História da arte I

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História da Arte I: da Pré-história a Idade Média Professoras autoras Ms. Lisa Minari Hargreaves e Ms. Maria Goretti Vieira Vulcão


Apresentação Você já pensou em qual será a primeira pergunta que seus alunos do ensino fundamental farão quando você se apresentar como o “professor de arte”? O que será que aqueles olhos atentos, ainda sem muita intimidade, poderiam esconder? Essa pergunta sempre me lembra de uma amiga professora chamada Mara, que em sua primeira entrevista, na primeira escola que poderia lhe dar o primeiro emprego, no primeiro encontro com seus possíveis primeiros alunos, sob o olhar atento de sua primeira supervisora, passou por uma situação, no mínimo, intrigante. A sala de aula estava repleta de crianças da pré-escola animadas com a primeira aula de artes do semestre, até que uma pequena criatura, carregando um sabonete molhado, cheio de espuma, aproximou-se, puxou seu jaleco e perguntou de baixo para cima: – Ô Tiiii... a! Por que o sabão é verde e a espuma é branca? A situação exigia conhecimento, habilidade e rapidez. Mas depois de um longo silêncio, Mara respondeu com um sorriso sem graça: – Há, provavelmente, uma reação química onde as moléculas de água diluem a matéria com a qual é feito o sabão, e com a fricção, e a temperatura... De repente, ela interrompeu seu discurso e, depois de um longo suspiro, Mara sentenciou por entre dentes: – Querida, a tia vai pesquisar melhor sobre esse assunto e, no nosso próximo encontro, eu poderei te dar uma resposta mais completa, tá certo? Agora vamos brincar de massinha? A sala de aula nos reserva surpresas, por isso algumas questões conceituais devem ser devidamente esclarecidas antes que tenhamos que enfrentar nossos doces pupilos, que adoram transitar por entre nossas “pequenas” contradições. Transitar por essas “pequenas” contradições é o nosso convite para inicio de viagem... Sejam Bem-Vindos!


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DADOS DA DISCIPLINA EMENTA Arte das civilizações antigas; Arte das civilizações orientais; Arte da antiguidade clássica greco-romana; Arte medieval cristã: arte paleocristã, estilos bizantino, romântico e gótico. Objetivos Compreender possíveis razões do surgimento das primeiras imagens feitas pelo homem (pinturas e esculturas). Refletir sobre os processos de organização do homem da Pré-História até o fim da Idade Média por meio do estudo das imagens produzidas nesse período. Analisar organização sóciopolítica e cultural do homem da Pré-História à Idade Média, através da iconografia produzida nesse período, o culto, o coletivo e a individualização. Unidade 1: PARA QUE SERVE UMA HISTÓRIA DA ARTE? 1.1. O Paleolítico – A Idade da Pedra Lascada 1.2. O Neolítico – A Idade da Pedra Polida Unidade 2: MAS O QUE É CIVILIZAÇÃO? 2.1. Um olhar sobre a arte no Egito Unidade 3: MAS ENTÃO O QUE É BELO? 3.1. Um olhar sobre a arte na Grécia Unidade 4: O GRANDE IMPÉRIO DA ANTIGUIDADE 4.1. Um olhar sobre a arte em Roma Unidade 5: NASCIMENTO DO CRISTIANISMO 5.1. Um olhar para a arte Medieval 5.2. Arte Bizantina 5.3. A arte Românica 5.4. A arte Gótica

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UNIDADE 1 Mas para que Serve uma História da Arte?

Figura 1 – Marcel Duchamp. “A Fonte”. 1917. Ready Made.

Debruçarmo-no sobre os diversos conceitos acerca da arte e suas possíveis funções não é tarefa muito fácil no ambiente consumista e pragmático criado pelos valores da sociedade burguesa. “A poesia é indispensável. Se eu ao menos soubesse para que...” O paradoxal epigrama de Jean Cocteau demonstra que esses temas já ocuparam muitas mentes em inúmeros tratados de estética que buscavam, num primeiro momento, definir um conceito preciso sobre o tema, sem muitas vezes considerar as múltiplas ligações simbólicas que se estabelecem quando nos colocamos diante de uma obra de arte ou de uma imagem. Minha amiga Ariadne, com seu adorável e eficiente raciocínio “cartesiano”, especializado em problemas sobre a Receita Federal via SERPRO, ligou-me outro dia, entusiasmada, convidando-me para visitar uma nova exposição de arte contemporânea no Centro Cultural Banco do Brasil: – Visitando a exposição na sua companhia, eu, finalmente vou, poder dizer se gosto ou não de “arte contemporânea”, você me explica tudo e eu vou entender. Não quero parecer grosseira, mas, por enquanto, não entendo nada daquela parafernália, acho tudo muito esquisito e desnecessário. E mais, não levaria “aquilo” para enfeitar minha casa nem morta! Nesse breve diálogo, encontramos algumas das questões mais comuns relacionadas à arte que muito nos interessam. É certo que minha amiga “Dinha” sabe reconhecer muitas “obras de arte” e artistas, tais como Guernica de Picasso, Mona Lisa de Leonardo da Vinci, os afrescos da Capela Sistina de Michelangelo, Salvador Dali, Monet e Frida Kahlo. Todas essas obras e seus autores são, amplamente, reconhecidos e admirados sem que nos preocupemos com uma definição precisa sobre o conceito de arte. Sem pensar muito, admitimos que, em nossa cultura, desenvolvemos uma “noção” que privilegia determinadas “manifestações” diante das quais nosso sentimento é, frequentemente, de admiração. Definimos também locais apropriados onde a arte pode se “manifestar”, como museus, galerias, salas de concerto, cinemas, teatros.


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Mas, e se o filme for uma dessas “banalidades comerciais”? Se a música for a “boquinha da garrafa” ou se o artista for um certo Marcel Duchamp, com seu mictório de louça igual a tantos outros? (Figura 1) Talvez minha amiga “Dinha” não se dê conta do “poder” do discurso sobre o objeto artístico proferido por críticos, historiadores da arte, peritos e curadores, que, do alto de sua incontestável autoridade, são capazes de movimentar milhões que causariam inveja nos maiores sonegadores da Previdência. Para Jorge Coli, “o importante é termos em mente que o estatuto da arte não parte de uma definição abstrata, lógica ou teórica, do conceito, mas de atribuições feitas por instrumentos de nossa cultura, dignificando os objetos sobre os quais ela recai” (COLI, 2000, p.11). Evidentemente que os discursos artísticos não são e não podem ser limitados pela atuação desses instrumentos culturais. Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre a historiografia da arte e a reformulação de suas bases epistemológicas, debate impulsionado pela necessidade de uma revisão crítica sobre as regras, a natureza e o método que problematizam e viabilizam a relação entre o sujeito e o objeto a ser pesquisado. As indagações sobre os procedimentos metodológicos a serem utilizados na discussão sobre arte foram inauguradas em 1555, por Giorgio Vasari, em sua obra Vida dos Artistas – As Vidas dos melhores pintores, escultores e arquitetos. Sua obra se configura como a primeira dedicada à história da arte, na qual ele constrói uma obra bibliográfica sobre a Renascença Italiana e seus artistas, baseando seu texto em premissas antropocêntricas, típicas desse período, que destacam o papel social dos artistas. Vasari buscou em seu texto estabelecer um novo status para a Arte e para os Artistas, desenvolvendo processos de legitimação em busca de sua imortalidade. Os fundamentos para o estudo da história da arte foram estabelecidos, no século 18, por Johann Winckelmann, que foi o primeiro estudioso a aplicar, de forma sistemática, categorias de estilo à história da arte. Nesse período, os estudiosos da arte buscavam, sobretudo, analisar épocas em que determinados “estilos estéticos” predominavam e identificá-los como “movimentos”. Esses fundamentos estavam, normalmente, associados às áreas mais tradicionais da arte, como a pintura, a escultura e a arquitetura. Ao estudarmos antropologia cultural, vimos que “os comportamentos sociais são produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura” (LARAIA, 2001). Nossa cultura depende de um aprendizado, e a arte registra as ideias e os ideais das diferentes culturas. Nela encontramos elementos simbólicos que podem ampliar nossa percepção sobre a história do homem e do mundo, além de caracterizar-se como fonte histórica não escrita, ou seja, regis149


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tro da atividade humana que não utiliza a escrita, como, por exemplo, pinturas, esculturas, vestimentas, armas, músicas, discos, filmes, fotografias, etc. Todos nós, da pessoa mais humilde ao fino milionário, do analfabeto ao intelectual, construímos, diariamente, as histórias brasileira e mundial. Todos somos produtores de história, visto que ela se desenvolve em todo lugar por onde atuamos. A história é uma criação da humana sem fronteiras, como nos lembra o poeta Ferreira Gullar: “A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos gabintes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquina. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta as pessoas e as coisas que não têm voz” (Ferreira Gullar, Vanguarda e desenvolvimento) Diante da diversidade de agentes e de interesses que integram nossa história, podemos concluir que não há uma “verdade histórica absoluta”, pois, em cada época, ela vai sendo construída por diversas vozes, empenhadas em questionar o seu próprio passado, acumulando interpretações sobre os mesmos fatos, deixando que o tempo haja sobre suas particularidades. Nossos desejos, nossos planos e nossa perspectiva de futuro estão inscritos no que fazemos no presente. Nossa percepção do presente põe ordem no futuro, construímos, egocentricamente, nossa “ideia” de tempo em torno de nós mesmos, embora não tenhamos a menor ideia do que nos reserva o futuro. A sensação de progressão temporal, de duração, é construída pela ordem sequencial das lembranças, e a sua representação deve-se à memória. A passagem do tempo é, portanto, uma abstração proporcionada por diferentes sensações que se sobrepõem. Talvez os relógios “escorridos” de Salvador Dali (Figura 2) procurem revelar a fluidez temporal que permeia o tempo onírico do qual a arte também se apropria. Definir o tempo não é mesmo tarefa fácil. De acordo com os cientistas, a terra teve sua origem entre 3 e 5 bilhões de anos atrás. No entanto, é a divisão do tempo geológico em eras que nos dá uma noção linear do tempo de formação do planeta e das alterações ocorridas em sua fauna e flora ao longo do tempo. Essa é uma das concepções de tempo desenvolvidas pela humanidade ao longo da história em um momento em que o racionalismo científico se afirmava como a base de reflexão para o funcionamento do universo. Antes da palavra escrita, não era possível organizar e sistematizar o conhecimento humano. Assim, as concepções de tempo nas sociedades primitivas, antigas e medievais eram vagas e flutuantes, marcadas, so150


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Figura 2 – Salvador Dali. “A Persistência da Memória”. 1931.

bretudo, por comemorações religiosas, feiras, festas relacionadas com a colheita. A “conquista do tempo” veio com o desenvolvimento da escrita, da máquina de impressão de Gutenberg, que permitiu a criação de uma memória. O conhecimento se tornou independente do tempo, pois a história criada, cientificamente, permitia agora que os atos humanos do passado, organizados em uma sequência temporal, fossem compartilhados em diferentes lugares e em épocas distintas. O tempo cronológico, bem representado pela ampulheta, é um tempo sequencial onde o passado, o presente e o futuro se relacionam em uma ordem linear total e absoluta, onde cada acontecimento é mensurável, previsível e irreversível sob todos os pontos de vista. Essa não é a perspectiva temporal da arte. Por exemplo, para o sociólogo Pierre Francastel. É pelo tempo concebido não como uma sucessão de instantes idênticos, mas como a ligação sempre viva nas memórias individuais e coletivas, que os lugares figurativos comunicam e se ordenam em séries significativas. Como os lugares figurativos, o tempo figurativo é descontínuo. (1973, p. 58) Seguindo essa visão, o historiador deve tratar as obras de arte como objetos de civilização, que devem ser decifrados, confrontados tanto com suas fontes de origem, por vezes difíceis de reconstruir, quanto com seus próprios modos de apreciação. Não podemos conhecer uma obra de arte sem possuir um mínimo de conhecimento histórico e técnico sobre ela. 151


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E mesmo sabendo que somente alguns de seus elementos marcarão o nosso percurso, devemos nos lembrar que historiadores, críticos, curadores e estudiosos classificam os períodos, estilos ou movimentos artísticos para facilitar o entendimento das produções artísticas. Com o surgimento da tecnologia da informação e seu sistema de conectividade aberto, responsável pela introdução de novos instrumentos e ambientes de convivência em nosso cotidiano, ocorre uma nova e importante transformação na nossa concepção de tempo. De acordo com Manuel Castells, o estabelecimento de uma nova relação com o tempo “sob o paradigma da tecnologia da informação, delineado pelas práticas sociais, é um dos fundamentos de nossa nova sociedade, irremediavelmente, ligada ao surgimento do espaço de fluxos”. Essa revolução está em marcha, nosso curso de ensino a distancia é um reflexo dessas novas relações. Aqui neste ambiente, estamos reinventando o tempo na história, o tempo fragmentado da sociedade em rede. Nela o conhecimento é armazenado em códigos eletrônicos, pois ele foi liberado das limitações físicas do espaço. Pessoas distantes fisicamente podem construir um texto coletivo, e instantaneamente, em tempo real. Um tempo on-line, onde a interatividade permite ações simultâneas e mútuas, onde há quase uma concomitância na emissão e

recepção das informações.

Essas reflexões revelam-nos não só a natureza e o vigor das mudanças em curso, mas também o alcance do instrumento que estamos utilizando e aprimorando. Nosso aprendizado dependerá de nossa inquietude e curiosidade, por isso devemos nos dedicar à construção de um amplo repertório de imagens e informações acessível na rede e sujeito a “transposições, deslocamentos, superposições, rapidez e dinamismo” (PICCININI, 2004, p. 76) que estimulam interações.

1.1. O Paleolítico – A Idade da Pedra Lascada É nos últimos estágios do período Paleolítico (Paleolítico Superior), iniciado há cerca de trinta e cinco mil anos, que encontramos as primeiras produções visuais conhecidas. Esse período marca o final da última Era Glacial, onde o clima, na Europa do Norte, assemelhava-se ao clima atual do Alasca. Grandes herbívoros, renas e felinos habitavam as planícies e os vales percorridos pelos nossos ancestrais. Esses homens abrigavam-se em cavernas ou sob rochas salientes que se tornaram, com o tempo, as habitações temporárias dos primeiros grupos humanos nômades, empenhados na caça e na colheita esporádica de frutas. Segundo o sociólogo Arnold Hauser: Sabemos que era a arte dos caçadores primitivos, homens que viviam num nível econômico improdutivo e parasitário, tendo de coletar ou capturar seu alimen152


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to em vez de produzi-lo eles próprios; homens que, segundo tudo leva a crer, ainda viviam no estágio do individualismo primitivo, de acordo com padrões sociais instáveis, quase inteiramente desorganizados, em pequenas hordas isoladas, que não acreditavam em deuses, nem na existência de um mundo e de uma vida para além da morte. (HAUSER, 2003, p. 4).

É nesse contexto que parecem surgir as primeiras manifestações visuais ocidentais, fruto da elaboração de homens que “adquiriram” um nome classificatório relacionado à localidade geográfica que os abrigava (como, por exemplo, no caso dos aurinhacenses e os madalenianos) e na qual deixaram vestígios e “marcas” entre as quais, é fundamental ressaltar, desenhos, pinturas e artefatos. Segundo o historiador da arte Ernst Gombrich, para tentar entender a produção desse período é necessário voltar nosso olhar para “Tudo o que realmente precisamos é ser profundamente honestos e examinar se em nosso íntimo não se conserva algo de ‘primitivo’. Em vez de começarmos pela Era Glacial, comecemos por nós mesmos”. (GOMBRICH, 1999, p. 40). A ideia de mergulhar numa experiência que ainda hoje pertence ao nossos repertórios cultural e comportamental parece, segundo o autor, aproximar-nos da produção do Paleolítico, que se organizava em volta da experiência mágica. A estranha sensação que, frequentemente, sentimos em perfurar os olhos de um retrato (seja ele uma pintura ou uma fotografia) ou em rasgar a imagem de uma pessoa conhecida parece contribuir com ideia de que “Subsiste algures a sensação de que o que se faz ao retrato é infligido à pessoa que ele representa” (GOMBRICH, 1999, p. 40). A esse respeito, é importante ressaltar que, em diferentes lugares, feiticeiros, bruxos e pajés recorrem, ainda hoje, à magia como prática ritualística nas dinâmicas sociais do grupo, tornando-a importante elemento constitutivo na formações cultural e comportamental do indivíduo. A utilização de imagens ou bonecos moldados a partir de diferentes matérias, como substitutivos do ser real pode ser percebida, por exemplo, nos rituais vudu praticados nas Antilhas ou nas fogueiras do dia de Guy Fawkes (5 de novembro) da Grã-Bretanha. Nessas ocasiões o artefato antropomorfo substitui a pessoa real “adquirindo” suas qualidades e características peculiares. Durante o processo, o grupo (como no caso do Dia de Guy Fawkes) ou o feiticeiro (como no caso da cerimônia voodoo) adquire um amplo poder de ação sobre o indivíduo a ser atingido, que é identificado, durante o ritual, na imagem ou no artefato. Furar, golpear, queimar as representações do indivíduo seriam, portanto, ações direcionadas à pessoa real, que passaria a sofrer as consequências desses atos.

Segundo Gombrich e Hauser, a produção do Paleolítico estava, fortemente, conectada aos rituais mágicos, em que a imagem tinha

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um papel principal na concretização do desejo de dominação por parte do homem sobre a natureza. Para Hauser: As pinturas faziam parte do aparato técnico dessa magia; eram a ‘armadilha’ onde a caça tinha que cair, ou melhor, eram a armadilha com o animal já capturado – pois o desenho era, ao mesmo tempo, a representação e a coisa representada, o desejo e a realização do desenho. O caçador e o pintor do período Paleolítico pensavam estar na posse da própria coisa na pintura, pensavam ter adquirido poder sobre o objeto por meio do retrato do objeto. Acreditavam que o animal verdadeiro realmente sofria a morte do animal retratado na pintura. A representação pictórica nada mais era, a seus olhos, do que a antecipação do efeito desejado; o evento real tinha de se seguir, inevitavelmente, à ação mágica da representação, ou melhor dizendo, aquele estava implícito nesta, uma vez que estavam separados um do outro apenas pelos meios supostamente irreais do espaço e do tempo. (HAUSER, 2003, p. 4).

