Jornal Mural - O Censurado

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O CENSURADO

O censurado Florianópolis, 12 de novembro de 2014

Edição I - Ano I

Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, editoração: Débora Cristina Baldissera Serviços editoriais: CartaCapital, Folha de S. Paulo, TSE, G1, R7, UOL. Impressão: PostMix Novembro de 2014

A história da censura contada em livro O Brasil é uma ótima leitura para quem procura refletir sobre o jornalismo e o país em que vivemos

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ublicado pela Editora Record em 2013, O Brasil conta, entre memórias e ficção, a história da imprensa brasileira no período da ditadura militar, principalmente da censura. A história narrada no livro mostra o jornalismo brasileiro por meio da vida de Abukir e da autobiografia de Mino Carta. Depois de um prólogo de memórias autobiográficas da infância na Itália, o romance começa com a morte de Getúlio Vargas, e Waldir levando seu filho Abukir de oito anos para conhecer a sede do Estadão. Abukir cresce, entra para faculdade de direito, mas a abandona para trabalhar no jornal que conheceu quando criança. Abukir trabalhava no Estadão quando foi contratado para chefiar a sucursal de O Globo em São Paulo. Considerado o editor cor-de-rosa, entre a direita e a esquerda, divulgava o que era autorizado, escondendo fatos que

os patrões pediam. O autor chega a dar dicas na parte final do livro de que o personagem não seria completamente ficcional quando fala “Dali a dez anos Abukir seria o mais conceituado comentarista político da TV Globo e candidato à Academia Brasileira de Letras”, mas sem a confirmação, ficamos com a imaginação do que seria real ou não em Abukir. Na história paralela está Mino Carta por Mino Carta. Primeiro diretor de redação da revista Veja, que de querido de Victor Civita, fundador da Editora Abril, tornou-se aquele que estava impedindo o fim da censura na revista e a obtenção de dinheiro público para a editora. Entre as várias memórias que o autor conta no livro, está a de seu desligamento da Veja, em que se recusou a demitir Plínio Marcos, colunista de “futebol” e acabou ele mesmo pedindo para sair da revista. A decisão de mandar em-

bora o colunista veio dos superiores depois de uma conversa entre o ministro da Justiça do governo Geisel, Armando Falcão, e Roberto Civita – filho de Victor e jornalista co-criador da Veja. Mino Carta visitou Falcão em busca de informação precisa so-

Entre pautas, tintas e pincéis... A trajetória de Mino Carta Acervo Catálogo das Artes

O senhor da oposição na imprensa brasileira e que se orgulha de não ter o rabo preso com ninguém

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ino Carta não só conhece, como vive, a imprensa brasileira, e é sincero quando lhe perguntam o que ele teria a dizer a quem pretende entrar nesse mercado profissional. “Hoje, quem tem vontade ou talento para o jornalismo tem que se conformar com a situação do país, em que emprego é nos revistões, jornalões, publicações que estão na mão de 4 ou 5 famílias. Não dou conselhos, não vou dizer para escolher outra profissão, ser médico ou engenheiro. Mas tem que entender a mídia brasileira como está”. Demetrio Giuliano Gianni Carta, ou Mino Carta, nasceu na cidade italiana de Gênova, em 6 de setembro de 1933. Chegou a São Paulo em 1946 com seus pais. E em 1950, entrou para o jornalismo cobrindo a Copa do Mundo

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Uma das obras do Mino Carta pintor

como correspondente de um jornal italiano, ele queria dinheiro para poder comprar um terno e ir aos bailinhos de sábado. Criador de publicações que fazem parte da história do Brasil, algumas de que se orgulha, como o Jornal da República e a Carta Capital e outras, nem tanto, como as revistas Veja e IstoÉ, ajudou a fundar a Quatro Rodas e o Jornal da Tarde, também trabalhou na revista O Senhor e nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, e teve seu programa na TV, Jogo de Carta. Se teve incentivo do pai para entrar no jornalismo, também

