Bucólica II Da obra Bucólicas, de Virgílio (I a.C.) Tradução de Raimundo Carvalho*
Córidon, um pastor, pelo formoso Aléxis, Delícias do seu dono, em desespero ardia-se. A um denso faial, de vértices sombrios, vinha assíduo; aí, só, às selvas e montes lançava, num esforço inane, estes delírios: Não escutas, cruel Aléxis, os meus cantos? Nem tens pena de mim? Me forças a morrer. Agora o gado goza o frescor de uma sombra; agora o espinhal verde lagarto oculta, e Téstiles prepara, aos ceifeiros exaustos pelo estio voraz, alho e serpilho olentes. Mas, enquanto persigo o teu rastro, cigarras roucas, sob sol ardente, em arbustos ressoam. Melhor não era, ira amara de Amarílis, seu soberbo desdém, sofrer? Ou de Menalcas, embora ele seja um negro, e tu tão branco? Ó formoso rapaz, não fies tanto em cor! Alfena branca jaz, negro jacinto colhe-se. Não perguntas quem sou, ignorando-me, Aléxis, nem o quanto sou rico em gado e níveo leite. Mil crias minhas vão por montes da Sicília; não me falta, no inverno ou no verão, leite fresco. Canto o que, ao guiar o seu gado, cantava Anfion, o dirceu, em ático Aracinto. Nem sou tão feio assim: há pouco me vi n’água, quando o mar era calmo; até Dáfnis não temo, tendo-te por juiz, se não mente a imagem. “Ah! Se só te aprouvesse estes meus pobres campos e uma cabana humilde habitar, caçar cervos e os cabritos guiar rumo ao hibisco verde! Em par cantando, Pã na selva imitaríamos. Pã, primeiro, colar vários caules com cera ensinou. Cuida Pã de ovelhas e pastores. Não lamentes ferir o teu lábio na flauta. Para isto saber, que não faria Amintas? A minha flauta tem sete tubos distintos; pois, outrora este dom Dametas me ofertou;
declarando, ao morrer: “És o meu sucessor”. Dametas disse; o tolo Amintas invejou-me. E mais, em vale incerto achei dois cabritinhos, pêlo ainda malhado e secando dois ubres por dia, cada um: para ti os conservo. Téstiles, desde algum tempo insiste em levá-los, E o fará, já que meus presentes não te aprazem. “Vem, formoso rapaz: para ti Ninfas trazem muito lírio em buquês, para ti branca Náiade, pálida violeta e alta papoula alçando, junta o narciso e a flor do aneto bem olente: e traçando o alecrim e outras ervas suaves, orna de cravo flavo o macio jacinto. Frutos alvos terás, de lanugem bem tenra, castanha e noz, que a minha Amarílis amava. Ameixas juntarei, das pretas, em destaque, mas também a vós, mirto e louro, colherei, pois, dispostos assim, tereis odor suave. “Aléxis não quer teus dons, ó Córidon rústico, nem Iolas cederá, mesmo se deres muitos. Ai, infeliz, o que fiz? Sobre as flores o Austro e em fontes javalis, perdido, eu impeli. De quem foges, demente? Habitavam selvas deuses e Páris, o dardânio. Entre muralhas Palas mora; porém, a mim, só as selvas aprazem. Torva leoa segue o lobo; o lobo a cabra; lasciva cabra a flor do codesso; a ti, Córidon: a cada qual atrai seu próprio gozo, Aléxis. Vê, os novilhos vão com arados suspensos, e o pôr-do-sol duplica as já crescidas sombras; mas me queima o amor: do amor qual a medida? “Córidon, que demência apossou de ti, Córidon? Manténs a vide mal podada em olmo alto. Por que não te propões a fazer algo útil, trançando com o vime e o junco maleável? Se este te repele, acharás outro Aléxis”.
Referência *VIRGÍLIO. Bucólicas (Edição bilíngue). Tradução de Raimundo Carvalho. Belo Horizonte: Crisálida, 2005.