Cartas para Ninguém - 2ª Edição (2019)

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padê editorial

cole-sã escrevivências

Inverno 2019 distrito federal



diana salu

cartas para

ninguém 2ª edição


Cartas para ninguém

Ilustrações e cartas de Diana Salu saluilustra@gmail.com @diana.salu edição, diagramação, concepção da artesania: tatiana nascimento e diana salu revisão: kati souto

padê editorial é um coletivo editorial que publica autoras negras y/ou lgbtqi+, fundado por tatiana nascimento y bárbara esmenia, em brasília / DF

www.pade.lgbt

pade.editorial@gmail.com a primeira edição deste livro foi feita como parte do projeto “Escreviventes: autopublicação artesanal de narrativas LBTs”, proposto pela padê e selecionado pelo Fundo Elas de Investimento Social em edital de 2018. tipografia: hero (capa), ogirema (miolo) S181c Salu, Diana Cartas para ninguém / Diana Salu. - 2. ed. - Brasília: Padê Editorial, 2019. 92p. : il. ISBN 978-85-85346-43-0 1. Ilustração epistolar 2. História em quadrinhos I. título


Esse livro que você segura é sobre tentar encontrar com si. O processo, as tentativas, os acertos, as falhas, o movimento. Constante, perene, cheio de obstáculos, de desistências, de insistências e banalidades. É também sobre uma transição. E não é. Dedicado à todes - especialmente às todas - que me ajudam cotidianamente a encontrar comigo. Só sou, porque nós somos. (contraditoriamente, ou não, abraçar sua solidão não se faz inteiramente só)


sobre a cole-sã inspirada nas escrevivências elaboradas/teorizadas por conceição evaristo, a cole-sã escrevivências, da padê editorial, é dedicada a textos maravilhantes de literatura lgbtqi+ (majoritariamente) negra contemporânea. são mais de 60 títulos de autorxs sapatonas, travestis, mulheres y homens trans, gente não-binária, povo preto sexual-dissidente de um monte de lugares num brasil que insiste’ em nos matar, nos impedir de sonhar, de falar com nossa própria voz. mas mesmo assim: aqui estamos, falamos, escrevemos. sonhamos! foi no blog de conceição que li “a nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”. o racismo htcisnormativo, mola de funcionamento do sistema colonial que fez nossa banda do continente ser como é (escravocrata, lgbtqifóbica, espraiante de genocídio negro, indígena, de transfeminicídio, classista, desesperançosa, fundamentalista) tem entre suas principais ferramentas políticas de silenciamento: tenta nos roubar de nossas palavras, contaminar colonizando nossa expressão/discurso/narrativas, quer despermitir que plantemos nosso próprio imaginário. difundir seus estereótipos sobre nós enquanto finge que não vê não ouve o que nós mesmxs temos a dizer sobre nós.


escrevivências

selecionar esses textos y autorxs tem a ver com uma fé no contar nossas próprias histórias. y histórias que curem nosso passado, alimentem nosso presente, construam nosso futuro: além de incomodar sonos injustos, embalar os nossos sonhos de mundos, imaginários, afetos, existências possíveis, plenas, autodeterminadas, autoafirmadas literariamente. ah! todos os livros publicados na cole-sã têm licença creative commons tipo “atribuição-não comercial-sem derivações”, o que significa que você pode compartilhar o material em qualquer suporte ou formato, desde que a autoria seja atribuída (“atribuição”) y desde que não seja feito uso lucrativo do material (“não comercial”). se você modificar esse conteúdo, tampouco pode distribuí-lo (“sem derivações”). tatiana nascimento, organizadora



































Cansada de ser essa coisinha frágil que acham que eu sou. Que narram que eu sou pra mascarar suas proprias pequenezas. Minha fraqueza não escondo, não temo esconder, dela não me envergonho. Assim como não temo, e não me embaraço, de minha força. E eu sou forte pra caralho. Eu sou uma lutadora. Meu corpo é minha arma. E ninguém ninguém me para Minha fraqueza me conecta, minha força me impulsiona e pela minha felicidade, pelo meu desejo, pela minha vontade, respondo eu



































