Revista nº. 56 • Ano 8 • Outubro/2022 Usina Porto Urbano Jóia oculta na historiografia de Mato Grosso. Pag. 26 Mato Grosso lume 8 14 56 60 ANTROPOLOGIA - DESIDÉRIO AYTAI ESPORTE - ULTRAMACHO MEMÓRIA - FILINTO MÜLLER AMERICANIDADE - MERCEDES SOSA
IGREJA DO ROSÁRIO, CUIABÁ. FOTO: JULIO ROCHA
JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral
esde o surgimen to da revista im pressa no Brasil em 1812, essa mí dia tradicional sofreu diver sas transformações ao lon go do tempo. Com o adven to da internet, as mudan ças foram ainda mais drás ticas: surgiu uma necessi dade de se acessar as no tícias de forma imediata, fa zendo com que as revistas que permaneciam somente no meio impresso ficassem para trás. Para se adaptar aos moldes dos dias atuais, os veículos procuraram se reinventar ao criar setores para publicar conteúdo na internet, assim expandindo a marca para atingir mais pessoas. Questionados, al guns jornalistas se pronun ciaram sobre esse assun to. Marcos Coronato, editor executivo da revista Época, relatou a preocupação do veículo em fazer com que as matérias do site tenham o maior “ciclo de vida” pos sível, exaltando a figura do editor que proporcio na um olhar mais experien
DDesde o surgimento da revista im pressa no Brasil em 1812, essa mídia tradicional sofreu diversas transformações ao longo do tem po. Com o advento da internet, as mudan ças foram ainda mais drásticas: surgiu uma necessidade de se acessar as notí cias de forma imediata, fazendo com que as revistas que permaneciam somente no meio impresso ficassem para trás. Para se adaptar aos moldes dos dias atuais, os veículos procuraram se reinventar ao criar setores para publicar conteúdo na inter net, assim expandindo a marca para atin gir mais pessoas. Questionados, alguns jornalistas se pronunciaram sobre esse assunto. Marcos Coronato, editor execu tivo da revista Época, relatou a preocupa ção do veículo em fazer com que as ma térias do site tenham o maior “ciclo de vida” possível, exaltando a figura do editor que proporciona um olhar mais experiente e pode tornar a publicação mais interes sante para dessa forma atrair mais leito res. Na revista Veja a situação é bem pa recida. Daniel Bergamasco, editor online, revelou que há alguns anos o veículo in vestiu na plataforma online, e isso permi tiu algumas mudanças na redação: inter câmbio entre editores e união dos jornalis tas, deixaram de existir papéis definidos. Daniel acredita que a versão online ainda não conseguiu se igualar a edição impres
te e pode tornar a publica ção mais interessante para dessa forma atrair mais lei tores. Na Veja a situação é bem parecida. Daniel Ber gamasco, editor online, re velou que há alguns anos o veículo investiu na plata forma online, e isso permi tiu algumas mudanças na redação: intercâmbio en tre editores e união dos jor nalistas, deixaram de exis tir papéis definidos. Daniel acredita que a versão onli ne ainda não conseguiu se igualar a edição impressa quando se trata de impac to, na medida em que as revistas causam um efei to nostálgico e forte ao se abrir, por exemplo, uma foto que ocupa uma página in teira. É algo que captura a atenção do leitor de uma maneira que os sites não conseguem fazer. A revis ta impressa é desenvolvida considerando que o leitor terá um tempo maior dedi cado ao texto, desta forma a produção de conteúdo é mais aprofundada. Entre tanto, as chamadas “pau
sa quando se trata de impacto, na medi da em que as revistas causam um efeito nostálgico e forte ao se abrir, por exem plo, uma foto que ocupa uma página in teira. É algo que captura a atenção do lei tor de uma maneira que os sites não con seguem fazer. A revista impressa é desen volvida considerando que o leitor terá um tempo maior dedicado ao texto, desta for ma a produção de conteúdo é mais apro fundada. Entretanto, as chamadas “pau tas quentes” podem não resistir até o fi nal de semana (quando a revista é veicu lada), valorizando a necessidade do site. Giovana Romani, editora sênior da revis ta Glamour, acredita na exclusividade da revista impressa, já que existe uma cura doria limitada para a veiculação. A princi pal diferença apontada por Giovana está na questão do título, o online exige “sujei to, predicado, ação e informação relevan te”, em contrapartida a revista é mais flui da. Para mim não ocorrerá o fim da revis ta impressa, mas sim uma depuração da quilo que temos em nosso mercado, tanto no Estado, quanto no país afora. Os edi tores e jornalistas migrarão, em sua maio ria, para sites. Ficarão os que tem propos ta editorial que atinja os objetivos do lei tor, especialmente daquele mais exigente e que busca qualidade. Estamos buscan do encontrar o caminho certo para nossa LUME MATO GROSSO.
tas quentes” podem não re sistir até o final de semana (quando a revista é veicula da), valorizando a necessi dade do site. Giovana Ro mani, editora sênior da re vista Glamour, acredita na exclusividade da revista im pressa, já que existe uma curadoria limitada para a veiculação. A principal di ferença apontada por Gio vana está na questão do tí tulo, o online exige “sujeito, predicado, ação e informa ção relevante”, em contra partida a revista é mais flui da. Para mim não ocorre rá o fim da revista impres sa, mas sim uma depura ção daquilo que temos em nosso mercado, tanto no Estado, quanto no país afo ra. Os editores e jornalistas migrarão, em sua maioria, para sites. Ficarão os que tem proposta editorial que atinja os objetivos do lei tor, especialmente daquele mais exigente e que busca qualidade. Estamos bus cando encontrar o cami nho certo para nossa LUME MATO GROSSO
lume MatoGrosso CARTA DO EDITOR lume MatoGrosso
CARTA DO EDITOR
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Mato Grosso
PESCUMA MORAIS Diretor de Expansão e de Projetos Especiais
ELEONOR CRISTINA FERREIRA Diretora Comercial
JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral
MARIA RITA UEMURA Jornalista Responsável
JOÃO GUILHERME O. V. FERREIRA Revisão
ÁLEX VICENTE, AMÉRICO CORRÊA, ANA CAROLINA H. BRAGANÇA, ANDRÉIA KRUGER, ANNA MARIA RIBEIRO, BENEDITO PEDRO DORILEO, BRUNO HENRIQUE BRITO LOPES, CARLOS FERREIRA, CECÍLIA KAWALL, DIEGO DA SILVA BARROS, EDUARDO MAHON, ELIETH GRIPP, ENIEL GOCHETTE, EVELYN RIBEIRO, FELIPE DE ALBUQUERQUE, FRANCISCO E. DE BRITO JR., JOSANE SALLES, JUDI OLLI, JULIANA RODRIGUES, LIANE CARVALHO OLEQUES, LUCIENE CARVALHO, LUIZ CARLOS NEMETZ, MARIA CLARA BENGEMER, MILTON PEREIRA DE PINHO - GUAPO, RAFAEL LIRA, RAFAEL M. ALMEIDA, ROSE DOMINGUES, RUTH ALBERNAZ, THAYS OLIVEIRA SILVA, VALÉRIA CARVALHO, WLADIMIR TADEU BAPTISTA SOARES, YAN CARLOS NOGUEIRA Colaboradores
ANDREY ROMEU, ANTÔNIO CARLOS FERREIRA (BANAVITA), CECÍLIA KAWALL,
CHICO VALDINEI, EDUARDO ANDRADE, HEITOR MAGNO, HENRIQUE SANTIAN, JOSÉ MEDEIROS, CORRÊA, JÚLIO ROCHA, LAÉRCIO MIRANDA, LUIS ALVES, LUIS GOMES, RAI REIS, MAIKE BUENO, MARCOS BERGAMASCO, MARCOS LOPES, MÁRIO FRIEDLANDER, MOISÉS INÁCIO DE SOUZA, SAMUEL MELIN Fotos
OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES.
LUME - MATO GROSSO é uma publicação mensal da EDITORA MEMÓRIA BRASILEIRA Distribuição Exclusiva no Brasil
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RETRATO DE PORTO URBANO, 1962 POR: ZENITH Capa
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Primórdios do Beisebol SUMÁRIO 20. SAÚDE 50. ESPORTE
TROIKA
Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, que faço dessa lucidez?
Troika ou troica (em russo: palavra russa que designa um comité de membros. A origem do termo vem da “troika” que em russo significa um carro conduzido por três cavalos alinhados lado lado, ou mais frequentemente, um trenó puxado por cavalos. Em política, a palavra troika designa uma aliança de três personado mesmo nível e poder que se reúnum esforço único para a gestão de entidade ou para completar uma miscomo o triunvirato de Roma.
Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes.
» Tsar (ou Czar) é uma versão reduzida da palavra latina caeser, introduzida ao vocabulário popular em 1547 por Ivan, o Terrível, e refere-se ao título oficial do monarca russo. No período entre os anos 1613 e 1917, a Rússia foi comandada pela Dinastia Romanov, e o primeiro czar chamava-se Mikhail Fiódorovitch. O último governante do país, Nikolai II, abdicou do trono em 1917 a favor do seu irmão mais novo Mikhail, que, mesmo seguindo o exemplo do Nikolai e recusando-se a ser o próximo monarca, é formalmente considerado o último czar russo.
8. BELUGA
o termo usado para se referir aos memdo Partido Comunista, o único exisna União Soviética. A palavra nasceu dos congressos do Partido Social Democrata de Trabalhadores da Rússia, quangrupo liderado por Vladimir Lenine recebeu a maioria de votos num dos principais assuntos discutidos. Apesar de o grupo não obtido o mesmo sucesso em outras votações, a palavra ganhou a popularidade e foi atribuída a todos os aliados do futuro líder soviético.
» A Baleia Branca, ou Beluga, é um mamífero marinho da ordem dos cetáceos. Habitando as águas
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BOLCHEVIQUE
Após a divisão do partido em “bol7. CZAR
frias do hemisfério Norte, as 54. MEMÓRIA 60. EDUCAÇÃO 65 LITERATURA
Nunca Te Vi, Sempre Te Amei
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Nunca te vi, sempre te amei” (84 Charing Cross Road), filme de 1987, estrelado por Anthony Hopkins e Anne Bancroft, me remete à amizade que fiz com o professor Desidério Aytai, iniciada em 1987, (mesmo ano do filme) e finalizada, com sua morte, em 1998.
unca te vi, sempre te amei” (84 Charing Cross Road), filme de 1987, estrelado por Anthony Hopkins e Anne Bancroft, me remete à amizade que fiz com o professor De sidério Aytai, iniciada em 1987, (mesmo ano do filme) e finalizada, com sua morte, em 1998.
Isso porque o enredo do filme trata da amizade entre duas pessoas que não se conheceram pessoalmente, mas pelas cartas trocadas durante duas décadas.
Isso porque o enredo do filme trata da amiza de entre duas pessoas que não se conhece ram pessoalmente, mas pelas cartas trocadas durante duas décadas.
8 lume MatoGrosso 22 lume MatoGrosso ANTROPOLOGIA
À Desidério Aytai, um etnólogo de 7 fôlegos
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POR ANNA MARIA RIBEIRO FERNANDES MOREIRA DA COSTA FOTOS DESIDÉRIO AYTAI
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ANTROPOLOGIA
À Desidério Aytai, um etnólogo de 7 fôlegos
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POR ANNA MARIA RIBEIRO FERNANDES MOREIRA DA COSTA FOTOS DESIDÉRIO AYTAI
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Baseado na vida da escritora nova-yor quina Helene Hanff, a trama narra os efei tos de uma troca de cartas que se iniciou com um simples pedido de livro. A escrito ra, ao enviar uma carta à livraria de Londres em busca de livros raros, entrou em contato com o livreiro britânico que respondeu edu cadamente à correspondência. Daí nasceu uma comovente troca de cartas.
Em relação à minha amizade com Desi dério Aytai, ela teve início com o meu inte resse em criar, em 1988, um centro de do cumentação na sede da Funai, em Vilhe na, Rondônia, momento em que estive en tre os grupos Nambiquara do Cerrado . As sim, enquanto Helene Hanff, personagem de Bancroft, procurou Frank Doel, papel encarnado por Hopkins, entrei em con tato, também por correspondência, com Desidério Aytai, para solicitar sua produ ção bibliográfica e fotográfica para formar um acervo documental e bibliográfico à disposição dos funcionários para conhe cerem melhor os mais de 30 grupos que formam o povo Nambiquara do Cerrado , da Serra do Norte e do Vale do Guaporé. Dentre os estudiosos que desenvolveram pesquisas com o povo Nambiquara , Aytai foi o que mais contribuiu para o enrique cimento do acervo que pretendi criar em Vilhena. Foi nesse período que tive aces so às Publicações do Museu Histórico de Paulínia, sob sua organização. Assim, a semelhança que existe entre a história de Hanff e a minha se dá em três pontos: as cartas, os livros e a amizade.
Desidério Aytai nasceu em Budapeste, Hungria, em 1905. A história de Aytai no Brasil teve início após a Segunda Guerra Mundial, quando a Hungria tornou-se um Estado comunista. Avesso ao ideário co munista, Aytai deixou sua terra natal com a família para trabalhar no Museu da Smi thsonian Institution , em Washington, no Musée de l’Homme , em Paris, e no Museu do Vaticano, em Roma. Em 1948, o enge nheiro mecânico formado pela Real Uni versidade Húngara imigrou para o Brasil
e encontrou o espaço propício para cons truir sua carreira como antropólogo.
Trabalhou na construção de pontes, es tradas e locomotivas. Nessas áreas, publi cou vários estudos, como cálculo das cur vas econômicas das linhas férreas, deter minação teórica do chamado fator de pois sant de aços e um livro de mecânica para aprendizes técnicos. Foi premiado no con curso literário sobre vibrações da corda de aço dos elevadores. Na Pontifícia Univer sidade Católica de Campinas (PUCC), de pois de aposentado, fundou a Faculdade de Engenharia, momento em que também assumiu o cargo de diretor.
Mas, o grande sonho do engenheiro hún garo estava alicerçado na área da Antropo logia, especialmente dos povos da África e da América do Sul. Ao chegar no Brasil, no campo da Arqueologia, iniciou suas pes quisas nos sambaquis do litoral Sul de São Paulo. Os resultados das escavações rea lizadas por Desidério Aytai e os alunos do curso de Ciências Sociais da PUCC, no fi nal da década de 1950, e no decorrer dos anos de 1960, encontram-se no acervo da instituição, que também reúne peças cole tadas em expedições às comunidades indí genas do Centro-Oeste e Norte brasileiros. Recebeu o convite da mesma universidade, em 1963, para ocupar a cadeira de Antro pologia no curso de Ciências Sociais. Tam bém foi professor e pesquisador na Univer sidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em outras faculdades.
Como professor, Aytai passou grande parte de sua vida na região de Campinas. Em cidades próximas, sua presença mar cou uma trajetória no campo da Antropo logia e da Arqueologia. Fundou o Museu Histórico de Paulínia, em Paulínia, o Mu seu Municipal Elizabeth Aytai, em Mon te Mor, nome atribuído em homenagem à esposa, pesquisadora que encontrou, no ano de 1971, uma urna funerária de tradi ção Tupi , datada de 800 a 1000 anos. Hoje o museu está sob a direção Zilda Rangel, sua discípula e grande amiga.
