Experiências Urbanas: O caminhar, o percurso e a pausa

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experiĂŞncias urbanas

o caminhar,

o percurso

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EXPERIร NCIAS URBANAS

o caminhar, o percurso e a pausa Natรกlia de Oliveira

junho 2017



EXPERIÊNCIAS URBANAS

o caminhar, o percurso e a pausa Natália de Oliveira

Monografia apresentada ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como pré-requisito para a obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientadores: Luiz Guilherme Rivera de Castro valter caldana



A economia política, o amor e o urbanismo são os meios que seria preciso dominar para se resolver um problema que é antes de tudo de ordem ética. Nada pode obrigar que a vida não seja absolutamente apaixonante. Nós sabemos como fazer. Paola Jacques 2003



Para AntĂ´nio e Solange.



agradecimentos

À Minha família, pelo amor, exemplo e incentivo. Luiz Guilherme e Valter Caldana, pelo estímulo, liberdade e dedicação. Alessia Schiavo, Murilo Zidan e Pedro Pontes, pela convivência que tornou tudo mais fácil e divertido. Denise Cruz e Mahyra Arneiro, pelas tardes e companheirismo. Amanda Diesel, Brena Chacon, Larissa Mogilewsky e Mayara Pessoa, por sempre reinventarem o estar perto. Amanda Melo e Pamela Terni, por entenderem e pela ajuda. Larissa Senize, Luigi Angelis, Nara Diniz e Roberta Caisser e Sofia Coe pelos momentos, loucuras, conversas e apoio. Amigos do Fuscão Preto, pelos quatro anos de amizade, histórias, esquisitices, surtos e muitos trabalhos. Agradeço a tudo e todos que fizeram parte da minha trajetória nesses seis anos e meio, e que de alguma forma me acompanharam nessa intensa e árdua caminhada até aqui. Valeu a pena.



resumo O caminhar é uma atividade que está diretamente ligada ao bom funcionamento de uma cidade e ao sentimento de identidade do cidadão em relação à mesma. A definição de percursos pela cidade se conecta ao caminhar e a diversas qualidades impostas inconscientemente pelo caminhante, traçando narrativas próprias pelo caminho percorrido e contribuindo na construção de novos lugares e paisagens pela cidade. Esses espaços são chamados neste trabalho de pausas, que são criadas a partir desses percursos e caminhadas, possibilitando novas formas de ocupar o espaço e de permanecer na cidade grande. Através do estudo do caminhar, percursos e pausas, procura-se desenvoler um novo espaço de permanência, entendendo que seja esse o verdadeiro motivo que define a qualidade de uma cidade em relação ao pedestre. PALAVRAS CHAVE Caminhar. Percurso. Pausa. Cidade para pessoas. Espaço público.


O PERCURSO p. 37 a construção de um relato p. 42 cidade em movimento p. 50 o percurso funcional p. 62

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preâmbulo p. 16 introdução p. 18

O CAMINHAR p. 21 o caminhar da descoberta p. 24 o caminhar pela cidade p. 25 o caminhar como articulador de espaços p. 31

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sumário

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A PAUSA p. 67 a retomada do espaço público p. 70 lugar e espaço p. 76 o espaço lúdico p. 77 cyber-espaço p. 78 espaço público conectado p. 79

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considerações finais p. 152 bibliografia p. 154

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O CAMINHAR, O PERCURSO E A PAUSA p. 85 investigação p. 87 primeira parte p. 97 segunda parte p. 103



Quando eu morrer quero ficar, Não contem aos meus inimigos, Sepultado em minha cidade, Saudade. Meus pés enterrem na rua Aurora, No Paissandu deixem meu sexo, Na Lopes Chaves a cabeça Esqueçam. No Pátio do Colégio afundem O meu coração paulistano: Um coração vivo e um defunto Bem juntos. Escondam no Correio o ouvido Direito, o Esquerdo nos Telégrafos, Quero saber da vida alheia, Sereia. O nariz guardem nos rosais, A língua no alto do Ipiranga Para cantar a liberdade. Saudade... Os olhos lá no Jaguará Assistirão ao que há de vir, O joelho na Universidade, Saudade... As mãos atirem por aí, Que desvivam como viveram, As tripas atirem pro Diabo, Que o espírito será de Deus Adeus. Mário de Andrade, Lira Paulistana


preâmbulo Caminhar nunca fez parte do meu dia-a-dia. Foi viajando e descobrindo outros lugares e cidades que passei a andar mais a pé e acabei percebendo o quão fundamental o caminhar é para uma cidade - e para o caminhante. Nos seis anos e meio que se passaram, desde que comecei o curso de Arquitetura e Urbanismo, fiz três intercâmbios: em 2011 morei em Toronto, 2012 em Sydney e 2014, Valência. Foi na última viagem, que antecipou o início do trabalho final de graduação no Mackenzie, que tive a maior percepção da influência do caminhar na minha visão da cidade. Não só no meu dia-a-dia em Valência, mas também nas cidades que viajei durante esse ano, percebi que o caminhar permitiu não só que eu as conhecesse melhor como também me identificasse - ou não - com cada uma delas. Nos últimos meses do intercâmbio iniciei uma pesquisa na minha universidade espanhola, que tratava do planejamento urbano de algumas cidades europeias e sua relação com a qualidade do caminhar e do uso de bicicletas como meio de transporte. Escolhi esse tema pensando nas experiências que tive durante o ano todo: conheci muitas cidades com configurações e vibrações diferentes, mas que em sua grande maioria me despertaram o prazer de caminhar por elas. Instintivamente, passei a fazer uma comparação em paralelo com a cidade que moro no Brasil, São Bernardo do Campo, e a que passo a maior parte do meu tempo, São Paulo. Assim nasceu o tema deste trabalho. As minhas experiências pessoais nas viagens que fiz foram fundamentais para chegar no resultado que obtive aqui. O simples ato de andar, uma atividade tão óbvia do nosso dia-a-dia, depois de todas essas experiências passou a ter um significado maior, me trazendo um olhar mais profundo de algo que já estava extremamente consolidado na minha percepção.

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Ao discorrer sobre o assunto, fiquei surpresa ao notar que ao abrir o mapa de Viena, por exemplo, era capaz de apontar exatamente a esquina do restaurante que mais gostei de comer na cidade. Também conseguia direcionar o caminho e lembrar os lugares que cruzei e coisas que estavam acontecendo quando passei ali, como se tivesse criado o mapa da cidade e adicionado minha visão e experiência por cada lugar. Percebi que conheci muito mais da vibração e identidade de cada uma dessas cidades do que da que morei a minha vida inteira, e “caminhá-las” foi fundamental para isso. Passei a andar por São Paulo com os olhos de quem estava por ali pela primeira vez, assim como foi em minhas viagens, e descobri uma cidade que até então eu não sabia que existia.

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introdução A ideia desse trabalho teve início no caminhar e nos percursos pela cidade, e em seu desenvolvimento, enquanto investigava qual seria meu objeto de projeto, adicionei o percurso e a pausa, por notar que os três elementos estão sempre conectados e diretamente ligados ao bom funcionamento da cidade do ponto de vista do pedestre. A região escolhida foi o centro da cidade, por considerá-lo como a única parte da cidade que pertence a todos, e que não explora todo seu potencial. Nas palavras de Jeff Speck, “a reputação de cada cidade está, em grande parte, nos atributos físicos de sua área central. Se o seu centro não parece bom, a cidade não parece boa. As pessoas não vão querer se mudar pra lá e será muito mais difícil sentir-se bem em relação ao lugar que escolheram para viver. Um centro urbano bonito e vibrante, por outro lado, pode ser a maré alta que levanta todos os barcos” [2010, p. 226]. Seja onde for, quando queremos encontrar a raiz de uma cidade, nós vamos ao centro. Considerando que um dos resultados a serem alcançados nessa experiência é a reidentificação do cidadão paulistano com a sua cidade, nenhum outro lugar melhor do que a área central. Este estudo foi dividido em quatro partes, sendo cada uma delas um capítulo. No primeiro, fala-se do caminhar, discorrendo sobre três “tipos” de caminhar que são relevantes para esse trabalho, sendo eles o caminhar da descoberta, que se trata do caminhar do viajante, o caminhar pela cidade, que se assemelha ao caminhar da descoberta em alguns pontos, porém não é realizado em um lugar novo e diferente. O terceiro caminhar é o articulador de espaços, o caminhar que produz lugares, apoiando-se nos conceitos de Francesco Careri [2013]. O segundo capítulo fala sobre os percursos na cidade e as características que os definem como bons percursos para os usuários. Ao tratar problemas como a falta de segurança, por

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exemplo, entra-se também na questão da cidade feita para pessoas e a cidade voltada aos carros, trazendo um breve histórico sobre o planejamento urbano da cidade de São Paulo. No terceiro capítulo o tema são as pausas, nome utilizado aqui para se referir a espaços de estar para o pedestre na cidade. Serão tratados os espaços de permanência na cidade e o que se refere ao termo “pausa”, considerando também os espaços públicos na cidade e como são tratados na cidade. Como este trabalho não se refere apenas à uma localização específica, mas à cidade de São Paulo e, mais especificamente, seu centro, também é estudado o conceito de rizoma e sociedade em rede, a fim de criar uma rede que conecte os espaços públicos na área central. O quarto capítulo reúne todos esses conceitos na prática, dividido em três partes: a primeira, dos estudos e levantamentos realizados primariamente; a segunda, das experimentações que foram feitas e levaram a terceira parte, que é a proposta do projeto final.

“São Paulo são 12 milhões de cidades, 12 milhões de mapas sentimentais recortados pelas pequenas histórias de vida de seus habitantes. Cada homem comum tem a cidade que seus passos percorreram e que a sua imaginação inventou”. Maria Rita Kehl, Olhar no olho do outro, 2015.

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o caminhar caminhar [verbo] seguir por um caminho ou percorrê-lo andando a pé; locomover-se, andando; dirigir-se a.

Comecemos pelo caminhar. O caminhar é uma atividade diária na vida das pessoas na cidade, e pode ser descrita basicamente como um movimento linear que leva o caminhante de um ponto ao outro, mas vai muito além disso: quando caminhamos, o fazemos em meio a outras pessoas, dentre uma grande diversidade de eventos que estão acontecendo simultaneamente ao nosso redor. A experiência da caminhada é em si um entretenimento: tem muito a se ver, ouvir e sentir o tempo todo. Quando caminhamos, vivemos a cidade. No livro Wanderlust: a history of walking, Rebecca Solnit [2001] diz que andar permite “conhecer o mundo através do corpo”, tratando o caminhar como uma experiência cognitiva, onde o andar a pé não é só uma opção de mobilidade, mas também uma experiência pessoal da cidade: ao mesmo tempo em que o homem caminha pela cidade, a cidade caminha pelo homem. “Caminhar é o início, o ponto de partida. O homem foi criado para caminhar e todos os eventos da vida - grandes e pequenos - ocorrem quando caminhamos entre outras pessoas. A vida em toda sua diversidade se desdobra diante de nós quando estamos a pé”. [GEHL, 2010, p. 19].

Imagem: Eka Sharashidze, Wall people

O caminhar será dividido em três vertentes neste capítulo: primeiro, como o olhar do viajante sob a cidade, segundo, como forma de vivência e experiência da cidade, e, terceiro, como articulador de espaços e produtor de lugares.

