O Enigma da Caetana

Page 1

O Enigma de de Caetana Caetana

Ângela Silva Pinho Vítor Lopes



Texto de Ângela Silva Pinho Ilustração de Vítor Lopes



Aos meus filhos, Santiago e Constanรงa, sem os quais eu nunca seria eu!


Depois de um verão muito divertido, tinha chegado, finalmente, o primeiro dia de aulas! Caetana estava muito entusiasmada! -Mãe, estou a ficar crescida! Já vou para o Jardim de Infância! Mal posso esperar para conhecer os meus novos amigos, a educadora, as auxiliares… Estou tão feliz!

4


A mãe ouvia a Caetana e sorria pois, nos últimos dias, a filha só falava da nova escolinha, de como estava crescida e já tinha feito a Creche e passado para a “escola dos grandes”. Caetana tinha já mil planos para todas as brincadeiras que ia fazer com os seus novos amigos. 5


Ao chegar ao Jardim, Caetana deu um grande beijinho à mãe e lá foi ela, a correr, para a sua nova sala. Era uma turma de quinze crianças. Algumas, Caetana já conhecia da Creche; outras, nunca tinha visto.

6


Sentaram-se, em roda, no colorido tapete verde e roxo da sala; os grandes olhos da menina fitavam cada um dos novos rostos. Todos se apresentaram, menos um menino que estava sentado mesmo ao lado da educadora. Era um menino loiro, de cabelos encaracolados que lhe cobriam parte do rosto, de onde sobressaíam dois grandes olhos azuis. -E este é o nosso amigo Lourenço! – disse, por fim, a educadora. Mas o Lourenço nem reagiu à apresentação que a educadora de infância acabara de fazer e parecia muito concentrado a enrolar e a desenrolar um pedaço de autocolante no seu dedo. 7


Depois das apresentações, todos se sentaram para realizar o primeiro trabalho. A educadora deu a cada criança uma grande folha branca onde cada uma se desenharia a si e às coisas de que mais gostava.

8


Caetana desenhou, ao lado da sua cara, um grande gelado de morango, a sua boneca preferida e a sua coelhinha de estimação. Olhou para o seu colorido desenho e ficou muito orgulhosa do seu trabalho. Depois, olhou em volta para os trabalhos dos seus amigos. Estavam todos muito bonitos, exceto o do Lourenço. O Lourenço não tinha desenhado nada! A sua folha estava em branco! O Lourenço apenas tinha retirado todos os lápis de cor do copinho, alinhando-os, todos certinhos, em cima da sua folha. E parecia muito concentrado a organizar, milimetricamente, os seus lápis. Aquilo intrigou Caetana…

9


Chegou a hora do intervalo e todos se dirigiram para o recreio. Havia meninos a brincar nos baloiços, outros à apanhada, outros jogavam à bola e todos pareciam divertidos! Todos, menos o Lourenço. Caetana parou a observá-lo. Ele estava afastado do grupo e apenas rodava um pequeno carrinho de um lado para o outro do muro e ia dando gritinhos estridentes. Decidiu, então, ir convidá-lo para brincar consigo: -Lourenço, anda brincar à apanhada! O menino parecia que nem sequer a tinha ouvido e continuou a percorrer o muro de um lado para o outro com o seu carrinho. -Lourenço, não queres brincar comigo? – insistiu a menina. Mas o seu colega continuava a não lhe responder e Caetana foi embora, muito aborrecida! - Que mal educado! Ou então não gosta de mim... – pensou ela, com alguma tristeza.

10


11


Na parte da tarde, a educadora contou uma história muito divertida e todos os meninos riram à gargalhada! Todos, menos o Lourenço, que parecia muito concentrado a brincar com os atacadores dos ténis verdes e nem ouvia o que a educadora dizia… - Então, mas ele não gosta de pintar, não gosta de brincar e também não gosta de histórias?! – pensava a Caetana, intrigada. 12


À hora de saída, Caetana correu para os braços da mãe, saltando-lhe para o colo, muito entusiasmada com tudo o que tinha feito naquele primeiro dia no Jardim de Infância. Viu o Lourenço a ir para o carro com a sua mãe e decidiu ir apresentar-se: - Olá, mãe do Lourenço! Sou a Caetana! Hoje quis brincar com o seu filho, mas acho que ele não quer brincar com ninguém… A mãe do Lourenço sorriu e respondeu: - Tenho a certeza de que ele quer brincar contigo e com todos os outros colegas, mas ainda está a descobrir como vai fazer isso.

13


Caetana ia no carro, a caminho de casa, muito pensativa. Aquela resposta da mãe do Lourenço tinha-a deixado ainda mais baralhada. -Todos os meninos sabem brincar! – pensava ela. - Ninguém precisa de descobrir como vai conseguir brincar com os colegas… Todos os meus amigos sabem brincar!