teve para a pintura. Mino já aos 14 anos buscava a intimidade da tela e das tintas sob a orientação de seu pai Giannino Carta, jornalista e professor de História da Arte. Por parte da mãe, Clara, herdou o gosto pela escrita. É autor do best-seller O Castelo de Âmbar, escreveu O Brasil, e está escrevendo o que será sua sexta publicação literária. Pintor, expôs obras de sua autoria em diversas galerias e museus pelo mundo, como em Milão, Londres e no Museu de Arte de São Paulo (MASP). Ganhou prêmios por seu jornalismo, entre eles, dois Essos e o Premio Borgo Val di Toro, o qual é dado a italianos que fazem sucesso fora do país nos campos da literatura, pesquisa histórica e jornalismo. Ao longo de sua carreira se tornou conhecido também por ser o senhor da oposição na imprensa brasileira e se orgulhar de não ter o rabo preso com ninguém. Sem se declarar nem de direita e nem de esquerda, Mino Carta tem seus amigos e inimigos políticos. Enfrentou e sobreviveu a censura e a ditadura militar, e emite suas opiniões na redação da CartaCapital, revista que criou e dirige atualmente, e que em 2014 completou 20 anos.

bre o pedido para demitir Plínio Marcos, o ministro lhe contou de encontros com o fundador da Abril e seu filho, com Edgard Faria, diretor da editora, e Pompeu de Souza, da sucursal de Brasília: “Todos repetem há mais de dois anos que a Veja fica aí latindo contra a gente por sua causa, que você é o único responsável pela linha editorial tão agressiva em relação ao governo. Então, o que você queria que eu fizesse? Disse: se vocês estão com a gente e o homem não, tirem o homem de lá”. Além dessa memória, Mino Carta também expõe a criação da IstoÉ, o início e o fim do Jornal da República, os bastidores da morte do jornalista Vlado Herzog, o início de sua amizade com Lula, além de outros momentos vividos durante o período. Se no prólogo Mino relembra momentos da sua infância, ao final do livro, além de “transcrever” depoimentos dos per-

sonagens principais, nos deixa um epílogo que narra encontros especiais vividos recentemente, deixando o sentimento que mesmo tendo que se inventar e reinventar muitas vezes em meio ao jornalismo brasileiro, ainda assim, é feliz em sua profissão. O Brasil é uma grande aula de jornalismo político brasileiro. Critica com ironia editores, donos de empresas de comunicação, militares e políticos. Leitura obrigatória a quem tem interesse pela história da mídia brasileira e principalmente, para quem procura entender a censura que os meios de comunicação sofreram durante o período militar. Se ainda existem dúvidas que o livro é uma boa leitura basta abri-lo nas ultimas páginas, encontrar o posfácio e deixar Alfredo Bosi, crítico e historiador da literatura brasileira, convencê-lo a dar uma chance ao Brasil de Mino Carta.

Não podemos esquecer: 50 anos do Golpe de 64 Começo de 1964, um tempo de turbulências na política e na economia. O mundo estava dividido pela Guerra Fria e os Estados Unidos tinham interesse em ter mais poder na América. O temor de que Jango desse um golpe de esquerda levou parte da população para a rua contra o governo na primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade, no centro de São Paulo, em 19 de março de 1964. O medo do país assumir um regime comunista resultou no golpe de Estado em que o general Humberto Castelo Branco assumiu a presidência. Os militares prometeram entregar logo o poder aos civis, mas antes disso acontecer, acabaram vindo mais quatro generais e 17 atos institucionais, durante 21 anos de repressão e censura. Só em 1985, com a mobilização da população, o Brasil voltou a ter um civil na presidência e quatro anos depois, a ter eleições diretas e escolher seu próprio presidente. Em 2014, ano de eleições presidenciais no Brasil, fizemos 50 anos do Golpe Militar que marcou a história do país. Em 1979, o governo brasilei-

ro promulgou a Lei da Anistia, que concedia perdão aos exilados políticos e militares envolvidos em violações aos direitos humanos, sendo assim, não foram julgados crimes militares do período. Há brasileiros desaparecidos durante o período militar e muitos casos de mortes que permanecem sem explicações. Em 2012, foi instalado pela presidente Dilma a Comissão Nacional da Verdade que procura investigar essas violações dos direitos humanos ocorridos durante a ditadura e achar respostas. O Golpe de 1964 tinha, inicialmente, uma proposta de reorganização das instituições políticas e da economia brasileira. Mas o regime militar acabou permanecendo no poder por mais tempo do que se planejou e se tornando progressivamente mais autoritário. A sociedade brasileira tem o direito de saber o que se passaram naqueles anos de sua história, não só por conhecimento, mas para poder evitar que horrores, como alguns cometidos naquela época, não voltem a se repetir no futuro do país.

