LUZ DA MINHA VIDA Glaucia Santos
Copyright © 2013 Glaucia Santos
Capa: Filipe Alves de Moraes | AF Capas - Design Editorial Diagramação Digital: Carla Fernanda Revisão: Carla Fernanda Beta Reader: Yale Herrmann Colaboração: Karini Couto
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produto da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução, o armazenamento, a distribuição ou cópia, no todo ou em parte dessa obra, através de quaisquer meios, sem o consentimento por escrito da autora.
ISBN: 978-85-915155-0-9 1. Literatura Brasileira 2. Romance. CDD: 869.35
Edição Digital | Criado no Brasil.
Seus olhos, meu clarão, Me guiam dentro da escuridão. Seus pés me abrem o caminho; Eu sigo e nunca me sinto só.
Tribalistas, in Velha infância.
Para a minha madrinha, que sempre foi uma luz na minha vida.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, que me deu esse dom para escrever e continua fermentando o meu talento. Sem Ele eu nada seria. Para as minhas leitoras amadas, que nunca me abandonam, e me dão o estímulo necessário para escrever: Janaina Godoy, Nathalia Lima, Kriss, Drica, Raissa, Daniela Cristóvão, Fatima Lobo, Anne, Deia, Stefanie Martorelli, Michelle Galdo, Andreia Siqueira e Letícia Miranda. A vocês vai um obrigado muito especial. Para a minha amiga Herilandia Andrade, por me incentivar e sempre acreditar, mesmo nos momentos de desânimo. Eu passei quase um ano sem conseguir escrever e estava muito triste, pois achei que havia perdido o meu dom. Mas essa mulher, mais uma vez, me incentivou e me mostrou que era capaz. Foi ela quem tirou do armário esse projeto antigo, para que eu começasse a escrever novamente e me deu o empurrão necessário. Uma amiga especial e uma mulher maravilhosa. Obrigada de coração. Para Yale Herrmann, por ter lido toda a história, feito a primeira revisão e dado ideias para a trama, tornando-a mais interessante. Obrigada pela paciência e colaboração. Para as minhas amigas Viviane Guedes, Tânia Klein, Carolina Durães, Karini Lima, Valéria Cristina e Patrícia Campos, por acreditarem e me darem o estímulo necessário. Essas pessoas não tiveram participação ativa na criação, mas influenciaram quando me sentia triste e achava que não era mais possível. Para os meus amigos blogueiros, que acreditaram no meu potencial e ajudaram a divulgar o meu trabalho. Sou grata pela receptividade e pelo carinho de todos. Para a minha família, que me deu a estrutura necessária, tornando-me uma pessoa íntegra e com valores morais elevados. Sem a educação e estrutura familiar, não teria base para escrever sobre a vida e tentar transmitir uma mensagem boa. Graças a ela, sou o que sou. O meu agradecimento especial vai para a minha mais nova amiga Carla Fernanda, que desde o primeiro momento demonstrou ser uma boa pessoa, acreditou em meu talento e me incentivou. Essa mulher se dispôs a revisar a minha história, relendo várias vezes, dando dicas e novas ideias que foram fundamentais ao desenvolvimento da trama. É muito difícil encontrarmos pessoas que não sejam interesseiras e que estejam dispostas a ajudar. Essa mulher me provou que ainda posso confiar no ser humano e em sua bondade. Para ela eu dedico esse livro e agradeço de coração por toda a ajuda.
APRESENTAÇÃO
Glaucia superou-se neste romance com um enredo envolvente e arrebatador, que me trouxe um torvelinho de emoções, através de personagens tão cativantes e realistas, condizentes com nossa atualidade. Não tem como não se inspirar com a força, a coragem e a superação de Anna Maria; se apaixonar pelo cavalheirismo, altruísmo e romantismo de Richard; além de gargalhar do humor irreverente de Zefa. Claro que não podiam faltar dois antagonistas, que despertarão os piores instintos do leitor: Eva, uma mãe superprotetora, preconceituosa e desagradável; e um serial killer que coloca em risco a vida de todos. Um livro que irá conquistar o seu coração pelas mensagens que traz com todos os ingredientes que amamos: romance, sensualidade, tensão, suspense e muito humor em meio a cenários idílicos com uma trilha sonora que vai emocioná-lo.
