MULHER E MORADIA _
a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional trabalho final de graduação
Débora Mantovan Érnica
Débora Mantovan Érnica
MULHER E MORADIA
A relação entre o patriarcado e o desenho habitacional. Universidade Anhembi Morumbi Trabalho final de graduação desenvolvido e apresentado como requisito para obtenção do título de Arquiteta e Urbanista. Orientação de Me. Claudio Manetti e Dra. Virgínia C. Costa Marcelo São Paulo, SP. Junho, 2016.
Aos meus pais, meu irmĂŁo, meu companheiro e a todas as mulheres.
RESUMO
O espaço e o indivíduo têm uma estrita relação formada a partir do contexto em que
estão inseridos, podendo ser produto de seu meio histórico ou como objeto modificador de seu ambiente. Sendo assim, a moradia, como Arquitetura, é tida como o espaço em sua forma física, tendo então a capacidade de modificar o meio a partir de sua interação com seu cenário e, consequentemente, com seu usuário. Tal esse, que no trabalho em questão se faz presente na figura da mulher, em uma análise da relação entre os dois objetos de estudo como reflexão de seu contexto histórico. O trabalho se faz persistente a partir da premissa de que, tanto o espaço, quanto o contexto social têm papel fundamental dentro da história feminina, como meios de aprisionamento e demérito da mesma. Para entender essa conjuntura, foi preciso estudar de maneira concisa – nos dois primeiros capítulos – a história de ambos objetos de estudo, além de definir a moradia brasileira como recorte afim de obter respostas mais precisas e próximas da realidade local. O último capítulo é formado pela escolha de moradias presentes em contextos de maior relevância, concomitantemente, na história da mulher e da habitação, mostrando que suas associações são fatuais e que as mesmas estão diretamente ligadas ao processo histórico-econômico do país, que possibilitou a liberdade feminina dentro da sociedade, mas não necessariamente condicionou um fator permissível a sua igualdade, uma vez que o capitalismo necessite de tais diferenças.
Palavras Chave: MULHER; MORADIA; IGUALDADE; ARQUITETURA PAULISTA; CAPITALISMO.
ABSTRACT
The space and the individual have a strict relation formed by the context in which they are
in, it can be inserted by its historical means or as an object that modifies its sorroundings. therefore, a dwelling, as architecture, is taken as space in its physical form, by having the capacity of modifying the surroundings through interaction with the setting, consequently, it interacts with the user as well. In this present work it’s present in the women’s figure,by analyzing the relation of two study objects as a reflection of their historical context. This work persists from the premiss in which, both the space, and the social context have fundamental roles on female history, as means of imprisoning and demeriting women. In order to understand this conjecture, it was necessary to study it in a concise way. On the first 2 chapters, history of both study objects, not only defines brazilian dwellings as a section in order to gather more precise answers related to the place reality. The last chapter is formed by the present dwelling choices in a relevance comparison scale, concomitantly, relevance related to women and dwelling history, showing that their relations are factual and that they are directly tied to the historical-economic process of the country, that made female liberty in society possible, but not necessarily it brought the allowing factor the same equality, since capitalism needs these differences.
Keywords: WOMAN; DWELLING; EQUALITY; PAULISTA ARCHITECTURE; CAPITALISM.
ÍNDICE 011
Introdução
017 021 031 032 035 037 040 047 047 052 059
1. Mulher 1.1. ascenção masculina e formação da família monogâmica 1.2. evolução do papel feminino europeu antes da revolução 1.2.1. grécia antiga 1.2.2. império romano 1.2.3. o feudalismo 1.2.4. antigo regime, o renascimento e os primeiros pensamentos feministas 1.3. as revoluções européias e seus reflexos na mulher ocidental 1.3.1. revolução francesa 1.3.2. revolução industrial 1.3.3. as sufragistas
071 073 081 082 089 092 092
2. Moradias Brasileiras 2.1. habitações indígenas 2.2. período colonial 2.2.1. casa dos primeiros séculos 2.2.2. casa na economia açucareira 2.3. da monarquia à república 2.3.1. casa neoclássica
098 109
2.3.2. casa eclética, cortiços e vilas operárias 2.4. transformações na arquitetura do século XX
119 123 132 148
3. Estudo e Crítica das Relações 3.1. casa colonial e enclausuramento feminino 3.2. a casa eclética, vilas operárias e o acesso ao espaço público 3.3. a moradia moderna, a habitação social e a dupla jornada
161
Conclusão
165 171 173
Lista de Figuras Lista de Infográficos Bibliografia
INTRODUÇÃO
É inegável que ao se estudar Arquitetura e Urbanismo exercita-se também a discussão so-
bre Sociedade, uma vez que a mesma é capaz de influenciar no ser e no viver. Dentro dos vários temas em torno dessa relação, um dos mais debatidos aborda a habitação e sua função social, pois além de ser reconhecida como direito humano (1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas1), devido a sua capacidade de compor a base necessária para o indivíduo viver em sociedade, ela também é vista como um dos principais problemas urbanos. Porém, são poucos os estudos que abordam a moradia, sua evolução projetual e a relação de seu meio físico com seus respectivos usuários. Numa perspectiva pessoal e junto às essas questões, foi se construindo, como feminista e futura arquiteta, a inquietação sobre o quão pouco é discutida a relação da mulher na arquitetura, seja em questões profissionais – como a pouca visibilidade de personalidades femininas dentro de toda a história da arquitetura – e também no papel de usuária do espaço.
“O homem é apresentado como possuidor do atributo das proporções naturais perfeitas.” 2
Figura 001: Modulor. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por. pdf>. Acesso em 20/09/2015. 1
AGREST, Diana I. Feminismo, gênero e o problema do corpo. In: NESBITT, Kate (org). Uma nova agenda para a arquitetura. Antologia teórica (1965-1995). São Paulo: Cosac Naify, 2006. 2
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Partindo do princípio de que a moradia é o local onde o indivíduo realiza todas suas princi-
pais necessidades, como dormir, comer e ter seu lazer, o cômodo da casa aparece, então, como meio divisor de tais funções. Porém quando se estuda a planta de algumas habitações – das mais variadas épocas – fica claro que suas configurações, principalmente a distribuição dos ambientes, foram mudando com o passar do tempo. A problematização surge quando a composição dos ambientes da casa deixa de ser resolvida a partir de suas respectivas funções – serviço, higiene, descanso e lazer – e passa a ser distribuída com a finalidade de segregar os usuários sob um preceito hierárquico.
Essas mudanças acontecem entre os séculos V e XV quando há uma ascensão da superio-
ridade masculina. Nesse contexto, a mulher é tida como um objeto, na qual sua função se resume em satisfazer as necessidades sexuais do homem, reproduzir herdeiros e novas reprodutoras, além de exercer o trabalho doméstico. Partindo desse raciocínio, o desenho da casa passou a ser desenvolvido para que a mulher permanecesse sob um regime interno de exclusão da vida urbana e de trabalho doméstico, interligando e isolando assim os principais cômodos de uso feminino e fortalecendo o ocultamento da mesma para com a sociedade. Segundo o arquiteto Carlos Lemos (1976): Havia a segregação moura de mulheres e elas, nunca aparecendo a ninguém e sempre espreitando pelas frestas das portas e pelas treliças das rótulas, organizavam na intimidade das dependências internas da morada a subsistência da família, conservando hábitos, transmitindo ensinamentos, mantendo tradições, usos e costumes.3
Porém, com o advento do capitalismo industrial e da necessidade da indústria de um maior
número de mão de obra, a mulher passou a assumir responsabilidades operárias, expandindo sua atuação para além dos afazeres domésticos, e por consequência, assumindo um cotidiano com
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc. Coleção Debates. Obra publicada em coedição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. 3
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dupla jornada de trabalho. Este fato proporcionou e encorajou teóricas feministas e arquitetos modernistas a uma redescoberta do desenho arquitetônico habitacional e da sua relação com o espaço urbano. Dolores Hayden (1982) discorre sobre essa relação entre o modo de morar e o trabalho operário e doméstico. The transformation of transportation technology and urban life in the industrial city encouraged material feminists to contribute their economic and spatial analysis of household work to debates about neighborhood design and housing design. Industrial capitalism had begun to change the economic basis of domestic work; urbanization had begun to change the environmental basis; therefore, some material feminists argued that the role of the housewife and the design of the domestic workplace must evolve in a more collective direction. 4
Apesar de todas as modificações e conquistas que as mulheres obtiveram – acesso à edu-
cação, ao voto, melhores salários, consequentemente, maior autonomia, entre outras –, o patriarcalismo ainda se manifesta na sociedade, pois além de suas raízes serem radicadas no ideário humano, também são nos espaços urbanos e arquitetônicos. A permanência da desigualdade de gênero fica evidente quando a mulher passa a ter acesso ao espaço público, uma vez que o mesmo já havia sido estruturado a partir de preceitos de uso e vivência masculina, como por exemplo, a precariedade na dinâmica de uso do espaço, onde há lugares que transmitem uma sensação de insegurança devido ao com pouco movimento em certos horários e até mesmo a não existência de uma iluminação adequada.
Em suma, o trabalho se estruturará em dois grandes eixos – mulher e moradia – que consiste
em toda a base teórica para o estudo do desenvolvimento habitacional e sua relação com o empoderamento feminino na sociedade, fundamentando assim a existência de uma ligação entre os dois processos. Sendo assim, a monografia será composta por três capítulos somados à conclusão:
HAYDEN, Dolores. The Grand Domestic Revolution: A history of feminist designs for American homes, neighborhoods, and cities. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 1982. 4
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o primeiro capítulo terá como foco a história da mulher, partindo do esclarecimento de quais fatores alavancaram a ascensão da coerção masculina e em qual fase da história isto ocorreu, além de tratar sobre o posicionamento feminino e sua servidão estrutural diante da cultura patriarcal. Ainda no mesmo capítulo, será tratado sobre quais foram as razões que levaram a mulher assumir o controle de si e, junto a isto, contextualizar o surgimento do movimento feminista e qual a sua ligação com o processo de empoderamento da mesma. Como forma de desenvolver discussões mais objetivas acerca dessas relações, será preciso elucidar o que é o feminismo, como surgiu, quais eram e quais são os seus ideais. Para isso, será tomado como referência teóricos precursores das principais discussões sobre a formação da sociedade e da mulher, como Frederick Engels e Simone de Beauvoir.
Concomitantemente, tais questões serão abordadas no âmbito nacional, mostrando qual
a situação da brasileira no mesmo período discutido. Assim, estudaremos os motivos que alavancaram a luta pela liberdade feminina no Brasil, além de esclarecer quando surgiu o feminismo brasileiro.
O segundo capítulo irá se concentrar na história da moradia brasileira – com apoio teórico
de autores como Carlos Lemos, Nestor Goulart e Günter Weimer. Nesse momento será abordado as principais culturas que influenciaram na composição da arquitetura habitacional nacional, como também suas mudanças projetuais mais expressivas ao longo dos anos. Essas alterações serão estudadas junto ao contexto em que se encontra o desenho da casa, além de tentar mapear quais são os fatores influenciadores dessas mudanças.
No terceiro e último capítulo será definido primeira os períodos históricos mais relevantes
para a análise e a partir disso serão escolhidas as moradias que agreguem de maneira clara as características de seu período – relação com o lote, distribuição interna, usos e funções de cada cômodo. Através da união dessa análise com o estudo do desenvolvimento da mulher no espaço privado e no público, será, então, possível alcançar um resultado mais sólido para a apresentação da conclusão do trabalho.
014 pag.
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1. MULHER
É comum ser retratado, na maioria dos idiomas, o termo mulher agregado à palavra es-
posa. Como Danda Prado (1993) cita, isso ocorre devido às duas palavras carregarem consigo a mesma conotação hierárquica de submissão e dependência com relação ao marido1. De acordo com o dicionário MICHAELIS (2009)2, o termo esposa e mulher tem respectivamente os seguintes significados: es.po.sa: (ô) sf (lat sponsa) 1. Mulher que está ajustada para casar. 2. Mulher casada (em relação ao marido). 3. A Igreja e a freira, em relação a Cristo, no sentido místico. E. de Jesus Cristo: a Igreja. Esposas do Senhor: as freiras, as religiosas. mu.lher: sf (lat mulierem) [...] 7. Num casal, aquela com quem o homem tem relação formalizada pelo casamento; esposa. 8. Aquela com quem o homem tem relação estável, mas sem vínculo legal; amante, concubina. 9. Forma de tratamento que denota intimidade e, às vezes, desrespeito: Mulher, vê se me esquece. 10. Aquela com quem se tem uma relação romântica ou de caráter meramente sexual; namorada: Está sempre trocando de mulher. 11. O ser humano do sexo feminino que apresenta características consideradas próprias do seu sexo, como delicadeza, carinho, sensibilidade etc.
1
PRADO, Yolanda Cerquinho da Silva. Ser esposa: a mais antiga profissão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979. Pg. 11
MELHORAMENTOS. Michaelis: dicionário escolar Língua Portuguesa. Editora Melhoramentos, 2009. Disponível em <http:// michaelis.uol.com.br/>. Acesso em 15/08/2015. 2
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Figura 002: Hildegard von Bingen, 2014.
Essa forma adjetivada ao definir mulher surge a partir do século XII, quando, levados por um
senso normatizado de dominação masculina, “o código cortês desenvolve o culto da Dama amada”3, mistificando-a e enaltecendo a sua existência como um ser carinhoso, delicado, sensível e, no popular, sexo frágil. A promoção de tais termos acarreta na relevância de seus significados particulares, porém, quando esmiuçadas, convergendo para um conteúdo e peso unificado: ca.ri.nho.so: adj (carinho+oso) 1. Que trata com carinho. 2. Em que há carinho. 3. Afável, afetuoso, meigo. de.li.ca.do: adj (lat delicatu) 1. Brando, dúctil, macio, mole. 2. Débil, fraco, precário. 3. Frágil. 4. Detalhe fino e delgado. sen.sí.vel: adj m+f (lat sensibile) 1. Que é dotado de sensibilidade. 2. Capaz de receber impressões de agentes exteriores pelos órgãos dos sentidos. ins.tá.vel: adj (lat instabile) 1. Que não é estável, que não tem segurança, que não tem condições de permanência. 2. Que não está firme, que não permanece na mesma posição. 3. Inconstante, mutável, volúvel. frá.gil: adj (lat fragile) 1. Quebradiço. 2. Fraco. 3. Que tem pouca duração. 4. Sujeito a erros e culpas.
A conexão entre essas definições evidencia que, apesar de sua importância ao conheci-
mento e esclarecimento da língua e de seus termos, o dicionário também atua na permanência desses fundamentos no ideário comum, por mais que os mesmos tenham sido questionados durante o século XVII.
As primeiras discussões a respeito do elemento feminino e seu papel na sociedade, se-
gundo Carla Garcia (2015), iniciam no Renascimento em meados do século XVII, devido ao livre acesso à cultura que fora permitido à mulher, e, posteriormente, são fortalecidas com o advento da industrialização ao longo do século XIX4. Justificada pela massiva saída da mulher do ambiente
LYPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: Permanência e revolução do feminino. Trad. Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Pg. 234 3
4
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 36
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privado para a garantia de um maior acesso ao domínio público. Essa apropriação do espaço aberto acarretou a geração de um sentimento mútuo de pertencimento do mesmo e, consequentemente, de si.
O autoconhecimento feminino gera desconforto naqueles que defendem e que acredi-
tam que as diferenças entre os sexos são baseadas em características culturais, sociais e pessoais, comumente expressadas por adjetivos. De acordo com Simone de Beauvoir (1970), há aqueles que declaram seu descontentamento com a situação e afirmam que a mulher está perdendo sua feminilidade, seu sentido5. Assumindo tal perspectiva de forma analítica, temos que um ser humano do sexo feminino não é absolutamente mulher caso não contenha atributos e comportamentos referentes ao mesmo (delicados, frágeis), mesmo que ainda possua suas características biológicas referentes ao seu gênero.
Beauvoir (1967) ainda acrescenta que, apesar de que a independência feminina estar qua-
se concreta, ainda é necessário estudar o destino tradicional da mulher, devido que as mesmas são educadas por aquelas e aqueles que vieram do modelo patriarcal6. Sendo assim, seu destino inicialmente parte da família, subordinadas ao pai, e em seguida ao casamento, subordinando-as ao homem, seu marido.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 7 5
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. Trad. Sérgio Milliet. 2.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967. Pg. 7 6
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1.1. ASCENSÃO MASCULINA E A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA MONOGÂMICA
Assim como os dados que a língua apresenta, os fatos Pré-Históricos também são funda-
mentais para a compreensão de como foi estabelecida a hierarquia dos sexos, o surgimento da ligação feminina com a moradia e a sua dependência domiciliar. Cabe então entender como era a dinâmica entre as pessoas e o seu grupo nos seus três períodos: o estado selvagem, a barbárie e a civilização, esta última marcada pela ascensão masculina.
Os primeiros indícios de gens – pessoas unidas a partir de seu parentesco por descendência
de um ancestral comum, o mesmo que clã – formados no período selvagem são tão remotos que não há provas diretas de sua real existência, porém acredita-se que os mesmos surgiram a partir da reciprocidade entre os membros e da ausência de ciúmes. Doravante a essas circunstâncias são gerados os grupos matrimoniais – “grupos inteiros de homens e grupos inteiros de mulheres que se pertenciam mutuamente”7 –, pois nesse estágio não havia ainda sentimentos relacionados ao domínio sobre outro ou espaço.
Nesse período os indivíduos do grupo ainda são dependentes de bens naturais, passivos
ao acaso de sua existência e não possuem conhecimento de sua força, por consequência se limitavam apenas ao cultivo e à coleta de produtos gerados pelo solo. Seu uso era comum a todos, inclusive as mulheres. Devido ao caráter rudimentar dos instrumentos usados e das limitações agrícolas, as forças físicas femininas eram proporcionais ao que era necessário quanto ao plantio. Apesar disso a divisão das atividades comuns entre os sexos já existia, pois, para a mulher, a menstruarão, a gravidez e o parto diminuíam sua capacidade de trabalho por longos períodos. A mulher que engendra não conhece, pois, o orgulho da criação; sente-se o joguete passivo de forças obscuras e o parto doloroso é um acidente inútil e até importuno. [...]. Contudo,
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: Trabalho relacionado com as investigações de L. H. Morgan. Trad. Leandro Konder. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1982. Pg. 36 7
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SELVAGENS GRUPOS MATRIMONIAIS
Homem
Mulher
Não há domínio sobre outros indivíduos, todos se relacionam mutuamente.
Infográfico 001: Grupos Matrimoniais.
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engendrar, aleitar não são atividades, são funções naturais; nenhum projeto nelas se empenha. Eis porque nelas a mulher não encontra motivo para uma afirmação altiva de sua existência: ela suporta passivamente seu destino biológico. Os trabalhos domésticos a que está votada, porque só eles são conciliáveis com os encargos da maternidade, encerram-na na repetição e na imanência. (BEAUVOIR, 1970, pg. 83)
A passividade da mulher ao seu destino biológico e o desconhecimento de métodos con-
tra conceptivos e abortivos a leva, junto ao homem, reproduzir continuadamente. Desse estado primitivo relacional é formada as famílias consanguíneas que, segundo Morgan, consistem na primeira etapa de família. Nela, os grupos conjugais classificam-se por gerações: todos os avôs e avós, nos limites da família, são maridos e mulheres entre si; o mesmo sucede com seus filhos, quer dizer, com os pais e mães; os filhos destes, por sua vez, constituem o terceiro círculo de cônjuges comuns; e seus filhos, isto é, os bisnetos dos primeiros, o quarto círculo. (1871, apud ENGELS, 1982, pg.38)
Em todas essas fases, a mulher, além de ser livre quanto aos seus vínculos familiares, possuia
grande importância dentro da comunidade. Isso porque, como todas as formas de família por grupos, nesse estado de relação mútua entre seus indivíduos, não era possível traçar uma linhagem biológica de crédito vinculando o pai biológico a cada criança, sendo assim a descendência dos indivíduos gerados pela comunidade era reconhecida apenas pelo seu lado materno.
Porém, igualmente aos primeiros clãs, a família consanguínea desaparece sem deixar
exemplos precisos sobre sua existência. Tal modelo de família dará base para o surgimento da segunda fase que, como Engels apresenta, Morgan nomeia tal formação de “família Punaluana”8,
8
L.H. Morgan. Systems of Consanguinity and Affinity of the Human Family. Washington, 1871.
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SELVAGENS FAMÍLIA COSANGUÍNEA
Avós
Pais
Filhos
Os indivíduos passam a se relacionar apenas com outros de mesma geração.
Infográfico 002: Família Cosanguínea
024 pag.
SELVAGENS FAMÍLIA PUNALUANA
Indivíduos irmãos advindos apenas de mesma mãe não mais se relacionam.
Infográfico 003: Família Punaluana
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nela além das relações sexuais entre pais e filhos não serem mais aceitas a exclusão também passou considerar irmãos, partido de irmãos uterinos e, posteriormente, considerando colaterais (primos).
A proibição do matrimônio entre consanguíneos acabou gerando a formação de numero-
sas classes de “irmãos” e “irmãs”. “A seleção natural realizara sua obra, reduzindo cada vez mais a comunidade dos matrimônios; nada mais havia a fazer nesse sentido”9. Com a exclusão de possibilidades de formação familiar, ocorre o fortalecimento e a consolidação da união, agora, por pares, dando origem a terceira fase da família chamada de “Sindiásmica”.
Esse novo modelo de família aparece no limite entre o estado selvagem e da barbárie –
esta última marcada como o período em que é iniciado o cultivo de plantas e a criação e domesticação de animais – acarretando consideravelmente nas relações interpessoais, modificando a dinâmica das comunidades e reforçando a fixação do grupo ao solo. Até a fase inferior da barbárie, a riqueza duradoura limitava-se pouco mais ou menos à habitação, às vestes, aos adornos primitivos e aos utensílios necessários para a obtenção e preparação dos alimentos [...]. O alimento devia ser conseguido todo dia novamente. Agora, com suas manadas [...], os povos pastores, que iam ganhando terreno haviam adquirido riquezas que precisavam apenas de vigilância e dos cuidados mais primitivos. (ENGELS, 1982, pg. 57)
Aliado e paralelo a esse processo também houve a descoberta e a prática de metais, e
seus respectivos usos – armas, ferramentas, utensílios domésticos. Somados, esses fatores acarretaram significativas mudanças para a figura feminina dentro da comunidade. O aumento da extensão territorial para o cultivo e para a criação gerou a necessidade de um número maior de mão de obra e o desejo de exercer sua respectiva labuta com maior abrangência ao seu território, deste modo o homem passou a recorrer e depender de serviços de outros homens, reduzindo os ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: Trabalho relacionado com as investigações de L. H. Morgan. Trad. Leandro Konder. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1982. Pg. 56. 9
026 pag.
mesmos à escravidão. Os trabalhos exercidos pelos escravos eram bem mais eficientes que o da mulher – parâmetros biológicos –, isso acarretará na desvalorização econômica e operacional da mesma dentro do grupo e na sua exclusão em expedições e caças.
O único prestígio da mulher passara a ser, portanto, o seu fator biológico provedor de mão
de obra, devido ao valor imposto na capacidade de trabalho futura de seus filhos. Posteriormente, o advento da propriedade e o matrimônio sindiásmico (por pares) gerara uma nova hierarquia à família. Com a possibilidade sintomática de identificação biológica do pai, agora presente devido ao matrimônio sindiásmico, o mesmo passa a ter relevância, junto a mãe biológica, como pai diretamente ligado à criança.