“De qualquer maneira, o jornalismo tem der ser objetivo, absolutamente objetivo, a voz da verdade nua e crua”


O CENSURADO Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, editoração: Débora Cristina Baldissera Serviços editoriais: CartaCapital, Folha de S. Paulo, TSE, G1, R7, UOL. Impressão: Postmix Novembro de 2014

O censurado Florianópolis, 12 de novembro de 2014

O exercício da profissão durante o período militar e a revelação de um novo livro

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ino Carta, jornalista, editor, escritor e pintor. Um dos criadores de publicações como a revista Quatro Rodas, Veja, IstoÉ e da revista que dirige atualmente, CartaCapital. Já publicou cinco livros e expôs suas pinturas em galerias pelo mundo. Com seu sotaque italiano, simpatia e entre risadas, concedeu entrevista exclusiva a O Censurado, onde conta um pouco de sua visão sobre o jornalismo brasileiro e sua trajetória na profissão. O Censurado: Qual a sua memória mais marcante do período militar? Mino Carta: Não tenho uma memória mais marcante porque todas são memórias que me marcaram muito, portanto não saberia estabelecer uma hierarquia entre essas memórias todas. Posso lhe dizer que o que sobrou é um sentimento que se revelou ilusório de que quando terminasse a ditadura o Brasil encontraria o caminho de uma verdadeira de-

mocracia. Fato este que, ao meu ver, não aconteceu. OC: E para você, que importância a morte de Vlado Herzog teve para a imprensa brasileira? MC: A imprensa brasileira não aprendeu nada. A imprensa brasileira é uma das piores do mundo. Inclusive é a mídia, em geral, do pensamento único da casa grande contra a senzala. É um instrumento político formidável e na verdade, acabou por assumir o papel de um verdadeiro partido de oposição. E a morte do Herzog foi em vão e não ensinou nada. Nós continuamos numa situação lamentável, do ponto de vista midiático, em termos de informação correta e na prática do jornalismo honesto.

“A imprensa brasileira é uma das piores do mundo” OC: E você acredita que se no período militar tivesse existido uma frente comum entre os grandes meios de comunicação contra a censura, a história da imprensa e do Brasil poderia ter sido muito diferente? MC: Eu acho que isso teria mostrado uma capacidade dos patrões de entender a gravidade do momento e o tamanho da

Divulgação - CartaCapital

A regulação da mídia é uma proposta que vem sendo defendida pela presidente do Brasil, Dilma Rousseff, principalmente depois de sua reeleição. O ex-ministro Franklin Martins propôs ainda durante o governo Lula, mas só agora voltou a ser discutida. O marco regulatório já foi adotado em países como Inglaterra e Argentina, e prevê uma fiscalização mais efetiva sobre as ações da mídia. Tem o objetivo principal de extinguir monopólios e oligopólios dos principais veículos de comunicação do país. No entanto, a proposta divide opiniões quanto à questão da fiscalização e o controle de conteúdo. O diretor de redação da revista Carta Capital, Mino Carta, condena a situação da mídia brasileira no que diz respeito aos oligopólios. “Essa é uma questão política muito importante. Em países ditos civilizados e muito mais democráticos do que o nosso, ninguém pode ser dono de tudo como no Brasil. E ninguém goza da impunidade como aqui. Nós somos muito atrasados em comparação a eles no que diz respeito aos oligopólios na mídia. E precisamos fazer alguma coisa a respeito”. No Brasil, a questão começou a ser discutida ainda em 2009, durante a 1ª Conferência Nacional de Comunicação, mas o projeto não progrediu muito desde então. O presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Aderbal João da Rosa Filho, criticou o governo por não ter encaminhado o projeto para o Congresso Nacional e disse que só com a pressão da sociedade a regulação vai deixar de ser discurso. “Eu acredito que é necessário regulamentar a mídia brasileira, e que isso não vai diminuir a liberdade de imprensa: vai trazer informação de qualidade”. Além da presidenta Dilma, o ex-presidente Lula, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e o presidente da Fenaj Celso Schroeder, estão entre os que apoiam a regulação econômica do setor.