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o caminhar da descoberta

Esse subcapítulo explora o caminhar da descoberta como o caminhar do viajante, ou seja, de uma pessoa que está pela primeira vez em determinado lugar, com o intuíto de conhecê-lo e explorá-lo. Quando caminhamos em uma cidade nova, um país diferente, qualquer tipo de novidade que se tenha aos nossos olhos, nossas expectativas e sensações são diferentes de uma caminhada diária feita em um lugar que tenhamos mais intimidade. “E só de caminhar sem correria, sem se impor nenhuma missão específica, já faz com que se sinta a cidade até certo ponto como ela aparece para alguém que a vê pela primeira vez. Como não se está atento a nada em especial, tudo é oferecido à farta: as cores, os detalhes, as formas, os aspectos” [GROSS, 2010, p. 168].

viajar [verbo] fazer uma viagem, sair de um lugar para o outro; movimentar-se por, passar por um caminho, estrada, percurso; percorrer, visitar certos locais no decorrer do caminho.

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Aqui falamos de viajar, e viajar é caminhar. Quando viajamos, estamos mais abertos e dispostos, nos movimentamos mais, nos permitimos mais. O caminhar do viajante é um caminhar despreocupado, despretensioso, e justamente por isso, permite ao sujeito que vivencie experiências e perceba eventos que escapam ao olhar do caminhante corriqueiro. Dessa forma, o viajante desenvolve o gosto pela observação, assim que sente a necessidade de parar, ver e se envolver com os lugares onde passa e com a cultura local. A palavra alemã Wanderlust define esse tipo de caminhar: seu significado é o desejo de viajar, mas ao analisar seu significado ao


wanderlust [alemão] [substantivo] desejo de ou gosto de viajar, sede de percorrer o mundo.

pé da letra na língua alemã, temos a junção da palavra Wander, que corresponde à prática da caminhada, e Lust, que significa desejo ou vontade profunda. Wanderlust representa um desejo genuíno de conhecer novos lugares e culturas e explorar ambientes desconhecidos [CAMBRIDGE, 2013].

o caminhar pela cidade

Caminhar pela cidade e caminhar na cidade são coisas distintas. Como afirma Malatesta [2007], caminhar na cidade é uma prática comum, mas caminhar pela cidade, não. Caminhar na cidade é caminhar de um ponto para outro, com o intuito de chegar a um lugar específico: é uma forma de locomoção. O caminhar pela cidade é caminhar a passeio, caminhar sem um propósito além do caminhar, pelo simples prazer da descoberta. O caminhar pela cidade é andar sem destino pelas ruas, sem saber de onde se vem e para onde se vai. É andar pelo prazer de fazê-lo, e observar, perceber e contemplar o que está ao redor. Segundo Baudelaire, é o flanar pela cidade. A palavra flanar, de acordo com o dicionário, significa “andar ociosamente, sem rumo nem sentido certo”, e é exatamente do que se trata esse capítulo: o caminhar como forma de conexão do pedestre com a cidade através dessa vivência e experiência, andando pela cidade sem a intenção de chegar a algum destino, tendo como objetivo principal o próprio andar pela cidade. De mesmo significado que o flanar, a palavra francesa flâneur surgiu no modernismo com Charles Baudelaire. “Surge um observador ambulante, formado pela convergência de novos espaços urbanos, tecnologias e imagens.” [BRISSAC, 2009, p. 97]. Este novo observador é o flâneur, atento e distraído, que difere do pedestre comum por percorrer a cidade entre o público e o privado. Ele tem em si mesmo o medo da solidão e da multidão.

caminhar na cidade [expressão] locomover-se cidade, meio de transporte.

pela

caminhar pela cidade [expressão] caminhar sem destino pelas ruas, pelo prazer da descoberta.

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flaneur [francês] [substativo] sujeito que caminha pela cidade sem destino, por puro prazer, observando a vida urbana cotidiana e a paisagem.

Imagem: The flaneur, Paul Gavami

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“Não é dado a todo o mundo tomar um banho de multidão: gozar da presença das massas populares é uma arte. E somente ele pode fazer, às expensas do gênero humano, uma festa de vitalidade, a quem uma fada insuflou em seu berço o gosto da fantasia e da máscara, o ódio ao domicílio e a paixão por viagens. Multidão, solidão: termos iguais e conversíveis pelo poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar sua solidão também não sabe estar só no meio de uma multidão ocupadíssima” [BAUDELAIRE, Les foules, 1988]. O flâneur nasce quando as indústrias chegavam às cidades e estas estavam crescendo . Paris estava abrindo seus grandes boulevares para a fruição burguesa, e, nas palavras de de Mauro Calliari [2016], “a separação entre pedestres e carros ajudaram a criar o hábito, antes impensável, de passear pela cidade sem estar movido pela necessidade de chegar a algum lugar”. White [1992] se refere a Paris, dizendo que a cidade é feita para ser vista “pelo caminhante solitário, pois somente a um passo ocioso pode-se apreender toda a riqueza de seus ricos [mesmo velados] detalhes”. Ou seja, o caminhar tem o papel principal na percepção da vida urbana, e a cidade é palco e cenário.


Imagem: Paris street, rainy day, Gustave Caillebotte

“O flâneur subentende o momento em que a cidade tomou proporções tais que vira paisagem. Pode-se percorrê-la como se percorre uma montanha com suas travessias de desfiladeiros, reviravoltas de perspectiva, perigos também, e surpresas. Virou uma floresta, uma selva” [GROSS, 2010, p. 178].

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Baudelaire cria o flâneur como um personagem que é ator e espectador ao mesmo tempo, tendo a cidade como seu templo. Walter Benjamin estuda o flâneur através das obras de Baudelaire, e para ele, o flâneur é a representação do espectador urbano moderno, é um investigador da cidade. Benjamin [1994] afirma que “a cidade é o autêntico chão sagrado da flanêurie”; é ao andar pelas ruas que o flâneur se sente em casa, e é assim que ele extrai suas criações e inspirações artísticas. Ele encontra seu refúgio perambulando pela cidade e busca dessa forma sua identificação com a sociedade.

Imagem: Physiologie du flâneur, Louis Huart

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“Estar fora de casa e, no entanto, sentir-se em casa em qualquer lugar; ver o mundo, estar no centro do mundo, e ficar escondido do mundo [...] O observador é um príncipe que, em toda parte, usufrui do seu incógnito [...] O apaixonado pela vida universal entra na multidão como num imenso reservatório de eletricidade. Pode ser comparado também a um espelho [...], a um caleidoscópio dotado de consciência que, a cada movimento, representa a vida múltipla e a graça movente de todos os elementos da vida” [BAUDELAIRE, apud BOLLE, 1994].

errância [substantivo] caminhada sem destino, viagem de um vagabundo.

“O flâneur, portanto, é o leitor da cidade, bem como de seus habitantes, através de cujas faces tenta decifrar os sentidos da vida urbana. De fato, através de suas andanças, ele transforma a cidade em um espaço para ser lido, um objeto de investigação, uma floresta de signos a serem decodificados” [MASSAGLI, 2008]. Para Paola Berenstein [2012] a errância representa outro tipo de caminhar, e é uma ferramenta da experiência de alteridade na cidade. O errante é aquele que não se preocupa com mapas ou representações, mas sim com a prática e os percursos. O errante não vê a cidade como em um mapa, mas em sua escala real, experimentando-a por dentro, passando por ela e sendo parte dela, inventando sua própria cartografia a partir dessa experiência.

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O errante vai de encontro à alteridade na cidade, ao Outro, aos vários outros, à diferença, aos vários diferentes; ele vê a cidade como um terreno de jogos e de experiências. Além de propor, experimentar e jogar, os errantes buscam também transmitir essas experiências através de suas narrativas errantes. São relatos daqueles que erraram sem objetivo preciso, mas com uma intenção clara de errar e de compartilhar essas experiências. Através das narrativas errantes seria possível apreender o espaço urbano de outra forma, pois o simples ato de errar pela cidade cria um espaço outro, uma possibilidade para a experiência, em particular para a experiência da alteridade” [BERENSTEIN, 2012].

Imagem: Human scale, Pozzanghere

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Assim, o flanar e o errar resumem o caminhar pela cidade, sendo colocados como forma de experimentá-la, criá-la e também, de certa forma, sentir-se parte da mesma. “O caminhar se trata de entregar-se, de seguir uma linha arbitrária, de se deixar atravessar e comandar pelo mundo, permitindo que o olhar, tanto no sentido físico quanto como modo de compreensão, afete e seja afetado” [HOFF, 2008].


o caminhar como articulador de espaços

Francesco Careri, em Walkscapes [2013], discorre sobre o caminhar na história das cidades, defendendo a ideia de que o caminhar é uma prática estética que transforma a paisagem e cria lugares no espaço. Para ele, o nomadismo e a errância são o que deram vida a arquitetura, uma vez que o caminhar provocava a necessidade da construção simbólica de paisagens, criando, dessa forma, lugares. “A errância construída produz novos territórios a ser explorados, novos espaços a ser habitados, novas rotas a ser percorridas. [...] o andar sem rumo levará “à construção consciente e coletiva de uma nova cultura” [CARERI, 2013].

articular [verbo] unir-se pelas articulações, juntas ou pontos de encaixe.

Para Careri, então, ao caminhar transforma-se o lugar e seus significados, pois a presença física do caminhante e o variar de suas percepções ao atravessar o lugar modifica a paisagem, influenciando o significado desse espaço e, consequentemente, o espaço em si. “O caminhar produz lugares” [Careri, 2013]. Ele também diz que o caminhar é uma forma de intervenção urbana: são os passos dados e as trajetórias formadas que definem a vida de uma cidade. Para De Certeau [1999], “os jogos dos passos moldam os espaços. Tecem os lugares. Sob esse ponto de vista, as motricidades dos pedestres formam um desses “sistemas reais cuja existência faz efetivamente a cidade”. Tchuang-tseu [2006] diz que os pés são pequenos pedaços de espaço, e que sua vocação - o caminhar - é de articular o espaço do mundo. É através dos passos, que se formam, então, os caminhos e as cidades - colocando o caminhante no papel principal desse acontecimento.

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“Caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de um próprio. A errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma imensa experiência social da privação do lugar - uma experiência, é verdade, esfarelada em deportações inumeráveis e ínfimas [deslocamentos e caminhadas], compensada pelas relações e os cruzamentos desses êxodos que se entrelaçam, criando um tecido urbano, e posta sob o signo do que deveria ser, enfim, o lugar, mas é apenas um nome, a Cidade” [DE CERTEAU, 1999]. pertencer [verbo] ser propriedade de; fazer parte de; ser parte do demínio de. identidade [substativo] conjunto de características que distinguem uma pessoa ou uma coisa e por meio das quais é possível individualizá-la.

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Dessa forma, o caminhar não só deu início a criação das cidades que conhecemos hoje, como também é responsável pela criação de lugares. O ato do caminhar influencia não só na dinâmica da cidade e em sua paisagem, mas também na maneira como as pessoas se sentem nela e como a vivem: é ao caminhar – ou errar, flanar - que se tem contato direto com a cidade, com as pessoas e seus acontecimentos, e dessa forma, se percebe de forma mais rica e pessoal suas características e detalhes, estabelecendo um sentimento de pertencimento para o caminhante e de identificação deste com a cidade. “Se olharmos a história das cidades, pode-se ver claramente que as estruturas urbanas e o planejamento influenciam o comportamento humano e as formas de funcionamento das cidades” [GEHL, 2010].


