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Debora Censi

Ancestrale

A partir de duas oficinas oferecidas pelo Istituto Italiano di Cultura di San Paolo, “Repensar o cânone: escritoras italianas das origens até o século XX” e “Uma antologia da poesia contemporânea”, ministradas em 2022 pela Prof Valentina Cantori1 , iniciei o projeto no centenário de nascimento de Goliarda Sapienza (1924 - 1996), atriz e escritora italiana.

Apresento como resultado dois conjuntos de pinturas que se relacionam com os dois conjuntos de poemas de Ancestrale, que Sapienza inicia a escrever em 1953, logo após a morte da mãe Maria Giudice, jornalista e líder do Partido Socialista Italiano. Foi publicado apenas em 2013 na Itália e, em 2020, publicado no Brasil a versão bilíngue pela editora Âyiné, com tradução e apresentação de Valentina Cantori.

Todas as pinturas a óleo tem como suporte o papel, num contínuo com o mundo literário e que faz parte de minha pesquisa com a pintura Funcionam como correspondências entre os tempos e suas dificuldades São pinturas que, obedecendo aos ritmos da autora, nos transportam para nosso próprio lugar-paisagem, nossas próprias referências de memória e afeto Mas também reconstroem a paisagem da Sicília, sua luz dourada e seus azuis.

1 Valentina Cantori é formada em Literatura Italiana e Linguística pela Universidade de Roma La Sapienza; é doutora em Filologia e Linguística Românica pela Universidade de Macerata e pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Concluiu na Universidade de São Paulo (USP) um projeto de pós-doutorado sobre literatura italiana do século XVII e história do judaísmo.Desenvolveu um projeto de pós-doutorado na UFPR, pesquisando poesia italiana e tradução. Colabora com o Istituto Italiano di Cultura di San Paolo e Casa Guilherme de Almeida; traduziu Ancestral, de Goliarda Sapienza (Âyiné, 2020); traduz literatura italiana para o português e poetas da América Latina para o italiano Leciona Literatura italiana na Universidade de São Paulo (USP)

Goliarda se utilizava de sequências cromáticas para evidenciar essas imagens, os brancos ligados ao luto , às flores e aos frutos, jasmins e amêndoas de uma terra deixada para trás em 1941, para frequentar a Academia de Arte Dramática de Roma

O primeiro conjunto de pinturas, Ancestral, composta por doze pinturas, demonstra a educação erudita e diversa da escritora, sua relação com a terra, suas cores, com o mito, com a tradição literária do sul Através de um cromatismo simbólico, é capaz de conter não apenas o lado imaginário, mas também o lado psicanalítico, já que Goliarda usava a escrita como forma de escavar as camadas de memórias, num processo lento e doloroso.

O segundo conjunto, Sicilianos, é composto de dezessete pinturas menores, apresentando a urgência de Goliarda na escrita, que por conta de seu dialeto natal, possui um ritmo mais ligeiro, marcado. É essa relação com a língua-terra desligada do próprio tempo, mas que diz respeito ao ‘luogo’, que surge nas pinturas, ou seja, parte de um espaço limitado ligado à alma de quem nele vive

As pinturas tentam transparecer a poética, a paisagem e a construção das imagens contidas nos poemas São as sobreposições de camadas transparentes que constroem a forma, as arquiteturas, sem se misturarem de fato. É o inverso do que faz a escritora, que ao subtrair as camadas de memórias, a reconstroi.

conjunto de trabalhos da série Sicilianos

29,7 x 21 cm

2024 - 2025

Série Ancestral
Óleo sobre papel – 65 x 50 cm 2024

Ancestrale

Assediati giochiamo ai dadi assediati posiamo le armi e aspettiamo

L'assedio finirà

giochiamo Aiace l'assedio finirà.

Ancestral

Cercados jogamos os dados cercados depomos as armas e esperamos

O cerco terminará joguemos Ájax o cerco terminará.

2024

Série Ancestrale
Óleo sobre papel – 65 x 50 cm

La paura ha una faccia grande di luna

e due soldi per occhi. Se mentre dormi

ti guarda sei perduta

senza figli vivrai e morirai

disprezzata da tutti senza lenzuola

O medo tem uma grande cara de lua

e duas moedas por olhos Se te olha

ao dormir, estás perdida

sem filhos viverás e morrerás

desprezada por todos sem lençois

sobre papel - 29,7 x 21 cm - 2024

Série Sicilianos
Óleo

Si scurdaru

d'essiri puvireddi

e pri lu munnu

si nni jeru

vistuti di strazzi

Poi si ficiru

giacchi cu jurnali

e cu cartuni un tabbutu pri ripusari.