Carla Fernanda Sonho de Reflexão
SUMÁRIO AGRADECIMENTOS APRESENTAÇÃO PRÓLOGO CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 CAPÍTULO 16 CAPÍTULO 17 CAPÍTULO 18 CAPÍTULO 19 CAPÍTULO 20 CAPÍTULO 21 CAPÍTULO 22 CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24 CAPÍTULO 25 CAPÍTULO 26 CAPÍTULO 27 CAPÍTULO 28 CAPÍTULO 29 CAPÍTULO 30 CAPÍTULO 31 CAPÍTULO 32 EPÍLOGO A AUTORA CONTATO NOTAS DE RODAPÉ
PRÓLOGO
Anna Maria se observou no espelho do banheiro por um longo tempo. Suas mãos tocavam o próprio rosto suavemente, tateando, sentindo, esquadrinhando pouco a pouco a pele suave, em busca de reconhecimento. O que via era algo que seu cérebro ainda não havia processado. Aquela pessoa era ela? Tudo parecia muito estranho e irreal desde o momento em que abriu os olhos e acordou ao lado daquele homem. Agora tentava um reconhecimento irrefutável de que aquela pessoa que via era ela e isso só era possível através do toque. Era difícil distinguir seus sentimentos e impressões, porque o ambiente era tão assustador e não ajudava. Ela olhava para todos os lados, tentando pensar, assimilar, aferindo o que conhecia, em seu mundo sombrio, ao que via. Seu olhar cruzou o espelho e observou a figura masculina, o mesmo homem com quem acordara minutos antes, aquele a quem ela passou observando e tentando memorizar as feições. Ela ficou um bom tempo ao seu lado na cama, depois de cheirá-lo e tocá-lo, para ter absoluta certeza que seus olhos não a traíam... Sim, era ele, o homem que lhe ensinou o que era amar e que lhe deu esperanças; o mesmo que aceitou sua condição sem exigir nada, aquele que a venerava, dava-lhe as mãos e falava coisas bonitas, como também coisas duras quando necessárias. Era difícil acreditar que ele era o “seu Richard”. Anna ficou encantada ao observá-lo, com um misto de curiosidade e admiração. Tateou o seu rosto de olhos fechados e depois abertos, para reconhecê-lo através do toque. Gostava de fazer isso, tocá-lo era bom. Ele a abraçou por trás e ficou observando o seu rosto no espelho. Não disse nada, não exigiu explicações, não se inquietou com seu súbito desconforto ou demonstrou ansiedade pelo seu silêncio. Ele apenas esperava o seu tempo, ela sabia disso. Sabia que ele aguardava o seu reconhecimento. Não queria invadir o seu espaço, antes que se sentisse segura para compartilhar seus sentimentos. Assim era Richard, tão companheiro e seguro de si. Ele lhe passava confiança e ela confiou nele mesmo antes de ver a luz. Agora sabia que podia confiar que lhe ajudaria a trilhar esse novo e tão assustador caminho. Ela precisava dele, ele sabia disso e apenas observava, enquanto a abraçava com carinho. Ela percorreu o olhar pelo ambiente. Era o banheiro, sabia, mas ficou tentando reconhecer cada objeto. De repente sentiu medo, o mesmo medo – para não dizer pavor –, que sentiu quando abriu os olhos e percebeu que pela primeira vez via o mundo sem estar embaraçado. Tudo era apavorante! Ela começou a chorar, mas não sabia se de alegria ou tristeza.