Nesse contexto, é importante frisar que, para o homem do Paleolítico, a imagem não era uma simples representação do animal, mas o próprio animal carregado de todas as suas características e peculiaridades, ser admirado e temido, fonte imprescindível de sobrevivência. A esse respeito, lembramos as palavras do filósofo e escritor Fischer: “Não se tratava na pintura Paleolítica de um prazer estético da criação; a coisa era mais profunda e mais séria, mais aterradora do que tal prazer: era matéria de vida ou de morte, de subsistência ou extinção para a coletividade.” (FISCHER, 1973, p. 184). As primeiras representações visuais da “nossa” história ocidental, além de estabelecerem uma conexão íntima entre caça e magia, pareciam estabelecer uma forte relação entre semelhança pictórica e poder de ação sobre o animal representado (para Fischer, a semelhança era uma “obrigação mágica”). Dessa forma, explica-se, talvez, a maneira (que hoje definimos de naturalista) de pintar e de desenhar os animais por parte do homem do Paleolítico. No contexto do ritual, a semelhança entre o animal real e sua representação era fundamental para o sucesso da caçada, e isso parece ser evidente, segundo Hauser, no fato de que essas pinturas eram, frequentemente, representadas com o corpo transpassado por lanças e flechas ou eram alvejadas com essas armas logo após sua conclusão, em suma, uma verdadeira “matança em efígie”. (HAUSER, 2003, p. 7). Apesar das tentativas de se categorizar essas primeiras produções, nosso conhecimento a seu respeito ainda é precário, por isso torna-se difícil organizar as pinturas e os desenhos do Paleolítico em estilos definidos. Conhecemos, porém, os temas preferidos pelos primeiros pintores que viviam na Europa do norte cerca de trinta e cinco mil anos atrás. Foi com a retratação de animais, como bisões, mamutes, renas, veados, touros, cavalos, cabras selvagens, que os pintores do Paleolítico 154


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aprimoraram sua capacidade de expressar-se por imagens na tentativa de criar a ideia de movimento, de ritmo, de espaço e sugerir a narrativa dos eventos. Ainda hoje, ao olharmos os artefatos pré-históricos, oriundos de contextos de vida inimagináveis por nós, somos tocados por um sentido de harmonia, pela concepção e realização inteligente do trabalho e pela beleza e íntima verdade de formas tão apropriadas quanto significativas. (OSTROWER,1996, p. 282).

Analisando o processo criativo e a produção visual Paleolítica, é possível perceber que os pintores desse período adotavam diferentes maneira de pintar e de desenhar. Em muitas grutas da França e da Espanha próximas dos Pirineus e habitadas por seres humanos entre 30 e 17 mil anos atrás, observam-se representações de animais que revelam a utilização, por parte do pintor, de técnicas diversas (Figura 3). Nesse contexto, observa-se o uso da técnica da pontuação, que consistia no uso de uma série de pontos coloridos para realizar o contorno de uma figura; da técnica da pontuação esfumaçada, em que cor passava de um ponto a outro seguinte, criando uma sensação de continuidade linear; e da técnica da pura linearidade, que revelava a utilização da linha contínua na realização do contorno e das silhuetas das figuras. Essas diferentes maneiras de pintar e de representar o mundo são definidas, hoje, como exemplos de Arte perigordiana, devido ao fato de ter sido encontradas, em sua grande maioria, nas cavernas pertencentes ao Departamento de Périgord, na França. No final do período da produção perigordiana (17 mil anos atrás), foram realizados inúmeros exemplos de pinturas sobre pedra chamadas também de pinturas rupestres (do latim rupes = pedra). As mais famosas pertencem à gruta de Lascaux, na França, e datam de, pelo menos, 17 mil anos atrás. Em vista da utilização de técnicas diferentes, é possível pensar que os desenhos e as pinturas de Lascaux não foram obras de um único indivíduo ou grupo de indivíduos e que, provavelmente, foram realizados em períodos sucessivos.

Figura 3 – Entrada da caverna de Lascaux, França.

Figura 4 – Pinturas Rupestres na gruta de Lascaux, França. Por H.W. E Anthony Janson.

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É interessante notar que as pinturas e os desenhos mais recentes revelam, na composição, uma profusão maior de detalhes. As figuras, que apresentam um surpreendente senso de articulação entre si, transmitem a ideia de movimento, criando, na parede, uma imagem dinâmica (Figura 4). Constatamos, nessas produções visuais, a frequente representação do volume, do espaço tridimensional e do escorço, tornando a representação da figura cada vez mais parecida com sua forma real. A partir desse momento, inicia-se o Período magdaleniano (nome originado do sítio arqueológico de La Madeleine, na França), durante o qual foi produzido outro grande ciclo de pinturas pré-históricas: o da gruta e Altamira na Espanha. É, principalmente, na Espanha que, por volta de 10 mil a. C., começamos a perceber a presença do ser humano nas pinturas (que agora são realizadas, em sua maioria, nas encostas rochosas de desfiladeiros). Os caçadores juntam-se aos animais em cenas de caça, em que grupos de indivíduos são representados, visualmente, em maneira linear, simplificada, privada de detalhes, mas que expressa a vitalidade do movimento e a energia da ação humana perante a natureza. Segundo o sociólogo Hauser, os pintores e desenhistas do Paleolítico eram caçadores profissionais, já que suas pinturas revelavam um profundo conhecimento anatômico dos animais. Se, como supomos anteriormente, existia uma relação entre a representação do animal e o processo mágico, então parece possível que os indivíduos que produziam essas imagens fossem considerados como pessoas dotadas de poderes mágicos e venerados como tais. Em seus estudos, Hauser aponta para a aquisição de um status que acarretava diversos privilégios, entre os quais uma parcial isenção das tarefas cotidianas. O aprimoramento constante das técnicas e a diversificação da capacidade de representação atestam que as pinturas não eram elaboradas por diletantes, mas por especialistas treinados que passaram boa parte da vida aprendendo e praticando a tarefa de pintar e desenhar (seria isso um “dom” ou uma capacidade adquirida por meio da prática?). Parece que esses “artistas” (ou como quer que fossem chamados, afirma Hauser) constituíam uma classe profissional; os muitos esboços e desenhos “corrigidos” parecem apontar para uma atividade educativa que envolvia escolas, professores, alunos e tendências e tradições locais. Segundo Hauser, o artista-mago parece ter sido “o primeiro representante da especialização e da divisão de trabalho.” (HAUSER, 2003, p. 19). Por possuir qualidades e dotes fora do comum, o artista-mago parece ter sido o precursor da classe sacerdotal, detentora não somente de aptidões e conhecimentos especiais, mas também de um poder que o isentava das tarefas comuns. A sociedade que legitima o papel do artista-mago e se articula em volta dele e de suas atividades parece, segundo Hauser, poder “se dar o luxo” de manter especialistas (afinal, o artista-mago contribuía muito 156


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pouco a nível “prático” na sustentação da comunidade) e denota, ao mesmo tempo, uma possível abundância em relação aos meios de subsistência e, portanto, um certo alívio no que diz respeito à angústia originada pela busca de alimentos. As pinturas do Paleolítico encontram-se, em sua maioria, em cavernas subterrâneas, portanto, às escuras. Os arqueólogos descobriram que os artistas-magos pintavam com a ajuda de pequenas lâmpadas de pedra cheias de banha ou de tutano. O contorno das figuras era talhado na pedra ou desenhado por meio de finas linhas de tintas sopradas na parede com um caniço oco. A tinta era obtida a partir da utilização do ocre, um mineral que podia ser socado até virar pó, produzindo, desta maneira, pigmentos vermelhos, amarelos e marrons. A cor preta parece que era obtida a partir do pó de carvão vegetal e era utilizada, frequentemente, como linha demarcadora dos contornos das figuras. Segundo estudos recentes, parece que os artistas costumavam esfregar com as mãos os pigmentos nas paredes das cavernas, chegando a um resultado parecido com o que hoje é obtido quando usamos a técnica do pastel (gradação de tons suave e delicada). Parece, porém, que, em outras ocasiões, os pigmentos eram misturados a alguma forma de fluido aderente (veículo) e aplicados com pincéis feitos de cerdas ou caniços. No que diz respeito à produção visual do Paleolítico, é importante lembrar a presença das mãos em negativo (Figura 5). Após obter o pigmento colorido a partir da trituração dos minerais, os artistas os sopravam, por meio de um canudo, sobre a mão apoiada na parede da caverna. A região em volta da mão ficava colorida e a parte coberta, não. Dessa maneira, obtinha-se uma silhueta da mão, como num filme em negativo. Desconhecemos a razão da produção desse tipo de pintura, mas uma coisa parece clara: existia a necessidade de testemunhar a presença do indivíduo por meio de marcas específicas. Mesmo não sabendo o objetivo desse gesto, visível até hoje nas paredes das cavernas, percebemos sua importância na tentativa da compreensão de uma história da visualidade e de seu contexto.

Figura 5 – Mãos em negativo. Caverna de Lascaux, França.

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para refletir Existem muitas coisas que nos deixam confusos a respeito das pinturas das cavernas. Por que estão localizadas em locais tão inacessíveis? E por que transmitem uma sensação tão maravilhosa de vida? O ato de “matar” não poderia ter sido praticado com a mesma eficácia em imagens menos realistas? Talvez as pinturas madalenianas das cavernas sejam a fase final de um desenvolvimento que começou como simples magia para matar, mas que mudou de significado quando os animais começaram a escassear (aparentemente as grandes manadas dirigiram-se para o norte quando o clima da Europa Central ficou mais quente). Se foi assim, o objetivo central das pinturas de Lascaux e de Altamira pode não ter sido de “matar”, mas de “criar” animais – aumentar seu número. Será que os madalenianos tinham que praticar sua magia propiciatória de fertilidade nas entranhas da Terra por pensar que ela fosse uma coisa viva de cujo útero surgem todas as outras formas de vida? Isso ajudaria a explicar o admirável realismo dessas imagens, pois um artista que acredita estar realmente “criando” um animal tem maiores probabilidades de lutar por essa qualidade do que outro que simplesmente produza uma imagem para ser morta.Algumas das pinturas das cavernas dão-nos até mesmo uma indicação da origem dessa magia de fertilidade: a forma de um animal, frequentemente, parece ter sido sugerida pela formação natural da rocha, de forma que seu corpo coincida com uma saliência ou que seu contorno seja um veio ou uma fenda. Um caçador da Idade da Pedra, com a mente repleta de pensamentos sobre as grandes caçadas das quais dependia para sobreviver, muito provavelmente reconheceria tais animais entre as superfícies rochosas de sua caverna e atribuiria um profundo significado à sua descoberta (JANSON,1996, p. 16).

Além das pinturas e dos desenhos em grandes proporções encontrados nas cavernas, os homens do Paleolítico criaram pequenas esculturas, em sua maioria do tamanho de uma mão. Não sabemos se quem produziu esses artefatos eram os mesmos homens que pintavam os animais nas paredes rochosas ou se eram indivíduos (ou grupos) que se dedicavam, exclusivamente, a esculpir figuras na pedra; tampouco, conhecemos seu status social ou o objetivo pelo qual executavam tais artefatos encontrados nas cavernas ou nos seus arredores. Percebemos, porém, na maioria desse tipo de produção, a tendência em reproduzir uma temática recorrente: a figura feminina e seus atributos físicos. Segundo Janson, essas esculturas devem sua origem a semelhanças casuais. Os seixos coletados pelos homens, e nos quais era enxergada uma qualidade representacional “mágica”, parecem ter inspirado as peças que, num período posterior, tornaram-se cada vez mais trabalhadas e detalha-

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das, mas que continuavam refletindo um certo aproveitamento da estrutura original da pedra coletada. Os trabalhos de escultura do Paleolítico Superior revelam a ausência da figura masculina. Nesse tipo de produção, predominavam as figuras femininas, com a cabeça surgindo como prolongamento do pescoço, seios volumosos, ventre proeminente e grandes nádegas. A retratação “exagerada” dos atributos femininos destinados à reprodução (ventre e órgãos genitais) e à amamentação (seios) induz a pensar que essas pequenas estátuas fossem relacionadas ao culto da fertilidade, fundamental para a sobrevivência do grupo. Dentre os trabalhos de escultura mais conhecidos desse período, destacam-se a Vênus de Willendorf (Figura 6) e a Vênus de Savignano. 1.2. O Neolítico – A Idade da Pedra Polida Aproximativamente entre 10.000 e 5.000 a.C., o período Paleolítico chegou ao fim. Os homens começaram as primeiras tentativas de domesticar animais e cultivar cereais, atividades consideradas revolucionárias na história humana. O homem do Paleolítico era, basicamente, um caçador nômade, coletor esporádico de alimentos, sempre à mercê de forças que ele não compreendia e não controlava. Tendo conseguido garantir sua provisão de alimentos, os homens estabeleceram-se em comunidades permanentes nas aldeias; uma nova organização coletiva e a crescente disciplina voltada para suas atividades passaram a fazer parte de sua vida. Para Janson há uma diferença básica entre o Paleolítico e o Neolítico, e ela se refere, sobretudo, à produção dos artefatos. Embora o homem ainda utilizasse a pedra como recurso para a produção de seus principais utensílios e armas, a nova maneira de organizar sua vida possibilitou um grande número de habilidades e invenções, como: a cerâmica, a tecelagem e a fiação, e os métodos básicos de construção arquitetônica. Os artefatos de pedra adquiriram um requinte técnico cada vez maior, sofrendo um aumento de produção no âmbito da comunidade. No que diz respeito à pintura, diferentes mudanças de representação caracterizaram a produção visual desse período que inaugura um tipo de retratação geométrica e abstrata, revelando, frequentemente, uma função principalmente decorativa. As inovações no Neolítico referem-se a: Instrumentos de pedra – aperfeiçoamento de uma série de instrumentos feitos com pedra polida, como facas, machados, foices, enxadas e moinhos de pedra. Cerâmica – a necessidade de cozinhar e armazenar alimentos levou o homem a criar recipientes que suportassem o calor do fogo e pudessem

Figura 6 – Vênus de Willendorf. Paleolítico, Museu de História Natural, Viena. Lascaux, França.

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conter líquidos. Desenvolveu-se, então, a técnica de aquecer a argila no fogo, nascendo daí a arte do ceramista e os primeiros vasos cerâmicos. Tecelagem – durante o Paleolítico as roupas eram feitas principalmente de pele de animal (couro). No Neolítico, o homem começou a fiar e tecer as primeiras vestimentas de linho, lã e algodão. Casas e aldeias – utilizando materiais, como madeira, barro e pedra, o homem passou a construir, sistematicamente, suas casas. O interesse pela construção de moradias fixas está ligado ao processo de sedentarização das aldeias agrícolas. A vida social tornou-se mais complexa com o aumento da divisão do trabalho e o aperfeiçoamento de novas funções. Vida espiritual – a vida do homem passou a refletir novas preocupações sociais, como: a variação do tempo durante o ano, a fertilidade das sementes e do solo, a saúde e a reprodução do rebanho, o controle dos excedentes (sobras) de alimentos, etc. Por meio de ritos mágicos religiosos, invocavam a proteção de “forças sobrenaturais” para ajudar na resolução dessas preocupações. O grande círculo de pedras em Stonehenge (Figura 7), no sul da Inglaterra, é o mais bem preservado entre os vários monumentos megalíticos, ou “de grandes pedras”. Aparentemente, sua função era religiosa e sua construção o reflexo de um tipo de fé que, segundo Janson, literalmente, “move as montanhas”. A inteira estrutura é voltada para o ponto exato em que o sol se levanta no dia mais longo do ano, o que leva a crer que o lugar servisse como espaço de adoração ao sol. olho vivo É importante lembrar que, já no final do Paleolítico, encontramos as três formas básicas de representação desenvolvida: a imitativa, a informativa e a decorativa, em outras palavras, a semelhança naturalista, o sinal pictográfico e o ornamento abstrato. Hauser afirma que as formas de transição entre naturalismo e geometrismo correspondem a fases intermediárias que levam de uma economia de exploração para uma economia de produção.

O fato de considerar Stonehenge como um exemplo de arquitetura é uma questão de definição, talvez seria importante substituir a ideia vigente de arquitetura (interior fechado que participa de nossas ações e vivências cotidianas) para pensar na definição criada pelos gregos. Janson, a esse respeito, é muito claro: “Para eles [os gregos] ‘arquitetura’ 160


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significava algo mais que a ‘textura’ convencional (isto é, construção ou edificação), uma estrutura diferenciada daquele de tipo exclusivamente prático e cotidiano, em termo de escala, ordem, permanência ou suntuosidade de propósitos. Um grego, certamente, chamaria Stonehenge de arquitetura. E, para nós, também não seria difícil fazer o mesmo, se compreendemos que, para definir ou articular o espaço, não é necessário fechá-lo. Se a arquitetura é ‘a arte de adaptar o espaço às necessidades e aspirações humanas’, então Stonehenge faz mais do que preencher esses requisitos.” ( JANSON, 1996, p. 18).

Figura 7 – Stonehenge. Wiltshire, Grã-Bretanha.

olho vivo A Idade dos Metais é o último período da Pré-História e caracteriza-se pelo processo de fundição dos metais: cobre, bronze e ferro. O desenvolvimento da metalurgia representa um enorme progresso tecnológico por uma razão básica: certos materiais, embora duros como a pedra, têm a vantagem de ser modelados da forma que se desejar, durante o processo de fusão. Assim era possível fazer com o metal toda uma série de instrumentos e objetos como: panelas, vasos, enxadas, machados, pregos, agulhas, facas e espadas.

saiba mais Algumas Considerações Sobre A Produção Visual do Período Neolítico Por Arnold Hauser: “A visão mágica do mundo monista vê a realidade na forma de uma tessitura simples, de uma sequência contínua e coerente; o animismo, porém, é dualista, forma seu conhecimento e suas crenças num sistema de dois mundos. A magia é sensualista e atém-se ao concreto; o animismo é espiritualista e tende para a abstração. No primeiro caso, o pensamento centra-se na vida deste mundo; no segundo, a preocupação dominante é a vida no outro mundo. Essa é a principal razão por que a arte paleolítica reproduz as coisas com exatidão e realidade, ao passo que a arte neolítica opõe um supermundo estilizado e idealizado

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à realidade empírica corrente. Mas isso constitui o começo do processo de intelectualização e racionalização em arte: a substituição das representações e formas concretas por sinais e símbolos, abstrações e abreviações, tipos gerais e signos convencionais; a supressão de fenômenos e experiências diretamente vivenciados por pensamento e interpretação, acentuação e exagero, distorção e desnaturalização. A obra de arte deixa de ser puramente a representação de um objeto material para tornar-se a de uma ideia, não meramente uma reminiscência, mas também uma visão; por outras palavras, os elementos não sensoriais e conceptuais da imaginação do artista substitui os elementos sensíveis e irracionais. E, desse modo, a pintura é, gradualmente, convertida numa linguagem simbólica pictográfica, a profusão pictórica é reduzida a uma espécie de taquigrafia não pictórica ou quase não pictórica. Em última análise, a mudança neolítica de estilo é determinada por dois fatores: primeiro, pela transição de uma economia parasitária, puramente consumptiva, dos caçadores coletores, para a economia produtiva e construtiva dos criadores de gado e cultivadores da terra; segundo, pela substituição da concepção monista, dominada pela magia, por uma filosofia dualista de animismo, ou seja, por uma concepção duma representação de mundo que é, intrinsecamente, dependente do novo tipo de economia. (...) O camponês do neolítico já não precisa dos sentidos aguçados do caçador; sua sensibilidade e dotes de observação declinam; outros talentos – sobretudo, o dom de abstração e o pensamento racional – adquirem maior importância tanto em seus métodos de produção quanto em sua arte formalista, estritamente concentrada e estilizadora. A diferença mais fundamental entre essa arte e o naturalismo é que ela representa a realidade como uma confrontação de dois mundos, não como uma representação de completa homogeneidade. Com seu irrefreável anseio formalista, rechaça a aparência normal das coisas; deixa de ser imitadora para ser antagonista da natureza; não promove uma continuação da realidade, mas opõe-se-lhe com um modelo autônomo de sua própria criação.” (HAUSER, 1996, pp. 13-15).

