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CAPÍTULO CIV
acabou por se fazer entrado na casa de D. Rita, com desgosto dos seus habitantes, que assim se viam esquecidos do anfitrião. Nóbrega, entretanto, dera ordens bastantes para que fossem todos servidos e agasalhados, como se ele estivesse presente.
A ausência não lhe faria perder as loas dos amigos. Ao contrário, os servos podiam dar testemunho do que todos eles pensavam do “grande homem”. Tal era o nome que lhe aplicara o secretário particular, e pegou. Nóbrega sabia pouca ortografia, nenhuma sintaxe, lições úteis, decerto, mas que não valiam a moral, e a moral, diziam todos, acompanhando o secretário, era o seu principal e maior mérito. O fiel escriba acrescentava, que sendo preciso despir a camisa e dá-la a um mendigo, Nóbrega o faria, ainda que a camisa fosse bordada.
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Agora mesmo, este amor era, ao cabo, um movimento de caridade. Em pouco tempo, aquele gosto de relance passou a grande paixão, tão grande que ele não a pôde conter, e resolveu confessá-la. Hesitou se o faria à própria moça ou à dona da casa. Não tinha ânimo para uma nem outra. Uma carta supria tudo, mas a carta pedia língua, calor e respeito. Se, ao menos, o gesto de Flora lhe dissesse alguma coisa, ainda que pouca, vá; a carta seria então uma resposta. Mas não lhe dizia nada o gesto da moça. Era só cortês e gracioso; não ia além dessas duas expressões.
D. Rita percebeu a inclinação de Nóbrega e achou que era a melhor solução da vida para a hóspede. Todas as incertezas, angústias e melancolias vinham acabar nos braços de um ricaço, estimado, respeitado, dentro de um palacete com uma carruagem às ordens... Ela mesma punha em relevo este prêmio grande da loteria de Espanha.
Enfim, o secretário de Nóbrega redigiu com a melhor linguagem que possuía uma carta em que o capitalista pedia a D. Rita o favor de consultar a moça amada. — Não escreva palavrinhas doces, recomendou ele ao secretário. Gosto dessa moça com um sentimento de proteção, antes que outra coisa. Não é carta de namorado. Estilo grave... — Uma carta seca, concluiu o secretário. — Totalmente seca, não, emendou Nóbrega, uma carta lisonjeira, sem esquecer que não sou criança.
Assim se cumpriu. Ia a cumprir-se demais; Nóbrega achou que o estilo podia ser um tanto ameno; não fazia mal pôr duas ou três palavras apropriadas ao objeto, beleza, coração, sentimento... Assim se cumpriu finalmente, e a carta foi levada ao seu destino. D. Rita ficou contentíssima. Justamente o que ela queria. Tinha o plano feito de concluir, por Y
ato seu, uma história melancólica, a que daria, por derradeira página, conclusão deslumbrante. Não pensou em dizê-lo primeiro ao irmão, pela razão de querer que ele recebesse a notícia completa, tudo feito e acabado. Releu a carta; dispôs-se a ir logo, mas há pessoas para quem o adágio que diz que “o melhor da festa é esperar por ela”, resume todo o prazer da vida. D. Rita tinha essa opinião. Todavia, entendeu que tais cartas não são das que se guardam largo tempo, nem aliás das que se comunicam sem cautela.
Esperou vinte e quatro horas. Na manhã seguinte, depois de almoçadas, leu a carta à moça. O natural é que Flora ficasse espantada. Ficou, mas não tardou que risse, de um riso franco e sonoro, como ainda não rira em Andaraí. D. Rita ficou espantadíssima. Supunha que, não a pessoa, mas as vantagens e circunstâncias pleiteassem a favor do candidato. Esquecia os seus cabelos entregues à sepultura do marido. Deu conselhos à moça, pôs em relevo a posição do pretendente, o presente e o futuro, a situação esplêndida que lhe dava este casamento, e por fim as qualidades morais de Nóbrega. A moça escutou calada, e acabou rindo outra vez. — A senhora sabe se serei feliz? perguntou. — Creio que sim; agora, o futuro é que confirmará ou não. — Esperemos que o futuro chegue, conquanto me pareça muito demorado. Não nego as qualidades daquele homem, parece bom, e trata-me bem, mas eu não quero casar, D. Rita. — Realmente, a idade... Mas nem, ao menos, quer pensar alguns dias? — Está pensado.
D. Rita ainda esperou um dia. A resposta negativa, dado que Flora viesse a mudar de opinião, podia ser uma desgraça para esta. Uso os próprios termos dela, consigo, grande desgraça, posição esplêndida, sentimento profundo. D. Rita ia aos extremos, diante daquele rico-homem dos últimos anos do século.