Richard a abraçou forte, mas continuou em silêncio, respeitando o seu momento, aquele em que a pessoa nasce para um novo mundo e não sabe como se adaptará. Ela olhou novamente no espelho e viu as lágrimas correndo pelo rosto. Imediatamente seu dedo tocou uma lágrima e começou a subir, fazendo o caminho que levavam aos olhos, até que ela tocou-os e piscou, sentindo o incômodo do seu toque. – É tão assustador... – Anna Maria sussurrou. – Estou assustada, Richard. – disse, observando o rosto dele através do espelho. – Você terá que aprender como uma criança a enxergar o mundo, reconhecer as cores, os objetos e assimilar o rosto das pessoas. Mas é tão corajosa, Ann. – respondeu ele, com aquele sotaque britânico que ela amava. Sua voz era uma das coisas mais encantadoras e ela adorava ouvir o timbre forte, confiante e um pouco rouco, quando falava. Ela conheceria sua voz em qualquer lugar no mundo, mesmo no meio de uma multidão. – No escuro eu me sinto em casa, sou segura e tenho uma identidade. Ver as coisas à minha volta é tão... tão... medonho! Sim, medonho é apropriado para isso. Quando acordei e o vi ao meu lado na cama, levei um susto. Foi a primeira vez em duas semanas que enxerguei algo que não estivesse embaçado em minha visão. – Anna Maria se lembrou do momento em que teve vontade de correr. Sua mente refez passo a passo daquele momento único e inesquecível. – Você estava lá, ao meu lado, e eu não o conhecia. Quis gritar, correr e fugir de você, mas algo me fez recuar. Algo em seu corpo... Foi o seu cheiro. Sim, foi o seu cheiro. Em meu mundo sombrio, eu reconhecia facilmente as coisas com os meus outros sentidos, mas agora a minha visão me confunde e, pior do que isso, ela me amedronta. – Ann, você viveu os últimos 19 anos de sua vida no escuro. Tudo o que tem são lembranças distorcidas da infância, de quando você ainda enxergava. Agora tudo pode parecer estranho e até assustador, mas você vai aprender novamente. Vai reconhecer as coisas, pouco a pouco, sem forçar demais o seu cérebro. Logo você poderá ser independente e não precisará de ajuda, mas, enquanto isso não acontecer, estarei ao seu lado... Sempre! Serei a luz dos seus olhos, um clarão no meio da escuridão. Você poderá seguir meus passos, meu cheiro e o seu antigo sentido se adaptará ao novo. Nunca a deixarei perdida, prometo. Sempre que sentir medo, poderá segurar a minha mão e se guiar através dos meus passos. Se você me permitir, serei a luz da sua vida. Debulhada em lágrimas, ela se virou e abraçou Richard de forma desesperada e ansiosa. Já havia sentido o seu cheiro, tocado o seu rosto para fazer o reconhecimento. Sabia que era ele pela voz, pela forma como a tocava, como agia calmamente e tranquilizava o seu coração; mas agora ela queria sentir os seus beijos e os seus lábios, pois era fundamental senti-lo novamente. Ao ficar de frente para ele, segurou o seu rosto com as duas mãos; ficando na ponta dos pés, para alcançar os seus lábios, o beijou com sofreguidão. Mais uma vez, ela queria se perder em seus braços, como já havia feito outras vezes, porque precisava daquilo e agora tinha a certeza. Richard era, sim, a luz da sua vida.
CAPÍTULO 1
Anna Maria saiu do Teatro Municipal de São Paulo depois do último ensaio e da festa de despedida, realizada pelos amigos que convivera por anos. Ela cresceu no meio de musicistas de companhias por onde seu pai, o famoso maestro Arnold Smith, passou. Viajou mundo afora, mas foi ali que se sentiu em casa e onde começou sua carreira como violinista, ainda com 16 anos. Após oito anos de dedicação, se sentia triste, mas ao mesmo tempo com o dever cumprido. Ninguém podia falar sobre sua incompetência como violinista, porque era uma prova viva que uma pessoa é capaz de fazer qualquer coisa, apesar das limitações. Com os olhos marejados, tentava não chorar, evitava isso a qualquer custo. Durante a festa já fora difícil segurar a emoção diante dos amigos, enquanto ouvia cada um falar sobre aqueles anos e a saudade que sentiriam. Ela sempre fora forte e, por ser cega, achava que demonstrar fraqueza faria com que as pessoas sentissem pena, que não queria de ninguém, muito pelo contrário. Aos 24 anos, sua limitação a tornou mais corajosa e determinada e, por mais que seus pais tenham feito de tudo para protegê-la, o que sempre quis foi ser livre e dona do seu próprio destino. Era por isso que estava indo embora. Queria provar que era capaz de seguir um novo rumo, recomeçar em uma nova cidade, fazer amigos e parte de algo maior. Quando houve uma oportunidade através de um teste entre os grandes músicos da companhia, Anna foi