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Caminhante, São tuas pegadas o caminho E nada mais Caminhante, Não há caminho, Se faz o caminho ao caminhar. Antonio Machado


O caminhar condiciona a vista e a vista condiciona o caminhar a tal ponto que parece que apenas os pĂŠs podem ver. Robert Smithson





o percurso percurso [substantivo] trajeto, caminho, decurso. Diz-se da linha traçada por um veículo ou por alugém que se locomove. relato [substativo] ato ou efeito de relatar. São narrações, descrições ou explicações orais sobre algum acontecimento ou ocasião. narrativa [substantivo] relato, exposição de um fato, de um acontecimento, narração, conto, novela.

Imagem: Double exposure portraits, Dan Mountford

Ao caminhar pela cidade, iniciamos uma narrativa, um relato dessa experiência. De Certeau diz que “todo relato é um relato de viagem, uma prática do espaço”, “onde o mapa demarca, o relato faz uma travessia. O relato é ‘diégese’, como diz o grego para designar a narração: instaura uma caminhada [“guia”] e passa através [“transgride”]. O espaço de operações que ele pisa é feito de movimentos: é tipológico, relativo às deformações de figura, e não tópico, definidor de lugares. [De Certeau, 1999]. São estabelecidos por Certeau dois tipos de relatos: o primeiro, através do mapa, onde os espaços são representados sistematicamente e se usa a escala como distância. O segundo através do percurso, que se utiliza da sucessão de eventos para caracterizar um lugar. O mapa tem por objetivo demarcar um lugar, enquanto o percurso estabelece uma travessia, passa através do lugar. Esse segundo tipo de relato é o que será considerado neste estudo: a experiência do caminhante que caracteriza o percurso, sendo essa experiência única e pessoal de cada indivíduo. Gilles Deleuze coloca o movimento como o processo que transforma o ponto em linha. O movimento é inerente ao espaço, e o espaço deriva das trajetórias que nele são realizadas. Os percursos atribuem forma à cidade: “Se a cidade é uma forma que podemos especificar, ela também possui uma dupla dimensão corporal: a da cidade vista como um corpo, e a da cidade vista como um tecido de trajetórias corporais infinitas” [MONGIN, 2005, p.32].

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A paisagem assume grande importância em um relato: o indispensável na caminhada é a paisagem que traz para o caminhante. A essência da experiência da caminhada e sua relação com o caminhante e a cidade está na paisagem que é criada durante o percurso, e essa paisagem não se trata apenas das ruas, edifícios, cafés, mas também das pessoas e suas atividades. Alguns pequenos acontecimentos do dia-a-dia da vida urbana que constroem essa paisagem só são percebidos quando se está a pé: as conversas nas calçadas, os ambulantes pelas ruas e os diversos encontros que acontecem simultaneamente a todo minuto. São dezenas de pessoas diferentes, com histórias diferentes e rumos diferentes que dividem por alguns segundos o mesmo espaço:

paisagem [substantivo] conjunto de componentes naturais ou não de um espaço externo que pode ser apreendido pelo olhar.

“Passa uma moça balançando uma sombrinha apoiada no ombro, e um pouco de ancas, também. Passa uma mulher vestida de preto que demonstra toda a sua idade, com os olhos inquietos debaixo do véu e os lábios tremulastes. Passa um gigante tatuado; um homem jovem com cabelos brancos; uma anã; duas gêmeas vestidas de coral. Corre alguma coisa entre eles, uma troca de olhares como se fossem linhas que ligam uma figura à outra e desenham flechas, estrelas, triângulos, até personagens entram na cena: um cego com um guepardo na coleira, uma cortesã com um leque de penas de avestruz, um efebo, uma

mulher canhão. Assim, entre aqueles que por acaso procuram um abrigo da chuva sob o pórtico, ou aglomeram-se sob uma tenda do bazar, ou param para ouvir a banda da praça, consumam-se encontros, soluções, abraços, orgias, sem que troque uma palavra, sem que se toque o dedo, quase sem levantar os olhos” [CALVINO, 1990].

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Do caminhar se originam os percursos, e da definição desses percursos a paisagem é certamente um fator determinante. Este capítulo engloba as características que definem um bom percurso e sua paisagem, discorrendo dos principais ítens que compõem a construção de um relato, além de tratar sua relação com a cidade de São Paulo, resgatando mudanças na cidade que justificam o modelo de cidade que temos hoje.

a construção de um relato “Por mais modestos, não intencionais e aleatórios que possam parecer, os contatos feitos nas calçadas são a pequena mudança a partir da qual poderá crescer a riqueza da vitalidade pública de uma cidade” [JACOBS, 2000, p. 72].

Imagem: Arte de rua em faixa de pedestres, Cosimo, Itália.

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Um percurso envolve diferentes velocidades e perspectivas desde o observador. Quem está caminhando tem uma percepção diferente de quem está andando de bicicleta, ônibus ou carro. A velocidade média de um pedestre adulto é de 5 km/h, segundo o levantamento feito por Jan Gehl em seu livro Cidades Para Pessoas. Ele também enfatiza que quando caminha, uma pessoa tende a manter seu olhar no plano horizontal com uma leve inclinação de 10 graus para baixo, ou seja, olhando mais para o que está abaixo do que o que está acima dela mesma, podendo-se concluir que prédios muito altos não estabelecem uma relação direta com o pedestre. A velocidade do pedestre é a que permite maior proximidade à cidade, uma vez que essa proximidade torna possível observar os detalhes da vida cotidiana. Quando dentro de um veícuo, a percepção se altera e provoca, automaticamente, um distanciamento entre a pessoa e o que está acontecendo ao seu redor. Nos transportes públicos, por sua vez, também existe outra configuração e outros tipos de percepções. Outra dimensão importante colocada por ele é a distância máxima de 100 metros para que seja possível distinguir movimento e linguagem corporal de uma pessoa, sendo essa uma medida


essencial para projetar espaços públicos seguros e satisfatórios. Ao caminhar, instintivamente acabamos estabelecendo uma avaliação do percurso que está sendo feito, e assim se inicia a construção de um relato. Isso se dá através de todos os estímulos visuais, sonoros e psicológicos que recebemos durante a atividade. Essa avaliação interfere diretamente no modo como nos apropriamos do espaço em questão e de como interpretamos o percurso realizado, assim como na forma como agimos durante o mesmo. Dessa forma, são selecionados os caminhos considerados agradáveis e desagradáveis. Assim como colocado no boletim ténico da CET [Companhia de Engenharia de Tráfego, 2016], a qualidade ou falta da mesma em um percurso tem grande influência em sua utlização – ou não pelos pedestres. “O caminhar inerente ao homem reproduz o sentido de liberdade de escolha do seu deslocamento. Quando as condições do trajeto a pé não são satisfatórias, cria-se rejeição pela utilização desse espaço, como se a cidade não comportasse o pedestre, resultando na interrupção do encontro social, o que culmina na desnaturalização do caminhar. Em contrapartida a esse processo busca-se a retomada do espaço de encontro e da autonomia de escolha de qual modal utilizar” [BOLETIM TÉCNICO CET, 2016].

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Existem diversos fatores que influenciam na decisão de escolha de um percurso, mas a segurança talvez seja o fator mais considerado pelos caminhantes, não apenas a segurança referente à violência, mas também pelo sentimento de proteção em relação aos transportes motorizados. A segurança do percurso é fundamental para que o pedestre caminhe pela cidade. “Sentir-se seguro é crucial para que as pessoas abracem o espaço urbano” [GEHL, 2010]. Uma pesquisa realizada pela CET apontou que as pessoas evitam lugares com muita e pouca circulação ao definir seus trajetos. As pessoas preferem andar onde tem outras pessoas, onde há mais movimento, mais vida. Como disse o sociólogo William Whyte [1980] “o que atrai pessoas, ao que parece, são outras pessoas”. “a presença de pessoas atrai outras pessoas, é uma coisa que os planejadores e projetistas têm dificuldade em compreender. Eles partem do princípio de que os habitantes das cidades preferem contemplar o vazio, a ordem e o sossego palpáveis. O prazer das pessoas de ver o movimento e outras pessoas é evidente em todas as cidades” [JACOBS, 2000].

Imagem: Cidades para pessoas Jan Gehl

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Galeria Metrópole, São Paulo

Galeria do Rock, São Paulo

Galeria Vittorio Emanuele II, Milão

Jane Jacobs [2000] apresenta, em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades, três características fundamentais para transmitir segurança aos pedestres em um percurso. A primeira, de que “deve ser nítida a separação entre o espaço público e o espaço privado [...]; segunda, devem existir olhos para a rua, olhos daqueles que podemos chamar de proprietários naturais da rua. Os edifícios não podem estar com os fundos ou um lado morto para a rua e deixá-la cega. E terceira, a calçada deve ter usuários transitando ininterruptamente, tanto para aumentar na rua o número de olhos atentos quanto para induzir um número suficiente de pessoas de dentro dos edifícios da rua a observar as calçadas [...].”. Percursos utilizando galerias são alternativas bastante satisfatórias para os pedestres, elas garantem o acesso com maior segurança e proteção. Além disso, tem vitrines que garantem o entretenimento da passagem. As galerias representam, também, uma forma de encurtar o caminho a ser percorrido, uma vez que atravessa o miolo da quadra. Um bom cruzamento de vias também influencia nessa questão. Geralmente, os semáforos destinados aos pedestres demoram a abrir, e muitas vezes eles sequer existem, fazendo com o que o caminhante tenha que atravessar as pressas e se arriscar diante dos carros. “Botões quase sempre significam que o automóvel domina. Os pedestres jamais deveriam ter que pedir permissão a um semáforo para atravessar a rua” [SPECK, 2016]. Estamos tão acostumados com o uso prioritário dos automóveis nas vias que não reclamamos da dificuldade que encontramos em simplesmente atravessar uma rua. Na maioria das vezes, o pedestre enfrenta longas esperas em semáforos fechados, e quando finalmente aparece a luz verde, dura apenas alguns segundos e logo é substituída pela luz vermelha piscante, induzindo o pedestre a se apressar ou até mesmo esperar até que o semáforo volte a abrir. As referências durante a caminhada também são importantes na

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definição de um percurso. Quando estamos em um trajeto, são elas que nos ajudam a gravar o caminho que estamos fazendo. Quando se está na Praça da República, é possível encontrar a direção para a Rua da Consolação ao ver o Edifício Itália seguido do Copan. São referências do mapa da cidade que guardamos mentalmente e que nos ajudam a nos guiar quando estamos a pé. Quando os referenciais nos faltam, recorremos a orientações mais precisas como nomes de rua, por exemplo. Neste caso, é interessante citar o caso da Avenida Paulista. Se você a percorrer de carro, saberá qual o nome da rua do próximo cruzamento com aproximadamente 200 metros de antecedência, pois existem placas indicando-as para os motoristas. Por outro lado, se você está na situação de um pedestre, a única forma de se situar é conhecendo seus edifícios ou pela proximidade com as estações de metrô. Não existem indicações e placas para pedestres. No centro, por outro lado, houve uma tentativa de situar as pessoas através de algumas placas, mas essas são pequenas, em pequena quantidade e mal localizadas, não atingindo seu objetivo de forma satisfatória.

referência [substantivo] algo que dá uma determinada referência, que nos dá conhecer algo ou uma determinada história.

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“Eu acho ótimo a plaquinha no meio da avenida, porque eu perdi o referencial de onde é a rua Tabapuã, rua Aspásia, onde é a Leopoldo. Quando você vem da Faria Lima, eu perdi o referencial que eu tinha. Então a placa agora é o meu referencial, não é mais o visual, perdi. O visual da Faria Lima é muito diferente do antigo Itaim” [CARLOS, 2001, p. 256].