No entanto, em casos de separação do casal, cada um retinha direito aos seus respecti-
vos instrumentos e propriedades, ou seja, o homem possuía pleno direito sobre seus instrumentos de plantio e caça, da plantação em si, do gado e também de seus escravos, enquanto a mulher mantinha consigo, apenas, seus utensílios domésticos. Desse modo, devido ao acumulo de posses e recursos, o homem passara a deter um poder de maior significância na família, em detrimento da mulher, proporcionando o crescimento da necessidade de herdeiros diretos – filhos biológicos – para tais bens. [...] o proprietário aliena sua existência na propriedade; a esta se apega mais do que à própria vida; ela ultrapassa os estreitos limites da vida temporal, subsiste além da destruição do corpo, encarnação terrestre e sensível da alma imortal. Mas essa sobrevivência só se realiza se a propriedade continua nas mãos do proprietário: ela só pode ser sua além da morte, se pertencer a indivíduos em quem se prolongue e se reconheça, que são seus. (BEAUVOIR, 1970, pg. 102)
Entretanto, o direito sobre o filho ainda era materno, ou seja, caso o homem falecesse sua
respectiva herança passaria, em primeiro lugar, dividido para seus irmãos e irmãs (lembrando que aqui não é considerado o termo contemporâneo de “irmão” e “irmã”). No que se diz respeito aos seus filhos, estes estariam deserdados. Sendo assim, o homem abole o direito materno.
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BÁRBAROS FAMÍLIA SINDIÁSMICA
Relação de indivíduos por pares principais, porém aberto em um sentido poligâmico.
Infográfico 004: Família Sindiásmica
BÁRBAROS FAMÍLIA MONOGÂMICA
Relacionamento fechado por pares monogâmicos.
Infográfico 005: Família Monogâmica
028 pag.
Tal revolução – uma das mais das mais profundas que a humanidade já conheceu – não teve necessidade de tocar em nenhum dos membros vivos da gens. Todos os membros da gens puderam continuar sendo o que até então haviam sido. Bastou decidir simplesmente que, de futuro, os descendentes de um membro masculino permaneceriam na gens, mas os descendentes de um membro feminino sairiam dela, passando à gens de seu pai. (ENGELS, 1982, pg. 59)
Por consequência, a mulher perde seu direito hereditário e, a partir desse golpe, fora resu-
mida e posicionada como escrava doméstica e usada apenas como instrumento reprodutivo do homem. Para Engels (1982), a perda do direito materno é a grande derrota na história feminina 10, no entanto, Simone(1970) ressalta que, “em verdade, essa idade de ouro da mulher não passa de um mito. Dizer que a mulher era o Outro equivale a dizer que não existia entre os sexos uma relação de reciprocidade”11.
Para assegurar a paternidade sobre os filhos, o homem precisara garantir a fidelidade da
mulher, transformando no que era matrimônio sindiásmico em relação monogâmica, na qual tanto o homem quanto a mulher possuíram apenas um cônjuge enquanto estiverem juntos; o direito ao rompimento da união é concedido apenas para o homem. Junto a isso, a mulher, que antes era “emprestada” de um clã para o outro, “é radicalmente tirada do grupo em que nasceu e anexada ao do esposo; ele compra-a como compra uma rês ou um escravo e impõe-lhe as divindades domésticas”12.
Esse novo contexto de família monogâmica e de comunidade patriarcal com posse e
cultivo do solo em comum adquire agora uma significância bem diferente para a vida feminina
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: Trabalho relacionado com as investigações de L. H. Morgan. Trad. Leandro Konder. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1982. Pg. 61 10
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 91. 11
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 102. 12
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devido à dominação que o marido passa a ter sobre seu exercício de trabalho, sua reprodução e seus filhos. A mulher perde toda sua independência como indivíduo e todo o poder sobre seu próprio corpo, trazendo conseqüências – para “os papéis, os estatutos e a personalidade das mulheres desde seu nascimento” – que refletirão em toda a sua história.
030 pag.
1.2. EVOLUÇÃO DO PAPEL FEMININO EUROPEU ANTES DA INDUSTRIALIZAÇÃO
O poder do homem sobre a mulher e seus filhos não fora um ato conquistado por meio de
disputa de forças, mas sim através de sutis mudanças no cotidiano da mulher, ao longo do tempo em que a mesmo fora perdendo cada vez mais todos seus direitos, mesmo que nunca tenha sido dona deles, apenas mediadora.
É difícil manter uma coerência histórico-evolutiva da situação feminina devido aos pou-
cos registros textuais que se tem em torno de toda essa passagem do sistema comunista primitivo para o patriarcado14. No entanto, o que se tem de certo são as modificações que ocorreram no estatuto e no papel da mulher dentro da sociedade; a importância de ressaltá-las, mesmo que de maneira não temporal, faz-se devido às consequências que acarretaram na vida da mulher até os dias atuais.
Dentre as sucessões de relevância considerada, são reconhecidos episódios sequenciais
de tais modificações, como o afastamento da esposa de seu seio familiar e a sua fixação junto ao seu marido e à família do mesmo, quando feita a união do casal, passando a participar também de sua posição social. Suas funções são, então, determinadas junto às tarefas de sua sogra, cunhadas, sobrinhas, ou seja, junto às mulheres de sua nova família.
Além de sua posição, sua função pode mudar com o tempo dependendo do número,
sexo e idade que seus filhos tiverem. Em casos de uniões poligâmicas – é importante ressaltar que o termo refere à junção de um homem com mais de uma esposa, caso contrário, tem-se como “poliandria” – a condição da mulher era definida de maneira diferente para cada uma, variando de acordo com o tempo de casada, se tinha, ou não, filhos e se eram mais velhos que os outros.
Nas posições mais periféricas da sociedade se encontravam as solteiras, seja por idade ou
até mesmo por não aceitação da condição de subordinação que deviam ao homem quando casadas.
14
PRADO, Yolanda Cerquinho da Silva. Ser esposa: a mais antiga profissão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979. Pg. 31.
pag. 031
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
As mulheres sozinhas (quer dizer, as solteiras ou as “noivas”) ocupavam posições marginais, como prostitutas, escravas, concubinas etc., ou ficavam a serviço da sexualidade dos homens, tornando-se dependentes de seus familiares, trabalhando para os irmãos e parentes em situação de inferioridade com relação às cunhadas eram férteis. (PRADO, 1979, pg. 39).
Independentemente da situação e posição social que a mulher retinha, ela sempre se en-
contrava sujeita à autoridade e tutela de um homem, seja ele seu marido, pai ou irmão. São esses que decidirão todas as regras e obrigações que a mesma deverá seguir e cumprir respectivamente.
Tendo em vista esse meio abordado, são ressaltadas ocorrências deste nas maiores civiliza-
ções da Idade Clássica, pois serão elas as instituidoras dos estatutos e da identificação e rotulação sobre a mulher que perpetuam até os dias atuais.
1.2.1. GRÉCIA ANTIGA
As regras da nova configuração familiar são seriamente impostas e acatadas pelos gregos
a ponto de criarem uma instituição social chama de “gyneconomes”15, essa organização era composta por magistrados que detinham o poder sobre a vida pública das mulheres; zelando pelas suas vestimentas e pelo seu comportamento em sociedade e repreendendo suas manifestações civis e religiosas, porém não cabia aos mesmos sobre suas vidas privada. Quanto à mulher, esperava-se que a mesma guardasse sua castidade, fosse fiel ao seu cônjuge e que cumprisse com suas funções sendo “aquela que governa a casa e vigia as escravas – escravas que ele pode transformar (e transforma) em concubinas, à sua vontade”16.
15
PRADO, Yolanda Cerquinho da Silva. Ser esposa: a mais antiga profissão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979. Pg. 31.
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: Trabalho relacionado com as investigações de L. H. Morgan. Trad. Leandro Konder. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1982. Pg. 67. 16
032 pag.
Ao que se diz respeito aos gregos de épocas mais recentes – ainda falando da Idade Clás-
sica – deve-se distinguir os jônios dos dóricos, devido à diferença entre suas leis e costumes.
Os primeiros, mais especificamente os atenienses, eram mais rigorosos e democratas quan-
to às decisões do casamento, essas eram feitas por intermédio dos chefes da família, ou seja, o pai da noiva e o pai do futuro marido. O acordo era feito a partir de um contrato de bens e, quando consumado o casamento, o poder que o pai tem sobre a filha era transferido para o esposo. Em alguns casos, quando o pai julgasse necessário para garantir seu patrimônio, irmãos casavam entre si. Quando casada, a mulher além de cumprir com seus deveres domésticos, também devia aprender a fiar, tecer e cozinhar, e só podiam se relacionar com outras mulheres17.
No século II a.C., algumas imposições são colocadas para a mulher grega, sendo elas: a) a mulher deve obediência ao marido; b) está proibida de sair de casa, seja de noite ou de dia, sem autorização do marido; c) está proibida de ter relações com outro homem; d) não deve arruinar a família; e) não pode desonrar seu marido. (PRADO, 1979, pg. 45)
É entendido, assim, a função primordial da mulher casada como isolação e vivência en-
clausurada dentro da moradia. Todas essas normas reduzem a mulher social em um meio sem saída, resultando anos de uma vida baseada na submissão e na marginalidade. Essa é uma das primeiras famílias que não se formam através de um processo natural, mas sim baseadas em princípios socio-econômicos.
Em Esparta, diferentemente do povo jônico, a mulher tem seu valor dentro da sociedade,
sua paridade com o sexo masculino existe desde seu nascimento quando ambos – meninos e meninas – têm a mesma educação e os mesmos treinamentos, sendo físicos e de lutas. A partir dos trinta anos o casamento passava ser obrigatório a todos18, momento em que a mulher perde
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: Trabalho relacionado com as investigações de L. H. Morgan. Trad. Leandro Konder. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1982. Pg. 69. 17
18
PRADO, Yolanda Cerquinho da Silva. Ser esposa: a mais antiga profissão. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979. Pg. 43.
pag. 033
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
parte de sua autonomia, porém, ao contrário dos outros Estados, não eram postas sob servidão doméstica, pelo contrário, eram respeitadas entre todos os gregos. [...] a esposa não era confinada ao lar do marido; esse era autorizado a fazer-lhe furtivas visitas noturnas e a esposa lhe pertencia tão pouco que, em nome da eugenia, outro homem podia unir-se a ela: a própria noção de adultério desaparece quando a herança deixa de existir; pertencendo todos os filhos em comum a toda a cidade [...]” (BEAUVOIR, 1970, pg. 109)
Sem as responsabilidades de gerar herdeiros, a mulher não se vê escravizada ao homem e
à moradia, ela suporta apenas a servidão da maternidade, assim como o homem tem de suportar as obrigações da guerra.
Figura 003: Estátua de bronze de corredora espartana.
034 pag.
1.2.2. IMPÉRIO ROMANO
Apesar de que eram menos criteriosos que os gregos, os romanos tinham um conceito
de maior amplitude sobre os direitos femininos, que, de certa forma, concediam espaço para a romana dentro da comunidade. Contrariamente às gregas, a mulher em Roma possuía o direito, assim como o homem, de romper seu vínculo matrimonial19, porém esse direito chegou a superficialidade uma vez em que a mesma não possuía liberdade econômica20 ou, muito menos, leis que a subsidiavam quando sozinha, impedindo, então, a separação de muitas.
Junto às grandes invasões não necessariamente no mesmo período – veio a ideologia cris-
tã que passou a influenciar e modificar o direito romano até que o mesmo fosse extinguido com o surgimento do direito canônico no século IV21. Essas mudanças repercutem mais seriamente na vida mulher quando o celibato é imposto aos padres, criando uma imagem da mulher como ser perigoso ao homem. Destarte, o direito canônico só admite como regime matrimonial o regime dotal que torna a mulher incapaz e impotente. Não somente os ofícios viris lhe são proibidos, como ainda se lhe veda depor nos tribunais e não se dá nenhum valor a seu testemunho. [...] a legislação de Justiniano honra a mulher como esposa e mãe, mas escraviza-a a essas funções; não é de seu sexo e sim de sua situação no seio da família que decorre sua incapacidade. O divórcio é proibido e exige-se que o casamento seja um acontecimento público; a mãe tem sobre os filhos uma autoridade igual à do pai, e o mesmo direito à herança. Morrendo o marido, torna-se ela a tutora legal. (BEAUVOIR, 1970, pg. 119)
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado: Trabalho relacionado com as investigações de L. H. Morgan. Trad. Leandro Konder. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira S.A., 1982. Pg. 74. 19
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 117. 20
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 118. 21
pag. 035
Figura 004: Joana dâ&#x20AC;&#x2122;Arc sendo capturada, entre 1847 e 1852
O casamento ainda tinha certo caráter mercantil, o homem ainda comprava a mulher
como também passava a ser seu tutor, entretanto o valor que era posto por seu dote representava uma renda e essa era propriedade da própria mulher. Contudo, ela ainda se encontra dependente de seu pai e, depois, de seu marido através da tutela.
1.2.3. O FEUDALISMO
Com a queda do Império Romano, o feudalismo foi ganhando cada vez mais espaço na
Europa. Esse novo sistema possuía inúmeras singularidades e era diferente de qualquer outro modo organizacional que havia existido até então – poder era descentralizado, o rei cedia grandes lotes aos nobres em troca de apoio militar e estes ofereciam pequenas partes de suas terras e moradias para os servos em troca de fidelidade e mão de obra.
No início a condição da mulher era incerta, mesmo pertencendo a uma classe social ele-
vada a mesma não tinha seus direitos privados, não podendo possuir seu próprio feudo uma vez que não teria como defendê-lo, dado que também não retinha poder militar. Apenas quando os feudos se tornaram hereditários – o direito de herança do feudo de seu pai aos filhos – fora quando a mulher passara a ter uma posição mais clara dentro da sociedade, tida novamente como instrumento reprodutor de herdeiros. Nesse contexto, o suserano – senhor feudal – possui poder sobre todas as decisões dentro do feudo, principalmente sobre todas as mulheres que compunham sua comunidade.
Sua mulher, também detentora do poder sobre o feudo, possuíra o direito de herdar o feu-
do apenas quando viúva, porém por não dispor de poder e instrução suficiente e específica para defender suas terras, era obrigada, subjetivamente, a aceitar um novo senhorio. A filha também passara a ter direito à herança nessa nova formação de família; porém impedida de emancipação caso queira, pois não é a primeira que pertence a segunda, mas sim o seu contrário; assim como nos períodos passados fora o pai que escolhera o esposo de sua filha, não obstante, ele também retivera o poder matrimonial sobre suas vassalas, ou seja, arranjando e escolhendo os
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
maridos para as mesmas22. Quando o poder real volta a se impor, os senhores feudais perdem aos poucos todos seus direitos, a começar pela decisão matrimonial de seus vassalos. As mulheres ganham certa liberdade nesse mesmo período. Mesmo que em alguns países ainda sejam submissas, na França as mesmas ganham maior poder dentro da sociedade quando emancipadas, podendo comandar feudos e até mesmo participarem do exército. Ao mesmo tempo, por ser útil a sociedade patriarcal por uma série de fatores (poder marital, geração de herdeiros, contrato sexual, entre outros), a mulher casada ainda é mantida sob submissão, mesmo com o fim do regime feudal23.
Nesse mesmo período o Brasil se encontrava em fase inicial de colonização, os Portugueses
que aqui chegaram encontraram uma população indígena diversificada com culturas sociais e econômicas completas e difundidas por entre suas tribos. A economia era basicamente de subsistência e destinada ao consumo próprio. Cada aldeia produzia para satisfazer às suas necessidades, havendo poucas trocas de gêneros alimentícios com outras aldeias. (FAUSTO, 2006, pg. 15)
As aldeias tinham culturas próprias e estas distintas umas das outras, consequentemente, os
papeis de cada integrante também era diferente dentro de cada grupo, principalmente os das mulheres. Havia aquelas que podiam ser visualmente escravas de seus esposos, outras, companheiras, e até mesmo as que chefiavam grupos. Havia a monogamia e a poligamia. Em algumas tribos, as mulheres possuíam a moradia e áreas de cultivo. Mas em outras, as propriedades eram dos homens. As mulheres se ocupavam da
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 121. 22
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 124. 23
038 pag.
plantação e da colheita. [...] Homens e mulheres amparavam as que iam ter filhos, fazendo-lhes o parto. Em seguida elas voltavam às suas atividades. Carregavam os filhos nas costas. (TELES, 1993, pg. 16)
Figura 005: Índia Tarairiu (Tapuia), 1641
A chegada dos portugueses representou um verdadeiro desastre à população residente
por diversos motivos. Sua cultura fora modificada por ideais e profecias cristãs. A saúde local fora afligida por doenças advindas da migração europeia – de forma não proposital – devido a não-adaptação da vitalidade da população indígena, o aumento da mortalidade gerou também um aumento da população de órfãos24. Os índios eram vistos como escravos para os colonizadores e como a maioria dos colonos eram homens, as índias eram tidas como escravas sexuais e domésticas. DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 189. 24
pag. 039
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Tudo isso não quer dizer que os índios não tenham resistido fortemente aos colonizadores, sobretudo quando se tratou de escraviza-los. Uma forma excepcional de resistência consistiu no isolamento, alcançado através de contínuos deslocamentos para regiões cada vez mais pobres. (FAUSTO, 2006, pg. 16)
1.2.4. ANTIGO REGIME, RENASCIMENTO E OS PRIMEIROS PENSAMENTOS FEMINISTAS
Com o fim do feudalismo europeu a servidão também foi extinta e, com isso, cresce a po-
breza nas camadas mais exclusas da sociedade. O servo e sua esposa se encontram na situação na qual nada têm, estando em igual patamar, possuindo apenas um ao outro e, juntos, uma moradia para zelo. A busca por trabalho passa a ser realizada por ambos, são poucas as possibilidades e quando existem, têm baixa remuneração. A pobreza e o cuidado com casa unem o casal que, por conta da inexistência do esposo e serva, passam a ter uma relação menos coerciva e mais companheira.
A mulher dessa situação é uma das primeiras a ganhar sua autonomia, pois, com o traba-
lho remunerado, a mesma adquire uma maior liberdade econômica. O mesmo já não acontece com a mulher de classe alta – nobres e burguesas, vivenciando “apenas uma existência parasitária; é pouco instruída; são necessárias circunstâncias excepcionais para que possa conceber e realizar algum projeto concreto”25. Ou seja, quanto maior eram os bens detidos pelo marido, maior era a servidão feminina. Contudo, é no Antigo Regime, em meados do século XVII, que muitas das concepções que existiram em torno da mulher passam por importantes mudanças no antro social e econômico.
Com o advento do Renascimento, intelectuais passaram a estudar textos da Antiguidade
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 130. 25
040 pag.
Clássica junto às questões sobre o humano e sua autonomia (antropocentrismo). Diferente do que se esperava, a mulher, ainda num patamar social inferior, fora excluída desses discursos. Entretanto, o período também traz consigo o culto à inteligência, gerando discursos sucessivos em defesa da educação feminina. Foram séculos de discussões e estudos em torno dos deveres de cada sexo; debates chamados de Querelle de Femmes26, compostos principalmente por mulheres. [...] filhas, irmãs ou sobrinhas de humanistas que foram educadas por estes e se rebelaram contra aqueles que as preparam para uma sociedade que proibia a entrada de mulheres. Elas descobriram que o ideal universal de humanistas não era este, já que não incluía as mulheres. Essa situação contraditória despertou nelas uma consciência ao mesmo tempo moderna e feminista. (GARCIA, 2015, pg. 26)
Figura 006: Querelle de Femmes, 1410 a 1414
E foi especificamente através da arte, da leitura e das letras que as mulheres conquistaram,
gradualmente, espaço na sociedade, uma vez excluídas das funções significativas dentro das suas 26
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 26.
pag. 041
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
moradias e ficando apenas incumbidas de governá-las, encontram nos estudos uma opção de lazer.
No século XVII, surge na França eventos, sediados por um anfitrião, que reuniam homens e
mulheres para se divertirem e conversarem entre si. Os Salões, assim chamados, produziam, além do lazer superficial, discussões que “giravam em torno a distinguir, analisar e classificar os sentimentos, determinar suas matrizes e suas fontes”27. É nesses encontros que as mulheres adquirem maior visibilidade dentro da sociedade e principalmente dentro dos salões, passando a serem suas principais organizadoras. Os salões eram o centro dessa vida e os mais importantes eram organizados por mulheres onde com pelo menos um século de antecipação se predicavam e colocavam em prática ideias contra o matrimônio adotadas depois pelas preciosas, nome dado a um grupo de literatas da segunda metade desse século [...]. (GARCIA, 2015, pg. 31)
Preciosas eram mulheres francesas advindas dos salões e que questionavam o papel do
homem, a falta de acesso para as mulheres aos estudos e também sua autonomia. Carla Garcia (2015) cita um texto de Elisabeth Badinter (1993) que exemplifica de maneira clara quem eram essas mulheres: Consideradas as primeiras feministas – mulheres da aristocracia e alta burguesia, solteiras, independentes economicamente –, defendiam a igualdade entre os sexos, o direito ao amor e ao prazer sexual, o acesso à mesma educação intelectual dada aos homens. Questionando a instituição casamento e os papéis de esposa e mãe como destino da mulher, elas invertem os valores sociais da época. (1993, apud GARCIA, 2015, pg.32)
27
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 31.
042 pag.
Em sua grande maioria, as Preciosas eram difundidas em mulheres outorgadas advindas
da alta burguesia, meio formado pela ascensão das revoluções e pela decomposição da nobreza, estas, assumindo altas hierarquias na sociedade (social e econômico). Criticavam imposições ao reflexo feminino instituído pelos códigos sociais, jurídicos e religiosos, porém exerciam o mesmo relativizando a opressão difundida em outros segmentos sociais, não formulando, então, uma real crítica à sociedade que as oprimia28. O movimento conquistou maior visibilidade, tanto no meio feminino quanto no masculino, intrigando, aborrecendo e provocando diversas sátiras, críticas e discussões.
Figura 007: Reunião das Damas, século XVII
Ao longo do século XVIII, a independência da mulher continuou a aumentar, principal-
mente devido ao crescimento da burguesia e de sua aproximação econômica com a nobreza. Em pouco tempo, a cultura intelectual abordada pelas Preciosas fora logo difundida ao longo de todos os níveis da burguesia29. Embora que o meio ainda impunha à esposa uma moral rigorosa, a discussão se tornou mais abrangente e acessível.
28
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 34.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 135. 29
pag. 043
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Entre os séculos XVI e XVIII o Brasil ainda se encontrava em processo de ocupação, fixação
e crescimento da população, agora, residente. A mulher, da classe dominante, que aqui chega não deixa de seguir as mesmas regras que lhe impunham em sua terra natal, ou seja, ainda posta sob uma organização patriarcal. Além de suas obrigações como mãe e doméstica, a mesma tinha que cumprir com seus afazeres artesanais e também, em alguns casos, o cuidado com o pomar. [...] nessa época a sociedade aqui formada organizou-se sob a forma patriarcal, isto é, era uma sociedade onde o poder, as decisões estavam sempre nas mãos dos homens. Nessa situação, o papel que cabia à mulher da classe dominante (proprietários de terras e de escravos) era, necessariamente, o de esposa e mãe dos filhos legítimos do senhor. A mulher se casava ainda muito jovem e o marido, escolhido pelo pai, era, geralmente, bem mais velho. (TELES, 1993, pg. 18)
A igreja também tem influência e controle predominante sobre a colona, conduzindo seu
viver social e espiritual, principalmente ao tentar ‘adestrar’ sua sexualidade. Fazem-na acreditar-se como pecadora uma vez que se nasce mulher e por isso deve-se cumprir com seus deveres. A mulher estava condenada, por definição, a pagar eternamente pelo erro de Eva, a primeira fêmea, que levou Adão ao pecado e tirou da humanidade futura a possibilidade de gozar da inocência paradisíaca. Já que a mulher partilhava da essência de Eva, tinha de ser permanentemente controlada. (DEL PRIORE; ARAÚJO, 2004, pg. 46)30
O domínio era tão forte e expressivo que no período colonial era tido como ideal que a
mulher saísse apenas três vezes de sua moradia: a primeira para se batizar, depois para se casar ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na colônia. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 46. 30
044 pag.
e por fim quando fosse ser enterrada31; esse evidente controle religioso mantinha as mulheres enclausuradas em suas moradias dispostas apenas aos deveres domésticos, sujeita ao homem, seja ela mãe ou filha. O ‘tornar-se mãe’, pelo casamento, era imposto pela igreja à menina como um ‘momento ideal de vida’, pois é quando deixa para trás suas semelhanças com Eva e se aproxima mais da imagem de Maria, mãe de Jesus Cristo.