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ANTROPOLOGIA
DESIDÉRIO AYTAI
O desejo pelas pesquisas antropológi cas, todavia, permaneceu acima de quais quer outros interesses acadêmicos. Na década de 1960 iniciaram-se os trabalhos de campo do engenheiro etnógrafo junto ao povo Nambiquara , bem como a publi cação de uma série de artigos. Entre 1963 e 1966, esteve entre o Mamaindê e o Sa raré , grupos da Serra do Norte e do Vale do Guaporé, respectivamente. Com os grupos da Chapada dos Parecis realizou estudos em 1967, com o grupo Halotesu e, nesse mesmo ano, retornou ao Vale do Guaporé para pesquisar o grupo Wasusu , todos da etnia Nambiquara
Aytai passou, então, a dedicar-se às pes quisas de campo, na organização e como integrante de várias expedições às terras
dos índios Xavante (tese de doutorado), Bo roro, Paresi, Guarani, Karajá, Nambiquara Estudou um dos aspectos mais relevantes na vida dos indígenas – a música – geral mente negligenciada como objeto de estudo por pesquisadores de distintas áreas do co nhecimento. A exiguidade de material sobre a música indígena deve-se, por outro lado, a dificuldade em registrar fenômeno tão efê mero como o som e, por outro lado, a de se compreender a música indígena nos contex tos em que é produzida. Aytai conseguiu su perar tais dificuldades e legou um riquíssimo acervo ainda a ser explorado.
Em relação à música Nambiquara, o resul tado das pesquisas de Aytai mostrou que o espaço musical dá-se tanto no pátio central, circundado por casas habitacionais, como
(tese de doutorado), por casas habitacionais, como
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DESIDÉRIO AYTAI, EM 1967, COM DOIS NAMBIQUARA DA SERRA AZUL.
no interior de uma casa ritual, construída pe los homens especialmente para entoarem os instrumentos de taquara, com e sem resso nador de cabaça. Não há a e
no interior de uma casa ritual, construída pelos homens especialmente para entoarem os instrumentos de taquara, com e sem res sonador de cabaça. Não há a obrigatorieda de da guarda das flautas retas ser exclusi vamente na casa das flautas. O interior da mata, longe da curiosidade e dos olhos femi ninos, pode ser também um local apropriado para esconder os instrumentos musicais, en tre galhos e, até mesmo, enrolados em co bertores. São entoadas durante o cultivo de plantas comestíveis e utilitárias, necessária à sobrevivência Nambiquara. Ao som da músi ca, os índios ingerem um bebida à base de mandioca e também despejam-na no inte rior das flautas, alimentando-as, pois crêem que ali se encontra a alma do menino que, no tempo mítico, transformou-se em plantas uti litárias e comestíveis para seu povo.
pois teve o mérito de conservar informações etnomusicais de grupos humanos que hoje passam por transformações sociais.
acadêmica
Principalmente em relação à musica, a contribuição acadêmica de Desidério Ay tai é inquestiona-velmente decisiva para o conhecimento da cultura musical dos indí genas no país. Seus estudos são referên cias para pesquisadores interessados em ter acesso às especificidades da música in dígena. E, ainda, ao considerar a escassez de obras sobre a cultura musical dos índios que atualmente habitam o território brasilei ro, sua contribuição atinge maior dimensão,
Nossa correspondência durou uma dé cada: de 04.10.1987 a 18.04.1988. Recebi do professor Desidério Aytai um total de 129 aerogramas, cartas e cartões-postais. Após obter, por doação, sua produção bibliográ fica e fotográfica e incorporá-la ao Acervo Documental da Fundação Nacional do Ín dio (Funai), nossa correspondência tomou outro rumo: o professor passou a orientar minhas pesquisas de campo, primeiramen te entre os Potiguara, Paraíba, e depois en tre os Nambiquara do Cerrado, Mato Gros so. Mais do que ler e orientar meus escritos, a presença de Aytai significou, na aldeia, lon ge das universidades, a segurança do per curso acadêmico necessário para adentrar em um terreno tão árido – o da cultural ma terial e imaterial. Assim, tive o olhar aguçado do húngaro sob meus escritos e ao resulta do de suas pesquisas de campo realizadas no anos de 1960, em especial aquelas de senvolvidas entre o povo Nambiquara
Mais povo
A última participação de Desidério Aytai em meus trabalhos acadêmicos ocorreu en tre 1997 e 1998, durante a elaboração de mi nha monografia intitulada “Irmão do chão: os Nambiquara na etno-história contemporâ
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EM PRIMEIRO PLANO A ÍNDIA BERENICE, NAMBIQUARA DA SERRA AZUL, EM 1967, COM UM PARENTE.
ÍNDIO NAMBIQUARA LORENZO, FABRICANDO UM PENTE, EM 1967.
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nea”, apresentada ao Departamento de His tória da Universidade Federal de Mato Gros so. Nesse estudo, Aytai contribuiu de forma ímpar na análise dos textos e no enriqueci mento da bibliografia Nambiquara, especial mente enviando-me cópias de estudos em língua estrangeira. Junto às cartas do pro fessor, recebi os números das Publicações do Museu Histórico de Paulínia, com artigos direcionados aos meus interesses. Ao final de poucos anos pude colecionar todos os números do periódico, cuja edição foi inter rompida após a sua morte.
Minha correspondência com o professor Desidério foi intensa e produtiva. Nossos la ços estreitaram-se a cada carta. Infelizmente, não tive a oportunidade de conhecê-lo pes soalmente, como Helene Hanff não conhe ceu Frank Doel no filme “Nunca te vi, sempre te amei”. Mas, igualmente à escritora e ao li vreiro, uma amizade nasceu. Amizade que teve como ponto de partida a pesquisa etno gráfica, quando impingiu um legado técnico e metodológico às minhas pesquisas.
Com sua morte, em 1995, recebi do Mu seu Histórico de Paulínia seu acervo sono ro, ainda inédito, com 71 fitas cassetes, con tendo narrações indígenas sobre mitologia e cantos de diversas etnias que estudou. Creio que o professor tenha deixado estabelecido
em seu testamento. Hoje esse acervo encon tra-se sob a responsabilidade do Museu do Índio, da Funai, no Rio de Janeiro, já digita lizado e disponível à pesquisa. Minha eterna gratidão ao professor Desidério se materiali zou no livro que escrevi: “Desidério Aytai e a etnografia Nambiquara” (2011). Na verdade, este livro foi escrito especialmente para ele.
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” (2011). Na verdade,
Ao me referir a Desidério Aytai, tenho por hábito compará-lo a Edgard Roquette-Pin to (1884-1954), médico, etnólogo, professor, escritor, ensaísta e pai da radiodifusão no Brasil. Isso por ambos terem percorrido um vasto caminho pelos diversos campos da ciência. Um mestre ou feiticeiro, na indaga ção de Carlos Drummond de Andrade que dedicou um poema a Roquette-Pinto, publi cado em “Fala Amendoeira”. Aos 93 anos, em pleno exercício da profissão, no Museu Elizabeth Aytai, com as mãos trêmulas, pas sou a assinar suas últimas cartas como De sidério (93), “Desidério Fóssil” e “Desidério de 7 fôlegos”. No Instituto Histórico e Geo gráfico de Mato Grosso, o húngaro que se naturalizou brasileiro se faz presente: dá nome à cadeira que ocupo.
de 7 fôlegos
E no Museu Elizabeth Aytai estão as mais de cem cartas que escrevi ao profes sor Desidério durante uma década, acondi cionadas em uma pasta amarela...
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ÍNDIO NAMBIQUARA DA SERRA AZUL, EM 1967, FABRICANDO CASA.
ÍNDIOS NAMBIQUARA DA SERRA AZUL, EM 1967. O DO CENTRO TINHA PODERES MÁGICOS.
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cópias números do periódico, cuja edição foi inter
ULTRAMACHO reuniu mais de 1300 atletas de 10 estados em Chapada dos Guimarães
Serão duas modalidades de Mountain Bike e três de Trail Run nas trilhas e paredões da região do Atmã
POR DANI DANCHURA
Cerca de 1.300 atletas participaram do evento multiesportivo ULTRA MACHO ‘Senta a Púa’, em Chapa da dos Guimarães (MT). As provas de Mountain Bike foram realizadas no sába do do dia 8 de outubro, nas modalidades de Ultrabike (45km) e Cicloturismo (14km). Já as provas de Trail Run, nas modalidades de 6km, 12km e 21km, ocorreram na ma nhã do dia seguinte (domingo-09). Os atle tas percorreram estradões e trilhas na re gião dos paredões do Atmã.
As provas de Mountain Bike e de Trail Run atraíram atletas de dez estados: Mato Grosso, Rondônia, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Distrito Federal, Acre, Pará, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande
do Sul; e 44 cidades de todo o país. “Su cesso total, no ano passado chegamos a mil atletas. Estamos retomando os gran des eventos, após todo o processo que tivemos durante o pior estágio da pande mia. Então, felicidade nos define em re ceber todos esses atletas na cidade sede do ULTRA”, enfatizou a coordenadora do UTM, Maria Rita Uemura.
Considerada a provas mais popular do ULTRAMACHO, o Desafio Senta a Púa atrai atletas iniciantes e experientes para enfren tar desníveis positivos que vão D+ 335m nos 6km de trail run até D+ 940m na Ultra bike. São dois dias intensos de festa espor tiva, com muita emoção, novas sensações e superação de desafios.
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O DESAFIO DE CADA UM
Alguns escolhem a prova para estrear em distâncias mais longas, como é o caso da corredora Vania Costa, 40 anos. Vaninha, como é conhecida pelos amigos, contou que o ULTRAMACHO pra ela é um divisor de águas e que chegou em sua vida em 2019, na Poúro, no ano em que começou a correr e se apaixonou pela corrida e pelas trilhas.
Em junho de 2019, com o falecimento da mãe, Vaninha “se lançou”, como ela mes ma diz, no mundo das corridas. Foi quando ficou sabendo da prova Senta a Púa, e que haveria uma maratona. E ela, que nunca ti nha feito uma prova desta distância, resol veu fazer, apesar de muitos terem sido con trários à ideia. “Mas eu acreditei, e abracei o ULTRAMACHO, mais ainda. E o ULTRA MACHO me deu vida, e me emociono em falar disso, porque foi naquelas trilhas que eu me encontrei, passei a acreditar mais em mim, eu era uma pessoa fraca e que tudo que eu começava, não conseguia ter minar. E eu aprendi no ULTRAMACHO que eu era capaz, que eu conseguia, que era capaz de vencer os meus limites, capaz de me superar, de me tornar uma pessoa me lhor. O ULTRAMACHO me tornou uma pes soa melhor, consegui me ver com outros olhos, me senti mais forte”, contou.
Vania treinou e fez a Senta a Púa, em um ano em que a prova contou com uma aju dinha da natureza pra ficar ainda mais es pecial, com muita neblina, vento e frio. “Eu vivi cada pedacinho daquele percurso. E foi na Senta a Pua que eu venci meus me dos, ganhei força pra viver o luto da partida da minha mãe, eu me superei, e descobri que sou capaz, que a dor e os desafios nos tornam pessoas melhores. Eu mudei meu comportamento como pessoa, como mãe, como atleta, como filha, como profissional, a corrida fez isso comigo, e o ULTRAMA CHO fez isso comigo. Eu amo o ULTRAMA CHO. Pra mim, não existe prova melhor o ULTRAMACHO. O ULTRAMACHO é vida, é parceria, é companheirismo, é libertador”. E foi a prova ULTRAMACHO Senta a Púa que concedeu o título de Maratonista para
Vaninha, que depois alçou vôos e já ven ceu outros desafios como o da Maratona do Rio, na qual ela correu os 21km no sába do e os 42km no domingo. “Mas eu tenho o maior orgulho de dizer isso: minha primeira maratona foi nas trilhas do ULTRAMACHO, foi na Senta a Púa. Então a Senta a Púa re presenta muito pra mim, foi um marco na minha vida. Faltam palavras pra descrever. Só tenho a agradecer”, concluiu Vaninha.
Segundo Maria Rita, a maratona retor na ao Senta a Púa em 2023. “Estamos se guros de oferecer a maratona no próximo ano. Então os amantes das longas de dis tancias podem começar o seu ciclo pois a prova vai voltar ao nosso cardápio de atra ções”, explica a organizadora.
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10 ANOS DE ULTRAMACHO
Tá preparado pra novidade? Sen ta aí, porque vêm novidade!
A próxima prova do ULTRAMA CHO será em comemoração aos 10 anos do UTM, nos dias 26 e 27 de novembro, no circuito de cachoei ra Águas do Cerrado, localizado na zona rural de Campo Verde, re gião Sul de Mato Grosso. Um oásis de cachoeiras e trilhas em meio ao cerrado preservado!
No sábado (26/11) será realizada a prova de Ultrabike Longo, de 48 km, com D+ 740m. E, no domingo, as provas de trail run de 6km (D+ 115 m), 12km (D+215 m) e 21km (D+330 m). E como disse Maria Rita, o lugar é lindo e perfeito para a festa de comemoração dos 10 anos do ULTRAMACHO.
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ANDREIA KRUGER
É Colunista da Estilo de Vida Saudável!; Colunista de Gastronomia do Portal Rosa Choque; Articulista da Saúde das Revistas: Momento Diabetes e Revista LUME Mato Grosso; Graduada em Direito, Especialista em Direito Agro Ambiental e Alimentos; Estudante do curso de Nutrição; Fundadora e Presidente AMAD-MT Associação Mato-Grossense “Atenção ao Diabético”.
Baru – Castanha Ou Remédio?
POR ANDRÉIA KRUGER FOTOS JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA
Apresentamos uma planta que, á pri meira vista pode passar batida aos olhos de quem não a conhece, mas, que guarda em si um poder enor me para saúde humana. Típica do ecossiste ma do cerrado, o cumbaru ou baru e em ou tros lugares conhecida também como cum bari, foi ignorado por muito tempo pela culi nária tradicional, ficando em segundo plano. Porém, a sabedoria do homem da roça ja mais o deixou de lado. Tanto que foi apelida do de Viagra do Cerrado. A razão disso é por que sua castanha tem poderes afrodisíacos, confirmado tanto pela sabedoria popular da zona rural quanto pelos seus apreciadores da cidade. O fruto tem sabor marcante, mas o que chama atenção de todos é sua castanha.
As propriedades já descobertas dessa semente a transformou em uma especiaria, hoje disputada dentro dos maiores e me lhores restaurantes do Brasil.
Em alguns municípios já foi até utiliza da a farinha da castanha do Baru para pre venção de anemia nas escolas e creches. Isso porque uma de suas propriedades é a riqueza de ferro. Além disso também é rica em zinco e ômega 9. Ambos nutrientes têm com função ser antioxidante e melho ra os níveis de colesterol. Uma outra poten te ação é o efeito antiplaquetário, ou seja, o baru previne as tais perigosas tromboses. O baru também é rico em ácidos graxos,
lipídios e proteínas vegetais. Bastam 4 a 5 castanhas diárias para prevenir de inúme ras doenças, além é claro de aumentar a vi rilidade masculina e a fertilidade feminino. A razão disso é a grande quantidade de zinco encontrada na castanha.
Apesar de toda essa riqueza de nutrien tes e da importância do Baru, infelizmen te está correndo risco de extinção, isso por causa do desenfreado desmatamento do cerrado. Talvez por isso a dificuldade de encontrar a castanha a tornou muito cara nos grandes centros. O quilo da castanha pode chegar a 150 reais. Mas dado o enor me bem que o Baru faz a saúde, cada cas tanha vale o quanto pesa. Se pensar que pagamos muito mais caro para curar doen ças ou controla-las, comer 4 a 5 castanhas além de ser prazeroso é certamente um grande investimento na saúde. O baru não é remédio, mas certamente faz muito bem ao organismo humano.