Imagem: Vista da Praça da República, da autora.

Esses são alguns dos maiores problemas enfrentados pelo pedestre ao realizar um percurso, e esses problemas requerem, na maioria das vezes, medidas de pequeno porte em relação à grande melhoria que pode trazer para a cidade, não apenas para o pedestre, mas para todos seus usuários. O escritório Gehl Architects trabalha com projetos urbanos e tem como foco melhorar a cidade para as pessoas, tendo-as como prinicipal ponto de partido em seus projetos. Um exemplo é um de seus trabalhos em uma das principais ruas no centro de Sydney, na Austrália, a equipe de Gehl realizou um estudo do tempo de espera dos pedestres nos cruzamentos, e perceberam que este era maior do que tempo que gastavam andando. Além disso, os pedestres sofriam com a falta de segurança e conforto, pois as calçadas eram estreitas, o ruído era grande e o nível de fumaça dos carros também. Não haviam lugares para se sentar e eram poucas as árvores ao longo da rua. O objetivo não era acabar totalmente com o tráfego de carros, uma vez que era uma importante via de conexão, mas oferecer melhor qualidade para as pessoas circularem, permanecer e desfrutar. O resultado recuperou 25 000 m²²

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de espaço de uso de transporte para quem andava a pé, criaram um ambiente compartilhado e seguro para o VLT, os automóveis e pedestres. O mais importante é perceber que as medidas que foram tomadas para alcançar esse objetivo não foram drásticas, conectaram praças, melhoraram as condições das calçadas, iluminação e plantaram árvores: coisas simples que fizeram toda a diferença. “[...] O objetivo é tornar a caminhada simples, descomplicada e segura, a qualquer hora do dia ou da noite. Caminhar deve ser uma atividade prazerosa com espaços agradáveis, mobiliário urbano adequado, bons detalhes e boa iluminação” [GEHL, 2010].

Imagem: Projeto em Sydney, Gehl architects

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cidade em movimento

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A construção da cidade voltada para o veículo motorizado acabou criando uma cidade de complexos viários e elevados, deixando de lado as praças e espaços de convivência, que foram engolidos pelo asfalto e concreto. Isso acarretou no comprometimento da qualidade de vida e uma paisagem urbana desconfigurada, sem referenciais e com os famosos quilômetros de lentidão da cidade de São Paulo. A indústria automobilística esteve presente no crescimento e no desenvolvimento econômico da cidade, introduzindo o carro como meio de transporte e valorizando sua utlidade para os paulistanos. Para justificar seu uso, o planejamento urbano focou em atender o deslocamento dos automóveis construindo vias, rodovias e avenidas pela cidade, negligenciando o espaço público e outros tipos de modais.


O histórico da cidade explica o esquecimento do pedestre em sua trajetória urbana. Nos deslocando no tempo para os anos 30, encontramos São Paulo com uma configuração bastante diferente da que conhecemos hoje. Nessa década, a cidade sofreu crescimento e expansão urbana e populacional devido ao Plano de Avenidas de Prestes Maia, que tinha como objetivo reestruturar o centro, mirando principalmente na reorganização da cidade para o trânsito de carros através do redesenho do sistema viário. O Plano trouxe para a região o caráter metropolitano que temos hoje: a área central foi redefinida ao criar um perímetro de irradiação de acessos a mesma, que inclui a Praça da República e o Parque Dom Pedro II. O Plano de Avenidas ajudou a reforçar a intensidade de

Imagem: plano de avenidas, SPBR arquitetura

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ocupação no centro, uma vez que sua acessibilidade foi melhorada a partir do desenho concêntrico da cidade, fazendo com que muitos deslocamentos acabassem passando obrigatoriamente pelo raio de irradiação que foi proposto no Plano, a rótula e a contra-rótula que temos hoje. Com o passar dos anos, surgiu a preocupação com a qualidade de vida urbana na cidade, devido aos conflitos gerados entre automóveis e pedestres. Em 1976, a CET [Companhia de Engenharia de Trânsito] publicou um boletim técnico denominado Ação Centro, que visava priorizar o pedestre e o transporte coletivo. Esse foi o primeiro documento tratando de áreas exclusivas para pedestres na cidade. “A implantação desses calçadões, como foram chamados, foram justificados pelos aspectos culturais e de convivência da área. O objetivo era proporcionar novos hábitos e novos usos à área, além de uma tentativa de eliminar o conflito entre pedestres e veículos” [CASTRO, 1998].

Imagens: Vale do Anhangabaú, SPBR arquitetura

O plano tinha como objetivo restringir o uso de veículos e devolver áreas para os pedestres, além de melhorar a qualidade de vida urbana promovendo o uso do transporte público e desestimulando o uso do transporte particular na área central. No boletim, disponibilizaram uma pesquisa de opinião sobre os calçadões que foram implantados. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Gallup de Opinião Pública, em 1976. Na pesquisa, mostravam que a aceitação dos calçadões foi positiva pelos usuários,

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além de outras informações, tais quais: foi identificado que 4 a cada 10 pessoas costumavam ir ou passar pelo centro da cidade ao menos uma vez na semana; o transporte público era responsável por 66% das viagens feitas para o centro, o carro, 22% e o metrô, após a integração com o ônibus, representava 18% [CET, 1978]. Nos 40 anos que nos separam desse evento, vemos que apesar do resultado e aceitação terem sido positivos na época, o centro ainda sofre dos mesmos problemas, até porque a ação foi implantada apenas na região do centro histórico e proximidades, e não por toda a região. O tráfego de carros ainda é intenso, a porcentagem de residentes na área é baixa e, apesar do fluxo de pedestres ser muito grande, as condições que são oferecidas para estes não são satisfatórias: o foco principal ainda é o conforto e acomodação dos veículos. Uma pesquisa realizada pela Companhia Metropolitana de São Paulo aponta o crescimento das viagens a pé de 1977 até a atualização em 2012, representando mais de um terço de todas as viagens realizadas. Há mais viagens feitas exclusivamente a pé do que de veículos motorizados, em especial os individuais. Isso, sem contar as viagens que não são feitas apenas com um tipo de transporte, como por exemplo, uma viagem que se inicia ou termina a pé, mas que durante seu percurso utiliza ônibus ou metrô. Dessa forma, soma-se 2/3 de viagens concluídas com esse meio de transporte. Apesar dessa realidade, a extensão do espaço do sistema viário dedicado a essa mobilidade não acompanha essa proporção, tornando o andar a pé desagradável e muitas vezes até perigoso. Com o objetivo de proporcionar mais espaço e melhores condições para os carros, o caminhar na cidade ficou mais difícil e menos atrativo. Mesmo assim, as pessoas não deixam de andar pela cidade: seja por necessidade ou por vontade. Segundo outro boletim técnico publicado pela CET, chamado Andar a pé, em 2016, quando perguntados porque andavam a pé, 31,7% dos en-

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trevistados disseram fazê-lo por motivos de saúde e como atividade física, e outros 23% por gostarem de andar. Outro tópico relevante apresentado foi em relação a preferência das pessoas ao escolher um tipo de trajeto. Os locais mais citados foram os parques, vias arborizadas e praças, e o mais evitado foi o centro da cidade, escolhido por 23,9% dos entrevistados, seguido de falta de segurança, locais sem muita movimentação e locais com muita movimentação. “A região central de São Paulo reúne características citadas nos outros três tópicos que o seguem. Em horário comercial é muito movimentado, fora de horário comercial é lugar ermo. Isso, juntamente com a grande população em situação de rua que vive no centro, culmina em uma sensação de falta de segurança em uma parte dos respondentes. Infundada ou não, essa sensação de falta de segurança compromete o andar a pé na região central” [BOLETIM TÉCNICO, CET, 2016].

Imagem: Vale do Anhangabaú, SPBR arquitetura

O grande aumento do tráfego de carros também contribuiu para a diminuição da qualidade dos espaços urbanos, uma vez que acomodá-los e criar cada vez mais espaços para seu uso passou a ser uma prioridade no planejamento das cidades. Uma medida comum para acomodar esse aumento é a criação de novas vias. Um exemplo em São Paulo é a Marginal Tietê, que em 2010 ganhou 6 faixas adicionais, sendo 3 em cada sentido.

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“Cada cidade tem exatamente tanto tráfego quanto seu espaço permite. Aumentar as vias não é a solução, pois quanto mais vias existirem, mais carros transitando terão. Construir vias adicionais é um convite direto à aquisição e ao uso de mais automóveis” [GEHL, 2010].

Marginal Tietê, antes das obras

Marginal Tietê após as obras de 2010

Avenida Tiradentes sentido norte, 2007

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Os eixos viários acabam por redesenhar o espaço público e criam obstáculos, que são na maioria das vezes intransponíveis. Muitos lugares próximos acabam se tornando, para o pedestre, inacessíveis. Por exemplo, atravessar a Avenida Tiradentes a partir da Rua São Caetano até a Estação da Luz é impossível se não for pela pequena passarela das noivas. Até mesmo a vista de um lado ao outro é prejudicada pelos carros e pelo próprio muro que separa um sentido da via do outro. Um exemplo de intervenção que mostra que a adição de vias não é necessária para a cidade, mas a criação de espaços públicos para pedestres sim, é a do escritório Gehl architects em Copenhague, uma das primeiras cidades que se comprometeu a reduzir os danos causados pelos automóveis. A rua Strøget era a mais tradicional da cidade, e em 1962 foi transformada em um calçadão. O projeto de Jan Gehl sofreu resistência dos usuários no início, mas não demorou muito para ser aceito. Depois disso, cada vez mais ruas foram transformadas na cidade para acolher a vida pública. Entre 1962 e 2005, a área destinada aos pedestres aumentou sete vezes, de cerca de 15.000m2 para 100.000m2. Uma pesquisa feita pela Academia Real de Belas Artes da Dinamarca comprovou que essas mudanças sofridas pela cidade aumentaram a quantidade de pessoas caminhando e permanecendo na cidade, mudando radi-


Imagem: Strøget, Wikipedia

calmente seu padrão urbano. Strøget não proporciona apenas mais espaço para a circulação de pedestres, mas também possibilita que as pessoas tenham mais contato entre si e com o que está em torno delas. Além do espaço tomado pelas vias na cidade, também tem a questão dos estacionamentos. Todos carros que circulam pelo centro precisam estacionar em algum momento. Esse espaço foi subtraído do lugar destinado ao pedestre, seja reduzindo as calçadas para dar lugar aos carros ou com a utilização de espaços públicos para estacionamentos, além dos inúmeros estacionamentos privados que existem na região central, até mesmo estacionamentos verticais em edifícios antigos. É claro que o carro não é o vilão da história, o problema é o planejamento urbano da cidade aliado ao uso que é feito dele. O que se tem observado nos dias de hoje, não só em São Paulo como no mundo todo, é o incentivo ao caminhar nas cidades grandes. Jeff Speck, por exemplo, escreveu o livro Cidade Caminhável

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expondo vários motivos pelo qual toda cidade deveria voltar seu planejamento urbano para o pedestre e não para os carros. Ele desenvolveu o índice de “caminhabilidade”, que tem por essência avaliar as possibilidades e qualidades dos percursos em nível do pedestre, avaliando o quanto é agradável caminhar em determinado local. O incentivo ao caminhar no centro de São Paulo pode sim ser realizado em pequenas medidas diretamente ligadas ao caminhante, como a preocupação com o estado das calçadas, entre outras outras ações que acabem por promover a vida na região, tanto de dia quanto de noite, sempre mantendo em mente a escala do pedestre. Existem muitos exemplos de cidades metropolitanas pelo mundo que enfrentaram problemas parecidos e tiveram êxito na solução implantada. Em sua grande maioria, todas favoreceram o pedestre em seus projetos. A cidade de Melbourne, na

Imagem: Melbourne, Academy of Urbanism

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Austrália, é uma delas. Antes de se tornar exemplo de cidade para pedestres, a cidade tinha apelido de rosquinha, pois seu centro era vazio. Em 1985, o governo iniciou um projeto de renovação urbana para transformar o centro da cidade. Foram tomadas várias medidas em relação a habitações, novos espaços públicos e praças, mas o que chamou a atenção nesse projeto foi a intenção de convidar as pessoas a caminhar na cidade. Aumentaram calçadas, criaram novos mobiliários e pisos. Posteriormente, foram feitos dois levantamentos, um em 1994 e outro em 2004, mostrando que a quantidade de pedestres na área central aumentou cerca de 39% durante o dia, e dobrou o uso durante a noite. Segundo Gehl, o exemplo de Melbourne comprova que nas cidades onde as condições para os pedestres foram melhoradas, não só a quantidade de pessoas andando aumentou como também a gama de atividades desenvolvidas nesse meio. “Um maior número de vias convida ao tráfego de automóveis. Melhores condições nas ciclovias atraem mais ciclistas e ao melhorar as condições para os pedestres, não só reforçamos a circulação a pé, mas também reforçamos a vida na cidade” [GEHL, 2010].