Figura 008: Mulheres indo a igreja, 1834 - 1839
Assim como as sinhás brancas e de ainda maior semelhança às índias, as mulheres negras
passaram por um processo de forte submissão, primeiro porque formavam parte massiva da população que foram retiradas de suas terras como serventes e objetos de mão de obra aos brancos – eram considerados juridicamente como ‘coisas’32 -, e segundo por serem mulheres escravizadas numa colônia com bases europeias e patriarcais.
DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 49. 31
32
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2006. Pg. 31.
pag. 045
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
As negras, quando na lavoura, executavam as mesmas tarefas dos homens. A mulher escrava, além de trabalhar como tal, era usada como instrumento de prazer sexual do seu senhor, podendo até ser alugada a outros senhores. [...] A mulher negra, em sua condição de escrava, transferiu diferentes valores: por um lado, reproduzindo a força de trabalho e, por outro, trabalhando nas tarefas domesticas a serviço dos colonizadores, nas casas dos senhores na cidade e no campo. (TELES, 1993, pg. 21)
Diferentemente do que passavam dentro dos casarões e nos campos de colheita obriga-
das ao trabalho, ao respeito e serviço de instrumentos sexuais, as mulheres negras tinham maior visibilidade dentro dos quilombos – organizações de resistência do negro à escravidão33. O maior deles, o quilombo dos Palmares, se manteve estruturado de 1630 a 1694. As mulheres negras eram minoria nesses quilombos devido principalmente à política do tráfico negreiro, que priorizou o homem negro. Em Palmares havia uma proporção de cindo homens para uma mulher, o que trouxe dificuldades à proposta organizativa dos negros. Uma das soluções foi a formação da família poliândrica em que uma mulher tinha cinco maridos. (TELES, 1993, pg. 23)
O sistema patriarcal, o machismo e a igreja serviram como bases estruturadoras para a
formação da sociedade colonial brasileira. A união desses três instrumentos cria uma disparidade entre os sexos, como também entre as classes, e isso acarreta futuras consequências para a mulher, sua saúde e seus direitos.
33
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993. Pg. 23.
046 pag.
1.3. AS REVOLUÇÕES EUROPÉIAS E SEUS REFLEXOS NA MULHER OCIDENTAL
A ascensão dos processos revolucionários políticos e o desenvolvimento científico e técni-
co (produção) marcam “a transição entre a Idade Moderna e a Contemporânea”34 nos últimos anos do século XVIII. Com isso, é instaurada a queda do Absolutismo para a entrada da Democracia, transformando o ambiente social e promovendo um meio de maior amplitude intelectual participativa à mulher.
Dentre todas as revoluções – sociais e técnicas – que ocorreram nesse período, a Revolu-
ção Francesa e a Industrial Inglesa são as que se destacam aqui devido à participação feminina e às consequências na vida das mulheres.
1.3.1. REVOLUÇÃO FRANCESA
Assim como qualquer outra, a Revolução Francesa não se caracteriza por um aconteci-
mento “unívoco e linear”35, ela é resultado de diversas situações que se interligam num grande eixo histórico. Além das modificações no sistema hierárquico que vão ocorrendo, muitas revoltas também se desencadeiam nas mais diversas áreas do país. O seu estopim é marcado pela queda da Bastilha, não pelo ato em si, mas pelo que ela representava: o “baluarte do absolutismo”36.
A mulher tem um forte papel em todo esse processo revolucionário, sua participação vai
desde sua força em batalhas populares, como também com escritos – simples artigos ou em jornais fundados por elas mesmas – e formação de grupos femininos que lutavam por direitos civis e políticos, principalmente em sessões da Assembleia Constituinte37.
Esse momento libertário e autônomo deu origem ao movimento feminista e este se fez
34
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 39.
35
GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Editora Contexto, 2008. Pg. 75.
36
GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Editora Contexto, 2008. Pg. 83.
37
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 41.
pag. 047
Figura 009: Liberdade guiando o povo, 1830
forte em seus questionamentos sobre o novo Estado e suas contradições ao defender igualdade a todos e ao mesmo tempo não proporcionar às mulheres seus direitos civis e políticos38. Olympe de Goudes foi uma das burguesas a confrontar o Estado e a própria Declaração de direitos do homem e do cidadão39. Olympe de Gouges propôs em 1789 uma “Declaração dos Direitos da Mulher” simétrica à dos “Direitos do Homem” e na qual pediu que todos os privilégios masculinos fossem abolidos. (BEAUVOIR, 1970, pg. 142)
Em 1792, Olympe de Gouges atacou publicamente Robespierre chamando-o de tirano sanguinário. Foi acusada de traição por haver questionado em seu livro As três urnas, a República uno e indivisível. Foi guilhotinada em 3 de novembro de 1793: “por haver esquecido as virtudes que convém ao seu sexo e por haver intrometido nos assuntos da República”. (GARCIA, 2015, pg. 49)
O movimento feminista teve seu surgimento na revolução assim como sua primeira derrota.
Mulheres foram proibidas de entrarem no Conselho, seus clubes foram fundidos aos masculinos e por estes foram absorvidos40. Em 1794 feministas foram proibidas de participarem de qualquer atividade de cunho político, independente de sua ideologia, e caso houvesse desobediência o exílio ou a guilhotina lhes eram impostas41.
A liberdade feminina que há durante a Revolução acaba a partir do momento em que a
sociedade se reconstitui e com isso o homem volta a ter poder sobre a mulher. Seu poder é resul38
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 40.
DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO. Declarada pela Assembleia Nacional da França em 26 de agosto de 1789. Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/>. Acesso em 25/11/2015. 39
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 142. 40
41
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 49.
pag. 049
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
tado da união de fatores específicos; quando jovem, o menino tem maior liberdade ao ambiente externo, liberdade ao socializar e estudar, enquanto o oposto é imposto à menina de mesma condição, como a permanência em ambiente interno, ajudando a mãe com afazeres e aprendendo trabalhos manuais; quando adulto, o homem casa-se com uma mulher mais nova e se torna autoridade dentro da família, com vínculo trabalhista externo, já sua esposa é condicionada novamente ao enclausuramento na casa e sendo responsável pelo funcionamento do lar. Dessa maneira o homem passa a ter mais poder coercitivo sobre a mulher, pois ele quem passa a ter mais valor social, moral, cultural e aparentemente – muitas vezes não os é – mais prestígio intelectual42.
Sendo assim, a mulher se torna exclusa do desenvolvimento de sua intelectualidade e in-
dividualidade, passando a ser o homem quem fará o intermédio dela para com o mundo. No entanto, diferentemente das sociedades primitivas, o homem dá maior poder à mulher sobre o sistema funcional da casa e isentam-na das tarefas pesadas do lar43; ludibriam-nas com um suposto poder, conseguindo, assim, que a mesma aceite seu confinamento dentro da moradia e de sua vida parasitária. É por sua própria soberania que os homens estão encadeados; é porque só eles ganham dinheiro que a esposa exige cheques, porque só eles exercem uma profissão é que a esposa exige que tenham êxito, porque só eles encarnam a transcendência é que ela a quer roubar-lhe fazendo seus os projetos e os êxitos do marido. [...] Se tem a impressão de ser a vítima, é porque os encargos que suporta são mais evidentes: a mulher alimenta-se dele como um parasito, e um parasito não é um senhor triunfante. (BEAUVOIR, 1970, pg. 146)
A mulher burguesa corresponde exatamente a tais condições, sabendo que a emancipa-
ção feminina prejudicaria sua classe e que, livre do homem, a mesma teria que trabalhar; se conBEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. Trad. Sérgio Milliet. 2.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967. Pg. 220. 42
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 145. 43
050 pag.
diciona integralmente a ligação com sua família e com isso desligando-se de entre suas comuns e ainda mais com mulheres da classe operária44. Mesmo que existissem aquelas – burguesas – que dispostas à união a causa, as mesmas já estariam condenas ao afastamento, já as de classe atuante – operárias – eram impedidas de lutarem justamente pela posição inferiorizada de sua classe dentro da sociedade.
Apesar de ser respaldada em ideais iluministas, a Revolução não teve muito êxito na vida
feminina, até mesmo para a mulher francesa que, estando à frente – em questão de liberdade –, das mulheres dos outros países, teve o seu estatuto constituído – no Código Napoleônico – em plena ditadura militar45. Tal esse, por razões obvias, foi concebido justamente como outro obstáculo à emancipação feminina. Com o Código Napoleônico a menoridade perpetua das mulheres ficava consagrada. Eram consideradas apenas como filhas ou mães em poder de seus pais, maridos ou filhos. Não tinham direito de administrar suas propriedades, fixar ou abandonar seu domicilio, manter uma profissão ou um emprego sem a permissão do homem da casa. (GARCIA, 2015, pg. 50)
As mulheres entram no século XIX sem alicerces a sua ascensão social, porém com extensa
experiência política e crescente liberdade econômica – devido a Revolução Industrial – como jamais possuíram; sendo esses os agentes essenciais para que elas não permitam “que as coisas voltem a ser como eram antes, pois a luta já havia começado”46.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 145. 44
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 143. 45
46
GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. 3. ed. São Paulo: Editora Claridade, 2015. Pg. 50.
pag. 051
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
1.3.2. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
Ao mesmo tempo em que a contraditória revolução burguesa proporciona liberdade - que
tanto foi prometida - a todos seus cidadãos e desconsidera o indivíduo mulher, ela também gera, inconscientemente, questionamentos acerca da liberdade feminina, logo também suprimidos por leis e códigos civis. Com a ascensão da indústria no século XIX o número de mão-de-obra masculina se torna insuficiente para cumprir a demanda, sendo necessário recorrer à mulher. A emancipação da mulher só se tornar possível quando ela pode participar em grande escala, em escala social, da produção, e quando o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo insignificante. Esta condição só pode ser alcançada com a grande indústria moderna, que não apenas permite o trabalho da mulher em grande escala, mas até o exige, e tende cada vez mais a transformar o trabalho doméstico privado em uma indústria pública. (ENGELS, 1982, pg. 182)
Desse modo, ela volta a ganhar espaço no setor produtivo reconquistando importância
econômica47, tornando-se mais requisitada que a figura masculina. No entanto, isso não representava uma vitória para a mulher. Sua relevância se torna apenas trabalhista, passiva de constante abuso, devido aos baixos salários e condições inferiores de trabalho que lhes eram postos e ao quão propícias eram para serem exploradas. Marx conta em uma nota do O Capital: “O Sr. E. industrial, disse-me que só empregava mulheres nos seus teares mecânicos, que dava preferência às mulheres casadas e, entre elas, às que tinham família em casa, porque mostravam mais atenção e doci-
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 148. 47
052 pag.
lidade do que as celibatárias e trabalhavam até o esgotamento de suas forças, a fim de conseguir os meios indispensáveis à subsistência dos seus. Assim é, acrescenta Marx, que as qualidades inerentes à mulher são deturpadas em seu próprio detrimento, e todos os elementos morais e delicados de sua natureza se transformam em meios de escravizá-la e fazê-la sofrer”. (BEAUVOIR, 1970, pg. 149)
Figura 010: Trabalhadores na Inglaterra no final do século XIX
Ou seja, ela vive em um círculo vicioso, no qual, por ser estritamente ligada às suas condi-
ções familiares patriarcais, torna-se facilmente induzida a receber menos, pois não tem a necessidade de um salário para sobreviver (dependência marital), servindo apenas para complementar a renda da casa. Com isso a mulher se emancipa, devido ao baixíssimo salário que a impossibilita, “era impossível à mulher, assim explorada, viver sem esmola ou sem protetor”48. Essa árdua conquista se dá também pelo fato das mulheres não terem a consciência da organização sindical desde o início de sua entrada na indústria, tal que as primeiras ‘associações’ datam de 1848, e só em 1874 surge a primeira lei com poder de intervenção na exploração da mulher, proibindo meBEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 151. 48
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
nores de trabalhar a noite e que tivessem descanso no domingo e feriados49.
Apesar de penosas as conquistas na área produtiva, a mulher, junto ao pouco que foi ob-
tendo, também tornou-se mais dona de si, de seu corpo e de sua reprodução. O patrimônio que antes a prendia ao marido – a herança que tem direito não a pertence, mas sim ela que pertence a herança – passa a não ter mais importância no capitalismo, uma vez que a mulher passa a ter própria economia, sua propriedade mobiliária50, e dela poderá usufruir para seu próprio bem. A união desses fatores trouxe a evolução de suas condições e o feminismo – que não prosperou no início do século por falta de bases concretas – agora passa a crescer, uma vez que as reivindicações femininas passaram a ter maior peso perante a sociedade.
Figura 011: Britânicas trabalhando na fábrica de armas durante a Primeira Guerra Mundial, 1914
As Revoluções deram fim ao Antigo Regime e junto a elas a Inglaterra foi concebida como
nova potência europeia, principalmente devido ao seu crescimento industrial. Concomitante ao apoio de Portugal da nova potência, o país limitava a sua presença no Brasil, pois a forte presença da Inglaterra em território colonial significaria o fim do colonialismo. No entanto, o desejo de independência já havia nascido.
No início do século XIX, o novo país independente passa a ser dirigido por uma monarquia.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 150. 49
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 157. 50
054 pag.
Nesse mesmo período surge a produção do café e com ele nasce uma nova classe – a burguesia cafeeira – além de pequeno crescimento do meio urbano com uma população homogênea51. A chama família patriarcal brasileira, comandada pelo pai detentor de enorme poder sobre seus dependentes, agregados e escravos, habitava a casa-grande e dominava a senzala. (DEL PRIORE; D’INCAO, 2004, pg. 223)
Com a declaração da ilegalidade do tráfico em 1826 e o forte controle da Inglaterra,
para pôr fim a toda essa situação52, o tráfico interno de escravos cresceu no Brasil subsequente ao crescimento das lavouras de cafés. As vendas eram feitas sem restrição de gênero e ignoravam qualquer tipo de laços entre os escravos, até mesmo quando o vínculo era sanguíneo, separando mães de filhos e vice-versa. Miridan K. Falci (2004)53 cita um desses casos. A escrava Iria teve seu filho de nome Silvério, mas dele se separou por ter sido vendida para bem longe [...]. Diz que sua mãe foi mandada vender na Bahia ou Rio de Janeiro por seu ex-senhor, o falecido Tibério Cezar Burlamaqui, há mais de dezoito anos, não tendo desde então a mais leve e menor notícia dele pelo que julga não mais existir.54
A situação da mulher negra era nefasta, quando não separada de seu filho, era obrigada
a manter relações com seus senhores. Com o processo abolicionista em curso no país, fazendeiros apressaram a entrada de imigrantes; a abolição da escravatura ocorreu no ano de 188855. Os, D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 224 . 51
52
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2006. Pg. 31.
FALCI, Miridan K. Mulheres do Sertão Nordestino. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 223. 53
54
Testamento do liberto Silvério Cezar Burlamaqui. Cartório do 1º Ofício de Notas de Oeiras, Piauí.
55
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2006. Pg. 124.
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Figura 012: Venda de escravos, 1834 - 1839
agora, ex-escravos tiveram destinos diferentes em cada região do país, uns se instalando em terras sem dono, outros se mantendo como dependentes de seus senhores e aqueles que foram para os centros urbanos – agora em fase de crescimento – em busca de emprego. Mesmo com uma diversidade de opções, a situação do negro no país não se alterou, ainda vivendo em extrema pobreza.
A passagem do sistema monárquico para a República acarretou diversas mudanças no
país, principalmente no meio urbano. As ‘novas’ capitais enfrentaram uma europeização que crescia cada vez mais no país, rejeitando expressões populares, religiosas e até mesmo a pobreza existente no centro da cidade56; as relações deixaram de ser senhoriais e passaram a ser burguesas, acarretando modificações dentro da vida familiar. A vida privada se fortaleceu e a interiorização da vida doméstica também e a mulher passou a frequentar cafés, bailes, teatro57 entre outros espaços sociais burgueses. Mulheres casadas ganhavam uma nova função: contribuir para o projeto familiar de mobilidade social através de sua postura nos salões como anfitriãs e na vida cotidiana, em geral, como esposas modelares e boas mães. Cada vez mais é reforçado a ideia de que ser mulher é ser quase integralmente mãe dedicada e atenciosa. (DEL PRIORE; D’INCAO, 2004, pg. 229)58
Da imagem da esposa perante a sociedade vinha a imagem de seu marido, era a partir
dessa projeção que a família reteria prestigio e consequentemente subiria de classe social e vice-versa. A mulher era responsável pela castidade da filha, pelo comportamento de toda a prole e de reforçar o amor familiar junto ao marido e os filhos.
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 226. 56
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 226. 57
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 229. 58
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Figura 013: Cena da família de Adolfo August Pinto, 1891
Aliado à urbanização das capitais há a classe baixa, estas se assentando nas grandes ci-
dades – em habitações coletivas59 – devido ao maior número de acesso ao mercado de trabalho. As mesmas ‘regras’ das mulheres burguesas eram tidas para as das camadas populares. O Código Penal, o complexo judiciário e a ação policial eram os recursos utilizados pelo sistema vigente a fim de disciplinar, controlar e estabelecer normas para as mulheres dos segmentos populares. Nesse sentido, tal ação procurava se fazer sentir na moderação da linguagem dessas mulheres, estimulando seus “hábitos e as boas maneiras”, reprimindo seus excessos verbais. (DEL PRIORE; SOIHET, 2004, pg. 363)60
A presença da camada popular em lugares específicos na cidade incomodava as autori-
dades devido a ‘obstrução’ na construção de uma imagem culta e europeia da população e de seu espaço utilizado. Torna-se evidente que mulheres sofriam mais com tais represálias, onde sua
SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 364. 59
SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 364. 60
058 pag.
classe e seu gênero concediam motivos suficientes para os repressores agirem com violência física e moral – estereótipos ligados à sua imagem. Assim, ao contrário de algumas afirmações tradicionais, vimos mulheres que lutaram, amaram, odiaram, xingaram.... Não pouco, vendo-se prejudicadas em seus direitos e violentadas em suas aspirações, não hesitaram em lançar mão dos recursos de que dispunham, até mesmo de investidas físicas, para fazer frente a uma situação que consideravam danosa à sua honra. (DEL PRIORE; SOIHET, 2004, pg. 398)61
Diferente do que se imaginava, a mulher pobre e operária não era tida como trabalhado-
ra, honrada e decente, mas sim como uma mulher pública e sem respeito, passíveis de sofrimento de assédio sexual. Obrigadas a cumprirem a imagem da mulher de interior, deixando o serviço externo ao cargo do marido e, assim, passando necessidades com pouco que tinham; tal imagem elitista que era imposta a cumprirem estava extremamente distante da atual realidade vivida.
1.3.3. AS SUFRAGISTAS
A evolução dos direitos das mulheres ganha espaço, porém para as conquistas no antro
político foram mais difíceis de serem alcançadas que no civil, devido as mulheres ainda permanecerem por anos lutando exclusivamente pelos seus direitos civis. “Hubertine Auclert, inicia uma campanha sufragista e cria um grupo Suffrage des Femmes e um jornal La Citoyenne”62, sua influência alcança diversos lugares, mas os resultados e as atuações dos mesmos seguem fracos. Isso se dá devido ao débil vínculo existente entre as mulheres, ligadas apenas as suas classes, sendo assim seus interesses não se correlacionam. O movimento feminista ganha maior espaço com os SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 398. 61
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 158. 62
pag. 059
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
anos seguintes e em 1909 é fundado a União Francesa pelo Sufrágio das Mulheres grupo realizador de protestos, conferências e comícios. No mesmo ano o direito ao voto é concedido em assembleias locais, mas só em 1945 que as francesas alcançam completamente todos seus direitos políticos63.
Toda a situação que engloba o sufrágio possui sua complexidade e diferença para cada
país, mas é na Inglaterra e na América do Norte – onde a vitória chega com deveras lentidão – que ocorrem os atos mais expressivos das sufragistas.
Figura 014: Sufragista britânica sendo detida, 1914
Na Inglaterra “a família Pankhurst cria em Londres a Woman Social and Political Union que
se alia ao Partido Trabalhista e empreende uma ação resolutamente militante”64; sendo a primeira vez que as mulheres se unem e agem com maior dedicação. Seus atos iam desde comícios, passeatas, invasões até a apedrejamentos em confrontos policiais, afim de provocar processos. Quando presas mobilizavam greves de fome em favor de sua liberdade. A guerra suspendeu por alguns anos os atos sufragistas, no entanto, foi graças ao apoio das mulheres a luta nesse período BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 159. 63
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 161. 64
060 pag.
que, em 1928, todas as inglesas passaram a ter direito ao voto – valendo ressaltar que em 1918 o direito já havia sido cedido, porém para um excluso número de eleitoras.
As norte-americanas passam por um processo diferente do sufrágio europeu. Suas reivin-
dicações começam já em 1830 e as mesmas lutavam não apenas a favor das mulheres, mas também de todos os negros norte-americanos. Após o apoio à Guerra Civil Americana, elas reivindicam direitos eleitorais “Nem cor nem sexo... constituem obstáculo ao direito eleitoral”65, mas seus pedidos foram em vão. Em 1913, o movimento sufragista organiza-se nos moldes do movimento militante inglês. [...] organizam, em seguida, uma campanha de conferências, comícios, desfiles e manifestações de toda espécie. [...] Em 1917, as sufragistas inventam uma nova tática: instalam-se de plantão às portas da Casa Branca, brandindo flâmulas, e muitas vezes acorrentadas às grades para que não as possam expulsar. No fim de seis meses prendem-nas e enviam-nas à penitenciária de Oxcaqua; elas fazem a greve da fome e acabam sendo soltas. (BEAUVOIR, 1970, pg. 163)
Em 1918 a emenda foi apresentada à Câmara e em 1919 o Congresso a aprova, dando
direito ao voto às mulheres. O direito ao voto é conquistado pelas mulheres na maioria dos países, a ONU também reconhece esse direito e sugere que todos os países dessem direito ao voto para suas mulheres66.
A mulher, então, passa a ter acesso ao ensino superior e a melhores cargos, sendo assim, a
prioridade feminina deixa de ser o contexto doméstico, o estudo se torna o meio e o diploma seu objetivo. Todavia, esse modelo de mulher do novo século não serve para a sociedade patriarcal, pois era preciso de uma mulher que colaborasse financeiramente, mas sem deixar de cumprir com suas obrigações domésticas. BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 163. 65
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: os fatos e os mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4.ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1970. Pg. 167. 66
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
No período entre duas guerras foi elaborada, em particular nos Estados Unidos, uma nova imagem da mulher de interior, [...]. O aspirador, a máquina de lavar, o fogão a gás, o refrigerador e a alimentação em conversa são saudados pela publicidade como instrumentos libertadores da mulher. (LYPOVETSKY, 2000, pg. 210)
Era exigido que a mulher voltasse a exercer funções domésticas, e para isso foram usados
todos os meios possíveis para recriar o ideário da mulher de interior. Para as moças, aulas obrigatórias de ensino doméstico, para aquelas que se casavam, livros e lojas especializados lhes eram oferecidos. A publicidade também entra em peso para recriar a imagem da dona de casa, com propagandas vinculadas à esposa feliz com seu emprego, seus filhos, maridos e seus novos eletrodomésticos.
Figura 015: Propaganda americana de café, anos 50
Nas lojas e na publicidade “moderna” os ensinamentos são dirigidos às “mulheres” para que procurem agradar aos “homens”. As palavras esposa e marido foram substituídos por “mulher” e “homem”. (PRADO, 1979, pg.134)
062 pag.
Essa divisão não igualitária dos papéis, o novo ideal de dona de casa e as fabulações mi-
diáticas e capitalistas que envolvem a imagem feminina se tornam os novos objetos nas pautas feministas, seus objetivos passam a ser a desconstrução dessa imagem de interior e de todos os ideários que com ela surgiram. Formando, nos anos 60, um feminismo plural em suas pautas, como o aborto, direitos maternos, direitos trabalhistas, violência doméstica, sexualidade, racismo, lesbianismo e questões sobre o autoconhecimento feminino67.
