é um método novo na área de saúde”. Para o professor Michel, além da base científica proporcionada pela pesquisa, ela apresenta, acima

de tudo, um viés social. “Estamos fazendo um trabalho de aproximação para tentar diminuir a desigualdade social dessas crianças, já que muitas são de grande vulnerabilidade econômica, social e até de carência emotiva e afetiva. A presença das mestrandas na vida dessas crianças as incentiva a estudar e mostra que a universidade pública é para todos. ” O estudo teve início em janeiro de 2018 com 246 crianças e adolescentes e as intervenções foram realizadas semanalmente.


CIÊNCIA NA COMUNIDADE

Fotos: Arquivo Monique Inácio

ACIMA, PESQUISADORAS E EDUCANDOS PERTENCENTES AO PROJETO SOCIAL AABB COMUNIDADE. AO LADO, CRIANÇAS ASSISTEM A VÍDEOS PARA POSTERIOR DISCUSSÃO ACERCA DA INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE NO CONSUMO ALIMENTAR DA CRIANÇA. ABAIXO, OFICINA CULINÁRIA CONDUZIDA PELAS MESTRANDAS

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PAPO COM PESQUISADOR

NEM CIENTISTA MALUCO, NEM NERD ANTISSOCIAL

A ciência ainda é uma grande

desconhecida da população Por Pollyanna Dias

Q

uando você era pequeno e alguém lhe pedia para desenhar uma pessoa formada em engenharia, provavelmente desenharia um homem. Se o desafio fosse desenhar um cientista, possivelmente representaria um astronauta. Estereótipos ligados a gênero e profissões podem afetar a percepção da população sobre certos profissionais. Longe do mundo das universidades, é o universo do cinema, da TV e dos seriados que influencia a visão popular sobre quem são os cientistas e o que eles fazem. Quem nunca assistiu na telona máquinas do tempo, cientista inconsequente, construção de seres humanos, gases paralisantes, armas químicas e experimentos em ratos, muitos ratos em laboratório? - uma representação popular dos cientistas que pouco condiz com a realidade. É o que mostra análise de uma pesquisa do Departamento de Química (DQI) da UFLA.

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“Carregada de estereótipos, a figura do cientista é marcada pela ideia de que os pesquisadores são afastados da sociedade, estranhos e, eventualmente, perigosos”, informa o professor do DQI Paulo Ricardo da Silva, que relata à Ciência em Prosa, pela entrevista a seguir, o perfil do cientista traçado em 47 produções audiovisuais.


COMO A IMAGEM DO CIENTISTA É CONSTRUÍDA NA SOCIEDADE? As percepções sobre a figura do cientista nascem e são alimentadas por diversas formas de acesso ao conhecimento, desde o que é veiculado em filmes e novelas até o modo de atuação do professor na sala de aula. Ao longo da minha trajetória profissional no ensino médio como professor de Química, antes de trabalhar na UFLA, e dos estudos desenvolvidos na pós-graduação, investiguei quais percepções os estudantes em idade escolar têm a respeito da ciência e do cientista. A maioria da população também nutre visões estereotipadas, concepções alternativas que não retratam o trabalho científico. Historicamente, as áreas de Ciências Naturais são pouco procuradas pelos estudantes na universidade. Química, Matemática e Física são disciplinas temidas pelos estudantes. A forma como o ensino é desenvolvido reforça que realmente são áreas para poucos. O professor pode descontruir essa visão a partir do momento que humanizar a ciência, abordar a história da conquista científica, questionar o fazer científico. A ciência é muito romantizada na telinha. Por isso, analiso quais são as características dos cientistas veiculadas nas produções audiovisuais e como elas podem influenciar a visão da população sobre a ciência e o cientista.

QUAL É A PROPOSTA DA PESQUISA? No total, coletamos os 47 principais filmes e séries veiculados em uma década (de 2007 a 2017), como O incrível Hulk, Wall-E, Perdido em Marte e The Big Bang Theory. O Homem de Ferro, por exemplo, retrata o cientista dono de uma empresa. Em Rick and Morty, o cientista é um avô de cabelo arrepiado, em sátira à ciência. Breaking Bad foi traduzido na rede aberta de TV como “A Química do Mal”, cujo título já reforça estereótipo equivocado. 15


Foto: Pollyanna Dias

O CIENTISTA PAULO RICARDO DA SILVA (DQI) INVESTIGA A VISÃO CINEMATOGRÁFICA ESTEREOTIPADA DOS PESQUISADORES, DISTANTE DA REALIDADE

QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS ANALISADOS? Um deles é o estereótipo apresentado de cientista: se ele é velho ou novo, se tem problemas mentais, se é utópico, entre outros. Também analisamos se a ciência é pautada mais na experimentação, seguindo a visão empírico-indutivista, já superada há muito tempo, porém ainda bastante utilizada nos filmes. 16

Hoje, a ciência é embasada em hipóteses que guiam a ação do pesquisador ao realizar algum experimento. Será que a ciência é apenas feita dentro de laboratório? Ciência pode ser feita em campo, por exemplo. A cozinha é o laboratório cotidiano de cada um. A neutralidade da ciência é outro aspecto que observamos. A ciência não é desligada de aspectos sociais, econômicos, pessoais. A questão do método científico e a rigidez científica

são indagadas. Ciência não é receita de bolo. Nem sempre seguir um passo a passo permitirá se chegar ao conhecimento válido. Nada garante isso, por mais que sigamos um método à risca. A incerteza é da própria natureza da ciência. O cientista deve buscar entender por que essas coisas acontecem, tentar contornar problemas e buscar novos conhecimentos na tentativa de explicar os fenômenos que ele estuda.


PAPO COM PESQUISADOR

“CIÊNCIA NÃO É RECEITA DE BOLO. NEM SEMPRE SEGUIR UM PASSO A PASSO PERMITIRÁ SE CHEGAR AO CONHECIMENTO VÁLIDO. A INCERTEZA É DA PRÓPRIA NATUREZA DA CIÊNCIA.”

necessário para facilitar a missão. É a ideia de que a mulher ajuda o homem - nesse caso, o cientista - a cumprir o seu objetivo. A simples ida delas ao banheiro mostra que não podiam frequentar o mesmo espaço dos homens; precisavam caminhar uma longa distância até chegar ao local, enquanto para eles, o acesso era mais rápido. Hoje o debate sobre gênero e racismo é forte na ciência. E esse filme traz o tema com propriedade.

DE QUE FORMA AS PRODUÇÕES AUDIOVISUAIS RETRATAM O CIENTISTA?

FILMES ABORDAM HUMANIDADES?

A análise mostra isso: produções audiovisuais reforçam estereótipos. No geral, não informam a realidade do trabalho dos cientistas, suas dificuldades no dia a dia, e, por incrível que pareça, nem tratam o pesquisador como um humano comum, dono de uma vida pessoal e social. O que sobressai é a ideia do cientista como uma pessoa isolada dentro de um laboratório em busca de descobrir sempre mais. Alguns filmes tratam os cientistas como pessoas com problemas mentais. É a ideia do homem mais velho, sempre de jaleco, óculos, antissocial, nerd. Partem de uma visão muito romantizada de que a ciência sempre dá certo. Artigos científicos publicados no início dos anos 2000 e nos dez anos seguintes mostram que as percepções são as mesmas.

A maioria ainda é pensada para as Ciências Naturais. As pessoas pensam ciência apenas como experimentação, astronomia, biologia, o que é reforçado no audiovisual. Viagem no espaço mexe muito com a cabeça das pessoas e isso é pensado como ciência, em detrimento de uma pesquisa desenvolvida no campo da Filosofia, por exemplo.

O AUDIOVISUAL DÁ INCORPORAÇÃO DA MUNDO CIENTÍFICO?

INDÍCIOS MULHER

DE NO

Baseado em fatos reais, o filme Estrelas Além do Tempo retrata os momentos que antecederam a chegada do homem à lua. Nele, mulheres negras eram matemáticas da Nasa responsáveis por calcular à mão o que fosse

A

ÁREA

DAS

A CIÊNCIA É VISTA COMO ALGO BOM OU RUIM? As produções audiovisuais trabalham com polarizações entre a perspectiva salvacionista (com a finalidade de salvar a humanidade) e maléfica (ciência usada para causar danos). No entanto, a ciência em si não é boa ou ruim. Mas o uso do conhecimento científico pode ser para um fim bom ou ruim, como no caso da energia nuclear, usada tanto para a criação da bomba atômica quanto para a geração de energia elétrica. Voltamos à questão da neutralidade da ciência: cientistas também têm caráter. Não estão acima do bem e do mal. Eles também são seres humanos e podem ter valores totalmente diferentes do que se pensa e se acorda socialmente sobre a ética e a moral. 17


SS OO N NHO CIÊNCIA EXPLICA

SONHO MEU Por Samara Avelar

S

im, todos sonhamos. A afirmação já é consenso entre grande parte dos cientistas que estudam as atividades cerebrais durante o sono. Mas a experiência, apesar de fazer parte das rotinas noturnas, ainda permanece cercada de mistérios e é motivo de amplas discussões. Muitas já foram as explicações para o sonho, de acordo com a professora do Departamento de Ciências da Saúde da UFLA (DSA), a neurofisiologista clínica e neurologista Francesca Maria Mesquita. Ele já foi considerado mensagem de deuses, sinais de bons ou maus presságios, até que no início do século XX, a partir das teorias do psicanalista Sigmund Freud, começou a ser estudado como representação simbólica de desejos reprimidos pela mente. “Além de todos os mistérios relacionados aos significados, muito ainda permanece desconhecido quanto às estruturas cerebrais responsáveis pela geração dos sonhos”, ressalta a professora.

POR QUE ALGUMAS PESSOAS SE LEMBRAM DOS SONHOS E OUTRAS NÃO? Durante o sono, são identificadas duas fases distintas: o sono não REM, mais lento e profundo, e o sono REM (do inglês Rapid Eye Movement), durante o qual existe atividade cerebral mais rápida e episódios de movimentos oculares rápidos – é nesse estágio que se predominam os sonhos. Em um indivíduo saudável, o sono não REM e

o sono REM alternam-se ciclicamente, com 4 a 6 ciclos ao longo da noite. O momento em que a pessoa desperta parece estar relacionado ao fato de se lembrar ou não do sonho, uma vez que sua ocorrência predomina na fase REM.

SONHO 18

Além das regiões encefálicas relacionadas à geração do sono REM, o córtex pré-frontal (PFC), que está ligado ao controle de emoções e comportamentos, e as regiões


NHO CIÊNCIA EXPLICA

Foto: Samara Avelar

parietal e occipital, responsáveis pelas sensações e pelo processamento de informação visual, respectivamente, estão ligados à geração dos sonhos. “Lesões nessas áreas poderiam interferir na ocorrência dos sonhos. Mas, até então, todas as pessoas sonham”, explica a neurologista.

AS PESSOAS CEGAS SONHAM? Sim. Os relatos sobre os sonhos em indivíduos que nasceram cegos mostram que eles vivenciam, durante o sono, experiências sensoriais que fazem parte de sua vida, como os sons, o cheiro e o toque. Mas aqueles que perderam a visão ao longo da vida e que já possuem um conjunto de memórias visuais, podem, sim, percebê-las nos sonhos.