Eu sentada na cama olhando você, na rede, fumando um cigarro. Olhando o seu olhar me olhando. Sabendo as duas que nosso tempo se acabava, queimando como aquele cigarro. E meu olhar míope antecipadamente me fazia ter que aprender a imaginar seu rosto, visitá-lo num lugar de memória, esforçando por lembrar, mesmo ali em sua presença. Primeiro fiquei com raiva de como me falhavam meus olhos. Agora penso na metáfora por trás de te imaginar enquanto estou ali com você. De como estamos o tempo inteiro fazendo isso. É como tentar agarrar um reflexo na água, busca-se o reflexo, mas o que existe é apenas a água.










ninguém

sou eu

um pouco fogo, um tanto água, queria ser mais terra. quer ser artista marcial. já quis muitas coisas grandiosas, depois achou que não era pra ela. aí descobriu o grande no pequeno e o pequeno no cotidiano. depois descobriu que isso chama autocuidado. fala fala fala, às vezes se cala. por um tempo achou que deveria se calar mesmo. que não havia nada que poderia ter a dizer que importasse. descobriu o poder de falar de novo. vem descobrindo o poder do silêncio. trans. travesti. mulher travesti. mulher. mulher? feminina. masculina. às vezes. sapatão. lésbica. com l de língua de lambe e de larga mão do seu preconceito por que tem muito mais coisa que dá pra fazer com um corpo que tem neca além de sexopenetração-hetero-cis-normativo. com qualquer corpo alias. a pele é o maior órgão do corpo. com l de luta. a luta foi uma descoberta do meu feminino. assim como o cuidado. e gengibre. e moqueca e capuccina. (são duas gatas). e o chorar como força. e errar como parte. erros, falhas. errar significa caminhar livre.


mar. terra vermelha. e mar. e terra. vermelha. mar mar amar. amor. amor como tentar enxergar a outra. amor como não julgar a outra. amor que quer ter como guia a gentileza, o cuidado e a compaixao quando vê a outra. quando vê a outra feliz, a outra triste, a outra em conflito. a outra namorada, a outra amiga, a outra mãe, a outra avó, a outra conhecida, a outra desconhecida, a outra mulher, a outra bixa, sapa, não binaria, não binário, homem trans, homem cis também? a outra eu. às outras que são eu, que sou eu. eu sou uma mulher que só descobriu que podia ser mulher aos 20, só aceitou que era mulher aos 24 e só tomou coragem de se expor mulher aos 26. mas sempre foi. mulher. nunca a mesma. nunca igual. nunca uma. sempre multipla. como você. dúvida. incerteza. poder de transformação. ser viva foi uma conquista. já quis não ser. não viva. hoje vivo. e revivo. e revisito. e me visto. e existo. e assim, me exponho. prazer diana. prazer, diana. prazer.



outros títulos da cole-sã escrevivências, da

padê editorial: escura.noite, kati souto sal a gosto, esteban rodrigues paragrafia 44, lélia de castro 44 sentímentos, cleudes pessoa cartas para NegraLua, débora rita oju oiyn, okan iná, beatriz fernandes aqualtune água viva, piera schnaider desculpa por ainda escrever poemas de amor, julianna motter flores em coração cerrado, tati carolli a saudade é mulher, fernanda fernandes muniz delírios de (re)xistência, geise gênesis in-quietudes, vandia leal coração no asfalto, márcia cabral ser y estar en otros matices, rocío bravo shuña olindeza, maryellen aparecida concha, sabrina leonardi pérola marrom, nina ferreira piroclastos, lázaro afro latina, formiga alumbramento marginal, bianca chioma deve haver haveres para que a gente siga existindo, laila oliveira EP, téo martins tinkuy, jade bittencourt no âmago, enzo iroko sapa profana, raíssa éris grimm sou travestis: estudando a cisgeneridade como uma possibilidade decolonial, viviane vergueiro amar devagarinho..., bruno santana a piada que vocês não vão contar, kuma frança guarda-versos: palavras que não pude calar, adriele do carmo olho de imbondeiro, kárita lohana bricolagem travesti, maria léo araruna todos os títulos da cole-sã estão disponíveis pra venda y também download gratuito no portal

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