Com a urbanização trazendo novas regras para a mulher no quesito comportamental, de
modo simultâneo há a influência em sua liberdade ao seu crescimento cultural; simultaneamente tiveram também forte influência do que vinha crescendo e do que era produzido por mulheres escritoras fora do país. Surgindo inclusive muitos jornais comandados por mulheres em meados do século XIX68, tais jornais com um papel importante para difusão de questionamentos sobre o papel feminino dentro da sociedade patriarcal. Uma das primeiras feministas do Brasil, Nísia Floresta Brasileira Augusta, defendeu a abolição da escravatura, ao lado de propostas como a educação e a emancipação da mulher e a instauração da República, Nacisda em 1809, no Rio Grande do Norte, dedicou-se ao magistério, publicou alguns livros e traduziu o livro de M. Woolestonecraft Direito das Mulheres e Injustiças dos Homens, em 1852. No Rio de Janeiro, em 1838, fundou um colégio exclusivo para a educação de meninas. (TELES, 1993, pg. 30)
No Brasil, a mulher seguia ignorada politicamente, onde as mesmas nem precisavam ser
proibidas de votarem, pois a elas nem título de cidadã era provido, tal direito concedido apenas ao homem. Isso só foi modificado quando ocorreu uma conscientização mútua a favor do questionamento em relação a seus direitos políticos; a mudança de uma situação ‘não cidadã’ para uma nova Constituição que proibia a mulher, mesmo cidadã, de votar.
Diferente dos países europeus durante o sufrágio, o Brasil passava por diversos problemas
67
SHE’S beautiful when she’s angry. Direção e Produção: Mary Dore, 2014. 92 min. Son, Color.
68
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993. Pg. 33.
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Figura 016: Manifestação feminista, entre os anos 60 e 70
sociais e raciais. Mesmo com o forte crescimento industrial, a mão de obra que o sistema usava era apenas para aqueles que um dia imigraram para o país, brancos, deixando para os negros apenas serviços ‘inferiorizados’, com menores remunerações ou muitas vezes sem contratação69. Nessa época, a mulher negra teve um papel preponderante ao garantir sozinha a sobrevivência de sua família, quando apenas ela conseguia ainda algum serviço remunerado. (TELES, 1993, pg. 42)
Porém, os trabalhos em que eram aceitas tinham uma remuneração baixíssima e eram
bem próximos ao trabalho de quando escravas, trabalhos domésticos para as ‘novas sinhás’, como cozinhar, lavar e passar. Uma classe feminina surgiu no mesmo período, a operária. Mulheres que em meio à dificuldade de sua família, deixavam sua morada para trabalhar nas fabricas e assim complementar a renda familiar. O negócio era lucrativo para os donos das indústrias uma vez que deixavam de pagar determinados impostos e ainda exploravam discretamente uma força de trabalho cuja capacidade de resistência era considerada baixa70. O cotidiano da operária era resumido em sua dupla jornada de trabalho, na fábrica e no lar. Em 1919, 30 mil têxteis entraram em greve em São Paulo e no interior, com a participação massiva de mulheres e crianças. Reivindicam principalmente a jornada de oito horas e a igualdade salarial entre homens e mulheres. O movimento foi reprimido com grande violência policial, principalmente contra mulheres e crianças. (TELES, 1993, pg. 43)
Nessa mesma época uma parcela expressiva de mulheres de classe média e da dominan-
te começaram a se agrupar; espelhadas em movimentos externos, tais grupos uniram forças em defesa do voto feminino. Porém, apenas depois da Revolução de 30 que mulheres conseguiram 69
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993. Pg. 41.
RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 581. 70
pag. 065
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
tal direito. Em 1932 o voto feminino é instituído no Código Eleitoral Brasileiro com algumas restrições: mulheres solteiras e viúvas só podiam votar caso possuíssem renda própria e aquelas que detinham o direito, apenas com autorização do marido. Só em 1934 que essas restrições foram retiradas.
Apesar dos ganhos no quesito político, a luta por uma reforma no Código Civil se mostrava
pertinente, uma vez que ainda era imposto sobre a mulher o ideário da dama de interior, dedicada ao lar, aos filhos e ao marido, ignorando inclusive a infidelidade do esposo pelo bem subjetivo de sua família. Teria aprendido que homens e mulheres veem o sexo de maneira diferente e que a felicidade conjugal depende fundamentalmente dos esforços femininos para manter a família unida e o marido satisfeito. (DEL PRIORE; BASSANEZI, 2004, pg. 607)71
Figura 017: Propaganda de eletrodoméstico, meados de 1950 BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 607. 71
066 pag.
A mulher da década de 50 era imposta a esse padrão. Moças ensinadas a se comporta-
rem educadamente, não desobedecendo seus pais e a mantendo a imagem de virgem e “feita para casar”, caso contrário, “ficariam para ‘titias’”. Mesmo assim, ainda existiam aquelas com consciência de si e que forçavam a fuga a esses padrões extremistas, enfrentando imposições à sexualidade com roupas que lhes agradavam, fumando, tendo relações sexuais ativas, investido em seus estudos72 e em seu futuro profissional. Com o Golpe de 64, os movimentos feministas desaparecem, porém retornam com força em 1975 (Ano Internacional da Mulher73) quando seus ideais e vozes começam a ter maior repercussão na sociedade. Graças ao desempenho das mulheres, 1975 tornou-se de fato o marco histórico para o avanço das ideias feministas no Brasil. Sob uma ditadura militar, mas com o apoio da ONU, a mulher brasileira passou, então, a ser protagonista de sua própria história, em que luta por seus direitos específicos se fundia com as questões gerais. (TELES, 1993, pg. 84)
Em março de 1979, é realizado o primeiro Congresso da Mulher Paulista no Teatro Ruth Es-
cobar. Todas as 900 mulheres, sem distinção de classe, reunidas em prol da confraternização feminina, discutindo meios opressores de sua liberdade, problemas que tinham dentro de suas classes sociais, entre outras pautas em torno da mulher. Uma a uma, as mulheres que falavam eram ouvidas pelas outras. Pela primeira vez falou-se publicamente do direito ao prazer sexual, que as mulheres ainda não têm. Denunciou-se a educação diferenciada que as mulheres recebem da sociedade, e foi invocado o direito de terem os filhos que desejam. O documento
BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos dourados. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 622. 72
73
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993. Pg. 51.
pag. 067
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
aprovado pelo Congresso tornou-se um referencial para a luta da mulher. (TELES, 1993, pg. 117)
Além do Congresso, muitos grupos foram surgindo a fim de reunir e discutir pautas sobre
o cotidiano feminino, esses eventos promoviam abaixo-assinados, manifestações e reuniões de alcance nacional74.
A violência contra a mulher é levantada somente no Segundo Congresso da Mulher Pau-
lista em 198075, mas só em 1985 que foi decretado a criação da Delegacia da Mulher. Bastou o início da atuação da nova delegacia, que milhares de casos de violência doméstica se revelam dentro da família patriarcal e que há muito tempo eram encobertos pela imagem exigida de seu ambiente familiar. A atuação dessa delegacia passou a desnudar o espaço doméstico como perigoso, à medida que é nele que se estabelece o confronto subjetivo e cotidiano entre, de um lado, a imposição da disciplina e, do outro, da resistência. É justamente nesse espaço, onde estão em jogo homens e mulheres em suas relações privadas, que o abuso físico, psicológico e sexual por parte dos homens contra as mulheres ocorre com uma frequência maior do que costumavam apontar as estatísticas oficiais. (TELES, 1993, pg. 136)
Os temas que envolvem a relação da vida doméstica, o trabalho feminino e a divisão sexu-
al se tornam as pautas que ambas trabalhadoras, urbanas e rurais, tratam como principal em suas discussões.
GIULANI, Paola C. Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 647. 74
75
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993. Pg. 130.
068 pag.
Figura 018: Marcha das Vadias no Brasil, 2015
2. MORADIAS BRASILEIRAS
Devido ao seu extenso período de colonização e imigração, o Brasil se tornou um país com
uma extensa diversidade cultural. Tal pluralidade, além de se estender por todo seu território, também se diversifica de acordo com sua localidade. Regiões como o Norte e o Nordeste, possuem uma cultura mais estabilizada devido que as influências sofridas pelas imigrações foram menores1, diferente de regiões mais litorâneas, onde a miscigenação cultural é mais complexa, tendo suas raízes mais profundas tão difundidas que até mesmo se abstraem em relação as outras.
De mesmo modo que a fala, a música, a dança e a culinária se diversifique dentro de ta-
manha cultura difundida em extenso território nacional, o mesmo se dá em relação à arquitetura brasileira, devido a mesma também ser considerada um fenômeno eminentemente cultural2.
Mais do que qualquer meio de estar e permanecer espacial, o morar se torna pertinente
neste momento, pois é a partir da casa que é estabelecido as relações do espaço privado. Sendo a mesma tida como a célula básica do tecido urbano3, que influenciará – e será influenciada – pelo espaço público. Com isso, tem-se como objetivo ilustrar de maneira sucinta toda a evolução e influências pertinentes as condições de seus usuários que a arquitetura habitacional no Brasil teve em seu desenho espacial durante sua história.
Sendo assim, faz-se necessário um estudo conciso das culturas bases e de suas influências
na arquitetura habitacional. Para isso, o próximo subcapitulo é estruturado com base no livro – Arquitetura popular brasileira – do arquiteto Günter Weimer, que, também baseado no livro cola-
1
WEIMER, Günter. Arquitetura Popular Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pg. 40.
2
WEIMER, Günter. Arquitetura Popular Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pg. XXI.
MONTANER, Josep Maria; MUXÍ, Zaida. Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos. Trad. Frederico Bonaldo. São Paulo: Gustavo Gili, 2014. Pg. 200. 3
pag. 071
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
borativo Habitações Indígenas4, aborda, com o devido comprometimento, a evolução histórica da moradia no Brasil. Sem excluir as primeiras formas de morar no país, responsáveis por compor o cerne da arquitetura habitacional brasileira: a cultura indígena.
4
NOVAES, Sylvia Caiuby. Habitações indígenas. São Paulo: Nobel: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.
072 pag.
2.1. HABITAÇÃO INDÍGENA
Um dos maiores erros ao abordar questões indígenas, é fazer-se acreditar que sua forma-
ção proveio de uma singular raiz cultural e social, levando a discussão de maneira generalizada e apagando assim a história de um povo extremamente diverso. Esse desconhecimento se deve a diversos fatores e um deles se explica através do início da história do Brasil, quando colonos que aqui chegaram e encontraram a costa do país ocupada por uma grande cultura indígena, a tupi-guarani. Sua origem vem do médio da Amazonas e estendida até as bacias do Paraguai e Uruguai. Em consequência de numerosos movimentos messiânicos que surgiam “naturalmente” quando a tribo se tornava muito grande, uma parte da população iniciava peregrinação rumo a leste que terminava com a chegada ao oceano. Não podendo mais continuar com a caminhada, acabavam por ocupar toda a costa, do Oiapoque ao Chuí. Como toda a costa estava ocupada por uma mesma cultura, o imigrante europeu generalizou-a como sendo a única existente no país. (WEIMER, 2005, pg. 47)
Aliado a imensa diversidade de línguas, crenças e formações grupais dentro do contexto
indígena há também uma vasta gama de métodos construtivos que se alteram de uma tribo para a outra. Portando, devido a inviabilidade ao tratar cada um desses modelos detalhadamente, serão abordados aqui apenas tipos arquitetônicos específicos, a fim de entender sobre as diversas formas de habitar indígena.
Weimer (2005) destaca que, de modo generalizado, há basicamente duas formas de mo-
rar no meio indígena brasileiro: a casa unitária e as aldeias compostas. A primeira, composta por um único espaço construído de área extensa, a fim de abrigar toda a aldeia; assim como sua escala, seus formatos também variam de acordo com a cultura e o número de integrantes que compõe a tribo; podendo a casa conter aberturas, como a casa-aldeia da tribo ianomâmi – ha-
pag. 073
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
bitantes da fronteira entre Brasil e Venezuela –, ou ser fechada, como a casa unitária dos tucanos – situados na fronteira entre Brasil e Colômbia.
“A cobertura é de duas águas ligadas entre si por uma superfície de meio cone na parte dos fundos. As águas chegam quase até o solo, permitindo a existência de paredes da altura de uma pessoa. A casa tem duas portas: uma na fachada principal, a que tem o frontão, que dá para o rio, e a outra nos fundos, dando para as plantações.” (WEIMER, 2005, pg. 43)
Figura 019: Planta de casa-aldeia Tucano
“[...] as dimensões da casa são muito variáveis e podem chegar a pouco mais de 20 metros de diâmetro. Nesse caso, os caibros têm cerca de 10 metros de comprimento e apoiam-se sobre duas poligonais de terças. A mais externa tem uma altura de cerca de 1,5 metro; a outra, interna, afastada da anterior cerca de 3,5 metros, tem uma altura de 2,40 a 2,70 metros.” (WEIMER, 2005, pg. 45)
Figura 020: Aldeia Ianomâmi
074 pag.
“Assim, o espaço de cada família tem, em planta baixa, a forma trapezoidal, e todos estão voltados para o pátio central. A abertura central serve de saída da fumaça, de ventilação e de entrada de luz solar.” (WEIMER, 2005, pg. 46)
Figura 021: Planta de casa-aldeia Ianomâmi
A segunda forma de morar e a mais comum de ser encontrada são as aldeias formadas
por um aglomerado de construções. Um exemplo desses conjuntos é da tribo tupi-guarani, no qual é composto por quatro casas grandes – lugares preferencialmente femininos – que dão para um pátio central onde eram realizadas as cerimonias da tribo e onde homens se reuniam para definir suas atividades diárias. As atividades eram separadas pelo sexo e ambos não deviam se envolver na atividade do outro, sendo assim, o homem responsável pela caça e pesca e a mulher pela agricultura e pelo preparo da comida.
Figura 022: Aldeia Tupi-guarani
pag. 075
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
“[...] dividida internamente pela estrutura do telhado em espaços quadrados de aproximadamente 6 por 6 metros onde mora uma família celular. Esse espaço é denominando oca (tupi) ou oga (guarani). O tamanho de cada casa grande depende do tamanho da tribo, podendo chegar a mais de 200 metros de comprimento. O mais comum, no entanto, é que não passem de 150 metros de comprimento por cerca de 12 metros de largura.” (WEIMER, 2005, pg. 48)
Figura 023: Planta de uma oca Tupi-guarani
Outro exemplo de casas aglomeradas, porém com número bem acima dos conjuntos tu-
pis-guaranis, é dos xavantes, suas aldeias chegavam a ter até três dezenas de casas dispostas de forma semicircular, em torno de um pátio cerimonial5. Das casas e do pátio central saíam caminhos que levavam ao rio, a mata e também as roças, esta última cultivada pelas mulheres.
Figura 024: Aldeia Xavante
5
WEIMER, Günter. Arquitetura Popular Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pg. 49
076 pag.
“A casa xavante é de planta circular, com um diâmetro de cerca de 5 a 6 metros, e sua forma é a de uma cúpula levemente apontada. A única porta, mais baixa que uma pessoa adulta, está voltada para o centro da aldeia, e junto a ela estão biombos que formam um pequeno corredor interno. No centro da casa era feito o fogo, comum a todas as famílias que a habitavam, em geral em um número de duas ou três.“ (WEIMER, 2005, pg. 50)
Figura 025: Planta de uma oca Xavante
Figura 026: Oca Xavante
Diferente das aglomerações urbanas, as tribos se formavam de modo que todo o conjun-
to – casas, pátio, caminhos e entorno natural – representasse toda a unidade da aldeia, sendo a casa simplesmente uma parte desse domínio6. Outra discrepância que existe entre tais duas aglomerações são as suas relações com o meio, sendo que na primeira tem-se uma sociedade estratificada com uma intensa exploração dos seus bens naturais, já a segunda, além de ser isenta desses preceitos degenerativos, tem mais facilidade em se adaptar com o meio em que vive: a natureza7. 6
NOVAES, Sylvia Caiuby. Habitações indígenas. São Paulo: Nobel: Ed. da Universidade de São Paulo, 1983. Pg. 4.
7
WEIMER, Günter. Arquitetura Popular Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pg. 42.
pag. 077
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Quando os lusos chegaram, logo aprenderam com nativos as maneiras de lidar com lo-
cal e seu clima, uma vez que ambos eram desconhecidos para eles. No entanto, quando havia aprendido de tudo sobre a nova terra, os índios de nada lhes serviam a não ser como força de trabalho e, no caso das índias, como escravas sexuais. A partir daí se formou uma estrutura composta pelos dois contextos culturais, na qual do meio público se obedecia às regras lusitanas, e no meio privado regia as regras nativas8. Esses modos de vida exemplificam as razões pelas quais alguns valores do mundo indígena foram plenamente aceitos. Entre eles, os mais evidentes foram o cultivo dos frutos da terra e o consumo desses alimentos, os banhos diários, as redes de dormir. Por outro lado, na vida fora da casa os valores das culturas nativas foram totalmente desdenhados, como a harmônica convivência com a natureza, a preservação do meio ambiente. (WEIMER, 2005, pg. 57)
Apesar de serem bem pouco adotados pelos portugueses, os métodos construtivos dos
nativos eram comumente usados nas regiões ao norte do país. A casa do seringueiro (conhecida como tapiri, nome herdado da língua indígena) é um dos exemplos que mais expressam tal herança, como também a mistura das duas culturas. No quesito estrutural, a casa era composta por materiais ali mesmo coletados, sendo construídas de maneira que respeitassem as condições naturais do local, como por exemplo, o emprego das palafitas utilizadas para evitar que enchentes adentrassem a casa e, ao mesmo tempo, deixando a natureza seguir naturalmente seu curso; a utilização da tesoura romana9 como estrutura para o fechamento do telhado mostra o quão hibrida são essas construções. Referente ao seu uso espacial tem-se ao mesmo tempo áreas que segregam os trabalhos masculinos e femininos, como o defumador (local feito para tratar o leite retirado da seringueira) para o primeiro e a cozinha para a segunda.
8
WEIMER, Günter. Arquitetura Popular Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pg. 57.
9
WEIMER, Günter. Arquitetura Popular Brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Pg. 62.
078 pag.
Figura 027: Aldeia Xavante, 2010
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Seu mobiliário era escasso, restrito a um fogão de barro com chapa de ferro fundido e um banco. As refeições eram feitas no chão, todos em volta da panela de farinha de mandioca na qual eram mergulhados os pedaços de carne servidos pela mulher. Num dos lados da cozinha havia uma janela que dava para “jirau”, uma mesa suspensa externa sobre a qual se desenvolviam as atividades de lavar, secar e preparar o alimento antes de ir para o fogo. (WEIMER, 2005, pg. 61)
Figura 028: Casa de seringueiro amazônico, interior do Acre
Ao longo de todos esses anos a cultura indígena foi “apagada” no meio urbano, sendo
difícil de reconhecê-las facilmente. Entretanto, ainda hoje, em regiões interioranas do país seus vestígios são mais evidentes, mesmo sendo desconhecido para aqueles que ainda carregam consigo tal cultura nativa; os exemplos mais evidentes se resumem no uso da rede para descanso e no plantio de frutas e verduras no quintal.
080 pag.
2.2. PERÍODO COLONIAL
Com a chegada dos portugueses e seus propósitos religiosos, o desenho das aldeias se al-
terou do habitual. A mescla – adotada por parte dos portugueses – aproveitava as trilhas indígenas para implantar suas casas lindeiras ao traçado. O pátio central era ‘aproveitado’ para a construção da igreja central. O desenho da planta da Vila Nova de Ourém, no Pará, mostra o começo a integração dos indígenas com os colonizadores. Num lada da vila, temos a forma da aldeia com a igreja no centro da ocara; no outro lado, a construção das casas dos colonizadores identificados pelos quintais, que aprecem ao fundo delas e estão ausentes nas casas dos indígenas que não utilizam dessa forma de apropriação por não conhecerem a propriedade privada do solo. (WEIMER, 2005, pg. 70)
Figura 029: Vila nova de Ourém, Pará, 1754
Apesar dessa intensa convivência entre culturas, as heranças ibéricas foram predominan-
do com ao longo dos anos. Principalmente no que se diz respeito a habitação na qual tinham seus
pag. 081
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
programas ligados mais aos ideais cristãos e separação de espaço, não aceitando as acomodações conjuntas dos índios10.
Nos primeiros períodos os programas habitacionais e as técnicas construtivas foram cres-
cendo juntos, porque nesse momento a prioridade era construir além de um simples abrigo11, era preciso construir espaços que ao mesmo tempo em que inibia as interferências do clima local e de inimigos, também deveria estar de acordo com a cultura local. Sendo assim, os métodos construtivos passaram a ser dos mais variados, podendo alterar dependendo da região em que as obras eram realizadas, devido a dependência de materiais naturais que encontravam e tal quanto estes poderiam variar de um local para o outro. No entanto, ainda assim nota-se semelhanças entre muitas delas; as mais comuns eram as casas feitas de adobe, pau-a-pique ou taipa de pilão, em geral as famílias com maior poder aquisitivo tinham casas construídas a partir de pedra e barro12.
2.2.1. CASAS DOS PRIMEIROS SÉCULOS
Um dos primeiros fatores importantes a se observar neste instante são as composições das
moradias térreas, sendo raras as casas compostas por dois ou mais pavimentos e, quando existiam, resultados de construções feitas em terrenos com grande declividade ou construídas com pé-direito maior que o comum, criando assim áreas ociosas que depois com o passar do tempo eram usadas como depósitos; é a partir desse sentido que surgiu o termo “sobrado”, hoje utilizado para casas com mais pavimentos além do térreo. “Sobrado” era um espaço que sobrou, isto é, espaço situado acima do forro, ou do teto, de um compartimento térreo e sob o
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 23. 10
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 21. 11
12
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 24.
082 pag.
telhado; seria o que hoje chamamos de “sótão”. Seria também o espaço embaixo de um soalho, espaço habitável que hoje chamamos de porão. (LEMOS, 1999, pg. 25)
Por serem áreas não programadas para um uso específico, eram usadas, em sua maioria,
como depósitos ou, em raros casos, como quarto de hóspedes. Tal modelo de dois pavimentos ou mais irá se intensificar no período posterior, quando as cidades passam a ter maiores condições econômicas devido ao crescimento da produção de cana-de-açúcar.
Apesar das diversas semelhanças técnico-construtivas que haviam entre as habitações
produzidas no país nesse período, seus partidos se modificavam de acordo com o clima, fauna, cultura e principalmente a partir do meio que era fixado a moradia – urbano ou rural. Essas dessemelhanças refletiam na composição da casa com seu lote e este com seu entorno, gerando partidos distintos para cada uma delas. No meio urbano haviam lotes com características bastante definidas13 e que seguiam certos padrões, sendo sempre compridos e com larguras bem parecidas; as casas eram construídas até os limites laterais do terreno e lindeiras à via pública. No Pará ou no Recife, em Salvador ou em Porto Alegre, encontram-se ainda hoje casas térreas e sobrados dos tempos coloniais, edificados em lotes mais ou menos uniformes, com cerca de dez metros de frente e de grande profundidade. Também em São Paulo as áreas mais antigas do centro eram edificadas com residências desse tipo. (REIS FILHO, 2006, pg. 22)
No rural haviam diversas condicionantes que influenciavam na dinâmica dos espaços e na
distribuição deles dentro do lote. Uma vez que, além da agricultura que por si só exigia terrenos extensos, ainda eram fortes muitas heranças culturais indígenas14, as quais distribuíam seus espa-
13
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 22.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 29. 14
pag. 083
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Área de Serviços Área Íntima Faixa Receptiva Alpendre -1 Quarto de Hóspedes - 2 Oratório - 3 Sala - 4 Quarto (alcova) - 5 Depósito - 6
6
5
5
2
4
1
5
5
3
Figura 032: Piso inferior, Casa do Padre Inácio
Figura 030: Casa do Padre Inácio
6
6
Figura 033: Piso superior, Casa do Padre Inácio
Figura 031: Acesso ao sobrado, Casa do Padre Inácio
084 pag.