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UNIDADE 2 Mas o que é Civilização?

Outro dia, minha mãe assistia na televisão ao show da banda Cannibal Corpse, uma banda norte-americana de death metal formada na década de 1980. Minha mãe mantinha os olhos fixos na imagem da tv, respiração suspensa e boca levemente aberta. O som ensurdecedor das guitarras invadia a sala, a agressividade movimentada das imagens provocava uma sutil dilatação das pupilas da espectadora petrificada. Os jovens cantores agitavam, freneticamente, suas fartas cabeleiras acompanhados por uma plateia ensandecida, que parecia completamente entregue e hipnotizada pela voz rouca e grave do vocalista George Fisher. Minha mãe, sempre tão agitada e falante, estava muda e catatônica. – Mas o que é isso? Que música é essa? Balbuciou enfim a velha senhora. – Aquele rapaz vai engolir o microfone. Isso não é música de gente civilizada. Essa gente não tem a menor noção do que é música e civilidade. Essas frases mórbidas falando de morte, violência e terror apavoram qualquer cristão! Embora eu tenha entendido, perfeitamente, o significado que minha mãe atribuiu ao comportamento dos jovens roqueiros, aqui em nosso estudo o vocábulo civilização, derivado do latim civita, que designa cidade, e civile (civil), o seu habitante, terá um sentido um pouco diferente, embora no raciocínio superficial de minha mãe, o som do Cannibal Corpse seja o resultado de um surto psicótico-social, que promove a desagregação do ser humano consigo e com seu meio. Para nós pesquisadores da arte, comprometidos com uma visão mais democrática sobre “diversidade cultural”, o conceito de civilização passa pela existência das primeiras cidades, ou melhor, é um estágio da cultura humana, em quepercebemos a existência de uma organização política mais complexa, principalmente se comparada à das sociedades primitivas analisada no capítulo anterior. Essa complexidade é marcada, sobretudo, pelo surgimento do Estado (dirigido por um governo que, normalmente, possui soberania reconhecida e legitimada tanto pela população interna como por outras civilizações). “Desde que o mundo é mundo, existem pobres e ricos”, dizem os filósofos de plantão, que fazem dos bares, janelas e calçadas o seu púlpito. Consideramos o aparecimento das classes sociais um dos acontecimen-


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tos marcantes do surgimento das civilizações. A revolução neolítica e seu desenvolvimento agrícola fixam as comunidades à terra, e o aprimoramento técnico faz crescer a produção de cereais, frutas e artesanato. A produção de excedente (sobras) de produtos passa a ser armazenada,

e as comunidades passam a desenvolver trocas comerciais.

Aqueles que conseguiam armazenar maior quantidade de artigos passaram a fazer o registro de peso de seus artigos, desenvolvendo a escrita, a numeração e o calendário. As diferenças entre ricos e pobres facilitou o surgimento do Estado, que, em um primeiro momento, passou a garantir a “propriedade privada” dos bens, além de atuar na administração e na defesa militar das cidades. A região do planeta onde foram encontrados registros das primeiras cidades é chamada de crescente fértil e corresponde à região do nordeste da África, às terras do corredor mediterrâneo e à região da Mesopotâmia (egípcios, babilônios, assírios, fenícios, hebreus, persas). Entretanto, encontraremos civilizações estruturalmente semelhantes na Índia, na China e na América pré-colombiana. É preciso lembrar que, por se tratar de civilizações de economia agrícola, essas comunidades eram formadas por camponeses submetidos a um regime de servidão coletiva, garantida por um Estado representado pela figura de um imperador, rei ou faraó, que se apropriava do excedente agrícola e recolhia tributos para a manutenção de sua “corte”. A servidão coletiva era a forma de “pagamento” ao rei pelo uso das terras. Esses Estados (governos) são chamados de Estados Teocráticos, ou seja, o soberano é também o sacerdote ou líder religioso que governa segundo o desejo de uma divindade. Como não teremos muito tempo para nos dedicar ao estudo detalhado de todas as civilizações mencionadas, escolhemos nos aprofundar um pouco mais no estudo de duas regiões (Egito e Mesopotâmia) onde encontraremos, em diferentes períodos, civilizações cujas produções artística e científica têm grande influência sobre a cultura ocidental. A civilização egípcia se desenvolveu durante mais de três mil anos no árido nordeste da África, em uma estreita faixa de terra fértil ao longo do rio Nilo. As enchentes do rio asseguravam a alta produtividade da terra, que era complementada pela construção de engenhosos canais de irrigação que levavam a água a regiões mais distantes. Mesmo oscilando períodos de grande poder político e decadência, os egípcios desenvolveram a matemática, a astronomia, a medicina, a engenharia hidráulica e se dedicaram à construção de grandes monumentos arquitetônicos que comprovam a amplitude de seu conhecimento científico e a complexidade de sua cultura. A sociedade egípcia era estratificada, existiam diversas camadas sociais. No posto mais alto, estava o faraó, que concentrava o poder político e era visto como um deus vivo de autoridade absoluta. Ele

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estava rodeado por nobres, sacerdotes e escribas, que participavam, cada um de sua maneira, da administração do Estado. Os egípcios eram politeístas, ou seja, adoravam diversos deuses, dentre os quais se destacam os cultos a Amon-Rá, Osíris, Ísis e Hórus. Eles acreditavam na vida após a morte, por isso criaram técnicas de conservação do corpo dos mortos, conhecidas como mumificação, para tentar garantir sua utilização após a absolvição divina. Os corpos dos nobres eram guardados em sarcófagos, dentro de túmulos e acompanhados de alimentos, roupas, joias e um exemplar do Livro dos Mortos. Os deuses egípcios eram antropozoomorfos (Figura 8), ou seja, possuíam características físicas humanas e de animais. Esse era o caso de Anúbis, filho de Seth e Nefti, mestre dos cemitérios, patrono dos embalsamamentos, que possuía corpo de homem e cabeça de chacal.

Figura 8 – Pintura do túmulo de Sennedjen, Tebas. Podemos ver o deus Anúbis, guardião das necrópoles, com seu corpo homem e cabeça de chacal, junto ao defunto já mumificado.

2.1. Um Olhar Sobre a Arte no Egito No Egito Antigo, gravação e pintura em relevo, frequentemente, aparecem juntas. Seja na produção visual do Antigo Império (4000-2050 a.C.), do Médio Império (2050-1550 a.C.) ou do Novo Império (1550-1075), a pintura fazia parte dos baixos-relevos que revestiam as paredes de edifícios destinados ao uso público ou que ocupavam o espaço ritualístico e religioso como, por exemplo, no caso das tumbas, ilustrando cenas que glorificavam o faraó ou os deuses. 165


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Uma das técnicas mais importantes utilizada pelos egípcios, na pintura sobre paredes, era a técnica do “falso afresco” (que os italianos denominaram de fresco secco). Essa técnica previa a utilização da têmpera aplicada à argamassa já seca, ao contrário do que aconteceu, mais tarde, com a verdadeira pintura a fresco (buon fresco), em que a têmpera era aplicada sobre a argamassa úmida. No decorrer de 3000 anos, a civilização egípcia pouco modificou suas técnicas e seus rígidos cânones de representação da figura humana. Assim, pode-se pensar que o artista egípcio obedecia a cânones estabelecidos e expressava, sobretudo, a sensibilidade de uma era e não sua visão particular e individual de mundo. A respeito do cânone figurativo egípcio, o historiador de arte Magalhães explica que, acima de tudo, o artista egípcio dividia o mundo visível em formas bidimensionais, que eram depois reunidas de modo a apresentar o tema de maneira claramente reconhecível. A figura humana, por exemplo, era o produto de dois pontos de vista diferentes, o frontal e o lateral. Retratavam-se os olhos, as orelhas e a parte superior do corpo virada para frente, enquanto a cabeça, os quadris e os membros eram retratados de perfil (Lei da Frontalidade). A representação por inteiro da figura humana organizava-se segundo a chamada “regra de proporção”, um rígido quadriculado com dezoito unidades de igual tamanho que garantia a repetição da forma ideal egípcia em quaisquer escala e posição. Esse sistema estabelecia as distâncias exatas entre as partes do corpo e as proporções corretas de representação. Por meio desse recurso, os artistas desenhavam o quadriculado na superfície de trabalho e então ajustavam ali dentro a figura que pretendiam desenhar, padronizando-a segundo as tendências. Na composição, as figuras eram em geral distribuídas simetricamente, e um grupo de figuras, era muitas vezes, contrabalançado por outro grupo, representado como uma imagem espelhada. Na produção visual egípcia, a linha inferior de cada tira desenhada agia como uma linha de base em que se apoiavam as figuras. A distância dos pés até esta linha determinava a profundidade da figura em relação ao pano de fundo, criando uma sensação de “espaço visual” no suporte bidimensional. Outras regras eram aplicadas, rigorosamente, na produção visual egípcia, como a de pintar a tez do rosto masculino mais escura e a do feminino mais clara. Segundo Magalhães, essa distinção, provavelmente se referia ao fato de que homens trabalhavam ao ar livre, enquanto as mulheres passavam a maior parte do tempo em lugares fechados, cuidando de assuntos domésticos. Encontra-se uma correlação semelhante na tendência em pintar as mulheres com as pernas juntas e os homens com as pernas separadas, podendo indicar que os homens eram mais ativos, enquanto as mulheres desempenhavam um papel mais passivo na sociedade egípcia. 166


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Na representação da figura humana, é importante lembrar que o tamanho da figura determinava sua importância na sociedade (hierarquia visual). Por isso, na produção egípcia, a mulher é, geralmente, representada de um tamanho menor em respeito ao marido, da mesma forma que os súditos aparecem, visualmente, inferiores se comparados com o faraó. olho vivo A seguir, os cânones de representação egípcia: Regra de Proporção; Lei da Frontalidade; Hierarquia Visual; Simetria; Profundidade Sequencial.

A vida selvagem nos brejos de papiros e o gato de caça de Nebamun são mostrados com muita minúcia, mas a cena é idealizada. O nobre está de pé em seu barco, segurando na mão direta três aves que acabou de abater e na esquerda uma espécie de bumerangue. É acompanhado pela esposa, que segura um buquê e usa um traje complexo, com um cone perfumado na cabeça. Entre as pernas, a pequena figura apanha na água uma flor de loto (a composição é um exemplo de como de convencionava determinar as dimensões das figuras conforme a hierarquia social e familiar). Na origem, a obra era parte de uma obra maior que também incluía cenas de pesca. (BECKETT, 1997, p. 12) Na Figura 9, é possível distinguir algumas das características da pintura egípcia como, por exemplo, a utilização da Lei da Frontalidade, da hierarquia visual e da profundidade sequencial (um plano visual após outro em sequência).

Figura 9 – Cena de caça a aves selvagens, Tumba de Nebamun, Tebas, Egito, 14000 a.C., 81cm de altura.

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A escultura egípcia seguia, a princípio, os cânones elaborados na pintura. A rigidez quase formal que transpirava das formas “cúbicas”, entalhadas na pedra, denotava a necessidade de preservar ad eternum a forma humana. A hierarquia visual mantida como modelo representativo revelava a posição social e familiar de cada indivíduo retratado, e a expressão que emanava do corpo e do rosto mostrava um distanciamento material que revelava o espírito divino da personalidade representada. As figuras eram, geralmente, representadas de frente ou de perfil da maneira mais clara e objetiva possível, inicialmente apoiadas de costas a um suporte de pedra (a mesma pedra usada para esculpir as figuras) e, mais tarde, chegando a distanciar-se do suporte e dando espaço a movimentos articulados.

Figura 10 – Faraó Miquerinos e sua Esposa. Gizé. C.2500 a.C. Ardósia, 1,42cm. Museu de Belas Artes, Boston, EUA. caça a aves selvagens, Tumba de Nebamun, Tebas, Egito, 14000 a.C., 81cm de altura.

Figura 11 – Mastaba Egípcia

Figura 12 – Mastaba Egípcia (interior)

Figura 13 – Pirâmide de degraus, monumento funerário do rei Djoser (Zoser). C. 2500 a.C. Construída por seu arquiteto Imhotep, em Sakkrah.

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No grupo de faraó Miquerinos e sua rainha (Figura 10), o artista deve ter começado por delinear os planos frontal e lateral nas superfícies de um bloco retangular, em seguida, trabalhado para dentro, até que esses planos se encontraram. Só desse modo, ele poderia ter obtido figuras de uma firmeza e imobilidade tridimensionais tão intensas. Que magnífico recipiente para a moradia do Ka! [a ‘alma’]. Ambas estão com o pé esquerdo para diante, e, todavia, nada leva a pensar em um movimento para frente. O grupo também apresenta uma comparação interessante entre a beleza feminina e a masculina, segundo a concepção de um excelente escultor, que não apenas soube contrastar a estrutura de dois corpos, mas também enfatizar as formas suaves e salientes da rainha através de um vestido leve e ajustado ao corpo. ( JANSON, 1996, p. 25) 2.1.1. A Arquitetura no Antigo Império Há ainda muito para se aprender sobre a origem e o significado das sepulturas egípcias. Em seu estudo, Janson deixa claro que o culto da imortalidade relacionado à construção e à manutenção de grandes e suntuosas tumbas era uma prática acessível a uma elite privilegiada, enquanto a maioria da população recorria a um tipo de tumba bem mais modesta. As sepulturas foram-se modificando, no decorrer do tempo, demonstrando, assim, a versatilidade da arquitetura sacra egípcia. A mastaba (Figuras 11 e 12) representava a forma “original” e padronizada dessas sepulturas e consistia em um túmulo de forma trapezoidal recoberto de tijolos ou pedra, onde acima era localizada uma câmara mortuária que ficava abaixo do solo e que ligava-se à mastaba por meio de um poço. No interior da mastaba, havia uma capela para as ofertas do Ka e um cubículo secreto para a estátua do morto. As mastabas reais tornaram-se cada vez maiores e mais imponentes, e logo se transformaram em pirâmides.


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O distrito funerário de Zoser (templos e outras edificações interligadas onde aconteciam grandes celebrações durante e após a vida do faraó) (Figura 13) foi criado por Imhotep, o primeiro arquiteto do qual conhecemos o nome e que trouxe diversas inovações no campo da construção, como a substituição da antiga estrutura de tijolos de argila, madeira, junco e outros materiais leves por um suporte de pedra talhada. Para Janson, o ponto culminante do desenvolvimento das pirâmides aconteceu na Quarta Dinastia. As pirâmides de Micerinos (c. 2470 a. C.), Quéfren (c. 2500 a. C.) e Quéops (2530 a. C.), conhecidas como o complexo das grandes pirâmides de Gizé (Figura 14), revelam uma forma de elaboração diferente, que dispensa os degraus e introduz paredes lisas e cobertas por um revestimento exterior cuidadosamente polido de pedra branca. (hoje visível somente na ponta das pirâmides). Talvez um dos conceitos mais, frequentemente, associados à arte para a maioria das pessoas seja o conceito de beleza. A sensação de prazer que temos quando apreciamos uma música, uma pintura, uma dança ou uma fotografia é uma sensação que muitos filósofos identificam como sendo o prazer do belo. Observando uma obra de arte, podemos até distinguir as sensações provocadas por sua cor, suas linhas e formas harmoniosas. Temos a impressão de que quem a concebeu sabia equilibrar formas, explorar significados e texturas, conceber o prazer do belo. Temos a certeza então de que, quando um objeto, uma música ou uma cena despertam essa sensação de prazer, essa emoção, temos uma autêntica manifestação artística. Ao longo de nossa vida, vamos desenvolvendo uma forma peculiar e pessoal de apreciar, esteticamente, o mundo que nos envolve, pois a estética, vista como um ramo da filosofia, tem como objeto de estudo a natureza do belo e dos fundamentos da arte. Nesse caso, a estética estuda o julgamento e a percepção do que é considerado belo.

Figura 14 – Pirâmides de Miquerinos (c. 2470 a.C), Quéfren (c. 2500 a.C) e Quéops (c. 2530 a.C).

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saiba mais A Pirâmide de degraus “Observando a Figura 15, é possível entender melhor a transformação que a arquitetura funerária egípcia sofreu no decorrer do tempo. A pirâmide de Djoser tem seis degraus e atinge a altura de cerca de 60 metros, equivalente à de um prédio de 20 andares. A base da pirâmide é retangular, medindo 125 metros na direção leste/oeste e 110 metros na direção norte/sul, totalizando uma área de 13750 m². Segundo o parecer dos especialistas, parece que o monumento sofreu modificações, no decorrer de sua construção, e algumas delas são, claramente, perceptíveis. O núcleo do monumento é uma estrutura de pedra em forma de caixa quadrada, com 63 metros de lado e oito de altura (1). Em seguida, essa base foi ampliada com mais quatro metros de cada lado. Mais tarde, na face leste (na ilustração à esquerda), houve um acréscimo de cerca de oito metros e 53 centímetros. Finalmente, foram ampliados cada um dos lados em mais três metros, aproximadamente, e foi transformada a base no primeiro estágio de uma pirâmide de quatro degraus (2). Nessa etapa, a pirâmide alcançou 43 metros de altura. Numa última fase, a pirâmide foi ampliada nas direções norte e oeste, e a altura aumentada com o acréscimo de mais dois degraus, alcançando os 60 metros (3).