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Plantas Que Curam
os
de 9 plantas medicinais
DA REDAÇÃO
Oque você faz quando os primei ros sintomas de uma doença co meçam a aparecer, ou você sen te um pequeno mal-estar?
Se a sua resposta para isso é correr para a sua caixinha de remédios, tome cuidado: o consumo excessivo de medicamentos pode fazer mal à saúde e trazer dependência.
Por outro lado, há muitas alternativas mais naturais, como as plantas medicinais, que podem ser usadas para desconfortos e doenças mais leves, e que evitam que você tenha que recorrer aos remédios sintéticos o tempo todo. Isso não significa que você
não deve tomar medicamentos, pois há ca sos em que eles realmente são necessários.
Mas há situações em que as ‘plantas que curam’ podem ser mais do que sufi cientes, e, além de serem mais naturais, elas também não costumam trazer as contraindicações de muitos medicamen tos tradicionais.
Fizemos fez uma lista das ‘plantas que curam’ mais utilizadas, e para quê elas ser vem. Leia e saiba como a natureza pode ajudar a melhorar sua saúde! Plantas que curam: descubra quando e como usar as plantas medicinais mais comuns:
22 ERVAS MEDICINAIS
Conheçam
benefícios
CAMOMILA
ALOE VERA OU BABOSA
» Muita gente sabe que a Aloe Vera é boa para tratar o cabelo e também para feridas, inflamações e queimaduras na pele, mas a babosa é muito mais completa do que isso, sendo uma das plantas com maior proprie dade curativa do mundo. Além ser utilizada em diversos procedimentos estéticos, pois traz muitos benefícios à pele, a Aloe Vera é empregada também em tratamentos respi ratórios, verminoses, prisão de ventre, ane mia, úlceras, reumatismos e até para trata mentos de câncer e AIDS, pois tem proprie dades estimulantes, hidratantes, cicatrizan tes, anticarcinogênicas (anti-câncer), antivi rais, antibióticas, anti-inflamatórias e laxan tes. As partes usadas são a folha e a seiva.
ALECRIM
» O alecrim é muito comum em receitas culi nárias, pois de fato dá um sabor especial aos pratos. Mas ele também está entre as plan tas que curam, e pode ser usado no comba te à depressão, pois estimula a produção de substâncias responsáveis pela sensação de bem-estar. Também ajuda a melhorar proble mas digestivos, respiratórios musculares, reu
matismo, cansaço, debilidade cardíaca, cica trização, gases intestinais e caspa. As partes utilizadas são as flores e folhas.
BOLDO
» Quem nunca tomou chá de boldo? Apesar de ter um gosto amargo e forte, que não é muito apreciado pela maioria das pessoas, o boldo é uma das plantas que curam, e é bom para problemas digestivos e azia. Além dis so, também abre o apetite, ajuda a combater cólicas, diarreia, alivia sintomas de gripe, esti mula a secreção biliar e o bom funcionamen to do fígado e ajuda a curar a famosa ‘res saca’ alcoólica. Costuma ser tomado como chá, que é feito com suas folhas.
CAMOMILA »
to gostoso em dias frios, e felizmente tam bém possui muitas características benéfi cas. Por isso, a camomila é uma das plan tas que curam mais comuns, muito usada contra ansiedade e insônia, e também para diminuir a irritação, acalmar e curar trans tornos digestivos. É consumida na forma de chá, feito com suas flores secas.
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ALOE VERA OU BABOSA
ALECRIM
CARQUEJA
» A carqueja possui propriedades parecidas com as do boldo, favorecendo a produ ção de bile, o que facilita a digestão. Mas também ajuda a reduzir a taxa de açúcar no sangue, combatendo a diabetes, e tem também propriedades anti-úlcera e anti-infla matórias, ajudando, por exemplo, no tratamento de artrites. Por suas propriedades ver mífugas, emagrecedoras, laxantes e diuréticas, é também bom para sobrepeso, obesi dade e presença de vermes. Usa-se as hastes da planta.
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FOTOS
DIVULGAÇÃO
BOLDO
CARQUEJA
GUACO
» O guaco é outra das plantas que curam mais utilizadas, muito indicada para comba ter vias respiratórias obstruídas e estados gri pais. Alivia sintomas de asma, bronquite e tosse, e também tem efeito paliativo para ca sos mais graves de doenças respiratórias. A forma mais usada é o chá e o xarope da folha.
HORTELÃ OU MENTA
HORTELÃ OU MENTA
» A hortelã ou menta (espécies diferentes de menta) é muito utilizada na cozinha por seu sabor refrescante, mas além de incrementar receitas, ela também tem propriedades mui to benéficas. É mais comum para irritação na garganta, catarro e congestão nasal, mas também alivia problemas no estômago, má digestão, febre, náuseas e diarreia. A forma mais comum de consumir é o chá ou as fo lhas em sucos e receitas gastronômicas.
QUEBRA-PEDRA
» A quebra-pedra leva esse nome não por acaso: é uma das plantas que curam indica da principalmente para cálculos renais (pe dra no rim) e infecções urinárias. Também serve para ajudar a tratar hepatite, elimina acido úrico, fortifica o estômago, auxilia em distúrbios da próstata, cólicas renais, cistite, outras enfermidades na bexiga e artrite. Tem propriedades antidiabéticas, diuréticas e an tigota. Usa-se toda a planta para fazer chá.
VALERIANA
» A Valeriana, embora não seja muito co nhecida por seu nome, é a matéria-prima de muitos fitomedicamentos (medicamentos de origem vegetal elaborados com extratos pa dronizados). É indicada para controle da an siedade, nervosismo ou depressão.
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QUEBRA-PEDRA
VALERIANA
Usina de Porto Urbano
Uma jóia oculta na historiografia de Mato Grosso
O fotógrafo Márcio Hudson de Arruda Figueiredo retrata neste artigo recortes da existência da ‘Usina de Açúcar Porto Urbano’, valioso fragmento da história de Mato Grosso. Trineto de Urbano José de Arruda, o fundador da usina em Porto Urbano, ainda em 1872, Márcio Hudson se viu impelido a escrever sobre parte da história da família que estava se esvaindo das prateleiras da historiografia mato-grossense. Pouquíssimos historiadores se ativeram a escrever sobre esse porto, essa usina e essa história tão peculiar nascida ainda no século XIX, no período pósguerra do Paraguai. O fato principal que provocou Márcio Hudson a pesquisar e se aprofundar na história de sua família foi uma tese de doutorado da professora Emilene Fontes de Oliveira, que escreveu sobre existência de escolas nas grandes usinas de açúcar do rio abaixo, sem citar Porto Urbano. Em conversa telefônica com Márcio Hudson, informou desconhecer a existência dessa usina e sua escola. Editoria da Revista Lume MT
POR MÁRCIO HUDSON DE ARRUDA FIGUEIREDO
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Ausina de açúcar de Porto Urbano com moendas de tração animal foi instalada em 1872, por Urba no José de Arruda (1815-1892). “Um dos filhos de Urbano, João Francisco de Arruda, casado com Da. Isabel Paes de Barros, foi o continuador do seu pai nos tra balhos da fábrica de açúcar e da fazenda de criação em Porto Urbano”, que passou a utilizar máquinas a vapor.
A referência histórica mais antiga de Porto Urbano remete ao ano de 1901, quando ocorreu uma desavença entre o então senador Generoso Ponce e o usi neiro Totó Paes, devido à primeira eleição legislativa da República em 1899. No iní cio de 1901, Ponce dirigiu-se para a cida de do Rio de Janeiro, capital do país, para cumprir sua legislatura no Senado. Em outubro daquele ano a sua esposa Da.
Marianinha que se encontrava em Cuia bá, fretou uma lancha para levar um filho para tratamento de saúde na capital fe deral, por via fluvial. Ao passar pela usina Itaici, de propriedade do rival político Totó Paes, foi declarado o confisco da embar cação para transportar as ‘Forças de Pa triotas’ a serviço do usineiro. Em reação, Da. Marianinha, desembarcou e dirigiu-se a Paes manifestando de forma eloquente o absurdo do confisco, pelo que, a lancha foi autorizada a prosseguir viagem até a usina Flexas, rio abaixo, de propriedade de um genro de Ponce, João Pedro de Ar ruda. Todavia, “no percurso, a esposa de Ponce convence o comandante a deixá -la mais abaixo, na fazenda Porto Urbano, de propriedade do Cel. João Francisco de Arruda e de seu cunhado, o deputado João Campos Vidal, amigos do senador”.
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MARCIO HUDSON DE ARRUDA FIGUEIREDO É fotógrafo e trineto de Urbano José de Arruda.
PORTO URBANO. PINTURA DE ZENITH JOÃO DE ARRUDA REALIZADA EM 1962, MOSTRANDO COMO SERIA A USINA EM 1921, COM BASE EM DESCRIÇÃO DE URBANO DE ARRUDA.
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O Cel. João (Janjão) Francisco de Arru da, em 1918 buscou tratamento para dia betes no Rio de Janeiro. Inicialmente, o Co ronel desceu por via fluvial até a localidade de Porto Esperança nas margens do rio Pa raguai, abaixo de Corumbá, onde tomou o trem da nova Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e depois embarcou em outras cone xões ferroviárias até a capital do país. A via gem toda, na soma do trecho fluvial e dos trechos ferroviários, durou 7 dias. Antes da estrada de ferro chegar a Porto Esperança, para se alcançar o Rio de Janeiro por meio de navegação fluvial e marítima a vapor eram necessários 32 dias de viagem. Na capital federal, o usineiro ficou hospedado na casa do senador Pedro Celestino Cor reia da Costa. Após contrair a gripe espa nhola o Cel. João Francisco voltou a Cuia bá, onde fez tratamento, transladando-se para Porto Urbano onde veio a falecer em 14 de outubro de 1921, onde foi sepultado. Após o falecimento do Cel. João Fran cisco, a última safra de cana foi colhida no ano seguinte pelo filho mais velho, Urbano, com apenas 16 anos de idade, o qual con tou com a ajuda de seu tio, Antônio (Totó) Pio de Almeida, irmão de Da. Belita. Após a colheita, os 490 hectares de terras de Porto Urbano foram vendidos para Emilia no Dias Leopoldino, proprietário de terras
vizinhas, e as máquinas a vapor foram ne gociadas por 50$000 contos de réis com Alfredo Marques, da Usina S. Sebastião, que produzia álcool e aguardente.
A viúva e os cinco filhos se mudaram para a fazenda Laguna nas margens do rio S. Lourenço, no município de Poconé, em 1922, onde viveram por 15 anos. Essas terras, constituíam o dote de casamento de dona Belita e contavam com uma área total de 35 mil hectares, sendo 8 mil hec tares de pastos naturais. Poucos anos an tes de seu falecimento, o Cel. João Fran cisco havia investido na criação de gado bovino na fazenda Laguna, o que veio a facilitar a vida da família após o seu faleci mento, pois a administração de uma usina de açúcar e aguardente é complexa, por se tratar de indústria, enquanto a ativida de pastoril extensiva é bem mais simples.
Dona Belita veio a falecer em 7 de agos to de 1933 na Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá, aos 44 anos de idade, devido a uma apendicite, sendo sepultada no cemi tério da Piedade, no centro da cidade.
Os túmulos de Urbano José de Arruda (1815 a 1892), Urbano José de Arruda Filho (1860 a 1887), e uma criança de nome des conhecido (1913 a 1916) ainda se encon tram no local. Também está ali sepultado o Cel. João Francisco de Arruda.
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DA. BELITA E CEL. JOÃO FRANCISCO. FOTÓGRAFO DESCONHECIDO.
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DA ESQUERDA PARA A DIREITA: URBANO, DA. BELITA (GRÁVIDA DE SIRÊNICO), MARIA, CEL. JOÃO FRANCISCO E ZENITH. FOTÓGRAFO DESCONHECIDO.
DA ESQUERDA PARA A DIREITA: DE PÉ ESTÃO SALVADOR (VADINHO), JOÃO FRANCISCO, SIRÊNICO E, ZENITH (PACHA). SENTADOS, URBANO E DA. BELITA. FOTÓGRAFO DESCONHECIDO.IZABEL DE ARRUDA
OS CINCO FILHOS HOMENS DO CEL. JOÃO FRANCISCO DE ARRUDA: URBANO, ZENITH (PACHA), SIRÊNICO, JOÃO FRANCISCO
E
SALVADOR (VADINHO). FOTÓGRAFO DESCONHECIDO, C. 1970.
RETRATO DE PORTO URBANO
A estrutura da usina e de toda a proprie dade denominada Porto Urbano, foi descri ta por Urbano de Arruda (neto de Urbano José de Arruda) em 1962, para a pintura de um retrato a óleo das edificações e seus ar redores (acima reproduzido).
Posteriormente, Urbano explicou a obra de forma minuciosa. Ali observa-se
a casa grande ao centro, interligada com diversas edificações à esquerda do qua dro e, outras edificações separadas à di reita do quadro. Na frente das edificações havia um amplo gramado que se estendia até a margem do rio, podendo-se ver no lado esquerdo que existia uma ferrovia de vagonetes interligando o estoque e o por to, onde ficavam ancoradas a lancha Es
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PORTO URBANO. AS LEGENDAS DESCREVEM AS INSTALAÇÕES, COM BASE EM DESCRIÇÃO DE URBANO DE ARRUDA, SOLICITADA POR SUA SOBRINHA ZENINA ISABEL DE ARRUDA FIGUEIREDO. AS LEGENDAS FORAM ACRESCENTADAS POR LUISA ZANATTA FIGUEIREDO EM 2022.
perança e uma chata para transporte de carga, de propriedade da usina.
A pintura mostra a existência de cre che no canto superior direito, além de ou tras dependências daquela agroindústria, a exemplo de um cômodo onde vivia Saturni no, o operador e mecânico das máquinas da usina e da lancha Esperança, juntamen te com sua esposa Romana Leite de Arru
da, e a filha do casal Julita, que trabalha vam na casa da família Arruda, assim como a irmã de Saturnino, Majana.
Sabe-se que, depois do fechamento da usina em 1922 a família foi residir na fazen da Laguna e quinze anos depois se mudou definitivamente para Cuiabá, onde Maja na viveu até o fim de seus dias na casa de João Francisco, filho do usineiro.
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Também se destaca a existência de ca pela (centro), trilhos para vagonetes de carga (centro esquerda), curral (centro esquerda), serraria (centro superior), horta (centro supe rior) e açougue, demonstrando a autossufi ciência da usina, como era comum naquela época, devido à distância dos centros urba nos fornecedores de produtos de consumo. Também se pode ver a chaminé ao lado da caixa d’água, atrás do galpão de máquinas. De acordo com depoimento prestado em 1996 por Urbano, também havia uma es cola de alfabetização com o professor Lude jero, depois substituído pelo professor Antô nio Domingos da Costa. Essa escola, além de alfabetizar os filhos do usineiro, também atendia os filhos dos empregados. De acor do com depoimento prestado em 2021 por moradora local, Jonilsa (Isa) Domingas Pa dilha da Silva, a sua avó Cecília de Castro Padilha, indígena da nação Bororo nascida em 1905 em aldeia na localidade de Mimo so, foi viver em Porto Urbano em 1917, onde foi agregada à família Arruda, sendo alfabe tizada na escola da usina. A tia de Isa, Cla rissa, também confirma que existiu escola na
usina, onde estudaram seus antepassados. Cecília viveu até os 87 anos.