ALGUMAS PESSOAS FALAM OU ANDAM ENQUANTO ESTÃO SONHANDO. É COMUM?

A PROFESSORA FRANCESCA MARIA MESQUITA EXPLICA A DIFERENÇA ENTRE OS SONHOS E AS CHAMADAS PARASSONIAS

um histórico familiar. Entre eles, estão os pesadelos, o sonambulismo, o bruxismo, o terror noturno e o transtorno comportamental do sono REM. Na maioria dos casos, são situações ocasionais e não afetam a qualidade de vida das pessoas. Os pacientes com parassonia normalmente descrevem a ocorrência dos episódios em dias agitados. Alguns medicamentos e classes de antidepressivos também podem fazer com que os distúrbios fiquem mais frequentes, assim como certas doenças psiquiátricas ou condições específicas, como um estresse pós-trauma. “Há também casos em que a parassonia pode trazer certo risco, como no sonambulismo e no transtorno comportamental

do sono REM, em que a pessoa pode acabar se machucando porque se movimenta dormindo. Nas crianças, os pesadelos podem levar à angústia e ao medo de dormir. É preciso avaliar cada caso individualmente e se existem causas ou consequências físicas e psicológicas”, ressalta Francesca. A neurologista explica, ainda, que a expressão “sonhar acordado” é poética e não científica. “Os sonhos parecem recrutar memórias aleatórias e ocorrem necessariamente durante o sono. Se uma pessoa acordada tem uma percepção irreal ou fantasiosa, ela pode estar tendo, por exemplo, uma alucinação. Existe ali uma alteração do conteúdo de consciência daquele indivíduo”.

O MEU Na verdade, esses eventos são chamados de parassonias, que são comportamentos episódicos não desejáveis durante o sono, e não estão associados aos sonhos. São mais comuns na infância, de 3 a 6 anos, e até a adolescência, e geralmente estão associados a

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COTIDIANO

concurso

Ciência em Imagem

FOTOGRAFIA VENCEDORA RETRATA PESQUISA REALIZADA COM ABELHAS EM MARIA DA FÉ

Estudo busca identificar quais espécies vivem predominantemente em paisagens agrícolas circundadas por áreas ainda existentes de Mata Atlântica.

A

s abelhas despertam grande interesse público - elas produzem mel, cera, geleia real e própolis, que são comercializados para diferentes fins, desde a época dos faraós. Além disso, estudiosos estimam que esses insetos são responsáveis pela polinização de aproximadamente 73% das espécies de plantas cultivadas no mundo. Na UFLA, diversas pesquisas são desenvolvidas sobre esses insetos - uma delas, no Departamento de Entomologia (DEN) que visa identificar como é a distribuição de abelhas em paisagens agrícolas próximas à Mata Atlântica. O estudo teve início com o professor César Freire Carvalho (in memoriam), e segue sob a coordenação do docente Stephan Malfitano Carvalho (DEN), com a participação do doutorando Lucas Lopes da Silveira Peres, da doutora Ana Isabel Sobreiro e do graduando em Engenharia Florestal Gabriel Sterzeck Vitorri. De acordo com os pesquisadores,

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a intenção é conhecer a diversidade de abelhas em cada local, e entender quais fatores podem afetar as suas comunidades em sistemas florestais circundados por culturas, onde há uso convencional de produtos fitossanitários. Durante um ano, os pesquisadores coletaram abelhas em cinco áreas de preservação na Fazenda Experimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) da cidade de Maria da Fé. As armadilhas foram colocadas em pomares de macieira, oliveira, pêssego que geralmente já atraem as abelhas – e em duas áreas de Mata Atlântica próximas a essas culturas. Segundo Gabriel, “algumas abelhas ocorrem em determinadas épocas do ano; por isso, esse levantamento foi feito em 12 meses, para abranger todo o período”. O estudo, ainda em andamento, coletou 645 abelhas

Por Karina Mascarenhas

Em paisagens agrícolas, a presença de abelhas pode aumentar em até 30% a produção; então, conciliar a agricultura com a presença de insetos como as abelhas é importante. Professor Stephan Malfitano Carvalho (DEN)


CONCURSO “CIÊNCIA EM IMAGEM” Em 2018, a Diretoria de Comunicação (Dcom/UFLA), com o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) e da Editora UFLA, realizou o concurso “Ciência em Imagem”, em comemoração à Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Objetivo foi retratar a ciência através de uma perspectiva que busca colaborar para a promoção da popularização da pesquisa científica. As fotografias enviadas representam pesquisas que são realizadas pela Universidade. As imagens selecionadas foram divulgadas em duas exposições: uma na Praça Doutor Augusto Silva, no centro de Lavras, e a outra na capela ecumênica da UFLA. Os autores das três melhores fotos: - Gabriel Sterzeck Vittori (1º lugar), Lundoi Tobias Lee (2º lugar) e Luís Roberto Batista (3º lugar) - escreveram artigos sobre suas pesquisas, que serão publicados em um e-book, a ser editado em breve pela Editora UFLA, juntamente com outras fotos que fizeram parte das exposições.

Foto: Gabriel Sterzeck Vittori

pertencentes a oito gêneros e 15 espécies. A maior parte foi encontrada na área de floresta nativa, com um total de 210 indivíduos de 11 espécies. A cultura de maçã foi a que apresentou o menor número de insetos: 32 indivíduos de quatro espécies. Os resultados parciais mostram que algumas espécies aparecem com mais frequência em área de paisagens agrícolas do que em uma de floresta. “Já observamos que a Trigona spinipes, conhecida como “Arapuá”, é uma espécie que aparece em grande quantidade na área de monocultura,” diz o estudante. De acordo com o professor Stephan, as perturbações aos habitats naturais das abelhas podem gerar um desiquilíbrio no ecossistema. “Há casos em que o déficit do polinizador é mais facilmente identificado, como, por exemplo, naquelas situações nas quais existe a dependência da polinização, provocando perdas na qualidade e na quantidade dos cultivos, como ocorre com berinjela e morango”. O pesquisador explica que, em paisagens agrícolas, a presença de abelhas pode aumentar em até 30% a produção; por isso, conciliar a agricultura com a presença de insetos como as abelhas é importante: “é preciso conscientizar as pessoas sobre a produção sustentável, respeitando o meio ambiente e seu entorno, adotando estratégias de manejo regionalizado”.

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COTIDIANO

TESE DE DOUTORADO AVALIA O USO DE ÓLEOS ESSENCIAIS NO CULTIVO DE COGUMELOS Fotografia ilustrando a produção da espécie Pleurotus ostreatus, conhecida popularmente como Shimeji, foi a segunda colocada no concurso Ciência em Imagem

C

om a popularização da culinária oriental, o interesse, o consumo e a produção de cogumelos têm crescido no Brasil. Das mais de 10 mil espécies conhecidas, apenas 2 mil são consideradas comestíveis, sendo vinte cultivadas comercialmente, segundo a Associação Nacional dos Produtores de Cogumelos (ANPC). De acordo com a entidade, a fungicultura, que é a produção de cogumelos comestíveis, já está presente em diversas regiões do País, com destaque para os estados de São Paulo e Paraná. De sabor, aromas e texturas diferentes, os mais queridinhos dos brasileiros são o champignon-de-paris (Agaricus bisporus), responsáveis por 66% do total de cogumelos in natura produzidos no País, seguidos pelo cogumelo-ostra ou shimeji (Pleurotus ostreatus) e do shiitake (Lentinula edodes). Pela simplicidade de produção, indica-se que o produtor comece a produzir shimeji, que é um cogumelo versátil e rústico. “O shiitake e o champignon já são espécies exigentes em frio; por isso, eles devem ser cultivados em regiões de clima mais ameno e em épocas

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mais frias. A outra opção é investir em ambientes controlados, o que eleva o investimento inicial”, destaca o professor Eustáquio Souza Dias, do Departamento de Biologia (DBI) da UFLA.

Foto: Lundoi Tobias Lee

Por Karina Mascarenhas

COGUMELO CHAMPIGNON SADIO

PESQUISA Com a produção crescendo no Brasil, principalmente em pequenas e médias propriedades, a preocupação dos produtores é com relação às doenças que acometem a produção. “No Brasil, não há legislação para o uso de pesticidas no cultivo de cogumelos. Por isso, quando o produtor usa o pesticida, o faz de maneira clandestina”, comenta o professor. Para ajudar os produtores, os pesquisadores do setor de Microbiologia Agrícola da UFLA estão testando a utilização de óleos essenciais no controle de doenças que afetam

os cogumelos. “Sabemos que os óleos essenciais possuem propriedades antimicrobianas e medicinais, comprovadas há muito tempo. Há diversas pesquisas que os usam para controlar microrganismos, além de ser algo natural, que não agride o meio ambiente”, explica a doutoranda Lundoi Tobias Lee. Segundo a pesquisadora, são cerca de 15 óleos e cinco compostos testados no momento, em diferentes concentrações e dosagens, para combater os fungos que comprometem o champignon durante o cultivo. O cuidado do estudo é para que o óleo seja eficaz apenas contra a doença, não afetando o crescimento do cogumelo, que também é um fungo.


Foto: Lundoi Tobias Lee

BIOTECNOLOGIA DE MICRORGANISMOS APLICADA À AGROPECUÁRIA E AO MEIO AMBIENTE – A FOTO MOSTRA O CULTIVO DO COGUMELO SHIMEJI, UM DOS QUE SÃO PESQUISADOS NO SETOR DE MICROBIOLOGIA AGRÍCOLA DA UFLA.

O desafio dos pesquisadores também é de avaliar a eficácia e a viabilidade econômica do uso de óleos essenciais. Outro ponto é com relação aos aromas dos óleos essenciais, os quais poderiam afetar negativamente o sabor do cogumelo: “esperamos usar o óleo em concentrações diluídas, e como ele é volátil, pode ser que, com o tempo, evapore o suficiente para não afetar o sabor do cogumelo”. A próxima etapa do projeto será a pulverização dos óleos para testes no cultivo. 23


O FUNGO QUE CONTAMINA UVAS O microrganismo “Aspergillus Seção Nigri” faz parte da Coleção de Culturas do Departamento de Ciência dos Alimentos da UFLA – uma coleção que é referência internacional

V

ocê pode até não os enxergar, mas há muitos microrganismos presentes em nosso dia a dia. Alguns são benéficos e responsáveis pelo sabor e textura diferenciada em alimentos, como nos queijos finos azuis, por exemplo. Já outros causam graves contaminações e problemas de saúde pública por causa das micotoxinas, substâncias que produzem e causam efeitos tóxicos em animais e humanos.