Figura 15 – Gráfico demonstrativo das fases de construção da pirâmide de degraus. Por baixo da pirâmide, há uma câmara mortuária e um conjunto de passagens e pequenas câmaras usadas para armazenar o equipamento funerário e para o sepultamento dos membros da família real. De tais galerias subterrâneas, foram desenterrados, por exemplo, milhares de belíssimos pratos, travessas e vasos de alabastro, xisto, cristal de quartzo e de diversas outras pedras. No interior da maioria de tais vasilhames, não foi encontrada comida ou qualquer outra substância. Ao que parece, bastava a presença do recipiente e a recitação de uma fórmula mágica pelos sacerdotes para que se assegurasse ao rei um suprimento constante daquilo que, eventualmente, deveria estar contido nos vasos. A câmara mortuária está centralizada no fundo de um poço (4) de

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sete metros de lado e que atinge a profundidade de 28 metros. A câmara em si (5), um compartimento de aproximadamente dois metros e 97 centímetros por um metro e 67 centímetros, foi construída, inteiramente, com o granito rosa de Assuã. A altura da câmara é de um metro e 67 centímetros, e em seu teto foi feita uma abertura para permitir a descida do corpo do faraó durante o funeral. Após a colocação do corpo em seu lugar, tal abertura foi obstruída com um tampão de granito de quase dois metros de comprimento e pesando cerca de três toneladas, e todo o restante do poço foi entulhado com pedras. No interior da câmara, foi encontrado um cadáver, mas não há prova de que o corpo tenha pertencido ao faraó Djoser. No lado leste da pirâmide, foram cavados no solo onze poços (6) até a profundidade de cerca de 32 metros. Do fundo de cada poço, sai um corredor que passa por baixo da estrutura da pirâmide. No fim de um desses corredores, os arqueólogos encontraram dois ataúdes de alabastro, um dos quais continha a múmia de um menino. Era forrado com seis camadas de madeira, cada uma das quais com espessura de menos de um quarto de polegada. Tais camadas estavam unidas por meio de pequenas cavilhas de madeira e alguns vestígios sugerem que, originalmente, eram revestidas de ouro. Em alguns dos demais corredores, foram achados pedestais de pedra calcária destinados a ataúdes similares.Torna-se óbvio que os poços e corredores eram túmulos, muito provavelmente, destinados a membros da família real. O templo mortuário, destinado à prática do culto funerário do rei, era uma grande construção retangular erigida junto à face norte do degrau inferior da pirâmide, e nele se penetrava através de um umbral aberto na sua parede leste. Essa entrada não tinha porta, mas, na parede de pedra, ao lado direito do umbral, foi esculpida a imitação de uma porta aberta, na medida exata da abertura. Passada a entrada um longo corredor levava a dois pátios ao ar livre, de um dos quais uma escada descia em direção aos subterrâneos da pirâmide. Em cada pátio, havia três passagens que se abriam para uma larga galeria. Outros dois cômodos a oeste dos pátios, cada um com um tanque de pedra no piso, e um santuário completavam as dependências do templo.”

Disponível em: <http://antigoegito.tripod.com/degraus.htm> Acesso em: 30 mai 2010.

para refletir A ARTE PARA A ETERNIDADE Por Ernst Gombrich “Todos sabem que o Egito é a terra das pirâmides, essas montanhas de pedra que se erguem no longínquo da história como marcos desgastados pelas intempéries. Por mais remotas e misteriosas que pareçam, elas nos revelam

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muito da sua história. Falam-nos de uma terá que estava tão perfeitamente organizada, que foi capaz de empilhar esses gigantescos morros tumulares durante a vida de um único monarca, e falam-nos de reis que eram tão ricos e poderosos, que puderam forçar milhares e milhares de trabalhadores ou escravos a labutar para eles, ano após ano, a cortar pedras nas canteiras, a arrastá-las ao local da construção e a deslocá-las com recursos sumariamente primitivos até o túmulo ficar pronto para receber o faraó. Nenhum povo teria suportado semelhante gasto e passado por tantas dificuldades se tratasse da criação de um mero monumento. Sabemos, porém, que as pirâmides tinham, de fato, importância prática aos olhos dos reis e seus súditos. O faraó era considerado um ser divino que exercia completo domínio sobre seu povo e que, ao partir deste mundo, voltava para junto dos deuses dos quais viera. As pirâmides, erguendo-se em direção ao céu, ajudá-lo-iam, provavelmente, a realizar essa ascensão. Em todo caso, elas preservariam seu corpo sagrado da decomposição. Pois os egípcios acreditavam que o corpo tinha que ser preservado a fim de que a alma pudesse continuar vivendo no além. Por isso, impediam a desintegração do cadáver, graças a um elaborado método de embalsamar e enfaixar em tiras de pano. Era para a múmia do rei que a pirâmide fora erguida, e seu corpo ficava depositado justamente no centro da gigantesca montanha de pedra, num pétreo esquife. Em toda a volta da câmara funerária eram escritos fórmulas mágicas e encantamentos para ajudá-lo em sua jornada para o outro mundo.” (GOMBRICH, 1999)

2.1.2. O Novo Império No estudo da arte egípcia, é importante lembrar das mudanças ocorridas no decorrer do Novo Império. A arte produzida, nesse momento, abrange uma vasta gama de estilos e técnicas. Continua mantendo os cânones clássicos, mas, ao mesmo tempo, introduz elementos mais criativos e delicados. Para Janson, parece ser quase impossível fazer uma síntese em termos de amostragem representativa. O que cabe ressaltar é que o desenvolvimento do culto de Aton, representado pelo disco do sol, por parte de Amenofis 4 (mais tarde Akhenaton), trouxe mudanças no que diz respeito à representação da figura humana na pintura e na escultura. Akhenaton introduziu um novo ideal de beleza, onde a personalidade do retratado se sobressai à concepção ideal (cânone preestabelecido). Os traços são enfatizados para revelar as características interiores, e a obra do artista torna-se cada vez mais fiel ao que pode ser enxergado através do olhar sensível do que ao método conceitual. As cenas familiares e íntimas passam a construir o repertório iconográfico da produção da época, como mostra o detalhe de talha dourada e pintada (Figura 16) proveniente do trono encontrado 172


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no túmulo de Tutankhamon (sucessor de Akhenaton). Essas imagens revelam um “lado mais humano” do faraó. A representação artística encurta, parcialmente, o distanciamento criado anteriormente pelos artistas do Novo Império, mostrando momentos inéditos para os fiéis. A esse respeito, Gombrich (1999, p. 68) escreve: “Algumas de suas obras ainda têm o estilo moderno da religião de Aton, em especial o encosto do trono real, o qual mostra o rei e a rainha num idílio doméstico. Ele está sentado numa atitude que poderia ter escandalizado os rígidos conservadores do seu tempo, quase refestelado pelos padrões egípcios. A esposa não é menor do que ele e, gentilmente, coloca a mão no ombro do reio, enquanto o deus-Sol, outra vez, estende suas mãos numa benção a ambos”.

Figura 16 – Tutankhamon e sua esposa, c. 1330 a.C.

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UNIDADE 3 Mas então o que é Belo?

Figura 17 – Imagem de uma mulher na etnia Karen, Tailândia.

A beleza, decididamente, não é um valor universal. O que é belo para uma pessoa pode não ser para outra, na mesma cidade, no mesmo quarteirão, na mesma casa. Algo que emociona alguém, em um determinado dia, pode parecer uma banalidade no dia seguinte. O prazer do belo pode depender do nosso estado de espírito. O desafio é descobrir as causas e a origem desse prazer, perceber nosso gosto, isto é, com que beleza nos identificamos cultural e emocionalmente. Na Tailândia, existe um grupo chamado Karen, vinda provavelmente do norte da Ásia há muito tempo. Em um dos grupos que compõem a nação Karen, conhecido como “Karen do pescoço comprido”, quando uma menina atinge a idade de cinco anos, as mulheres da comunidade colocam argolas de bronze em volta do pescoço da garota. À medida que a menina cresce, as argolas vão-se multiplicando, e o resultado é que elas parecem ter o pescoço mais comprido que o normal, por isso são conhecidas como “mulheres girafas” (Figura 17) . Para nós ocidentais, esse bizarro hábito de “esticar” o pescoço das mulheres em busca de ideal de beleza que só tem valor dentro daquele grupo parece um absurdo, quase uma agressão contra as mulheres. Ora, antes de nos precipitar julgando os padrões de beleza dos Karen, devemos nos lembrar de nossas torturas diárias no alto de um sapato de saltos, as visitas mensais à depiladora para arrancar, dolorosamente, os pelos das pernas, das sobrancelhas, das axilas, do púbis e até do bigode. O que diriam elas, “as pescoçudas”, de nossas aplicações de botox, de nossas peças de silicone, nossa fissura por exercícios físicos e outras esquisitices mais? A beleza é um conceito cultural, mutável, uma percepção individual pautada no que é agradável aos sentidos. Essa percepção foi construída, na civilização ocidental, de maneira complexa, e reúne influências que muito podem nos surpreender. Uma das maiores influências na construção de nosso conceito de beleza encontra sustentação na beleza ideal clássica da Grécia Antiga. Os gregos introduziram o nu na arte e essa característica enfatiza a busca pelas proporções ideais das estátuas que representavam o equilíbrio, a


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racionalidade e a perfeição do corpo e da mente. A arte grega buscava então expressar um ideal de beleza, de formas perfeitas nas quais predominavam a harmonia, a simetria, o equilíbrio e a proporcionalidade. O filósofo Platão (c. 429-347 a.C.) considerava as artes imitativas, como a pintura, a música, a poesia e o teatro, um grande erro. Segundo ele, elas não teriam uma finalidade prática, presente somente nas artes não imitativas, como a arte da guerra ou a de fazer sapatos, por exemplo. Na República de Platão, em que ele descreve uma forma de organização ideal do Estado, não há lugar para as artes imitativas. Ele também as condenava por razões morais. A arte causaria o enfraquecimento moral do indivíduo ao estimular emoções como a autopiedade, a compaixão, aumentando a emotividade e diminuindo a capacidade racional, considerada a capacidade superior do ser humano, dentro da visão grega. para refletir A Relatividade da Beleza Eu tenho uma amiga chamada Raquel, que eu admiro muito, pois quando ela não se sentiu mais feliz com sua profissão, sem hesitar voltou para o banco da universidade, para enfim fazer o curso que gostava, mesmo sabendo que parte considerável de sua renda estaria comprometida com a mensalidade do novo curso. Raquel é daquelas mulheres dinâmicas, de alto astral, com “cabelinho nas ventas”, cheia de coragem e de estilo próprio. Ela me contou que outro dia estava, tranquilamente, passeando no Shopping, subindo a escada rolante, usando seus característicos óculos tipo “abelhão”, suas roupas colantes e coloridas, estilo “perua despojada”, quando no sentido contrário ao dela, uma moça tipo “patricinha” olhou-a de cima a baixo. A moça, inconformada com o que via, subiu de novo a escada rolante e, postando-se diante de Raquel, exclamou num grito: – Você é ridícula e feia! Tomada de surpresa, Raquel permaneceu em silêncio, mas assim que decidiu retrucar a “quase agressão”, observou que a moça estava transtornada e trazia na expressão as marcas de um dia infeliz. Raquel calou-se, então; ela estava tão satisfeita consigo mesma, tão segura de sua beleza, de seu estilo de vestir e de viver, que resolveu não discutir com aquela desconhecida uma questão tão polêmica.

Além de tudo, Platão julgava que as artes imitativas estavam, duplamente, afastadas da realidade. Para ele, o nosso mundo é uma imitação 175


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tosca, um simulacro, de um mundo ideal superior, o mundo das ideias ou das Realidades Supremas. Para explicar, ele fez uma analogia entre o nosso mundo e uma caverna. Imagine que alguém vivesse por toda a vida dentro de uma caverna, olhando para o fundo dela, vendo apenas as sombras projetadas pelo sol do que se encontra ao lado de fora. Essa pessoa tomaria as sombras como sendo a realidade, sem saber que se tratam apenas das sombras do que se encontra fora da caverna. Assim, para ele, o nosso mundo, o mundo dos sentidos, é apenas uma sombra de uma realidade superior, que é o mundo das Ideias Eternas. Sendo o mundo apenas um simulacro da verdade, e a arte, um simulacro desse mundo, a arte seria um simulacro de um simulacro, afastando-se, duplamente, da realidade. (Projeto Escola e Cidadania para Todos/São Paulo: Editora do Brasil, 2005) Por amor à sabedoria, os antigos gregos interpretaram, racionalmente, a realidade, com o uso sistemático da razão humana para compreender o mundo, diferente das interpretações oferecidas pelas lendas, mitos ou crenças religiosas. Assim nasceu a filosofia, filos significa amor, e sofia quer dizer sabedoria. A herança cultural deixada pelos gregos é imensa; além da filosofia, podemos mencionar a democracia, o teatro, os jogos olímpicos, muitas palavras de nosso vocabulário têm origem grega, além das bases da matemática e da física desenvolvidas por Tales e Pitágoras. A Academia original, Akademia ou Hekademeia, era, inicialmente, um parque público situado a noroeste de Atenas e dedicado a um lendário herói ateniense da guerra de Troia, Akademos ou Hekademos. Qualquer cidadão ateniense podia comprar um terreno no parque; assim, Platão comprou uma pequena propriedade na área e, em torno de 387 a.C., abriu uma escola formada por uma biblioteca, um jardim e sua própria residência. Nessa escola, professava-se um ensino informal, através de lições e diálogos entre os mestres e os alunos, onde se reuniam contribuições de diversos campos do saber como a filosofia, a matemática, a música, a astronomia e a legislação. As mais conhecidas academias gregas foram a Antiga Academia, criada por Platão, que teve entre seus mestres, além de seu fundador, o matemático Eudóxio de Cnido, e como discípulos, entre outros, Aristóteles, Xenócrates e Espeusipo; a chamada Academia do Meio, fundada pelo filósofo platônico grego Arcesilaus, e a Nova Academia, fundada pelo filósofo cético grego Carneades. Essa tradição, que deu origem a todas as academias e universidades de ensino superior do Ocidente, foi interrompida com o seu fechamento pelo imperador romano Justiniano em 529 d.C. 176


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3.1. Um Olhar Sobre a Arte na Grécia O surgimento da civilização grega abrange mais ou menos quatrocentos anos, de 1100 a.C. até 700 a.C. A partir de 800 a.C., concomitantemente ao crescimento das cidades e à expansão territorial, percebe-se uma dedicação especial à produção arquitetônica, pictórica e escultórica. No que diz respeito à pintura, esse período testemunhou o desenvolvimento de um estilo chamado “geométrico” e que aparenta ser o estilo pictórico mais antigo na produção visual grega. Na Atena clássica, a posição social e econômica dos pintores e escultores persistiu quase sem alterações, como era nas idades heróicas e homéricas, apesar da enorme importância que as obras de arte vieram a adquirir na exibição de poder da vitoriosa cidade que lhe servia de teto. A arte ainda era considerada uma simples profissão manual, e o artista um vulgar artesão que não participava no valor espiritual do conhecimento ou da educação. Ainda era mal pago, sem domicílio certo e levava uma vida errante; era pois um forasteiro, alguém estranho à cidade que o empregava. (HAUSER, 2003, p. 117). saiba mais As Cidades-Estados Observando o recortado território grego, percebemos a presença marcante do mar e das montanhas. Essas barreiras naturais podem ter dificultado a formação de um único Estado grego. Prevaleceu, na administração política grega, a formação de Cidades-estados, ou seja, cidades (polis) que, apesar de incluírem área rural e urbana, funcionavam como verdadeiros Estados independentes. Dentre as Cidades-estados podemos citar Messênia, Corinto, Tebas, Megara, Erétria, Argos, Olímpia, Esparta e Atenas. No entanto, antes do auge do poder das Cidades-estados, a principais fontes para o estudo da história da Grécia, além das escavações arqueológicas, são os poemas de Homero, a Ilíada e a Odisseia. A história da Grécia Antiga é longa e complexa, por isso, para facilitar sua compreensão, os historiadores a dividiram em quatro períodos: Homérico, Arcaico, Clássico e Helenístico. O período Arcaico marca o enriquecimento das Cidades-estados e a expansão da civilização grega por diversas regiões do litoral mediterrâneo e do Mar Negro. O período Clássico é marcado pelo esplendor da cultura grega no mundo antigo. Apesar de ter elaborado o primeiro modelo de democracia, a sociedade grega era escravista, o trabalho produtivo era considerado desprezível pelo homem livre.

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para refletir “Uns nascem para ser escravos para que os homens livres possam gozar de um modo mais nobre de vida”. (Aristóteles) Historicamente, o período arcaico vai de meados do Século VII a. C. até a época das Guerras Pérsicas, no Século V a. C. Inicia-se, então, o período clássico, que vai até o final da Guerra do Peloponeso no século IV a. C. Nesse período, é importante ressaltar o século de Péricles – ou Século de Ouro – (Século V a. C.), momento de intensa produção intelectual e artística. No final do século V a. C., com a tomada de poder de Alexandre, começa o período helenístico, acarretando diversas mudanças nas estruturas social e política e, também, na produção artística da época.

Na Grécia, como aconteceu em outras civilizações, a pintura apareceu como elemento decorativo da arquitetura. As métopas dos templos, as paredes das diferentes construções apresentavam, frequentemente, grandes painéis pintados por artistas geralmente anônimos, mas foi na cerâmica que a pintura encontrou sua grande forma de realização. É possível observar ricos exemplos de pinturas nas tigelas, nos vasos e nos recipientes de formas variadas que eram utilizados no dia-a-dia, no comércio e nos rituais, sugerindo que, para os gregos, o objeto podia exercer diferentes funções simultaneamente. Além de conter vinho, azeite e outros tipos de mantimentos, as cerâmicas tornavam-se os suportes da produção visual da época, fundamentando, visualmente, histórias, lendas e mitos; construindo e enriquecendo, de maneira “concreta”, a cultura visual pertencente a esse preciso período histórico. No começo, a cerâmica apresentava um tipo de decoração abstrata que continha triângulos, formas xadrez e círculos concêntricos. Por volta de 800 a.C., as figuras humanas e de animais começaram a ser introduzidas na pintura, seguindo uma concepção formal geométrica, isto é, uma maneira de retratação mais “simples” e esquemática (Figura 18). Nosso espécime do cemitério de Dipylon, em Atenas, pertence a um grupo de vasos muito grandes usados como monumentos dos túmulos; seu fundo tem orifícios através dos quais as oferendas líquidas podiam filtrar-se até o morto, embaixo. Na parte principal do recipiente, vemos o morto, que jaz em câmara ardente, ladeado por figuras com os braços erguidos em um gesto de lamentação e um cortejo fúnebre de carruagens e guerreiros a pé. O que há de admirável nessa cena é o fato de ela não ter nenhuma referência à vida após a morte; seu propósito é exclusivamente comemorativo. Aqui jaz um homem digno, é o que ela nos diz, que foi pranteado por muitos e teve funerais esplêndidos. Será, então, que os gregos não tinham uma concepção da eternidade? Tinham, mas para eles, 178


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o domínio dos mortos era uma região sem cores e vagamente definida, onde as almas, ou ‘sombras’ levavam uma existência insignificante e passiva, sem fazerem quaisquer exigências aos vivos. ( JANSON, 1996, p. 47).