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o percurso funcional

percepção [substantivo] faculdade de apreender por meio dos sentidos ou da mente.

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A indústria automobilística na era industrial transformou a morfologia da cidade. As grandes transformações geradas pelo novo planejamento urbano da cidade fez com que o espaço urbano tivesse que absorver e lidar com grandes quantidades de automóveis e fluxos excessivos e acelerados, mudando, assim, a percepção do pedestre ao caminhar. Essas mudanças e acelerações fazem, como explica Richard Sennet, que o caminhante “deixe de acreditar que o que o circunda tenha qualquer significado” [1988, p.31]. O caminho passa a ser uma atividade apenas funcional, perdendo suas qualidades de espaço e percurso lúdico. A rua resume sua função a conduzir fluxos, e o percurso passa a ter como principal objetivo a chegada ao destino da forma mais rápida. Essa configuração acaba por distanciar as pessoas dos espaços públicos e da cidade, além de fragilizar as relações e as dinâmicas sociais, isolando os habitantes uns dos outros. A questão do cyber-espaço entra aqui como construtor de um novo mapa, estabelecendo novas proximidades e diminuindo as distâncias físicas, permitindo a aproximação desses habitantes no plano virtual, mas mantendo frágil a relação destes com a cidade.


“Nós nos gabamos de nossa tão valorizada mobilidades, de nossa rush city [cidade de pressa], para usar a frase inocente de Richard Neutra, de nosso consumo de tração delirante, só para descobrir que, se parássemos, haveriam poucos lugares nos quais qualquer um de nós escolheria para estar. Trocamos, com alegre inconsequência, nossa já débil influência na esfera pública pelo aturidmento eletrônico da esfera privada do futuro” [FRAMPTON, 1974, s.p].

Imagem: The modern sybarite, Leon Ferrari

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Que pode haver de mais belo que um caminho? É o símbolo e a imagem da vida ativa e variada. SAND, George. Consuelo, II, p. 116.






a pausa pausa [substantivo] suspensão temporária de ação ou movimento. permanência [substantivo] ato de permanecer. estado, condição ou qualidade de permanente; constância, continuidade, firmeza.

O caminhar na cidade se torna nessa parte do estudo um coadjuvante, cedendo o papel principal ao espaço público. O caminhar é importante e influencia na vida na cidade, mas deve-se considerar o fato de que haver muitos pedestres numa cidade não indica, necessariamente, que ela tenha qualidade urbana. O que realmente indica a boa qualidade da cidade é a quantidade de pessoas que permanecem nela, seja sentadas ou em pé, mas não em movimento. O fato de elas estarem ali não é por necessidade, mas por se sentirem bem naquele espaço. Criar uma qualidade de vida melhor é a chave para atrair pessoas. Como Jan Gehl coloca em seu livro Cidades Para Pessoas, “caminhar pelos espaços comuns da cidade pode ser um objetivo em si mesmo - mas também um começo”. O caminhar é uma atividade inicial que pode levar a outras atividades que acontecem na cidade: uma pessoa pode sair de casa para ir até a biblioteca num sábado à tarde e no caminho encontrar um músico cantando Beatles na rua, sentar-se em um café e apreciar a cena. O caminhar é o início e o fim, mas seu durante pode envolver diversas situações urbanas e pausas, que nos leva à experiência viva da cidade e seus acontecimentos. “Independentemente do propósito, uma caminhada pelo espaço urbano é uma espécie de “fórum” para as atividades sociais que acontecem durante o percurso, como parte integrante das atividades do pedestre” [GEHL, 2010].

Imagem: montagem, Suck-s

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a retomada do espaço público espaço público [conceito] lugares que dão suporte à vida em comum nas cidades.

Imagem: Plan Voisin, Le Corbusier

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Como vimos, no último século ocorreram muitas transformações nas cidades e a dimensão humana foi um tópico bastante esquecido no planejamento urbano. No que diz respeito às ideologias urbanas dominantes de planejamento, o modernismo, em especial, contribuiu negativamente nesse aspecto, separando os usos da cidade e dando prioridade ao edifício individual, que se tornaram cada vez mais isolados e auto suficientes.

“O rumo dos acontecimentos não só reduziu as oportunidades para o pedestrianismo como forma de locomoção, como também deixou sitiadas as funções cultural e social do espaço da cidade. A tradicional

função do espaço da cidade como local de encontro e fórum social para os moradores foi reduzida, ameaçada ou progressivamente descartada” [GEHL, 2010].


A cultura do carro é tão forte na sociedade paulistana, que por muito tempo o fato do uso prioritário das vias ser dos automóveis e dos espaços públicos se moldarem a suas necessidades não incomodam as pessoas. Apesar disso, nos últimos anos pudemos presenciar algumas manifestações que vão contra essa realidade: cada vez mais as pessoas estão reivindicando seu espaço na cidade. “Os espaços públicos de determinada cidade são uma manifestação física da importância que essa sociedade atribuiu, ao longo de sua história, a convivência, ao encontro e ao ato de se manifestar” [CALLIARI, 2016].

Imagem: Grupo Manga Rosa, 2008

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Manifestações no centro de São Paulo em 2013.

Virada cultural na Praça da Sé, 2017.

O que mudou durante esses anos foi a vontade das pessoas em fazer uso do espaço público. Aos poucos, estão percebendo a importância desse espaço - não apenas para a cidade, mas para o indivíduo e a sociedade como um todo - como ponto de encontro e usufruto da cidade. Alguns eventos recentes em São Paulo demonstram esse fato: as manifestações que ocorreram em São Paulo, em 2013 e 2016, apesar de seu caráter político, também trouxeram a discussão do uso do espaço público em São Paulo, como se as pessoas estivessem reclamando a cidade de volta. David Harvey [2013] diz que a insatisfação não diz respeito apenas ao acesso ao que a cidade tem a oferecer, mas também do desejo de vê-la mudar de acordo com as vontades das pessoas: “A questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoa que desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e a nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os direitos humanos” [HARVEY, 2013]

Carnaval de Rua na Augusta, 2014.

Carnaval de Rua no centro, 2015.

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Outros eventos como o carnaval e a virada cultural, por exemplo, são responsáveis por estabelecer um vínculo entre os habitantes da cidade e seus espaços públicos. O carnaval em São Paulo foi, por muitos anos, comemorado dentro de clubes e as ruas ficavam vazias. De alguns anos para cá, o carnaval de rua começou a ganhar espaço, com mais de 60 blocos espalhados pela cidade, alcançando cerca de dez vezes mais foliões do que em 2015, segundo a CET.


A virada cultural também é um evento muito importante para a cidade de São Paulo, principalmente para a região do centro. Com início em 2005, sempre encheu o centro da cidade com eventos que vão desde shows musicais à arte e gastronomia. “O que parece realmente importante não é a qualidade dos espetáculos, pois parece que este não é o motivo maior das pessoas saírem de suas casas e fugirem dos seus hábitos cotidianos para se aglomerarem nas ruas. [...] Passear a noite pelo belo centro de São Paulo, sem medos ou receios, é uma sensação inspiradora, que nos coloca diante de uma possibilidade concreta de reconquista das ruas e do centro. A concentração de atividades culturais e um maior

contingente de moradores na área central são fundamentais para animar o centro durante a noite, dando mais segurança a diversos logradouros hoje abandonados e perigosos. Mas, para que não seja uma efeméride fugaz e se transforme em um cotidiano, muitas coisas tem que ser feitas, não só pelo poder público, mas por todos nós: associações, sindicatos, clubes, escolas, entidades culturais, pessoas comuns. Porque não tornar a Virada Cultural um ponto de partida?” [GUERRA, 2011].

O espaço público em São Paulo está, aos poucos, sofrendo alterações e ganhando um novo significado - e tudo isso graças a iniciativa de políticas públicas e diversas ONGs e grupos engajados na retomada desses espaços. Um grande símbolo deste acontecimento é a Paulista fechada para carros. Essa mudança é simbolizada também por outras atitudes isoladas que foram tomadas pela cidade: por exemplo, temos a redução na velocidade dos carros para 50 km/h, ação que foi recomendada internacionalmente para aumentar a segurança dos

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Avenida Paulista fechada para carros.

Parklet em frente ao conjunto nacional.

Ciclovia, São Paulo

Shopping Center Norte, São Paulo.

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pedestres, além de garantir maior segurança para os motoristas. Inicialmente, essa medida não foi muito bem aceita pela sociedade como um todo, mas já mostrou bons resultados desde sua implementação. Os parklets são outro exemplo interessante nesse caso, por ter como proposta tirar o lugar do carro para devolvê-lo ao pedestre. As bicicletas, por sua vez, também são símbolo de um modo de apropriação da cidade e do espaço público. Em 2016, foram atingidos mais de 400 km de ciclovias em São Paulo. Não entrando no mérito da qualidade das mesmas, a ação com certeza foi de extrema importância para a cidade ao determinar um lugar nas vias urbanas não destinado ao uso dos automóveis. Perceber e entender que o espaço urbano deve ser compartilhado é de suma importância para o convívio na cidade. O uso do espaço público disputa com os espaços fechados. São Paulo tem cerca de 67 shopping centers espalhados pela cidade, e estes oferecem conforto e segurança que muitas vezes não se encontram nas ruas. Muitos paulistanos frequentam o shopping como forma de entretenimento, e não apenas com o intuito de fazer compras. É uma cultura capitalista que trouxemos dos Estados Unidos, e muito mais comum do que ir ao parque ou a praças da cidade. Os condomínios, que a cada dia se expandem mais, apresentam uma configuração que dificulta o acesso às áreas públicas da cidade. Para os mais ricos, esses condomínios oferecem diversos tipos de serviço, como academia, quadras e até mesmo a possibilidade de trabalhar e fazer compras ali, acabando com a necessidade do uso da cidade que está além dos seus muros. O desafio se torna muito maior para a cidade: é preciso motivar as pessoas a fazer uso do espaço público. Andar na rua é um dos temas mais essenciais da ocupação desse espaço. Para atrair as pessoas para caminhar e permanecer, a cidade deve permitir curtas distâncias a pé, ter espaços públicos atrativos e convidativos e uma variedade de funções urbanas. É preciso estimular as pessoas a


caminhar. Dessa forma, a quantidade de atividades nas ruas vão aumentar e, consequentemente, a sensação de segurança nelas também. “Eu não sei o que se passa ali na ausência de pessoas, mas é só chegar alguém que tudo começa a se mexer... A zona é exatamente como se a

tivéssemos criado nós mesmos, como nosso estado de espírito... Não sei o que se passa, isso não depende da zona, isso depende de nós” [CARERI, Palestra em Genebra, 2005].