O Departamento de Ciência dos Alimentos (DCA) da UFLA tem buscado identificar e preservar fungos presentes nos mais diferentes alimentos e produtos agrícolas. “Realizamos testes para observar se os fungos apresentam riscos ou não aos alimentos”, explica Luís Roberto Batista, professor e coordenador do Laboratório de Micotoxinas e Micologia de Alimentos do DCA. Uma das pesquisas, ainda em andamento, é sobre a biodiversidade de microrganismos responsáveis pelo terroir de vinhos de inverno produzidos no sul de Minas Gerais e norte de São Paulo. Segundo o pesquisador, entre os produtos susceptíveis à contaminação por fungos, o vinho se destaca. A contaminação, nesse caso, ocorre com fungos toxigênicos tanto na lavoura 24

quanto no início do processo de fermentação. De acordo com Luís Roberto, dentre os principias microrganismos responsáveis pela presença de micotoxinas em uvas, destaca-se o fungo Aspergillus niger, que provoca o aparecimento de um mofo preto em vegetais. Em altas concentrações, o Aspergillus niger pode produzir a aspergilose, doença que causa alterações pulmonares.

Por Karina Mascarenhas

Para a pesquisa, foram selecionadas uvas de diferentes regiões produtoras, como Três Pontas, Campos Gerais, Cordislândia e Espírito Santo do Pinhal (SP). “Nós avaliamos quais são os microrganismos presentes nessas uvas e que, durante o processo de fermentação, podem dar características únicas para esses vinhos, já que esses microrganismos são específicos de uma determinada região. Nesse caso, a ação deles é positiva”. A pesquisa, ainda em andamento, tenta também saber qual é o nível de toxina presente nos produtos, contribuindo para se pensar em formas de minimizar os riscos de contaminação. A OBRA “GÊNERO ASPERGILLUS SEÇÃO NIGRI”, DE AUTORIA DO PROFESSOR LUÍS ROBERTO BATISTA, FOI A TERCEIRA COLOCADA DO CONCURSO “CIÊNCIA EM IMAGEM”


COLEÇÃO DE CULTURAS DE MICRORGANISMOS Os estudos no Laboratório de Micotoxinas e Micologia de Alimentos começaram em 2007, com fungos de grãos de café, do solo e de cavernas. A procura por esses microrganismos fez com que eles começassem a ser preservados e, em 2010, foi criada oficialmente a Coleção de Culturas de Microrganismos do DCA. O interesse de outras instituições em utilizarem o material e enviar fungos para análises resultou, em 2015, no credenciamento da coleção como fiel depositária de amostras do Ministério do Meio Ambiente. Posteriormente, ainda em 2015, foi feito o credenciamento na Federação Mundial de Coleções de Cultura (World Dederation Culture Colection-WFCC), e em 2018, o Laboratório conseguiu o credenciamento também da Federação Latino-americana de Coleções de Cultura - Felacc.

*Cepas: em microbiologia, cepa se refere a um grupo de microrganismo com um ancestral comum, que compartilham semelhanças morfológicas e fisiológicas.

Foto: Luís Roberto Batista

COTIDIANO

Atualmente, o acervo da Coleção de Culturas de Microrganismos do DCA tem aproximadamente 1498 cepas, pertencentes aos gêneros Aspergillus, Cladosporium, Fusarium, Geotrichum, Penicillium e Talaromyces. As leveduras somam 136, pertencentes aos gêneros Hanseniaspora, Cryptococcus, Candida, Hyphopichia, Trichosporon, Kluyveromyces e Torulaspora. E o número de bactérias é 36, pertencentes aos gêneros Staphylococus, Curtobacterium, Gluconobacter,Pantoea,Arthrobacter, Microbacterium e Bacillus. Os microrganismos são preservados em temperatura ambiente, freezer de 7°C a 10°C, e também a – 80° C. Os fungos são utilizados tanto para pesquisa quanto para ensino nas aulas práticas da graduação e pós-graduação. 25


Nova instalação leva conforto

ao

gado

e

melhora

qualidade do leite Por Pollyanna Dias

M

inas Gerais é o maior estado produtor de leite do Brasil, com cerca de 25% de todo o leite nacional. Os sistemas para produção de leite empregados no País vão desde pastagens até confinamentos. Na tentativa de aumentar o rendimento e reduzir problemas sanitários, pecuaristas têm alterado a tecnologia de confinamento das vacas leiteiras e garantido melhores resultados. É o Compost Barn, uma nova instalação que leva bem-estar aos animais.

“Trata-se de um sistema de confinamento alternativo para criação de vacas leiteiras, no qual os animais ficam soltos e podem caminhar livremente dentro da instalação”, explica o professor Flávio Alves Damasceno, do 26

Departamento de Engenharia (DEG) da UFLA, que analisa as condições das instalações Compost Barn de 22 fazendas do sul de Minas Gerais. O rebanho fica em um galpão coberto, onde pode se movimentar em decorrência da ausência de baias. O chão é coberto por uma “cama” de serragem ou de outro material orgânico de fácil disponibilidade, que também absorve a urina e as fezes dos animais. Pelo menos duas vezes por dia, com o uso de um trator, essa cobertura é revolvida para facilitar a entrada de oxigênio e favorecer o processo de compostagem. A cama orgânica ajuda a evitar lesões de casco nos animais, o que não ocorre com o tradicional piso de concreto. Com o ambiente mais confortável, as vacas ruminam

melhor, descansam e produzem mais leite. Para conhecer o impacto desse sistema de confinamento na produção leiteira do estado, a pesquisa da UFLA produz um inventário detalhado do Compost Barn nas instalações das propriedades rurais no sul de Minas Gerais. Do total avaliado, 56% dos pecuaristas utilizam como material de cama o pó de serra. “Em resposta ao aumento do preço da serragem, muitos produtores substituíram por pó de serra (tipo de material muito fino), o que não é bom, pois favorece a compactação da cama e dificulta a compostagem”, ressalta. Outros optaram por forrar os galpões por casca de café.


Foto: Pollyanna Dias

PESQUISADOR DA UFLA MONITORA QUALIDADE DA CAMA

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Foto: Pollyanna Dias

A INSTALAÇÃO E O MANEJO CORRETO DA CAMA PROMOVE’M BEM-ESTAR E SAÚDE AO GADO

A cama é revirada por meio de um implemento agrícola (subsolador ou enxada rotativa) acoplada a um trator, enquanto as vacas são ordenhadas ou se alimentam. Para Flávio Damasceno, os pecuaristas ainda desconhecem as melhores formas de remover a cama. O segredo do Compost Barn está no manejo da cama. Manter a superfície sempre seca garante o processo correto de compostagem da cama, bem-estar e saúde para os animais. “O revolvimento da cama de duas a três vezes por dia permite a entrada de oxigênio necessário para os microrganismos degradarem a matéria orgânica presente no material”, explica. Evitar a entrada da radiação solar no interior do galpão é um dos requisitos dessa estrutura. No entanto, o estudo aponta que 56% dos galpões 28

não estão orientados no sentido Leste-Oeste, conforme determinação para regiões quentes. “Em alguns casos, a área da cama recebe muito sol. Em busca de conforto, os animais se aglomeram em uma única área sombreada, o que piora a qualidade da cama”, esclarece. A maioria dos produtores rurais também instala menos bebedouros do que o aconselhado. “Observamos que as vacas passam sede porque há poucos e inadequados bebedouros instalados. Produtores devem distribuir bebedouros em diferentes pontos, com o intuito de facilitar o acesso dos animais. A conta é: 0,8 a 1,2 metro de bebedouro para atender 15 vacas”, informa. Outro ponto que os produtores têm negligenciado é a

quantidade de animais por área. “É recomendado, no mínimo, dez metros quadrados por animal, com a finalidade de evitar aumento da compactação da cama e o excesso de dejetos, que leva ao aumento da umidade na cama”, disse Flávio Damasceno. O estudo também apontou problemas no sistema de ventilação empregado: 43% dos ventiladores são de alta rotação e provocam ruído acima do permitido para o ser humano. “Dependendo da intensidade e do tempo de exposição, os trabalhadores podem sofrer diminuição ou perda auditiva permanente”, conta. Para solucionar o problema do ruído, Flávio Damasceno orienta o uso de protetores auriculares e a escolha por modelos de ventiladores mais silenciosos.


MAIS LEITE Com a implantação das instalações Compost Barn, a melhora na produção de leite também chegou ao bolso do produtor do sul de Minas, segundo a pesquisa. A produção média por animal é de até 28,5kg de leite por dia, um crescimento de oito quilos diários. Em algumas fazendas, a produção chega a 37 kg de leite. “O sistema Compost Barn surgiu como uma alternativa para produtores que já desistiam da atividade leiteira. O número é satisfatório e pode melhorar com o emprego de sala de resfriamento para os animais”, afirma.

Foto: Pollyanna Dias

Na zona rural do município de Perdões, por exemplo, o pecuarista Héder José Pereira construiu um

PROFESSOR FLÁVIO DAMASCENO (DEG) INFORMA QUE A PRODUÇÃO POR ANIMAL CHEGA A AUMENTAR 8 KG DE LEITE POR DIA

galpão há dois anos para alojar 60 vacas holandesas criadas na propriedade. Antes ele mantinha os animais livres no pasto. No entanto, por meio da tecnologia, o produtor chegou a produzir cinco vezes mais litros de leite no período chuvoso. “Agora consigo manter o pico do leite o ano todo. Passei a produzir 1.500 litros de leite por dia, um total de 45 mil litros de leite ao mês”, comemorou. Outro benefício do sistema foi o controle de doenças que acarretam prejuízos significativos ao produtor, como mastite (inflamação da glândula mamária dos bovinos). A instalação também evitou doenças de casco. Ocasionada pelo desgaste do casco, esse tipo de enfermidade leva ao estresse do animal que, consequentemente, diminui a ingestão de alimento e produz menos leite. “O transtorno acontecia principalmente na chuva porque o gado deitava no barro, causando os problemas”, lembrou Héder. Ele conta que as adaptações só foram possíveis com a orientação dos pesquisadores da UFLA. “A gente não sabe direito o que fazer, por isso é sempre bom ter a universidade por perto, auxiliando na implantação e conhecimento de novas tecnologias”, disse. 29


“superalimentos” enriquecidos com iodo, zinco e selênio Por Karina Mascarenhas e Pollyanna Dias

pesquisas com a biofortificação de alimentos avançam e são uma contribuição para o combate à fome oculta 30


I

magine comer arroz e feijão com muito mais nutrientes. E se acrescentássemos no prato carnes e hortaliças também enriquecidas? Se fosse assim, em uma única refeição, a disponibilidade de nutrientes nos alimentos possibilitaria o consumo das quantidades diárias de iodo, zinco e selênio necessárias para a prevenção de doenças. É possível? Sim. Entramos na era da Agricultura Funcional, período que se baseia na produção mundial de alimentos funcionais, ou seja, aqueles que oferecem benefícios adicionais para a saúde, além das funções nutricionais básicas. Esses “superalimentos” trazem bônus ao organismo: ação antioxidante, melhora da pressão sanguínea, redução dos níveis de colesterol e doenças cardiovasculares e diminuição do risco de doenças crônicas degenerativas, como câncer e diabetes. Para se chegar a essa realidade, o trabalho dos cientistas começa em laboratórios, onde são identificadas as plantas com os melhores genes ou genótipos para absorção do máximo de nutrientes do solo – uma das

características da chamada biofortificação genética. “Entre as diversas plantas, descobrimos e selecionamos quais delas possuem maior teor de nutrientes e aquelas com capacidade de acumulá-los”, informa o professor Luiz Roberto Guimarães, do Departamento de Ciência do Solo (DCS) da UFLA. O pesquisador coordena, no Brasil, em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), uma rede internacional de pesquisas sobre a biofortificação de alimentos, conhecida como HarvestZinc. Juntos, cientistas de 13 países propõem soluções para aumentar a produtividade, ao mesmo tempo em que se eleva a qualidade nutricional das partes comestíveis das plantas. Diversas pesquisas em solo brasileiro têm testado a adição de elementos como iodo, selênio, ferro, zinco e enxofre às culturas. Na UFLA, há cerca de dez anos são feitos testes de enriquecimento de nutrientes em arroz, soja, feijão, milho, hortaliças, entre outros. 31


COMO É FEITA A BIOFORTIFICAÇÃO AGRONÔMICA? Na tentativa de reverter a falta de nutrientes encontrados nos solos agricultáveis no Brasil, pesquisadores apostam na biofortificação agronômica de alimentos técnica que visa a adicionar, por manejo de adubação, os nutrientes no solo ou diretamente nas folhas das plantas. A finalidade é que eles sejam absorvidos e acumulados nas culturas agrícolas, aumentando o teor desses nutrientes para a alimentação humana e animal. A alternativa busca investir na elaboração de fertilizantes enriquecidos, que estimulam o crescimento das plantas e oferecem maior teor de nutrientes para os alimentos.