Figura 18 – Vaso de Dipylon, 1,08m. Século VIII a.C. Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque.

O estilo arcaico surgiu por volta do Século VII a. C., estimulado pelas relações comercias com o Egito e o Oriente próximo. O geometrismo, que predominava, largament,e nas pinturas e nas esculturas, deu espaço a um tipo de representação mais fiel ao modelo “real”, revelando um maior movimento, mais riqueza de detalhes e uma predileção pela retratação da figura humana que era pintada, assim como todas as figuras da “cena”, de preto, destacando-se, nitidamente, do fundo de argila ferruginoso. (Lembramos que, frequentemente, as figuras apresentavam as linhas principais de construção formal incisas no vaso). Os artefatos em argila desse período retratavam, principalmente, episódios mitológicos, povoados de deuses, deusas e heróis. 3.1.1. Período clássico O ateniense Exéquias, que viveu por volta de 535 a. C., assinou pelo menos duas peças de cerâmica (fato raro na época, já que a pintura dos vasos era considerada uma arte menor), em que aparecem figuras negras. Nesse contexto, é importante lembrar que Exéquias passou a dar ênfase a um tipo de representação figurativa onde, segundo Beckett (1997, p. 17), tentava mostrar o mundo tal como ele era (Figura 19). Os primeiros vasos de figuras vermelhas foram elaborados na segunda metade do Século VI a.C. por um discípulo de Exéquias, pa-

Figura 19 – Aquiles e Ájax jogando damas. Exéquias (cerca de 540 a.C.). Ânfora com figuras negras, 61 cm. Museu gregoriano-etrusco, Roma.

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Figura 20 – Palas Atena. Ânfora, c. 480 a. C.

Figura 21 – O Rapto de Perséfone (340 a.C.). Complexo funerário de Filipe 2, Grécia.

recendo quase um “negativo” das pinturas com figuras negras. As formas humanas, animais e de objetos de cor vermelha destacavam-se do fundo preto que era pintado em volta das figuras (Ver Figura 20). Utilizando essa nova técnica, os pintores não apenas obtinham o escorço das figuras, mas também representavam profundidade de espaço e características psicológicas em seus modelos. A representação das figuras adquiriu uma configuração dinâmica, mais articulada e complexa, propondo temas mitológicos, bélicos, mas também de clara conotação intimista. A pintura grega de vasos está, caracteristicamente, preocupada em contar histórias, e muitos vasos trazem imagens de episódios relatados por Homero na Ilíada e na Odisseia, obras escritas no Século 8 a. C. Vasos ornados com narrativas datam de tempos anteriores a Homero, chegam ao período clássico grego (que sucedeu o período arcaico por volta de 480 a. C.) e alcançam até épocas bem posteriores. A menos que vejamos imagens e vaso como um todo, não podemos apreciar por completo a pintura cerâmica grega. Uma figura-chave na Odisseia, Palas Atena, a deusa protetora da cidade de Atenas, aparece numa ânfora confeccionada em cerca de 480 a. C. pelo artista anônimo que os estudiosos denominaram de pintor de Berlim. A curva negra e brilhante da ânfora cria a impressão de que a deusa afasta-se do nosso olhar, ao mesmo tempo em que nos possibilita vislumbrá-la em sua solene doçura. Palas Atena estende uma jarra de vinho para Heracles, que está na outra face da ânfora; ambas as figuras mantêm intacta sua privacidade, mas ainda assim se comunicam. É uma obra maravilhosamente contida, tão simples quanto complexa. Essa ânfora é um exemplo da técnica das figuras vermelhas, que foi elaborada por volta de 530 a. C. e sucedeu a cerâmica das figuras negras. (BECKETT, 1997, p. 17). No período clássico, o pintor mais importante foi Polignoto (475-450 a.C.) que, segundo Plínio, deu vida e caráter à pintura. Infelizmente, sua produção não chegou aos dias atuais. Desse mesmo período, temos outras produções pictóricas que podem ser contempladas e apreciadas atualmente. 3.1.2 Período helenístico A cultura helenística prevaleceu no Mediterrâneo até bem depois de o Império romano tornar-se a potência dominante. Após a morte de Alexandre, seu Império foi dividido entre seus generais, que instauraram uma série de Estados independentes, onde prevaleceu um tipo de cultura cosmopolita, fruto da miscigenação entre oriente e ocidente. Nesse contexto, desenvolveu-se um amor à “arte pela arte”, onde a influência oriental esti-

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mulou a produção de um tipo de arte mais decorativa e suntuosa e onde os elementos religiosos passaram em segundo plano. Desenvolveram, nesse período, pinturas de jardins (primeiras paisagens), de naturezas mortas, retratos e cenas da vida cotidiana. Plínio comentou que, graças à “popularidade” da arte, encontravam-se pinturas não somente nos palácios, mas também nas barbearias e nas sapatarias. Os artistas dessa época tinham uma forte preocupação em retratar, de maneira extremamente fiel, o mundo real, tendendo a descrever cenas dramáticas e violentas, tornando o contato visual, por parte do público, impactante (Figuras 21 e 22).

Figura 22 – A Batalha de Isso ou a Batalha de Alexandre contra os Persas (80 a.C). Cópia romana encontrada em Pompeia em mosaico de um pintura helenística. Museu de Nápoles.

A maneira com que os gregos representavam o corpo humano influenciou, diretamente, a produção romana e a de toda arte ocidental posterior. As primeiras estátuas gregas, como a do Curo ou Kouros (moço, em grego antigo) (Figura 23), do século VII a. C., baseavam-se no sistema do quadriculado egípcio. Apresentavam uma configuração simétrica (simetria central) e uma posição frontal e estática (no máximo um leve deslocamento do pé para frente), onde o peso era, simetricamente, distribuído sobre as duas pernas. A expressão do rosto não denunciava particulares emoções, tornando o Curo a representação “universal” do homem jovem e não de um homem jovem específico. Aos poucos, as linhas e, de consequência, as formas suavizaram-se, como é possível perceber no Rapaz de Crítio de 480 a.C. (Figura 24), mostrando uma tentativa de movimento e articulação dos membros. Em vez de olhar para sua frente, o modelo tem a cabeça ligeiramente voltada para o lado, o peso do corpo descansa sobre uma perna, que

Figura 23 – Kouros, mármores, 1,86 m, 600 a.C. Museu Metropolitano de NY.

Figura 24 – Efebo (Rapaz de Crítio), 1, 86cm. Museu de Atenas.

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assume uma postura mais afastada do eixo central de simetria. A musculatura do corpo começa a ser ligeiramente evidenciada, assim como a expressão facial, revelando a possibilidade de retratar o indivíduo e suas características peculiares.

Figura 25 – Zeus de Artemísio, 2,09m, 470 a.C.,. Museu Arqueológico de Atenas.

Figura 26 – Discóbolo de Mirón, 1,25 m. Cópia romana em mármore. O original grego data de c. 450 a.C. Museu Nacional de Roma.

É importante lembrar que, nesse período, tornou-se necessária a utilização de materiais diferentes do mármore e de outros tipos de pedras utilizados até então. A articulação dos membros das estátuas (braços e pernas esticados, deslocamento de postura do eixo central, torções do busto, etc.) elaborada na tentativa de superar a rigidez das estátuas arcaicas acarretou a possibilidade de quebra dos membros por excesso de peso e falta de sustentação. Recorreu-se, então, ao uso do metal, principalmente do bronze, pois esse material permitia ao escultor criar estátuas que expressassem melhor o movimento. O Zeus de Artemísio (470 a. C.) é um exemplo disso (Figura 25). Embora seu tronco reflita imobilidade, seus membros passam a ideia de vigorosa atividade. Miron, em sua obra Discóbolo (450 a.C.) (Figura 26), continuou trabalhando com a articulação dos membros e a imobilidade do tronco, representado em posição de torção. Sua obra (originalmente em bronze) mostra a tensão da musculatura no momento que antecede o lance do disco, revelando uma posição corporal impossível, mas visualmente harmônica e equilibrada, sustentada pelo pequeno tronco posto, estrategicamente, atrás do atleta. Policleto, no intuito de traduzir da maneira mais natural possível a ideia de movimento, elaborou o Doríforo (Figura 27), uma estátua que representa um homem caminhando e pronto para dar mais um passo, apresentando uma alternância de membros tensos e relaxados. Esse tipo de representação segue o princípio do contraposto (ou princípio de Policleto), em que o peso do corpo se apoia numa das pernas, e o corpo segue esse alinhamento, dando a ilusão de uma figura surpreendida em movimento. Por volta do século 4 a.C. (período helenístico), a escultura começou a apresentar traços particularmente característicos. O crescente naturalismo influenciou não somente a representação da idade e da personalidade do retratado, mas também das emoções e do estado de espírito de um determinado momento. Uma outra característica da escultura desse período foi a representação, em forma humana, de conceitos e sentimentos, como a paz, a vitória, o amor, a liberdade, etc. Outra inovação se deu no surgimento do nu feminino, já que, no período arcaico e clássico, as figuras das mulheres eram retratadas sempre vestidas (Figuras 28, 29 e 30). Praxiteles foi um dos grandes escultores desse período.

O grande desafio – e a grande conquista – da escultura do período helenístico foi a representação não de uma figura apenas, mas de grupos de figuras que mantivessem a sugestão de mobilidade e fossem bonitos de todos os ângulos que pudessem ser observados. Assim é o grupo formado pelo soldado gálata que acaba de matar sua mulher e está pronto para suicidar-se. Esse conjunto da segunda metade do século III a. C. foi esculpido para um monumento de guerra, construído em Pergamo.

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É importante notar que esse grupo revela ao observador, além da beleza, uma carga de dramaticidade de qualquer lado que seja visto: o soldado olha para trás de forma desafiadora e está pronto a enterrar a espada em seu pescoço, enquanto segura por um braço o corpo inerte de sua mulher, que escorrega para o chão. O outro braço, já sem vida, contrasta com a perna tensa do marido, ao lado do qual ele pende. O sentido dramático é conseguido justamente pelo contraste: vida e morte, nu e vestido, mulher e homem, força e debilidade. (PROENÇA, 2000, p. 35).

Figura 27 – Doríforo de Policleto, 1,99m. Cópia romana em mármore. O original grego data de 440 a.C. Museu Nacional de Nápoles.

Figura 29 – O Soldado Gálata e sua Mulher, 2,11 m. Cópia romana em mármore. O original grego data da primeira metade do século 3 a.C. Museu Nacional Delle Terme, Roma.

Figura 28 – Vitória de Samotrácia, 2,75 m, c. 190 a.C. Museu do Louvre, Paris

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vocÊ sabia? Os Artistas mais conhecidos na Grécia Antiga foram: FÍDIAS (500–432 a.C.), o mais conhecido e célebre escultor ateniense, supervisor da estatuária do Parthenon e o primeiro artista a usar drapeados para mostrar o corpo. POLICLETO (450–420 a.C.), rival de Fídia, compilou um livro sobre proporção; seu trabalho mais conhecido é a imponente estátua de Hera em Argos, em ouro e marfim. PRAXÍTELES (ativo em meados do século 4 a. C.), escultor ateniense célebre pelo primeiro nu integral da estátua de Afrodite. Introduziu, no decorrer de seu trabalho, um conceito mais sensual, mais natural da beleza do corpo.

Figura 30 – Vênus de Millo, 2,03 m, c. 130 a.C. A Vênus de Millo é uma famosa estátua grega. Ela representa a deusa grega Afrodite, do amor sexual e da beleza física, tendo ficado mais conhecida pelo seu nome romano, Vênus. Acredita-se ser obra de Alexandros de Antioquia e não de Praxíteles.

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saiba mais AS ORDENS ARQUITETÔNICAS Por Antony Janson “As realizações gregas em arquiteturas têm sido identificadas, desde os tempos romanos antigos, com a criação de três ordens arquitetônicas clássicas: a dórica, a jônica e a coríntia. Dentre elas, a dórica pode muito bem ser considerada a ordem básica, sendo mais antiga e mais exatamente definida do que a jônica; a coríntia é uma variante da última. O que pretendemos dizer por ‘ordem arquitetônica’? O termo só é utilizado com relação à arquitetura grega (e tudo que dela provém), com propriedade, pois nenhum dos outros sistemas arquitetônicos que conhecemos já produziu qualquer coisa comparável. Talvez o modo mais simples de esclarecer o caráter único das ordens gregas seja este: não existe o que se possa chamar de ‘templo egípcio’ ou ‘igreja gótica’ – os edifícios considerados, isoladamente, por mais coisas em comum que possam ter, são tão diversificados, que não podemos extrair deles um tipo generalizado –, ao passo que o ‘templo dórico’ é uma entidade real, que se forma, inevitavelmente, em nossa mente ao examinarmos os monumentos. Essa abstração não é, naturalmente, um ideal que sirva de parâmetro para avaliarmos o grau de perfeição de um determinado templo dórico; significa, simplesmente, que os elementos dos quais um templo dórico é composto são, extraordinariamente, constantes quanto ao número, espécie e relação existente entre eles.Todos os templos dóricos pertencem à mesma família claramente identificável; mostram uma consistência interna e um ajuste mútuo das partes que lhes conferem uma característica única de inteireza e unidade orgânica.” (JANSON, 1996, p. 52 e 53). Na arquitetura grega, o tipo de coluna determinava a ordem (“estilo”) do templo, que apresentava características arquitetônicas próprias e inconfundíveis.

Figura 31 – Exemplos de colunas das ordens dórica, jônica e coríntia.

Figura 32 – Parthernon, de Ictino (447-432 a.C.). Acrópole de Atenas. Exemplo de templo dórico.

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UNIDADE 4 O Grande Império da Antiguidade

Na mesma época em que a sociedade grega entrou em decadência, surgiu uma nova potência no mar Mediterrâneo: Roma. A península itálica fica ao sul do continente europeu, tem um formato que parece uma bota e está mergulhada no meio do mar Mediterrâneo. Como os gregos, os romanos construíram uma sociedade de base escravista. Considerados como um bem material, a grande maioria dos escravos eram prisioneiros de guerra que desempenhavam as mais diversas atividades. Os patrícios constituíam a classe dominante, e os plebeus eram homens livres que se dedicavam ao comércio, ao artesanato e às atividades agrícolas. Donos de um enorme senso prático e grande organização social e militar, os romanos souberam absorver de seu contato com diversos povos, principalmente dos gregos, fortes elementos culturais que foram difundidos em suas conquistas, por todo o mundo antigo. No período imperial, fase de maior expansão territorial e militar dos romanos, seu domínio se estendia da Inglaterra ao Egito no norte da África, da Espanha ao sul a Rússia. O contato com terras estrangeiras trouxe até Roma, capital política do império, as riquezas extraídas dos países dominados, uma grande quantidade de homens transformados em escravos, mas, acima de tudo permitiu que os romanos absorvessem e desenvolvessem a culturas de outros povos. A cultura grega foi sem dúvida a mais significativa influência sobre a formação da cultura dos romanos, e foram eles os responsáveis pela difusão de uma “arte que inspirou vários movimentos artísticos da Idade Moderna, incluindo o Renascimento. Por ser considerada um modelo, essa arte – com seus critérios e princípios – foi chamada de clássica, e pela importância que teve, acabou disseminando pelo mundo seu ideal de beleza, que começou a ser considerado como universal”. (COSTA, 1999, p. 25). As conquistas militares ofereceram mão de obra e riquezas, além de desenvolverem entre os romanos um “estilo de vida” luxuoso, re-


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quintado e exótico, muito diferente daquele vivido pelos primeiros grupos de romanos que conquistaram a península itálica, cuja principal atividade era a agricultura e a criação de animais. Com o desenvolvimento do comércio, sustentado por diversos portos no mar Mediterrâneo, Roma tornou-se uma das maiores cidades do mundo antigo, com cerca de 1.200.000 habitantes no século II d. C. As investigações arqueológicas realizadas nas últimas décadas revelam que as cidades romanas estavam organizadas em torno de duas avenidas (principais e travessas): uma no sentido norte-sul, outra leste-oeste, e uma praça (fórum) na intersecção. Os edifícios públicos agrupavam-se, geralmente, em torno do fórum, e as avenidas principais se prolongavam até a zona rural, criando uma infraestrutura de circulação que facilitava o saneamento, o abastecimento e a distribuição de água (Figura 33).

Figura 33 – Planejamento urbanístico da cidade de Roma.

problematizando Você reconhece o traçado urbanístico apresentado na Figura 33? Ele continua sendo utilizado em nossa organização urbanística.