a primeira a se inscrever e, a despeito do que qualquer um poderia dizer, passou com esmero. Seu talento como violinista era inegável e, das vinte jovens que disputaram a vaga para a companhia de Nova Iorque, fora a escolhida. Algumas más-línguas diziam que só conseguiu por ser filha do maestro Smith, mas não se importava, porque tinha potencial e passou com louvor em todos os testes. Agora estava se despedindo dos amigos de longa data e recomeçaria tudo em Nova Iorque. Saiu às 18h, horário do rush em São Paulo. Juntamente com Dinho, teria uma longa e dificultosa caminhada até o ponto de táxi na Av. São João, devido às ruas esburacadas, aos transeuntes estressados e apressados, à dificuldade para pegar condução em meio ao trânsito caótico, além de lidar com taxista mal-humorado e blá-blá-blá. Todos os dias, eles enfrentavam essa rotina cansativa e devido à cegueira, tudo era mais complicado, mas aprendera a ser paciente e era afortunada por ter um cão-guia bem treinado, coisa que a maioria dos deficientes visuais não possuía por falta de dinheiro, treinamento adequado e investimento dos órgãos públicos. Na verdade, se sentia privilegiada, pois as dificuldades poderiam ser maiores. Lembrando-se das palavras de incentivo dos amigos e de seu querido mestre, o maestro
Albuquerque, começou a pensar no futuro e no porto seguro que teria se as coisas não dessem certo. Não queria ser pessimista, mas recomeçar a assustava, e muito. Seus olhos ainda estavam lacrimosos e a saudade já apertava em seu peito. Era um grande passo, às vezes lhe faltava coragem, mas tinha que provar para si mesma que era capaz de viver em outro país sozinha. De família abastada, tinha aulas particulares em casa, mas na adolescência frequentou algumas escolas com o intuito de adquirir experiência e sempre que seus pais viajavam faziam questão de levá-la para aprender outros idiomas. Como vivia sempre viajando, era difícil estar matriculada regularmente, ainda mais em uma escola que tivesse estrutura para o ensino de portadores de deficiência. Assim foi praticamente toda sua vida, mas agora no auge dos seus 24 anos, viajaria sozinha pela primeira vez, juntamente com a sua fiel Zefa. Apesar da sua insegurança não voltaria atrás porque era o que queria. Praticamente da família, Zefa – sua querida empregada e uma verdadeira mãe –, estava aprontando as coisas para a viagem. Torcia imensamente para que Eva, sua mãe, não estivesse lá, porque tinha sua própria casa, mas insistia em passar a maior parte do tempo em seu apartamento. Certamente reclamaria da viagem, como estava fazendo há três dias, mas Anna estava impaciente para aguentar as suas lamentações, pois tudo era muito cansativo e desgastante. Anna e Dinho seguiram o conhecido caminho até o ponto de táxi mais próximo, mas como sempre teve dificuldade em chegar, pois Dinho fez várias paradas pelo caminho e lentamente a conduziu pelas ruas de São Paulo. Quando estava com paciência até gostava de andar aqueles dois quarteirões para pegar um táxi tranquilamente, no entanto naquele dia estava ansiosa em chegar logo ao seu apartamento, nos Jardins, um bairro nobre de São Paulo. Ao chegarem ao local, Anna tentou ser gentil e aguardou pacientemente alguém que quisesse fazer a corrida, porque sempre deixavam claro que não carregavam animal. Ao longo dos anos, ameaçou processar a companhia por esse motivo, pois era o seu direito legal e não abriria mão disso. Após três anos, preferiu não entrar mais em discussão quando o Sr. Nogueira passou a trabalhar na frota. A partir daí, o esperava para levá-la em casa, quando nenhum deles aceitava a corrida de livre e espontânea vontade. Normalmente àquela hora, ele já estaria lá à sua espera, pois tinha carinho pela jovem e suas gorjetas eram pomposas. Quando seu pai era vivo, Anna era tratada como uma princesa e nunca saía sem o motorista particular, contudo aquilo a deixava totalmente presa e superprotegida. Queria viver uma vida normal, sem restrições e seguranças. Muitos deficientes visuais conseguiam sobreviver na cidade grande, então por que ela não? – Boa noite, Sr. Nogueira! – disse ao sentir seu cheiro e reconhecer sua voz, quando ele se aproximou, porque tinha memória olfativa e auditiva excepcional, para compensar a falha visual. Seu táxi era um dos últimos da fila e os taxistas tinham que esperar uma ordem para pegar os passageiros. Mas com ela aquilo fugia à regra, já que nenhum deles gostava muito de levar seu cachorro como passageiro, apesar de ser bem treinado e nunca ter feito sujeira. – Boa noite, Anna! Como vai? – perguntou gentilmente, ao tocar seu braço.