As casas dos trabalhadores braçais não aparecem no quadro porque, de acor do com a descrição de Urbano, estavam situadas em local mais afastado.
Segundo a tradição oral da família Arru da, aos catorze anos Belita se casou com o Cel. João Francisco e foi viver em Porto Ur bano, onde se surpreendeu com o refina mento de maneiras na casa grande, com serviço de prataria e porcelana na mesa de jantar, tudo no estilo francês, inclusive um aristocrático piano. A organização da casa e a etiqueta estava a cargo da irmã do Cel. João Francisco, Rosinha (Rosa Gil de Arru da), terceira filha do Cap. Urbano José de Arruda, de um total de oito.
VIAGEM A PORTO URBANO – 1960
Reproduzimos a seguir, trechos da obra “Caravana da Saudade” escrita em 22 de abril de 1962, por Zenith João de Arruda, fi lho de Zenith (Pacha) de Arruda, quando ainda era estudante na Faculdade de Agro nomia de Viçosa, MG. A narrativa foi escri ta com base em depoimentos de Urbano de Arruda e apontamentos da viagem feitos pelo seu cunhado, Antônio Constantino, que participaram da viagem dois anos antes.
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PEDRO PEREIRA PADILHA (SEU PINDUCA, FALECIDO EM 1994) E SUA ESPOSA CECÍLIA DE CASTRO PADILHA, INDÍGENA DA NAÇÃO BORORO NASCIDA EM 1905. FOTÓGRAFO DESCONHECIDO.
REPORTAGEM ESPECIAL
RELATO CARAVANA DA SAUDADE DE 1960, PÁGINA 23, ESCRITA POR ZENITH JOÃO DE ARRUDA EM 1962 COM BASE EM DEPOIMENTO DE SEU TIO URBANO ARRUDA E NOS APONTAMENTOS DE SEU CUNHADO ANTÔNIO CONSTANTINO T. FIGUEIREDO.
Segundo narra o autor da obra, a ex pedição fluvial teve lugar de 14 a 21 de ju lho de 1960, a bordo da lancha Alvorada, com motor alemão Archimedes de 12 CV, e foi composta por oito tripulantes: Urba no de Arruda; João Francisco de Arruda; Salvador (Vadinho) de Arruda; Carlos Jor ge Reiners (filho); João Vicente da Silva; Nildo José da Silva; José Bonifácio, e; An tônio Constantino Teixeira Figueiredo.
A viagem foi iniciativa do proprietá rio da lancha Alvorada, Urbano de Arru da, nascido em 6 de dezembro de 1906, o mais velho dos filhos homens do Cel. João Francisco de Arruda e Da. Isabel (Belita) de Almeida e Arruda.
Após a morte do Cel. João Francisco de Arruda por gripe Espanhola, em 1921, a usina foi vendida, e a família se mudou em 1922 para a fazenda Laguna, de criação de gado. Desde então, nenhum dos filhos do Cel. João Francisco e Belita jamais havia retornado ao local da usina.
Segue abaixo, com pequenas corre ções formais, resumo da narrativa de se tenta e oito páginas Zenith João de Arru da, que apesar de não haver participado da jornada em 1960, descreve de manei ra extraordinária a beleza da região Pan
taneira e a saga dos oito tripulantes da lancha Alvorada.
No coração de Urbano ecoavam “os gemidos dos carros de boi, a correria da safra, os canaviais, os grandes casarões, as maquinarias da usina, os apitos dos vapores Guaporé, Eolo e Niaoc, os man gueirais, as praias do rio, até mesmo a grande chaminé e a caixa d’água”.
“Estávamos na manhã do dia 14 de ju lho de 1960. Passamos por Poço Grande, Pai André, Porto Nobre, Vereda, Conceição”.
“Nas recordações de Urbano estava bem acomodada a história de sua terra na tal, aquela majestosa usina de aguarden te e açúcar, que reunia em sua movimenta da safra, nos começos de maio, mais de 70 homens para empreender os trabalhos, ini ciando a ceifa dos canaviais que prolonga va até fins de agosto ou meados de setem bro”. Lembrava-se também da “alegre Ma jana, também não poderia esquecer o Sa turnino, a Julita e a Romana”.
Urbano lembra o quanto se embaraçou às rédeas do Tico-Tico, o velho cavalo da família. “O Carlinhos Reiners em sua tran quilidade, acomodava-se à sombra daque las velhas mangueiras. Ali, eu, Erna Rei ners e outros mais, passávamos a discu
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CARTÃO POSTAL DE CUIABÁ MOSTRANDO A PONTE JÚLIO MÜLLER NOS ANOS DE 1960, ONDE SE VÊ A LANCHA ALVORADA, PINTADA DE AZUL E VERMELHO, E COM O DESENHO DAS COLUNAS BRANCAS DO PALÁCIO DA ALVORADA EM BRASÍLIA. FOTO PIERRE MARRET.
ESPECIAL
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GRUPO DA FRENTE, DA ESQUERDA PARA A DIREITA: 1-ARMANDO DE ARRUDA, 2-ALVINO DE ARRUDA, 3-URBANO DE ARRUDA, 4-JULIO CÉSAR DE ARRUDA, 5-ZENITH DE ARRUDA, 6-ZENITH JOÃO DE ARRUDA, 7-NÃO IDENTIFICADO. NO GRUPO DE TRÁS PODE-SE IDENTIFICAR SOMENTE ANDRELINA. FOTÓGRAFO DESCONHECIDO.
OS 18 MEMBROS DA EXPEDIÇÃO (19 COM O FOTÓGRAFO), TENDO AOS SEUS PÉS AS LÁPIDES DOS SEUS ANCESTRAIS. FOTÓGRAFO DESCONHECIDO.
URBANO DE ARRUDA E SEU FILHO JULIO CÉSAR DE ARRUDA EM 1962, JUNTO ÀS MÁQUINAS DA USINA PORTO URBANO, QUE HAVIAM SIDO VENDIDAS EM 1922 PARA A USINA S. SEBASTIÃO. FOTÓGRAFO DESCONHECIDO.
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tir os mistérios da gente grande. Eu conta va com 14 anos de idade. À direita do ca sarão frontal, enfileirava uma série de quar tos, terminando no galpão das máquinas de engenho. Nunca me esqueci daquele da terceira porta, era a escolinha, a mais terrível de todas as dezenas de salas exis tentes no Porto Urbano. Era o lugar onde a criançada, todas as manhãs ali entrava para receber as aulas do professor Ludeje ro e mais tarde, Domingos da Costa”.
“O gramado à frente da casa era verde e rasteiro, dando uma vista incomparável à fa zenda; dispondo-se aqui e ali o curral, três grandes mangueiras à margem do rio, o pe queno cemitério da família, a gigantesca fi gueira, o bagaçal seco e amarelado, o tri lho estreito para o vagão de transporte. No porto ficava ancorada a lancha, o único veí culo que acodia às necessidades da usina, transportando gente, aguardente e açúcar para as bandas longínquas de Cuiabá. En fim, todas as minhas tristes e sentidas lem branças culminaram com o dia 14 de outu bro de 1921. Naquela manhã trágica, expira va a vida gloriosa de João Francisco de Ar ruda. Meses mais tarde vendíamos Porto Ur bano e mudávamos para outra fazenda, a Laguna, começando vida nova na pecuária”.
“Íamos imaginando a história de uma geração que erguera no seio bravio de uma tapera, por volta de 1872, a usina de Porto Urbano. Urbano José de Arruda, construiu a braços de escravos uma pequena fábrica de aguardente, com engenho simples mo vido a boi, o que veio a ser melhorado mais tarde por João Francisco de Arruda”.
“Às 5 horas do dia 15 de julho fomos despertados pelos mugidos das reses. Viajando o mais depressa possível, pas samos pela usina Tamandaré, Santa Ma ria, Morro de Cuivara, Barão de Melgaço, usina Flexas e, finalmente na foz do rio Cuiabá-Mirim, onde às 11,55 horas para mos para o almoço”.
“Às 2,10 começamos a subir o Cuiabá -Mirim na expectativa de encontrarmos a vastíssima baía de Xá Mariana”.
Segundo o escritor, a expedição con
tinuou subindo rios e, em um porto deixa ram a lancha Alvorada e prosseguiram por trilhas, passando pela fazenda Corixo, de Carlinhos Reiners, e fazenda Pouso Lindo, de seu filho Hugo Reiners, rumo à fazenda Laguna, dote de casamento de Isabel (Be lita) de Almeida e Arruda, onde a família vi veu depois de Porto Urbano. Aos poucos os irmãos Arruda se mudaram para Cuiabá visando os estudos no Colégio dos Padres, e ao cabo de 15 anos venderam a Laguna para o seu primo Carlinhos.
Deixando Laguna e seus laranjais, Ur bano “queria chegar o mais depressa pos sível ao ponto culminante de sua viagem. Na sua memória, nenhum traço foi mu dado” em Porto Urbano. “O velho sino de bronze pendurado na varanda. A capelinha humilde, com dois castiçais e um oratório; o crucifixo de madeira, sem brilho, rústico e desenvernizado, as imagens da Virgem e dos santos”. Imagina também, percorrer “os grandes canaviais viçosos e pisar na quela terra frouxa e enegrecida; visitar as máquinas; subir na caixa d’água”.
“Raiava o 19 de julho de 1960”.
Após “38 anos de separação rumamos para a boca do rio [Cuiabá] Velho, onde deixamos o barco e marchamos até as ter ras de Porto Urbano. Dos grandes casarões da usina, nada existia, nada sobrava, pois tudo mergulhava no seio vigoroso de uma gigantesca tapera. Atravessando o matagal fechado, correram ao grande porto das ve lhas lanchas e a decepção foi total e esma gadora. Até mesmo o caudaloso rio aban donara as suas terras, mudando o seu cur so. De tudo que deixaram, apenas a gran de figueira fantasiada de parasitas estava inânime a farfalhar os seus galhos secos ao pé do barranco. Seus séculos de vida mos travam-na cansada. Dos apitos de Guati ni, Eolo e Nioac, só restava a palidez tétrica do silêncio. Das vidas humanas sobravam apenas as lajes de sepultura”.
“Nesta ocasião, visitamos a Da. Roma na, uma das antigas empregadas da usina, onde os assuntos tristes e as recordações profundas foram pela última vez ventilados”.
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“A seguir, encetamos viagem de vol ta, chegando à boca do rio Cuiabá Velho às 12,20 horas, onde embarcamos e retornamos às águas do Cuiabá. Passando pelas usi nas Santa Maria, Tamandaré, Aricá, e outras, chegamos às 18,10 horas em S. Sebastião, onde as antigas máquinas de Porto Urbano estavam a resistir ainda aos impactos de to das as safras, com seus engenhos, caldeiras, e cubas de fermentação. Lá pousamos e na manhã de 21 de julho, partimos para Cuiabá”.
O autor de Caravana da Saudade dese nhou um mapa com legenda e duas páginas de referências mostrando os principais pon tos visitados naquela saga fluvial com gran de riqueza de detalhes geográficos, que per mitem melhor visualizar hoje a posição das usinas e fazendas na época da viagem:
VIAGEM A PORTO URBANO – 1962
Foi realizada nova jornada a Porto Urba no em 1962, mais uma vez liderada por Ur bano de Arruda, a bordo de sua lancha Al vorada, e, no caminho aportaram na usina São Sebastião, antiga produtora de álcool e aguardente destinada ao mercado cuiaba no, onde fotografaram as máquinas com pradas de Porto Urbano.
Da mesma forma que reproduzimos aci ma trechos da obra Caravana da Saudade, escrita por Zenith João de Arruda em 1962, a respeito da viagem a Porto Urbano realizada dois anos antes, aqui também resumimos as crônicas desse mesmo escritor. Mas desta vez Zenith João participou da expedição jun tamente com seu pai, Zenith de Arruda.
O presente relato foi escrito em Viço sa, em 10 de agosto de 1962, sobre a ex pedição realizada entre 29 de junho e 8 de julho de 1962.
Ao longo de sua narrativa, Zenith João informa que naquele momento já se en contravam fechadas 8 usinas, todas adqui ridas por estrangeiros: S. Gonçalo, S. Mi guel, Itaici, e Tamandaré de propriedades de alemães; Santa Maria, nas mãos de ja poneses; Flexas, havia se tornado patrimô nio de um cubano; Conceição, comprada por italianos, e; S. Sebastião, adquirida por
árabes. Permaneciam funcionando somen te 4 usinas de propriedade de brasileiros: S. João, Porto Nobre, Maravilha e Aricá.
Segundo Zenith João, a lancha Alvorada desta vez contava com dois motores, o an tigo Archimedes de 12 CV e um novo John son de 18 CV que possuía marcha a ré.
Na viagem de ida havia 19 pessoas a bor do, entre as quais: Urbano de Arruda, sua es posa Maria Paes de Arruda, seu primeiro filho Júlio César de Arruda, e seus cunhados José (Juca) Paes de Arruda, Guilhermina (Mimi) Paes de Arruda e Andrelina Paes de Arruda Kondo; Zenith (Pacha) de Arruda e seu filho Zenith João de Arruda; Salvador (Vadinho) de Arruda e seus filhos Armando de Arruda e Alvino (Nico) de Arruda; Carlos Jorge Rei ners, com sua esposa Nelza, seu filho Jorge e sua irmã Jocilda (Naná); Celso Correa Car dozo; Emiliano Dias Leopoldino. No retorno, somente estavam a bordo 11 pessoas.
Mais uma vez, Zenith João de Arruda, estudante de agronomia e sem experiência literária, ao narrar a epopeia da lancha Alvo rada arrebata o leitor no estilo dos grandes escritores da escola romântica.
Segue abaixo um resumo das 95 pági nas da descrição magistral de Zenith João:
“Hoje o mundo escancara suas portas para a abençoada manhã de S. Pedro: 29 de junho de 1962”.
“São 7 horas da manhã. Todos em seus lugares. Soam as campainhas e o podero so Archimedes ronca. Enquanto ganhamos a primeira curva, as colunas da ponte [Jú lio Müller] vão uma a uma desaparecendo”.
“São 8,45 horas e à nossa frente des cortina-se o maravilhoso cenário [da loca lidade] de Pai André”.
“São 10,00 horas da manhã. À margem direita, imensos canaviais de uma velha usina, sujos, abandonados, mostram que há alguns anos atrás muitos corações hu manos pulsaram ali. Como muitos outros, esse colosso inacreditável desponta-se à nossa frente, chega mais perto, expõe os seus escombros, as suas velhas e condoí das carcaças, passa, foge e envergonha do esconde-se à primeira curva do rio.”
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REPORTAGEM ESPECIAL
DA CARAVANA
1 – Cuiabá
Sto. Antônio
São Sebastião
– Aricá
– Itaici
– Tamandaré
Sta. Maria
– Melgaço
– Flexas
– Barreiro
– Passagem
– Tapera
– Ponta do Morro
– Corixo
– Pouso Lindo
– Laguna
SAUDADE
– Emiliano
– Porto Urbano
Xó Mariana
– Chacororé
– Mimoso
– Campo
Mimoso
– Morro
– Rio Cuiabá
– Rio Madeira
– Rio São Lourenço
– Mata
– Rio Guató
– Leito seco
Rio Cuiabá
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E a viagem prossegue.
“O sol já está alto e forte. Ao longe avista -se a velha e desabitada usina Conceição”.