A partir dos romanos e da influência dos etruscos, povo conquistado pelos romanos, conhecidos por serem grandes construtores, o abastecimento de água passou a ser essencial com a construção de aquedutos que levavam água fresca para fontes públicas (onde cidadãos comuns 187


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obtinham água), banhos públicos e casas da elite, que pagavam por esse privilégio. Na política, mais heranças, pois, quando, no império romano, o momento era de crise, desemprego na zona rural, cidades repletas de desocupados, escassez de todo tipo, o imperador criou a política “pão e circo”, para que o povo se acalmasse e não se revoltasse diante das dificuldades. A elite romana patrocinava comida gratuita e diversão, pois quase todos os dias ocorriam lutas de gladiadores, espetáculos de acrobacias e corridas de cavalos, que lotavam arenas e estádios, sendo o mais conhecido deles o Coliseu de Roma. O povo carente esquecia, momentaneamente, seus problemas, diminuindo as chances de revolta. O primeiro e maior imperador romano foi Otávio Augusto. Durante o seu governo, iniciado em 29 a.C., foram promovidas várias reformas sociais e administrativas que implantaram um Estado baseado na ordem e na hierarquia, fazendo Roma viver um período de grande esplendor econômico, militar e cultural. Otávio Augusto fundou bibliotecas públicas e foi um grande protetor e incentivador da arte de poetas como Virgílio, Horácio e Ovídio, do grande historiador de Roma Tito Lívio e do arquiteto Vitrúvio, cuja obra em 10 volumes, “De Architectura”, constitui o único tratado clássico preservado até os nossos dias e que serviu de inspiração para os artistas renascentistas. Após a morte do grande Otávio Augusto em 14 d. C., muitos imperadores ocuparam o trono romano, mas, lentamente, o império foi sendo corroído por uma crise que o tornou vulnerável à invasão estrangeira. Os enormes gastos públicos que davam sustentação às estruturas administrativa e militar do império exigiam aumentos de impostos cada vez maiores. O comércio que já não tinha fôlego para ampliar seus negócios, voltava-se para as atividades agrícolas, dando início a um lento e progressivo movimento de ruralização da sociedade romana, ou seja, a população deixava as cidades e se estabelecia no campo com medo da violência das pilhagens e rebeliões. O exército passou a ser composto, em sua maiori,a por estrangeiros mercenários, mantidos a peso de ouro. As rebeliões, envolvendo não só os povos dominados, mas também as camadas mais pobres da população romana, tornaram-se cada vez mais frequentes. Para tentar reverter esse processo, após a morte do imperador Teodósio, o império foi dividido em duas partes, de um lado o Império Romano do Ocidente, com sede em Roma, e do outro, o Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla. 188


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para refletir “Fundadores do maior império de todos os tempos, os romanos acrescentaram talentos gerenciais: organização e eficiência. A arte romana é menos idealizada e intelectual que a arte grega; é mais secular e funcional. Enquanto os gregos brilhavam na inovação, o forte dos romanos era a administração. Por onde quer que marchassem, seus generais traziam a influência civilizadora da lei e os benefícios práticos de estradas, pontes, instalações sanitárias e aquedutos.” (STRIKCLAND, 1999, p. 16).

4.1. UM OLHAR SOBRE A ARTE EM ROMA A maioria dos exemplos de pinturas romanas (Figuras 34, 35) é encontrada em cidades como Herculano, Pompeia (localizadas ao redor do Vesúvio, no sul da Itália) e, naturalmente, em Roma, atual capital da Itália. Além das pinturas, os mosaicos (Figura 38) fazem parte da produção artística romana, que se espalhou, no decorrer do tempo, pela bacia do mediterrâneo, da Síria e da África do Norte até a península Ibérica. A pintura romana é, por tradição, dividida em quatro estilos sucessivos: • Primeiro estilo ou estilo pompeiano (fins do século II a início do século I a.C.): Imitações pintadas de fachadas de muro de mármore colorido. Eram, frequentemente, embelezadas com relevos em gesso pintado, ou estuques, e instauravam uma estreita relação com a arquitetura (herança grega). • Segundo estilo (século I a.C.): Utilização da perspectiva, do trompe l’oeil, na retratação de paisagens nas paredes das casas. • Terceiro estilo (fins do século I a.C. a meados do século I d. C.): A retratação das paisagens se torna cada vez mais sofisticada e ornamental. A atenção voltou-se para os detalhes que compunham cenas bucólicas. • Quarto estilo ou estilo Fantástico (30 d.C. a 79 d. C.): Utilização de elementos decorativos exóticos e originais pertencentes ao espaço vivencial do cotidiano e ao espaço teatral. No século XVI, essas decorações foram chamadas de “grotescas” e empregadas largamente na pintura da Renascença. No que diz respeito ao quarto estilo, é importante ressaltar a vasta produção de pinturas eróticas encontradas, principalmente, em Pompeia (Figuras 36 e 37). A pintura de retratos foi muito desenvolvida na época romana, mas por causa do suporte extremamente perecível (madeira), pouco são os

Figura 34 – Pintura romana encontrada em Herculano. Autor desconhecido.

Figura 35 – Pintura romana encontrada em Pompeia. Autor desconhecido.

Figura 36 – Pintura erótica sobre parede, em Pompeia. Autor desconhecido.

Figura 37 – Pintura erótica sobre parede, em Pompeia. Autor desconhecido.

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retratos que chegaram até nós. Famosos são o de El-Fayyum (ou El-Faiyum) (Figura 38), uma série de retratos funerários que eram colocados sobre o rosto do morto sepultado nas areias áridas do deserto (Figuras 39, 40 e 41). As esculturas romanas refletiam o temperamento prático e realista de seus idealizadores. Ao entrar em contato com a cultura grega, os escultores romanos sofreram uma forte influência das concepções helenísticas, mas, diferente dos gregos, os romanos procuraram elaborar um tipo de retratação fiel das pessoas, e não um ideal de beleza humana típico da produção clássica grega. A produção escultórica romana tornou-se um importante instrumento de manutenção do poder vigente. A temática proposta revelava a necessidade de traduzir e enfatizar, plasticamente, a liderança de generais e imperadores, sempre presentes nas praças e nos edifícios públicos em forma de bustos (herança da produção de antigas máscaras mortuárias feitas em cera) e estátuas (Ver figura 42). Para os romanos era importante encontrar uma forma de mostrar, publicamente, os cortejos comemorativos, as batalhas e as conquistas. Nesse contexto, foi elaborado o relevo narrativo, uma forma de escultura conectada a um determinado monumento ou elemento arquitetônico, que “contava visualmente” os acontecimentos mais importantes relativos à expansão territorial.

Figura 38 – Retrato funerário de homem (Século II d. C.). Encáustica sobre papel, 33 x 18 cm. El-Fayyum, Egito. Museu Metropolitano de Nova Iorque.

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Figura 39 – Retrato funerário de jovem senhora. Encáustica sobre papel. Autoria desconhecida.

Figura 40 – Retrato funerário de jovem senhora. Encáustica sobre papel. Autoria desconhecida.

Figura 41 – Retrato funerário de jovem senhora. Encáustica sobre papel. Autoria desconhecida.


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saiba mais A produção artística Por Ardold Hauser “Quem quer que apelasse para o público, que o informasse a respeito de questões importantes, ávido por pleitear sua causa ou conquistar adeptos para seus interesses, recorria, sabidamente, à pintura e à escultura. O general vitorioso, em seu desfile triunfal, ia rodeado por cartazes que exibiam suas façanhas bélicas, mencionavam as cidades conquistadas e retratavam a humilhação do inimigo aos olhos do povo extasiado. (...) A predileção dos romanos pela pintura revela, além do prazer pelo anedótico e do interesse na documentação e nos testemunhos oculares, uma espécie de desejo insaciável, primitivo e pueril por vistas e ilustrações.Todas essas representações são páginas de um livro ilustrado para adultos – por vezes, como no caso das espirais de Trajano, ‘o desenrolar de um livro de ilustrações’, cujo intuito é transmitir a impressão de continuidade dos acontecimentos e produzir o mesmo efeito que esperamos de um filme. A demanda a que essa produção pretendia satisfazer era, sem dúvida, primária, rudimentar e, essencialmente, não artística. Querer experimentar tudo pessoalmente, ver tudo com os próprios olhos, como se a tudo se assistisse, é um tanto ingênuo; é uma concepção primitiva que rejeita, como de segunda mão, tudo o que seja descrito na forma transposta, a qual, para uma época mais requintada, constitui, na verdade, a própria essência da arte.” (HAUSER, 2003, p. 110).

Figura 42 – Augusto de Primaporta. c. 20 a.C. Museus do Vaticano, Roma.

4.2. Arquitetura Grega Os arquitetos romanos inspiraram-se nas formas gregas, mas desenvolveram novas técnicas de construção, como, por exemplo, o arco (invenção etrusca), que abrange uma distância maior que o sistema grego de pilares e dintel (dois postes verticais que suportam uma trave horizontal) e que suporta uma maior quantidade de peso. A utilização do concreto permitiu projetos mais flexíveis, como o teto abobadado e imensas áreas circulares fechadas por uma cúpula. Os romanos desenvolveram a basílica, um edifício de planta retangular com abside semicircular (parte do edifício localizada ao lado oposto da entrada), utilizado como ponto de encontro e imitado, mais tarde, pelas igrejas cristãs da época medieval. Os romanos elaboraram também a abóbada cilíndrica, um importante elemento arquitetônico composto por um arco estreito, formando um teto em semicilindro e a abóbada de arestas, formada por duas 191


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abóbadas cilíndricas, da mesma atura, em interseção de modo a formar um ângulo reto. Na antiga Roma, a planta da casa romana era, rigorosamente, retangular; a porta de entrada, que ficava em um dos lados menores do retângulo, conduzia ao átrio, um vão central que possuía uma abertura central no teto. Essa abertura permitia a entrada de luz e da água das chuvas, que era coletada num tanque (implúvio). Em linha reta em relação à porta de entrada, perto do átrio, localizava-se o tablino, o aposento principal da casa. Os quartos eram dispostos ao longo das paredes, abrindo-se para o átrio central. Com o tempo, por causa da influência grega, foi introduzido o peristílio, um espaço delimitado por colunas que os romanos acomodaram ao lado do átrio. Confira as diferenças apresentadas por Carol Strickland entre as arquiteturas grega e a romana: Grega

Romana

Estrutura

Templo para glorificar os deuses

Paredes Formas típicas Sistema de suporte Estilo de coluna

De blocos de pedras

Prédios cívicos em honra do Império Concreto e fachada ornamental

Retângulo, linhas retas

Círculos, linhas curvas

Pilar e dintel

Arco redondo, abóbadas

Dórica e jônica

Coríntia

Deuses e deusas idealizados

Seres humanos realísticos, autoridades idealizadas

Escultura Pintura Temas da arte

Figuras estilizadas e flutuando no espaço Mitologia

Imagens realísticas com perspectiva Líderes cívicos, triunfo militar

vocÊ sabia? O Coliseu Por Antony Janson “O Coliseum, um enorme anfiteatro no centro da velha cidade, que podia acomodar cinquenta mil espectadores, continua sendo uma das maiores construções do mundo. Sua estrutura principal é construída com uma espécie de concreto, e trata-se de uma obra-prima de engenharia e planejamento eficiente, com quilômetros de galerias abobadadas para assegurar o fluxo regular do tráfego em toda a volta da arena. O arco, a abóbada de berço e a abóbada de aresta são utilizados. O exterior, monumental e cheio de dignidade, reflete as subdivisões do interior, mas é revestido e enfatizado por pedra

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lapidada. Há um equilíbrio muito bom entre as partes integrantes verticais e horizontais que compõem a interminável série de arcos. A reverência para com a arquitetura grega é ainda visível no uso de meias-colunas e pilastras que refletem as ordens gregas; estruturalmente, essas se tornaram meros espectros – o edifício continuaria em pé caso fossem removidas –, mas, esteticamente, são importantes, pois, através delas, a enorme fachada adquire sua relação com a escala humana.” (Janson, 1973, p. 98)

Figura 43 – O Coliseu como era na época romana.

Figura 44 – O Coliseu, 80 d. C, na atualidade.

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saiba mais O Panteão Por Antony Janson “As mesmas inovações em engenharia e materiais permitiram que os romanos também criassem enormes espaços cobertos. Dentre eles, o mais bem preservado é o Panteão, um templo circular e enorme, dedicado, como o próprio nome diz, a todos os deuses. O pórtico, originalmente preenchido por um átrio com colunatas que obstruíam a visão que agora temos das paredes circulares, parece a entrada comum de um templo romano típico. Ainda mais empolgante, então, é a vista que temos ao passar pelos majestosos portais, quando o grande espaço abobadado abre-se diante de nós num repente dramático. A partir da pesada sobriedade da parede externa, pode-se deduzir que não foi fácil para o arquiteto resolver os problemas de engenharia ligados à sustentação do imenso hemisfério de um domo. Do lado de fora, nada faz pressupor a leveza e elegância do interior; as fotos não conseguem reproduzir isso com fidelidade. O altar, que vai do piso à abertura do domo (chamada de óculo ou olho), é, exatamente, a mesma do diâmetro do domo, o que confere um perfeito equilíbrio às proporções. O peso do domo concentra-se nas oito sólidas subdivisões da parede; entre elas, com colunas à frente, existem nichos ousadamente cavados na espessura maciça do concreto, e estes, embora independentes entre si, produzem o efeito de espaço aberto por trás dos suportes, dando-nos a impressão de que as paredes são menos espessas, e o domo muito mais leve do que na realidade é. Os painéis de mármore multicolorido e o os paralelepípedos ainda são, essencialmente, como antes, mas em sua forma original, o domo era dourado, para assemelhar-se à cúpula dourada do céu.” (JANSON, 1973, p. 122.)

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UNIDADE 5 O Nascimento do Cristianismo Os gregos foram os primeiros a se preocupar em definir o que é a arte e a discorrer sobre as emoções que a revelam. Nas unidades anteriores, essas emoções estão, geralmente, ligadas a um conceito de beleza, inter-relacionado com o meio social, com a cultura, com o ambiente no qual a obra de arte foi produzida. Por outro lado, a obra de arte conecta-se com o meio social, a maturidade e a cultura do espectador que absorve essa emoção de forma sutil e pessoal. Vamos “aprendendo”, durante a vida, a reconhecer a emoção emanada de sons, cores, movimentos, expressões, palavras. Observamos que, em muitas sociedades antigas, como no Egito, essas emoções tinham origem na religião. É possível imaginar a emoção de um egípcio diante do palácio ou do túmulo do representante de Deus na terra, materializado na figura do faraó. Um quadro como “A Anunciação”, de Fra Angélico (Figura 45), com uma virgem Maria recolhida e amável, pode provocar uma grande ex-

Figura 45 – Fra Angélico. “A Anunciação”. 1430. Afresco. Museu de São Marco, Florença.


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plosão de beleza em um devoto cristão. No entanto, para um agnóstico, a beleza do quadro pode estar no conteúdo histórico que a peça incorpora ou na composição formal e conceitual elaborada em um determinado estilo artístico. Como podemos notar, as emoções reveladas pelo contato com as obras de arte podem ter diferentes origens, e os gregos, com sua observação sistemática sobre o mundo e sobre a humanidade, foram os primeiros a deixar registros a respeito da consciência que tinham sobre a emoção da beleza. Eles foram os criadores da estética – ciência que estuda o belo – e, talvez, por isso, tenham-nos deixado traços culturais tão marcantes e visíveis até hoje. Depois dos gregos, nós passamos a nos preocupar em observar e questionar a percepção da beleza, em definir a arte, partindo da intenção de criar a beleza. Se a emoção estética é extraída de nossa cultura e é vivenciada, individual e socialmente, como prazer, satisfação, muitos grupos sociais passaram a eleger e a determinar os critérios para a avaliação estética. Esses princípios buscavam construir um padrão, um gosto comum e oficial, que deveria servir de inspiração a todos os artistas. Evidentemente que esse padrão é mutável, pois, à medida que as sociedades vão-se transformando, a estética muda, atualiza-se. Gombrich afirma, por exemplo, que determinada forma de expressão, depois de muito divulgada, acaba perdendo sua força expressiva, e isso exige que ela se modifique e que novos recursos de expressão sejam descobertos. A arte medieval é, portanto, um mergulho na emoção religiosa em busca da expressão de uma estética religiosa, divina, que nos revela os valores, a beleza de um tempo em um espaço. Para facilitar o estudo e a compreensão mais esquemática dos acontecimentos desse período, os historiadores consideram que a Idade Média teve início com a desintegração do Império Romano do Ocidente, no século V (476 d. C), e teria terminado com a queda de Constantinopla no século XV (1453 d. C). É importante lembrar que a Europa Ocidental vivia um momento de grande crise já a partir do século III. O Estado, representado pelo que restava do Império Romano do Ocidente, não conseguia dar segurança aos camponeses, obrigando-os a buscar proteção nos proprietários de terras que, em troca, davam-lhes trabalho de servidão. Não é à toa que observamos em filmes e livros sobre o período medieval enormes castelos com altas muralhas de pedras, torres com pequenas aberturas, rodeadas por um fosso cheio de água, pontes suspensas que dificultavam a penetração de inimigos durante uma batalha. Os senhores feudais, além de se preocuparem com a proteção de sua 196


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residência, seu patrimônio e sua família, tinham também que abrigar, dentro do castelo, seus vassalos e servos. Para ser um cavaleiro, era necessário iniciar um aprendizado que começava aos 7 anos, quando o menino tornava-se pajem do nobre. Durante cinco ou seis anos aprendia o código de conduta dos cavaleiros e, em seguida, passava a escudeiro. Nesse momento, aprendia a manejar as armas e a andar a cavalo e, por volta de 20 anos, era armado cavaleiro. A economia medieval era, profundamente, agrícola. Uma produção agrícola rudimentar, muitas vezes de subsistência, realizada nos domínios dos feudos – grandes propriedades dos nobres – ou por membros do alto clero – parte do clero que reunia bispos, abades e cônegos, vindos de famílias da nobreza. VOCÊ SABIA? O erudito era considerado o guardião da sabedoria, e o ensino era tarefa desempenhada pela Igreja, consistindo, basicamente, no conhecimento das “sete artes”, divididas em gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música. As universidades surgiram a partir do século XII, reunindo profissionais do saber da mesma forma que os artesãos nas corporações de ofício, estabelecendo locais próprios para o ensino, onde o conhecimento estivesse protegido das rigorosas leis estabelecidas pelas relações feudais. Os historiadores afirmam que a primeira universidade foi a de Bolonha, na Itália; em seguida, foram criadas as Universidades de Paris, Oxford, Cambridge,Valência, Salamanca e Coimbra. A Universidade de Paris tornou-se a metrópole universitária da cristandade, o centro filosófico e teológico do mundo, servindo de modelo para outras universidades. Mais adiante, abrigaria a semente do futuro seminário protestante.