ços de acordo com suas respectivas funções. Sendo assim, ao invés de ter um único volume com todas as funções distribuídas dentro de sua área, distribuíam-se as áreas de serviços em edículas dispersas pelo terreno e criava-se um espaço maior para abrigar toda a família.
A discrepância que há entre os dois meios e seus respectivos módulos dará também pano-
ramas para outros detalhes da casa em si, como por exemplo, o caimento de seus telhados, sendo que na casa rural sua cobertura, em geral, é composta por duas ou mais águas, já na urbana, obedeciam a um padrão: duas águas, uma seguindo para a rua e a outra para o fundo do lote. O sistema de cobertura, em telhado de duas águas, procurava lançar uma parte da chuva que recebia sobre a rua e a outra sobre o quintal, cuja extensão garantia, de modo geral, a sua absorção pelo terreno. Evitava-se, desse modo, o emprego de calhas ou quaisquer sistemas de capitação e condução das águas pluviais [...]. (REIS FILHO, 2006, pg. 26)
Figura 034: Casas coloniais, indicação de telhado
As únicas moradias urbanas que fugiam de tais regras eram aquelas construídas nas esqui-
nas , além de terem duas fachadas para usar a seu favor também tinham uma maior abertura 15
para alterarem seus telhados, como também suas plantas. Ainda que tivessem a possibilidade de variar as composições dos cômodos – tanto as casas de esquinas como as casas interioranas – to15
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 26.
pag. 085
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
das as moradias ainda seguiam um mesmo programa no seu cerne. A pequena casa urbana e a da roça, no entanto, tem ambas, em seus organogramas funcionais, absoluta identidade – possuíam os mesmos critérios de morar no que dizia respeito à segregação da mulher, dona de uma área indevassável pelos estranhos. O resguardo da família era fundamental na organização do programa [...]. (LEMOS, 1999, pg. 21)
As moradias dos centros mais aglomerados seguiam a lógica mais simples de locação
dos cômodos e seus respectivos usos, tendo apenas diferenças – isso, desconsiderando as casas de esquinas – no número de espaços produzidos, variando de acordo com o poder aquisitivo de cada proprietário morador. A estrutura se estabelecia a partir de um corredor longitudinal
que
dava acesso a todos os cômodos da casa, podendo ser central, quando a casa era feita com dois lanços, ou lateral, em moradias mais simples com um lanço apenas; além disso podia dar para a sala frontal ou para a rua em alguns casos.
Área de Serviços Área Íntima
4 3
1
Faixa Receptiva
5
4 3
5 3
1
2
Figura 035: Casas urbanas paulistas, entre séculos XVII e XVIII
086 pag.
1- Sala 2- Quarto de Hóspedes 3- Quarto (alcova) 4- Cozinha (alpendre) 5- Depósito
Seguindo o sentido rua-quintal do desenho, havia a sala da frente que muitas vezes era
usada para o comércio e também como oficina para os artesãos; seguindo, encontravam-se as alcovas, lugares destinados ao descanso noturno da família. As alcovas localizavam-se no centro da moradia e por isso recebiam pouca iluminação; em moradias com maiores áreas encontravam-se também quartos para hóspedes, porém sempre desconexos das alcovas, para não haver comunicação com a intimidade familiar. Logo após estava a cozinha, local onde se concentrava o maior fluxo feminino, esta área podendo variar seu desenho de uma casa para outra, não fazendo, na maioria das vezes, parte do desenho total da moradia. A cozinha variava desde um ‘puxadinho’ fechado ou aberto ou até mesmo distribuída no alpendre que situava aos fundos da moradia urbana16. As salas da frente e as lojas aproveitavam as aberturas sobre a rua, ficando as aberturas dos fundos para a iluminação dos cômodos de permanência das mulheres e dos locais de trabalhos. Entre as partes com iluminação natural, situavam-se as alcovas, destinadas à permanência noturna e onde dificilmente penetrava luz do dia. (REIS FILHO, 2006, pg. 24)
Diferentemente, na casa rural, o alpendre será posicionado do lado oposto, anteceden-
do todos os outros cômodos da casa, resguardando a intimidade familiar. Essa área de transição além de servir como espaço julgador e limitador para aquele desconhecido que ali chegava, também servia como área de lazer e vigilância de seus subordinados17. Muitas vezes o alpendre era acompanhado por dois cômodos situados aos seus dois extremos que, em geral, serviam um para hospedagem e outro como oratório para cerimônias com a família e para visitantes e escravos – estes assistiam do próprio alpendre.
O quarto de hospedes era uma área feita exatamente para os estranhos que não tinham
acesso ao resto da casa, por conta disso a porta do quarto dava para o alpendre (ou corredor) LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 27. 16
17
VERÍSSIMO, Francisco Salvador; BITTAR, William S. M. 500 anos da casa no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. Pg. 31.
pag. 087
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
impedindo qualquer ligação com a moradia – nesse período, hospedar alguém não dependia de boa vontade, era tido como uma obrigação social18. Da varanda para dentro, a moradia era composta por alcovas que circundavam uma grande sala, essa tendo usos variados desde a um espaço para jantar ou até para receber visitas mais próximas das famílias. No que se diz respeito à cozinha, contrário ao meio urbano, esta será incorporada à casa alguns anos depois, em meados do século XVIII19, perdendo assim cada vez mais o sentido, abordado anteriormente, de edículas desconectas e distribuídas pelo terreno, ganhando maior importância dentro da composição habitacional. Área de Serviços Área Íntima Faixa Receptiva Alpendre -1 Quarto de Hóspedes - 2 Oratório - 3 Sala - 4 Quarto (alcova)- 5 Cozinha- 6
6
5
5 4
5
2 Figura 036: Sítio do Galu, Embú
5 1
3
Figura 037: Planta, Sítio do Galu, Embú
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 30. 18
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 47. 19
088 pag.
2.2.2. CASAS NA ECONOMIA AÇUCAREIRA
Com o forte crescimento da produção açucareira e o aumento do tráfico de escravos, as
moradias tomam maiores dimensões, assim como um maior número de cômodos sob um mesmo teto e, no caso das casas rurais, algumas construções passam a ser agregadas ao grande conjunto de edificações dentro do lote. Essas novas construções do meio rural estão diretamente ligadas ao novo produto agrícola, uma vez que o mesmo não só requer maquinários específicos, mas também um maior número de mão de obra. Sendo assim, surge nesse momento duas outras construções-satélites: o engenho e a senzala20; sendo que o primeiro era um espaço planejado para a produção do açúcar mascavo e cachaça e o segundo para abrigar os escravos que trabalhavam com a colheita e a produção do açúcar, além de ajudarem na casa a com as obrigações domésticas.
A ideia de intimidade familiar permanece forte nesse período, tanto que o núcleo central
formado pelas alcovas permanece sem grandes modificações mantendo sua ligação com as salas intimas ou corredores. No entanto, os corredores frontais e os alpendres desaparecem – junto a eles também o oratório em meados do século XVII21 – dando lugar à sala de visitas, que ligava aos quartos de hospedes, estes transformados em alcovas situados mais para o interior da moradia, porém sem ligação direta com a parte intima, apenas com a sala da frente.
Para ligar a área receptiva aos fundos da casa, mantendo a intimidade, era feita uma
estreita passagem para o que antes era a continuação do corredor, agora chamado de varanda ou sala dos fundos, onde escravas e suas donas realizavam afazeres domésticos – fiação, tear, doces entre outros22 – além de servir como espaço para as refeições e reuniões familiares. Próximo a sala estava sempre a cozinha, cada vez maior e mais importante dentro da composição habi-
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 76. 20
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 77. 21
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 80. 22
pag. 089
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
tacional, agregando todos os tipos possíveis de serviços, principalmente aqueles relacionados ao preparo de alimentos.
Área de Serviços Área Íntima Faixa Receptiva Sala Receptiva -1 Quarto de Hóspedes (alcova) - 2 Sala (varanda) - 3 Quarto (alcova) - 4 Cozinha (demolida) - 5
1
0
2
3
4
4
5
5
4
3
4 2
1
Figura 038: Casa da Fazenda Passa-Três, Sorocaba
2
2 1
4
Figura 039: Planta, Casa da Fazenda Passa-Três
Assim como no meio rural, a casa urbana também mantém uma relação específica com
o lote, semelhante à rural – casas ocupando a totalidade de seus limites laterais e frontais. Além disso, o crescimento do número de sobrados também foi grande nas cidades. Contrário ao meio urbano, no rural encontravam-se poucas casas com mais de um pavimento, grandes paralelepípedos com o térreo destinado as áreas de serviço e a moradia ocupando a área superior23. LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 84. 23
090 pag.
Nesse momento as diferenças sociais – que sempre existiram, mesmo que imperceptíveis –
são facilmente reconhecidas, pois habitar uma casa térrea de “chão batido” significava pobreza, de tal maneira que, nas casas das cidades, o térreo era usado para o comércio, quando não, para acomodar escravos ou animais, mas nunca faziam parte das acomodações intimas da família24. Os maiores obstáculos nos meios urbanos nesse período eram as questões relacionadas as necessidades básicas, como alimentação e o fornecimento de água para consumo ou serviço de esgoto. No primeiro caso as famílias tentavam resolver em parte o problema, por meio de pomares, criação de aves e porcos ou do cultivo da mandioca e de outros legumes25. Já nas questões sanitárias, Reis Filho (2006, pg. 28) pressupõe que o problema está, em partes, ligado a existência do escravo dentro da moradia, fazendo com que o branco não se preocupasse com essas questões uma vez que havia alguém destinado a tais tarefas.
Área de Serviços
6
Área Íntima Faixa Receptiva Loja -1 Corredor de Acesso à Moradia - 2 Salão - 3 Alcova - 4 Sala (varanda) - 5 Cozinha - 6
5 4
4 4
2
1
3
Figura 040: Modelo de sobrado urbano
24
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 28.
25
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 30.
pag. 091
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
2.3. DA MONARQUIA À REPÚBLICA
Apesar das alterações que a produção cafeeira trouxe para o setor agrícola do país no
início do século XIX, para a arquitetura as mudanças foram mínimas, uma vez que o novo produto reforçava as mesmas bases econômico-sociais do período colonial, com o trabalho escravo e a cultura da exportação26.
As primeiras transformações ocorreram após a independência do Brasil, que, com a che-
gada da Coroa, passou por um processo de europeização que previa adaptações e alterações socioculturais, urbanas e arquitetônicas. Além da missão francesa, a independência proporcionará a integração do país ao mercado mundial com a abertura dos portos27 possibilitando assim, não só o crescimento da exportação, mas também da importação de novos equipamentos e produtos vindos do exterior. A junção desses dois fatores trouxe mudanças para a arquitetura brasileira que ganhou cada vez mais uma maior formalidade, refinamento e detalhamento construtivo.
2.3.1. CASA NEOCLÁSSICA
O neoclassicismo surge a partir da escola de Belas-Artes, que por sua vez foi resultado da
missão francesa, esta que trouxe para o país – mais especificamente para o Rio de Janeiro – diversos artistas europeus com o objetivo de ensinar os ofícios relacionados as mais variadas áreas, como a agricultura, mineralogia, indústria e comércio28. Diferentemente do número de arquitetura oficial produzido, as influências neoclássicas foram sendo timidamente adotadas nas moradias, sendo mais comum em habitações de famílias mais abastadas ou em casas litorâneas.
26
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 114.
27
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 37.
28
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 116.
092 pag.
Nos centros maiores do litoral, em contato direto e permanente com o meio europeu e onde os costumes guiaram-se de perto pelos do Velho Mundo, desenvolveu-se um nível mais complexo de arte e arquitetura que chegou a alcançar elevados padrões de correção formal e se integrou, pela aparência, pelos detalhes e pelas formas de construção, nos moldes internacionais de sua época. (REIS FILHO, 2006, pg. 116)
As primeiras modificações que foram sendo adotadas tinham, em sua maioria, uma fun-
ção mais estética que funcional. As fachadas adotavam novas cores e novos desenhos sobre portas e janelas de forma simétrica, sendo que a porta ocupava o eixo central das fachadas e era composta por uma verga curva com desenhos partindo de seu centro. Seguindo, haviam as janelas compostas de vergas mais simples e muitas vezes até sem uso. A intenção era uma maior valorização para a entrada da morada que sempre estava aberta29. As próprias portas – agora de duas folhas – e janelas também passaram por alterações, adotando o uso de vidros – simples ou coloridos – e também de fechaduras e aldravas30 – de ferro ou cobre.
Figura 041: Exemplos da arquitetura neoclássica LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 198. 29
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 197. 30
pag. 093
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
No que diz respeito as técnicas construtivas, maiores alterações em cidades litorâneas ou
próximas as mesmas, passaram a utilizar alvenarias de pedra ou tijolos. Diferente do que aconteceu no meio rural, onde era usado uma mistura das técnicas coloniais. Em geral, utilizavam-se taipa de pilão para paredes externas e internas, no intuito de evidenciar a separação entre a recepção e a área intima da família; para fazer as divisórias dos cômodos internos utilizava-se o pau-a-pique.
Assim como a permanência das técnicas, também se manteve os programas coloniais nas
moradias das grandes fazendas, perdurando a segregação familiar, principalmente a feminina que permanece na zona de serviços31. Desse modo, percebe-se, que no período cafeeiro são raríssimas as habitações construídas a partir do dinheiro proporcionado pelo café, a grande maioria delas são adaptações das antigas fazendas açucareiras. Adequações essas com proporções faraónicas, as casas-grandes, assim chamadas, eram dotadas de um grande número de cômodos como também de aberturas. O número de cômodos sob o mesmo extenso teto requeria maiores cuidados, por conta disso a presença do negro dentro das moradias32 se torna algo comum; muitas habitações chegam a construir alcovas para suas mucamas. [...] as primeiras fazendas de café não passam de antigos estabelecimentos agrícolas acrescidos de obras exigidas pela produção e manipulação da rubiácea, como as casas dos pilões, das fainas de classificação, da estocagem, além de terreiros de secagem, dos tanques de lavagem, dos canais de alimentação das rodas-d’água e, naturalmente das imensas senzalas. (LEMOS, 1999, pg. 138)
Os grandes terreiros planos – nivelamento determinado para a secagem do café – eram as
áreas mais difíceis a serem instaladas, devido a poucas áreas com patamares no mesmo nível, exi-
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 137. 31
Lemos, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc. Coleção Debates. Obra publicada em coedição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. Pg. 111. 32
094 pag.
gindo uso de muros de arrimos para vencer tais declividades. A regra não valia para os casarões, uma vez que, assim como no período colonial, eram construídos seguindo o terreno. O resultado eram casas semi-assobradas – tipicamente mineiras33 – com áreas destinadas a depósitos. A apropriação do térreo nos casarões acontece somente depois da metade do século XIX.
Área de Serviços Área Íntima Faixa Receptiva Sala -1 Quarto de Hóspedes (alcova) - 2 Quarto (alcova) - 3 Sala de Jantar (varanda) - 4 Cozinha - 5 Depósito - 6
0
1
2
3
4
5
5
4 3 2 1
1
6
6 3
3 3
2
2 2 1
6
Figura 043: Planta, Casa da Fazenda Serrote
Figura 042: Fazenda Serrote, Santa Branca
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 179. 33
pag. 095
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Diferentemente da casa rural, as moradias urbanas passaram a se apropriar de seus pavi-
mentos térreos, principalmente quando situados em bairros residenciais. O chão de terra batida foi substituído por assoalhos e deixou de seguir o nível da rua, atingindo alturas maiores que um metro34. O novo piso, posto sobre grandes vigas, deu origem a um novo modelo de moradias urbanas: as casas com porão alto – usados para hospedagem ou como área de serviço e depósito. Com isso, a casa passou a ter uma maior aproximação com o espaço público e ao mesmo tempo prevenindo a intimidade da família. Um novo tipo de residência, a casa de porão alto, ainda “de frente da rua”, representava uma transição entre os velhos sobrados e as casas térreas. Longe do comércio, nos bairros de caráter residencial, a nova formula de implantação permitira aproximar as residências da rua, sem os defeitos das térreas, graças aos porões mais ou menos elevados, cuja presença era muitas vezes denunciada pela existência de óculos ou seteiras com gradis de ferro, sob as janelas as janelas dos salões. (REIS FILHO, 2006, pg. 40)
Figura 044: Modelo de casas, da bandeirista à neoclássica 34
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 120.
096 pag.
Com desnível entre a casa e o passeio público, um novo padrão de acesso foi cada vez
mais adotado, em sumo, composto por um primeiro patamar, com piso de mármore, e logo em seguida por uma pequena escada para vencer a diferença entre os dois patamares. Após a escada localizavam uma ou duas portas laterais que proviam acesso aos salões e a frente uma terceira porta de acesso a área intima da família. Esse modelo se fazia valer para as casas térreas também, só que, diferente dos sobrados, mantinham ainda o desenho tipicamente colonial35.
Figura 045: Entrada de casa urbana neoclássica
Houve a partir de então uma modificação dos hábitos familiares, claramente influenciados
pelos novos costumes europeus. A família passou a ter uma relação mais aberta com a sociedade assim como com espaço público, acarretando mudanças no desenho habitacional, além da adoção de decorações mais detalhadas e rebuscadas para o interior da casa, como o uso do papel de parede e objetos de decoração. Nas residências de famílias mais abastadas, as salas destinadas às recepções recebiam tratamento especial, com pinturas origi-
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 191. 35
pag. 097
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
nais nos forros, paredes e folhas de portas e janelas. Nos salões as tapeçarias e um mobiliário mais complexo e atualizado vinham introduzir condições de conforto e ordenação formal, anteriormente quase desconhecidas. (REIS FILHO, 2006, pg. 118)
Tais detalhes destinados apenas aos cômodos com acesso para estranhos, agora tratados
como visitas. As áreas reservadas – sempre aos fundos da casa térrea ou no pavimento superior nos sobrados – mantinham seu acabamento mais grosseiro, como as áreas de serviços, a sala de jantar36 e os quartos que passariam a ser providos, em sua maioria, de luz natural37, deixando de ser o cômodo escuro e claustrofóbico do período colonial.
Assim como nas moradias, o espaço público sofre alterações, adotando passeios entre
casas e ruas, além de espaços de permanência livre como praças e jardins. Apesar das diversas mudanças adotas no espaço privado e público, o aperfeiçoamento de ambos e de suas relações se fortalece apenas a partir da segunda metade do século XIX, junto ao Ecletismo e as técnicas vindas com ele.
2.3.2. CASA ECLÉTICA, CORTIÇOS E VILAS OPERÁRIAS
É a partir da segunda metade do século XIX que o Brasil passa por diversas mudanças so-
cioeconômicas e tecnológicas, influenciando de modo direto e indireto na arquitetura local. Com o crescimento da produção cafeeira e a abolição da escravidão em 188838, os donos das lavouras aceleraram a entrada de imigrantes no país para aumentar sua produção e principalmente para repor a mão-de-obra escrava.
36
De mesma maneira à exportação, a importação também cresceu, trazendo com ela ma-
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 121.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 190. 37
38
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 146.
098 pag.
quinários e equipamentos no intuito de agregar o aprimoramento dos métodos produtivos e construtivos. Ao mesmo tempo surgiram os meios de transportes, por linhas férreas – ligando o interior com as capitais litorâneas – e por navegação – entre rios ligando as cidades interioranas entre si. Tais novas ligações entre municípios fortaleceram o crescimento do mercado interno que, por sua vez, possuíam relação direta e reciproca com as novas indústrias têxteis e alimentícias39 instaladas nas regiões com as maiores concentrações populacionais do país. Para atender às novas solicitações, o número de edifícios cresceu ininterruptamente, durante toda a segunda metade do século XIX. Para adaptar-se a nova escala, os centros urbanos mais populosos lançavam mão dos recursos de técnica disponíveis. Instalaram-se redes de abastecimento de água, de iluminação e esgoto e surgiram as primeiras linhas de transportes coletivos. (REIS FILHO, 2006, pg. 152)
A adesão das instalações sanitárias não foi apenas uma resposta ao processo industrial e
evolutivo da cidade, mas baseado também na necessidade das moradias em sanar a saída do escravo, uma vez que não se havia mais servos para buscar água ou retirar os dejetos para seus senhores. Surgem então os primeiros banheiros com água corrente, porcelanas inglesas, ladrilhos e decorações refinadas, seguindo o desenho das novas habitações.
No entanto, as primeiras modificações, de fato, não ocorreram no programa da moradia,
mas sim na sua relação com lote, passando a se desprender de seus limites laterais. O recuo ocorria em apenas um lado – quando o segundo era afastado, havia uma distância mínima de seu limite – e era através dele que se fazia o acesso da casa junto aos novos jardins. Os porões são mantidos no desenho da casa, sendo usados como área de serviços ou para alojar empregados, sendo assim, a entrada da casa se faz pela escada lateral seguida de uma varanda, até mesmo nas casas mais simples e sem jardim se empregava uma pequena escada com estrutura de ferro e cobertura de vidro. O acesso aos jardins era feito através de caprichosas escadas de mármore40 39
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 148.
40
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 46.
pag. 099
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
que davam as varandas ligadas as casas, usadas para reuniões de família e lazer.
As aberturas dos jardins ajudavam no conforto térmico e na iluminação das moradias, prin-
cipalmente nas antigas alcovas que passaram a ter janelas próprias. Nas residências menores, por não haver muito espaço para abertura dos jardins, adotavam pequenos corredores descobertos para possibilitar a abertura de janelas, os mesmos eram acessados pela área de serviço através de pequenas escadas, além disso, tais espaços também ligavam diretamente a rua por meio de um portão, de ferro ou madeira, usado como entrada de serviço.
Área de Serviços
4
7 6
5
3
3
Área Íntima
2
Faixa Receptiva
1
Figura 046: Modelo de solução adotada por casas menores.
1- Sala de Visitas 2- Sala de Jantar 3- Dormitórios 4- Pátio para Iluminação 5- Cozinha 6- Banheiro 7- Dormitório para Criada
A composição dessas primeiras moradias pouco se alterou em relação a colonial; o acesso
lateral feito pela escada era ligado a sala de visitas e de almoço – agora transferida para frente do desenho – seguida por um corredor lateral marginado pelos quartos que ligava a sala da frente com os fundos da moradia onde se estendia a cozinha e o banheiro. Em inúmeros casos, o alpendre de ferro iria funcionar, até certo ponto, como um corredor externo. Para ele abririam as portas das salas de visitas e almoço, janelas ou portas de alguns dos quartos e, por vez, mesmo as portas da cozinha. (REIS FILHO, 2006, pg. 46)
100 pag.
Entre o final do século XIX e início do XX, a arquitetura burguesa se desprenderá totalmente
dos limites de seus lotes41, dando origem aos chalés e palacetes cada vez mais ornamentados e diversos desenhos de telhados recortados por águas furtadas42. Os novos imigrantes não só trouxeram sua cultura para o meio estético como também, novamente, para o modo de viver da família, que passou a ter um maior convívio social baseado nos princípios de etiqueta e polidez europeu, sem deixar de manter a privacidade através do recuo da casa em relação ao lote, como também do resguardo dos cômodos íntimos no pavimento superior.
Figura 047: Relação de casas com seus lotes
A grande sala ou corredor de distribuição foi substituído pelos vestíbulos que se constituíam
em cômodos de passagem, funcionando como faixa de transição entre público e privado, e principalmente sendo eixo de ligação entre cômodos, dando, aos mesmos, maior independência. Os quartos mantiveram características parecidas com os neoclássicos em sua organização espacial, mantendo os aposentos familiares no pavimento superior junto aos seus gabinetes sanitários e salas de banho, como pedia o novo padrão de higiene, e o quarto de hospedes no térreo ao lado de uma instalação sanitária, ambos na área social.