– Muito bem, Sr. Nogueira! Hoje foi meu último dia no conservatório. Partirei para Nova Iorque em dois dias. – respondeu, enquanto ele a guiava até o carro, apesar de Dinho estar à sua frente e conduzi-la muito bem. – Não me diga, menina! Mas por que vai embora? – inquiriu ele. Ele era um homem de meia-idade e conversa agradável, pois falavam sobre tudo. Enquanto ele lhe contava os muitos “causos” dos passageiros, ela lhe contava, emocionada, sobre os ensaios musicais, pois se apresentavam no Brasil e no exterior. Nas horas de congestionamento, ficava fascinado em ouvir suas histórias até chegarem ao seu destino. Eram bons amigos e, quando aniversariava, ela até ganhava presente e bolo, já que ele a tinha como uma filha. – O maestro Derrier produzirá um espetáculo, com obras de grandes mestres da música clássica, para a reinauguração de um antigo teatro na Broadway, por isso está em busca de novos talentos. Nos últimos meses, alguns músicos deixaram a companhia e agora ele está recompondo o grupo. Fez uma seleção em diversos países e eu passei em um dos testes. Serei a única brasileira no grupo com cento e cinquenta músicos, acredita? Ele é um dos grandes nomes da atualidade e muito seletivo. Nem acreditei quando passei. Algumas pessoas maledicentes disseram que só consegui a vaga por causa do meu pai, já que eles foram amigos e tocaram juntos na mocidade, mas sei do meu potencial e estou muito feliz, Sr. Nogueira. Em dois dias, Zefa e eu estaremos de partida para Nova Iorque. – relatou orgulhosa de si, a despeito das más-línguas. – Sempre soube que tinha potencial, Anna. Tudo sairá bem. Só fico triste por não vê-la mais. – comentou ele. – Sr. Nogueira, quando voltar ao Brasil serei um dos grandes nomes da música clássica. Como meu pai, farei carreira no exterior porque quero ser conhecida por meu talento e não por ser filha dele. Aqui eu seria apenas mais uma e sempre haveria alguém para questionar a minha posição, no entanto lá serei uma novata e terei que mostrar todo o meu potencial. Não poderão dizer que cheguei até ali por causa do nome do meu pai. Farei o meu próprio nome e mostrarei minha capacidade. – E isso é muito importante para você, não é? – questionou. Ele a conhecia bastante e sabia como Anna Maria Smith sofria com o preconceito por sua cegueira. Estava sempre tentando mostrar que era capaz. Por isso fez questão de cursar a escola de música, mesmo contrariando o desejo de seu pai, afinal nascera praticamente tocando diversos instrumentos musicais. Mesmo cega, aos cinco anos tocava piano melhor do que qualquer adulto. – Você sabe que me sinto autossuficiente, apesar da minha deficiência, Sr. Nogueira, mas as pessoas me acham uma coitada. Não quero que tenham pena de mim. Quero vencer por meu talento e... – Anna suspirou ao se lembrar da mãe superprotetora. – Ainda tem a minha mãe. Morando a quilômetros de distância, ela não ficará me supervisionando, tomando decisões e achando que ainda sou um bebê. Eu preciso dessa distância para conseguir, um dia, conviver em igualdade com ela. – Entendo... – ele respondeu, mas preferiu não entrar naquela conversa. Por tudo o que lhe contara, sabia que sua mãe era muito... desagradável. Não conhecia a mulher, mas acreditava na jovem. Se ela achava que colocar quilômetros de distância entre as duas ajudaria, ele tinha suas
dúvidas quanto a isso, mas preferiu guardar sua opinião para não preocupá-la. Minutos depois, chegaram até o luxuoso prédio em que ela morava e combinou de pegá-la em dois dias. Seria a última chance de se despedirem. Anna ficou chorosa, mas se conteve e conseguiu despedir-se do amigo com um longo abraço. Mais uma vez, o agradeceu pela paciência e carinho por todo aquele tempo. Não era tratada com tanta consideração pelas pessoas, normalmente sentiam pena ou indiferença. O preconceito era algo que lhe doía no âmago, aquilo a constrangia, porque era raro encontrar alguém verdadeiro para conversar, ainda mais que a fizesse sentir-se à vontade. Era grata àquele homem que, ao contrário dos outros, se dispôs a levá-la do trabalho para casa e vice-versa, sem demonstrar pena por ser cega, mas respeito por ser um ser humano que apenas queria ter uma vida normal e digna.