Quase não havia escravos, pois a manutenção da escravidão era muito onerosa, e as famílias servis eram responsáveis por sua própria subsistência. O servo era o agricultor que, para cultivar uma parcela da terra do nobre, era obrigado a trabalhar, gratuitamente, nas reservas senhoriais. Além da corveia, o servo era obrigado a pagar outras tachas e impostos como a talha (percentagem sobre os produtos explorados), a banalidade (taxa sobre a utilização do moinho), a gamela (imposto sobre o sal) e o dízimo (imposto pago à Igreja). O comércio limitou, enormemente, seu alcance, passando a atender um privilegiado e pequeno grupo de senhores feudais. O artesanato

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continuou sendo uma atividade importante, realizada, sobretudo, por camponeses ou por residentes das pequenas vilas. A partir do século XII, surgiram as corporações de ofício e as guildas, que eram associações de operários, artesãos, negociantes e artistas, que visavam a regulamentar o processo produtivo artesanal, agregando pessoas que exerciam o mesmo ofício. As corporações de ofício desenvolveram um rígido sistema de controle sobre o trabalho dos artesãos, determinando preço, qualidade, quantidade de produção, margem de lucro, aprendizado e hierarquia de trabalho. A arte, a literatura, a música e a filosofia tiveram um grande desenvolvimento, sendo que a produção artística da época foi marcada pela mistura de elementos romanos, germânicos e cristãos. Na música, predominou a música religiosa – o canto gregoriano, ou cantochão, além das canções populares, divulgada pelos trovadores, que buscavam glorificar as façanhas heroicas de grandes cavaleiros. Vimos que o Imperador Constantino I dividiu o Império e se converteu ao cristianismo. Mas o que significa exatamente essa mudança? Mesmo que, individualmente, não assumamos, oficialmente, uma religião específica, a maioria dos brasileiros conhece a história de Jesus de Nazaré. Sabemos, por exemplo, que ele foi um judeu que nasceu em Belém, na Judeia, durante o domínio do imperador romano Otávio Augusto, e que desenvolveu um novo credo com características monoteístas, ou seja, o culto a apenas uma única divindade. A religião do Império Romano era politeísta, eles adoravam uma grande quantidade de deuses, a maioria deles importados da religião grega e rebatizados com nomes latinos. A doutrina do cristianismo se opôs, imediatamente, ao tradicional culto romano aos deuses e aos imperadores, encontrando grande repercussão entre os pobres e escravos. Após a morte de Jesus Cristo, os discípulos por ele escolhidos começaram a divulgar seus ensinamentos dispersando-se por várias regiões do Império Romano. Inicialmente, sua doutrina foi combatida com violência e brutalidade, e muitos pesquisadores afirmam que diversos cristãos perderam a vida em sangrentos espetáculos nas arenas romanas. Devido às constantes perseguições romanas, os primeiros cristãos enterravam seus mortos em profundas galerias denominadas catacumbas (Figura 46). Os mártires eram, porém, sepultados em locais maiores, que receberam, em seu teto e em suas paredes, as primeiras pinturas dos anônimos artistas cristãos (Figura 47).

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Figura 46 – Catacumbas de Siracusa.

Figura 47 – Teto pintado da catacumba de SS. Pedro e Marcelino - Roma

para refletir Curiosos Caminhos da Fé Há alguns anos, um querido amigo, também professor, convidou-me para acompanhá-lo numa viagem por Minas Gerais. Geraldo era professor de História e planejávamos montar um projeto de conteúdo interdisciplinar na escola onde trabalhávamos, integrando o estudo da economia canavieira do período colonial, da geografia de Minas Gerais e das pinturas rupestres do período pré-colombiano naquela região. Além da preocupação em arquitetar novas estratégias de aprendizagem para nossos alunos, é claro que também estávamos interessados em “piruar” pelas montanhas e cavernas de Minas. O professor de geografia não pôde nos acompanhar em nossa aventura, e nós ficamos incumbidos de planejar uma excursão com os alunos. Visitamos a caverna do “Rei do Mato”, em Sete Lagoas, a Gruta de Maquiné, na porção central do Estado, Lagoa Santa, Cordisburgo e Matozinhos. A região do Circuito das Grutas é o berço da paleontologia brasileira, tendo sido lá encontrado e identificado o “Homem de Lagoa Santa”, um dos mais antigos ancestrais humanos nas Américas. Dormimos em barracas de camping, fizemos longas caminhadas pela Serra do Cipó, bebemos pinga com mel para suportar o frio e cantamos canções do Beto Guedes, Flávio Venturini e Milton Nascimento ao lado de muitas fogueirinhas. Foi uma experiência muito rica, pois chegávamos às fazendas sem conhecer ninguém e éramos acolhidos com muita hospitalidade e gentileza. O povo da roça dorme cedo, e às quatro horas da tarde, as crianças já estavam de pijamas e cabelos penteados, sentadas umas ao lado das outras, esperando para ouvir nossas histórias. Quando já tínhamos contado todas as histórias verídicas, a gente começava a inventar um monte de outras aventu-

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ras. Eles nunca tinham certeza se a gente estava falando a verdade ou não, mas isso realmente não era importante. O contato direto com essas pessoas simples, dentro do ambiente delas, revelou-nos muitos detalhes sobre seus hábitos, seus medos, suas crenças, seus valores e sua forma peculiar de ver o mundo. São pessoas de princípios morais rígidos, grande senso de solidariedade e uma solene e inabalável religiosidade cristã. Foi difícil abandonar aquele ambiente sem supérfluos, mas que nos demonstrou, de forma inequívoca, o quanto a vida pode ser, simplesmente, feliz. Voltamos para casa cansados e silenciosos, quase deprimidos, até que Geraldo teve a ideia de conhecer uma última caverna em uma cidade de nome curioso: Vazante, uma cidadezinha muito simpática perto de Paracatu e Patos de Minas. A caverna de Vazante é um lugar de peregrinação, pois há uma “imagem” de Nossa Senhora esculpida na rocha. Todos os anos os peregrinos se reúnem em uma grande festa que movimenta a cidade com barraquinhas de comidas, bingos, procissão, anjinhos, ladainhas, vigílias etc. Vem gente de todo lugar, e a caverna recebe um grande número de visitantes que a consideram um lugar sagrado. As cavernas que havíamos visitado eram cavernas famosas que tinham infra-estrutura, como banheiros, iluminação interior, lojas de suvenir, entre outras coisas. A caverna de Vazante era diferente; tínhamos que levar lanternas, sapatos especiais e um cantil com água potável, pois havia morcegos, insetos e ratos silvestres, tudo muito perigoso... O geólogo responsável pela gruta nos pediu para evitarmos as fendas escuras e o cocô dos morcegos no chão da caverna e nos distanciar demais da saída. Munidos de lanternas e coragem fomos visitar a grande caverna. Ela é enorme e linda, realmente nem precisamos ir muito longe para nos deliciar com uma beleza natural imponente e impressionante. Fomos passando de galeria em galeria; o silêncio é uma das principais atrações em uma caverna, por isso desfrutamos de sensações bem diferentes do nosso cotidiano, até que um burburinho foi invadindo, lentamente, as galerias e ecoando pelas rochas. A conversa barulhenta dos nossos companheiros de visita não nos incomodou, pois já estávamos pensando em ir embora, até que o Geraldo me chamou a atenção para uma passagem bem estreita: – Vamos entrar por aqui, deve ter um salão enorme do outro lado! Meu amigo Geraldo é muito criativo e, como eu, estava embriagado pelas histórias fantásticas que tínhamos ouvido e contado nos últimos dias. Arrastando-me pelo chão, mergulhei pela fenda com uma sensação estranha. Arrastei-me pelo chão e perdi um pouco o contato com a minha lanterna. Quando levantei o corpo senti uma mão que puxava minha camisa e aos poucos me agarrava pela cintura. Senti um frio percorrer meu corpo e, paralisada, não consegui sequer gritar, até que uma voz fina e rouca soou bem perto do meu ouvido: – Filha, deixa eu ficar com você que eu não tô enxergado nada! A velha senhora quase me matou de susto, mas eu não tinha energia nem

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para reclamar. Ainda bem que estava escuro, senão certamente ela também teria se assustado com minha palidez. Quando eu arrumei a lanterna, e ela pôde ver melhor a caverna, ela se animou e começou a gritar, sempre agarrada na minha camisa: – Linda, linda, a caverna de Nossa Senhora da Lapa! Os olhos miúdos brilhavam à luz da lanterna, a voz transbordava de emoção. De repente, a velhinha se jogou no chão e começou a recolher a camada de terra que cobria o chão da caverna. Ela colocou a terra em uma sacola de pano e depois pegou um punhado daquela terra e encheu a boca. Depois de engolir a primeira porção me disse entusiasmada: – Filha, come! Pode comer, que ela é milagrosa, cura qualquer mal! De novo, eu não conseguia falar, só pensava no cocô do morcego, nas baratas, em rochas venenosas, sei lá mais o quê. Antes que eu recriminasse, desesperadamente, a atitude da mulher, eu me lembrei dos meus amigos da fazenda, seus credos e sua fé inabalável. Será que minha argumentação era suficiente? Ela faria alguma diferença? Que direito eu tinha de questionar uma vivência tão pessoal e profunda? Diante de todas essas questões incômodas, decidi me calar e, segurando sua mão, apenas sugeri que voltássemos para a entrada da caverna, pois poderíamos nos perder.

5.1. Um Olhar para a Arte Medieval Como vimos, à medida que o império se deteriorava, e os novos cultos exigiam, o Imperador Constantino converteu-se, liberando o culto cristão em todos os domínios romanos por meio do Edito de Milão. O cristianismo passou a ser a religião oficial do Império Bizantino. A pintura cristã, especialmente na primeira época, limitava-se à representação de símbolos utilizados, como numa espécie de código secreto, pelos primeiros cristãos. • A cruz – símbolo do sacrifício de Cristo. • A palmeira – símbolo do martírio. • A âncora – símbolo da salvação. • O peixe – símbolo que representava Jesus. A esse respeito, é importante lembrar que a palavra peixe, em grego, era “ichtys”, e que essas eram também as iniciais da frase: Iesus Christos, Theou Yios Soter, isto é, “Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador”. Com o tempo, a pintura cristã começou a incorporar cenas do Antigo e Novo Testamentos, tendo, porém, como tema preferido, a representação de Jesus Cristo como Bom Pastor. Jesus era representado como um jovem, sem barba e com cabelos curtos, vestido em trajes simples de 201


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clara influência romana. A mãe do Cristo era representada em maneira diferente da atual, sua aparência lembrava a de uma matrona romana vestida de maneira simples. O véu e a auréola (elementos simbólicos que remetem à castidade e à santidade) seriam introduzidos mais tarde. Com a oficialização da religião cristã (em 391 a. C., por obra do Imperador Constantino) começaram a surgir os primeiros templos cristãos. Esses templos conservaram, por fora, as características das construções romanas destinadas à administração e à justiça, mas, internamente, abrigavam espaços amplos e paredes ornamentadas com pinturas e mosaicos que retratavam os mistérios da fé aos novos cristãos. Surgiram, dessa maneira, as basílicas construídas com elementos arquitetônicos, fruto das herança gregas e romana, como o arco, as colunas de ordens diferentes, o altar e o abside. A primitiva arte cristã, durante os primeiros dois ou três séculos de sua existência, foi mero prolongamento ou mesmo uma variante da arte romana tardia. Tão grande é a semelhança entre a obra pagã tardia e a obra cristã primitiva, que a mudança decisiva de estilo deve ter ocorrido entre as era clássica e pós-clássica, não entre as idades pagã e cristã. Nas obras do período final do Império, sobretudo as do período de Constantino, as características essenciais da primitiva arte cristã já se deixam prenunciar – o impulso para a espiritualização e abstração, a preferência por formas planas, incorpóreas, diáfanas, a exigência de frontalidade, solenidade, hierarquia, a indiferença pela vida orgânica de carne e sangue, a falta de interesse pelo característico, pelo individual, pela espécie. Em suma, há a mesma vontade não clássica de representar mais o espiritual do que o sensível, tal como se encontra nas pinturas das catacumbas, nos mosaicos das igrejas romanas e nos mais antigos manuscritos clássicos. O curso de desenvolvimento vai desde ilustrações circunstanciais de uma situação nos últimos tempos clássicos até um conciso registro de fatos dos últimos tempos pagãos e, finalmente, a símbolos esquemáticos como o de um selo, na primitiva arte cristã. (HAUSER, 2003, p. 125). Quando o imperador Diocleciano dividiu o império em dois, separando o Oriente do Ocidente, teve início o colapso final da parte oeste. No século V, o império do Ocidente sucumbiu aos bárbaros germânicos. No Oriente, em Bizâncio, emergiu, lentamente, um novo império cristão que duraria mil anos e, com ele, uma nova forma de arte, nascida do cristianismo. A cidade de Constantinopla recebeu esse nome em homenagem a Constantino I, que a adotou, a partir de 330 d. C., como a “Nova Roma”. 202


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A nova capital do império romano tinha sido criada pelos gregos e chamava-se Bizâncio, hoje é a capital da Turquia e chama-se Istambul. A localização da nova capital, na fronteira entre o continente europeu e a Ásia, exatamente na passagem entre o mar Egeu e o mar Negro, transformou essa importante cidade em um local privilegiado comercial e militarmente. Apesar dos esforços de Constantino, as medidas não impediram a lenta decadência do império, e as invasões “bárbaras” passaram a ser cada vez mais frequentes, até que o império começou a encolher, principalmente sua metade ocidental. A palavra “bárbaro” é de origem grega e significa “não grego”. Para os gregos, todos aqueles que não tinham o grego como língua materna eram chamados de bárbaros. Ora, se os romanos em quase tudo copiavam os gregos, em Roma, essa expressão passou a ser usada com o sentido de “não romano”, portanto, “não civilizado”. Os chamados “bárbaros” podiam ser bem distintos entre si, essa designação poderia envolver tanto o povo huno, de origem oriental, quanto germânicos, celtas, godos, anglos, francos, suevos, lombardos, vândalos, visigodos e alamanos, entre outros. Normalmente, esses povos eram nômades, vivendo de pilhagens, por isso eram tão desprezados pelos romanos. Os primeiros grupos bárbaros entraram, pacificamente, no império romano e foram assimilando a cultura local. Mas, à medida que os problemas sociais e econômicos do império foram se agravando, esse processo foi-se tornando mais violento. De todos os reinos bárbaros que foram se formando na Europa Ocidental, o mais importante foi o reino dos Francos, que se estabeleceu na Gália, hoje território francês. No século VIII, com o imperador Carlos Magno, os francos expandiram seus domínios criando um poderoso império, mas que não chegava perto dos poderes militar e cultural daquilo que tinha sido o Império Romano de Augusto. No natal do ano 800, o bárbaro e imperador franco, Carlos Magno, foi coroado Imperador do Novo Império Romano do Ocidente. No entanto, após sua morte, o império foi dividido em três partes. Aos poucos, o poder político dos reis ia-se diluindo nas mãos de condes, marqueses e funcionários da monarquia que passaram a estabelecer novas regras que se aplicavam à população sob a sua jurisprudência. Esse processo foi reforçado pela gradativa ruralização da sociedade romana. O trabalho dos escravos deixou de render para os escravistas os lucros de antigamente. Manter escravos converteu-se em coisa muito cara, pois a produtividade deles continuava tão baixa quanto antes. Até os

Figura 48 – Nossa Senhora da Misericórdia. Atribuído a Andrei Rublev. Moscou, Rússia.

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grandes latifundiários começaram a dividir com mais frequência as suas terras em pequenos lotes para dá-los em arrendamento a pequenos arrendatários, os colonos. (DIAKOV e KOVALEV, 1976, p. 354) Veremos a seguir que, enquanto todas essas transformações se processavam a partir das invasões dos povos bárbaros à Europa ocidental, na parte oriental do antigo Império Romano o processo se desenrolou de forma bem diferente. 5.2. Arte Bizantina O Império Bizantino atingiu seu maior esplendor durante o governo do imperador Justiniano I, entre os anos de 527 e 565. Justiniano promoveu importantes mudanças, como a codificação das leis baseada no Direito Romano, e vislumbrou na aliança com a Igreja Cristã o suporte perfeito para o seu governo. Dessa forma, a produção artística de Bizâncio, profundamente ligada ao cristianismo, tinha um importante objetivo: expressar a autoridade suprema e absoluta do imperador considerado pelo povo um ser sagrado, um representante de Deus na terra, com poderes temporais e espirituais. A Igreja Cristã havia desenvolvido, naquela região, uma grande estrutura administrativa e, durante muitos anos, envolveu-se em uma profunda controvérsia, que dividia as Igrejas no Ocidente e no Oriente, a respeito do uso de pinturas e entalhes na vida religiosa. O imperador Leão III acabou decretando a ilegalidade da representação de qualquer imagem de Cristo, da Virgem e de santos em forma humana. Por mais de um século, o decreto do imperador justificou a destruição sistemática das imagens religiosas de forma humana. Essas ações eram executadas por lideranças militares conhecidas como iconoclastas – os destruidores de imagens. Muitos artistas bizantinos foram obrigados a fugir para o ocidente, mas, assim que a Lei foi revogada, em 843, as imagens humanas retornaram às Igrejas, reforçando ainda mais o seu caráter majestoso, cujo objetivo era exprimir poder e riqueza. Assim, a arte bizantina se colocou a serviço do imperador, impondo aos artistas uma série de regras estabelecidas para que a Igreja Cristã atuasse como suporte do Estado, mais ou menos como aconteceu no Egito antigo. A palavra ícone, em grego, significa imagem. Os ícones bizantinos eram quadros que representavam figuras sagradas como o Cristo, a Virgem, os apóstolos, mártires e santos (Figura 48). Eram venerados nas igrejas, mas não era raro encontrá-los nos oratórios familiares, já que se 204


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tornaram muito populares entre os gregos, balcânicos, eslavos e asiáticos, mantendo-se, por muito tempo, como expressão artística religiosa. Os ícones eram pintados, utilizando-se a técnica da encáustica ou da têmpera; e, para tornar a pintura mais rica, era aplicada no fundo da superfície (metal ou madeira) uma camada dourada. As características formais dos ícones retomavam a rigidez egípcia e a construção simétrica central. A utilização da frontalidade permitia uma “leitura” mais fácil e abrangente dos corpos e dos rostos pintados, proporcionando uma identificação do espectador com a imagem e uma compreensão mais clara da mensagem implícita na obra proposta. Como as pinturas, os ícones foram importantes meios de comunicação e de afirmação dos poderes temporal e secular da época; revelaram também a sensibilidade criativa de um momento que estabeleceu rígidas regras, não somente para a vida comunitária, mas, também, para a representação de um processo imaginário necessário na busca de uma identidade espiritual coletiva. Seguem abaixo as principais técnicas utilizadas no período: Técnica da têmpera: Essa técnica consiste em misturar os pigmentos a uma goma orgânica para facilitar a fixação das cores à superfície do suporte. A substância mais comumente usada é a gema do ovo, que torna as cores mais brilhantes e luminosas. Técnica da encáustica: Já os antigos gregos utilizavam essa técnica para cobrir suas esculturas em mármore. O processo consiste em diluir os pigmentos em cera derretida e aquecida no momento de sua aplicação. Essa técnica torna a pintura semifosca. 5.2.1. Os mosaicos Uma das mais importantes formas de expressão, o mosaico, surgiu durante os séculos V e VI em Bizâncio e na cidade italiana de Ravena. Os mosaicos eram produzidos para impulsionar a propagação da nova religião oficial, o cristianismo. O tema, portanto, era, essencialmente, religioso, mostrando Cristo como mestre e senhor (Cristo Majestade). Uma nova linguagem figurativa, elaborada a partir das linhas e da ausência de profundidade de espaço, surgiu em Bizâncio. As figuras eram, rigidamente, frontais (pois a postura rígida da figura leva o espectador a uma atitude de respeito e veneração) e simétricas, enquanto os traços do rosto eram o resultado de uma codificação abstrata que se repetia em cada figura retratada (Figura 49). A utilização do claro-escuro foi, aos poucos, desaparecendo, e as imagens perderam seu volume. Para reproduzir os detalhes anatômicos ou os 205


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pregueados das vestes, eram utilizadas linhas e outros sinais gráficos cada vez mais simplificados. Foram simplificados, também, os fundos arquitetônicos, o espaço do céu foi substituído por uma superfície dourada, que se tornou o esplendoroso símbolo da luz divina. Símbolos, como a auréola (herança oriental), foram utilizados na representação do imperador, ressaltando sua conotação sagrada. A representação do Cristo tornou-se a representação de um rei (Cristo Majestade), adotando as características das personalidades imperiais da época estabelecendo, dessa maneira, uma relação entre o poder temporal e o poder secular.