Esqueceram de ser pobres e para o mundo se foram vestidos de trapos

Logo se fizeram casacos de jornais e de papel um caixão para o descanso.

Série Sicilianos
Óleo sobre papel - 29,7 x 21 cm - 2024

E va beni. Face cuntu

ca ‘ un ni canuscemu.

Comu si ‘ un avissimu jucatu nsemmula nna rina

Eppuru lu sai ca m ’aiustati a scavari na fossa

finu a quannu tuccammu l’acqua nnu funnu.

L’acqua du mari.

Está bem Vamos fingir que não nos conhecemos

Como se não tivéssemos brincado juntos na areia

Contudo sabes que me ajudaste a escavar uma fossa até tocarmos a água no fundo. A água do mar.

A evolução do trabalho de certos artistas pode se comparar a muitos processos que observamos na natureza, por mais que estas analogias e o próprio conceito seja falho

Assim começou Mondrian a pintar árvores para em uma metamorfose vertiginosa tornar sua obra em um ícone da pintura abstrata geométrica moderna Neste exemplo pouco importa o ponto de partida, de onde vêm as ideias e como se desenvolvem, quando se chega a maturidade da obra. Os “Comedores de Batatas” não seria uma célebre pintura sem a transformação que sucedeu à obra de Van Gogh, e o mesmo pode ser dito de diversos artistas.

No momento em que vejo a produção recente de Debora Censi me lembro de suas antigas gravuras, percebo o caminho tortuoso de sua evolução Ali já havia a tendência geometrizante ao estudar as formas das plantas, seus galhos, flores e frutos, ou naturezas mortas e figurações intimistas O que viria depois reinterpreta todos estes dados e os transforma radicalmente

A formação de gravadora de Debora, que é a base da fase inicial de seu trabalho, ainda seria bastante dominante dentro de sua trajetória. A mudança mais radical deste período de formação seria quando a linha do desenho se transformaria em linha física, de metal, e passou a fazer parte de suas obras. A ponta de prata também invade seus desenhos, que ganham uma materialidade ambígua, contrapondo o gráfico e o pictórico

Esta será uma bifurcação no caminho agora mirando o tridimensional e a presença da luz e da transparência Este elemento metálico que aparece em seu trabalho, eventualmente desaparece como tridimensionalidade, mas em algum momento reaparece em áreas de cor metálica, já o primeiro sinal da luz em sua poética, cada vez mais pictórica.

As áreas geométricas ou de cor não demoraram a disputar o espaço com o desenho, que novamente promove o embate entre a gravura e a pintura. O elemento pictórico ainda demora para se introduzir nesta zona de confronto, introduzindo-se inicialmente através de aguadas aquareladas e transparências, para em seguida se estabelecer mais seguramente dentro da sua poética quando a escolha pelo óleo dá o grau de precisão que sua arte pede.

O rigor geométrico presente desde o início do trajeto da artista, agora se torna mais central, criando composições sólidas e bem fundamentadas, sem perder porém algo daquele universo orgânico, onde as linhas rejeitam a rigidez da geometria para oferecer ao olhar um passeio sobre uma superfície enigmática

Quando estes elementos da pintura e da gravura se conectam, aí se forjará a síntese que inicia a fase mais madura do trabalho de Debora Aqui o caminho se torna estabelecido e supera a rotatividade dos experimentos anteriores, para se desenvolver explorando suas possibilidades internas.

A figuração nos trabalhos de Debora também evolui da representação da natureza para um estranho jogo de reflexos e espaços ambíguos que por vezes parecem remeter ao universo de Vilhelm Hammershøi. As janelas e portas transpassadas por reflexos e fachos de luz que irrompem de seus novos trabalhos nos levam a universos impossíveis que contém aqui e ali paralelos à arte moderna e contemporânea São camadas e camadas de tinta sobrepostas, onde cada uma leva dias para poder ser trabalhada, e que quando prontas revelam composições intrincadas.

Este passeio por geometrias não dogmáticas, por espaços não óbvios, e figurações ambíguas joga foco diretamente na percepção do observador que luta para entender o caminho de mil portas de vidro que se espelham. No

caso dos trabalhos de Debora, quanto menos referencial, mais profundos se tornam.

O fato da metamorfose ter-se concluído, não significa entretanto que tenha-se esgotado o trabalho, pois é agora que ele contém os elementos da sua manifestação no mundo

Tampouco significa que outras mudanças em seu jogo de estruturas lhe seja impossível, posto que Arte é antes de tudo, invenção humana sujeita aos caprichos da subjetividade de seus autores, e mesmo nós como espectadores, esperamos novas surpresas destes.