No mesmo espaço de convivência estavam os salões, com forte influência francesa eram
utilizados para recepção das visitas e à eventos da sociedade mundana43. Dentre os vários salões – de jogos, para reuniões femininas, biblioteca, entre outros – o mais comumente empregado no 41
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 50.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 253. 42
43
CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. Ramos de Azevedo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. Pg. 262.
pag. 101
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
desenho da moradia era a sala de recepção. Ela antecedia qualquer outro espaço e, em geral, se conectava a antecâmara do gabinete – local para receber clientes, fornecedores, amigos e desconhecidos – e também se conectava a salle à manger, local reservado para as refeições apenas da família ou com convidados. Conectando e mantendo um distanciamento entre o salão de jantar e a cozinha havia o office, local que consistia em uma espécie de coxia que servia aos dois ambientes. É ali que, desde que não são mais os donos da casa que se servem e aos convivas, que os mordomos cortam, fazem as porções, preparam as entradas. É para ali, também, que retornam os pratos, talheres e toalhas e se preparam as sobremesas e os refrescos para os salões. (CARVALHO, 2000, pg. 263)
O afastamento da cozinha em relação aos outros espaços se fez necessariamente para
evitar a proximidade com os dejetos e odores que provinham do local. Para resolver tal problema, as cozinhas passaram a ser estruturadas nos porões ou sótãos, tendo seu acesso através da escada de serviços; construídas no mesmo patamar da própria moradia, porém localizada de forma mais segregada, se assemelhando a uma área anexa ao conjunto total da obra. Compondo ainda a área de serviços haviam os depósitos, lavanderias, pátios de serviço, gabinete de toilette e quarto para os empregados domésticos44.
Contrapondo o crescente cenário burguês, a passagem do século XIX para o XX foi marca-
do pelo grande aumento da camada popular nos centros urbanos, devido ao fim da escravidão e ao aumento da imigração, apesar de seus contextos se diferirem suas intenções eram a mesmas: se fixar na cidade, já que as oportunidades que a indústria e o comércio ofereciam para sua ascensão45 eram melhores. O crescimento tão massivo chegava a ser maior que o desenvolvimento habitacional e que o número de empregos oferecidos.
44
CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. Ramos de Azevedo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. Pg. 264.
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: Arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. Pg. 17 . 45
102 pag.
Figura 048: ResidĂŞncia da Marquesa de Itu
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Área de Serviços Área Íntima Faixa Receptiva Vestíbulo -1 Escritório - 2 Salão - 3 Loggia - 4 Sala da Senhora - 5 Toilet - 6 Sala de Jantar - 7 Creado - 8
15
15
13 15 11 9
7
3 5
1 2
4
Figura 050: Planta inferior, Residência da Marquesa de Itu
104 pag.
6
10 Figura 049: Planta superior, Residência da Marquesa de Itu
8
13
6
16
17
12
14
15
14
9 - Copa 10 - Despensa 11 - Cozinha 12 - Varanda 13 - Hall 14 - Banheiro 15 - Quarto 16 - Armário 17 - Terraço
Os problemas habitacionais decorrentes dessa pressão populacional, que não correspondiam a um aumento proporcional de oportunidades de empregos urbanos, iriam provocar o aparecimento de favelas, nos morros e alagados e a multiplicação dos cortiços, modificando-se, por completo, o panorama dos principais centros urbanos do país. (REIS FILHO, 2006, pg. 154)
Apoiado ao novo sistema capitalista, surgem os bairros populares com suas vilas operárias
e seus cortiços – insalubres a primeiro momento, sendo obrigados a melhorar suas condições apenas após a proclamação da República45. Ambos os conjuntos tinham o mesmo objetivo: moradias com plantas mínimas e consequentemente com alugueis de baixo custo, visando lucro aos investidores.
Área de Serviços Área Íntima
4
5 3
4
5 3
0
Faixa Receptiva
Sala de Jantar -1 Quarto - 2 Cozinha - 3 Banheiro - 4 Pátio - 5
1 2 3 4
1
1
5
2
2 10
Figura 052: Planta, Vila Economizadora Figura 051: Modelo de Vila Economizadora LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 252. 45
pag. 105
Figura 053: Cortiço na Rua Visconde de Parnaíba, 1939
Na verdade, havia uma gradação descendente, das vilas mais sofisticadas aos cortiços mais precários, refletindo a escala social – da classe média ou do trabalhador mais qualificado ao desempregado. O mesmo se dava com alugueis, que se adequavam aos vários níveis salariais. Abaixo de certo nível de qualidade, o empreendimento deixava de seguir os padrões municipais e tornava-se “clandestino”, deixando de ser vila, merecedora de incentivos e elogios, e passando a ser cortiço, condenado e estigmatizado. (BONDUKI, 2002, pg. 54)
Figura 054: Vila operária, Brás
As implantações desses conjuntos dentro dos extensos lotes se desenvolviam através de
casas enfileiradas em um renque – com acesso a moradia feito direto pela rua – ou em dois renques que abriam ao pátio ou ao corredor central46. Com suas plantas minúsculas, as moradias mantinham certos padrões do início do século XIX. Em grande maioria, o acesso era realizado pela escadaria lateral ou direto pela sala de visita/jantar, junto a área receptiva localizavam-se os quartos – ou quarto, no singular, em cortiços; aos fundos estava a cozinha, a área de serviço 46
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 58.
pag. 107
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
e o banheiro, esse definia se a casa seria de vila ou de cortiço, sendo que na primeira havia um banheiro dentro de cada habitação e o segundo era dotado de banheiros coletivos posicionados na área comum47.
Nesse momento a diferença de classes se torna cada vez mais explicita, tal disparidade
também refletida nas moradias, uma vez que, seus desenhos, adornos e, principalmente, suas relações com seus lotes se desconectaram uma da outra, deixando de seguirem o mesmo desenho para ambas situações. Problemas que são melhores estudados a partir do século XX, quando se agravam comprometendo cada vez mais a organização urbana48 das grandes cidades.
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: Arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. Pg. 54. 47
48
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 52.
108 pag.
2.4. TRANSFORMAÇÕES DA ARQUITETURA DO SÉCULO XX
Durante o período Entre Guerras, o Brasil passou por importantes mudanças, a agricultura,
no setor produtivo, sofreu grandes modificações e a indústria se desenvolveu49 tecnologicamente. No entanto, no que se diz respeito à arquitetura poucas mudanças tiveram destaque na primeira metade do século XX, principalmente para as classes mais abastadas, que mantinham seus princípios baseados na cultura europeia. Surge na cidade de São Paulo os “bairros-jardins” propostos pela empresa Cia. City, que nada mais eram do que bairros novos projetados a partir de adaptações dos planos ingleses de “cidade-jardim”. Adaptações várias, reduzindo-se, na maioria das vezes, a um aperfeiçoamento do sistema viário e a uma reinterpretação, em termos de “paisagismo”, dos velhos lotes tradicionais. Desse modo subsistiam os jardins e recuos obrigatórios, mas desapareciam as áreas de uso comum, de grande importância dos estrangeiros. (REIS FILHO, 2006, pg. 71)
A relação com o lote permaneceu bem parecida com suas antecessoras, desprendendo-
-se de seus limites; nos recuos laterais, um menor era usado apenas como passagem ou entrada de serviço e do outro lado um corredor com maiores dimensões possibilitava a entrada do carro. Essa última evidenciada pela cobertura onde ficava o automóvel fornecendo um segundo acesso para a casa, no entanto a entrada principal se dava junto aos novos jardins transferidos para frente da casa – ou para dentro, nomeados como jardins de inverno.
Ambos os acessos davam para o hall, área distribuidora horizontal e vertical50 dos espaços.
O desenho interno e a distribuição dos cômodos também mantiveram suas raízes, permanecendo
49
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 64.
50
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 75.
pag. 109
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
os cômodos de recepção a frente, a área intima da família no pavimento superior, possibilitando maior privacidade, e a cozinha aos fundos, porém conectada espacialmente com a casa.
Área de Serviços Área Íntima Faixa Receptiva Hall -1 Sala - 2 Sala de Jantar - 3 Banheiro - 4 Cozinha - 5 Garagem - 6 Quarto de Empregada - 7 Quarto - 8
4 7 6
5 3
4
1 2
Figura 055: Casa Modernista, São Paulo, 1927
8 8
4 8
Figura 056: Plantas, Casa Modernista
110 pag.
Suas raízes rurais ainda são perceptíveis, pois além da criação de animais e alguns poma-
res, ainda se viam algumas construções satélites em seus lotes, como garagem e aposentos para empregados –também devido a proximidade da casa com o térreo e ao desuso dos porões. Todos esses espaços aos fundos eram mais descuidados que o resto da residência, seu descaso e sua localidade dentro do conjunto mostra o evidente resquício do mundo rural e da escravidão51, por isso se encontravam aos fundos longe aos olhos de estranhos e das próprias visitas.
Os avanços do período entre guerras acarretaram consequências antônimas para o país.
Ao mesmo tempo em que essa mecanização ajudou na evolução e na agilidade dos métodos produtivos, ela também substituiu muitos de seus operários por máquinas modernas. [...] a ausência de formas evoluídas de capitalismo e o crescimento ininterrupto da população dos maiores centros fariam com que as propriedades imobiliárias fossem um dos modos mais eficazes de aplicação financeira. (REIS FILHO, 2006, pg. 66)
Surgem então as casas de aluguel – direcionadas para classe média – geminadas, de meio
terreno e com aparência e soluções baseadas nas casas ricas. Em sua maioria as residências ocupavam seus limites laterais e mantinham um afastamento frontal onde era instalado um pequeno jardim. Na mesma lógica de distribuição, as casas da classe alta valorizavam as áreas sociais e consequentemente evitavam atenção aos fundos, onde se encontrava a área de serviço e, nas casas com maiores lotes, os dormitórios das empregadas. Por não haver recuos laterais, a circulação do serviço era feita por dentro da própria casa.
As casas de aluguel para as classes operárias crescem cada vez mais nesse período devi-
do a grande expansão da indústria, surgindo os bairros populares nas regiões suburbanas. Os lotes seguiam as mesmas linhas daqueles produzidos no período colonial – casas ocupando seus limites laterais e frontal – e somavam ainda as metragens mínimas de cada moradia afim de ter maior aproveitamento do terreno. O inchamento das grandes capitais era tão grande que em áreas
51
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 74.
pag. 111
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
7
6
Área de Serviços Área Íntima
5 7
8
8
Faixa Receptiva
4
3
2
1- Jardim 2- Sala de Visitas 3- Sala de Jantar 4- Cozinha 5- Quintal 6- Quarto de Empregada 7- Banheiro 8- Quarto
1
Figura 057: Modelo de casa da classe média
com maiores dificuldades sociais e econômicas52 surgiam habitações espontâneas, construídas sem infraestrutura e sem organização territorial. As, assim chamadas, favelas surgiam de acordo com o que o terreno proporcionava, em geral, locais íngremes que despertavam o interesse das grandes construtoras.
O poder público só concedeu atenção para tal precária situação em meados dos anos
30, quando surgiram diversos órgãos (IAPI, IAPC, FCP entre outros53) reguladores e neles criados setores de arquitetura e engenharia com intuito de enfrentar os problemas habitacionais. Para que fosse dado início aos programas de estudos, foram feitos, sobre aquisição de terrenos, processos construtivos e criação de tipologias de acordo com tipos genéricos de família. As moradias man52
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 70.
BONDUKI, Nabil; KOURY, Ana Paula. Os pioneiros da habitação social no Brasil: volume 2. São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. Pg. 1. 53
112 pag.
tinham ao mesmo tempo padrões coloniais nas suas distribuições de cômodos no projeto, como também seguiam a linha de pensamento dos cortiços, nos quais adotavam metragem mínimas para suas habitações. A relação com o lote é bem diversificada, tendo casas isoladas, geminadas, em renque e até mesmo conjuntos verticais.
Área de Serviços Área Íntima Faixa Receptiva Varanda -1 Sala - 2 Quarto - 3 Banheiro - 4 Cozinha - 5 Serviços - 6
4
3
3
6
6
5
5
2
4
2 1
3
3
1
Figura 058: Planta de casas geminadas, Vila Guiomar
Figura 059: Vila Guiomar, Santo André, 1942
pag. 113
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
A verticalização, crescente entre 1930 e 1940, teve um início controverso, pois traziam no-
vamente toda a relação colonial do projeto com o lote, no qual conduzia novamente a ocupação de suas laterais e frente54, ligando isso aos desenhos internos das moradias produzidas na época com seus diversos cômodos de recepção e extensas varandas. Perde-se novamente a
6 4
6
5
3
3
2
3
Área de Serviços Área Íntima
4
3
1
5
2
Faixa Receptiva 1- Varanda 2- Sala 3- Quarto 4- Banheiro 5- Cozinha 6- Serviços
1
Figura 060: Variações de plantas, núcleos residênciais de Santos
Figura 061: Casa do núcleo Carmela Dutra, Santos, 1948 54
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 79.
114 pag.
relação com a natureza que haviam conquistados anos atrás. As soluções a respeito do lote e da arquitetura só apareceram após a Segunda Guerra Mundial com projetos que possibilitaram a integração da obra com o terreno, assim como a natureza e a relação de vizinhança entre os conjuntos. Tais questões não eram abordadas antes e passaram a ser cada vez mais consideradas ao se projetar. [...] no Parque Guinle, no Rio de Janeiro, onde projeto de Lúcio Costa conseguiria uma disposição dos edifícios que simultaneamente valorizava o parque e garantiria a integração daqueles na paisagem. (REIS FILHO, 2006, pg. 95)
Nos anos 40 as casas também passam a adotar novas relações tanto com o lote, quanto
com o desenho natural de seu terreno, devido principalmente ao - novo material - concreto, possibilitando maiores formas de moldar suas estruturas e paredes. Consequentemente, desaparece nos novos projetos a valorização e desvalorização da relação entre frente e os fundos da moradia, os antigos quintais rurais são trocados por corredores e pátios de uso social.
As edículas são incorporadas junto a nova casa; esta previa uma maior integração entre
os cômodos que eram tratados como uma parte fundamental de todo o conjunto. Tal liberdade entre as áreas concederia maior liberdade ao compor a casa de acordo com o local e o clima em que ela era instalada, possibilitando produzir moradias com maior conforto ambiental. Estes princípios de respeito ao terreno, ao clima e a flexibilidade do próprio usuário formaram assim a base para o início de qualquer estudo projetual.
pag. 115
Figura 062: ResidĂŞncia Taques Bittencourt,1956
Área de Serviços
9
8
12
Área Íntima Faixa Receptiva Garagem -1 Acesso - 2 Pátio - 3 Sala de Jantar - 4 Cozinha - 5 Sala de Visitas - 6 Jardim - 7 Rampa - 8 Quarto de Empregada - 9 Banheiro - 10 Lavanderia - 11 Quarto - 12 Estúdio - 13
12
13 12
9
12
9
8 4 6
7 1
3
5 2
0
1
2
3
4
5
10
9 10 11
Figura 063: Plantas, Residência Taques Bittencourt, Vilanova Artigas, 1956
pag. 117
3. ESTUDO E CRÍTICA DAS RELAÇÕES
Apoiado no conteúdo abordado e apresentado anteriormente, notou-se que o estudo se
faz a partir de dois objetos primários – indivíduo e espaço – formando o cerne de todo o trabalho. Ambos exercem uma relação reciproca dentro de toda história, refletindo a situação social, econômica e política que cada um é inserido. Calcado nesse apontamento inicial, tem-se que o indivíduo e o espaço se fazem presentes nesse trabalho através da mulher e da arquitetura, respectivamente. A arquitetura tem uma estreita relação com a vida humana; portanto, tem muito a ver com o poder político e econômico, com a vontade coletiva pelo social e o comum, com o público e a permanência no futuro. (MONTANER; MUXÍ, 2014, pg. 15)
Dentro de todas as áreas da Arquitetura, acredita-se que a moradia é a célula básica do
tecido urbano1 e por si só é capaz refletir a formação história, política e econômica de toda sociedade e consequentemente da mulher, uma vez que ambas se correlacionam. Apoiado nessas contestações traçou-se uma linha histórica exaltando os pontos mais relevantes entre as duas bases de estudo, para que assim, unidos, possam revelar suas semelhanças históricas, possibilitando a definição dos recortes de estudo e análise. Ao voltar no primeiro capítulo entende-se que a mulher em toda sua história – de maneira bem resumida – possui quatro fases importantes, sendo estes: a perda de seus direitos maternos e sexuais com o advento da propriedade privada; o reconhecimento de si dentro da sociedade através MONTANER, Josep Maria; MUXÍ, Zaida. Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos. Trad. Frederico Bonaldo. São Paulo: Gustavo Gili, 2014. Pg.200. 1
pag. 119
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
do estudo – Querelles de femmes e as Preciosas; o entendimento de sua invisibilidade política e civil quando passa a ocupar com maior frequência o espaço público por conta das revoluções – Francesa e Industrial; e seu autoconhecimento como indivíduo biológico, político e social, que é o resultado da soma entre a segunda e a terceira fase – acesso ao estudo, acesso ao espaço público e participação econômica. Esses três últimos pontos se repetem no Brasil, porém com certas particularidades. Advento da propriedade privada;
4000 a.c. pré-história
Relação monogâmica; Perda do direito materno; Enclausuramento feminino;
476 - 1789
idade média idade moderna Querelle de Femmes Preciosas
1789 - 1900
idade moderna idade contemporânea Revolução Francesa Revolução Industrial
Acesso ao conhecimento (mulher burguesa e aristocrata); Formação de grupos de discussão; Questionamento de seus direitos civis e sociais;
Necessidade da mão de obra feminina pela indústria; Acesso ao espaço público; Retenção de poder aquisitivo;
Acesso ao estudo;
1900 - 2016
Advento das lutas sociais e manifestações feministas;
Sufrágio Universal
Auto conhecimento como indíviduo de direitos;
idade contemporânea
Infográfico 006: Resumo histórico feminino
120 pag.
Assim como a mulher, a arquitetura também tem pontos importantes dentro da sua história,
e no caso do Brasil – recorte adotado – se resume em três momentos: período de arquitetura resultante da cultura indígena e luso, com maior predominância da segunda – arquitetura colonial; o período no qual a arquitetura passa a evidenciar a diferença de classes, na qual de um lado há uma arquitetura burguesa – neoclássica e eclética – baseada na cultura europeia e do outro uma arquitetura com medidas mínimas – cortiços e vila operárias – dirigidas a parcela emergente da sociedade composta por imigrantes e negros recém alforriados; por fim, na primeira metade do século XX, marcada pelo entrada da arquitetura moderna no país, a qual se mantém baseada na cultura europeia como também utilizada apenas pela classe mais alta, nesse mesmo momento surge no país as primeiras habitações sociais produzidas por órgãos públicos além de crescer o número de moradias espontâneas assentadas em áreas de risco nas grandes capitais. Infográfico com pontos da arquitetura.
Entende-se então que a relação entre a mulher, o espaço privado e o espaço público se
relacionam, a priori, por parâmetros socioeconômicos, devido a seus picos de mudanças se encaixarem em períodos particulares. Mesmos períodos esses onde é evidenciado uma ligação de cunho econômico e consequentemente social entre os dois eixos de estudo. Portanto, define-se como períodos de estudos os momentos com maiores mudanças entre os casos, que são: período colonial baseado na economia mercantil, com uma arquitetura também colonial; período de passagem da monarquia para a república, com a abertura dos portos, dando início ao capitalismo, junto a isso, a arquitetura eclética e as vilas operárias; e finalizando a análise com a arquitetura moderna e a habitação social inseridas numa economia consolidada no capital.
Doravante ao que foi dito, toma-se como base de estudo as concordâncias entre os cô-
modos, traçando uma justificativa lógica para seu posicionamento dentro do conjunto. Além disso, busca-se o entendimento das interações entre o indivíduo e os espaços através de sua permanência e dominância, afim de alinhar esses condicionantes com a posição do homem e da mulher – seja ela esposa, empregada, escrava, filha, mãe etc. – dentro da família e da casa, da sua interação com o lote e, por conseguinte, da sua relação com sociedade.
pag. 121
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
LINHA DO TEMPO SOCIOECONÔMICA
1500 processo de colonização;
1888
1930
fim da escravidão;
indústria;
imigração;
modernismo;
abertura dos portos;
período
colônia mercantilismo
monarquia início capitalismo
república capitalismo
casa eclética vila operária
casa classe alta habitação social
burguesa operária
classe alta classe baixa
moradia
casa colonial (tempo do açúcar)
mulher
de interior escrava
Infográfico 007: Linha do tempo socioeconômica
122 pag.
3.1. CASA COLONIAL E O ENCLAUSURAMENTO FEMININO
O primeiro fato importante para destacar nesse primeiro momento é que ao longo dos
três primeiros séculos de Brasil – XVI, XVII e XVIII – o desenho habitacional pouco se alterou em sua totalidade. Independente do ambiente, urbano ou rural, em que se instalavam, suas mudanças se resumiam no aumento do número de cômodos e consequentemente na proporção de área a ocupar ao longo do terreno, o que justifica a escolha de apenas um modelo para estudo.
Figura 064: Casas coloniais e suas semelhanças
pag. 123
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
A moradia escolhida para iniciar o estudo é a casa da Fazenda Passa-Três, pertencente
aos pais de Brigadeiro Tobias, construída na cidade de Sorocaba, durante o século XVIII, hoje, tombada pelo Condephaat – apresentada na página 81. A abrangência sobre as características programáticas ao longo desses três séculos na história das moradias e a simplicidade em que as mesmas são postas dentro do desenho dessa moradia formam os motivos principais para a escolha deste projeto. Além de facilitar compreensão do desenho com sua simplicidade, também ajuda a desenvolver uma análise mais abrangente.
Figura 065: Planta, Casa da Fazenda Passa-Três
Concomitantemente à questão do desenho habitacional, a história da mulher – seja a indí-
gena e a africana escravizadas, ou a portuguesa colona – também não teve grandes mudanças durante esse período, sendo todas reclusas ao espaço privado e às áreas de serviço. Não é por acaso que as moradias nesse período são divididas em três grandes áreas, como dito no capítulo dois; a receptiva, a da vida intima familiar e a área de serviços.
124 pag.
O tema da família protegida, como já sabemos, é extensivo a todas as regiões brasileiras, assim como a todas as camadas da população. Nisso famílias ricas e pobres se igualavam. Por princípio, as mulheres, quaisquer que fossem, nunca apareciam a estranhos – só a parentes chegados. (LEMOS, 1999, pg. 32)
Na habitação em questão, dotada de três ambientes em sua zona receptiva, a primeira
delas são salas de visitas, sendo uma diretamente ligada ao acesso da moradia – área que antigamente era construída sem fechamentos, como um alpendre – e a segunda mais reclusa. Entretanto ambas possuíam praticamente as mesmas funções de receber, parentes ou até mesmo desconhecidos que ali passavam, muitas vezes na necessidade de abrigo. Quem os recebiam era, por regra, o senhor que do mesmo local cuidava das vendas, compras e vigiava tudo o que acontecia em sua fazenda2. Em sequência, eis então que existiam os quartos de hospedes, que com o tempo se tornaram alcovas que davam costas a área intimida da família, além de formarem finos corredores que tinham como função inibir os olhos curiosos e a entrada distraída de estranhos para o íntimo familiar3.
É importante nesse ponto, ressaltar que, para obtenção de uma maior abrangência dos
usos e das relações entre os ambientes, alterou-se a função de um dos cômodos referentes a hospedagem de visitas para oratório. Mudança não feita ao acaso, mas sim baseada em desenhos de outras moradias que seguem o mesmo padrão. Sendo assim, ter o ambiente como quarto de visita ou oratório não mudará o resultado final, uma vez que temos outros cômodos destinados à hospedagem.