CAPÍTULO 2
Dois dias depois, tudo estava pronto para a mudança, mas Anna andava melancólica tocando os objetos tentando se lembrar de como adquiriu cada um, pois morara ali nos últimos cinco anos. Desde a morte do pai, foi impossível conviver com a mãe e suas restrições. Por isso, construiu sua vida ao lado da sua babá, Josefa ou Zefa, como a chamava; que acompanhou o seu crescimento desde os dois anos de idade. Era praticamente uma mãe, amiga fiel e confidente, que sempre zelara por ela. Era a quem sempre recorria quando estava feliz e precisava contar algo especial ou para chorar no colo, quando estava magoada. Por Eva, Anna já teria dispensado-a há anos. Onde já se viu uma jovem com 24 anos tendo uma babá? Ela não entendia e tampouco queria entender o teor da relação entre as duas, já que Zefa poderia ter sua própria vida, pois juntou muito dinheiro ao longo dos anos, mas nunca largou sua menina. Ela teve uma vida sofrida, pois, como muitos imigrantes nordestinos, viera para São Paulo ainda adolescente em busca de uma vida melhor. Chegou a viver na rua por algum tempo e, em dado momento, teve a sorte de ser recolhida por uma instituição filantrópica, da qual a mãe fazia parte. Ali recebeu educação e treinamento, além de se alfabetizar. Com vinte anos foi escolhida por Eva para trabalhar como faxineira em sua casa. Logo depois se encantou com Anna Maria, que era uma criança cheia de energia, cujas babás eram impacientes e por isso sempre acabava sobrando para Zefa. Muito apegada à menina, seus patrões a empregaram em tempo integral, já que não possuía uma casa e família. Assim, ela – que vivia com a ajuda da instituição e morava em uma pensão – passou a viver e a viajar com os Smith para outros países. Aos cinco anos, Anna Maria sofreu um acidente, após pular de um tobogã em um parque aquático, que a deixou cega. Foi Zefa que passou a maior parte do tempo com a menina, em meio a professores particulares e tutores. Aprendeu Braile e outros idiomas para poder ajudá-la com os estudos, pois Anna Maria não abria mão dela; e desde então as duas são inseparáveis. Para Zefa, ela fora uma verdadeira bênção e nunca limitara sua vida, muito pelo contrário. Por sua causa, aprendeu muito e tornou-se uma grande mulher, adquirindo cultura e conhecimento em mais de vinte anos de viagens. Anna Maria caminhou até o antigo piano do pai, a única coisa que trouxe da casa da mãe que não lhe pertencia, mas se sentiu no direito de levá-lo, porque fazia com que estivesse mais próxima dele. Lembrava-se de quando ele a obrigava, ainda menina, a treinar durante horas, pois dizia que o aperfeiçoamento e a dedicação eram armas fundamentais para o sucesso. Disciplina! Disciplina!, ele
não entendia que a filha preferia o violino ao piano, que este amava. No violino, ela se sentia mais solta, mais viva; já no piano, sentia-se presa, mas tinha dificuldade de expressar em palavras sua relação com o instrumento. O amor pelos instrumentos musicais era a sua motivação e sua curiosidade acerca de cada um deles aumentava, mas odiava estudar por obrigação. Antes dos doze anos, seu pai achava que um dia ela seria uma famosa pianista quando desistiu dele e, com o seu incentivo, passou a se dedicar ao violino. Anna cresceu entre os maiores músicos