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1 | INTRODUÇÃO
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2 | VELOCIDADES
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PONTO: O REALISMO MÁGICO DA ACELERAÇÃO
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CONTRAPONTO: APOLOGIA À POÉTICA CORPOREIDADE URBANA
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INTERSECÇÃO: PAISAGEM URBANA DINÂMICA
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3 | LOCAL EM ESTUDO
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HISTÓRICO
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DADOS CENSITÁRIOS
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CARACTERIZAÇÃO POR INFOGRÁFICOS
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LEGISLAÇÃO: UMA REVISÃO
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4 | PROGRAMA MEDIATECA DE CAMPINAS
57 60
5 | REFERÊNCIAS PROJETUAIS
63
6 | BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
73
7 | ARQUITETURA
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ESTUDOS DE INSOLAÇÃO
113
PARTIDO ESTRUTURAL
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1 | INTRODUÇÃO “A prender com a paisagem existente é, para o arquiteto, uma maneira de ser revolucionário”. [Venturi; Scott Brown; Izenour, 2003, 25]
Uma cidade descortina-se diante de nossos olhos, por vezes limitada pela moldura das janelas de ônibus e carros, por vezes ampla através da vasta visão do errante. Diferentes e parciais pontos de vista proporcionam cidades distintas que, no entanto, são apenas uma. Uma multifacetada cidade descoberta e redescoberta à exaustão, por vezes de forma inconsciente, através do ato da transição. A cidade passa à velocidade do torque dos motores, das pegadas indistintas. Assemelha-se à película cinematográfica, ao vídeo-clipe musical, à fotografia que se movimenta. No enquadramento deste filme real encontra-se a arquitetura, peça essencial deste jogo de imagens da vida urbana. Mas da percepção destas fisionomias urbanas aceleradas, distantes e superficiais, passa-se pelo reconhecimento multisensorial da encarnada experiência urbana. Entre uma e outra forma de apreensão e apropriação do espaço urbano o fator comum é puramente a temporalidade na qual encerra-se. “As transformações mais radicais na nossa percepção estão ligadas ao aumento da velocidade da vida contemporânea, ao aceleramento dos deslocamentos cotidianos, à rapidez com que o nosso olhar desfila sobre as coisas. Uma dimensão está hoje no centro de todos os debates teóricos, de todas as formas de criação artística: o tempo. O olhar contemporâneo não tem mais tempo”. [Peixoto, 1996, 179]
Assim, dentro deste jogo paradoxal entre o ritmo veloz imposto pela contemporaneidade que achata, fragmenta e espetaculariza a cidade; e a lenta e crítica errância que atualiza e dá sentidos outros aos planificados projetos urbanos, que insere-se a proposta aqui apresentada. Não se trata, porém, do desmerecimento de um em favor do outro, ou vice-versa, mas da justaposição de ambas as situações como forma de congregar as diferentes poesias urbanas.
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2 | VELOCIDADES PONTO: O REALISMO MÁGICO DA ACELERAÇÃO “À vontade de ver a cidade precedeu os meios de satisfazê-la. As pinturas medievais ou renascentistas representam a cidade vista em perspectiva por um olho que, no entanto, jamais existira até então. (...) Essa ficção já transformava o espectador medieval em olho celeste. Faziam deuses. Será que agora as coisas se passam de um outro modo, agora que processos técnicos organizaram um 'poder onividente'”? [Certeau, 1994, 171]
A racionalização do espaço urbano comandada pela transformação dos meios de produção e transporte acontece sistematicamente desde o século XIX, quando a sociedade ocidental passava do sistema artesanal para o industrial. “Uma nova ordem é criada, segundo o processo tradicional da adaptação da cidade à sociedade que habita nela”. [Choay, 1965, 4] O urbanismo é, então, institucionalizado no intuito de transformar antigas cidades em metrópoles modernas. O campo da intelectualidade permaneceu atento a este fenômeno, a esta série de transformações sociais que aconteciam em função de uma nova ordem econômica que se estabelecia. O embate físico e intelectual gerado a partir da tensa relação entre homem e máquina, envolto em uma nova rede de conhecimento e possibilidades, foi protagonista e fonte de inspiração para uma vanguarda artística que desenvolvia-se no início do século XX, cujo mote era o debate acerca dessa nova ordem assim como a apropriação da mesma em suas concepções. O Futurismo italiano é exemplar dentro desta discussão através do seu apelo a um novo ideal artístico, baseado, sobretudo, na velocidade da máquina da era industrial. Em seus manifestos “exalta-se a cidade nova, concebida como uma imensa máquina em movimento”. [Argan, 1992, 313] “Queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, a velocidade, o salto mortal, a bofetada e o murro. (...) Afirmamos que a magnificência do mundo se enriqueceu de uma beleza nova: a beleza da velocidade. (...) Queremos celebrar o homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada a toda velocidade no circuito de sua própria órbita”. [Manifesto Futurista, 1908]
Formas únicas na continuidade do espaço, Umberto Boccioni. (1913); bronze; 1.10 m de altura. Milão, coleção privada de Arte Moderna
13 Umberto Boccioni [1882-1916], expoente da arte futurista, “preocupa-se em determinar a posição do dinamismo plástico e sintético do Futurismo. (...) Ele chega a definir o movimento físico, a velocidade, por exemplo, como o fator de coesão que permite a fusão entre objeto e espaço e, no limite, a superação do dualismo fundamental da cultura tradicional”. [Argan, 1992, 313] Sua dedicação ao estudo dos efeitos físicos da velocidade sobre a forma do corpo humano fica explícita em suas obras: “O movimento é velocidade, a velocidade é uma força que concerne a duas entidades: o objeto que se move e o espaço em que ele se move. A sensação que se recebe de um corpo em movimento resulta da percepção do corpo e das coisas que estão paradas no espaço circundante, mas parecem mover-se com a mesma velocidade do corpo, em direção contrária. A forma única significa a forma unitária do corpo que se move no espaço em que ele se move. O espaço é atmosfera, a atmosfera é colocada em movimento pelo corpo que a atravessa e exerce um impulso proporcional à velocidade. O corpo, sob esse impulso, deforma-se até o limite da elasticidade”. [Argan, 1992, 441]
Esta vanguarda artística toca, portanto, em um ponto muito importante no estudo dos efeitos da velocidade: o ilusionismo óptico acerca de uma possível alteração física do corpo humano, da paisagem circundante e dessa inter-relação segundo os diferentes coeficientes de aceleração em que a observação acontece. Logicamente este estudo não ficou nesse ponto retido, sendo cada vez mais analisado e incrementado. Pode-se citar importantes nomes que continuaram a pesquisa visual, como Laszlo Moholy-Nagy em seu livro “Vision in Motion” [Visão em movimento]. “O fenômeno estético integrado à existência não se apresenta na imagem isolada, que sempre tende a se enrijecer como forma, e sim numa seqüência de imagens. Mesmo quando é apenas uma imagem, ela é sempre o momento de uma seqüência, idealmente ligado a um antes e um depois”. [Argan, 1992, 516] Com efeito, no final deste mesmo século XX, Paul Virilio colocaria, dentro de um contexto a nós contemporâneo, que “com a aceleração não há mais o aqui e o ali, somente a confusão mental do próximo e do distante, do presente e do futuro, do real e do irreal, mixagem da história, das histórias, e da utopia alucinante das técnicas de comunicação, usurpação informacional que durante muito tempo avançará mascarada pelas ilusões dessas ideologias de progresso”. [1996, 39]
Os efeitos da aceleração, tanto física como a da informação, elimina a noção de espaço-tempo, adquiri-se uma noção de pertencimento a um âmbito não mais local, mas global. Dessa forma, os homens passariam a crer-se “mais contemporâneos que cidadãos e de evoluírem simultaneamente do espaço contíguo e contingente do velho Estado-Nação (...) para a comunidade atópica de um Estado-Planeta”. [Virilio, 1996, 37] Na arquitetura o expoente do estudo dos efeitos da aceleração sobre a concepção arquitetônica foi o livro “Aprendendo com Las Vegas”, de Venturi, Scott-Brown e Izenour. Através da análise e documentação minuciosas da forma física do corredor comercial o conjunto de pesquisadores chega a uma “generalização sobre o simbolismo na arquitetura e a iconografia do espraiamento urbano (urban sprawl)”. [Venturi; Scott Brown; Izenour, 2003, 11] Segundo os autores são os estilos e signos que fazem conexões entre os muitos elementos dispostos na strip, bem distantes e vistos depressa. Isso significa a organização de “uma complexidade de significados mediante centenas de associações feitas em poucos segundos e à distância”. [Venturi; Scott Brown; Izenour, 2003, 40] “Desde os primeiros tempos da revolução do motor, a colocação das imagens em movimento arruinou essa organização estacionária e, com ela, o repouso da visão, a parada da contemplação luminosa, este campo da presença no sentido amplo, e criou essa desinformação visual que iria, em pouco tempo, reduzir os procedimentos da representação e da comunicação à sua mais simples expressão”. [Virilio, 1996, 67]
É dessa forma que, segundo Virilio, surgem as imagens de síntese no qual o “efeito de anúncio será logo reduzido a um simples sinal-frequência, um impulso podendo prescindir de qualquer verossimilhança”. [1996, 68] Essas imagens de síntese, figuras-signo facilmente interpretáveis e digeríveis tomaram conta da tecnologia e dos meios de comunicação, veículos máximos de conhecimentos, na póscontemporaneidade. Segundo Jameson a partir da década de 1970 que se daria “o verdadeiro momento da sociedade da imagem” [2004, 135] através de um desaparecimento dos limites entre a função epistemológica e a cultura das imagens. Sociedade esta que é, como coloca Virilio, “móvel, completamente vítima do cenário, uma democracia desviada pela ilusão óptica do ever-changing-skyline”. [1996, 74]
Grande letreiro Ă s margens da Rodovia Anhanguera. DĂŠbora Gomes
17 A realidade arquitetônica e urbanística contemporânea, quando se dá em vista deste fenômeno puramente óptico da percepção urbana, fragmenta-se em uma paisagem espetacular (ou de cidade-espetáculo no sentido dabordiano), ou seja, um espaço “diretamente relacionado a uma diminuição da participação mas também da experiência urbana enquanto prática cotidiana, estética ou artística”. [Jacques, 2006, 126] Entretanto, não se pretende, aqui, abordar esta conjuntura de desencarnação do cotidiano contemporâneo meramente enquanto um mal a ser evitado. A alienação com relação a uma realidade urbana não apresenta-se como proposta, mas sim a incorporação e aceite da mesma como fato e portanto forma de lidar com a questão.