“Surge à frente as praias de Santo An tônio, a torre da capelinha e carroças à beira do rio transportando água para su prir a diminuta cidade”.
“São 11,10 horas do dia. Depois de contemplarmos as paisagens da usina Maravilha, a nossa sensação de fome cul mina com o sinal de alerta para o almoço, dado por Da. Maria”.
“Ao lado da porta, quase a altura do teto está o Omega do comandante assinalando 3,20 horas da tarde. As campainhas pedem diminuição de marcha e lentamente avança mos nas águas traiçoeiras do rio Aricá. Mais à frente desponta-se a paisagem deslumbran te da famosa usina Aricá, a única que ainda pulsa às margens do rio Cuiabá, se bem que já em estado agonizante de produção, dada a sensível decadência de suas atividades”.
“São quatro horas da madrugada. O galpão central da usina está claro e bem ilu minado. Suas portas e janelas vomitam cla rões de suas caldeiras e o barulho de suas máquinas sacode todos os casarões da usina. Dos grandes tachos de evaporação sobem vapores convulsivos, as caldas bor bulham num fremente pipocar de bolhas de ar, e as gigantescas rodas de ferro maci ço pesando toneladas giram numa veloci dade constante, garantindo a estabilidade das máquinas, algumas mais lentas e vaga rosas, e outras mais rápidas e barulhentas”.
“As lâmpadas elétricas suspensas no teto e envoltas de vapores brancos que se elevam das máquinas, são os únicos teste munhos desta agitação de todas as safras em que, os homens brilhantes de suor e, o ruído das turbinas velhas e desgastadas, continuam a preservar a imorredoura tradi ção da usina Aricá. O engenho com os seus possantes cilindros de aço, move-se lenta
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TRILHOS DAS VAGONETES DA USINA SÃO HOJE UTILIZADOS COMO CERCA NA CASA DE ADELINA.
mente, esmagando os feixes de cana des pejados nas suas esteiras de ferro, e por uma canaleta ao lado, a garapa deslisa até despejar-se sobre a peneira de côa. Outra esteira, rolando na boca do engenho sobe até a altura do telhado e depois, em lenta velocidade, desce até as portas da forna lha, donde o clarão avermelhado das laba redas jorram para cima do teto. Aqui é uma verdadeira batalha de homens e de máqui nas, de eixos e mancais, em que o ruído dos ferros, o deslizar manso das garapas, o estrangulamento bruto das canas, o mo vimento pesado das moendas, o gemido das rodas e das correntes de ferro, movem -se numa sinfonia inquebrantável, elevando bem alto o velho nome Aricá”.
“São 6,30 horas e a uns 500 metros à frente desponta a velha usina Itaici, a mais poderosa do Estado e a mais estupidamen te abandonada por mãos estrangeiras que apagaram as suas fornalhas. Aquela gigan
tesca e afamada Itaici de há poucos anos é hoje, o retrato vivo de um museu esqueci do, de uma história empoeirada de primei ros tempos e dos restos de uma Itaici que vibrava no calor das máquinas, nas bandi nhas do seu coreto à margem do rio, no api to das lanchas, no carregamento das cha tas, nas pedras e nas escadarias do porto”.
“São 7,45 horas e já passamos por mais duas antigas usinas, Tamandaré e Santa Ma ria, de médias proporções e de aspecto se melhante ao de Itaici, que também persis tem como um esquife a exibir barbaramen te o cadáver de suas poderosas máquinas”.
“Até então, passamos por 11 das 12 usi nas existentes às margens do rio Cuiabá”.
“São duas da tarde. As campainhas to cam e o Archimedes passa a trabalhar em meia velocidade. Faz-se a grande volta pou co abaixo do porto Brandão e volta-se para lançar correntes nas suas estacas. Galga mos os degraus tortuosos do barranco e da casa central, ao lado da capela sai um ho mem gordo de braços abertos recebe o co mandante e recruta toda família para cum primentar os visitantes. Pouco depois dei xamos o sítio de Zé Casaca e voltamos a acompanhar os rumos tortuosos do rio”.
“São 2,45 horas da tarde e pouco à fren te surgem os primeiros sinais da famosa usi na Flexas, os seus casarões em fila, suas ve lhas máquinas, suas caldeiras geladas, sua grande chaminé. Nesta ocasião, por ordem do comandante, não teremos a chance de conhecê-la de perto, o tempo é curto e o porto Emiliano ainda está bem longe daqui”.
“Pouco à frente, nota-se à margem direi ta do rio, um pequeno canal que ainda repre sa alguma nesga de água, mostrando ser ali o antigo leito do Cuiabá; o largo e profun do rio que cortava as terras de Porto Urba no, há mais de 30 anos atrás. No curso atual do rio, próximo ao desvio de suas águas, nota-se ainda algumas estacas de cerne fin cadas pelo nosso avô, com o intuito de er guer ali, uma pequena barragem para evitar o avanço do rio pelo caminho novo e aban donar as suas terras em franco progresso de industrialização. As tentativas, embora inteli
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DE CIMA PARA BAIXO: LAJOTA DE PISO MEDINDO 25,5X25,5X3,5CM E PESANDO 4,2KG; E TIJOLO DE ARGILA MEDINDO 23X12X6CM, PESANDO 2,7KG.
gentes, baldaram-se por terra. As águas não souberam ler as intenções do velho João Francisco e desrespeitaram as portas tran cadas para elas. Anos após anos, trabalham soturnamente, dia e noite, para destruir a im posição do homem sobre a sua fraqueza, provando à humanidade que ela também possui vida e quer correr livre pelos campos, invadir pastagens, conversar com os pedre gulhos num marulhar manso e carinhoso, saltar, correr e brincar; despencar nos abis mos e troas contra os rochedos que estor vam sua marcha; deslizar em silêncio, apro fundar-se, estreitar-se, alargar-se e dispa rar em corridas tresloucadas pelas canchas estreitas dos seus caminhos; brincar ao re dor das pedras, borbulhar em círculos for mando rebojos profundos e afunilados; en crespar-se, alisar-se e, enfim, perder-se nas imensidões dos mares e morrer nas paisa gens profundas dos oceanos. Assim, é a pe regrinação tranquila e indiferente das águas; anos após anos, séculos após séculos e mi lênios após milênios elas continuam a escre ver o milagroso drama de sua vida”.
“Avista-se a casa do Sr. Emiliano guarne cida por árvores frondosas. Espoucam-se os fogos e pouco a pouco fazemos a gran de volta à frente do porto. Deixamos o barco e chegando à casa central, lê-se ao alto da porta as seguintes inscrições: Porto Emiliano – 29 de novembro de 1952 – Deus nos guie”.
“São 8 horas da noite. As redes estão ar madas. Papai [Zenith de Arruda] se levanta e prepara-se para apagar o último fogo que ainda arde num lampião sobre a mesa”.
“Ergo o relógio e os seus ponteiros as sinalam seis horas. O sol preguiçoso e frio eleva-se tranquilamente, lançando de suas carcaças as luzes que abençoam as pri meiras horas do dia 1º de julho”.
“Papai, à frente da casa, recostado so bre um dos pilares do alpendre, ouve com atenção o gorjeio dos pássaros, o ruflar de asas e os cânticos saudosos dos ara quãs, anhumas, mutuns e jacus, que desde os campos de Porto Urbano até as longín quas paragens da Laguna, ouvira-os can tar, quando em corridas pelos prados”.
“No barco, aguardamos as ordens do comandante. Soam as campainhas. O Ar chimedes dá os seus primeiros impactos na água. Toma-se os rumos de Curutuba e logo à frente está o porto do Cangal, trecho onde os cinco irmãos Arruda, atravessaram os seus rebanhos de Porto Urbano para passar a época das águas na Laguna”.
“O comandante, anuncia em voz alta: são 7,30 horas. Pararemos no Fedegoso para pescarmos algum dourado gordo. Co locando-se ao lado do motor, Juca solta a linha de pesca e deixa que o anzol atraia para si a ‘dourama’ curiosa”.
“À medida que descemos o rio, os so berbos campos dos pantanais se agigan tam de lado a lado e percorrem quilôme tros e quilômetros de várzeas completa mente desnudas”.
“Com o motor desligado, o Alvorada em silêncio desliza sobre as águas e atraca de licadamente no porto Curutuba, enquanto dois grandes cães policiais, acompanhados pelo Sr. Totinho, aproximam-se de nós para as saudações costumeiras de velhos ami gos. Vadinho e Da. Maria Leite, a sua pajem de meninice, trocam os assuntos de berço”.
“Depois de uma amável troca de recor dações, voltamos ao nosso barco para en cetar viagem de volta. Enquanto viajamos os preparativos para o almoço continuam a se avolumar no interior do barco. Da. Maria e Mimi, são as verdadeiras máquinas de todas as refeições; enquanto uma delas prepara o peixe e o feijão, a outra, ao mesmo tempo, cata habilidosamente o arroz e conta histó rias para o Júlio César. Andrelina, eu [Zenith João], Carlos e papai apenas observamos”.
“Há dois anos atrás, alguns destes mesmos tripulantes, inclusive o coman dante, em uma embarcação bem menos confortante que esta, peregrinava pelas mesmas águas”.
“O dia 1º de julho, moribundo ainda, respira sofregamente ao sabor dos últi mos reflexos da tarde”.
Informa o autor da obra, que o bar co Alvorada retorna a Porto Emiliano para passar a noite:
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“São 6,30 horas do dia 2 de julho. O ronco trepidante e barulhento de uma Diesel com 50 cavalos-força da lancha Panamericana, ancorada à beira do por to é o ‘despertador’ dos que ainda persis tem na continuidade dos sonhos”.
“São 8,30 horas e ao longo da cerca la teral da casa [de Emiliano], os cavalos ar reados, aguardam a hora da partida rumo às terras de Porto Urbano”.
“Atravessando os campos de pasta gens, penetramos na mata. Após longa ca minhada no interior da selva, saímos num campo aberto. Ganhando a orla sombria de outra mata, marchamos tranquilamen te até atingir a casa do Pinduca, um dos velhos guardiões das terras desoladas de Porto Urbano. É um rancho pobre, de pa redes e teto de sapé. Depois de interminá veis diálogos sobre os velhos tempos, vol tamos aos cavalos já sôfregos”.
“Seguindo o sulco estreito do antigo vale do rio Cuiabá, os cavalos continuam trôpegos a repisar os areais quentes do velho canal. O caminho estreita-se mais e mais. A passagem alarga-se: um campo à nossa frente. À esquerda está um pe queno rancho de palha. Uma linha de fu maça escapa brandamente de sua cha miné e uma gigantesca mangueira exi be os seus séculos de vida, debruçando sobre o rancho algumas pontas de som bra. O vento é suave e enquanto as suas folhas novas tremulam ruidosamente, as mais velhas e secas, em caracóis pelo ar, despencam-se e vão se acomodar no chão batido da pequenina sala. O aspec to é comovente e nada foge à regra geral de toda civilização escrava da terra”.
“Isto é Porto Urbano! Os restos mortais de Porto Urbano. Papai, Urbano e Vadinho, esmagados pelas decepções, recordam os bons tempos de 1921. Recostados no tron co rústico, todo calejado desta velha man gueira, estão os três irmãos mergulhados nas profundezas do tempo procurando re mover as pedras que se acomodam sobre a verdadeira história de Porto Urbano. Do ‘tudo’, apenas o ‘nada’ existe”.
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FOTOS: IVAM ROQUE PADILHA, 2022.
“De tudo que existia aqui, apenas uma grande laje de cimento onde assentava o alambique, três velhas mangueiras, e o pe queno cemitério da família estão a resistir aos impactos destruidores do tempo”.
“Finalmente, cá está o cemitério. Doze estacas de cerne, rústicas, quase apodre cidas, ainda se mantém de pé. Rente ao solo, estão as três lajes de mármore, pró ximas umas das outras. Ao redor, o mata gal fechado assume uma expressão tétrica e apavorante; tudo mergulha nas sombras tenebrosas das árvores”.
“Ao afastar as folhas secas e o barro da primeira laje à esquerda, nota-se as seguintes palavras: ”
“Aqui descansam os restos mortais do capitão Urbano José de Arruda. Nascido a 8 de outubro de 1815. Falecido a 29 de maio de 1892. Foi bom, filho, marido exem plar, pai afetuoso e amigo sincero. Tributo de gratidão e saudade de sua viúva”.
“Na segunda laje, à direita, está escrito: ”
“Aqui jazem os restos mortais do alferes Urbano José de Arruda Filho, nascido a 19 de junho de 1860. Falecido a 21 de novem
bro de 1887. Foi bom filho, irmão extremo so e amigo sincero. Tributo de amizade de seus pais e irmãos germanos”.
“A última é pequena e coloca-se abai xo da segunda, apresentando um anjo de mármore, de mãos postas, de joelhos, com cabelos cacheados e pendentes até os om bros. Esta laje é de uma criança e nela es tão gravadas as seguintes inscrições: ”
“Leverger * 10-8-1913
+ 16-6-1916
Amor e saudade de seus pais”.
“Pouco depois, voltamos aos cavalos e a nossa próxima visita será a uma das mais antigas empregadas da usina, Da. Roma na. Ela foi a ‘ama’ de papai. Ela foi quem o viu nascer, crescer até os 12 anos, sepa rar-se dele pelas imposições da vida, para somente hoje, tornar a ver. Parece até que mãe e filho se encontram depois de 36 anos de separação. Depois de farta distri buição de presentes, encetamos viagem de volta, por um outro caminho. Os pontei ros assinalam 1,30 horas da tarde. Marcha mos durante 3 horas pelo interior da mata, até que avistamos os campos abertos das margens do rio Cuiabá e por ele, continua mos em cela até a fazenda Emiliano”.
“Cai a noite na fazenda Emiliano”.
De acordo com o relato de Zenith João, no dia 2 de julho, a expedição sai de porto Emiliano, e sobe o rio em visi ta à baía de Siá Mariana, que é alcança da por meio de um canal fluvial denomi nado Boca de Pedra. Depois de Siá Ma riana, o grupo se dirige à baía de Chaco roré. Em seguida, retornando ao rio Cuia bá, o grupo desce até a casa de Palmiro Ponce de Arruda, [ex-proprietário da usi na Flexas, filho do Cel. João Pedro de Ar ruda], do lado esquerdo do rio, onde pas saram a noite. Deixando o porto Iza, ru maram para a Boca do Leme, para retor nar à baía de Siá Mariana, e dali alcançar o rio Madeira, hoje denominado ribeirão Mutum, para chegar a porto Barreiro, tam bém de propriedade do Sr. Emiliano. O rio Madeira trazia vivas recordações a Urba
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FOTO: ANTÔNIO ZANATTA FIGUEIREDO, 2022.
no, quando em sua infância, acompanha va a sua mãe, Da. Belita, ruma à fazenda Ponta do Morro para visitar seu avô, pro prietário do local. Após pernoite em porto Emiliano, a lancha se desloca em direção à passagem do Mutum, onde haveria um carro de boi arranjado pelo Sr. Juca, para dali chegar ao povoado de Mimoso, situa do no pé de uma elevação entre as duas grandes baías de Chacororé e Siá Maria na, onde nasceu o Marechal Rondon. To davia, ao chegar no local, não foi encon trado o transporte prometido, e o grupo caminhou por duas horas até chegar ao povoado, onde almoçou na casa de Da. Ninfa. Dalí, Carlos Jorge Reiners e seu fi lho Jorge, partem para Cuiabá num pe queno avião. No início da tarde o grupo retorna ao porto Mutum, alguns a cava lo, outros a pé, para retornar via fluvial até porto Barreiro para pernoite. Ao amanhe cer, o Alvorada desce o rio Madeira até a baía de Siá Mariana, e navegando pela Boca do Leme, chegam ao rio Cuiabá, no oitavo dia de viagem. Naquele mesmo dia 6 de julho de 1962, já em viagem de retor no a Cuiabá, subindo o rio o grupo atraca em Barão de Melgaço para pouso.