Esse tipo de biofortificação consiste nas estratégias de adubação, seja na folha, seja no solo, que possibilitem a acumulação de nutrientes pelas plantas, independentemente se elas passaram ou não por seleção genética. “Se trabalharmos com as duas estratégias de forma conjunta, selecionando plantas que acumulam mais nutrientes, estaremos explorando ao máximo o potencial delas”, explica o pesquisador da Epamig, Fábio Aurélio Dias Martins. A aplicação pode ser realizada de três formas: apenas nas folhas das plantas, nos solos juntamente com outros fertilizantes ou na combinação de aplicações na folha e no solo em um mesmo plantio.

“A melhor estratégia, normalmente, parte da complementação das três técnicas juntas. Mas, primeiro, é preciso entender cada uma separadamente”, conta Luiz Roberto. O professor do DCS Guilherme Lopes alerta: “entendendo cada técnica de adição separadamente, será possível definir doses adequadas para serem aplicadas, com o intuito de colocar nas partes comestíveis das plantas (por exemplo, nos grãos de arroz e feijão) quantidades dos nutrientes suficientes para atender à demanda nutricional de cada pessoa. Se a deficiência de um nutriente nos alimentos é problema, atingir a toxidez também pode ser. Os níveis de aplicação devem ser exatos”, frisa.

Alimentos fortificados são os produtos que receberam um ou mais nutrientes essenciais durante o processamento, geralmente após recomendação do Ministério da Agricultura ou de forma voluntária pelas empresas. Por exemplo: sal com iodo; farinha de trigo com ferro e ácido fólico. Já alimentos biofortificados são aqueles que foram enriquecidos com os nutrientes desde o plantio e, por isso, esses nutrientes se tornam “biodisponíveis” nos alimentos colhidos ou seja, aquele nutriente é absorvido de uma melhor maneira pelo organismo. 32

Foto: Heider Alvarenga

FORTIFICAÇÃO X BIOFORTIFICAÇÃO


PARTE DOS EXPERIMENTOS SÃO CONDUZIDOS NO CENTRO DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO EM AGROPECUÁRIA DA UFLA (CDCT) - FAZENDA MUQUÉM

TESTES EM CAMPO Com a parceria da Epamig e do Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM), os testes são realizados em áreas agrícolas nas cidades de Lavras, Lambari, Uberaba e Patos de Minas. A diversidade das regiões permite análises em diferentes tipos de solo e clima, com zinco (Zn), selênio (Se), ferro (Fe), enxofre (S) e iodo (I). Mas, por que esses nutrientes? Os pesquisadores explicam que os produtores já adicionam zinco, composto responsável por causar mais vigor para a planta. Porém, hoje o composto é utilizado na agricultura em quantidades ainda insuficientes para repassar significativamente seus benefícios aos seres humanos. No organismo, o zinco exerce um papel essencial na estrutura e na função de enzimas vitais para a homeostase (condição que equilibra as composições químicas do organismo). A deficiência de zinco causa grave problema

de comprometimento físico e intelectual. Descoberto há cerca de 200 anos, o selênio é um micronutriente essencial para animais e humanos, devido às suas propriedades antioxidantes, e contribui para o bom funcionamento do sistema imunológico. A carência do mineral está relacionada ao aparecimento de certos tipos de cânceres e problemas cardiovasculares. A legislação já permite a adição de selênio em fertilizantes no Brasil, porém, seu uso está em fase de pesquisa. Já o ferro atua principalmente na síntese (fabricação) das células vermelhas do sangue e no transporte do oxigênio em todo o corpo. O enxofre, além de ser essencial para a planta, facilita o transporte de outros minerais dentro do organismo humano. Sua deficiência pode causar distúrbios no sistema nervoso. Com a tendência de diminuição no consumo de sal, especialistas apontam para a

queda do consumo de iodo: é um novo risco para o funcionamento normal da glândula tireoide e o desenvolvimento de doenças, como bócio endêmico. Os pesquisadores testam cada um desses compostos de forma separada ou em conjunto, conforme esclarece o engenheiro agrônomo da Epamig Fábio Martins. “Não é só aplicar na planta determinado nutriente. Precisamos saber qual a quantidade será absorvida e em até que ponto se coloca mais ou menos”, conta. Em estufas controladas ou em campos de experimentos, os cientistas investigam se o nutriente ou coquetel aplicado na planta é benéfico ou não. “Entre os tratamentos propostos pelo HarverstZinc, dois deles são de coquetéis: ao mesmo tempo, aplicam-se zinco, selênio, ferro e iodo. Sabe-se que isso já pode ser usado para trigo e arroz, então estamos experimentando com soja e feijão”, disse Fábio. 33


Foto: Pollyanna Dias

EXPERIMENTO AVALIA O ENRIQUECIMENTO DE SORGO COM SELÊNIO

PRODUTIVIDADE Os pesquisadores são unânimes: além de ser a forma mais barata e eficiente para combater a má nutrição da população e prevenir doenças, a Agricultura Funcional abre um novo nicho de mercado de valor agregado para os produtores brasileiros. Os mercados chineses e indianos já decretaram: a prioridade é importar alimentos enriquecidos para alimentar os seus mais de 2,7 bilhões de habitantes – 35% da população mundial. Juntos, os dois países 34

compram 50% da produção agrícola do Brasil. “Somos o maior exportador de soja de alto valor de proteína para a China, retirando mercado dos Estados Unidos. Os compradores vão pagar mais caro pela qualidade dos nutrientes. Se não formos rápidos, vamos perder essa onda e arruinar o nosso agronegócio”, aponta o professor Luiz Roberto. Nem é preciso vender para longe. “O mercado consumidor brasileiro é enorme e carente de alimentos biofortificados. Incentivos criados pela legislação poderiam, por exemplo, valorizar produtos

enriquecidos por meio de certificações do arroz de Minas Gerais, que caiu de 10% para 0,5% do total produzido no país”, exemplifica Fábio Aurélio Dias Martins. No Brasil, o maior caso de sucesso de políticas públicas envolvendo agricultura e saúde é de 1956, quando o médico e então presidente Juscelino Kubitschek decretou a obrigatoriedade de se adicionar iodo no sal para combater distúrbios da tireoide. A legislação brasileira de fertilizantes já recomenda a aplicação de zinco nos solos e, desde 2016, sugere a adição de selênio.


Foto: Pollyanna Dias

PROFESSORES GUILHERME LOPES E LUÍS ROBERTO GUIMARÃES (DA ESQUERDA PARA A DIREITA) AVALIAM EXPERIMENTO DE SORGO EM ESTUFA

FOME OCULTA A fome oculta é um dos graves problemas mundiais. O número de pessoas adultas desnutridas no mundo é de 500 milhões, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). No total, 44% dos países vivem, ao mesmo tempo, sérios níveis de subnutrição e sobrepeso, incluindo obesidade

– ambos são evidências de uma nutrição deficiente - é o fenômeno da fome oculta, relacionado à dupla carga de desnutrição. Os dois fatores estão ligados à carência de micronutrientes que, a longo prazo, favorece o desenvolvimento de uma série de doenças, como diabetes e câncer. “A biofortificação não quer prover um único alimento

capaz de fornecer todos os nutrientes necessários. O ideal é que as pessoas se alimentem com uma dieta equilibrada e com qualidade nutricional. Porém, a biofortificação pode contribuir para que o indivíduo faça a ingestão da quantidade diária necessária para cada nutriente, a partir de culturas como a de arroz e a de feijão”, explica. 35


OUTRAS PESQUISAS No Brasil, diversos estados possuem alimentos que já foram testados para a biofortificação: além do arroz, já foram avaliados milho, soja, sorgo, feijão, batata-doce, abóbora e mandioca.

UFLA NA ROTA DE SUCESSO: SAIBA O QUE AS PESQUISAS DA UNIVERSIDADE TROUXERAM DE RESULTADOS ATÉ O MOMENTO Arroz e Feijão – Foi possível aumentar em dez vezes o teor de selênio nessas culturas, um resultado favorável para que a dupla mais tradicional do Brasil supra 50% da necessidade do nutriente no dia. Trigo e alface - aumento de até 60 vezes no teor de selênio. Morangos – ganharam 20% mais selênio. Capim braquiária e capim-mombaça – dependendo da dose aplicada e do tipo do solo, resultou na presença de cinco a dez vezes mais selênio na planta para alimentação do gado, que será absorvido na carne e no leite destinados ao consumo humano.

“Conseguindo colocar arroz e feijão biofortificados na mesa do brasileiro, nós, servidores públicos, estaremos, mais uma vez, cumprindo nosso compromisso com a sociedade.” - Luiz Roberto Guimarães

BIOFORTIFICAÇÃO: UMA ALTERNATIVA NO COMBATE À MÁ NUTRIÇÃO •

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Os solos brasileiros agricultáveis são pobres em vários nutrientes essenciais para a saúde. Resultado: consumimos alimentos de alto índice calórico e baixo teor nutritivo. Micronutrientes são naturalmente encontrados em alimentos caros, como selênio nas castanhas, zinco nas carnes e iodo nos frutos do mar. Se esses micronutrientes forem agregados à cesta básica de alimentos, a população de baixa renda também poderá ingerir nutrientes essenciais para a saúde humana. A técnica pode ser complementada com a seleção de plantas que acumulam mais intensamente algum nutriente. Mas não basta haver melhoramento vegetal se os solos continuam pobres em nutrientes. Na forma de minerais, nutrientes consumidos via suplementos alimentares não são absorvidos totalmente pelo corpo. O organismo humano aproveita de forma mais segura e eficiente nutrientes presentes na forma proteica, como são os obtidos por meio da biofortificação das plantas.