CONTRAPONTO: APOLOGIA À POÉTICA CORPOREIDADE URBANA “É embaixo, ao contrário, a partir dos limites onde termina a visibilidade, que vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma elementar dessa experiência, eles são os andarilhos, Wandersmänner, cujo corpo obedece as plenitudes e descontinuidades de um texto urbano que eles escrevem sem poder ler. Esses praticantes brincam com os espaços que não são vistos, eles têm um conhecimento tão cego do espaço quanto no corpo a corpo amoroso. Os caminhos que aparecem nesses encontros, poesias tiradas de cada corpo é um elemento assinado entre vários outros, que escapam da lisibilidade. Tudo acontece como se uma cegueira caracterizasse as práticas organizadoras da cidade habitada”. [Certeau, 1994, 171]
De forma concomitante à história das cidades existe um histórico de crítica a este pensamento urbanístico disciplinar que ainda busca (ou causa?) orientação, rapidez e redução da experiência da presença física. A resistência ao planejamento dos especialistas do espaço urbano deu-se periodicamente através da tentativa de subverter suas regras e ordens, por meio um tipo específico de apropriação do espaço público. [Jacques, 2006] Paola Berenstein Jacques coloca que este personagem urbano-anárquico poderia chamar-se de “urbanista errante” que significaria, sobretudo, “uma postura com relação ao urbanismo enquanto disciplina e prática – seria aquele que busca o
estado de espírito do errante, que experimenta a cidade através das errâncias, que se preocupa mais com as práticas, ações e percursos, do que com representações gráficas, planificações ou projeções. (…) O urbanista errante não vê a cidade somente de cima, em uma representação do tipo mapa, mas a experimenta de dentro, sem necessariamente produzir uma representação qualquer desta experiência. Esta postura com relação tanto aos métodos mais difundidos da disciplina urbanística (...) quanto à própria espetacularização urbana contemporânea”. [Jacques, 2006, 118] A errância, ou o perder-se, implicita um tempo que passa devagar, a lentidão. Porém essa lentidão não significa necessariamente uma desaceleração da velocidade física, o devagar em contraposição ao rápido, mas outro tipo de movimento, segundo Deleuze e Guatarri: “lento e rápido não são graus quantitativos do movimento, mas dois tipos de movimento qualificados, seja qual for a velocidade do primeiro, e o atraso do segundo”. [1997, 52] O movimento da errância é lento, mesmo ao se dar internamente a um meio rápido de circulação. O que se impõe, no caso, é o estado de espírito, o devir errante cuja forma de apreensão refere-se a uma temporalidade relativa, subjetiva, além da representação visual. “Quem na cidade tem mobilidade (...) acaba por ver pouco, da cidade e do mundo. Sua comunhão com as imagens, freqüentemente pré-fabricadas, é a sua perdição. (...) Os homens 'lentos', para quem tais imagens são miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com esse imaginário perverso e acabam descobrindo fabulações”. [Santos, 1994]
Milton Santos, a partir de sua leitura sociológica da errância, refere-se a homens lentos que o são por não ter meios de acesso à aceleração do mundo moderno. Estes são, realmente, os primeiros a sentir e sofrer o impacto de uma cidade planejada apenas de cima, e também são os primeiros a subverter e perverter este planejamento, o que, entretanto, não significa que continuariam a assim operar caso tivessem a oportunidade de escapar a sua situação de marginalidade tecnológica. Paola Berenstein Jacques coloca que o errante a que se refere é, antes de qualquer coisa, voluntariamente lento para a partir desta situação perceptiva conseguir estabelecer sua crítica. [2006, 124]
19 O errante voluntário é o homem atento às mudanças e acontecimentos a si contemporâneos. São artistas, escritores, pensadores. É a partir [1] deles que se têm registros do outro lado da história do urbanismo disciplinar. Movimentos desse gênero se dão a partir da investigação do espaço urbano pela flânerie de Charles Baudelaire [2], mais tarde retomada, analisada e praticada por Walter Benjamin na década de 1930 [3]. Em um segundo momento surgem as deambulações – excursões urbanas aleatórias - realizadas por vanguardistas do Dadaísmo e posteriormente do Surrealismo. “O programa surrealista se desenvolve ao mesmo tempo que o programa racionalista para a arquitetura e o desenho industrial, mas em flagrante oposição a ele”. [Argan, 1992, 361] Há ainda o movimento das derivas, pertencente ao urbanismo situacionista – radicalmente crítico ao pensamento urbano hegemônico. Essas experiências tornaram-se referências para outras experiências urbanas posteriores, como as realizadas através dos disseminados happenings, a partir da década de 1970. Jacques coloca que “o denominador comum entre esses artistas, e suas ações urbanas, seria o fato de que eles vêem a cidade como campo de investigações artísticas aberto a outras possibilidades sensitivas, e assim, possibilitam outras maneiras de se analisar e estudar o espaço urbano através de suas obras ou experiências”. [Jacques, 2006, 131] Também no Brasil artistas utilizaram-se da cidade como suporte para suas experiências e performances artísticas, como os modernistas e tropicalistas. Podem ser citados as Experiências [4] de Flávio de Carvalho, e o Delirium Ambulatorium [5] de Hélio Oiticica. Esta segunda escala, a prática da errância, portanto, garante formas outras de apreensão da cidade, conferindo-lhe relações corporais e de significância não previstas por parte do projeto urbano espetacular. A questão estaria na arquitetura e urbanismo realizados também sob um ponto de vista sensorial das relações entre corpo enquanto entidade física e humana, e corpo urbano que oferece possibilidades participativas mais intensas e imediatas.