Assim sendo, o oratório com o passar do tempo passou a pertencer mais a vida intima da
família, sendo ligada a sala do fundo. No entanto são muitos os exemplos que contemplavam essa área ligada a sala da frente, o que não era um problema – para os casos mais fortes de proibição
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 46. 2
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 122. 3
pag. 125
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
feminina – desde que houvesse meios para que a esposa pudesse ver a celebração, através de grades e treliças dispostas na parede contínua ao cômodo da área íntima4. Outro ponto importante é o motivo da existência de uma capela dentro da moradia, na qual se fazia essencial devido à cultura do enclausuramento feminino5, proibindo sua saída da morada até mesmo para ir à missa – já citado no subcapítulo 1.2.4.
Figura 067: Adaptação com oratório, Casa da Fazenda Passa-Três
Figura 066: Identificação de oratórios em casas coloniais
Oratório Sala e Antessala Oratório Modificado
Apesar da sala da frente não ser estritamente desenvolvida no intuito de segregar a mu-
lher, ela certamente cumpria com sua função facilitadora de isolamento para com a vida pública que havia ali, logo à frente de sua sala. LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Casa Paulista: Histórias das moradias anteriores ao ecletismo trazido pelo café. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. Pg. 32. 4
DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 49 5
126 pag.
São incontáveis os depoimentos de viajantes sobre a total ausência de mulheres nos encontros mantidos com os seus hospedeiros em afáveis refeições nas varandas de uso público. Ausentes, mas se fazendo perceber atrás dos vãos das portas entreabertas [...]. Risos abafados, que mal eram percebidos, davam conta de que o visitante não estava só e de que a sua presença era a toda hora vigiada. (LEMOS, 1999, pg. 31)
Na zona intima da moradia a mulher vai ganhando mais espaço e sua permanência se faz
mais presente entre os cômodos; local onde a esposa cuida da casa, do marido e dos filhos e a escrava da cozinha, dos filhos e até da própria sinhá. Dentre os segmentos que compõe essa área, o quarto do casal tem papel fundamental na formação da família, pois é nele em que a mulher cumpre com seu papel dentro do sistema patriarcal, gerando herdeiros para sua família – importante ressaltar que em muitas casas as alcovas possuíam maior predominância em detrimento dos quartos, principalmente devido à ausência de janelas, limitando ainda mais o contato do feminino com o exterior. Outro fato importante a ser levantado é a existência de alcovas destinas às mucamas em muitas das moradias no período, pois mantinham assim maior controle sobre a mulher negra. As alcovas, o espaço da individualidade e do segredo, forneciam toda a privacidade necessária para a explosão dos sentimentos: lágrima de dor e ciúmes, saudades, declarações amorosas. (DEL PRIORE; D’INCAO, 2004, pg. 227)
A varanda era o centro de toda a casa, local onde a família se reunia para jantar, conver-
sar e passar o tempo; o homem lá se colocava para apreciar o movimento da casa funcionando6 e as mulheres se reuniam ao ofício de produzir doces e artesanatos.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc. Coleção Debates. Obra publicada em coedição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. Pg. 82. 6
pag. 127
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Na varanda, segundo tradições orais, trabalhavam ao mesmo tempo as escravas e as senhoras donas e doninhas, às vezes com absoluta separação [...] embora conversando entre si. Trabalhos de agulha, de renda de bilros, de fiação, tear de pano, tear de rede e baixeiro, preparação de doces etc. (LEMOS, 1999, pg. 80)
Ligada a varanda estava a cozinha, a primeira parte da área de serviço a se anexar junto
à moradia. Essa ligação entre a área de estar e serviço existia em qualquer classe social, tais as áreas em que as mulheres passavam maior parte de seu tempo cuidando das crianças e de seus afazeres domésticos7, coordenando e cozinhando, juntas, sinhás e escravas.
Em geral, as cozinhas não davam acesso direto para o quintal, esse era feito através da va-
randa; muitas dessas áreas tinham suas janelas gradeadas para impedir que as escravas fugissem8. Mesmo que o patrão não estivesse no local em seu estado físico, condicionantes que mostravam seu poder presente ali eram sempre posicionados; sua soberania se estendia a todos, “habitava a casa-grande e dominava a senzala”9.
Além das áreas de dentro da moradia, os fundos da casa era o único espaço externo que
compunham o sistema da casa colonial acessado pelas mulheres, seu contato se fazia através de suas roupas a lavar, hortas e plantações a cuidar e as distâncias a percorrer entre a cozinha e suas outras edículas de serviços, incluindo as senzalas. [...] a mania doméstica é uma forma de sadomasoquismo; é próprio das manias e dos vícios comprometer a liberdade a fazer o que não quer; porque detesta ter como quinhão a negatividade, a sujeira, o mal, a dona de casa maníaca obstina-se com
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc. Coleção Debates. Obra publicada em coedição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. Pg. 60. 7
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc. Coleção Debates. Obra publicada em coedição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. Pg. 93. 8
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 223. 9
128 pag.
fúria contra a poeira, reivindicando uma sorte que a revolta. [...]. Ao ver na vida só promessa de decomposição, exigência de um esforço indefinido, ela perde toda a alegria de viver; fica com olhos duros, um rosto preocupado, sério, sempre de atalaia; defende-se pela prudência e pela avareza. (BEAUVOIR, 1967, pg. 201)
Com base nas observações levantadas e no infográfico (página 128), reforçando visual-
mente todos esses pontos, fica perceptível que a dinâmica entre os espaços e os indivíduos no quesito de permanência, respeitam fielmente as divisões setoriais formadas pelo desenho da casa.
No entanto, quando levantado questões sobre domínio, nota-se que a reciproca não é
verdadeira, no qual o homem mantém seu domínio sobre áreas em que não há sua permanência, afirmando assim que o seu domínio não se faz necessariamente a partir de sua presença física, mas sim subjetivas, indo desde imposição cultural por ícones e condições, até setorização de espaços. [...] o trabalho que a mulher executa no interior do lar não lhe confere autonomia; não é diretamente útil à coletividade, não desemboca no futuro, não produz nada. [...] coloca na dependência do marido e dos filhos; é através deles que ela se justifica [...] Cumpre-nos ver, portanto, como se vive concretamente essa condição essencialmente definida pelo “serviço” da cama e o “serviço” da casa e na qual a mulher só encontra sua dignidade aceitando sua vassalidade. (BEAUVOIR, 1967, pg. 209)
No que se diz respeito a figura feminina, sua permanência em espaços como quarto, cozi-
nha e varanda – em menor grau – revela fielmente seus deveres perante a sociedade patriarcal: gerar herdeiros, servir sexualmente o homem e cumprir com seus deveres domésticos. É importante destacar, que apesar de terem os mesmos deveres, a mulher negra por sua condição de escrava tinha obviamente condições mais precárias que a mulher branca, que deixarão marcas em toda sua história.
pag. 129
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
CASA COLONIAL
escrava nível de permanência
+
_
nível de dominância
+
_ Infográfico 008: Estudo de permanência e dominância da Casa Colonial
130 pag.
sinhรก
senhor
pag. 131
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
3.2. A CASA ECLÉTICA, VILAS OPERÁRIAS E O ACESSO AO ESPAÇO PÚBLICO
A partir do século XIX o país passou por diversas alterações econômicas e políticas, refle-
tindo em mudanças dentro sociedade, apesar da abolição em 1888 se mostrar cada vez mais segregacionista e menos inclusiva. As moradias, como reflexo de toda formação social, obviamente, refletiram essas disparidades em suas composições estéticas e programáticas. Surgiram as mais variadas formas de morar, mesmo que não houvesse total desprendimento de suas heranças coloniais.
Por conta disso, há o estudo de duas moradias que representassem o extremo de cada
situação e que, ao mesmo tempo, fossem compostas por um maior número de características que resumissem seus respectivos conjuntos de maneira clara e objetiva. Sendo elas: a casa eclética, devido ao seu caráter acadêmico que trazia consigo particularidades da arquitetura europeia como também um forte empenho em se desligar de seu passado colonial, para isso escolhido o palacete da Marquesa de Itu – projetado por Ramos de Azevedo, no final do século XIX – apresentada na página 95; e para contrapor a primeira opção, uma casa de vila operária, que por serem moradias espontâneas não tinham como pré-requisito estudos acadêmicos para serem erguidas e também por conseguirem manter sua ligação às raízes coloniais em espaços relativamente pequenos, a partir disso foi escolhida uma planta com desenho semelhante ao requerido no Relatório de Cortiços de 189310 – apresentada na página 96.
Iniciando o estudo pela casa eclética, a primeira grande diferença, entre ela e suas ante-
cessoras urbanas, é seu afastamento em todas as laterais do lote. Uma nova abordagem que se faz não somente por questões de conforto ambiental, mas também para manter a valorização do intimo familiar afastado do coletivo e deixando claro os limites de convívio estabelecidos entre a burguesia e o povo11. BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil: Arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. Pg. 67. 10
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.); BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Editora Contexto, 2004. Pg. 228. 11
132 pag.
Pavimento Superior
Pavimento Inferior
Figura 068: Plantas, Casa da Marquesa de Itu
Figura 069: Planta, Vila Operária
A proteção visual proporcionada por elementos arquitetônicos tais como a loggia possibilita a participação discreta nos acontecimentos da cidade – lembrando os antigos muxarabis – bem
pag. 133
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
como seu contrário, mostrava ao mundo, também veladamente, um pouco do que acontecia nos interiores da casa. (CARVALHO, 2000, pg. 272)
Essa comparação que a autora faz entre loggia e muxarabis é devido a funcionalidade
que ambos tinham, sendo usados para controlar a relação dos usuários da moradia com a vida que seguia fora de seus domínios. Principalmente no que diz respeito ao contato feminino – seja mãe, filha ou avó – com o espaço público, uma vez que esses mesmos elementos eram usados em casas coloniais como formas de enclausuramento, inibindo contato – ou fuga – das mulheres. Sendo assim, o espaço destinado a loggia – seguindo um sentido do interior da moradia para o exterior – servia como um prolongamento do escritório, salão e sala da senhora em direção ao jardim12. Apesar da sua localização privilegiada e convidativa na frente do conjunto, o acesso principal da casa era feito pela lateral, principalmente para aqueles que chegavam em suas carruagens13.
A entrada lateral, tinha ligação direta com vestíbulo, que por sua vez antecedia o ingresso
da visita para o interior da casa, funcionando como o alpendre onde o homem recebia e tirava suas primeiras impressões na moradia colonial. Além de sua função introdutória, também distribuía os acessos para os espaços internos, evitando assim o contato da visita com áreas que não cabiam a sua presença.
Seguindo a lógica de LEMOS (1999) sobre as divisões das moradias em três grandes áreas,
nota-se que a casa eclética – assim como suas antecessoras urbanas – mantiveram a segregação estabelecida anteriormente entre as áreas de receber, de intimidade e de serviços. No entanto, é importante destacar que a área receptiva tem suas subdivisões em grau de intimidade que, apesar de seu desenho mais orgânico – comparada às suas antecessoras - são facilmente estabelecidas a partir de suas localizações dentro do desenho.
12
CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. Ramos de Azevedo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. Pg. 278.
13
CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. Ramos de Azevedo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. Pg. 272.
134 pag.
À esquerda, voltados para a fachada norte, a sala da senhora, a pequena toillete, a escada de acesso ao andar superior, as instalações sanitárias e a sala de banho. O zoneamento é bastante claro, resguardando no lado norte do pavimento ao rés-do-chão os compartimentos destinados à privacidade dos habitantes da residência e antecipando o segundo andar. (CARVALHO, 2000, pg. 272)
Os ambientes dispostos à esquerda da moradia coincidem com os ambientes de maior
permanência feminina, a qual nesse momento tem um papel importante dentro do conjunto familiar uma vez que a família burguesa sobrevive de sua imagem perante a sociedade e cumpre especificamente a mulher zelar pelas impressões que sua família transmite para a comunidade e assim consigam, através da filha, ascender socialmente. A mulher de elite passa a marcar presença em cafés, bailes, teatros e certos acontecimentos da vida social. Se agora era mais livre – “a conveniência social dá maior liberalidade às emoções” –, não só o marido ou o pai vigiavam seus passos, sua conduta era também submetida aos olhares atentos da sociedade. (DEL PRIORE; D’INCAO, 2004, pg. 228)
Além de suas idas aos eventos, a família também proporcionava reuniões em suas instala-
ções; a esposa passou a ter maior permanência nos cômodos sociais, como também adquiriu um espaço destinado a sua convivência com outras mulheres, porém o motivo principal que configurava a existência desse cômodo não se tratava em exclusivamente integrar a mulher, mas sim manter sua exclusão de assuntos que não lhe eram pertinentes, como política, negócios e outras particularidades que cabiam apenas aos homens; a sala era usada pelas mulheres apenas após os jantares, entre parentes ou amigos.
Os homens, quando não permaneciam na sala de jantar, voltavam-se ao escritório – ou
gabinete – feito estritamente para o uso masculino. Nele, o burguês, além de receber amigos e pa-
pag. 135
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
rentes, durante o dia tratava de suas negociações com fornecedores, clientes, desconhecidos ou qualquer outro que tivesse algo a tratar. Vale lembrar que o gabinete ocupa – no desenho dessa habitação – um espaço no lado direito do desenho junto aos ambientes receptivos, mantendo a mesma relação de vigília que a sala receptiva da casa colonial mantinha com qualquer que fosse o indivíduo que pretendesse sair ou adentrar no interior de sua residência.
O escritório era acessado pelo salão central, espaço extenso posto no centro da moradia,
dando acesso a todas outras salas do pavimento térreo e ligado diretamente com a antecâmara. Sua função era receber visitas e convidados antes de direcioná-los para qualquer outro espaço de dentro da residência, também bem semelhante a sala da casa colonial, mas, diferente do escritório, tinha o acesso da mulher quando a visita lhe fosse pertinente.
O salão se estendia para a sala de jantar, como se a segunda fosse uma continuidade do
primeiro, ambos eram usados para eventos mundanos da vida burguesa – totalmente baseados na cultura francesa e seus Salões, sendo utilizados tanto pelo homem quanto pela mulher. A diferença entre esses dois ambientes é que a sala de jantar era utilizada para reuniões mais intimas – além de ser o local onde a família se reunia para suas refeições diárias em torno do patriarca. A mulher de elite passa a marcar presença em cafés, bailes, teatros e certos acontecimentos da vida social. Se agora era mais livre – “a conveniência social dá maior liberalidade às emoções” –, não só o marido ou o pai vigiavam seus passos, sua conduta era também submetida aos olhares atentos da sociedade. (DEL PRIORE; D’INCAO, 2004, pg. 228)
A copa além de segregar a área de trabalho da sala de jantar, também funcionava – pos-
to em pauta no capítulo anterior – como centro distribuidor entre a sala e a cozinha. Assim como a copa, a cozinha também tinha sua manutenção mantida por mulheres, agora assalariadas – em sua maioria eram ex-escravas ou imigrantes – vigiadas sempre pela patroa como se fosse no tempo do cativeiro14. Essa maioria feminina se apresenta como herança do patriarcado colonial, LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc. Coleção Debates. Obra publicada em coedição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. Pg. 142. 14
136 pag.
o qual mantém suas mulheres sempre postas a trabalhar nos serviços domésticos, passado agora para um regime de capital.
Além dos cuidados com a cozinha e lavanderia, as empregadas passaram a cumprir com
todos os outros deveres domésticos antes requeridos somente à sinhá. Sendo assim, o segundo pavimento – área estritamente direcionada para os cômodos íntimos da família – era organizado e mantido pelas funcionárias da burguesa, e esta ocupava-se de coordenar e vigiar todo o trabalho realizado. O lar é, portanto, para ela o quinhão que lhe cabe na terra, a expressão de seu valor social, de sua mais íntima verdade. Como ela não faz nada, ela se procura avidamente no que tem. [...] É pelo trabalho doméstico que a mulher realiza a apropriação de seu “ninho”; eis por que, mesmo quando “se faz ajudar”, quer pôr a mão na massa; vigiando, controlando, criticando, ela se esforça por tornar seus os resultados obtidos pelos servidores. (BEAUVOIR, 1967, pg. 197)
Outro fator importante a destacar era a relação da casa com a área de serviço, o qual
mantinha um afastamento da cozinha com o resto da casa, sendo considerada como um anexo do conjunto. Além de ser separada pela copa, a mesma tinha um acesso exclusivo que ligava diretamente com o quintal aos fundos do lote, segregando empregados, fornecedores e seus fluxos da área social15, mostrando o quanto o palacete burguês nada mais era do que um refinamento estético da casa colonial e de sua segregação de classes.
Assim como na casa da Marquesa de Itu, as moradias ecléticas – em sumo – ainda manti-
nham alojamentos para seus funcionários junto ao conjunto da cozinha ou em edículas dispostas aos fundos do terreno. No caso da moradia em questão, ela mantinha dois tipos de acomodações, um ao lado do depósito da cozinha e outras postas no fundo do terreno juntos as outras dependências. Esse conjunto de edículas não estão documentadas, no entanto CARVALHO (2000) cita sua possível existência através de fotos documentadas. 15
CARVALHO, Maria Cristina Wolff de. Ramos de Azevedo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2000. Pg. 278.
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
CASA ECLÉTICA
empregada
nível de permanência
+
_
Infográfico 009: Estudo de permanência da Casa Eclética
138 pag.
burguesa
burguĂŞs
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
CASA ECLÉTICA
empregada
nível de dominância
+
_
Infográfico 010: Estudo de dominância da Casa Eclética
140 pag.
burguesa
burguĂŞs
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Uma fotografia de Otto Quaas retratando o palacete mostra, no lado direito, parte de uma edificação que deve ter servido a uma daqueles itens ainda não contemplados: habitação de empregados, cocheiras e local para guarda de carruagens ou lavanderia. (CARVALHO, 2000, pg. 278)
Figura 070: Registro de edícula lateral, Casa da Marquesa de Itu
Apesar dos cômodos para o descanso dos empregados serem melhores projetados e mui-
tas vezes terem acesso direto à rua, ainda mantinham suas raízes coloniais fundadas no sistema escravocrata, no qual ainda eram ligados a área de serviço e postos sempre aos fundos – área onde não tinha acesso das visitas – mostrando sua evidente ligação com as antigas senzalas. Assim por várias décadas, permaneceram as zonas de serviços: quartos de criadas nos porões ou em puxados anexos às cozinhas, que sempre estavam, como continuam até hoje, fortemente vinculadas com o quintal. (LEMOS, 1976, pg. 146)
142 pag.
A segunda casa escolhida para o estudo é uma planta-modelo de vila operária, como
contraponto à casa eclética, tendo sua composição configurada em medidas e ambientes mínimos para acomodar apenas uma família – ainda assim existiam moradias que chegavam a abrigar até três famílias16. Mesmo pequena, as casas de vilas ainda mantinham desenhos semelhantes aos coloniais, com suas áreas receptivas a frente, a intima no local restrito e a de serviços sempre aos fundos. No entanto, a sala da frente e a do fundo possibilitavam fundir-se em uma, recebendo a visita no mesmo ambiente em que se fazia as refeições em família.
Naquele período a mulher da classe baixa tinha mais acesso ao espaço público do que a
burguesa, mesmo que a sociedade ainda não aceitasse sua presença, sendo ela vista com maus olhos – fato citado no capítulo 1.3.1 –, porém sua necessidade financeira era mais importante. Apesar de sua presença massiva nas indústrias que cresciam no país quase no final do século XIX, ela passa a trabalhar para novas patroas, no comércio e até mesmo por conta própria, vendendo doces na rua ou pegando roupas para lavar e passar. Nessa época, já começava a ficar mais prático mandar lavar a roupa fora pelas negras recém-libertas, pagando-se o serviço por dúzia de peças lavadas e passadas. (LEMOS, 1976, pg. 142)
Contudo, mesmo conquistando seu poder econômico, quando voltava a sua residência,
ainda se vivia dentro dos preceitos patriarcais, tendo que cumprir com suas obrigações como esposa e mãe. Cuidando dos filhos e do marido, limpando a casa e cozinhando para toda a família. Um ponto importante para destacar é que apesar das moradias terem pequenos quintais para dar respiro a casa, muitas delas não eram dotadas de tanque. Estes eram postos em áreas públicas das vilas para seu uso comum. Isto mostra que não somente era feito isso por uma questão de economia, mas também por que já havia a premissa de que a mulher da classe baixa tinha já mais acesso ao espaço público, essa não se via mais enclausurada dentro de sua moradia.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Cozinhas, etc. Coleção Debates. Obra publicada em coedição com a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. Pg. 181. 16
pag. 143
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
CASA DE VILA OPERÁRIA
mulher nível de permanência
+
_
nível de dominância
+
_ Infográfico 011: Estudo de permanência e dominância da Casa de Vila Operária
144 pag.
homem
Novamente, levamos em questão que a permanência e a dominância se faz baseada na
presença da família, em sua totalidade, dentro da moradia, desconsiderando os momentos em que homem ou a mulher não se fizessem presente no conjunto.
Partindo de uma perspectiva da casa eclética em sua total conjuntura, nota-se que havia
esforço – desesperado – em se desligar de suas raízes coloniais e demonstrar sua posição social a partir de novas concepções de espaços dentro do projeto e de refinamento estilístico, como também a sua proximidade com os padrões europeus. No entanto, quando visto em numa perspectiva de permanência, domínio e uso, nota-se que a moradia se faz por moldes coloniais fundados no patriarcado e em seus vestígios escravistas.
Patriarcal, pois, além da casa ainda manter seus cômodos postos de modo a manter um
distanciamento da família com o espaço público, favorecendo o controle do proprietário – patriarca – para com ela, ela também permanece criando meios de afastar o contato direto da mulher – seja qual for – com o mundo externo através de seus adornos.
O acesso ao espaço público, mesmo que restrito, e o contato com outras pessoas, são
liberdades que não foram conquistadas pela mulher, mas sim concedidas a ela. Ambas as proximidades são feitas apenas como objetivo de manter a imagem de sua família em um ambiente, agora, de influências econômicas vinculado a heranças e possivelmente num futuro, levando a mesma a ascender socialmente através da filha. São concessões permitidas pelo marido com o objetivo de zelar pela imagem de sua família, condicionante provido também pela relação monogâmica, advinda do patriarcado, como foi dito no capítulo 1.
Escravista, pois, assim como a casa colonial, a moradia burguesa mantém a configuração
de seus cômodos a lógica de espaços para alojar seus empregados, que mesmo sendo remunerados, viviam para servir seus senhores em período integral. A necessidade de ter alguém para se dispor de maneira ininterrupta é uma carência resultante de uma cultura escravocrata, que nesse caso cumprido por uma maioria massiva de mulheres, pois além de possuírem uma estrita relação com a cultura da imagem feminina ligada ao trabalho doméstico, também mantém afastado o contato direto com outros homens – não que não existisse funcionários do sexo masculino nessas moradias, porém apenas voltados para ofícios condizentes ao seu sexo.
Em contrapartida, a burguesa já não cuida diretamente dos trabalhos domésticos, suas
obrigações para com a moradia se resumem em gerenciar seu funcionamento e manutenção
pag. 145
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
através de seus funcionários, cuidando, averiguando e ordenando, passando a permear por toda a casa. Isso não significa que haverá um maior domínio feminino, pois apesar de deter um poder sobre seus funcionários ela nada mais está do que cumprindo com deveres outorgados pelo seu marido, ou pela família em si: manter a harmonia da e na casa. Da administração de sua residência, tira sua justificação social; sua tarefa é também atentar para a alimentação, as roupas, e de uma maneira geral para a manutenção da sociedade familiar. Assim se realiza, ela também, como uma atividade. Mas trata-se, [...], de uma atividade que não a arranca de sua imanência, que não lhe permite uma afirmação singular de si própria. (BEAUVOIR, 1967, pg. 197)
A casa, em seu sentido físico, passa a funcionar como um espaço de negócios, um meio
gerador de capital, primeiramente devido a contratação de pessoas para manter seu funcionamento e em segundo lugar, de modo mais subjetivo, porém verídico, através de eventos que passaram a ser oferecidos pela família. Essas reuniões não eram feitas apenas para o deleite individual de cada presente, mas eventos mascarados de simplicidade, que, no entanto, eram movidos por motivos pessoais e econômicos, seja por questões de negócios entre patrões ou por intenções de estabelecer proximidades entre famílias. Mantendo a estrita relação do uso de capital com a negociação de bens materiais, meio mercantil, e bens humanos, acordos financeiros entre famílias em relação a seus filhos e, antes da abolição, comércio de escravos.