O jornalismo de Mino Carta

Mino Carta, diretor da CartaCapital

ofensa que eram submetidos pela censura, mas a história da censura no Brasil, como conto no livro O Brasil, é uma história pessimamente contada. O Jornal do Brasil nunca foi censurado, assim como a Folha de São Paulo e O Globo. Quem foi censurado foi o Estadão em função de uma briga interna deles, e depois todos os alternativos. Além da revista Veja, que eu dirigia. Mas a história da censura é uma história muito mal contada. OC: Como você vê o rumo editorial que tomaram a Veja e a IstoÉ, que são duas de suas criações? MC: Hoje a revista Veja é uma vergonha nacional. A IstoÉ também declinou ladeira a baixo de

uma forma que é bastante patética, eu diria. De uma forma muito menos aguerrida do que a revista Veja. A revista IstoÉ hoje me dá muita pena. Eu tenho por ela um sentimento de profunda compaixão. OC: Como você vê o jornalismo brasileiro nos dias de hoje? MC: O jornalismo brasileiro é simplesmente ridículo. Ele é um fenômeno grotesco. É um paradoxo diário. É uma piada. O jornalismo brasileiro é uma piada. Naturalmente há um ou outro jornalista que são dignos e até sabem escrever, mas isso é uma minoria ínfima. OC: O que é essencial na profissão de jornalista? MC: Exercer o jornalismo, é para mim, a prática do jornalismo honesto. Fora dessas lorotas que sugerem a objetividade, como meta útil. O que é essencial a prática do jornalismo honesto se baseia em 3 princípios: o primeiro é a verdade factual, o segundo o uso do espírito crítico e o por fim, a fiscalização do poder. Quando se passa a isentar, omitir e mentir, o jornalismo não existe mais. OC: E o que vem primeiro, novo livro ou retomada das pinturas? MC: Não vou voltar a pintar e eu estou escrevendo um novo livro, mas não vai tratar diretamente das nossas questões brasileiras.

A tentativa falha de golpe da revista Veja

Maior semanário brasileiro está em crise e parece não lembrar o que é jornalismo de qualidade “Não posso me calar frente a esse ato de terrorismo eleitoral articulado pela Veja e seus parceiros ocultos. Uma atitude que envergonha a imprensa e agride a nossa tradição democrática”, esse é um trecho da fala da presidente Dilma em sua última propaganda eleitoral na TV no dia 24 de outubro de 2014, mesmo dia em que a revista Veja, antecipando em dois dias sua publicação, colocou nas bancas sua edição que acusava a presidenta, e então candidata à reeleição, e o ex-presidente Lula de saberem do escândalo envolvendo desvios financeiros da Petrobrás. O ministro do Tribunal Superior Eleitoral Admar Gonzaga concedeu liminar que obrigou a revista a suspender a propaganda paga sobre a edição. “Ainda que a divulgação da revista Veja apresente nítidos propósitos comerciais, os contornos de propaganda eleitoral, a meu ver, atraem a inci-

Acervo Editora Abril

A indispensável regulação da mídia brasileira

Edição I - Ano I

Mino Carta e Roberto Civita, criadores da Revista Veja, nos anos de 1970

dência da legislação eleitoral, por consubstanciar interferência indevida e grave em detrimento de uma das candidaturas”, escreveu o ministro na decisão. A Veja é uma revista semanal publicada pela Editora Abril, foi criada em 1968 pelos jornalistas Roberto Civita e Mino Carta, e trata de temas variados, sendo a revista de maior circulação nacional. A publicação surgiu para ser oposição seguindo o jornalis-

mo honesto, porém nos últimos anos a revista se perdeu quanto ao “jornalismo” praticado, e para seu criador Mino Carta a publicação passou a ser uma vergonha para os brasileiros. “A diferença é que enquanto eu a dirigi ela tentou representar um sinal de resistência, tentou lubridiar a própria censura, tentou deixar um recado para o futuro. Era uma revista de oposição. Hoje a revista é uma vergonha nacional e quem não se

dá conta disso é porque realmente perdeu a capacidade de raciocinar”, afirma o jornalista. Com o passar do tempo, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um periódico sem compromisso com o jornalismo, se envolvendo em processos judiciais e polêmicas. Mas não só a revista se envolve em polêmicas, como sua editora também. Em 2007, Renan Calheiros, presidente do Senado, denunciou a compra de 30% das ações da Editora Abril por empresas laranjas, mais que isso, as ações foram compradas pela empresa sul-africana Nasper, conglomerado de comunicação racista que sustentou o “apartheid” na África do Sul. Em 2014, a crise mundial da mídia atingiu a Editora Abril que cortou várias de suas publicações, trocou de presidente e tenta sobreviver mesmo com seu “carro-chefe”, a revista Veja, causando problemas.

“A gente sabe, a maioria dos brasileiros não tem consciência da cidadania e das suas responsabilidades”

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