O autor descreve a lancha Alvorada,
como “embarcação de tamanho médio, com cores azuis e grandes colunas bran cas pintadas, um motor barulhento, vários curiosos a bordo e uma inscrição legível de senhada em cada lado da proa: Alvorada”. “Hoje é o dia 7 de julho e nona etapa de peregrinação. Deixamos para trás a silen ciosa cidadezinha de Melgaço. São 4,25 da tarde. Pouco à frente, com as suas rustici dades surgem melancólicos e tristes os tra ços residuais da antiga usina São Sebas tião. Ali, ainda repousam quase desagrega das as velhas máquinas de Porto Urbano. No meio do campo gramado que se esten de à frente da usina, está um homem. Após uma conversa prestativa e educada do ze lador, vamos percorrer os diversos recantos da usina e mais demoradamente, visitar as máquinas de nossos avós”.
Urbano de Arruda e seu filho Julio Cé sar de Arruda em 1962, junto às máquinas da usina Porto Urbano, que haviam sido vendidas em 1922 para a usina S. Sebas tião. Fotógrafo desconhecido.
“Voltando às águas do rio, teremos como próxima parada o porto José Roque, onde en contra-se instalada a fazenda de uma conhe cida íntima da nossa passageira Andrelina”.
“São 6,35 da manhã do dia 8 de julho
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OS TRÊS MEMBROS DA FAMÍLIA ARRUDA EM VISITA AO CEMITÉRIO DE PORTO URBANO.
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de 1962. No despertar preguiçoso des te caloroso domingo começa a cerrar as portas da nossa última etapa de viagem. São quatro horas da tarde no dia 8 de ju lho de 1962. Notam-se as colunas da pon te afastando-se progressivamente dos seus esconderijos e avolumando-se cada vez mais, à medida que o nosso barco ga nha as proximidades do porto de Cuiabá. Aqui está o ponto final da nossa jornada empreendida nos mais longínquos rincões dos pantanais durante 10 dias completos, zarpando deste mesmo porto com 19 pes soas a bordo e retornando hoje a ele mes mo, com apenas 11 participantes”.
“Atravessando vales, pantanais, con tornando serras e colinas o rio continua como a salvação do homem pobre, do pescador humilde. É o sangue cristalino que verte das entranhas da terra, é o mun do dos peixes, o rio é tudo, é de todos”.
RESUMO
VIAGEM A PORTO URBANO – 1982
Segundo informa Armando de Arruda, foi realizada nova excursão em 15 de no vembro de 1982, com a participação de seu tio João Francisco de Arruda, seu pai Salva dor (Vadinho) de Arruda, e ele próprio.
De acordo com Armando, que havia
participado da expedição fluvial de 1962, quando então contava 13 anos de idade, desta vez a família viajou de carro até Ba rão de Melgaço, e utilizando um barco de pesca com pequeno motor de popa, des ceram até a antiga saída do braço direito do rio Cuiabá e, aproveitando as cheias, entraram pelo chamado rio Cuiabá Velho até chegar ao local do antigo povoado de Tibaia, guiados por Vanderlei Padilha, en tão com 12 anos, almoçando na casa dos avós do pequeno guia, a dona Cecília (fa lecida em 1992) e o seu Pinduca (falecido em 1994). Também se encontrava no local um dos filhos do casal, Antônio (Totó) Da niel Padilha. Seu falecido irmão, Servino Pa dilha, foi casado com Adelina, pais de Ivam (guia de expedição de 2021) e de Vanderlei (guia da expedição de 1982). Adelina Regi na de Amorim Padilha, em 2021 deu depoi mento sobre a usina, e informou ser filha de Julita (Julieta) e neta de Romana, que tra balharam para a família Arruda.
Depois do almoço, os três membros da família Arruda visitaram o cemitério de Porto Urbano. Diante do túmulo dos seus ances trais, João Francisco de Arruda (II) se dirigiu à memória de seu pai e disse que acredita va ser aquela a sua última visita ao local, e, de fato, no mês seguinte ele veio a falecer.
Conforme narrativa de Armando Arru da, o cemitério ainda tinha na época uma cerca e uma das lápides de mármore já estava trincada.
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DA VIAGEM Dias de viagem Dia do mês Local da visita 1° 29/6 Em viagem 2º 30/6 Porto Emiliano 3º 1/7 Porto Urbano 4º 2/7 Curutuba 5º 3/7 Baía Xocororé 6º 4/7 Barreiro 7º 5/7 Mimoso 8º 6/7 Melgaço 9º 7/7 Porto José Roque 10º 8/7 Cuiabá
ADELINA PADILHA, MÃE DE IVAM, FILHA DE JULITA E NETA DE ROMANA ARRUDA.
VIAGEM A PORTO URBANO – 2021 E 2022
Em 27 de agosto de 2021, foi realizada nova excursão a Porto Urbano, organizada por mim, Márcio Hudson de Arruda Figueire do, neto de Zenith (Pacha) de Arruda, e bis neto do Cel. João Francisco de Arruda. Tam bém faziam parte da expedição, Antônio Za natta Figueiredo e Marco Antônio Freitas Fi gueiredo, ambos trinetos do usineiro.
Para chegar ao local da antiga usina, foi contratado como guia Ivam Roque Padilha, morador do povoado de Cuiabá-Mirim, filho de Adelina, neto de Julieta e bisneto de Ro mana, a qual trabalhou na casa da família do Cel. João Francisco de Arruda. A casa de Adelina em Cuiabá-Mirim tem como estrutu ra da cerca os trilhos das vagonetes da usina.
A prima de Ivam, Jonilsa (Isa) Domin gas Padilha da Silva, conta que a sua avó, Cecília de Castro Padilha indígena da na ção Bororo nascida em 1905 em aldeia na localidade de Mimoso, foi viver em Porto Urbano em 1917, onde foi agregada à fa mília Arruda, sendo alfabetizada na esco la da usina. Cecília viveu até os 87 anos. Cecília casou-se com Pedro (Pinduca) Pe reira Padilha, falecido em 1994, cujo filho Benedito (Dito) Francisco Padilha, pai de Isa, ainda vive na região com 83 anos.
O irmão de Cecília, Albino de Castro Leite, se casou com a irmã de seu Pinduca, Francis ca (Chica) Pereira Padilha, a qual morou em Porto Urbano por mais de 20 anos, mesmo depois de fechada a usina. A tia de Isa, Cla rissa, também confirma que existiu escola na usina, onde estudaram seus antepassados.
A excursão de 2021 partiu do povoado Cuiabá Mirim, onde se encontram vestígios do antigo leito do rio Cuiabá, trecho chama do de Cuiabá Velho pelos moradores locais.
Ao final da trilha de aproximadamente 2,5 km, o grupo chegou ao cemitério de Tibaia, e a 200 m de distância encontrou aos pés de uma imensa figueira, as duas lápides da família Arruda. A terceira lápi de descrita por Zenith João em sua via gem de 1962, somente foi localizada na etapa seguinte da excursão, realizada em 26 de julho de 2022.
A estátua de um anjo de mármore que guarda va o túmulo infantil, des crito por Zenith João de Arruda na excursão de 1962, foi retirado na quela ocasião para preservação, e perma nece sob guarda de membro da família.
RECOMPENSA POR ESCRAVOS FORAGIDOS - 1881
O lado cruel da in dústria açucareira fun dada no Brasil no iní cio da colonização é a exploração de mão de obra escrava, con forme se observa nos jornais da época.
O jornal A Província de Matto-Grosso, de 18 de setembro de 1881, em sua pá gina 4, traz anúncio de recompensa de 150$000 (cento e cinquenta mil contos de réis) para quem informasse do paradeiro dos escravos Modesto e Zeferino, de pro priedade de Urbano José de Arruda. Pro vavelmente eram escravos do engenho de Porto Urbano fundado em 1872. Na mes ma página 4 do jornal, do lado oposto vê -se anúncio de fotógrafo que oferecia a en trega de meia dúzia de retratos por 5$000 (cinco mil contos de réis), ressaltando que deixaria a cidade no próximo paquete. Tra ta-se de um pequeno navio a vapor cha mado em inglês de Steam Packet. Deve ser destacado que em 1881 a fotografia e as embarcações a vapor constituíam tec nologia de ponta da era industrial.
Portanto, a mesma página 4 do jornal mostra a transição da sociedade brasilei ra, que lentamente saía da anacrônica es cravidão para a modernidade.
LOCALIZAÇÃO DE PORTO URBANO
A usina Porto Urbano estava situada na área que hoje faz parte do município de
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ANJINHO DE TÚMULO INFANTIL. FOTO: JOANA CARDOZO DE MOURA, TRINETA DO CEL. JOÃO FRANCISCO DE ARRUDA
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Barão de Melgaço. Originalmente encon trava-se na margem esquerda do rio Cuia bá, conforme narrado pelos descendentes do Cel. João Francisco.
Essa posição pode ser confirmada por outras fontes históricas, como se observa abaixo na reprodução da carta fluvial inse rida no Album Graphico do Estado de Mat to-Grosso, publicado em janeiro de 1914. Observa-se que o rio Cuiabá um pouco aci ma de Porto Urbano, em frente à comuni dade Cuiabá Mirim, se dividia em dois bra ços, algo comum em rios de planície. Se gundo consta no Álbum Graphico, o gover no estadual já havia realizado dragagem do braço direito do rio no trecho em frente a Porto Urbano, para melhorar a navegabili dade, assim como informa ter sido construí da uma barragem na bifurcação do rio em frente ao atual povoado de Cuiabá Mirim, com o mesmo propósito de manter o nível das águas do braço direito na época de es tiagem, que vai de junho a setembro.
Os resquícios desse represamento po dem ser vistos ainda hoje. Trata-se agora de um amontoado de pedras despontando
do leito do rio no trecho em frente à antiga bifurcação do Cuiabá Velho, como é hoje chamado o leito seco do rio junto da co munidade Cuiabá-Mirim. Segundo relato do guia Ivan Padilha, os índios da nação Gua tó, exímios canoeiros, desmontaram a bar ragem para as águas correrem livres. Com isso, em 1925 o rio mudou o seu percur so definitivamente, deixando Porto Urbano sem navegação durante o estio.
Na carta fluvial do Album Graphico po de-se ver a posição de Porto Urbano, que na época encontrava-se à margem esquerda
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REPRODUÇÃO PARCIAL DA CARTA FLUVIAL INSERIDA NA P. 148 DO ALBUM GAPHICO DO ESTADO DE MATTO-GROSSO, DE 1914. O MAPA FOI MOSTRADO NA HORIZONTAL, QUANDO A CONVENÇÃO USA A POSIÇÃO NORTE-SUL. NO CANTO SUPERIOR DIREITO PODE-SE VER A SETA AMARELA INDICANDO A POSIÇÃO DE PORTO URBANO, REPRODUZIDA EM DETALHE NA ILUSTRAÇÃO ACIMA.
do rio, antes da mudança de seu curso em 1925, que deixou a usina distante 2,5 km do lado direito do atual percurso do rio Cuiabá.
Antes disso, em 1922 a usina já havia sido vendida pela viúva do Cel. João Fran cisco de Arruda, Isabel (Belita) de Almeida e Arruda, que se mudou com os cinco filhos para a fazenda Laguna, nas margens do rio S. Lourenço, também no pantanal.
Na carta fluvial, ao lado reproduzida, o Porto Urbano aparece no canto superior direito do mapa.
LACUNAS NA HISTÓRIA DE PORTO URBANO
As buscas solicitadas ao Cartório do 1º Ofício de Barão de Melgaço não lograram obter as certidões de nascimento e nem de casamento do Cel. João Francisco de Arruda e Isabel Paes de Barros Almeida, pois ali foi encontrado somente o livro nº 3 de registros de casamentos ocorridos nos anos de 1926 a 1931. O casamento pro vavelmente ocorreu em 1903, se for consi derado que Isabel se casou aos 14 anos, e morreu em 1933 aos 44 anos de idade.
O Cel. João Francisco de Arruda era filho de Urbano José de Arruda e de Maria Antô nia de Carvalho, enquanto Isabel de Almeida e Arruda (nome de casada), ou Isabel Paes de Barros Almeida (nome de solteira) era fi lha de Salvador Soriano de Almeida e Maria da Glória Paes de Barros (irmã de Antônio Paes de Barros, o Totó Paes da Usina Itaici).
As terras de Porto Urbano foram ven didas em 1922 para Emiliano Dias Leo
poldino, amigo da família e proprietário de terras vizinhas, que participou da ex pedição fluvial de 1960, a chamada Cara vana da Saudade. Foi solicitada certidão de cadeia dominial dessas terras no Car tório do 5º Ofício de Cuiabá, para confir mar a dimensão da propriedade e sua ori gem, que pode remontar à época de doa ção de sesmarias pelo governo portu guês, anterior à independência do Brasil.
Os túmulos de Urbano José de Arruda e de Urbano José de Arruda Filho ainda se encontram no local onde existiu a usi na. Também estão ali sepultados o Cel. João Francisco de Arruda e uma crian ça cujo nome não consta da lápide, mas somente as datas de nascimento e fale cimento: 10/08/1913 a 16/06/1916. Pelas datas (1913 a 1916) pode-se inferir que esta lápide não é de Maria de Arruda, fi lha mais velha do casal João Francisco e Belita, que nasceu em 1905 e morreu aos 6 anos de idade. Talvez seja de uma outra filha do casal que, segundo recordações de parentes, faleceu na primeira infância.
Hoje as lapides dos túmulos estão sendo destruídas pelo crescimento de uma grande figueira que precisa ser retirada para preser var o antigo cemitério de Porto Urbano.
As máquinas foram inicialmente vendidas para Alfredo Marques, proprietário da Usina S. Sebastião, que produzia álcool e aguar dente. Na década de 1950 os proprietários dessa usina eram Antonio Marques, Joaquim Marques e Alberto Garcia. Hoje o terreno se ria de propriedade de José Carlos Novelli.
Em julho de 2022, o autor localizou a área da antiga usina de S. Sebastião do lado es querdo do rio Cuiabá, próximo ao Pesquei ro Cardoso, mas observando a partir da es trada não constatou vestígios das máquinas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O levantamento da história da usina de Porto Urbano foi provocado pela tese de dou torado da professora Emilene Fontes de Oli veira, Usina Itaici – Mato Grosso: História, Tra balho e Educação (1897-1930), do Instituto de Educação da UFMT, de 2019. Nesse tra
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IVAM PADILHA, GUIA DA VIAGEM DE 2021.
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balho a professora Emilene mostra a existên cia de escolas nas principais usinas de açú car situadas nas margens do rio Cuiabá, mas não menciona a escola de Porto Urbano.
Diante dessa lacuna, o autor entrou em contato telefônico com a professo ra Emilene, a qual informou desconhecer essa usina e a sua escola.
Observa-se que a sua tese repro duz um mapa publicado no livro de Leni ne Póvoas, O ciclo do açúcar e a política de Mato Grosso, que trata das usinas do rio Cuiabá, onde Porto Urbano aparece como uma localidade no final do mapa, sem informar do seu significado.