Realçando que a moradia em questão, Residência da Marquesa de Itu, foi projetada para
uma mulher viúva e sem filhos, estando ela desvinculada de contato direto de um regime patriarcal. Porém, tal condição justifica sua realidade cultural, identificando que a mulher burguesa está totalmente imersa em sua condição de vassala devido ao contexto patriarcal que a sociedade em si está inserida, conduzindo assim, tanto no desenho de sua moradia, quanto no comportamento subjetivo de seus residentes, a realidade sintomática de sua cultura coerciva.
Em contrapartida, a mulher da classe baixa passa a seguir mais suas necessidades do que
padrões que lhe eram impostos, ela passa a acessar o espaço público com maior frequência.
146 pag.
Entretanto, tal liberdade, com o espaço público, conquista pelo resultado de uma necessidade financeira que a mesma se encontra junto a sua família, mesmo tendo sua fidelidade questionada por outros, ela se mantinha firme em sua posição como trabalhadora, ajudando na renda de sua família. Porém, tendo sua liberdade reduzida, principalmente, dentro de casa por sua condição de dupla jornada.
O sistema patriarcal ainda permanece fortalecido dentro do século XIX, pois ainda há uma
relação de obrigatoriedade subjetiva do indivíduo feminino para com sua família por mais que isso não seja evidenciado pela figura patriarcal. Tanto a burguesa quanto a operária têm suas vidas resumidas em suas obrigações domésticas e, exclusivamente, familiares, relacionado um trabalho externo ou não.
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
3.3. A MORADIA MODERNA, A HABITAÇÃO SOCIAL E A DUPLA JORNADA
Na primeira metade do século XX, uma nova linha de pensamento arquitetônico ganhou
força no Brasil, o movimento modernista trouxe consigo novas percepções sobre as relações entre o espaço e o usuário. Nesse mesmo período, também, o país passou a ter órgãos públicos assumindo a construção de moradias para a classe baixa.
Seguindo a lógica do capítulo anterior, no qual foi adotado duas moradias que mostras-
sem o extremo de cada situação e que fossem compostas por maior número de padrões para viabilizar o estudo, foram escolhidas moradias que seguissem tal premissa. A primeira, a Residência José Taques Bittencourt - apresentada na página 108 -, projetada pelos arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi em 1956, além de ser resultado de estudos realizados por arquitetos influentes, era também desenvolvida de forma precisa, assim como suas antecessoras, porém com uma linha de pensamento totalmente oposta, a partir de padrões europeus e produzida para uma minoria elitista.
A segunda escolha, uma casa unifamiliar produzida pela Fundação Casa Popular em 1948
para a cidade de Santos - apresentada na página 105. A escolha pela moradia feita por um órgão federal se resume ao cunho acadêmico, visto que a produção desses projetos era feita por arquitetos e engenheiros, diferentemente do que se tinha no século passado e se aproximando do que era produzido para aqueles com maior poder aquisitivo. Mostrando assim o contraponto entre tais casas, uma vez que ambas nesse momento são produzidas por arquitetos, porém para moradores de diferentes classes. Além de levantar questões sobre suas mudanças programáticas, além de estéticas, e se essas alterações foram realmente alteradas de acordo com sua proposta de pensamento moderno ou se ambas ainda seguem preceitos patriarcais em seu cerne.
Nesse momento algumas conquistas e situações femininas passaram a se convergirem e
de um modo ou outro, tais situações chegaram a patamares semelhantes e totalmente difundidos dentro da sociedade, dificultando a percepção da existência das diferenças socioculturais condizentes a cada nicho. No entanto, como já foi relatado até o momento, a arquitetura está sempre atrelada ao seu período e contextos sociais, refletindo em seu desenho as faces dessas relações.
148 pag.
Cabe então nesse momento destacar as semelhanças e diferenças entre as duas moradias e seus respectivos usuários paralelamente, afim de obter uma visão mais abrangente da conjuntura num todo.
As duas moradias são postas num momento em que as mulheres haviam conquistado re-
centemente seus direitos políticos (1934), além do livre acesso ao espaço público – mesmo que este ainda seja totalmente inseguro às mulheres, devido a cidade já ter se consolidado a partir do uso masculino.
Figura 071: Plantas, Casa Taques Bittencourt
pag. 149
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Figura 072: Planta, Habitação Social de Santos
Não se deve, entretanto, acreditar que a simples justaposição do direito de voto a um ofício constitua uma perfeita libertação: hoje o trabalho não é a liberdade. Somente em um mundo socialista a mulher, atingindo o trabalho, conseguiria a liberdade. Em sua maioria, os trabalhadores são hoje explorados. Por outro lado, a estrutura social não foi profundamente modificada pela evolução da condição feminina; este mundo, que sempre pertenceu aos homens, conserva ainda a forma que eles lhe imprimiram. (BEAUVOIR, 1967, pg. 450)
Essa situação de falsa-liberdade também teve seus reflexos dentro das habitações, no en-
tanto, a condição econômica em que cada uma dessas mulheres se encontrava, resultou em dinâmicas diferentes dentro do desenho habitacional. A casa como um todo, nos dois casos evidenciados, manteve-se fiel aos padrões de uso e distribuições de alguns cômodos, como os quartos – sempre postos em locais mais reservados – e as salas, que vinham se fundindo cada vez em área receptiva e como espaço para refeições. O que realmente tem deveras importância para o estudo nesse momento são os cômodos destinados integralmente aos serviços domésticos, como a cozinha e lavanderia, ambientes que tiveram mudanças mais significativas.
Nesse período, com a indústria em seu auge de crescimento, surgiram diversos aparatos
150 pag.
que facilitavam a manutenção da moradia e, como meio de aumentar vendas destes, houve um grande crescimento de publicidade nestes produtos. A publicidade passou a influenciar, de maneira explicita, a permanência da manipulação patriarcal sobre a vida da mulher pois todas suas propagandas direcionadas aos eletrodomésticos e aparelhos feitos para o cuidado da moradia eram diretamente vinculados a figura feminina, fortalecendo cada vez mais o cuidado da casa como uma responsabilidade para tal.
Outro agravante dessa situação é a ideia do eletrodoméstico como a solução perfeita,
aos olhos patriarcais, para a mulher que passava seu dia fora de casa trabalhando, tendo pouco tempo para cumprir com seus deveres domésticos, e com isso necessitando de meios que diminuíssem o tempo gasto com os cuidados da casa. Tanto que a cozinha passa a diminuir seu tamanho drasticamente na casa moderna devido ao seu uso se resumir apenas na preparação das refeições diárias; na habitação social a cozinha já tinha um tamanho ainda menor, pelos mesmo motivos de sua antecessora – casas de vilas operarias – que visava uma economia dos espaços para um maior número de moradia por metro quadrado, porém esta diminuição não era proporcional devido a negligência quanto as necessidades para com a cozinha – e a para com a então responsável por ela –, vindo a ter uma maior diminuição em função de outros cômodos. Todo um sentido manual de realização das tarefas domésticas seria rapidamente superado pela crescente industrialização do País, com o fornecimento de equipamento mecânico de uso domiciliar e iria encontrar nas proposições de nossa arquitetura contemporânea, as fórmulas mais adequadas à reorganização da vida nas residências, com menores recursos de mão-de-obra. (REIS FILHO, 2006, pg. 92)
É nas obrigações sobre a casa e no acesso às tecnologias – tanto eletrônicas quanto cons-
trutivas – que surgiam no período que surge a grande diferença entra as mulheres naquele período. De um lado havia a mulher de classe baixa condicionada a um espaço projetado a partir de padrões convencionais há sua realidade e com base patriarcal, nem sempre beneficiada pelo acesso à tecnologia, na qual se vê presa aos deveres domésticos após retornar de seu dia de trabalho, sendo assim condicionada a uma jornada dupla. Do outro, a mulher da classe alta, com
pag. 151
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
possibilidades aquisitivas de transformar a seu favor os espaços que lhes são referidos – o que não necessariamente a coloca sobre uma posição de superioridade dentro da conjuntura uma vez que essas escolhas são estabelecidas a partir de ideários já estabelecidos pelo patriarcado. Esses ambientes em que a mulher muda ao seu favor são ocupados, na maioria do tempo, por outra mulher, contratada para fazer serviços domésticos correspondentes à família contratante – serviços estes que, caso contrário, seriam induzidos a mulher contratante. Quando a de classe alta não trabalhava – como a burguesa –, gerenciava o funcionamento da casa junto de sua empregada, e quando trabalhava – raros casos –, ao chegar em casa, a vistoriava no intuito de identificar o trabalho realizado pela funcionária, além de suas possíveis pendencias e trabalhos correspondentes.
Apesar da moradia moderna demonstrar seu esforço, e conseguir, em produzir projetos
com ambientes mais orgânicos e fluidos dando “um tratamento consistente de todas as funções e parcelas dos espaços”17, correspondendo com a nova realidade de seus usuários, ela ainda se mantém presa em suas raízes coloniais quando vista dentro de uma perspectiva segregacionista dos espaços na qual se distribui ao longo de grupos utilizados no período colonial – área receptiva, intima e de serviços.
Além disso ela manteve em seu programa espaços estritamente dedicados ao alojamen-
to da empregada no subsolo junto à lavanderia, mostrando-se fiel às suas raízes escravocratas. Intensificando ainda mais essa relação entre proprietário e funcionário, são definidos dois acessos separados: um que leva à sala de jantar e ao resto da moradia e outro que dá diretamente para a área de serviço – hoje chamado de entrada de serviço – que comtempla também em seu conjunto a escada que dá acesso ao quarto da empregada. Esses esquemas que vigorariam até certo de 1945, e de certo modo, até hoje, mesmo em projetos de arquitetos de intenções inovadoras, sofreriam decididamente influência das antigas tendências ainda largamente influenciadas pelos hábitos coloniais e pelo regime escravista. (REIS FILHO, 2006, pg. 72)
17
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil. 11. ed. São Paulo: Perspectiva, 2006. Pg. 92.
152 pag.
A escrava no período colonial não era tida como um indivíduo, vista apenas como um ob-
jeto, dotado de força de trabalho e propriedade de um senhor; diferentemente de sua antepassada, a empregada era vista como uma desconhecida paga pela sua força de trabalho e que teria aceso ao espaço da família. Segrega-se os acessos, inibisse o contato direto da funcionária com a intimo da família, deixando claramente subentendido que a sua posição dentro daquele espaço apenas como trabalhista – por mais que o subjetivo familiar seja posto como contrário. Essa segregação dos acessos dentro do desenho habitacional elitista nada mais é do que o reflexo de sua função como gerador de capital e de seu histórico escravista, baseando-se nas diferenças de classes.
pag. 153
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
CASA MODERNA
empregada
nível de permanência
+
_
Infográfico 012: Estudo de permanência da Casa Moderna
154 pag.
mulher classe alta
homem
pag. 155
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
CASA MODERNA
empregada
nível de dominância
+
_
Infográfico 013: Estudo de dominância da Casa Moderna
156 pag.
mulher classe alta
homem
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MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
HABITAÇÃO SOCIAL
mulher nível de permanência
+
_
nível de dominância
+
_ Infográfico 014: Estudo de permanência e dominância da Habitação Social
158 pag.
homem
CONCLUSÃO
Doravante a todas as constatações elucidadas neste trabalho, fica evidente que a di-
nâmica entre os dois objetos de estudo é factual e claramente perceptível quando vista numa perspectiva socioeconômica, a qual evidencia que suas evoluções ao longo da história se faziam a partir de bases patriarcais e estes se modificavam a partir da economia do país. As alterações que vão ocorrendo entre os cômodos dentro da moradia e como o acesso e permanência feminina se modificam junto a essas novas configurações durante o processo histórico. Sendo assim, a casa se revela não é necessariamente como a propulsora dessas condições, mas sim como o meio físico perfeito para reafirmar os valores patriarcais a qual a mulher devia ser submetida.
Essa situação fica mais clara quando a mulher passa a ter poder aquisitivo e um livre acesso
ao espaço público que cria uma ideário de conquista feminina, mas que quando visto aos olhos da Arquitetura e Urbanismo se revela falso dado que a mulher ainda se vê presa a suas obrigações domésticas – além das maternas – e às limitações que o espaço público lhe oferece uma vez que o mesmo já havia sido estruturado a partir de preceitos de uso e vivência masculina, transmitido insegurança para a mulher que deseje usufruir de sua liberdade. O capitalismo então, se mostra como ponto fundamental nesse processo, uma vez que é a partir dele que toda essa encenação libertária e igualitária é mascarada através do poder econômico que o mesmo oferece a mulher, sendo que na realidade o que ele precisa é ainda a permanência dessa desigualdade que é sua força motriz.
A dependência que a mulher tem com a moradia e com sua família em algum momento
irá tirá-la dessa liberdade e essa não será contestada por ser considerado algo normal, pois foi construído em um viés relativizado ao longo de toda a história feminina sob regime patriarcal.
pag. 161
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
Há jovens mulheres que já tentam conquistar essa liberdade positiva; mas raras são as que perseveram durante muito tempo em seus estudos ou sua profissão; o mais das vezes sabem que o interesse de seu trabalho será sacrificado à carreira do marido. (BEAUVOIR, 1967, pg. 247)
Por fim, fica evidente que a análise histórica desse trabalho se faz pertinente para os dias
atuais, uma vez que a mesma reflete toda a condição ainda hoje vivida pela mulher e tão difundida que muitas vezes passam despercebidas no cotidiano como também em algumas áreas do conhecimento. É incontestável que a história da mulher tem um longo caminho a percorrer para que sua liberdade como individuo seja alcançada e que a Arquitetura se faz pertinente nesse caminhar como meio modificador de uma sociedade ainda defeituosa em suas relações de gênero, classe e até mesmo pessoais.
162 pag.
pag. 163
LISTA DE FIGURAS 001
p. 011
Modulor. LE CORBUSIER. Modulor 2, 1957, pg. 67.
002
p. 018
Hildegard von Bingen. MERCHANT, Rithika, 2014.
003
p. 034
Estátua de bronze de corredora espartana. Autor desconhecido.
004
p. 036
Capture of Joan of Arc. DILLENS, Adolphe-Alexandre, entre 1847 - 1852.
005
p. 039
Índia Tarairiu (Tapuia). ECKHOUT, Albert, 1641.
006
p. 041
Querelle de Femmes. PIZAM, Christine de. The Book of the Queen, 1410 a 1414, pg. 290.
007
p. 043
Réunion de dames. BOSSE, Abraham, século XVII.
008
p. 045
Un employé du gouvernement sortant de Chez Lui avec sa famille. DEBRET, Jean-Baptiste, 1834 a 1839.
009
p. 048
Liberdade Guiando o Povo. Eugène Delacroix, 1830.
010
p. 053
Trabalhadores no Saltaire Woollen Mill, Bradford, North Yorkshire, Inglaterra no final do século XIX. Autor desconhecido.
011
p. 054
Britânicas trabalhando na fábrica de armas durante a Primeira Guerra Mundial. Foto do acervo da revista americana LIFE, 1914.
012
p. 056
Boutique de la rue du Val-Longo. DEBRET, Jean-Baptiste, 1834 a 1839.
013
p. 058
Cena da família de Adolfo August Pinto. JÚNIOR, Almeida, 1891.
014
p. 060
Polícia detêm sufragista na qual estava protestando pelo direito ao voto da mulher britânica, fora do Palácio de Buckingham, Londres, 1914. Foto do acervo do Hulton Archive/Getty Images.
015
p. 062
Propaganda da marca de café americana “Chase & Sanborn Coffee”. Autor desconhecido. Meados de 1950.
016
p. 064
Manifestação de Feministas entre os anos 60 e 70. Imagem retirada do documentário “SHE’S beautiful when she’s angry”, 2014.
pag. 165
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
017
p. 066
Propaganda de eletrodomésticos da empresa “Indústrias Reunidas Indian Epel Ltda”. Autor desconhecido. Meados de 1950.
018
p. 069
Marcha das Vadias. TAKASHIRO, Samara, 2015.
019
p. 074
Casa-aldeia Tucano. Berta Ribeiro, in: WEIMER, Günter, 2005, pg. 44.
020
p. 074
Aldeia Ianomâmi. Autor desconhecido, in: WEIMER, Günter, 2005, pg. 47.
021
p. 075
Planta de casa-aldeia Ianomâmi. Berta Ribeiro, in: WEIMER, Günter, 2005, pg. 47.
022
p. 075
Uma taba tupi-guarani. WEIMER, Günter, 2005, pg. 48.
023
p. 076
Planta da maioca tupi-guarani. Berta Ribeiro, in: WEIMER, Günter, 2005, pg. 47.
024
p. 076
Aldeia Xavante. Sylvia Novaes, in: WEIMER, Günter, 2005, pg. 52.
025
p. 077
Planta de uma oca Xavante. Autoria própria.
026
p. 077
Oca Xavante. Autoria própria.
027
p. 079
Aldeia Xavante. ROCHA, Rogério Lannes, 2010.
028
p. 080
O tapiri, a casa do seringueiro amazônico, no interior do Acre. Desconhecido, in: WEIMER, Günter, 2005, pg. 60.
029
p. 081
Vila Nova de Ourém, Pará,1754. Nestor G. Reis Filho, in: WEIMER, Günter, 2005, pg. 71.
030
p. 084
Casa Padre Inácio. Herman Graeser, 1942, in: LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 52.
031
p. 084
Acesso ao sobrado. Herman Graeser, 1942, in: LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 52.
032
p. 084
Planta inferior. LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 52.
033
p. 084
Planta superior. LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 52.
034
p. 085
Ilustração. REIS Fº, Nestor Goulart, 2014, pg. 31.
035
p. 086
Casas urbanas paulistas. LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 27.
036
p. 088
Sítio do Galu, Embu. LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 48.
037
p. 088
Planta da casa do Sítio do Galu, Embu. LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 48.
038
p. 090
Casa da Fazenda Passa-Três, Sorocaba. LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 78.
166 pag.
039
p. 090
Planta, Casa da Fazenda Passa-Três. LEMOS, Carlos A. C., 1976, pg. 94.
040
p. 091
Modelo de sobrado urbano colonial. REIS Fº, Nestor Goulart, 2014, pg. 29.
041
p. 093
Vistas do centro histórico de São Luís do Piratininga. Foto do arquivo do Condephaat, in: LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 157.
042
p. 095
Fazenda Serrote, Santa Branca. Foto do arquivo do Condephaat, in: LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 171.
043
p. 095
Planta, Casa da Fazenda Serrote. LEMOS, Carlos A. C., 1999, pg. 170.
044
p. 096
Modelo de casas, da bandeirista à neoclássica. REIS Fº, Nestor Goulart, 2014, pg. 41.
045
p. 097
Entrada de casa urbana neoclássica. REIS Fº, Nestor Goulart, 2014, pg. 39.
046
p. 100
Modelo de solução adotada por casas menores. REIS Fº, Nestor Goulart, 2014, pg. 49.
047
p. 101
Relação de casas com seus lotes. REIS Fº, Nestor Goulart, 2014, pg. 165.
048
p. 103
Residência da Marquesa de Itu. Foto acervo da biblioteca FAU-USP, in: CARVALHO, Maria Cristina Wolff de.,2000, pg. 273.
049
p. 104
Planta pavimento superior. CARVALHO, Maria Cristina Wolff de.,2000, pg. 275.
050
p. 104
Planta pavimento térreo. CARVALHO, Maria Cristina Wolff de.,2000, pg. 274.
051
p. 105
Modelo de Vila Economizadora. BONDUKI, Nabil, 2002, pg. 67.
052
p. 105
Planta de casa modelo de Vilas Economizadoras. BONDUKI, Nabil, 2002, pg. 67.
053
p. 106
Rua Visconde de Parnaíba, 1939; LÓPEZ, Alonso; FRANÇA, Elisabete; COSTA, Keila Prado,2010, pg. 34
054
p. 107
Vila Operária, Brás. BONDUKI, Nabil, 2002, pg. 60.
055
p. 110
Casa Modernista, arquiteto: Gregori Warchavchik, São Paulo, 1927. Foto retirada do site Archdaily, <www.archdaily.com>.
056
p. 110
Plantas, Casa Modernista. XAVIER, Alberto; LEMOS, Carlos; CORONA, Eduardo, 1983, pg. 2.
057
p. 112
Modelo de casa de classe média. REIS Fº, Nestor Goulart, 2014, pg. 67.
pag. 167
MULHER E MORADIA / a relação entre o patriarcado e o desenho habitacional
058
p. 113
Planta de casa geminadas, Vila Guiomar. BONDUKI, Nabil; KOURY, Ana Paula, pg. 25.
059
p. 113
Vila Guiomar, Santo André, 1942. BONDUKI, Nabil; KOURY, Ana Paula, pg. 25.
060
p. 114
Variações de plantas, Núcleos Residenciais de Santos. BONDUKI, Nabil; KOURY, Ana Paula, pg. 327.
061
p. 114
Casa do Núcleo Carmela Dutra, Santos, 1948. BONDUKI, Nabil; KOURY, Ana Paula, pg. 327.
062
p. 116
Residência José Taques Bittencourt, arquitetos: Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi, São Paulo, 1956. Foto acervo editora Gustavo Gili.
063
p. 117
Plantas, Residência José Taques Bittencourt. XAVIER, Alberto; LEMOS, Carlos; CORONA, Eduardo, 1983, pg. 41.
064
p. 123
Casas coloniais e suas semelhanças. LEMOS, Carlos A. C., 1999, páginas variadas.
065
p. 124
Planta, Casa da Fazenda Passa-Três. LEMOS, Carlos A. C., 1976, pg. 94.
066
p. 126
Identificação de oratórios em casas coloniais. LEMOS, Carlos A. C., 1999, páginas variadas.
067
p. 126
Adaptação com oratório, Casa da Fazenda Passa-Três. Autoria própria, in: LEMOS, Carlos A. C., 1976, pg. 94.
068
p. 133
Plantas, Casa da Marquesa de Itu. CARVALHO, Maria Cristina Wolff de.,2000, pg. 274 e 275.
069
p. 133
Planta, Vila Operária. BONDUKI, Nabil, 2002, pg. 67.
070
p. 142
Registro de edícula lateral, Casa da Marquesa. CARVALHO, Maria Cristina Wolff de.,2000, pg. 270.
071
p. 149
Plantas, Casa Taques Bittencourt. XAVIER, Alberto; LEMOS, Carlos; CORONA, Eduardo, 1983, pg. 41.
072
p. 150
Planta, Habitação Social de Santos. BONDUKI, Nabil; KOURY, Ana Paula, pg. 327.
168 pag.
pag. 169
LISTA DE INFOGRÁFICOS 001
p. 022
Grupos Matrimoniais. Autoria própria.
002
p. 024
Família Cosanguínea. Autoria própria.
003
p. 025
Família Punaluana. Autoria própria.
004
p. 028
Família Sindiásmica. Autoria própria.
005
p. 028
Família Monogâmica. Autoria própria.
006
p. 120
Resumo Histórico Feminino. Autoria própria.
007
p. 122
Linha do Tempo Socioeconômica. Autoria própria.
008
p. 130
Estudo de permanência e dominância da Casa Colonial.
009
p. 138
Estudo de permanência da Casa Eclética.
010
p. 140
Estudo de dominância da Casa Eclética.
011
p. 144
Estudo de permanência e dominância da Casa de Vila Operária.
012
p. 152
Estudo de permanência da Casa Moderna.
013
p. 156
Estudo de dominância da Casa Moderna.
014
p. 158
Estudo de permanência e dominância da Habitação Social.
pag. 171
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176 pag.
pag. 177
FOLHA DE APROVAÇÃO Trabalho de conclusão de curso aprovado em
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Ata de avaliação da banca
Avaliação da banca examinadora Nome
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NOTA FINAL