INTERSECÇÃO: PAISAGEM URBANA DINÂMICA A cidade de Campinas, o objeto territorial em questão, passou a estruturar-se desde a década de 1980 através das inúmeras rodovias que a cortam. Dessa forma a concepção de uma comunicação urbana predominantemente visual e instantaneamente inteligível, passou a fazer parte de seu conjunto arquitetônico que ora refere-se ao objeto icônico [o pato], ou ao objeto disfarçado [o galpão decorado]. No entanto ainda é perceptível, embora em tímida escala, que permanece nesses substratos arquitetônicos uma espécie de perversidade corporal, ao seja, a influência exercida pelo corpo do ser errante ao corpo do objeto arquitetônico e, por extensão, à cidade. “Evidentemente, não seria possível existir um urbanismo e uma arquitetura do Surrealismo; no entanto, o interesse pela esfera não-racional do pensamento e da existência, reivindicado pelo Surrealismo, contribuiu indubitavelmente para transferir o problema urbanístico do plano da linearidade funcional para o da complexidade ambiental. (...) Não apenas se pode reduzir o espaço da existência a um traçado de uniformidade geométrica, como também não é possível desconsiderar o significado que a comunidade atribui a certos locais, núcleos ou pontos de condensação; o que, obviamente, recoloca o problema de uma simbologia das formas e, por conseguinte, de uma arquitetura que não deriva do traçado como um corolário seu, mas precede-o, torna-o significante, mesmo ao preço de romper sua continuidade”. [Argan, 1992, 513]
A consideração destas duas formas de apreensão e concepção do espaço urbano [cidade-espetáculo X experiência urbana direta] é, portanto, fundamental no processo de concepção arquitetônica e urbanística, tornando absurda a hipótese de negação de qualquer uma delas, ou mesmo a hierarquização das mesmas. Neste projeto se buscará, portanto, aliar estas concepções no intuito de produzir uma arquitetura coerente com a lógica aqui proposta. NOTAS [1] Há registros anteriores, porém sem o aprofundamento colocado pelos autores aqui citados. [2] A flânerie, ou flanância, corresponde à criação da figura do flâneur por Baudelaire, nas obras Spleen de Paris (1862) e Les fleurs du mal (1857). [3] No livro Paris, Capital do Século XIX. [4] Como, por exemplo, a Experiência nº 2 na qual o artista junta-se a uma procissão de Corpus Christi, porém em sentido oposto ao cortejo, causando espanto e revolta aos crentes. [5] Experiência urbana calcado no conceito de deriva, onde a proposta, segundo Oiticica, era “poetizar o urbano”.
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“O pato (duck) é a edificação especial que é um símbolo; o galpão decorado (decoreted shed) é o abrigo convencional a que se aplicam símbolos. Sustentamos que ambos os tipos de arquitetura são válidos, mas achamos que o pato é raramente relevante hoje”. [Venturi; Scott Brown; Izenour, 2003,118]
MIRIM
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RODOV IA CAMPIN AS
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#1 Local em relação ao município de Campinas
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3 | LOCAL EM ESTUDO Campinas: cidade estruturada sobre grandes eixos de transporte [infográfico #1]. O ontem, o hoje e o porvir encontram-se em diversas modalidades e velocidades de deslocamento; criam zonas, fatias urbanas. Adjacentes a estas linhas arquiteturas de todos os tipos: residências mambembes abafadas pelo som constante dos pneus; barracões comerciais seqüenciais cuja monotonia é corroborada pela constante pátina do descuido; muros infinitos; signos em competição. Enfim, fragmentos. Este contexto urbano de Campinas é muito caro à proposta arquitetônica aqui considerada: a inserção de um edifício onde o espetacular e a corpografia estão em concomitância. Esta é a realidade do entorno imediato ao local escolhido para esta exploração: terrenos sub-utilizados na região do Jardim do Lago, mais especificamente na esquina entre a Rodovia Anhanguera (velocidade máxima de 100 km/h) e a Avenida das Amoreiras (velocidade máxima de 60 km/h) [infográfico #2].
PORÇÃO DO TERRENO ESCOLHIDO
RODOVIA ANHANGUERA
AVENIDAS DAS AMOREIRAS
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ÁREA CENTRAL DE CAMPINAS
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#2 Localização Geral
AVENIDA DAS
AMOREIRAS
6 0KM/H
RODOVIA ANHANGUERA
100KM/H
RODOVIA
S A N TO S
DUMMOND
8 0KM/H
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1
2
3
4
5
6
7
8
27 A adequação deste local para com a proposta vai além, já que há aí um intenso fluxo de pedestres em deslocamento constante, em grande parte pela generosa quantidade de pontos de ônibus que se encontra na região. A diversidade de usos existentes no entorno proveniente da paradoxal transformação histórica pela qual passou a região: de antiga área periférica para onde direcionavam-se os usos indigestos da cidade (matadouro, cemitério, entre outros), para a atual condição de nova centralidade (ainda fortemente marcada pela sua antiga condição) com vasta oferta de estabelecimentos comerciais que vão de oficinas mecânicas até supermercados, grande número de agências bancárias, e inúmeras instituições educacionais e religiosas. Esta condição da região é expressa pelo macro-zoneamento – ferramenta de regulação urbanística que opera segundo uniformidades territoriais em parâmetros econômicos, sociais e urbanos – da cidade de Campinas que, há mais de dez anos, integra a Macrozona 4 denominada, no atual Plano Diretor (Lei Complementar nº15 de 27/12/2006), “Área de Urbanização Prioritária” (AUP) cujo texto a coloca como “área urbana intensamente ocupada, onde se fazem necessárias a otimização e racionalização da infra-estrutura existente, o equacionamento das áreas de subhabitação e o incentivo à mescla de atividades e à consolidação de subcentros” [infográfico #3].
FOTOS 1. Direção centro-periferia. 2. Corredor de ônibus. 3. Posto de Gasolina em contraste com edifícios abandonados pela construtora falida Encol. 4. Comércio de grande porte. 5. Instituição: Corpo de Bombeiros 6. Perfil Comercial do entorno. 7. Segundo conjunto habitacional da Encol abandonado. 8. Posto de gasolina abandonado.
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#3 Macrozona 4
29 HISTÓRICO A cidade de Campinas ganhou importante configuração dentro da economia agrícola da província de São Paulo com os importantes ciclos do açúcar e do café no decorrer, principalmente, do século XIX. Na década de 1930 esta situação foi substancialmente afetada pela crise cafeeira que terminou por modificar os rumos da economia na cidade. Neste momento, Campinas apresentava um significativo número de indústrias, consolidadas ainda em fins do século XIX. “Em 1939, Campinas já contava com cerca de 6 mil operários e quase uma centena de fábricas”. [Cano; Brandão, 2002, 101] Esta ambiência agora predominantemente industrial constituiu um importante fator estrutural ao município que, somado ao incentivo nacional pela indústria automobilística, culminou na implantação da Rodovia Anhanguera, em 1948, que somada à vasta rede de transporte ferroviário já existente e que ligava Campinas à capital do estado, potencializou ainda mais seu caráter de centralidade na região. Desta forma, consolida-se “o mais dinâmico segmento da rede urbana do estado. Esta rede regional de cidades e infra-estrutura de transportes estimulavam a produção agrícola e industrial para um mercado em expansão, sobretudo para seu segmento urbano de maiores rendas”. [Semeghini, 1991, 117] A dinâmica industrial somada às grandes vias expressas de trânsito regional provocou um processo de expansão urbana que, em Campinas, estava articulada à economia e aos interesses da elite local. “A idéia de expandir a cidade ou de abrir ruas, avenidas e construir novos prédios estava diretamente relacionada aos interesses dos proprietários de terras ou dos empresários da construção civil”. [Carpinteiro, 1996, 38] Inserido neste contexto, o Plano de Melhoramentos Urbanos de 1934, elaborado por Prestes Maia, provocou, em suas duas décadas de implantação, uma grande renovação na área central, induzindo também alguns eixos de expansão que constituiu, assim, uma periferia. “A partir da década de 50, passa a ocorrer forte especulação imobiliária em Campinas, primeiro com a implantação de um grande número de novos loteamentos em área de pequenas propriedades de algodão da região sudoeste do município, próximos a recémpavimentada Rodovia Anhanguera”. [Cano; Brandão, 2002, 124]
Mapa de 1900 Avenida João Jorge
Mapa de 1916 Prolongamento da Avenida João Jorge, ainda sem pavimentação nomeada Estrada do Piçarrão
Mapa de 1929 Avenida das Amoreiras
Mapas de Campinas | Fonte: Seplama - PMC
31 Dentro deste quadrante sudoeste de Campinas insere-se a importante via regional Avenida das Amoreiras que corta a região passando perpendicularmente a Rodovia Anhanguera, cruzamento no qual insere-se o projeto. Segundo observado em diversos mapas da cidade de Campinas [infográfico #4] na passagem do século XIX para o XX, a atual Avenida das Amoreiras era a anteriormente nomeada Estrada do Piçarrão, em referência ao Córrego do Piçarrão que passa transversalmente à avenida, e foi este o elo que ligou a Vila Industrial (contígua à estação ferroviária Fepasa) ao bairro do Parque Industrial em 1928 (Lei nº 423). A avenida transformouse em um vetor de crescimento da cidade com a aprovação de inúmeros loteamentos, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960 (dados da Semurb - Secretaria de Urbanismo da PMC). A nomeação da avenida possui vínculo com a antiga Indústria da Seda Nacional situada no início da via e que abrigava um grande número de árvores de amoras, fonte de alimento dos bichos da seda, segundo afirmação de funcionários da Sehab (Secretaria de Habitação da PMC). Grandes obras viárias foram retomadas a partir da segunda metade da década de 1980, como o projeto de Racionalização de Linhas de Ônibus Urbanos de Campinas onde foram identificados 10 corredores estruturais de transporte coletivo e suas respectivas bacias de demandas. O corredor Amoreiras foi, em 1985, durante a gestão de Magalhães Teixeira, o primeiro a ser implantado na cidade, devido ao alto índice de demanda. Ele acabou por ser também o único, já que, somado ao corredor, efetivou-se somente os terminais previstos no plano (Terminal Central Miguel Vicente Cury e o Terminal Barão Geraldo) que foi posteriormente descartado. “Em relação ao corredor Amoreiras, o mais carregado, o estudo constatou que este atendia os requisitos mínimos para a implantação de um sistema tronco”. [Bicalho, 2004, 131] Este histórico, acúmulo e sobreposição de modalidades de transporte em Campinas e principalmente nesta região da cidade é a principal característica que coloca ambos em situação de destaque para a exploração de um tema como o aqui proposto: a inserção de um equipamento público de grande porte que dê suporte tanto urbano, através de uma renovação de usos proporcionados por este tipo de intervenção; quanto social, integrando as diversas camadas sociais não só do entorno (e pode-se inserir que são realmente diversas neste local, como pode-se
Vista do corredor de ônibus da Avenidas das Amoreiras logo após sua ianuguração, em abril de 1985. Foto: Luiz Antonio Granzoto. Fonte: Bicalho, 2004. 35
33 verificar no próximo ponto) como da cidade e sua região metropolitana como um todo.