A história de Porto Urbano era conhe cida de modo fragmentado por meio da tradição oral dos familiares. Diante dis so, o autor buscou mais informações com os membros da família Arruda, os quais prestaram todo o apoio necessário ao su cesso do levantamento. Também se apro veitou para atualizar a genealogia da Fa mília Arruda, com base no livro de Maria Arruda Müller, Genealogia da Família Ar ruda, de 1972, e na obra Gente Que Fez, Gente Que Faz Cuiabá, de Neila Maria Souza Barreto, publicada em 2019. Com base nisso foi desenhada a correspon dente árvore genealógica do ramo fami liar do Cel. João Francisco de Arruda e Dona Isabel de Almeida e Arruda, que re
monta ao primeiro Capitão-mor de Cuya ba em 1722, Fernão Dias Paes Falcão.
Concluiu-se que devido ao falecimento precoce do Cel. João Francisco de Arruda, Porto Urbano foi a primeira usina de açúcar a ser desativada em 1922, enquanto, que as demais permaneceram produtivas até os anos de 1960. Devido a isso, a usina de Porto Urbano caiu no esquecimento.
O retrato a óleo de Porto Urbano pinta do por Zenith João de Arruda sob orienta ção de seu tio Urbano de Arruda, juntamen te com as suas extensas anotações das duas expedições àquela usina nos anos de 1960 e 1962, foram fundamentais se para conhecer um pouco mais da sua história.
Por sua vez, Zenina Izabel de Arruda Fi gueiredo, havia pedido ao seu tio Urbano, que descrevesse as edificações pintadas por seu irmão Zenith, e anotou o que ha via dentro de cada porta e janela, inclusive a escola primária do professor Ludejero, re gistrando para as futuras gerações a impor tância econômica e social de Porto Urbano.
Na presente pesquisa foi confirmada a existência de escola primária destina da aos filhos dos proprietários e dos em pregados em Porto Urbano, assim como ocorria nas outras grandes usinas de açú car e aguardente que foram objeto de tese de doutorado da professora Emilene Fontes de Oliveira da UFMT
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REPORTAGEM
LEITO SECO DO CUIABÁ VELHO, EM FRENTE AO LOCAL ONDE SE SITUAVA A USINA PORTO URBANO.
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Primórdios do Beisebol em Mato Grosso
Primórdios do Beisebol em Mato Grosso
A história da colonização japonesa e a do beisebol, no estado de Mato Grosso, tem a mesma origem nos primeiros migrantes que aqui se estabeleceram no início da década de 1950
EEm 1953 chegaram a primeiras le vas, vindos inicialmente do interior do estado de São Paulo e, poste riormente, diretamente do Japão. Chegaram à região do Rio Ferro, distan te cerca de 500 km de Cuiabá, ao norte, quase chegando no estado do Amazonas, vislumbraram a densa vegetação e pensa ram, aqui é terra fértil !
m 1953 chegaram a primeiras le vas, vindos inicialmente do interior do estado de São Paulo e, poste riormente, diretamente do Japão. Chegaram à região do Rio Ferro, distan te cerca de 500 km de Cuiabá, ao norte, quase chegando no estado do Amazonas, vislumbraram a densa vegetação e pensa ram, aqui é terra fértil !
As estradas praticamente não haviam, tiveram que abri-las, atravessar rios sobre balsas, improvisaram pontes, desmataram com as “mãos”, utilizando no início macha do, marretas e serras. Construíram suas ca sas com essa madeira, os telhados eram uma atração a parte, feitos de tábuas de madeira, mas todos unidos em um sonho: o de ganhar dinheiro e retornar a terra natal.
As estradas praticamente não haviam, tiveram que abri-las, atravessar rios sobre balsas, improvisaram pontes, desmataram com as “mãos”, utilizando no início macha do, marretas e serras. Construíram suas ca sas com essa madeira, os telhados eram uma atração a parte, feitos de tábuas de madeira, mas todos unidos em um sonho: o de ganhar dinheiro e retornar a terra natal.
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FOTOS, ARQUIVO E TEXTO FÁBIO SATORU SASAKI
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A história da colonização japonesa e a do beisebol, no estado de Mato Grosso, tem a mesma origem nos primeiros migrantes que aqui se estabeleceram no início da década de 1950
FOTOS, ARQUIVO E TEXTO FÁBIO SATORU SASAKI
A terra na verdade era muito ácida, e dali não pro duzia o necessário para sua subsistência “não dava ar roz, feijão, legumes”, criá vamos galinhas e porcos, alimentando-os com feijão guandu, única coisa que dava naquele solo. Nós tam bém comíamos esse feijão; a mesma coisa que os ani mais comiam nós também tivemos que comer, além de termos que comer ani mais silvestres, a exemplo de macacos, sapos, minho cas e ratos. Quem não con seguiu comer, foram os pri meiros a morrer de fome de desnutrição. A distância até Cuiabá era um empecilho, apenas uma vez por mês o caminhão da empresa ia buscar mantimentos, gasta mos todo o dinheiro fazen do compras, pois da terra nada tirávamos.
A plantação de seringuei ra foi bem, mas para obter lucros com a colheita leva va cerca de sete, oito anos para a primeira sangria e dez para ter retorno comer cial. Experimentaram o plan tio da pimenta do reino e conseguiram uma boa co lheita, no entanto, devido a super produção dos países asiáticos, ocorreu desvalori zação do produto e um saco de pimenta do reino não va lia mais nada. Ainda tinha o custo de levá-la até o porto de Santos, não compensa va. Preferiram queimar.
tradas onde até então não havia nada. Desses locais surgiram cidades como Si nop e Feliz Natal. Hoje a culinária japonesa é muito bem representada nos res taurantes japoneses com seus Sushis e outros pratos. Nas feiras de gastronomia com o Yakisoba, nos espor tes com o Judô, o Karatê, o Karaokê e o Beisebol.
PRIMEIRAS TACADAS
as
Por causa a falta de co nhecimento do solo, da dis tância, as dificuldades com as doenças tropicais, a re sistência foi sendo minada e a esperança se acabou. Os imigrantes que vieram para nosso estado deixaram um grande legado: abriram es
Falando sobre o beisebol, esta modalidade esporti va chegou a Mato Gros so com estes imigrantes. Se tornou popular, pois na queles tempos, em fins de semana, os trabalhado res da roça vinham para a sede (Kaikan) praticar os mais variados esportes, dentre eles o beisebol. Era forma de descontrair dos longos períodos de servi
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ço pesado a se que impu nham os desbravadores.
Em meados de 1955, com o pátio da sede pronta, foram realizavam as primei ras partidas de beisebol em solo mato-grossense, como forma de reunir as famílias, naquele longínquo sertão.
trabalhar no Japão. Não só em Mato Grosso como em outras regiões do país, as as sociações de beisebol per deram membros e algumas até pararam por completo suas atividades.
famílias,
Segundo as entrevistas feitas aos descendentes, as primeiras partidas entre as localidades seriam do inicio da década de 1960. Dispu taram torneios as cidades de Cuiabá, Cáceres, Jurigue e Rio Ferro, tendo o registro em foto de um torneio de 1964.
Os anos seguintes foram comuns estes torneios, geral mente acontecendo de uma a duas vezes ao ano, até no início da década de 1990, onde com a era “dekasse gui”. Nessa ocasião muitos seguiram o caminho inverso de seus antepassados, indo
Com a estagnação da economia japonesa em meados do ano 2000, su cessivas crises econômi cas, fizeram que uma gran de leva desses emigrantes retornassem ao país, rei niciando as atividades nas suas associações.
O beisebol, com o apoio da Federação Mato-gros sense de beisebol e softbol, desenvolve com apoio do Governo japonês, a práti ca desse esporte com aulas gratuitas. Existe um voluntá rio japonês enviado somen te para ensinar a prática do beisebol aos Brasileiros.
SERVIÇO:
país,
Nos dias atuais a Associa ção Nipo de Cuiabá e Várzea Grande, possui diversas ati vidades não somente volta das aos membros da asso ciação, mas aberta a comu nidade Brasileira, visto que hoje os praticantes de Beise bol, Kendô, Taiko, possuem grande quantidade de não descendentes.
As aulas não são co bradas e, quem se in teressar, deverá pro curar a associação de Várzea Grande, situada na Rua Castro Alves, esquina com Castelo Branco, no Bairro Cris to Rei, levando apenas um par de tênis e boné, pois o restante dos ma teriais são fornecidos pela própria instituição.
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Frida Kahlo
POR LIANE CARVALHO OLEQUES
Além de uma das mais importantes figuras da arte no século XX, ela foi umas das personagens mais sig nificativas no âmbito político e cul tural no México. Frida Kahlo como ficou co nhecida, Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon, foi uma mulher guerreira, lutado
ra tanto na vida privada a qual teve que su perar grandes traumas, quanto na vida so cial. Toda sua obra reflete esta realidade, além da pintura, também deixou um diário onde registrou suas alegrias e frustrações como seu conturbado casamento, sua saú de frágil e a impossibilidade de gerar filhos.
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FOTOS DIVULGAÇÃO
Frida sempre foi apaixonada pela cultu ra e tradição de seu país e não hesitava em mostrar isso por meio de seus trajes, adere ços e cores vibrantes, além, obviamente, da sua pintura. Frida Kahlo nasceu em 06 de julho de 1907, na cidade de Coyoacan, no México. Seu pai, Guilhermo Kahlo, era fotó grafo e passou para filha sua paixão.
A vida de Frida Kahlo é repleta de acon tecimentos que irão repercutir na sua obra. Alguns críticos de arte sugeriram que ela era uma pintora surrealista, no entanto, Fri da rebateu dizendo que nunca pintou so nhos, mas sua própria realidade, pois ela própria era o assunto que mais conhecia.
Com apenas seis anos, Frida teve que superar a poliomielite, doença que a dei xou com sequelas, como uma perna mais fina que a outra e um pé atrofiado. Na ju ventude matriculou-se na Escola Prepara tória Nacional, onde começou a estudar medicina. Aos dezoito anos, na volta para casa, Frida sofre um grave acidente que a marcaria para o resto da vida. O bon de onde estavam ela e o namorado cho cou-se com um trem e um pára-choque de um dos veículos atravessou-lhe as costas, causando uma fratura pélvica, além de vá rias outras lesões pelo corpo. Frida Kahlo ficou vários meses recuperando-se e pas sou por 35 cirurgias. Frida ainda teria que encarar uma série de complicações o resto de sua vida, decorrentes desse acidente. No entanto, foi nesse período que Frida descobriu a pintura. Impossibilitada de le vantar da cama, seu pai adaptou um cava
lete a sua cama e espelho no teto para que a filha pudesse pintar. Aí começou uma sé rie de autorretratos. O primeiro foi “Autorre trato com vestido de veludo“, dedicado ao namorado que a abandonou nesse período.
Três anos após o acidente Frida aproxi mou-se do artista Diego Rivera ao levar al guns de seus trabalhos para que o pintor os analisasse. Esse encontro despertou uma grande paixão que resultou num relaciona mento conflituoso, repleto de traições de ambas as partes e separações, além de três abortos espontâneos, que levaram Frida a mais traumas psicológicos. Em um momen to conturbado desse relacionamento, Rivera chegou a envolver-se com a irmã de Frida. As aflições de Frida não pararam por aí, duran te sua vida sofreu com cirurgias e dores no corpo que a levaram quase a dependência de morfina, além de amputações dos dedos dos pés e uma perna. Frida fez sua primeira exposição individual em 1939, em Nova Ior que. A partir daí ganhou fama internacional o que lhe rendeu exposições em Paris, onde conheceu grandes artistas da época, como Pablo Picasso e Marcel Duchamp. Frida foi a primeira artista mexicana a ter suas obras ex postas no Museu do Louvre.
Frida morreu em 13 de julho de 1954. “Espero a partida com alegria... e espero nunca mais voltar”, foram as últimas pala vras encontradas em seu diário.
Liane Carvalho Olques é mestre em Artes Visuais e graduada em Licenciatura em Desenho e Plástica.
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Filinto Müller
A história que precisa ser revisada
POR JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA
No começo des te mês de março visitei o casal de amigos Zita Mül ler e Zé Arruda, em Cuia bá. Na saída, após um bom café com chipas e uma conversa prá lá de gostosa, Zita me entregou cópia de uma carta escrita há mais de cinquenta anos e guar dada no seio familiar por deferência a Filinto Müller, um dos mais ilustres mem bros dessa tradicional fa mília mato-grossense.
Essa carta foi escrita por Romário Paulino do Espíri to Santo, amigo e admira dor de Filinto Müller, nota damente pelo que este fi
zera pelos “filhos” de Mato Grosso na cidade do Rio de Janeiro. O destinatário era David Nasser, jornalista que se destacou nas déca das de 1950 até 1970, com artigos contundentes e áci dos direcionados a Filin to Müller, de quem era de claradamente um desafe to. A carta, escrita com ve neranda paixão pelos fei tos de Filinto, por ter sido testemunha ocular de fatos históricos, foi feita para to car o coração do jornalista, se tocou, não sei, no entan to, ao escreve-la, Romário representou centenas de pessoas que foram recep cionadas, bem atendidas
e encaminhadas à vida, no Rio de Janeiro. Desses jo vens muitos voltaram à sua terra e contribuíram para o seu crescimento, outros fi caram na então capital fe deral do país, à época.
Muito ainda há de se fa lar sobre Filinto Müller, a história lhe deve a réplica. É comum vermos histórias e biografias sendo man chadas por atos impensa dos. E depois? Como ficam essas pessoas que tive ram dedos apontados para si? Se defenderam a tem po? Alguns não. Acredito que esse é o caso de Filin to, pois sua precoce morte o impediu desse feito.
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A CARTA:
“Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 1966
Meu caro David Nasser
Chamo-o de “caro” porque o respeito, pela sua figura de jornalista independente, útil à coletividade e, sobretudo, por considera-lo um homem sério.
Você não me conhece, nem precisará conhecer-me, se não o desejar. Chamo-me Ro mário Paulino do Espírito Santo, de 52 anos, Delegado de Polícia aposentado e advoga do militante. Prestei, também, durante 20 anos serviços à Mes-bla, como Superintenden te de Pessoal e, agora, por estar doente, fui obrigado a afastar-me do serviço efetivo, pas sando, a Consultor Jurídico Trabalhista. Estou dando estes dados para você obter infor mações sobre a minha pessoa, se lhe interessar conhecer quem lhe escreve e o admira.
Entretanto, como você, eu sou um homem e não posso mais omitir-me a respeito das injustiças que você faz a Filinto Müller. Estou certo de que você não está bem in formado e eu lhe peço que me permita repor a verdade dos fatos. Conheci Filinto quando ele era Capitão, com 32 anos e eu um rapaz pobre, com 18 anos, lutando com dificuldades, apesar de já ser bacharel em Ciências e Letras. Vim de Mato Grosso para estudar e, para fazê-lo, fui até servente. Passei privações até que Filinto me acolheu, dando-me um emprego de investigador especial, mas dando -me, mais do que o emprego, a certeza de que eu já não estava só. Na Polícia, ser vi a Filinto com o maior entusiasmo, expondo inúmeras vezes a minha vida. Dei e le vei tiros, especialmente na fase aguda do comunismo. Muitas vezes tivemos que agir com violência, reprimindo violência, mas jamais houve a covardia, a perversidade e crueldade que você insiste em imputar a Filinto. Isso representa uma contradição na sua vida de jornalista. Você diz tantas verdades, fica sabendo que isso é uma menti ra. Fui testemunha ocular dos fatos.