Naturalmente, as pessoas se atraem pela atividade e presença de outras pessoas. “A vida na cidade é um processo de auto-alimentação, de auto-reforço. Algo acontece porque algo acontece porque algo acontece” [GEHL, 2010, p. 64]. A cidade viva vai contra a vida nos condomínios fechados e privativos para promover a ideia de uma cidade acessível e atraente para todos os grupos da sociedade. Em Cidades Para Pessoas, Gehl [2010] cita o conceito de sustentabilidade social, que foca em dar a todos os grupos da sociedade oportunidades iguais de acesso ao espaço público e também de circular pela cidade. “A cidade é vista como o que atende a uma função democrática onde as pessoas encontram diversidade social e compreendem mais o outro, por meio do compartilhamento do mesmo espaço urbano. O conceito de sustentabilidade também implica pensar nas gerações futuras.

Também elas devem ser consideradas como comunidades em um mundo cada vez mais urbanizado. A cidade deve ser inclusiva, com espaço para todos” [GEHL, 2010].

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lugar e espaço O lugar é a concreta manifestação do habitar humano. Norberg-Schulz

lugar [substantivo] lugar é um determinado espaço no qual o indivíduo desenvolve para com ele relação de identidade, afetividade, do bem estar. espaço [substantivo] extensão ideal, sem limites, que contém todas as extensões finitas e todos os corpos ou objetos existentes ou possíveis.

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“A grande questão da arquitetura, de fato, é a do lugar, a do “ter lugar” no espaço. O estabelecimento de um lugar que até então não existia e que é compatível com o que nele terá lugar um dia, isto é um lugar” [DERRIDA, 1986]. O conceito de lugar para a geografia representa a porção do espaço geográfico que possui significados particulares e relações humanas. No dicionário, o lugar, do latim locus, é um determinado espaço no qual o indivíduo desenvolve para com ele relação de identidade, afetiidade, do bem estar. É o “espaço ocupado, localidade, cargo, posição” [FERREIRA, 2001]. O lugar é o espaço ocupado, espaço habitado. O termo habitado acrescenta o homem à ideia do lugar, dando para este um maior significado. O lugar passa a acomodar o homem, seja como lar, seja como palco para suas atividades. Na história da civilização, o lugar - espaço, território – assume um grande papel. O sentimento de pertencimento à um lugar é um exemplo disso. Em Huis Clos, Jean-Paul Sartre descreve o inferno pela angústia sofrida pelo homem ao se encontrar em um espaço confinado, sendo este um quarto com as mesmas pessoas, e o homem sendo confrotado com seus próprios atos. Em toda a história, o homem buscou novos territórios e procurou libertar-se da restrição espacial. Nesse contexto, podemos dizer que a cidade, hoje, como coloca Tschumi, “as cidades não possuem limites visíveis” [1999, p.216], e que o espaço está “indefinido, homogêneo, indiferentes nos seus lugares”, como atenua Massimo Cacciari [2010, p.33]. O espaço torna-se lugar a partir do momento em que passa a ter um significado. Segundo Tuan, “quando o espaço nos é inteiramen-


te familiar, torna-se lugar” [TUAN, 1983, apud REIS-ALVES, 2004]. O autor também diz que passamos a nos relacionar com um lugar a partir do tempo que vivemos nele, classificando o lugar como uma pausa na corrente temporal de um movimento, onde o lugar é uma parada para descansar. O lugar também é colocado como o tempo visível: o lugar é a lembrança dos tempos passados, pertencente à memória. A partir disso, temos os não-lugares de Marc Augé: “Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar” [1994, p.73]. O conceito de “não-lugar” é bastante comum nas cidades que temos hoje, e são ditos opostos ao espaço personalizado, espaços públicos de rápida circulação, que induzem ao rápido movimento.

espaço lúdico

O espaço lúdico é citado nesse estudo por ser entendido como um espaço de estar, espaço este que permite possibilidades criativas e de apropriação dele mesmo. O espaço lúdico é onde se pode perder tempo útil e ganhar-lo como tempo lúdico-construtivo, tendo como exemplo os situacionistas em suas derivas psicogeográficas. Os situacionistas iam em busca da recuperação da vivência coletiva na cidade, se reapropriando do território, mas estavam em conflito com o sistema social e econômico, que procurava valorizar o tempo para o consumo no

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lugar do tempo livre. O Homo Ludens, como chamou Johan Huizinga, era o homem que joga e que usa o tempo e o espaço de forma a escapar às regras do sistema e chegava “a autoconstruir novos espaços de liberdade” [CARERI, 2010, p. 98].

cyber-espaço cyber-espaço [substantivo] espaço das comunicações por redes de computação.

Imagem: Deleuze metaphor for the structure of knowledge, rhizome, Ian Pearce

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Por definição, o cyber-espaço é o espaço das comunicações por redes e computação, onde a presença corporal não se faz necessária para que essa comunicação exista. No cyber-espaço, a cidade não existe apenas enquanto espaço físico, mas também possui uma dimensão invisível, que altera a relação temporal e espacial que conhecíamos há mais ou menos vinte anos atrás. O cyber-espaço tem seu tamanho imensurável e sua população aumenta consideravelmente, motivo pelo qual o autor Massimo Cacciari fala no desaparecimento dos lugares, uma vez que “o lugar é o sítio onde paramos: é pausa – é análogo ao silêncio de uma partitura. Não há música sem silêncio” [2010, p.35]. Por outro lado, para Constant Nieuwenhuis, essa revolução tecnológica e a velocidade das comunicações e novas formas de conexões sendo criadas não afetam o lugar e a vida social de uma cidade: “Quem pensa que a rapidez de nossos deslocamentos e as possibilidades de telecomunicações vão dissolver a vida em comum das aglomerações conhece mal as verdadeiras necessidades humanas” [CONSTANT, IS, 1959, apud JACQUES, 2003].


Marilena Chaui argumentou e sua palestra “A concentração do tempo e o espaço do espetáculo” [2010], que o cyber-espaço “acompanha e acelera uma virtualização geral da economia e da soceidade”, gerando uma realidade secundária, invisível, que permite a conexão com lugares fisicamente distantes em questão de segundos, cruzando informações e realidades sem a necessidade de um território físico. O cyber-espaço conforma um novo tipo de sociabilidade, alterando a forma como as pessoas se relacionam ao criar uma rede social virtual. As pessoas passam a se expressar e se organizar através desse espaço, e essa manifestação é tida como uma forma de resgatar a sensação de pertencer a um lugar, de ser parte de uma comunidade.

espaço público conectado rizoma [substantivo] caule em forma de raiz que se caracteriza pela capacidade de emitir novos ramos.

A interconectividade entre os espaços públicos, a cidade e seus usuários são de grande importância para esse projeto. A evolução da internet e da comunicação entre as pessoas nos últimos anos afeta toda a sociedade e a maneira como esta interage entre si e com a cidade. Para explicar a ideia de espaços públicos conectados, estuda-se neste capítulo os conceitos de rizoma, de Deleuze e Guattari, e o conceito de sociedade em rede, de Manuel Castells. Deleuze e Guattari, no livro Mil Platôs, utilizam o significado da palavra rizoma para aplicá-la como conceito na filosofia. O rizoma é que uma raiz com um crescimento diferenciado, polimorfo, que cresce horizontalmente e sem direção definida. Em termos de conceito, o rizoma pode ser visto como um sistema que não segue uma linha reta, ele se espalha. Suas linhas tortas se ligam, se confundem e se espalham. Suas conexões se multiplicam e criam novos ramos e sentidos, e consequentemente, novas conexões. O conceito de rizoma pode ser aplicado neste trabalho como maneira

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de conectar as pausas, os espaços públicos, mantendo uma relação com o conceito de rede de Castells, que complementa essas ligações ao sugerir a conexão entre esses espaços e também entre as pessoas, que será mais explicado a seguir. Segundo Castells, a internet é uma tecnologia que é de fato muito mais do que tecnologia, “é um meio de comunicação, de interação e de organização social” [Castells, 2000, in: Moraes, 2005, p. 255]. A internet estabelece uma nova forma de sociedade, chamada por Castells de sociedade em rede. Essa sociedade tem uma geografia própria: “A era da internet foi aclamada como o fim da geografia. De fato, a internet tem uma geografia própria, uma geografia feita de redes e nós que processam o fluxo de informação gerados e administrados a partir de lugares. Como a unidade é a rede, a arquitetura e a dinâmica de múltiplas redes são as fontes de significados e função para cada lugar” [Castells, 2003, p.170]. Com o uso da internet, as distâncias deixaram de existir fisicamente e as comunicações e compartilhamentos se tornam mais fáceis e palpáveis, novas formas de trabalhar e novas profissões começaram a aparecer, assim como novas formas de interação social. Quando a internet surgiu, muito se falou sobre alienação, isolamento e depressão. Para Castells [2000], a internet “é um instrumento que desenvolve, mas que não muda os comportamentos; ao contrário, os comportamentos apropriam-se da internet, amplificam-se e po-

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rede [substantivo] entrelaçado de fios que forma um tecido de malhas com espaçamentos regulares.

tencializam-se a partir do que são”. Na visão de Castells, a internet é a base da sociedade em rede, e é ela que promove novas formas de relação social. Ao que se refere a interação das pessoas com o espaço público na cidade, a internet também mostrou-se de grande importância nos últimos anos. Os eventos criados na rede social do Facebook, por exemplo, para manifestações e outros eventos na cidade como a virada cultural, atingem um número maior de pessoas e acabam de certa forma incentivando o uso desses espaços e estabelecendo uma conexão das pessoas com elas mesmas e das pessoas com a cidade.

Imagem: à esquerda, compostion, Greyscalegorilla; à direita, Deleuze rhizome network, Archaestetics.