DADOS CENSITÁRIOS A chamada UTB 59 - Unidade Territorial Básica, subdivisão administrativa da Prefeitura Municipal de Campinas - engloba os bairros da Cidade Jardim, Vila Pompéia, Vila Rica, Jardim do Lago, Vila Mimosa e Vila Maria Pompeu de Camargo, este último bairro no qual insere-se a área-foco deste projeto. O restante são bairros circundantes onde encontra-se a população imediatamente afetada pelo projeto proposto. Segundo o Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2000, esta região conta com um total de 18.977 habitantes, com faixa etária predominantemente jovem e adulta. A densidade de somente cerca de 55 habitantes por hectare explicita o caráter habitacional da região, que estrutura-se majoritariamente em lotes com residências térreas unifamiliares. Estes domicílios encerram-se em um total de 5637 unidades, sendo destas apenas 31 coletivas. Economicamente os dados dos responsáveis pelo domicílio apontam para a presença de uma população de classe baixa e média-baixa. A população com renda entre 0,5 e 3 salários mínimos representa 25,25% do total de habitantes; àquela com renda entre 3 e 5 salários mínimos representa 19,26% do total; e a população com renda entre 5 e 10 salários mínimos representa 31,84%. Ainda acerca dos dados sobre os responsáveis pelos domicílios o percentual de pessoas não alfabetizadas ou com menos de um ano de instrução representa 9.23% do total. Das mulheres responsáveis pelo domicílio 25,38% cerca de 8,77% não possui instrução e 6,36% não possui rendimento. É importante citar que a área-foco encontra-se muito próxima ao popular Parque Oziel que, junto ao Jardim Monte Cristo e Gleba B, representa uma das maiores ocupações urbanas da América Latina [infográfico #15] com cerca de 30 mil moradores, em 3290 residências contadas pela Secretaria de Habitação da Prefeitura de Campinas. Por se tratar de uma ocupação não há registro de censos realizados na região, porém é possível classificar esta população como de baixarenda e com difícil acesso a equipamentos públicos de aprendizado e lazer.
1
2
3
N #4 Sistema FundiĂĄrio combinado a foto aĂŠrea. Fonte: Google Earth
29
35 CARACTERIZAÇÃO POR INFOGRÁFICOS Para um entendimento mais profundo das principais características do local onde
AVENIDA DAS AMOR EIRAS
ND VIA UMMO O ROD TOS D SAN
RODOVIA ANHANGUERA
insere-se a proposta arquitetônica aqui desenvolvida, segue uma série de infográficos.
N RECORTE DADO
#4 Sistema fundiário Esta área é caracterizada pela justaposição de dois tipos de uso do solo: o residencial e o comercial de grande porte. As delimitações entre estes usos não é somente explícita na legislação local, mas também é claramente visível na própria divisão fundiária da região. A diferenciação entre a divisão e conformação dos lotes do primeiro grupo de quadras adjacentes à Rodovia Anhanguera (1, 2 e 3) é completamente diferente do restante. Estas últimas possuem um caráter
habitacional, ou comercial local,
enquanto as primeiras possuem caráter industrial. Segundo informações da Prefeitura Municipal de Campinas, a diferenciação não é somente espacial, mas também relacionada à organização administrativa, já que o loteamento do Jardim do Lago I aprovado em 1962 foi posteriormente subdividido em 1965 dando lugar ao Jardim Maria Pompeu de Camargo, exatamente onde encontra-se as quadras examinadas nesta proposta (1 e 2). #6 Direções de fluxo A conformação das quadras dificulta a circulação de automóveis e ônibus nas vias que circundam a área-foco. A união das quadras representa uma barreira ao trânsito e à acessibilidade local, sendo sua não-continuidade uma característica que representa estranheza na leitura e compreensão do urbano.
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#5 Sistema viário principal no entorno
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N #6 Direções de fluxo
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#7 Uso residencial Como já colocado anteriormente a região contígua à área-foco possui caráter predominantemente residencial unifamiliar e de um pavimento, o que confere uma densidade muito baixa ao local. 1. Conjunto Residencial Portal das Amoreiras 2. Conjunto Residencial Flores 3. Perfil geral do bairro circundante
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N #7 Uso residencial
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#8 Uso comercial É importante colocar que há a existência de um uso comercial de grande porte nas quadras do bairro Maria Pompeu de Camargo, mais especificamente encontra-se o Campinas Shopping e o Supermercado Big que são referenciais para a região. Encontra-se também a empresa Equipav, alguns galpões e lojas. No Jardim do Lago é possível encontrar comércios menores e locais tais como oficinas mecânicas, padarias, restaurantes, cabelereiros, entre outros.
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N #8 Uso comercial 1. Supermercado Paulistão 2. Posto de Gasolina abandonado 3. Equipav 4. Depósito da Coca-Cola parado
5. Supermercado Tenda 6. Bosch Freios 7. Belima 8. Escritório Modelo 9. Loja de móveis Matrix
10. Oficina mecânica 11. Posto de Gasolina 12. Campinas Shopping
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#9 Uso institucional Há também algumas instituições como uma grande agência dos Correios, o Colégio Politécnico Bento Quirino, a Brigada do Corpo de Bombeiros, a Escola de Futebol Chuteira de Ouro, além de duas pequenas igrejas.
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N #9 Uso institucional 1. Corpo de Bombeiros 2. Igreja 3. Escola de futebol 4. AgĂŞncia dos Correios 5. Escola TĂŠcnica Bento Quirino
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#10 Edifícios abandonados #11 Terrenos Vazios #12 Edifícios passíveis de demolição A existência de vasta área sem utilidade soma-da à presença de inúmeros edifícios e construções abandonadas, alguns antes até de sua conclusão, representa uma contradição em relação a ampla infra-estrutura básica, de transportes e serviços encontrados na região. Este fato dá margem à reestruturação do local, principalmente relacionado ao grande número de edifícios passíveis de demolição na área, seja por seu abandono, seja pelo seu mau uso do solo.
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N #10 EdifĂcios abandonados ou paralizados
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N #11 Terrenos vazios
N #12 Edifícios passíveis de demolição
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#13 Cheios #14 Vazios Mesmo entre os lotes ocupados com construções nas quadras contíguas à Rodovia Anhanguera é possível perceber que a taxa de ocupação dos mesmos é baixa, sendo a proporção entre área construída e área livre mui-to grande, sobressaindo-se o vazio.
N #13 Cheios
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N #14 Vazios
#15 Parque Oziel O Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B são bairros onde vivem hoje cerca de 3000 famílias em um milhão e meio de metros quadrados, ocupados desde 1997, representando juntos uma das maiores ocupações urbanas organizadas da América Latina.