“A UFLA testa técnicas de biofortificação em vários alimentos, pois no fim das contas, ao somar tudo o que cada um deles contém, numa cesta diversificada de alimentos, a refeição será de alta qualidade nutricional.” - Fábio Aurélio Dias Martins


Foto: Pollyanna Dias

AO LONGO DE 10 ANOS, DIVERSAS DISCUSSÕES E TESES FORAM FEITAS NA UFLA SOBRE A BIOFORTIFICAÇÃO AGRONÔMICA

SUPER ARROZ E FEIJÃO Figurando entre os maiores símbolos da alimentação brasileira, o arroz e o feijão mobilizam esforços dos pesquisadores da UFLA. Não é para menos: cada brasileiro ingere, em média, 52 quilos de arroz e 19 quilos de feijão por ano. Fonte de carboidratos, ferro, proteínas, sais minerais, e vitaminas, a dupla é um dos grandes aliados para conter a fome no mundo. Na Universidade, a professora Flávia Barbosa Silva Botelho coordena o Programa Melhor Arroz, em parceria com a Epamig e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Arroz e Feijão. A linha de pesquisa desenvolve arroz biofortificado com zinco e selênio há dois anos. “O DCS faz a biofortificação agronômica enquanto entramos com a biofortificação genética, que

estuda a variabilidade genética dos materiais para que o produtor possa aplicar zinco ou selênio. A intenção é que esses nutrientes possam ser absorvidos da melhor forma pela planta”, explica. No total, são avaliados mais de 40 genótipos do banco de elite de grãos de arroz - que são sementes já testadas - e estão no programa de melhoramento há mais de oito anos. “Primeiro testamos 20 linhagens elites e verificamos que algumas absorvem quantidade perfeita de zinco”, conta. Em seguida, elas foram plantadas na Fazenda Experimental da UFLA. Há um experimento de arroz biofortificado com zinco, outro com selênio e um blend com ambos. Eles serão avaliados em breve.

Tamanha importância do feijão também fez os pesquisadores do DCS testarem diferentes técnicas de aplicação de selênio no solo e na planta do feijão-carioca. Nos solos, os experimentos contaram com aplicação de doses cheias no período da adubação inicial de plantio, junto com o fertilizante a base de fósforo. E, quando a planta está grande, na adubação de cobertura junto com nitrogênio. O terceiro método adotado partiu da combinação das duas técnicas. “Quando a planta já apresenta um volume maior de raízes, pode ser que a biofortificação com aplicação no solo tenha mais sucesso”, explicou o professor do DCS Guilherme Lopes. Testes iniciais já mostraram aumento de, no mínimo, dez vezes no teor de selênio no feijão, o que depende da forma e da dose aplicada. 37


EM BUSCA DO EQUILÍBRIO ENTRE NUTRIENTES Grande parte dos solos cultiváveis no País conta com baixa disponibilidade de vários nutrientes, entre eles enxofre e selênio. Por suas características químicas, esses dois elementos reagem entre si, impactando na disponibilidade um do outro. Por isso, o sucesso no aumento do teor de selênio nos alimentos, por meio do manejo da adubação de culturas agrícolas, depende também da interação do nutriente com o enxofre.

Foto: Karina Mascarenhas

Há cinco anos, a professora do DCS Maria Lígia de Souza Silva investiga as interações entre selênio e enxofre no

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cultivo de feijão, arroz, canola, soja, morangos, rúcula e alface. “O ponto-chave do estudo é verificar a dose exata de selênio a ser aplicada em adubação conjunta com o enxofre, dependendo do tipo de solo e da cultura agrícola, com o objetivo de saber o quanto estão interferindo na disponibilidade um do outro. Ou a finalidade da biofortificação pode ser contrária ao que foi planejado”, esclarece. No solo, ocorrem dois tipos de interações entre elementos: quando um prejudica a absorção do outro, processo denominado inibição, ou quando favorece a presença do outro nutriente, o que é chamado de sinergismo. “É

mais comum o enxofre inibir a acumulação do selênio, micronutriente que, em doses elevadas, pode ser tóxico para a planta”, explica. Na planta e no corpo humano, o enxofre forma aminoácidos e proteínas essenciais, tanto que a ausência do nutriente chega a matar o vegetal. “O feijão, por exemplo, é rico em proteína. Sem enxofre no solo, o grão chega à mesa do consumidor com proteína de baixa qualidade”, ressalta a especialista. Já o selênio não é um nutriente naturalmente presente na planta, mas beneficia o seu desenvolvimento.


DEVEMOS APOSTAR NA BIOFORTICAÇÃO? Biofortificar alimentos pode desencorajar a população a adotar uma alimentação saudável e equilibrada? A biofortificação é mais uma ferramenta entre todas as iniciativas e ações que visam a alimentação saudável. O objetivo é prover maior número de cultivos alimentares, visando gerar uma cesta diversificada de alimento com alta qualidade nutricional.

Qual a relação entre biofortificação e os transgênicos? A transgenia é uma ferramenta biotecnológica usada para atingir vários objetivos. Nem todo cultivar biofortificado é obtido por transgenia e nem sempre ela será o método mais adequado para alcançar a meta do enriquecimento de nutrientes.

É um processo viável para o pequeno produtor? Sim. Culturas de cunho alimentar em geral são produzidas em grande parte pelos pequenos agricultores, diferentemente das commodities.

Os benefícios da biofortificação realmente chegarão à população de baixa renda? Podem chegar sim, a partir da implementação de políticas públicas que priorizem alimentos biofortificados, conforme a demanda da população. Com as pesquisas em desenvolvimento - que buscam aliar qualidade nutricional, produtividade e segurança alimentar - são possíveis resultados de baixo custo para produtores, tornando os alimentos acessíveis a toda a população.

A biofortificação pode tornar a agricultura brasileira dependente da tecnologia das empresas transnacionais? Embora alguns programas de pesquisas sejam financiados por grandes empresas, pesquisadores também realizam os testes com o uso de elementos alternativos, como sais genéricos de fácil aquisição (iodo, zinco e selênio).

Fonte: Fábio Aurélio Dias Martins, engenheiro agrônomo 39


CIÊNCIA NO TÚNEL DO TEMPO

Progresso, modernização e propaganda agrícola nas entrelinhas da revista O Agricultor Por Camila Caetano

REVISTA MENSAL “O AGRICULTOR”, EDITADA PELA UFLA DE 1922 AO INÍCIO DA DÉCADA DE 1980,COM ORIENTAÇÕES AO HOMEM DO CAMPO

“O nosso fim é uno, porque a causa da incúria do nosso povo pela agricultura, também é uma só - a ignorância. O nosso desideratum1 é, pois, disseminar, de um modo claro e preciso, os conhecimentos indispensáveis ao inteligente, aproveitando das extraordinárias riquezas com que a natureza prodigalizou o nosso torrão natal. O maior dos nossos males advém da ideia corrente, de que a rotina que tem garantido a manutenção dos nossos avós deve ser continuada. A uberdade do nosso solo, o viço das nossas matas virgens, a amenidade do nosso clima, tudo afirma, conclama alto e bom som, que devemos ser essencialmente agricultores. [...] hoje, nós os organizadores da presente revista, vimos suplicar aos nossos compatriotas que salvem a nossa pátria e garantam o seu futuro, pelo cultivo racional e científico dos nossos campos.” (O AGRICULTOR, 1922a, p. 3-4)

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CIÊNCIA NO TÚNEL DO TEMPO

De acordo com Eliane, para os idealizadores da revista, a agricultura carecia de conhecimentos e métodos, visto que os utilizados até então não eram suficientes para trazer o tão almejado progresso. “Nota-se que se pretendia causar um rompimento das técnicas que eram empregadas na agricultura brasileira, na qual o acompanhamento das tecnologias modernas era racional e quem não as dominava era ‘ignorante’. A tecnologia defendida pela revista era uma tecnologia industrial; a

ciência era, portanto, a das pesquisas voltadas ao desenvolvimento da indústria, materializada em produtos e sua aplicação era considerada racional e inteligente”. A linguagem utilizada nas publicações da revista O Agricultor, nas décadas de 1920 a 1940, segundo a pesquisadora, acabou por reforçar a relação de dependência externa do Brasil, uma vez que incentivava os produtores a adquirir máquinas, equipamentos e manufaturas do exterior, sobretudo da América do Norte. “Numa relação de troca com as importações de maquinários, havia a exportação de produtos primários, como a carne de porco, que era fortemente incentivada pela revista”, destaca Eliane. Segundo a pesquisa, a revista tinha forte influência norte-americana. “Observamos que a revista tratava de técnicas e conhecimentos oriundos da indústria, demonstrando

um direcionamento do que era chamado de ciência, que não compreendia um compromisso estrito com o conhecimento, mas um compromisso com o setor industrial e o mercado”, comenta Eliane. Eliane destaca ainda a quantidade de propagandas presentes, de diferentes empresas, caracterizando-a como uma revista de fim comercial, o que a distingue das revistas publicadas por órgãos de sociedades agrícolas e pelo Charge: Raul Pederneiras

O

trecho ao lado é referente à apresentação da revista O Agricultor, publicada no primeiro número, em junho de 1922 pela Escola Agrícola de Lavras (EAL). A pesquisadora Eliane Oliveira Moreira, mestre em Desenvolvimento Sustentável e Extensão pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), destaca que esse ideal de modernização e progresso de países ditos mais civilizados era recorrente na época, tendo os países da Europa e da América do Norte como exemplo e modelo a ser alcançado. Essa análise de Eliane vem da sua dissertação, publicada em 2018. A pesquisa procura desvendar a suposta essencialidade agrícola do Brasil, problematizando o que seria artificial e o que seria real a partir do discurso da revista, entre 1922 e 1943.

O DISCURSO DA REVISTA É ILUSTRADO COM AS CHARGES DE RAUL PEDERNEIRAS. ESSA FORMA DISCURSIVA DE ILUSTRAÇÃO E HUMOR É MAIS UM ELEMENTO PARA A FIXAÇÃO NA MEMÓRIA. 41


CIÊNCIA NO TÚNEL DO TEMPO setor público. De acordo com a pesquisa, na segunda fase da revista, há cerca de 30 anúncios em um único exemplar, como na revista de número 27, de novembro de 1926, que apresenta um total de 32 anúncios.

no ano de 1928. Mas, Gammon não apresentou grande participação na revista. De acordo com O Agricultor, Hunnicutt se torna a grande referência do sucesso que a EAL e ESAL teriam conquistado”.

PÚBLICO

Também havia homenagens às pessoas com importância política e social e que se alinhavam aos interesses agrícolas, como é o caso de Odilon Braga, que era Ministro da Agricultura e contribuiu com a EAL. “No texto, são atribuídas ao homenageado ‘qualidades’, como: ilustre, tradicional família mineira, inteligência cintilante e arguta e expoente máximo da agricultura”.