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O espaço público reúne a sociedade em sua diversidade. A direita, a esquerda, os malucos, os sonhadores, os realistas, os ativistas, os piadistas, os revoltados - todo mundo. Anormal seriam legiões em ordem [...]. É o caos criativo, não a ordem preestabelecida. Manel Castells






o caminhar, o percurso e a pausa “Desejamos aventura. Como é difícil encontrá-la na Terra, há quem a procure na Lua. Apostamos antes de tudo e sempre numa mudança aqui na Terra. Nossa proposta é de nela criar situações, situações novas. Queremos derrubar leis que impedem o desenvolvimento de atividades eficazes para a vida e a cultura. Estamos no limiar de uma nova era, e é imperativo esboçar já a imagem de uma vida mais feliz e de um urbanismo unitário; urbanismo feito para dar prazer.” [CONSTANT, IS, 1959, apud JACQUES, 2003]

Este capítulo pretende unir toda teoria exposta até agora e apresentá-la na prática, explanando todo o pensamento e desenvolvimento de projeto realizado durante esse ano. Em um primeiro momento, será apresetado o levantamento que foi realizado, que antecede as propostas de objeto de projeto. Depois, o desenvolvimento do projeto será dividido em duas partes: a primeira apresentando todas as experimentações realizadas, para enfim mostrar na segunda parte o projeto final.

investigação

Ao escolher o centro da cidade como espaço de atuação, o ponto de partida foi realizar um levantamento de áreas de interesse, ciclofaixas, calçadões, edifícios importantes e espaços públicos na área, a fim de selecionar os lugares que seriam propostas as intervenções. Em um segundo momento, foram levantados alguns percursos de interesses específicos, por exemplo, um percurso histórico, cultural, administrativo, etc. Para fins de projeto, acabaram não sendo utilizados, pois o intuito não era definir percursos pela cidade, uma vez que entende-se nesse trabalho que o caminhante define seu próprio percurso, sendo assim impossível propor um. Porém, em questão de definir os espaços selecionados para projeto, esses percursos reafirmaram os lugares que tinham sido selecionados anteriormente com o levantamento realizado. Todos esses pontos são os nós em que todos os percursos desenhados se encontravam.

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mapa de levantamento da área central de são paulo [s/ escala]

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1. largo do arouche 2. praça da república 3. edifício eiffel 4. edifício itália 5. edifício copan 6. edifício conde penteado 7. conjunto zarvos 8. hilton 9. paróquia nossa senhora da consolação 10. praça roosevelt 11. galeria metrópole 12. praça dom josé gaspar 13. biblioteca mário de andrade 14. galeria das artes 15. galeria ipê 16. galeria sete de abril 17.edifício esther 18. galeria itapetininga 19. galeria califórnia 20. galeria nova barão 21. galeria lousã 22. galeria do rock 23. galeria presidente 24. galeria apolo 25. galeria olido 26. largo do paissandu 27. mirante do vale 28. praça dos correios 29. praça das artes 30. teatro municipal 31. praça ramos de azevedo

32. vale do anhangabaú 33. shopping light 34. praça do patriarca 35. igreja santo antônio 36. edifício matarazzo 37. largo são francisco 38. red bull station 39. conjunto franciscano 40. faculdade de direto da USP 41. viaduto do chá 42. praça doutor joão mendes 43. catedral da sé 44. praça da sé 45. praça ragueb choffi 46. praça fernando costa 47. solar da marquesa 48. caixa cultural 49. secretaria da justiça 50. páteo do colégio 51. palácio da justiça 52. tribunal da justiça 53. Centro Cultural Banco do Brasil 54. edifício moreira sampaio 55. bolsa de valores 56. edifício altino arantes 57. banco de são paulo 58. edifício martinelli 59. galerias são bento 60. largo são bento 61. mosteiro são bento 62. viaduto santa ifigênia


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percurso de áreas de praça e parque percurso cultural percurso histórico

mapa de percursos na área central de São Paulo [s/ escala]

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percurso coorporativo percurso arquitetônico áreas de intervenção


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linha do desenvolvimento

containers com programa distribuído internamente

mobiliários urbanos com propostas e programas individuais

[B] [C]

[A] parklets com construção modular e programa integrado

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[D]

transposição no páteo do colégio com programa distribúido pelas plataformas


módulos quadrados distribuídos sem padrão, construindo cheios e vazios

conjunto de intervenções sem padrão específico

[F] [E]

[H] [G]

plataforma constituída por cobertura retangular que abriga o programa proposto

módulo quadrado simples que compõe módulos compostos utilizados para padronizar as estações

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Metrô em Bilbao, Norman Foster

Ponto de recarregamento de celular

Banco de madeira, Harris Isola

Bancos em vários platôs

Toten de informação na cidade de Dresden, Alemanha

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Ponto de informação


primeira parte: experimentações

Ao tratar da questão urbana e utilizar o caminhar, o percurso e a pausa como principais conceitos e partido para o projeto, foi considerado, inicialmente, o caminhar e o percurso no âmbito da mobilidade urbana e como finalidade para chegar à pausa, o objeto de projeto resultante desse estudo. Através dos percursos urbanos, pretendia-se propor intervenções ao longo de um dos percursos estudados. As intervenções teriam por objetivo dar suporte ao pedestre e criar espaços de permanência ao longo desse caminho. Talvez o mais importante a ser discutido aqui realmente seja o desenvolvimento do projeto, e não necessariamente seu produto final. As experimentações que foram realizadas durante o ano foram fundamentais para o produto final, sendo possível estabelecer até mesmo uma linha de tempo com seu desenvolvimento, como visto na página anterior. “Não mudamos o mundo da noite para o dia, fazemos uma série de experimentações.” [Mendes da Rocha, Paulo, no filme Villanova Artigas: O arquiteto e a luz, 2015]. [A] De início, a ideia girou em torno de mobiliários urbanos, com programas individuais. Aqui, as palavras-chave para cada intervenção proposta eram: marco, identidade, onde seria criada uma cobertura para o metrô da Praça da República, tendo o projeto de Norman Foster em Bilbao como referência e pensando na importância dos referenciais no percurso para o pedestre; informação, propondo totens espalhados pelo centro, não apenas indicando as direções para determinados lugares, mas também com mapa em um raio de 500 metros da área implantada, e espa-

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Parklet em Oakland, EUA

Parklet em container, rua Orenoco, Belo Horizonte

The BookBox, Cleveland Public Library

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ços de estar, pensando em quiosques de comércio, bibliotecas e auditórios móveis. [B] Como o objetivo não era criar mobiliários, mas apenas um objeto, essa ideia foi descartada. Com as referências e as pesquisas realizadas, a concepção do parklet passou a ser uma referência, com a diferença de ser instalado na calçada ao invés das vagas para carros nas ruas, adaptando sua conceituação para as necessidades desse projeto. Os parklets foram a forma encontrada de reunir os usos de cada um dos mobiliários pensados anteriormente em um só espaço. Para fazê-lo, encontrou-se nos módulos uma forma de criar as formas e distribuir os programas. Foram divididos em três tipos: zonas comerciais, zonas coorporativas e zonas de estar. Os programas pensados de início se resumiriam em bicicletário, espaços de estar e sentar, mesas, estação de trabalho com mesas e cadeiras destinadas ao uso de notebooks ou cadernos, jardins, redes e lugar para carregar o celular, propondo também uma zona wifi. A maior dificuldade encontrada no desenvolvimento desse projeto foi em relação a multiplicade do objeto. Com a proposta dos percursos e de existir um sistema de redes, a ideia sempre foi de projetar mais do que uma plataforma, e cada uma delas com uma determinada característica ou forma diferente, dado que seus lugares de implantação seriam díspares. [C] Seguindo a ideia dos parklets, um ambiente mais fechado passou a ser considerado, utilizando containers para sua materialização. A ideia da distribuição de programas seguiu com os containers, prevendo “caixas” que ofereceriam serviços de bicicletário, lanchonetes, ponto de informação, venda e recarga de bilhete único, áreas de descanso e lazer. Seriam propostos, assim, diferentes tamanhos e tipos de caixas, mas todas utilizando o container como material. O problema, tanto com o container quanto com o parklet, foi a dificuldade de variar os programas e


parklets trabalhar com módulos zonas coorporativas

zonas estar

lojas, restaurantes

escritórios

parques, praças

mesas e cadeiras

mesas e cadeiras

mesas e cadeiras

esperar comer descansar conversar

trabalhar comer descansar esperar

comer descansar conversar

zonas comerciais

de encontrar uma modulação, no caso do parklet, e de criar um ambiente muito fechado, no caso do container. Por conta da dificuldade encontrada ao pensar em um todo, uma vez que cada área teria um programa, cada uma delas passou a ser pensada separadamente. [D] Nesse ponto, o projeto acabou tomando um rumo diferente do proposto: iniciou-se pelo páteo do colégio, e por não ter uma estrutura definida a seguir, os estudos foram muito afundo e a vontade de explorar a colina histórica que liga a praça do Páteo com a Praça Fernando Costa e a rua 25 de março acabaram fazendo com que essa fosse a única área de intervenção na primeira fase do TFG, criando uma única pausa na cidade. Com a questão do espaço público e de criar um espaço de estar que envolvesse todo o programa já citado anteriormente, foram criadas 5 plataformas, interligadas por escadarias, que iam desde o topo do Páteo até a Praça, vencendo 25 metros de altura. Ao longo dessas plataformas, foram divididos os programas, priorizando áreas livres e espaços de estar, podendo até oferecer áreas para pequenos eventos, aulas [de yoga, por exemplo], e como diferencial do que antes foi proposto, essa área teria em um de seus platôs um telão de cinema a céu aberto e um bar, para garantir a estadia das pessoas. Além disso, a vista oferecida do alto da colina história foi explorada em diversos momentos, tendo assim a função de mirante incluída em seu programa.

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Implantação da transposição, da autora

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[E] Ao notar que a ideia de várias intervenções estava sendo esquecida, tentou-se retomá-la mantendo a proposta do Páteo e tratando-a como uma transposição, propondo assim diversos tipos de intervenções, cada uma com um propósito. Além dessa, seriam inclusas, aproveitando as ideias anteriores, a cobertura, dessa vez proposta na rua Barão de Itapetininga, utilizando intervenções realizadas em Lisboa e Madrid como referência; o container, como ponto de informação da região; o parklet, como área de estar e biblioteca compartilhada, e totens de informação indicando direções e com mapa alcançando um raio de 500m, como citado anteriormente. Essas propostas adicionais à transposição do Páteo do Colégio acabaram não saindo dos croquis e da ideia, por consequência do final do semestre. Na retomada das aulas, todo o pensamento projetual foi revisto e o projeto voltou a ser repensado do zero, deixando a transposição e demais ideias como referências, mas buscando uma nova direção. Intervenção feita em Madrid

Toten de informação, Dresden

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corte transversal [s/ escala]

corte longitudinal [s/ escala]

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segunda parte: resultado fruição [substantivo] ato, processo ou efeito de fruir. posse, usufruto de vantagem ou oportunidade. permeabilidade [substantivo] qualidade de permeável. propriedade de um corpo de se deixar penetrar por uma substância. leveza [substantivo] qualidade do que é leve, de pouco peso. versatilidade [substantivo] qualidade ou atributo do que é versátil. mobilidade, inconstância.