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N #15 Ocupação urbana _ Parque Oziel
LEGISLAÇÃO: UMA REVISÃO A zona na qual a área analisada se insere é a de número 11-rachurada (quadras 1, 2 e 3 do infográfico #4) destinada basicamente aos usos comercial, de serviços e institucional de pequeno e médio porte. Uma brecha nesta lei foi percebida: o conjunto de edifícios da Encol que, ainda que não completados, somam 14 prédios de uso residencial de grande porte [info #16]. A partir desta constatação, já na fase projetual, durante os primeiros estudos de implantação percebeu-se uma dificuldade em se criar uma arquitetura bem integrada a um entorno rico e agradável. O respeito aos recuos e distanciamentos previstos em lei resultavam em diversos espaços sem qualidade, meras resultantes de vetores [info #19]. Como “frente” e um “fundo” não eram as espacialidades aqui buscadas, partiu-se para uma implantação que questiona a organização fundiária da cidade, baseada em abstrações e conceitos estanques [info #18]. O recuo frontal foi negado ao encostar a face norte do edifício diretamente na calçada de 2 metros de largura que permaneceu. Dessa forma o espaço restante do terreno mostrou-se grande o bastante para proporcionar um espaço de qualidade para se estar e
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passar.
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#16 Conjunto Residencial da Encol
#17 Lotes escolhidos para o projeto
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#18 Área construída sem recuo frontal
#17 Área #19 construída Situação com dentro da legislação respeito aos recuos
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4 | PROGRAMA “Poder-se-ia dizer que o 'corpo enquanto experiência vivida' está em contraste com o 'outro corpo' que tem sido constantemente desenvolvido no século XX. O outro corpo, que aspira ao linguajar lírico, é um corpo criado mediante a consciência ampliada da tecnologia e que se esforça para alcançar a transparência e a homogeneidade (...) símbolos de um distanciamento do lugar e extensão infinita do tempo e do espaço”. [Ito, 2006, 7]
O espectro de discussão a respeito da velocidade [aceleração] imanente aos possíveis posicionamentos analíticos relacionados à sociedade contemporânea é muito amplo. Perpassa desde deslocamentos físicos até a produção e difusão de informação. Essas mudanças deram-se, apropriadamente, também de forma muito acelerada o que, de certa forma, dificulta seu entendimento e ponderação, pois não se estabelece uma pausa para reflexão. A comunicação, nascida do limite dentro-fora – receber informações do exterior e enviar informações do nosso interior de volta (e vice-versa) – está presente na sociedade contemporânea desde a criação e difusão de aparelhos tais como o jornal, o telefone, o rádio, a televisão. Porém, é necessário ressaltar que toda inovação tecnológica traz em seu bojo uma questão de exclusão. Johann Gutemberg, por exemplo, ao revolucionar o mundo com a invenção da imprensa, criou os iletrados, os analfabetos, que até então não existiam. Há, contudo, uma segunda comunidade de excluídos: os que não fazem parte do processo de transformação do fato em notícia. A influência – em todos os níveis e sentidos – a que esse grupo é submetido pela forma a que pode ser dada a informação transforma a comunicação em uma espécie de dissimulado Quarto Poder, como coloca Paul Virilio. Deste modo, os detentores de controle sobre o processo de transformação informacional são aqueles que possuem alto grau de força e domínio dentro da sociedade. A tecnologia das redes informatizadas – ou a digitalização da informação – foi colocada, em fins, do século XX como uma forma de democratização deste processo aludido, já que nela, em teoria, qualquer pessoa pode gerar e consumir
informação – ainda que dentro de parâmetros exatamente definidos. Assim, mais do que voltar ao mote da conseqüente criação de uma comunidade excluída à essa tecnologia – ainda que este seja um dos pontos de extrema importância e consideração neste trabalho –, é importante colocar que as transformações ocasionadas pela tecnologia não acontecem simplesmente ao nível da supressão de uma interface pela outra (como a analógica para a digital), mas são infinitamente mais profundas. A título de exemplo pode-se colocar que é somente a digitalização, a revolução cibernética, que possibilita a não-inocente imagem operatória da câmera de controle, o Big Brother de George Orwell, criado em sua obra de ficção distópica “1984”. Uma forma de contrapor este horizonte social não seria, no entanto, a negação da tecnologia, a volta a um estado de natureza puro, a criação de um maniqueísmo, como coloca Donna Haraway em seu Manifesto Ciborgue: “Os recursos analíticos desenvolvidos pelas pessoas progressistas insistem no argumento de que a técnica envolve, necessariamente, dominação; como resposta, elas apelam em favor de um imaginário corpo orgânico que possa organizar nossa resistência. (...) De uma certa perspectiva, um mundo de ciborgues significa a imposição final de uma grande de controle sobre o planeta. (...) De uma outra perspectiva, um mundo de ciborgues pode significar realidades sociais e corporais vívidas, nas quais as pessoas não temam sua estreita afinidade com animais e máquinas. (...) A luta política consiste em ver a partir de ambas as perspectivas ao mesmo tempo, porque cada uma revela tanto dominações quanto possibilidades que seriam inimagináveis a partir de outro ponto de vista”. [Haraway, 2000, 50]
Haraway ainda coloca que somente uma espécie de sociedade ciborguiana, ou seja, intimamente relacionada à tecnologia, é capaz de transformar de forma realista os rumos pelos quais se dá o estado das coisas. A partir desta perspectiva de certa forma utópica, coloca-se aqui a criação de um espaço onde será possível acontecer um contato primário e primordial com a tecnologia, afinal este projeto insere-se na realidade social brasileira, onde 67% da população nunca acessou a Internet e dos 33% restantes, metade o faz com certa
59 freqüência. Mas não somente. Nesta corrida eliminatória pelo poder da informação faz-se necessário a criação de espaços onde não se tenha meramente o acesso à rede mundial de computadores e os serviços atrelados a mesma, como também a possibilidade de versar sobre ela, influenciando e participando efetivamente de sua organização, através de uma metodologia de mediação da informação. A primeira proposta programática deste projeto é, portanto, atrelar a conformação do Telecentro com um espaço de produção midiática que alie tecnologia e educação, garantindo a formação de um capital intelectual, agente primordial para a efetiva participação dentro de uma sociedade de ciborgues. No entanto, o envolvimento necessário com a tecnologia de propagação informacional – informática – não acontece apenas de forma virtual, através da manipulação de seu conteúdo. Esta só é possível através da exploração do objeto tecnológico, ou seja, do aparelho eletrônico de acesso e manejo da informação, tão necessário e, contudo, tão volúvel e descartável de acordo com a voracidade do consumo e do mercado capitalistas. “De todas as servidões que afetam o objeto de série a mais evidente é aquela que concerne a sua durabilidade e à sua qualidade técnica. Os imperativos da personalização conjugandose aos da produção fazem com que prolifere o acessório às custas do estrito valor de uso. Todas as inovações e os jogos da moda desde logo tornam o objeto mais frágil e efêmero”. [Baudrillard, 2006, 153]
Contrapondo essa avidez tecnológia propõe-se, aqui, a apropriação e requalificação de aparelhos eletrônicos que, pelas condições de desvalorização ou obsolescência relativos às constantes superações técnicas e mercadológicas, haviam sido descartados – a MetaReciclagem. O programa aqui exposto extrapola, portanto, a simples inclusão digital. Procura ir além: vai do consumo informacional através da tecnologia, passa pelo reaproveitamento inteligente do lixo tecnológico, chegando a consciência da possibilidade de poder fazer parte efetiva da rede com a produção de conteúdo, não necessariamente seguindo-se uma linha retilínea entre estes estágios.
MEDIATECA DE CAMPINAS Com a proposta de que este projeto represente nacionalmente um pólo de educação mediada pela informação – o que caracteriza uma Mediateca – tem-se um programa de necessidades muito amplo. É prevista a inserção de usos mistos, ou seja, a combinação de uso institucional e de serviços, além de uma área de apoio comercial. À instituição está relacionada atividades de cultura e aprendizado através da combinação dos seguintes espaços: TELECENTRO: mecanismo de capacitação profissional através da democratização do uso de computadores com uso de software livre e do acesso à Internet. Neste projeto o programa do telecentro foi ampliado através da conjugação de um espaço para a Internet Livre pode-se navegar livremente pela web, fazer pesquisas, ler notícias, participar de bate-papos, redigir documentos, currículos, enviar e receber emails, etc; e um espaço para a capacitação profissional, com grandes laboratórios. METARECICLAGEM: “Em primeiro lugar, é preciso entender que não existe lixo digital, essa idéia foi estruturada pelo sistema para criar o mito de que, a cada dois anos, é preciso trocar o equipamento porque ele envelhece muito rápido e deixará de comportar softwares mais modernos que servem para fazer um monte de coisas que as pessoas não usam. Por outro lado, joga-se fora o que poderia funcionar”. Esta frase é de Cláudio Prado, coordenador de políticas digitais do Ministério da Cultura, e coloca muito bem o qual é o real significado da MetaReciclagem, ou seja,a criação de uma ponte entre o mundo digital e a ecologia que começa pela transformação da sucata digital em tecnologia de ponta, indo além da superfície rasa do assistencialismo. É previsto, portanto, a criação de um espaço onde, além da prestação de serviço da reciclagem de computadores, seja possível aprender o que é fisicamente um computador, através do remanejamento dos hardwares. ATELIÊ: Segundo o artista plástico Glauco Paiva, que trabalha no Parque Escola, em Santo André, os computadores doados para os programas de MetaReciclagem, não raro chegam em péssimo estado de conservação. Após essa observação ele criou uma etapa a mais na recuperação de sucata tecnológica que consiste em uma intervenção artística, personalizando e descaracterizando o aspecto industrial do aparelho, com a criação de um “artesanato digital”, como coloca. Procurou-se estender essa iniciativa neste projeto com a criação de um ateliê próprio para esta atividade, mas que também pode ser usado para inúmeras outras finalidades.