Durante o estudo, a pesquisadora constatou que as publicações da revista tinham como público-alvo grandes fazendeiros, em que o título “O Agricultor” correspondia aos donos de terras e de grandes vultos de capital do setor agrícola. Além disso, como hipótese, foi levantado que os textos tinham como base “um pensamento positivista, com ideias do liberalismo econômico e com a presença de uma representação de um homem afetuoso e com moral elevada, silenciando sobre outras camadas da sociedade.” Sendo assim a revista reforçaria as estruturas agrárias vigentes.

TEMAS ABORDADOS Os temas mais tratados na revista eram: fertilidade e uso do solo, educação agrícola, pragas das plantas, mecanização, mão de obra rural, produção de leite e derivados, produção animal (suínos, bovinos e aves, em sua maioria), melhoramento de raças, fruticultura, economia doméstica, construções rurais, higiene, administração, contabilidade, produção e exportação agrícola, e exposições agropecuárias.

HOMENAGENS A primeira homenagem da revista foi para Benjamin H. Hunnicutt. “Talvez a figura mais notável e influente na revista. A influência de Hunnicutt vai se tornar tão significativa ao longo dos anos que a sua imagem sobrepõe, até mesmo, à de Samuel Gammon, apesar de esse último ter uma homenagem enquanto estava vivo e uma outra em seu falecimento, 42

GÊNERO FEMININO Eliane destaca que o período em que foi publicada a revista O Agricultor foi marcado por grandes tensões de gênero. “Até a primeira metade do século XX, representou grande repressão ao gênero feminino, que, no começo do século, não tinha nem mesmo o direito ao voto. Essa repressão é fortemente sustentada pela revista O Agricultor, que só homenageava homens”. Segundo a pesquisadora, o pensamento de sociedade patriarcal está presente na revista em todos os seus anos de publicação. “A revista não publicava textos que representassem mudanças e conquistas da classe minoritária e movimentos de resistência à velha estrutura patriarcal e agrícola. Dentro desse lugar para o patriarcado, o espaço destinado para a mulher existiu, porém, altamente restrito a um reforço da idealização da mulher e seu papel dentro família tradicional”. As edições analisadas por Eliane tiveram um total de cinco mulheres que realizaram publicação. Os textos publicados por essas mulheres, restringiram-se à poesia, economia doméstica e conto infantil. “O primeiro


CIÊNCIA NO TÚNEL DO TEMPO texto publicado por uma mulher foi em 1925, na revista de número 16, por Bella Kolb. Intitulado Como se deve pôr e servir à mesa, fez parte da coluna O Companheiro do lar”.

HISTÓRICO A revista, que iniciou em 1922, permaneceu até 1943. O último número foi o 136, quando a EAL já havia se transformado em ESAL (Escola Superior de Agricultura de Lavras). “Durante os seus 21 anos de existência, a revista passou por várias fases. Com a transformação da EAL em escola superior, a revista reduziu seu ritmo de atividade, deixando de ser publicada nos anos de 1939 e 1941. Nos anos de 1940, 1942 e 1943 foi lançada apenas uma revista por ano”. A revista O Agricultor era composta por diferentes membros da EAL entre estudantes e

professores. Nas revistas analisadas, foram listados 49 nomes. “Apesar dos diferentes nomes que compunham a organização da revista, três nomes se destacam: Oswaldo Tertuliano Emrich, que participou de nove composições de diretoria, Walter Wolf Saur e Benjamin Harris Hunnicutt, que participaram de oito composições de diretoria da revista”. O Agricultor, em 1922, expedia 500 cópias, ampliando para 3 mil em 1923, atingindo, em 1925, cerca de 10 estados brasileiros, publicando consultas do Maranhão ao Rio Grande do Sul. “Podemos considerar que a sua repercussão foi considerável para a época. Apesar de não representar um número expressivo do total de brasileiros, dentro de um grupo minoritário, os alfabetizados, a revista pôde representar determinado volume em sua repercussão, que a torna considerável para esse pequeno grupo”, conclui Eliane.

A REPRESENTAÇÃO DE UMA ÉPOCA “A compreensão do contexto de criação da revista exige uma aproximação com seu ponto de origem, a EAL. A escola tem sua história contada como materialidade das aspirações de Samuel Gammon. Este missionário presbiteriano do sul dos EUA, que desde o final do século XIX mantinha na cidade de Lavras o Instituto Evangélico, seria responsável pela criação da EAL em 1908, com o apoio da Igreja Presbiteriana do Sul dos EUA (em inglês, Presbyterian Church in the United States - PCUS). Nessa empreitada contou com o auxílio de Benjamin Hunnicut, também missionário, formado em Ciências Agronômicas na Universidade do Mississipi, que iria se tornar o primeiro diretor da recém fundada EAL. Com grande influência norte-americana e com o apoio do poder público, o ensino agrícola em Lavras foi se consolidando. Adotando um modelo de ciência e prática, na década de 1920, se instalam prédios na Fazenda Modelo da escola, onde começa uma nova fase. Sendo assim, a revista O Agricultor foi analisada como um documento/monumento, em que foi considerada a trama que constituiu sua produção, buscando em sua desconstrução, ou separação de suas peças, encontrar o sentido nele produzido e disseminado, buscando montar um quebra cabeça capaz de representar aspectos de sua época contidos na revista. É importante destacar que a revista não se configura em um elemento isolado, ela está contida em um conjunto, em intersecção, que representam suas inter-relações com seu mundo, promovendo assim uma produção de sentidos. Desse modo, ela se torna um elemento que uma vez fragmentado pode revelar peças importantes do quebra cabeça.” Fragmento extraído da dissertação de mestrado “Essencialmente Agrícola? - Progresso, Modernização e Propaganda Agrícola nas Entrelinhas da Revista O Agricultor (1922-1943)”, de Eliane Oliveira Moreira. 43


Teste do whey protein suplementos com pouca proteína e que engordam Departamento de Química revela que os valores de proteínas e carboidratos do suplemento são diferentes dos anunciados na embalagem e estão fora da legislação Por Pollyanna Dias

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romessa da indústria para quem deseja alcançar um corpo escultural e saudável, o suplemento alimentar whey protein deixou de ser alimento exclusivo dos “marombeiros” e se tornou uma verdadeira febre entre os frequentadores das academias brasileiras. A substância, vendida em pó, é extraída do soro do leite e rica em proteínas – a matéria-prima da musculatura. Entre aqueles que “puxam ferro”, é comum encontrar garrafinha cheia de suplemento para ser tomado antes e depois do treino. Se consumido de maneira adequada, o produto pode ser um aliado da saúde e contribuir para o aumento da massa muscular quando associado à musculação. O problema é: será que os produtos encontrados no mercado são confiáveis? Pesquisa do Departamento de Química (DQI) da UFLA testou seis marcas populares encontradas à venda - três delas nacionais e outras três importadas - de whey protein isolado, que é a versão mais pura. O

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resultado foi preocupante: consumidores compram concentrados proteicos adulterados e podem até engordar – em vez de ganhar massa muscular. Em laboratório do DQI, a professora de Bioquímica Luciana Lopes Silva Pereira e a nutricionista Evelyn Cristina Ramos de Aguiar realizaram análises bioquímicas do suplemento nos quesitos proteínas, lipídeos, carboidratos, fibras e minerais. A legislação permite uma variação de 20% para mais ou para menos nos números. “O que já é muito tolerante”, declara Luciana Lopes Silva Pereira. Mesmo assim, todas as marcas ficaram fora dos parâmetros legais, ainda que certificadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para ser considerado whey protein isolado, o produto deve ter 90% de proteína na sua composição. No entanto, todas as marcas foram reprovadas: apresentaram de 41% a 68%. “Dentre elas, o melhor preparado foi de uma


Os números são ainda piores quando analisadas as concentrações encontradas de carboidratos, na faixa entre 28% e 53%. Porcentagens superiores ao permitido pela legislação, que é de aproximadamente 8%. “A quantidade de carboidratos de todas as marcas estava bem diferente do que apresentavam no rótulo. É muito maior do que o recomendável, o que atrapalha o rendimento corporal dos consumidores. Ao contrário do que muita gente pensa, o suplemento pode levar ao aumento de peso”, argumenta Luciana Lopes Silva Pereira. Apesar de a legislação da Anvisa exigir, a pesquisa não encontrou quantidades de fibras e lipídeos nas seis marcas analisadas do suplemento. SE NÃO CONSUMIDO CORRETAMENTE, WHEY PODE ENGORDAR A explicação é simples: se você come muitos carboidratos, que são rapidamente absorvidos pelo corpo, o nível de açúcar no sangue vai subir logo em seguida. Em resposta, o pâncreas libera altas quantidades de insulina para normalizar a quantidade de açúcar no sangue. E a insulina armazena o açúcar em excesso em forma de gordura. Resultado? Engorda. “Informações adulteradas da embalagem levam nutricionistas ao erro na hora de prescrever a quantidade de consumo do suplemento. A fiscalização dos órgãos competentes deve ser incisiva e fazer valer a legislação”, ressalta Evelyn Cristina Ramos. Mas sem o acompanhamento adequado de um profissional, a possibilidade de “o tiro sair pela culatra” é ainda mais certa. “Ingestão exagerada de proteína também pode formar gordura. O nutricionista poderá calcular o valor exato de proteína para cada pessoa consumir e definir o tipo de alimentação necessária, com ou sem suplementação”, alerta a professora do DQI.

Foto: Pollyanna Dias

indústria brasileira, o que contradiz a crença de que produtos importados têm qualidade superior ao nacional”, alertou Evelyn Cristina Ramos.