da atualidade e sabia todas as peças de cor e salteado. Podia tocá-las em qualquer instrumento, mas amava o violino. Com sua partida iminente, sentia-se triste diante do piano, mas não podia levá-lo por falta de espaço e tempo. Com a morte do pai tornou-se uma das herdeiras e ainda recebia razoavelmente bem na companhia de músicos de São Paulo. Mesmo assim seria um desperdício de dinheiro e ela resolveu deixá-lo. Calmamente se sentou diante dele, fechou os olhos e começou a tocar Fantaisie Impromptu, de Chopin. Enquanto tocava, com paixão extremada, se recordou do pai dando broncas e incentivando. Aquela peça fora tão difícil, se lembrou. Tinha apenas nove anos quando a aprendeu e treinou exaustivamente por três meses até ele achar a perfeição na harmonia musical. Ao tocar agora, se lembrava dele falando: Você não está tocando com paixão, Anna Maria. – dizia com seu sotaque americano, enquanto falava em português. – Isso ficou péssimo, Anna Maria! Você errou a entrada! Onde está com a cabeça. – Já esgotada, tocou diariamente esta peça, mas queria tocar algo popular, como MPB. Aprendera a tocar algumas canções de Tom Jobim e João Gilberto, adorava Bossa Nova. Quando o pai ouvia, ficava ofendido e repreendia-a. Ela odiava aquilo, mas quanta saudade sentia... Fazia cinco anos desde sua morte e ainda lhe doía o coração. Pelo menos, seu único conforto era que antes de morrer, ele se realizou assistindo-a na Filarmônica de São Paulo e se orgulhou tanto por finalmente assisti-la em uma companhia, onde estava se saindo extraordinariamente bem. Emocionou-se, enquanto tocava provavelmente pela última vez. Seus dedos brincavam nas teclas, sem dificuldade, dando perfeita harmonia à melodia, que simplesmente fluía, junto com as lágrimas. Cada nota invadia seu coração com uma avalanche de emoções e das lembranças dos anos mais felizes e difíceis de sua vida. Somente agora se dava conta do quanto o pai lhe fazia falta. Enquanto esteve vivo, ele a sufocou e ela se magoou. Era a pessoa que aumentava o peso do seu preconceito. Foi por ele que não teve um ensino regular e passou a vida com professores particulares, viajando constantemente, quando só queria uma vida normal. Ele era um homem duro e sempre deixou claro que nunca quisera de verdade ter um filho, principalmente uma filha “defeituosa”. Ele dizia que o casamento foi um acidente; já sua mãe, de gênio difícil, não o deixava em paz, fazendo questão de viajar, para onde quer que fosse e não deixar a pobre menina cega à mercê da família. Lembrando-se de sua vida até agora, a jovem se sentia infeliz... Pobre menina rica! Estava decidida a recomeçar em outro país, já que isso traria a normalidade que sempre ansiou, porque queria provar não só para a mãe, Eva Medeiro de Albuquerque Brandão Smith, mas também para a família da socialite, que era uma pessoa perfeitamente capaz.
Depois de tocar a música em memória do pai, tocou algo que alegrava o seu coração e que adorava, Tennessee, tema do filme Pearl Harbor. Entregou-se de corpo e alma a essa música, sorrindo e chorando, enquanto Zefa a observava emocionada. Estava acostumada com seus ensaios no violino, mas há muitos anos não a ouvia ao piano. Aquele momento foi sublime, até que foi interrompida pelo som da campainha.