Ao contemplar estas transformações quase incessantes ao longo dos anos temos ainda sede, a mesma que os artistas possuem, pelo próximo passo da invenção ]

(Eduardo Verderame, 2023)

VIDEO - Graphias.mp4

S/T - óleo sobre papel Figueras

65 x 50 cm - 2019

S/T - óleo sobre papel Figueras

65 x 50 cm - 2018

S/T - óleo sobre papel Figueras

63 x 48 cm - 2020

65 x 50 cm - 2017

S/T - óleo sobre papel Figueras

Nasci em Vinhedo, estado de São Paulo, Brasil, vivo e trabalho em Lisboa desde 2023. Cursei Artes Visuais na Faculdade Santa Marcelina – São Paulo (2002) Após a conclusão, participei de grupos de pesquisa e cursos de pós-graduação na própria faculdade e na Unicamp, em Campinas - SP

Durante os anos 2000, trabalhei como impressora de calcogravuras no atelier Graphias onde, além de imprimir para os principais artistas gráficos do país, mantinha minha pesquisa autoral e participação em diversas exposições. Após este período, fui aprofundando a pesquisa em pintura com suporte em papel e, a partir de 2016, realizo um trabalho em pintura a óleo sobre esse suporte.

2007 - Aluna especial nas aulas ministradas pela Profª Drª Luise Weiss e pela Profª Drª Ivanir Cozeniosque Silva - "Pesquisas e projetos artísticos nas áreas bi e tridimensional" – pós-graduação –UNICAMP.

2004-2005 – Participação no núcleo de Linguagens Visuais da Faculdade

Santa Marcelina (grupo de pesquisas em Gravura Contemporânea), com a coordenação da Profª Salete Mulin

2004-2005 – Participação no núcleo de Linguagens Visuais da Faculdade

Santa Marcelina (grupo de pesquisas em Linguagens Bidimensionais), com a coordenação do Prof.Dr. Sergio Romagnolo.

2003 – Aluna especial nas aulas ministradas pelo Prof Dr Roberto Berton de Ângelo – "Multimeios História da fotografia" – pós-graduação – UNICAMP

Principais Exposições:

2024 - A Graphias fora de Casa - Oficina Cultural Oswald de Andrade - São

Paulo

2023 - Mostra Forma e Cores - Graphia -

Casa da Gravura - São Paulo

2022 - Salão de Artes Visuais de Vinhedo

2022 - Ocupa FASAM - São Paulo

2020 - 17º Território da Arte - Araraquara

2020 - Salão de Artes Visuais de Vinhedo

2019 - 100 a 1000 - Galeria Tato - São Paulo

2019 - 21º Mostra Cascavelense de Artes Plásticas - Cascavel

2018 - 25º Salão Curitibano de Artes Visuais - Curitiba

2018 - Bienal das Artes Sesc DF - DF

2018 - Graphias 15 anos - artistas do acervo. - São Paulo

2018 - 25º Salão de Artes Plásticas de Praia Grande

2018 - Interiores - CAC W Centro de Arte

Contemporânea - Ribeirão Preto 2018 - Salão de Artes Visuais de Vinhedo

2016 - Bienal das Artes Sesc DF - DF

2015 - 11º Photo and Film International Festival

- Aiud - Romênia

2013 - 9º Photo and Film International Festival

- Aiud - Romênia

2012 - 8º Photo and Film International Festival - Aiud - Romênia

2010 - 5ª Bienal Internacional de Gravura de Santo André - Santo André

2010 - 6º Photo and Film International Festival - Aiud - România.

2008 - Mostra Livros de Artista - Edições Graphias - São Paulo

2007 – Individual – SESC Amapá - Macapá

2007 - 8ª Biennale Internazionale per L'Incisione - Acqui Terme - Piemonte - Italia.

2006 – Debora Censi / Maria Barbieri – Galeria de Arte

Angelina W Messenberg – Bauru

2005 – série Encontros - Graphias – Casa da Gravura – São Paulo

2005 – 3ª Bienal de Internacional de Gravura de Santo André - Santo André

2004 – "O Uno e o Múltiplo" – Espaço Eugenie Villien – São Paulo

2004 – "Visões – Sentidos" – Galeria de Arte UNICAMP –Campinas

2003 – Exposição "Storytelling” - Galeria de Arte de Uberlândia - Uberlândia

2003 – Individual “O Espelho de Alice" - Museu Florestal

Octávio Vecchi – São Paulo

2001 - 1ª Bienal Internacional de Gravura de Santo AndréSanto André

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