LUCIANA LOPES E EVELYN AGUIAR IDENTIFICARAM IRREGULARIDADES EM TODAS AS MARCAS ANALISADAS

CONSERVANTES “Em tese, whey protein é a proteína mais completa que existe e de melhor valor biológico”, destaca o professor do Departamento de Nutrição (DNU) da UFLA, especialista em nutrição esportiva e dietética, Wilson César de Abreu. Ele esclarece que outros alimentos podem suprir a necessidade diária de proteína do organismo: como clara de ovo e carnes. “Suplementos são produtos processados com aditivos químicos, como conservantes e aromatizantes, que podem ser prejudiciais à saúde. Consumidos a longo prazo, estão associados, por exemplo, ao surgimento de câncer”, ressalta. O professor do DNU explica que, além de análises de teor total de proteínas contidas no suplemento, é fundamental avaliar a qualidade da proteína. “O problema pode ser ainda maior. Será que a proteína dentro das embalagens é, de fato, whey?”, questiona. Problemas similares já foram denunciados por órgãos competentes. Tanto é que testes do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) já reprovaram várias marcas de whey protein e a Anvisa proibiu a venda de alguns suplementos no País. 45


MAIS SABOR Para uma das paixões dos brasileiros:

o CAFÉ UFLA É REFERÊNCIA INTERNACIONAL EM ESTUDOS DE FERMENTAÇÃO DE CAFÉ Por Karina Mascarenhas 46


Foto: Alberto Moura

O

processo de fermentação é comum em bebidas, principalmente nas que possuem teor alcoólico. O uso de microrganismos pode adicionar atributos aos produtos, como qualidade e sabor. Acompanhando a tendência de se agregar mais saúde ao que consumimos, cresce o interesse por bebidas fermentadas como o Kefir e a Kombucha, com probióticos que trazem mais equilíbrio ao organismo. E a fermentação foi, inclusive, parar na bebida mais consumida no mundo: o café.

microrganismos na fermentação do café têm sido realizadas há mais de 20 anos pelo Núcleo de Estudos em Fermentações (Nefer), do setor de Microbiologia Agrícola do Departamento de Biologia (DBI), sob a coordenação da professora Rosane Freitas Schwan. “Nós estudamos os microrganismos do café para saber qual é sua influência na qualidade da bebida final e, depois de muito pesquisar, conseguimos chegar a leveduras selecionadas que conseguem impulsionar mais sabor ao café. ”

Na UFLA, diversas pesquisas sobre a relevância de

Conforme a pesquisadora, diversos fatores interferem na

qualidade do café, como variedade, fatores ambientais (o clima onde é cultivado, por exemplo), pós-colheita, modo de processamento de grãos, tipos de fermentação e torrefação. Rosane explica que o processo de fermentação do café começa na seleção dos microrganismos presentes nos grãos; que podem ser utilizadas como culturas iniciadoras, após esse processo é feita a multiplicação microbiana, com um grande número de células dos microrganismos que serão adicionados ao café. Após a preparação dessa levedura, os pesquisadores voltam à fazenda e misturam a levedura 47


em um tanque de fermentação, deixando-a ali por algumas horas. Dependendo da variedade do café e da região, o tempo varia entre 24, 48 e até 56 horas antes de o café ir para os terreiros de secagem.

já existem no café e são usados em quantidade maior do que normalmente são encontrados nos grãos; por isso, podem intensificar sabores e aromas já existentes, ou até mesmo acrescentar novos aos que não têm.

Os testes dos cafés fermentados com leveduras são feitos pela análise sensorial, por juízes credenciados da Specialty Coffee Association (SCA), que atribuem notas por atributos da bebida final, como sabor, aroma, corpo, sabor residual etc. “O que observamos é que, com a adição da levedura, conseguimos aumentar a qualidade do café em torno de 4 a 5 pontos na escala de pontuação dada pelos avaliadores. Isso nos motivou a procurar mais leveduras, mais microrganismos que possam melhorar ainda mais a qualidade de café.” De acordo com a pesquisadora, esses microrganismos selecionados, chamados de cultura iniciadora,

Para os próximos anos, a expectativa de uma das linhas de pesquisa é realizar a multiplicação das leveduras em grande quantidade para levá-las aos produtores de café que desejam fazer o uso da fermentação nos grãos. “A partir do isolamento da levedura, nos próximos dois anos, ou seja, nas próximas safras, nós levaremos essas leveduras para os produtores, aumentando a escala, desenvolvendo biorreatores, para que tenhamos uma condição mais controlada da fermentação do café. ” Outra linha do estudo é verificar a influência da altitude na fermentação; por isso, testes estão sendo feitos em cafés plantados em altitudes

variadas. “Estamos fazendo trabalhos com cafés a 1.500 m, 1.300 m, 1.000 m, 800 m e 600 m, para verificar quais microrganismos podem auxiliar no processo e fazer com que a qualidade seja melhorada principalmente em locais de baixa altitude”, explica Rosane. As pesquisas com fermentação de grãos de café na UFLA já geraram diversas dissertações, teses e até um livro publicado pela editora CRC Press, intitulado Cocoa and Coffee Fermentation. “Somos o primeiro país em produção mundial de café, mas não o melhor em qualidade. Nosso objetivo é ter processos de fermentação padronizados que possam ficar ano após ano repetindo a mesma qualidade. Com isso, ganha o produtor, porque vai vender café com a qualidade assertiva, e também o consumidor, que vai poder escolher a qualidade do café que ele deseja.”

O QUE É FERMENTAÇÃO? Fermentação é um processo realizado por microrganismos para a liberação de energia que ocorre sem a participação do oxigênio (processo anaeróbio), sendo a glicose uma das substâncias mais empregadas pelos microrganismos como ponto de partida para a fermentação.

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Foto: Karina Mascarenhas

Foto: Karina Mascarenhas

TODO CAFÉ PASSA POR UM PROCESSO DE FERMENTAÇÃO; PORÉM, O EMPREGO DA TÉCNICA ESPECÍFICA PERMITE APROFUNDAR ESSE PROCESSO. SELECIONANDO LEVEDURAS POSITIVAS PARA OS GRÃOS, CHEGA-SE À MELHORIA DA QUALIDADE SENSORIAL DO PRODUTO FINAL, À REDUÇÃO NO TEMPO DE SECAGEM DO CAFÉ E ATÉ MESMO À REDUÇÃO DO CRESCIMENTO DE MICRORGANISMOS INDESEJÁVEIS.

PROFESSORA ROSANE SCHWAN E ESTUDANTES INTEGRANTES DO NEFER

MICRORGANISMOS PROVENIENTES DA FERMENTAÇÃO NATURAL DO CAFÉ PODEM SER USADAS COMO CULTURAS INICIADORAS 49


EM BUSCA DE VERDADES

F rhormônios, a n não g o Melhoramento genético, sim Por Pollyanna Dias

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ada brasileiro consome 42 quilos de frango ao ano (8 quilos a mais do que o consumo de carne bovina). O País produz 13 bilhões de toneladas de carne de frango anualmente, segundo relatório do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Mesmo largamente consumido, ainda paira a dúvida se o frango que chega à mesa da população tem hormônio. Um dos maiores mitos presentes entre os consumidores nasceu quando os indivíduos começaram a relacionar o rápido crescimento dos frangos com o suposto uso de hormônio de crescimento na alimentação animal. A polêmica é: como saber se,

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realmente, um pintinho que, na década de 1970, atingia 1,8 quilo em 60 dias e hoje chega a três quilos em 42 dias não recebe hormônios? E mais: como turbinaram a carne de frango alimentando menos a ave, com uma economia de 750 gramas de ração? Tanto é que, nos últimos 40 anos, as granjas reduziram os gastos de 2,4 para 1,65 quilo de ração para cada quilo de peso corporal do frango. Professores dos departamentos de Zootecnia (DZO) e da Nutrição (DNU) comentam as principais polêmicas em torno do frango.

GRANJAS USAM HORMÔNIOS EM FRANGOS? Segundo o professor do DZO, Antônio Gilberto Bertechini, nenhum hormônio é aplicado em frangos de corte. Eles também não consomem ração com hormônio. Essa ideia ganhou força em decorrência do crescimento rápido do frango de corte moderno. A mudança, segundo criadores, e essa é uma visão unânime entre especialistas da Zootecnia e da Medicina Veterinária, se deve ao melhoramento genético – que potencializa o desenvolvimento da ave. Frangos com peito desenvolvido, por exemplo, são selecionados e


Foto: Luiz Felipe Souza

usados na reprodução, com o objetivo de a geração seguinte ter o peito mais carnudo. Manejo, nutrição e ambiência na criação das aves também auxiliam no engorde e crescimento das aves. O frango de corte é resultado de muita pesquisa nas áreas citadas para se alcançar uma ave com alto rendimento de carne e de qualidade nutricional para o consumo humano. Estudos na área de engorde e crescimento do frango de corte vêm sendo desenvolvidos há mais de 50 anos, por meio de muita pesquisa científica. A evolução nos meios de produção e melhoramento genético não seria risco à saúde humana. A hipótese do uso de hormônios

também não é economicamente viável. A grande quantidade de abate diário de aves tornaria impraticável fazer aplicações individuais. O frango de corte é abatido com 42 a 47 dias de idade, dependendo do mercado, e, às vezes, como galetos de 28 dias de idade. Todas essas aves são de alta qualidade nutricional para o consumo humano. A legislação brasileira veta o uso de hormônio desde 2004. O Ministério da Agricultura faz inspeções regulares na produção nacional, que também é sujeita a frequentes inspeções internacionais, já que o Brasil é o maior exportador mundial da ave.

FRANGO CAIPIRIA É O MAIS SAUDÁVEL? De acordo com a nutricionista na área de tecnologia de alimentos e professora Sabrina Carvalho Bastos (DNU), não há diferença com relação ao teor nutricional. O frango de corte é abatido entre 38 e 49 dias de vida. Já o frango caipira cresce mais lentamente e é abatido entre 80 e 140 dias. O frango caipira cresce devagar porque não é submetido a todo o trabalho realizado no frango de corte moderno. Nas criações extensivas, essas aves são criadas soltas e têm que buscar seu alimento na natureza. Como recebem nutrientes de forma 51


O TIPO DE RAÇÃO E FORMA DE CRIAÇÃO MODIFICA A QUALIDADE DO FRANGO? O pesquisador do DZO informa que tanto o frango de corte moderno quanto o frango caipira possuem alta qualidade nutricional. No entanto, o hábito de consumo e o comportamento da criação das aves modificam a textura e a cor das carnes. Enquanto nos frangos de corte industrial as aves apresentam alto rendimento de peito, as aves caipiras possuem um equilíbrio corporal entre as partes da carcaça. O frango de corte tem textura da carne de peito mais macia. Já o caipira é mais firme devido à composição das fibras que compõem o músculo dessas aves. As carnes são mais escuras no caipira e mais claras no industrial. 52

Foto: Luiz Felipe Souza

mais lenta, o crescimento do animal também se torna mais lento, se comparado ao frango de granja. Por se movimentar mais, possuem carnes com maiores teores de mioglobina (proteína) e mais firmes do que as dos frangos de corte. Nessas aves há o predomínio de células oxidativas no peito, o que muda a textura da carne. Já nos frangos de corte, a prevalência do tipo de fibras glicolíticas caracteriza um tecido mais claro e com textura mais macia - é o que afirma Beterchini.

PROFESSOR BERTECHINI (DZO) GARANTE QUE CRESCIMENTO E ENGORDA DO FRANGO RESULTA DE PESQUISAS COM GENÉTICA, NUTRIÇÃO E AMBIÊNCIA

HÁ DIFERENÇA DE SABOR ENTRE FRANGO CAIPIRA E DE GRANJA? A nutricionista Sabrina Carvalho Bastos, esclarece que a diferença do sabor é causada, principalmente, pelo perfil dos ácidos graxos presentes na carne. Galinhas caipiras não têm uma dieta balanceada, o que provoca alterações na composição da gordura depositada na carcaça do animal. A gordura influencia no sabor, na maciez, cor e suculência da carne. Por isso, na carne da galinha caipira sobressai o gosto de gordura, caldo mais grosso e amarelo. As galinhas caipiras são abatidas mais velhas. Isso explica porque, com maior deposição de colágeno, a galinha caipira pode apresentar carne mais dura e escura se comparada à do frango de granja. MELHORAMENTO GENÉTICO

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ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS

Melhoramento genético é fruto de seleções e cruzamentos que privilegiam determinadas características nos animais e permitem melhorar seu desempenho. Selecionar os animais com determinadas características para cruzamento é diferente de se fazer a modificação de material genético para atender alguma característica desejável no produto. Frangos não são geneticamente modificados. Eles apenas passam por melhoramento genético.