61 AGÊNCIA DE NOTÍCIAS: Tendo como exemplo o Centro de Mídia Independente, buscou-se aqui incluir uma pequena agência onde é possível entrar em contato mais amplo com a questão da produção de informação. Busca-se a formação de uma rede de produtores e produtoras independentes de mídia que possa oferecer ao público informação alternativa e crítica de qualidade que contribua para a construção de uma sociedade livre e igualitária, através da estrutura proporcionada principalmente pela Internet, que disponibiliza a qualquer pessoa textos, vídeos, sons e imagens tornando-se um meio democrático e descentralizado de difusão de informações. LABORATÓRIOS: Como apoio a todos os equipamentos disponíveis na Mediateca, é prevista a criação de diversos laboratórios de fotografia analógica, de manipulação de imagem digital, além de estúdios de imagem e som, este último com suporte para transmissão de dados, ou seja, a criação de uma rádio comunitária. TEATRO: Ampliando o significado cultural da Mediateca, foi prevista a criação de um teatro com suporte adequado para um grande número de tipos de peças teatrais, apresentações de dança, concertos musicais, projeção de filmes, entre outros, com capacidade para 500 pessoas. Há ainda, ao lado, um auditório para suporte de eventos que necessitem usos de salas de forma concomitante. O estúdio de áudio (colocado acima) funciona também como o apoio técnico do teatro, possibilitando também a gravação das apresentações. BIBLIOTECA: É previsto também um espaço de consulta a livros e periódicos, como apoio intelectual às demais atividades da Mediateca, assim como para o armanezamento das publicações criadas no próprio espaço. EXPOSIÇÃO: Também com o intuito de ampliar o aspecto cultural é previsto um espaço para exposições tanto internas quanto externas, colocando a Mediateca – e Campinas – dentro de um amplo circuito cultural. PARQUE: Como extensão ao objeto arquitetural é previsto a criação de um parque que atenda a uma mais ampla intervenção no espaço da cidade, proporcionando à localidade um novo espaço de uso público, além de uma ordenação viária que dá maior legibilidade à malha local.
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5 | REFERÊNCIAS PROJETUAIS INSTITUTE FOR SCIENTIFIC INFORMATION Veturi & Scott-Brown No livro Aprendendo com Las Vegas, esta cidade é transformada em laboratório para se observar uma nova forma de comunicação arquitetônica. Ao dar continuidade e desenvolvimento aos conceitos desenvolvidos em sua obra teórica anterior, Complexidade e Contradição em Ar-quitetura, procura-se aqui analisar como se dá na prática a capacidade de a arquitetura transmitir significados e valores. Em Las Vegas símbolos e anúncios provêm direção, unificam a paisagem e chegam a ter importância maior que os próprios edifícios que deveriam ser vistos e digeridos na alta velocidade da highway norte-americana. Venturi e sua equipe procuram, após esta experiência, basear e implantar em sua arquitetura os preceitos identificados, em particular o entitulado decorated shed que consiste em “abrigo convencional a que se aplicam símbolos.” [Venturi; Scott Brown; Izenour, 2003,118]
É dentro deste contexto, portanto, que é concebido o edifício para a sede do Institute for Scientific Information, localizado na Philadelphia, EUA. Segundo os preceitos do decorated shed este edifício consiste em uma caixa econômica e funcional, de planta quadrilátera, estrutura simples de vigas e pilares espaçados a cada 6 metros. A aposta dos arquitetos está, porém, em sua fachada principal, especialmente trabalhada com aplicação de pastilhas cerâmicas cujo padrão geométrico remeteria a antigos cartões de computador. Dessa forma este ornamento deveria supor a fácil e rápida identificação da função ali exercida. Entretanto, ao observar o edifício é difícil estabelecer todas as conexões acima citadas, demonstrando a limitação do ícone proposto, em especial por se relacionar ao volúvel campo da informática. Outra questão a ser evidenciada é que o ornamento parece ter sido pensado separadamente ao projeto arquitetônico e estrutural, sendo apenas posteriormente aplicado. Por sua expressão pobre e simplória, esta é uma referência de como não proceder e fazer arquitetura, em especial quando se trata de imagem, semiótica e velocidade.
BIBLIOTECA DE DELFT Mecanoo O questionamento acerca do dentro e fora, da relação entre dois espaços é marca da arquitetura moderna. Os grandes painéis de vidro é a representação física disso. Porém o que é interessante neste projeto é que o questionamento sobre os limites da arquitetura vão além, agora a arquitetura reinventa os conceitos de horizontalidade e verticalidade, o que é chão, o que é teto, o que é parede. A Biblioteca da Universidade de Delft apresenta uma cobertura que começa propriamente do solo, como uma grande rampa. É muito interessante observar o quão rico este espaço se torna. É possível ver pessoas deitadas, tomando sol, conversando, outras deslizando cobertura abaixo em pedaços de papelão. O espaço interno também ganha com essa solução já que provoca sensações diversas tais como um certo alívio ao perceber o pé direito crescer diante de si. Aqui não se utiliza apenas seu interior, utiliza-se a própria arquitetura.
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INSTITUTE FOR SOUD AND VISION Neutelings & Riedijk Como uma constante na produção de Neutelings Riedijk está o conceito de um princípio matemático simples – como no caso do instituto uma forma paralelepipídica, retangular e simples – que é mais tarde trabalhada e re-significada conforme os rumos que o projeto toma. As fachadas são invólucros regulares e contínuos que contém o edifício, dando coerência a partes díspares e uma qualidade monolítica à forma exterior. Este edifício, o Instituto de Som e Imagem dos Países Baixos, localizado em Hilversum, Holanda, consiste em 5 andares de subsolo, onde encontra-se todos os arquivos das rádios e canais televisivos holandeses; e outros 5 andares acima do solo, cujo volume abriga o museu de mídias. Há ainda um terceiro volume, onde fica a administração do instituto. Estes três volumes juntos compõem um interessante átrio de uso público, com espaço de café, leitura e estar. Este projeto apresenta uma interessante solução de fachada, através de uma pele composta telas de vidro colorido cujo relevo representa imagens importantes da história da televisão holandesa, cuja composição foi realizada pelo designer gráfico Jaap Drupsteen. O entendimento de uma unidade formal somada a especial atenção à fachada foi referência importante partida para a definição da Mediateca.
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MEDIATECA DE SENDAI Toyo Ito
A Mediateca de Sendai, Japão, é um espaço cuja proposta é permitir e endossar a criatividade tecnologicamente apoiada através do oferecimento de um programa arquitetônico que engloba desde usos públicos clássicos como biblioteca, galeria de arte e teatro; até espaços multimídia, o que faz desse edifício um híbrido tecnológico. O partido arquitetônico deste projeto é a máxima flexibilidade tanto em uso quanto em aspectos construtivos. O desenho pode ser simplificado em três elementos principais: o prato, o tubo e a pele. Toyo Ito concebeu os pratos como sendo planos abertos e livres, possibilitando assim modificações em seu uso e disposição. Conectando e suportando todos esses pratos foram idealizados os tubos, uma combinação entre estrutura e espaços de serviços tais como escadas, elevadores, tubulações por onde fluem as redes de comunicação, além de seu funcionamento como shafts de luz natural. A pele é a proteção que separa o interior do exterior de forma leve e translúcida que de dia reflete seu contexto urbano e de noite transforma o edifício em uma caixa de luz. Em contraste com a simplicidade formal do edifício encontra-se a complexidade das estruturas tubulares que englobam a estrutura de sustentação e os serviços da construção. Estes tubos são os elementos mais distintos de toda a construção e, assim, sua característica mais marcante. Além de sua clara visibilidade mesmo de fora do edifício, a forma dos tubos muda conforme se elevam de andar para andar, o que confere uma ilusória instabilidade. É através desses elementos que o conceito de pratos soltos e independentes do conjunto se consolida.