14


Tinha passado já uma semana de aulas e Caetana ainda não tinha conseguido que o Lourenço falasse consigo. -Nem uma única palavrinha! Se calhar, não gosta mesmo de mim… – pensava ela, um bocadinho desanimada. Tinha ainda reparado que ele também não sabia brincar com legos! Em vez de construções, só fazia torres e filas e não misturava as cores. Primeiro, fazia uma torre de peças verdes, depois uma fila de peças vermelhas, depois uma torre de peças azuis, depois uma fila de peças amarelas… e era sempre assim… 15


16


Outra coisa que inquietava a Caetana era o lanche que o Lourenço levava para a escola… A mãe dela mandava-lhe um lanche diferente, todos os dias, mas a do Lourenço não! Todos os dias, ele levava pão com duas fatias de queijo. E depois, todos os dias, ele comia da mesma maneira: abria o pão, tirava as fatias de queijo, comia-as primeiro e só depois comia o pão, já sem nada. Preocupada, numa das vezes em que viu a mãe do Lourenço, decidiu alertá-la: -Devia variar o que manda no pão do Lourenço! Ele traz sempre queijo! -Tens razão! – respondeu a mãe, muito simpática. – O Lourenço há de trazer lanches diferentes, mas, por agora, ainda é difícil ele gostar de experimentar comer outras coisas no meio do pão.

17


Caetana estava cada vez mais intrigada. Achava tudo aquilo muito esquisito! No dia seguinte, a turma foi à piscina! A Caetana tinha um fato de banho cor de rosa com bolinhas, igual à sua touca e aos seus chinelos. No balneário, a educadora e as auxiliares ajudavam os meninos a vestir-se. Todos estavam entusiasmados até que, de repente, o Lourenço desata numa gritaria enorme! Chorava, gritava, esperneava e esbracejava. Ninguém conseguia acalmá-lo! E tudo porque o professor de natação lhe tentou pôr a touca na cabeça! Depois de alguns minutos, o Lourenço acalmou-se e soluçava, aninhado no colo da educadora, que o abraçava. Caetana pensou como devia estar cansado de tanto gritar e chorar… Pensou ainda que nem a sua maior birra tinha sido parecida com aquela do seu colega… E tudo por causa de uma simples touca!

18


19


Umas semanas depois, o Lourenço fez anos! Tinha levado um bolo muito bonito e delicioso para o lanche. Os colegas cantaram-lhe os parabéns e o Lourenço cantou também! Foi a primeira vez que Caetana ouviu a voz do seu colega! Ele estava tão feliz que abanava os braços constantemente e sorria muito! Caetana foi dar-lhe um beijinho de parabéns. O Lourenço abraçou-a e retribuiu-lhe o beijo. Caetana não cabia em si de contente! Afinal o colega também gostava dela!

20


O ano letivo foi passando e, aos poucos, Caetana e Lourenço conseguiam brincar e divertir-se juntos. Lourenço não conversava muito – aliás, dizia poucas palavras – mas, mesmo assim, começou a ser mais fácil para a Caetana compreendê-lo. O colega começou, também, a levar algumas coisas diferentes no pão do seu lanche, já fazia natação com a touca na cabeça, já procurava os amigos para brincar e gostava de os abraçar. Mas, o que Lourenço gostava mesmo era de cantar, de números, de formas geométricas, de puzzles, de jogos, de inglês e de robótica! Ele conseguia fazer, com os números, coisas que para a Caetana eram ainda muito difíceis e, nos puzzles e jogos de memória, ele ganhava sempre.

21


Caetana, finalmente, tinha desvendado este grande enigma: todas as crianças são diferentes umas das outras! O Lourenço gostava de umas coisas e ela de outras, ele era melhor numas coisas e ela noutras. A Caetana aprendeu ainda que podemos comunicar de várias formas e, mesmo sem palavras, conseguimos conversar. Ele falava pouco, mas ouvia e compreendia tudo o que ela lhe dizia. Aprendeu, acima de tudo, que a amizade supera todas as barreiras! Mais tarde, a educadora explicou que o Lourenço, além de ser loiro, ter olhos azuis e cabelos encaracolados, tinha também autismo. Para a Caetana, ele era apenas o colega Lourenço que, com todas as suas características, era o seu melhor amigo!

22



Um agradecimento especial à Ângela, por ter escrito esta história fantástica e a ter oferecido ao Núcleo Pais-em-Rede de Mangualde, e ao Vítor, pela maravilhosa ilustração deste livro; Um muito obrigado à Câmara Municipal de Mangualde, que está connosco desde o início da nossa atividade e que, mais uma vez, se juntou a nós apadrinhando a publicação deste livro, possibilitando assim a concretização de mais um dos nossos sonhos; Um reconhecimento à Associação Pais-em-Rede, pilar de todos os núcleos; Um bem-haja a todos os Lourenços e Caetanas, que fazem a diferença e nos inspiram a continuar a promover a igualdade de oportunidades…

.. Capacitando famílias, mudando comunidades!


Título: O Enigma de Caetana Texto: Ângela Silva Pinho Ilustração: Vítor Lopes Edição: Desigm - Comunicação e Publicidade Produção: Desigm - Comunicação e Publicidade Núcleo Pais-em-Rede de Mangualde 1ª Edição Depósito Legal: 476868/20 DEZEMBRO 2020


“A vida é um enigma que desvendamos à medida que a vivemos. Ao longo do nosso percurso, apanhamos as peças que, aparentemente soltas, fazem um puzzle maravilhoso. Construímos e descobrimos, todos os dias, mais um bocadinho… e a magia vem exatamente de acreditarmos que, no final, todas as peças se encaixarão. É assente nestes pilares que surge este livro; uma história que pretende apresentar e explicar o autismo aos mais pequenos... e desafiar e inspirar os mais crescidos a ver o mundo através das lentes de uma criança.” Ângela Silva Pinho “Quando me perguntaram se queria ilustrar outro livro, eu fiquei muito contente. Adorei a ideia e gostei muito da história. Foi uma experiência muito boa. Estou pronto para repetir.” Vítor Lopes

APOIO:


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.