Ponto de ônibus, Singapura

Nessa próxima fase, embora a intenção fosse começar do zero, todo o trabalho alcançado até aqui foi utilizado – mesmo que inconscientemente – como referencial. A compreensão de que não necessariamente esses objetos deveriam ser diferentes por estarem cada um em um lugar e possuirem, vez ou outra, um programa diferenciado, foi crucial para seguir com o trabalho. Foram traçados os principais objetivos a serem seguidos em questão de projeto, sendo eles a fruição, permeabilidade, leveza e versatilidade. A ideia do container, em relação a espacialidade, se manteve nessa etapa. Foram revistas as áreas de intervenção, permanecendo como proposta as internveções na Praça da República, Teatro Municipal, Vale do Anhangabaú, Largo São Bento, Páteo do Colégio, Praça da Sé, e incluindo a Praça do Patriarca e Largo do Paissandu. [F] A ideia proposta foi de criar uma cobertura retangular, com 2 metros de largura, que abrigaria o programa proposto em seu interior. A cobertura foi escolhida por garantir a permeabilidade e abertura do objeto, quebrando o problema encontrado com a solução do container anteriormente. O material escolhido para estrutura foi o metálico, garantindo a leveza, rapidez e versatilidade na montagem e desmontagem da plataforma. O programa seria colocado entre os pilares da estrutura, com distância de 2,5 metros entre eles, organizados em paineis, tendo como referência um ponto de ônibus em Singapura. Para reforçar a questão da permanência, nas plataformas instaladas em áreas de parque ou praça foram propostas coberturas acessíveis, aumentando a área de estar das plataformas sem aumentar sua área de implantação. Nessa proposta, a diferença entre uma plataforma e outra seria o programa, que foi dividido em um programa básico [Teatro Municipal, Paissandu, São Bento, Patriarca e Páteo do Colégio] e outro completo [Praça da República, Vale do Anhangabaú, Praça da Sé]. [G] Nesse momento, a questão a ser resolvida era o enrijecimento

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Módulo simples e possibilidades de composição

Esquema de fluxos e distribuição de programas, Museu de Arte Contemporânea do século XXI, SANAA

Esquema de distribuição da proposta [G] com cheios e vazios

da estrutura: a ideia do container ainda estava muito presente, e a referência do ponto de ônibus também, fazendo com que o projeto ficasse muito linear, estático e “duro”. Voltamos, então, para os módulos: eles permitiriam a versatilidade e flexibilidade procurada. O módulo escolhido foi o quadrado, de 2m x 2m de largura com 3 metros de altura, em estrutura metálica, com ligações soldadas. Como a ideia era acabar com a forma retangular herdada do container, estes modulos foram distribuídos em uma malha, no tamanho determinado pela sua área de implantação, e depois alguns foram subtraídos, trabalhando cheios e vazios, onde os vazios representariam o percurso e os cheios dariam lugar para o programa, trazendo a mesma ideia do discurso proposto pelo escritório SANAA no museu de arte contemporânea do século XXI, em Kanazawa no Japão. Essa configuração criou dois problemas: a dificuldade em criar um padrão, porque mesmo usando módulos, a distribuição dos cheios e vazios não estabelecia uma regra, então o formato dessas plataformas não seguia uma lógica; a ideia de estender o espaço de estar para a cobertura ficou mais difícil, por conta dessa falta de padronização e a necessidade de criar a mobilidade vertical.


a

b

c

d

[H] A partir disso, a solução moldou o projeto com sua versão final. Como antes o problema era a plataforma retangular, sem movimento, e depois o problema se tornou exatamente o oposto, o excesso de movimento, criou-se, a partir desse módulo quadrado básico, cinco módulos compostos, que foram utilizados para criar as plataformas, que nesse momento passaram a ser intituladas de estações. O módulo a, em formato de C, com 4 módulos livres que permitem a inserção de uma arquibancada; o módulo b, também em formato de C, com 3 módulos livres, a fim de criar um espaço de estar; módulo c, em formato de U, com espaço central destinado a vegetação; módulo d, que funciona apenas como um módulo de ligação para as estações quando necessário mais espaço, e, por fim, em L, para abrigar a escada e caixa de banheiro e vestiário. Em questões técnicas, como mencionado, as ligações dos perfis tubulares são realizadas por meio de solda. As vantagens encontradas na ligação soldada estão na economia do material a ser utilizado, tendo a área bruta igual a área líquida. As ligações são mais rígidas, o acabamento é melhor em relação a ligação parafusada e, além disso, existe maior facilidade em corrigir ou efetuar quaisquer modificações, qualidade que se tornou um dos principais pontos na escolha da soldagem como ligamento, uma vez que as estações são possivelmente objetos efêmeros. A estabilidade da estrutura é garantida através das sapatas

e peças utilizadas nas ligações

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parafusadas, assim como acontece como o guarda-corpo. A cobertura só existe no caso das estações com escada e/ou arquibancada, onde o acesso ao piso superior é possível. Ela é composta por ripas de madeira ipê, com altura de 3 cm. O programa se manteve em sua maioria nas ideias anteriores, contendo bicicletário, com a possibilidade de criar também um serviço de aluguel de bicicletas semelhante ao do itaú para essa região, conectado pela rede de estações propostas; painel interativo com mapas da cidade e informações necessárias ao usuário, sendo possível traçar rotas e procurar lugares divididos por interesse, por exemplo um restaurante; máquina de recarregar bilhete único; wifi livre; ponto de recarregamento de bateria de celular; máquina de venda automática de comidas e bebidas; mini biblioteca compartilhada; vestiário; guarda volumes e banheiro. As áreas que permanceram para inserção das estaçoes foram a Praça da República, Teatro Municipal, Largo do Paissandu, Vale do Anhangabaú, Praça do Patriarca, Largo São Bento, Páteo do Colégio e Praça da Sé, totalizando oito estações nesse último experimento. Juntas, as estações conformam uma rede que conecta estes espaços entre si e os mesmos com os usuários, se valendo do conceito de rede de Castells [2000] estudado no capítulo das pausas. Cada uma das estações satisfaz através do programa selecionado as necessidades locais em nível do pedestre, além de construir um novo lugar e espaço de estar e lazer no centro da cidade. Para apresentar cada uma das estações, propõe-se um percurso, começando pela Praça da República até a a Praça do Patriarca, percorrendo todas as estações que fazem parte da rede proposta neste projeto.

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“[...] dezenas ou centenas de milhares de iniciativas individuais e de grupos reunidos em torno das mais variadas afinidades e pontos comuns vêm formando uma enorme rede capilar planetária muito próxima do que Gilles Deleuze e Félix Guattari chamam de rizomas. Trata-se de uma rede que, nos moldes da world wide web, vem trazendo para o campo da materialidade, para o território e para a escala humana as maravilhas das conquistas do século XX redimensionadas para a satisfação de necessidades locais, construindo novos lugares, ou seja, novos espaços qualificados no seu tempo” [CALDANA, 2016 apud CALLIARI, 2016].

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estação república 112

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A Praça da República abriga edifícios históricos, como a Escola Normal Caetano de Campos, que foi tombado pelo Condephaat em 1978, que hoje é o prédio onde funciona a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. A Praça representa o que foi a expansão e o crescimento da cidade de São Paulo, e por esse motivo abriga a principal e maior estação projetada. Essa estação acompanha o fluxo de pessoas entre a rua do arouche e a 7 de abril. Ela combina 4 módulos [a, b, c e d] e dispõe do programa completo, devido à sua localização, e oferece também a cobertura como espaço de estar.

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estação teatro municipal


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Seguindo em direção ao edifício Esther, entramos na rua Barão de Itapetininga, hoje em dia destinada apenas aos pedestres, até alcançarmos o Teatro Municipal, já quase no Viaduto do Chá, onde se encontra a próxima estação. Por ser implantada na calçada do lado oposto do Teatro, logo ao final da rua Barão, optou-se por apenas um módulo e programa simples. O Teatro faz parte do Patrimônio histórico desde 1981, quando foi tombado pelo Condephaat. O Teatro, além de sua importância história também foi palco do marco inicial do modernismo no Brasil, a semana de Arte Moderna.

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No caminho para a terceira estação, é possível escolher o caminho mais rápido, seguindo a Rua Conselheiro Crispiano até chegar na Avenida São João, ou então, ao contornar o Teatro Municipal, entrar a esqueda na Rua 24 de maio e seguir até o Largo do Paissandu, a terceira estação, por dentro das vitrines da Galeria do Rock. Essa estação combina o módulo d de forma a criar um abrigo, mantendo um espaço em seu miolo, utilizando o programa básico.

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Seguimos pela Avenida São João até sua parte restrita aos carros, passando pela Praça das Artes e o Estúdio Lâmina até o Vale do Anhangabaú, onde encontramos a próxima estação. Essa, assim como a da Reública, tem o programa completo e permite que o usuário aproveite sua cobertura, procurando trazer as pessoas para vivenciar esse espaço, que apesar de ser um grande marco não é bem aproveitado como espaço público no dia-a-dia da cidade.

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Atravessando o Vale do Anhangabaú chegamos à ponta do triângulo histórico, na rua Libero Badaró. Ali, avistamos o Edifício Martinelli e dobramos a esquerda, onde está a quarta estação, no Largo São Bento, onde encontramos a estação São Bento da linha vermelha do metrô e o Mosteiro de São Bento. Novamente, optou-se pelo uso de apenas um módulo e o programa básico.

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estação páteo do colégio


6

Do Largo São Bento, continuamos pela Rua Boa Vista e cruzamos a Ladeira do Porto Geral, que dá acesso a rua 25 de março. Seguindo, podemos avistar o edifício Altino Arantes, e mais a frente chegamos na próxima estação, localizada no Páteo do Colégio. O Páteo é um sítio arqueológico onde se encontra a primeira construção da cidade, local onde os jesuítas estabeleceram um núcleo para converter os indígenas na época. Por sua importância histórica, foi selecionada para abrigar uma das estações.

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estação praça da sé 142

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Um pouco mais a frente, chegamos à Praça da Sé. Passamos em frente à Caixa Cultural, e logo ali, no início da Praça, está a penúltima estação. Por estar em uma praça de formato quase triangular, o formato dessa estação é o mais diferente de todos, sendo a única que utilizou o módulo conector.

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estação patriarca 146

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Dessa estação seguimos para a última, utilizando a Rua Direita até chegar na Praça do Patriarca, ao lado da Prefeitura de São Paulo e a cobertura projetada por Paulo Mendes da Rocha para a Galeria Metrópole. Para essa estação, utilizou-se a largura da cobertura como referência, a fim de manter um diálogo entre as duas construções. Aqui terminamos esse percurso, na beira do Viaduto do Chá e do Vale do Anhangabaú, percorrendo 8 dos principais pontos histórios e significativos do centro da cidade.

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considerações finais O caminhar é uma atividade tão arraigada em nosso cotidiano, que não percebemos a importância de sua função para a cidade e a sociedade. Uma cidade caminhável permite que seus moradores a aproveitem e a vejam como uma extensão de suas próprias casas. Ao caminhar se estabelece laços com a cidade, gerando o sentimento de identidade e pertencimento ao caminhante. Mas, para incentivar as pessoas a caminharem e se apropriarem da cidade, é preciso cuidar dos espaços públicos, oferecer a possibilidade de atividades acontecerem e, mais importante, fazer com que as pessoas se sintam confortáveis e seguras desfrutando desse espaço. O caminhar e a permanência das pessoas produz novos espaços de estar na cidade. E é disso que, enfim, se trata esse trabalho. Analisar o lugar onde vivemos nos permite levantar questionamentos referentes ao modo como vivemos. Habitar a cidade e nos relacionar com os lugares além do relacionamento mantido através do cyber-espaço é fundamental para criar novas possibilidades e a probabilidade de gerar novos encontros. Qual é o espaço público do centro São Paulo? Como esse espaço é aproveitado? A cidade é composta por lugares, e os lugares são construídos através dos percursos corporais, formando espaços para o convívio humano. No presente trabalho, procura-se, através de experimentos pelo centro da cidade, valorizar o caminhar, a paisagem do percurso e a pausa, o momento do encontro. Através de uma rede de instalações, busca-se constituir um lugar. O objetivo é enfatizar os espaços públicos já existentes, propondo uma estrutura leve, fluída e de certa líquidez, tornando possíveis movimentos e cambiamentos. O programa é uma leitura das necessidades do entorno e do caminhante, sujeito em questão nesse estudo. O resultado que se obtém são novas praças, que geram espaços para a pausa, o encontro com o outro e com a cidade.

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