Foto: Luiz Felipe Souza

EM BUSCA DE VERDADES

CONHEÇA AS DIFERENÇAS DOS FRANGOS CRIADOS NO BRASIL INDUSTRIALIZADO

ORGÂNICO

CAIPIRA

O peito é mais desenvolvido. Pouco gorduroso, de carne macia, branca e de sabor suave.

Como é criado? Confinado em galpões, com 12 a 14 aves por metro quadrado.

De carne branca e sabor mais acentuado, se comparado ao frango de granja. Também é um pouco menor, em tamanho e peso. O frango orgânico, segundo os especialistas, não difere do comum no quesito qualidade da carne.

Como anda livremente, desenvolve mais fibras musculares, que deixam a carne avermelhada e firme. São de todas as cores e tamanhos. Não há melhoramento genético nesse tipo de ave.

De que se alimenta? Ração de milho, farelo de soja, fosfato bicálcico, sal, suplementos de vitaminas e minerais e óleo vegetal.

Como é criado? Com acesso a piquetes (área de pastejo e grama para consumo das aves). Nesse sistema, as aves são recolhidas durante a noite, quando recebem ração em coxos internos das instalações.

Como é criado? Livre em grandes áreas e com acesso a pastagens.

De que se alimenta? De tudo: insetos, gramas, minhocas, ração, grãos e cereais.

De que se alimenta? De ração normal à base de milho e farelo de soja, assim como o frango industrializado. Porém, sua suplementação inclui gramas ou hortaliças, como couve e almeirão.

Quando é abatido? Entre 90 a 100 dias de idade, com 2,2 kg.

Quando é abatido? Entre 70 e 80 dias e 2,5kg.

Quando é abatido? Para mercados de filé de peito, as aves são abatidas mais tardiamente, de 45 a 47 dias. Para venda de carcaças inteiras, o abate é com 42 dias e para o mercado de galetos é de 28 dias de idade.

Fonte: Antônio Gilberto Bertechini (DZO) 53


Produção UFLA: Alguns livros lançados pela Comunidade Universitária da UFLA em 2018 CAPÍTULO: A DEMOCRACIA NO PENSAMENTO POLÍTICO E SOCIAL BRASILEIRO DO SÉCULO XX: TRADIÇÕES E INTELECTUAIS DO PAÍS (P. 91-107) Marcelo Sevaybricker Moreira (Departamento de Ciências Humanas – DCH) Integra o livro Introdução à teoria democrática: conceitos, histórias, instituições e questões transversais. A obra tem 372 páginas e reúne um conjunto de escritos sobre teoria democrática e instituições da democracia, especialmente no que se refere à experiência brasileira, e visa a propiciar aos estudantes, pesquisadores, cidadãos interessados por política uma introdução ao estudo dessa temática. Nele, o leitor encontrará textos de referência sobre origens, histórias, conceitos, instituições e tendências contemporâneas nos debates sobre a democracia. Sua leitura possibilita a compreensão de questões fundamentais tanto para a análise do tema quanto para o exercício pleno da cidadania. Foi publicado pela Editora UFMG.

//////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////////// UAB, POLÍTICAS PÚBLICAS E FORMAÇÃO DOCENTE Daniela de Oliveira Pereira (Museu de Ciência e Técnica da Ufop) Cláudio Lúcio Mendes (Departamento de Educação – DED) A EaD vem ocupando lugar de destaque nas políticas educacionais; por isso, as discussões acadêmicas sobre o tema devem ir além de aspectos operacionais e direcionarem-se tanto para as dimensões sociais e histórico-culturais que permeiam os procedimentos de ensino-aprendizagem quanto para a compreensão dos usos dos artefatos tecnológicos na formação da subjetividade docente. Assim, a temática do estudo apresentada no livro é a formação continuada de professores por meio da EaD e a apropriação cultural dos dispositivos tecnológicos. A obra tem 154 páginas e foi publicada pela Editora CRV.

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GEOMORFOLOGIA, SOLOS E APTIDÃO AGRÍCOLA DAS TERRAS DA BACIA DO ALTO RIO GRANDE - MINAS GERAIS João José Marques (Departamento de Ciência do Solo - DCS) O Estado de Minas Gerais possui grande variabilidade de solos, por agregar uma extensa área territorial, na qual há diferentes interações entre aspectos climáticos, geológicos e geomorfológicos. Devido à carência de dados detalhados sobre solos no Estado, foi desenvolvido um trabalho de mapeamento dos solos da Bacia do Alto Rio Grande, classificando-os. As informações resultantes são importantes para subsidiar atividades agrícolas e ambientais. Os resultados foram disponibilizados em um aplicativo para Android, desenvolvido por meio de uma parceria entre os departamentos de Ciência do Solo e Ciência da Computação da UFLA. Ele pode ser baixado gratuitamente no endereço http://www.dcs.ufla.br/jmground. O livro, publicado pela Editora UFLA, também está disponível em PDF no Repositório Institucional UFLA (http://repositorio.ufla.br/).

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CARACTERIZAÇÃO DAS OTITES CANINAS: UMA NOVA VISÃO DAS OTOPATIAS DE CÃES Carlos Artur Lopes Leite (Departamento de Medicina Veterinária – DMV) No contexto da dermatologia veterinária, as otites são um desafio para o veterinário de cães. Diversos fatores ligados a essa síndrome ainda precisam ser trabalhados de maneira mais intensiva, ainda mais quando a epidemiologia dessa alteração no Brasil difere daquela encontrada em outros países. Este livro é a transcrição revisada de uma tese de doutorado cujo objetivo foi avaliar criteriosamente 72 caninos hígidos e otopatas em busca de alterações óticas. Novos dados apontaram para um caminho diferente no entendimento das otites caninas no Brasil, especialmente com relação às práticas de manejo em estabelecimentos de banho e tosa e aos fatores predisponentes às otopatias. Trata-se de leitura recomendada para quem atua na área otológica de cães, fornecendo subsídios para melhor compreensão dessa síndrome comum nessa espécie animal. São 229 páginas e a publicação é das Novas Edições Acadêmicas.

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PERFIL

Gostos que se cruzam em uma trajetรณria de pesquisa Por Glรกucia Mendes

PROFESSOR DANIEL CARVALHO DE REZENDE PESQUISA O COMPORTAMENTO DOS CONSUMIDORES DE MERCADOS AGROALIMENTARES E CULTURAIS

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o mercado de queijos finos ao de música, um elo une as pesquisas realizadas pelo coordenador do Programa de Pósgraduação em Administração da UFLA, Daniel Carvalho de Rezende: o interesse em compreender o comportamento do consumidor. Sua inserção no ramo mercadológico ocorreu durante a graduação em Engenharia de Produção, cursada na Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) de 1992 a 1997. A motivação veio da experiência profissional: a participação na administração de uma empresa familiar de produção de queijos finos, localizada em Lavras, chamou a atenção para a necessidade de conhecer a fundo não só a cadeia produtiva do setor, como também os anseios do mercado. À perspectiva da Engenharia de Produção veio se somar, então, a lente teórica da Administração, área escolhida para desenvolver a pesquisa de mestrado. No programa de pós-graduação da UFLA que coordena atualmente, Daniel ingressou como discente em 1998, para estudar as estratégias de marketing do mercado de queijos finos, enfocando o varejo de Belo Horizonte. O retorno a Lavras possibilitou uma atuação mais presencial no empreendimento

familiar, enriquecida pelo conhecimento teórico e empírico então em curso. “Foi um privilégio enorme pesquisar uma área conhecida na prática e ter acesso a dados estratégicos do mercado”, conta. A valorização da interdisciplinaridade conduziu a investigação do tema sob outra perspectiva, no doutorado. No Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o pesquisador dedicou-se ao estudo da qualidade agroalimentar da cadeia de queijos finos no Brasil, como uma fonte de vantagens competitivas e de indução de novos arranjos produtivos. Em 2006, Daniel ingressou no quadro docente da UFLA e suas pesquisas sobre consumo alimentar encontraram terreno fértil, dada a forte tradição da Universidade na área de Ciências Agrárias. Já em seu segundo ano como professor efetivo, obteve financiamento da Fapemig para investigar a penetração de marcas regionais de alimentos em Minas Gerais e as atitudes dos consumidores mineiros. A esse se seguiram muitos outros projetos de pesquisa voltados à compreensão de diferentes aspectos do mercado alimentício.

O pós-doutorado na Univer­ si­ dade de Lancaster (Ingla­ terra), de 2011 a 2012, contribuiu para ampliar ainda mais esse leque, inserindo entre seus objetos de pesquisa a alimentação saudável e os mercados agroalimentares alternativos (tais como fair trade ou comércio justo, alimentação local, agricultura orgânica, vegetarianismo, veganismo). Com a expertise acumulada, de 2013 a 2016, Daniel ocupou o posto de editor científico do periódico Organizações Rurais e Agroindustriais, editado pelo Departamento de Administração e Economia da UFLA. A imersão na temática do consumo alimentar levou à aproximação com o Programa de Pós-graduação em Ciência dos Alimentos da UFLA e a uma parceria que tem rendido pesquisas interdisciplinares, como os recentes estudos sobre a percepção dos consumidores das classes baixas em relação aos alimentos funcionais. “Esse projeto visa não só contribuir para o desenvolvimento de novos produtos, como também fornecer subsídios para a elaboração de políticas públicas que propiciem uma alimentação mais saudável à população”, afirma. O crescimento econômico vivenciado pelo Brasil a partir do início do século XXI veio 57


PERFIL acompanhado de mudanças socioculturais que captaram o olhar de Daniel. “A ascensão social e a emergência de novos hábitos de consumo deram novo fôlego ao mercado de status, muito relacionado ao universo simbólico/cultural.” Essa se tornou, então, sua outra frente de investigação, que tem rendido muitos estudos e ampliado os nichos de interesse do pesquisador desde 2012. O consumo de produtos culturais, como músicas, filmes, séries e livros vem sendo analisado como um fator de distinção social e de construção de identidades. “A classe social é um fator de peso do gosto musical: enquanto

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as classes altas tendem a preferir os gêneros considerados de status, as classes mais baixas geralmente preferem gêneros populares. Apesar disso, observa-se cada vez mais um movimento de influência musical ‘de baixo para cima’, como exemplifica o funk”, pondera. À primeira vista, o novo enfoque pode aparentar uma ruptura da linha de pesquisa até então seguida. Entretanto, como enfatiza o pesquisador, “a alimentação também é simbólica. A recente tendência à gourmetização, por exemplo, não deixa de ser uma forma de classificação social. O local onde são feitas as refeições e o que é

ingerido também são fatores de pertencimento do sujeito a um grupo social”. A trajetória acadêmica de Daniel prossegue, assim, guiada pelo desejo de conhecer as nuances do comportamento do consumidor. À frente da coordenação do Programa de Pós-graduação em Administração desde 2016, o pesquisador continua contribuindo não só para aperfeiçoar estratégias mercadológicas empresariais, mas também para entender os hábitos da sociedade e colaborar para o desenvolvimento de políticas públicas que melhorem as condições de vida da população.


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