Filinto era Chefe de Polícia de uma Ditadura, era um homem forte, duro, mas era um homem de bem. Houve, é claro, alguns excessos de auxiliares, mas que ele repri mia, só não dando publicidade para não dar armas ao “inimigo”.
Não houve o caso da cela mais húmida, nem a frase que você lhe atribui, “pode ir tratando do enterro”, dirigindo-se ao pai de Fournier. Não houve a sevícia à mulher de Berger, como nada teve Filinto com o ato da extradição da mulher de Prestes. Muita coisa eu lhe poderia contar se tempo houvesse de sua parte para ouvir-me.
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Escreve-lhe, repito, para que o líder de uma geração de jornalistas não persista num erro e numa injustiça.
Afianço-lhe, sob minha palavra de honra, que Filinto não sabe desta carta, não a autorizaria. Mas eu não preciso mais de Filinto, nem mesmo de sua autorização. Minha gratidão para com ele, que só acabará com a minha morte, entretanto, faz com que o respeite como a um pai, que o estime como a um irmão – também o defendo como a um filho.
Sou um homem que nada mais deseja a não ser paz para dedicar à família o resto dos seus dias. Fui humilde a vida toda e quero morrer humildemente. Não quero sequer que esta transpire além de nós dois, porque eu já estarei em paz por ter tirado esse “osso que me atravessava a garganta há tantos anos”, e você poderá estar em paz se usar a coragem que possui para retificar um erro que vem cometendo reiteradamente.
Estou diabético Nasser, pagando para não ter as preocupações que tive a vida inteira, mas não pude mais silenciar-me depois que li, como sempre faço, o seu último artigo de “O Cruzeiro”.
Qualquer que seja a sua atitude, eu não mudarei em relação a você, que eu considero um baluarte da democracia.
Continuarei a ouvir o Diário de um Repórter e a ler as suas brilhantes crônicas, mesmo quando injustas como a do caso em tela, talvez por ser baseada em informações errôneas. E perdoe-me “por ser longo, por não tive tempo de ser breve”, porém, como advogado, como cidadão e como mato-grossense, eu precisava defender esse homem que amparou uma geração de “bororos”, como eu, e que hoje ainda é um dos esteios da nacionalidade.
Cordialmente,
Espírito
Romário Paulino do Espírito Santo
P.S. Assim, não concordo com todas as cousas que você escreve, mas defenderei até a morte o seu direito de escreve-las.”
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Língua Portuguesa: 10 Palavras Portuguesas de Origem Russa
A Língua Portuguesa sempre incorporou palavras de outros idiomas. Descubra 12 casos de palavras portuguesas de origem russa.
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COM VXMAG
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Ao longo dos séculos, a Língua Portuguesa ado tou palavras de outros idiomas. No início, as pa lavras tinham origem sobretudo no latim e no grego. Mais tarde, o francês ganhou preponde rância. Nos últimos tempos, foi a língua inglesa a ga nhar terreno. No entanto, tempos houve em que a Língua Portuguesa incorporou palavras da Língua Russa. Ape sar da distância física que separa Portugal da Rússia, o enorme potencial cultural do povo russo, especialmen te durante os tempos da União Soviética, fez com que outros idiomas do mundo adoptassem palavras suas. A nossa lista possui apenas 12, mas serão mais embora as que não estão aqui listadas não tenham tradução ofi cial em português ou sejam apenas utilizadas em situa ções ou contextos especiais. É o caso das palavras Pe restroika (reforma), Glasnot (transparência), Siloviki (ho mens que possuem armas), etc… Descubra algumas palavras portuguesas de origem russa.
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1. VODKA
3. TUNDRA
» Vodca ou vodka (em russo: водка; em polaco: wódka) é uma popular bebida des tilada, incolor, quase sem sabor e com um teor alcoólico entre 35 e 60%. A vodca é a bebida nacional da Polônia e da Rússia, O nome vodka (em português: vodca) é o di minutivo de água (“aguinha”) em várias lín guas eslavas, contudo não se tem certe za da origem etimológica, que poderia ser apenas uma coincidência.
2. MAMUTE
» Do russo mammot, nome dado aos res tos mortais dos paquidermes encontrados desta espécie. No entanto, a origem da pa lavra mamute é confusa. Alguns etimologis tas consideram que o termo tenha surgido a partir do francês mammuthus, que mais tarde foi incorporado ao dicionário espa nhol na forma mamut. Outros estudiosos da raiz etimológica da palavra “mamute” acre ditam que ambos os termos (russo e fran cês) derivaram da língua ostíaca, falada pelo povo ostíaco, que habitava a região da Sibé ria Ocidental. A partir da língua espanhola, o termo “mamute” chegou ao português.
» Tundra é um bioma no qual a baixa tem peratura e estações de crescimento curtas impedem o desenvolvimento de árvores. Existem três tipos de tundra: tundra árcti ca tundra alpina, e tundra antárctica. Numa tundra, a vegetação é composta por arbus tos, ciperáceas, gramíneas, musgos e lí quenes. Em algumas tundras existem ár vores dispersas. O ecótono entre a tundra e a floresta é denominado linha de árvo res. O termo “tundra” tem origem em russo: тундра, a partir do lapónico tūndâr (“terras altas”, “região montanhosa sem árvores”).
4. TAIGA
» A taiga (do russo тайга), também conhe cida por floresta de coníferas, ou ainda flo resta boreal, é um bioma predominante das regiões localizadas em elevadas latitudes cujo clima típico é o continental frio e polar, comumente encontrado no norte do Alasca, Canadá, sul da Groenlândia, parte da No ruega, Suécia, Finlândia, Sibéria e Japão. No Canadá, usa-se o termo floresta boreal para designar a parte meridional desse bio ma, e o termo taiga é usado para designar as áreas menos arborizadas a sul da linha de vegetação arbórea do Ártico.
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5. TROIKA
7. CZAR
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» Troika ou troica (em russo: тройка) é a palavra russa que designa um comité de três membros. A origem do termo vem da “troika” que em russo significa um carro conduzido por três cavalos alinhados lado a lado, ou mais frequentemente, um trenó puxado por cavalos. Em política, a palavra troika designa uma aliança de três personagens do mesmo nível e poder que se reúnem num esforço único para a gestão de uma entidade ou para completar uma missão, como o triunvirato de Roma.
6. BOLCHEVIQUE
» É o termo usado para se referir aos membros do Partido Comunista, o único existente na União Soviética. A palavra nasceu num dos congressos do Partido Social Democrata de Trabalhadores da Rússia, quando o grupo liderado por Vladimir Lenine recebeu a maioria de votos num dos principais assuntos discutidos. Apesar de o grupo não ter obtido o mesmo sucesso em outras votações, a palavra ganhou a popularidade e foi atribuída a todos os aliados do futuro líder soviético. Após a divisão do partido em “bolcheviques” (maioria) e “mencheviques” (minoria), o primeiro grupo ganhou maior apoio da população pela associação da palavra “maioria” com algo “melhor”.
» Tsar (ou Czar) é uma versão reduzida da palavra latina caeser, introduzida ao vocabulário popular em 1547 por Ivan, o Terrível, e refere-se ao título oficial do monarca russo. No período entre os anos 1613 e 1917, a Rússia foi comandada pela Dinastia Romanov, e o primeiro czar chamava-se Mikhail Fiódorovitch. O último governante do país, Nikolai II, abdicou do trono em 1917 a favor do seu irmão mais novo Mikhail, que, mesmo seguindo o exemplo do Nikolai e recusando-se a ser o próximo monarca, é formalmente considerado o último czar russo.
8. BELUGA
» A Baleia Branca, ou Beluga, é um mamífero marinho da ordem dos cetáceos. Habitando as águas frias do hemisfério Norte, as Belugas são encontradas em altas latitudes, em torno do círculo polar Ártico, distribuindo-se desde a costa da Groenlândia até à região da Noruega. Populações residentes
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» destes mamíferos são observadas na cos ta do Alasca e Canadá, porém tratam-se de uma exceção, visto que esta espécie geral mente realiza migrações sazonais em gru pos de 30 a 100 indivíduos.
9. COSSACO
» A palavra “cossaco” vem do russo kazak. O termo é originário do turco e quer dizer “aven tureiro” ou “homem livre”. Os cossacos são um povo proveniente das estepes da Euro pa oriental, ao norte do mar Negro e do mar Cáspio. Eles têm parentesco com o atual povo cazaque, que hoje vive no Cazaquis tão, situado ao sul da Rússia. O termo “cos saco” também designa os soldados que ser viam no exército do czar (imperador) da Rús sia, principalmente na cavalaria. Os cossacos dividiam-se em dois principais grupos étni cos: os cossacos zaporojianos, que habita vam as estepes da Ucrânia; e os cossacos russos, das regiões fronteiriças do Principado de Moscóvia (sediado em Moscou).
10. MATRIOSCA
» A conhecida boneca de madeira, no inte rior da qual estão várias outras menores, tem
o nome aldeão de Matriona, ou Matriochka, o seu diminutivo. É curioso que o seu protó tipo foi um brinquedo desmontável japonês, que chegou à Rússia no final do século 19. Uma matriochka pode conter entre 3 a 24 bo necas. Ultimamente, ganharam popularidade como lembranças da Rússia bonecos repre sentando figuras políticas. Por exemplo, den tro de Putin está Ieltsin, e dentro deste, Gor batchov, seguido por Brejnev, Khruschov, Es taline e Lenine em miniatura.
11. GULAG
» Gulag é a abreviação para “Diretoria Geral de Campos de Prisioneiros”, criada na déca da de 1930. Lá, criminosos e presos políticos eram mantidos e usados para trabalhos pe sados. Após o lançamento do livro “Arquipé lago Gulag”, de Aleksandr Soljenítsin, a pa lavra transformou-se em sinónimo de repres sões políticas, já que a maior parte das víti mas eram condenadas a até 25 anos de pri são por crimes não existentes. Muitas ve zes, as penas incluíam “10 anos sem direito de correspondência com familiares” – o que, até certo ponto, também significava pena de morte em diversos casos.
12. COSMONAUTA
» Cosmonauta é uma adaptação da pala vra russa kosmonavt, derivada das pala vras gregas “kosmos” (“universo”) e “nau tes” (“marinheiro”). Então, semanticamente falando, a única diferença entre um astro nauta e um cosmonauta é que no primeiro caso a palavra considera as estrelas, e no segundo o universo. Por convenção, cos monauta é o viajante espacial da Roscos mos (a agência espacial federal russa).
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EDUCAÇÃO
CLARICE LISPECTOR Escritora
A Lucidez Perigosa
POR CLARICE LISPECTOR FOTOS DIVULGAÇÃO
Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.
Além do que: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes.
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LITERATURA
Americanidade A Busca Pelo Intercâmbio Cultural Entre Os Povos Da América Do Sul: Mercedes Sosa
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A cantora argentina Mercedes Sosa, das vozes mais co nhecidas do folclore latino -americano, nasceu em Tu cumán no dia 9 de julho de 1935, tendo falecido em Buenos Aires, a 4 de outubro de 2009.
Mercedes, que ficou conhecida pelo apelido de La Negra , devido os seus lon gos e lisos cabelos negros, foi descoberta aos quinze anos de idade, cantando numa competição de uma rádio local da cidade natal, quando foi-lhe oferecido um contra to de dois meses.
lume MatoGrossolume MatoGrosso LITERATURA
AMERICANIDADE
Admirada pelo timbre de contralto, gra vou o primeiro disco Canciones con Fun damento, com um perfil de folk argentino. Consagrou-se internacionalmente nos EUA e Europa em 1967, e em 1970, com Ariel Ramirez e Felix Luna, gravando Cantata Su damericana e Mujeres Argentinas. Gravou um tributo à chilena Violeta Parra.
Mercedes interpretou um vasto reper tório, gravando canções de vários estilos. Atuou com muitos músicos argentinos, a exemplo de León Gieco, Charly García, Antonio Tarragó Ros, Rodolfo Mederos e Fito Páez, além de outros latino-america nos, notadamente brasileiros.
Foi ativista política de esquerda, e pe ronista na juventude. Em tempos relativa mente recentes manifestou-se como for te opositora de Carlos Menem e apoiou a eleição do presidente Néstor Kirchner.
Sua preocupação sócio-política refletiu -se no repertório interpretado, tornando-se uma das grandes expoentes da Nueva Can ción, um movimento musical latino-ameri cano da década de 1960, com raízes afri canas, cubanas, andinas e espanholas.
Por ser engajada politicamente, amar gou anos de exílio voluntário, durante os quais excursionou por diversos países, in clusive o Brasil.
A música brasileira era uma das pai xões de Sosa. Foram muitos os encontros com nomes como Milton Nascimento, Chi co Buarque e Raimundo Fagner, Caetano Veloso, Gilberto Gil, dentre outros artistas. São expressões da Nueva Canción, marca da por uma ideologia de rechaço ao que entendiam como imperialismo norte-ameri cano, consumismo e desigualdade social.
Em 1978, em turné pelo Brasil, Mercedes passou pelo aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, onde foi proibida de sair da sala VIP, lá foram vê-la seus amigos Milton Nas cimento e Chico Buarque, entre outros.
Na época, seu nome constava na rela ção dos indesejáveis da ditadura militar que dominava o Brasil.
Mais tarde, quando, finalmente, obteve autorização para fazer sua primeira excur
são pelo Brasil, a temporada foi tensa. Em Curitiba seus fãs em sua maioria eram os estudantes que se identificavam com sua música de protesto, suas posições políticas corajosas e dignas.
Mercedes convocou compositores de músicas novas a dividirem as gravações: o cubano Pablo Milanes em El Tiempo, em Im placable, El Que Puso; Teresa Parido no cha mamé Pedro Canoeiro; Tito Paez em Parte Del Aire; Victor Heredia em Marcar Quila Mercedes possui um dueto So le piedo a Dios com a cantora de samba, Beth Carva lho, cada uma cantando no seu idioma. Des taca-se também o dueto de Mercedes com o cantor cearense Fagner na música “Años”, sucesso gravado em 1981. Outra música de Mercedes muito conhecida na sua firme e, ao mesmo tempo, terna voz é a canção Gra cias a la vida, composição de Violeta Parra.
A cantora recebeu, em vida, diversos prêmios, dentre os quais um Grammy La tino, na categoria de Melhor Álbum Folcló rico, com o CD Misa Criolla
Teve destaque o disco Alta Fidelidad , de 1998, com canções do roqueiro argen tino Charly Garcia. Mercedes seguia fiel ao seu lema: “ O que entra no coração do povo não pode ser proibido ”.
Nada como o tempo para fazer as de vidas colocações. Símbolo da resistência política, dos direitos humanos, da contes tação as ditaduras latino-americanas nos anos 1960 e 70, Mercedes Sosa nunca mudou. Continuava a ser a grande can tora e compositora - íntegra artista que, sempre, corajosamente, denunciava as violências dos ditadores do Cone Sul.
Entretanto, ela, que era perseguida, boi cotada e cuja presença assustava a tan tos, foi adulada por um público que apre cia suas letras, música e performance mu sical que mescla temas de paz e igualda de social. Mercedes nunca deixou de can tar as mazelas do povo, fosse em discos ou shows. Mesmo após seu passamento, sua voz continuou a correr o mundo, visto que a música era a atividade que exerceu com enorme prazer até sua morte
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