Figura 49 – Detalhe de mosaico. Basílica de Santa Sofia, Istambul (532–537 a.C.)

5.3. Arte Românica A apreciação da arte medieval sofreu a influência de um tipo de pensamento enraizado na concepção clássica. A produção que não seguia os cânones clássicos era considerada de pouco valor, quase inclassificável. Essa atitude, sustentada pela ideia de que a Idade Média seria uma “Idade das Trevas”, foi apoiada, por muito tempo, por diferentes teóricos da arte. Atualmente, embora ainda haja teóricos que retomem esse tipo de definição, a tendência é considerar a produção medieval como o fruto de uma conjuntura histórica e social específica, elaborada a partir das vivências coletivas e individuais de pessoas que participaram, ativamente, do processo de criação. É, portanto, importante ressaltar que, conhecer a arte medieval torna-se fundamental para compreender melhor o processo criativo que envolve, também, nossa produção atual, 206


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já que conectar-se ao passado (qualquer que seja) nos fornece os instrumentos para enxergar melhor o futuro. Os homens que primeiro conceberam a história da arte como uma evolução de estilos partiram da convicção de que a arte, ao longo de sua evolução, já havia atingido um clímax sem paralelo: a arte grega, da época de Péricles à de Alexandre, o Grande. Dão a esse estilo o nome de Clássico (isto é, perfeito). Tudo que veio antes foi chamado de Arcaico – ainda antigo e preso à tradição, mas empenhando-se na direção certa. O estilo que veio em seguida ao apogeu não mereceu um nome especial, uma vez que não possuía qualidades positivas próprias, sendo, simplesmente, um eco ou decadência da arte clássica. Os primeiros historiadores da arte medieval observaram um modelo semelhante: para eles, o grande clímax foi o estilo Gótico (no entanto, o termo foi inventado por apreciadores da arte clássica, e com ele pretendia-se indicar que a arte medieval era obra dos Godos ou Bárbaros). Essa arte floresceu do século XIII ao século XV. Para tudo que ainda não fosse gótico, criaram o termo “Românico” e, ao fazê-lo, pensavam, principalmente, na arquitetura: as igrejas pré-góticas, observaram, eram de arco pleno, sólidas e pesadas, muito semelhantes ao antigo estilo romano da construção, em oposição aos arcos ogivais e à majestosa luminosidade das esculturas góticas. (JANSON, 1996, p.116) As igrejas românicas eram concebidas para abrigar as multidões que chegavam para visitar os relicários constituídos por roupas e ossos de santos ou pedaços da Santa Cruz trazidos pelos cruzados. A planta era em forma de cruz (cruciforme), com a longa nave central (corredor central) atravessada horizontalmente por um transepto (nave menor) mais curto e que simbolizava o corpo de Cristo na cruz (Figuras 50 e 51). As amplas arcadas permitiam a circulação dos peregrinos e fiéis que lotavam as igrejas nos dias da função. A utilização na construção do teto da abóbada de berço (semicírculo – chamado também de arco pleno – prolongado lateralmente pelas paredes) implicava duas desvantagens fundamentais: a dificuldade em sustentar o excesso de peso do teto de pedra maciça e a pouca luminosidade que resultava das janelas estreitas (era impossível pensar em grandes aberturas, que poderiam enfraquecer as paredes, aumentando o risco de desabamento). Esses problemas foram resolvidos com o desenvolvimento da abóbada de arestas que consistia na intersecção de duas abóbadas de berço apoiadas sobre pilares (Figuras 52 e 53). Esse tipo de aresta trouxe uma maior sustentabilidade e estabilidade à estrutura da igreja românica que, com o tempo, adquiriu mais “leveza” e luminosidade.

Figura 50 – Planta de St. Sernin

Figura 51 – St. Sernin Toulouse. 1080-1120.

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Figura 52 – Interior de S. Ambrogio, Milão

Figura 54 – Lado oriental do portal sul, St. Pierre, Moissac.

Figura 55 – Rei David, c. 1180-90

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Figura 53 – Nave e capela-mor de St. Sernin de Toulouse

A parte externa da igreja românica era despojada, com exceção dos relevos esculturais localizados em volta do portal principal (prática inaugurada na França). Visto que a maioria dos fiéis era analfabeta, as esculturas, assim como as pinturas no interior da igreja, tinham a função de ensinar a doutrina religiosa, contando histórias gravadas na pedra. As esculturas ficavam concentradas no tímpano (espaço semicircular entre o arco e o dintel, viga horizontal) da porta central e representavam cenas da ascensão de Cristo ao trono celestial, cenas do juízo final ou episódios do Antigo e Novo Testamentos. Essas igrejas românicas são, de acordo com a influente posição de seus construtores, imponentes expressões de poder irrestrito e recursos ilimitados. Foram denominadas ‘fortalezas de Deus’ e são, de fato, tão amplas, sólidas e maciças quanto as fortalezas e os castelos da época. Foram erguidas, no entanto, não apenas para servir aos fiéis, como também para a maior glória de Deus e, à semelhança dos edifícios sagrados do Oriente antigo e ao contrário de qualquer arquitetura de épocas subsequentes, até certo ponto, serviram como símbolo de poder e autoridade supremos. (HAUSER, 2000, p. 186). O rápido desenvolvimento das esculturas românicas reflete o crescimento do fervor religioso entre a população leiga. O poder de capturar a atenção dos fiéis, embora muitas vezes criticada por São Bernardo de Clairvaux, que via, nas estátuas, a tentação iconólatra de “ler no mármore, e não nos livros”, impulsionou a produção escultórica relacionada, principalmente, à construção das igrejas (Figuras 54, 55 e 56). As características dessa produção são muito bem descritas por Hauser:


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“A dissolução vertical da parede e o expressionismo da figura dão, entretanto, sinais inequívocos de uma tendência para uma perspectiva mais dinâmica. Nos exageros pelos quais são obtidos os efeitos – o deslocamento das proporções naturais, as ampliações excessivas das partes mais expressivas do rosto e do corpo, em especial os olhos e as mãos, a gesticulação hiperbólica, as reverências ostensivamente profundas, os braços jogados para o alto, as pernas cruzadas como se esboçassem passos de dança. (2000, p. 190) Para Gombrich (1995, p. 176), os ensinamentos da Igreja sobre o objetivo último de nossa vida terrena foram consubstanciados nas esculturas dos pórticos das igrejas. Essas imagens perduraram no espírito das pessoas ainda mais poderosamente do que as palavras do sermão do pregador. François Villon, poeta francês que viveu no final da idade média, descreveu esse efeito em comoventes versos dedicados à sua mãe: Sou uma pobre e velha mulher, Muito ignorante, que nem sabe ler. Mostraram-me na igreja da minha terra Um paraíso com harpas pintadas E o inferno onde fervem almas danadas, um enche-me de júbilo, o outro me aterra... A pintura românica desenvolveu-se, principalmente, nas decorações murais de grandes proporções localizadas no interior das igrejas. A técnica do afresco era largamente utilizada pelos pintores – na maioria anônimos – que utilizavam como modelo para as próprias pinturas ilustrações de livros religiosos (Figura 57). É importante lembrar que, nessa época, era grande, nos conventos, a produção de manuscritos decorados à mão que retratavam cenas da história sagrada. As características principais das pinturas românicas foram a deformação e o colorismo. Para os pintores da época, deformar a figura traduzia os sentimentos religiosos e a interpretação mística da realidade. Deformar (por exemplo, aumentar) uma parte do corpo significava valorizar sua importância e seu papel na prática religiosa. Percebemos isso, por exemplo, no tamanho exagerado das mãos de Cristo no ato de abençoar, ou na representação dos seus olhos enormes, que para os códigos visuais da época significava intensa vida espiritual. Como na arte egípcia, existia, na representação das figuras, uma hierarquia visual, isto é, uma relação entre tamanho e importância social ou religiosa. Frontalidade e rigidez faziam parte da pintura românica, que ressaltava o posicionamento estático das figuras como característica marcante de sua produção.

Figura 56 – Juízo Final, Catedral de Autun, c. 1130-35

Figura 57 – São João Evangelista, do evangeliário do Abade Wedricus.

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5.4. Arte Gótica Segundo Janson (1996, p. 131): “A pintura Gótica chegou ao apogeu criativo entre 1300 e 1350 na Itália central. Por volta de 1400, tornou-se a arte mais importante ao norte dos Alpes. Assim, ao examinar a época gótica como um todo, deparamo-nos com uma mudança gradual de ênfase, da arquitetura para a pintura ou, talvez, do caráter arquitetônico para o pictórico”. Os artistas góticos, embora ainda sofrendo a influência de um tipo de representação inspirada nos cânones bizantinos, pareciam querer desafiar a bidimensionalidade da tela, propondo uma busca espacial tridimensional que abria novas possibilidades representativas. A retratação do castelo ou da cidade, como pano de fundo das cenas religiosas, mostrava o interesse em instaurar-se um diálogo entre o espaço vivencial conhecido e, portanto, identificável, e o espaço do imaginário coletivo, permeando-se a cena de uma realidade quase tangível, porque reconhecível (Figura 58). O espaço explorado na tela pelos artistas góticos estimulava o olhar do espectador, capturando sua atenção e exercitando uma função pedagógica (de ensinar) típica das obras desse período. As histórias bíblicas eram transformadas pelos hábeis pintores em recortes que capturavam uma ação ainda iconograficamente presa ao passado, mas lançada, por meio dos traços cada vez menos rígidos e esquemáticos, para um futuro imagético mais dinâmico. A representação da cidade, como ponto de partida para uma reflexão sobre um espaço de múltipla utilização coletiva, impulsionou um olhar mais “mundano” a respeito de uma realidade que trazia lentas, mas profundas, mudanças. O olhar unidirecional do frontalismo bizantino se movimentou em outras direções, começando a mostrar maneiras diferentes de percepção e apreensão do mundo. As atividades, os episódios e as histórias retratadas denunciavam a necessidade de mostrar atos e atitudes humanas insertas num contexto social que adquiria uma importância cada vez maior. O papel do indivíduo e sua “autonomia” foram traduzidos nos corpos e nos rostos, que, representados em pose que desafiavam as convenções das épocas anteriores, mostravam possibilidades inusitadas. Um bom exemplo pode ser a figura retratada de costas para o espectador, pintada por Giotto (Figura 59). Inicia-se, assim, o lento caminho rumo à flexibilização representativa do indivíduo e de seu mundo. Nesse contexto, a retratação da profundidade, esse incrível recurso que possibilitou a penetração simbólica da tela e do espaço, parece ter estimulado a busca por um tipo de pintura e escultura que, mesmo ainda ancorada aos cânones antigos, 210


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impulsionou um percurso artístico inovador que encontrará, no Renascimento, seu momento de expressão mais intensa e profunda (Figuras 60, 61 e 62).

Figura 58 – Entrada de Crito em Jerusalém. Giotto.

Figura 59 – A Lamentação de Cristo. C. 1305, Fresco. Cappella Dell’Arena. Pádua, Itália.

Figura 60 – Virgem em Magestade, Duccio. Museu da Catedral de Siena.

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saiba mais A Escultura nas Catedrais

Figura 61 – Virgem em Magestade, Cimabue.

“A simetria e a clareza substituíram o movimento frenético e as multidões: as figuras não são mais emaranhadas entre si, mas eretas e independentes, de modo a que se visualiza muito melhor o conjunto a grande distância. Em vez de serem tratadas, essencialmente, como relevos esculpidos, são verdadeiras estátuas, cada qual com seu próprio eixo; pelo menos, em teoria, poderiam ser destacadas das colunas que lhes servem de suporte. Aparentemente, esse primeiro passo (desde o fim da Antiguidade Clássica), no sentido de fazer ressurgir a escultura monumental independente, só poderia ser dado através do ‘empréstimo’ da forma cilíndrica das colunas onde estão colocadas as figuras. Esse método as faz parecer presas a uma certa atmosfera de imobilidade, e, no entanto, as suas cabeças já possuem uma suavidade humana que evidencia a busca por um maior realismo.” (Janson, 1996, p. 141). Escultura elaborada a partir de figuras rígidas, desproporcionalmente longas para o desenvolvimento de um estilo mais natural. A Visitação representa tanto Maria como sua parenta Elizabeth, apoiadas em uma das pernas, com a parte superior do corpo ligeiramente voltada uma para a outra. Elizabeth, mais velha, tem a face enrugada, revelando profundo caráter, e o drapeado é trabalhado com mais imaginação. (Strickland, 1999, p. 29)

5.4.1. Arquitetura Gótica

Figura 62 – Virgem em Magestade, Giotto.

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A Catedral de Chartres (Figura 63) é a alma visível da Idade Média. Construída para abrigar o véu da Virgem, doado à cidade pelo neto de Carlos Magno – Carlos, o Calvo –, em 876, é uma obra de arte multimídia. Os vitrais (Figura 64), a mais intacta coleção de janelas medievais do mundo, ocupam uma área total de 8.800 metros. Ilustrando passagens da Bíblia, as vidas dos santos e até mesmo o artesanato tradicional da França, os vitrais são gigantescos manuscritos iluminados (STRIKCLAND, 1999, p. 29). “O auge do desenvolvimento artístico da Idade Média, rivalizando com as maravilhas da Grécia e da Roma da antiguidade, foi a catedral gótica. De fato, essas “Bíblia de pedra” superaram até mesmo a arquitetura clássica em termo de ousadia tecnológica. Entre 1200 e 1500, os construtores medievais ergueram essas estruturas eleboradíssimas, com interiores atingindo uma altura sem precedentes no mundo da arquitetura. O que tornou possível a catedral gótica foram dois desenvolvimentos da engenharia: abóbada com traves e suportes externos chamados arcobotante e contraforte. A aplicação desses pontos de apoio, nos locais necessários, permitiu trocar as paredes


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grossas com janelas estreitas por paredes estreitas com janelas enormes com vitrais inundando de luz o interior. (...) Além da qualidade de treliça das paredes das catedrais (um efeito de “renda petrificada” como

as descreveu o escritor William Faulkner), a verticalidade caracteriza a arquitetura gótica. Os construtores usavam o arco pontudo, que aumenta tanto a ilusão como a realidade de altura. Os arquitetos competiam entre si para realizar as mais altas naves (em Amiens, a nave atinge a altura de 47 metros) Quando a ambição ultrapassava a tecnologia e a nave despencava, o que não era difícil de acontecer, os fervorosos fiéis a reconstruíam. (...) Edificações tão complexas levavam, literalmente, séculos para serem construídas – a Catedral de Colônia levou seis séculos –, o que explica por que algumas parecem uma miscelânea de estilos sucessivos.” (STRICKLAND, 1999, p. 28) A partir do texto de Strickland, é possível perceber como certas mudanças no campo arquitetônico influenciaram a passagem do estilo românico para o gótico. É importante lembrar, porém, que essas transformações não foram bruscas e repentinas, ocorreram, gradativamente, no decorrer do tempo e do espaço, manifestando-se não somente, na construção de “novas” igrejas, mas, também, na concepção de um tipo de pintura que buscava (principalmente no período tardio) resgatar uma forma de retratação mais dinâmica e expressiva. Após a descoberta dos textos de Aristóteles, o corpo deixou de ser desprezado e passou a ser percebido como o templo da alma. Essa importante mudança influenciou a maneira de representá-lo; os artistas começaram, então, a retratar a figura humana com mais naturalidade, cuidando de detalhes anatômicos e psicológicos que começavam a mostrar uma maneira diferente de enxergar o ser e seu contexto.

Figura 63 – Catedral de Chartres, França.

Figura 64 – Vitrais da Catedral de Chartres (detalhe).

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Ênfase Elevação Planta Traço principal Sistema de suporte Engenharia Ambiente Exterior

Românico

Gótico

Horizontal

Vertical

Altura modesta

Altíssima

Múltiplas unidades

Espaço unificado, inteiro

Arco redondo

Arco pontudo

Pilastras, paredes

Contraforte externo

Abóbadas em cilindro e de aresta

Abóbadas com arestas e traves

Escuro, solene

Leve, claro

Simples, severo

Ricamente decorado com esculturas

Esquema Trickland

Chegamos ao final da primeira etapa de nossa viagem, mas lembrando que a viagem não acabou! A história da arte continua acompanhando nosso caminho como possível percurso de reflexão e questionamento, apontando para a necessidade cultural atemporal. Começamos nossa viagem no Paleolítico olhando para as pinturas rupestres, passamos pelas pirâmides egípcias, aproximamo-nos das catedrais da Idade Média. Nossa próxima etapa será mergulharmos nas questões políticas que impulsionaram os artistas do Renascimento... referências bibliográficas BECKETT, W. História da pintura. São Paulo: Editora Ática, 1997. FISHER, H. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1973. FRANCASTEL, P. A realidade figurativa. Rio de Janeiro: Perspectiva, 1973. GOMBRICH, E.H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1999. HAUSER, H. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. JANSON, H.;A. Iniciação a história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999. OSTROWER, F. Acaso e criação artística. Rio de Janeiro: Campus, 1995.

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hist贸ria da arte i: da pr茅-hist贸ria a idade m茅dia

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