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ESTÁDIO OLÍMPICO DE PEQUIM Herzog & De Meuron O Beijing National Stadium, com projeto arquitetônico de Herzog & De Meuron, integra o conjunto de edifícios concebidos especialmente para as Olimpíadas de 2008, sediada na cidade de Pequim, China. Autores de importantes estádios como o Basel Stadium, em Basel, Suíça; e o destacado Allianz Arena, em Munique, Alemanha, onde foram disputados os jogos da Copa do Mundo de 2006; este novo projeto mostrou-se um desafio diante das inúmeras inovações construtivas, tecnológicas e formais apresentadas nas construções anteriores. Neste projeto os arquitetos optaram por conceituar-se formalmente em elementos da natureza, no caso na estrutura natural do ninho de pássaros, idéia encorajada pelo artista chinês Ai Weiwei, um dos colaboradores de H&dM para o projeto. Foi ele quem fez o primeiro croqui que mostrava uma árvore onde repousava um ninho, demonstrando, assim, como a idéia estaria alinhada com a cultura chinesa e, portanto, não seria visto como um “extra-terrestre”. A aparente situação caótica de suas linhas é falsa já que estas foram concebidas segundo meticulosos cálculos uma vez que fachada e estrutura são uma coisa só, e é neste hibridismo que reside o aspecto mais interessante desta proposta. Esta opção formal alinha-se a um constante anseio fazer arquitetura – e arte – segundo aprendizados conquistados da observação da natureza, cujas formas e aspectos estruturais resolvem-se de forma engenhosa, funcional e utilitária, ao mesmo tempo que bela.
CENTRE POMPIDOU Richard Rogers _ Renzo Piano
Este edifício além de importante símbolo da arquitetura high-tech por seu projeto à época inovador, representa a valorização do espaço público. O aspecto mais importante por ele representado neste trabalho é sua implantação diferencial. Em um entorno densamente ocupado, a escolha por implantar o edifício em apenas metade do terreno disposto criou um importante respiro no tecido urbano que, conectado ao Museu, apresenta-se como uma extensão do mesmo. Esta praça é tão importante para a região quando o próprio centro. Nela transita-se, contempla-se, faz-se encontros. Através dela o edifício e seus usos parecem infiltrar-se pelos arredores, nas pequenas pra-ças adjacentes, nas galerias de arte que pipocam no entorno, nos bares que colocam propriamente suas mesas e cadeiras viradas para o prédio como que à esperar pelo próximo acontecimento. De dia pode-se assistir apresentações espontâneas, de noite grandes ilustrações e imagens são projetados no piso da praça onde cri-anças e adultos dançam conforme seu movimento. A arquitetura permanece em sua inerente estaticidade, porém dança ao som da cidade que reverencia.
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TORRES SIAMESAS Alejandro Aravena Convidado a criar uma torre de vidro onde seriam abrigadas todas as atividades relacionadas ao uso de computadores para a Universidade Católica de Santiago do Chile, Alejandro Aravena se viu as voltas com importantes questões relacionadas com o programa e com a configuração da construção pedida. Essas questões – o tipo de espaço adequado ao estudo através do computador, o alto custo financeiro e do ponto de vista da sustentabilidade, e a dificuldade de se criar uma torre com reduzida metragem quadrada construível – foram moldando o projeto que chegou ao seu resultado final: um volume dividido em dois, como gêmeos siameses. O aspecto aqui interessante foi a resolução urbana dada à localidade do edifício. Para evitar que os alunos se isolassem do restante da vida acadêmica, ao trabalhar somente nas escuras salas de computadores, foi criado um térreo com espaços agradáveis e convidativos ao estar e ao encontro. Esses espaços foram diferenciados do restante da construção através do uso de decks de madeira em formato de grandes plataformas inclinadas que incitam o descanso e a contemplação.
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7 | BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006. BENJAMIN, Walter. Paris, Capital do Século XIX. São Paulo, Edusp, 1971. BICALHO, Marcos Pimentel. Trilhos e linhas: história do transporte coletivo em Campinas. Campinas: Prefeitura Municipal de Campinas. Secretaria Municipal de Transportes -Emdec, 2004. CANO, Wilson; BRANDÃO, Carlos A. (coords). A região metropolitana de Campinas: urbanização, economia, finanças e meio ambiente. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2002. CARPINTEIRO, Antonio Carlos Cabral. Momento de ruptura: as transformações no centro de Campinas na década dos cinqüenta. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1996. Coleção Campiniana, 8. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Vol 1: Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1994. CHOAY, Françoise. O urbanismo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2000. ITO, Toyo. Arquitectura de limites difusos. Barcelona, Editora Gustavo Gili, 2006. JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003 [2ª edição]. JAMESON, Fredric. Espaço e imagem. Editora UFRJ, 2004. Coleção Pensamento Crítico. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo: Editora SENAC São Paulo: Editora Marca D'água, 1996. _____________________. Cenários em ruínas, a realidade imaginária contemporânea. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. PIGNATARI, Décio. Semiótica da Arte e da arquitetura. 1ª ed. São Paulo: Cultrix, 1980. SEMEGHINI, C. Ulysses. Do café à indústria: uma cidade e seu tempo. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1991. SANTOS, Milton. Técnica, espaço e tempo. Hucitec, 1994. SOLÁ-MORALES, Ignasi de (org.). Presente y futuros. La arquitectura em las ciudades. UIA, Barcelona, 1996. VENTURI, Robert; SCOTT BROWN, Denise; IZENOUR, Steven. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. VIRILIO, Paul. A arte do motor. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. ___________. O espaço crítico. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
6 | ARQUITETURA
Na cidade contemporânea a aceleração dilata o tempo, provendo-lhe forma que se
traduz na abreviação das distâncias, no estreitamento do espaço. O
território, então, subordina-se a esse jogo de relações, seus objetos fragmentam-se na paisagem acelerada e virtual. A experiência arquitetural, entretanto, apresentase paradoxal, pois persiste em seu tradicional signo de solidez e estabilidade. Baudrillard coloca que a única arquitetura que corresponde ao atual estado das coisas são os “gigantes espaços de circulação, de ventilação, de ramificação efêmera”. [1987; 18] Isso porque, como coloca Paola Berenstein Jacques, é nestes ambientes que o “movimento imóvel” se dá, assim como no cinema onde movimenta-se a fotografia estática, diferenciando-se uma foto de um filme. [2001;42] A questão que se coloca é, portanto, a temporalização da arquitetura. Segundo Berenstein “'temporalizar' a arquitetura não é necessariamente uma atitude formal – uma arquitetura fragmentária não é forçosamente uma arquitetura fragmentada em sua forma –, ao contrário, a forma continua a ser uma figura espacial, quer dizer, ainda uma maneira de 'espacializar' o tempo”. [2001;49] Assim, o discurso desta arquitetura que se apresenta aqui encerra duas temporalidades: a do fragmento veloz, que é efêmero; e a da unidade dentro do fragmento, “totalmente destacado do mundo em sua volta e fechado nele mesmo como um ouriço”, na visão de Frédric Schelgel. No primeiro o homem é aquele apresentado por Virilio: corpo mecanizado, análogo e dependente de suas extensões tecnologizadas. No segundo é o homem que, “apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, (...) continua sempre a ter seu corpo e sua inelutável materialidade e, assim, ele conserva hábitos primitivos” [1]. [Berenstein Jasques, 2001;53] É necessária a materialidade do corpo para a experimentação do espaço físico. Essa dualidade apresenta-se paradoxalmente aqui através de uma distinção entre “lugar” e “espaço”, no sentido de De Certeau, onde o lugar é estável e fixo, e o espaço é instável e em movimento. O paradoxo coloca-se quando ambas tipologias – lugar e espaço – acontecem sob a mesma forma física observada em temporalidades duplas e inversas. Em outras palavras, o objeto arquitetônico
77 como um ouriço”, na visão de Frédric Schelgel. No primeiro o homem é aquele apresentado por Virilio: corpo mecanizado, análogo e dependente de suas extensões tecnologizadas. No segundo é o homem que, “apesar de todo o desenvolvimento tecnológico, (...) continua sempre a ter seu corpo e sua inelutável materialidade e, assim, ele conserva hábitos primitivos”. [Berenstein Jasques, 2001;53] É necessária a materialidade do corpo para a experimentação do espaço físico. Essa dualidade apresenta-se paradoxalmente aqui através de uma distinção entre “lugar” e “espaço”, no sentido de De Certeau, onde o lugar é estável e fixo, e o espaço é instável e em movimento. O paradoxo coloca-se quando ambas tipologias – lugar e espaço – acontecem sob a mesma forma física observada em temporalidades duplas e inversas. Em outras palavras, o objeto arquitetônico observado à alta velocidade, ou seja, cinematograficamente enquadrado pela janela do automóvel, apresenta-se como “lugar”: desencarnado e uno em seu loco, ao mesmo tempo que é fragmentado e disperso no curso da rodovia. Em oposição, o objeto arquitetônico é “espaço” assim que nele há a inscrição do corpo do praticante; o objeto inanimado ganha movimento pela relação de corporeidade proporcionada por aquele que nele interfere com seu próprio corpo.
É dentro deste contexto que insere-se a proposta arquitetônica aqui colocada. Uma arquitetura cuja “desordem aparente pode ser o resultado de uma ordem que muda rápido demais”, como coloca Jacques [2001, 43]. Aliado a este preceito está a inserção de um projeto que funcione como potencializador para este tecido urbano caracterizado como disperso e desorganizado, reordenando este espaço através de sua disseminação tanto física quanto imaterial. O edifício marca o espaço, pontua. O parque espraia e tensiona. Suas qualidades re-significam o ambiente. O processo projetual iniciou-se como a identificação dos terrenos a serem trabalhados [info #20], escolhidos pela baixíssima taxa de ocupação e abandono. As edificações que ali existiam – o depósito sem uso da Coca-Cola, um galpão, e dois edifícios paralisados no segundo andar da Encol – foram demolidos [info #21]. A partir desta tela em branco foram delineadas duas macro áreas de implantação: uma para o edifício e outra para o parque [info #22]. A localização do edifício foi o ponto de partida, pois sua concepção possui mais particularidades, alinhadas ao partido conceitual. A Mediateca necessitava estar alinhada às vias de trânsito rápido – avenida, rodovia – para que sua posição de fragmento inserido ao meio veloz se efetivasse. O parque é o negativo do edifício e alinhava o entorno, estruturando-o. Esses princípios estabeleceram, junto à revisão da legislação (página 54), a forma geral da Mediateca [info #23].
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PARQUE
PARQUE PARQUE PARQUE
PARQUE
PARQUE PARQUE PARQUE
#22
#21 RODOVIA ANHANGUERA
PARQUE PARQUE PARQUE
MEDIATECA MEDIATECA MEDIATECA
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Formalmente o edifício consiste em um invólucro regular, uma caixa de dimensões grandiosas. Abraça este bloco hermético uma complexa trama metálica, uma segunda pele que possui tanto a finalidade de endossar o efeito visual da construção, como proporcionar certa proteção contra a insolação. Esta proteção não é total, pois a desejada complexidade do jogo de sombras que marca as superfícies da construção só é atingida com este grau de permeabilidade da luz adotado na malha. Esta segunda pele acompanha e intensifica os ângulos agudos das extremidades do edifício, cujas forma de cunha possui o signo da agressividade e velocidade, tal qual um carro de corrida. Este efeito é potencializado pelo estado de aceleração da rodovia. Com o parque procura-se realizar uma extensão da Mediateca para a cidade, um pensamento sobre seu significado e impacto para o entorno. Aqui conjuga-se os estados de contemplação-livre da área verde ligado ao estar-utilitário das praças comerciais. Ambos acontecem juntos, porém deslocados em níveis físicos diferentes. O parque portanto sobrevoa a rua, cria novas e diferenciadas perspectivas, enquanto desenha uma cobertura para estas galerias. Foi idealizado, porém não detalhado, um segundo edifício de uso esportivo, provocando um efeito de tensão entre os diferentes programas que, conseqüentemente, vitaliza o parque em si através do ir e vir.
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FACHADA SUL IMPLANTAÇÃO
CORTE AA
FACHADA NORTE
FACHADA OESTE
CORTE BB
83 A entrada do edifício [Pavimento #0] se dá através desse recuo posterior transformado em parque. Cercado por rampas encontra-se o plano de acesso ao edifício cuja continuidade em forma e revestimento (pranchas de madeira) desmaterializa o conceito de “entrada e saída”, “dentro e fora”, proporcionando uma maior oportunidade de experimentação do espaço. Uma vez na recepção pode-se descer encontrando o telecentro e a Internet livre [Pavimento #-1]. Neste espaço encontra-se uma recepção própria ao mesmo, assim como área de espera. Da recepção pode-se também subir ao segundo pavimento, uma área livre para exposições com uma café e mesas.
Praça de acesso
Recepção
Telecentro
A circulação vertical se dá majoritariamente através de rampas, escadas conjugadas à rampas e escadas rolantes devido a possibilidade por esse meios apresentada de transpor níveis sem, no entanto, tirar a atenção da apreensão do espaço arquitetônico proposto. Este pensamento pôde já ser encontrado na ilustre Ville Savoye onde Le Corbusier coloca em prática o conceito de promenade architecturale (algo como passeio arquitetônico) no qual o olhar deve estar profundamente articulado às modalidades de locomoção, e que tem na rampa da residência a sua materialização. É, portanto, através de escadas rolantes que a partir do segundo andar se acessam os demais pavimentos. No próximo andar [Pavimento #1] encontra-se o lounge do Auditório e do Teatro que foi idealizado para ser também um espaço complementar às salas principais onde, caso atingida as capacidades máximas, possa-se assistir às apresentações em um telão. Contíguo ao teatro há um estúdio de áudio que além de prover apoio técnico ao espaço, confere a possibilidade de gravações das apresentações, além de comportar uma rádio comunitária.
Circulação
Lounge
Teatro
Auditório
85 O Pavimento #2 dá lugar à biblioteca com um grande acervo de periódicos, gibis, publicações internas e livros. Aqui encontra-se também a produtora onde trabalha-se com o conceito de mídia independente. A administração da Mediateca também encontra-se neste andar, isolada por uma área livre de onde se têm uma incrível vista de toda a região. No Pavimento #3 encontra-se o espaço da MetaReciclagem, grande área com estações de trabalho e ensino no remanejamento de computadores. A intenção é que este espaço seja referencial, por isso o grande número de estações.
Biblioteca
Biblioteca
Vista
MetaReciclagem
O último andar [Pavimento #4) dá lugar aos laboratórios de informática, de fotografia, ao ateliê onde, além de outras atividades diversas, os computadores remanufaturados ganham expressão artística. Cada laboratório de informática possui um metro de desnível com relação ao anterior o que proporciona uma intrigante e diversa leitura do espaço, gera nichos de encontro nas escadas e rampas de acesso e, principalmente, proporcionam, ao chegar em seu nível mais baixo o pé-direito necessário para a locação do estúdio de imagem e fotografia.
87 O Pavimento #2 dá lugar à biblioteca com um grande acervo de periódicos, gibis, publicações internas e livros. Aqui encontra-se também a produtora onde trabalha-se com o conceito de mídia independente. A administração da Mediateca também encontra-se neste andar, isolada por uma área livre de onde se têm uma incrível vista de toda a região. No Pavimento #3 encontra-se o espaço da MetaReciclagem, grande área com estações de trabalho e ensino no remanejamento de computadores. A intenção é que este espaço seja referencial, por isso o grande número de estações.
Biblioteca
Biblioteca
Vista
MetaReciclagem
PAV -1 PAV 0
PAV +1
PAV +2
PAV +3
PAV +4
89 ESTUDO DE INSOLAÇÃO A Mediateca consiste em um edifício laminar com suas maiores faces orientadas - com leve distorção - em Norte e Sul, evitando, portanto, os picos de luz e calor provenientes de Leste e Oeste, como é possível ver na simulação a seguir.
Solstício de Inverno | 21.06
Solstício de Verão | 21.12
9:00 h
9:00 h
13:00 h
13:00 h
16:00 h
16:00 h
Equinรณcio de Outono | 21.03
Equinรณcio de Primavera | 23.09
9:00 h
9:00 h
13:00 h
13:00 h
16:00 h
16:00 h
91 PARTIDO ESTRUTURAL A estrutura do edificio foi uma etapa decisiva na concepção do mesmo como um todo. A partir dela definiu-se todas as dimensões básicas do desenho arquitetônico. Trata-se de um grande conjunto em aço treliçado tanto na vertical quanto na horizontal, conformando uma caixa sustentada por triangulação. Em planta a laje é apoiada no vai e vêm das vigas que a sustentam, em um zigue-zague. Nas extremidades existe uma conjunção com a estrutura em concreto armado que compõem a caixa de elevadores e banheiros que por sua vez sustentam o início das lajes devido aos próprios elevadores, escadas rolantes e saídas de emergência que necessitam de espaços sem a influência de elementos horizontais para funcionarem. A escolha dessa estrutura refletiu-se em uma fachada dinâmica e interiores diferenciados, em conexão, portanto, com o partido arquitetônico inicial.