***
Enquanto Anna continuava em seu mundinho particular, Eva Smith caminhava para a sala de música, ouvindo-a tocar. Há quanto tempo? Há quanto tempo ela não ouvia Anna Maria tão empenhada ao tocar? A última vez foi aos 12 anos para tristeza de seu falecido marido. Emocionada, Eva observou a cena e chorou, porque estava perdendo a filha e sentia muito medo... Medo por ela ter de enfrentar o mundo sozinha, desamparada e deficiente. – Filha... – sussurrou Eva, quando esta terminou a melodia. Anna já sabia que a mãe estava ali, porque era impossível não detectar a sua chegada, devido aos seus sentidos aguçados que a fizeram reconhecer o cheiro inconfundível de seu perfume francês. Estava paciente – mesmo sabendo que ouviria mais uma vez o choramingo –, pois sabia que estaria de partida e, provavelmente, as duas só se reencontrariam dentro de alguns meses. Conhecendo a mãe, sabia que ligaria todos os dias, já que seu excesso de zelo não a deixaria em paz, nem em Nova Iorque. – Mãe! – Anna se levantou e caminhou até ela, seguindo o cheiro inconfundível e a abraçou. – Minha filhinha está indo embora. Eu me sinto tão desamparada sem você e o seu pai... – choramingou. – Mãe viver é difícil, mas não impossível. Você tem que se acostumar que agora sou adulta e tenho minha própria vida. Não pode achar que passarei o resto dela debaixo de sua saia. Eu vou brilhar em Nova Iorque, como meu pai queria. Depois quem sabe Paris, Madri, Áustria, Roma... Quero brilhar em todos os concertos possíveis, viajar o mundo, encantar plateias e ser feliz. Eu quero viver isso tudo por mim e... por ele. – Mas você é cega! – Eva respondeu exaltada. – Esse era o sonho do seu pai, que era normal e podia viajar o mundo como bem quisesse. Você não tem como viver o sonho dele. Não entende isso? O que pode te acontecer? Você pode ser seduzida por algum espertinho... Pode ser violentada, atropelada, cair do palco. – MÃE! PARA! – gritou Anna Maria, pois já discutiram diversas vezes. A deficiência visual dificultava sua vida e muito, mas não a tornava incapacitada de fazer tudo o que queria. Seu único medo era ser mãe, excetuando isso era capaz de viver normalmente, enfrentando os preconceitos e qualquer tipo de obstáculo que se impusesse em seu caminho. Durante anos, conseguira superar todos os desafios, mas o maior deles foi ser discípula do
grande maestro Arnold Smith, já que seu pai foi impiedoso. Treinou incansavelmente e recebeu as maiores reprimendas, ouvindo milhares de vezes que era uma inútil e que jamais conseguiria. Foi neste momento que resolveu cursar a faculdade de música e conseguiu também uma vaga no Conservatório de São Paulo. Apesar das dificuldades, ninguém lhe deu nada de mão beijada, afinal aprendera à custa de muito suor e lágrimas que a cegueira apenas dificultava sua vida, mas não a tornava impossível. Mesmo que o pai não admitisse, se sentia orgulhoso por ela ter provado sua capacidade. Sendo a violinista mais jovem do conservatório, foi ovacionada e recebeu ajuda, além de intrigas dos colegas, já que muitos achavam que só conseguiu por ser filha do maestro e de uma das socialites mais elegantes e influentes de São Paulo. – Eu não sou frágil! Posso viver tudo o que eu quiser. Ser cega não me torna incapaz, então, por favor, pare de ser intolerante e preconceituosa. Irei para Nova Iorque e NÃO QUERO que vá atrás de mim. Simples assim. – Tudo bem filha... Mas Zefa estará sempre com você. E acho que podia levar um segurança, quem sabe um... – Não! Não! Não quero segurança ou motorista. Tenho Dinho e isso me basta. – Dona Eva eu fiz um chá para a senhora. – Zefa entrou com a bandeja de chá. Ela sabia que a ex-patroa estava a ponto de explodir, por isso estava tentando jogar um pouco de água fria naquela briga, que já presenciara outras vezes. – Não, obrigada Zefa! – Eu bebo, Zefa. – disse Anna Maria e caminhou até ela, seguindo o aroma do chá e o dela. Parando a centímetros, estendeu a mão para pegar a xícara. Zefa nada fez para ajudar, pois sabia que ela odiava ser tratada como incapaz. Eva observava impaciente, esperando que Zefa a servisse e estava quase tirando a xícara da mão da filha. Depois de adoçar e beber seu chá calmamente, Anna sorriu de forma condescendente e voltou ao piano. Eva não entendia que se davam bem justamente por aquele pequeno gesto, pois Anna não gostava que a tratassem como uma inválida. Quando precisava de ajuda, pedia. Esse era o pequeno segredo que as unia, o qual a mãe nunca entendeu e, talvez, nunca entenderia. – Vou indo para casa. Estou organizando um jantar beneficente no domingo. Não gostaria de adiar a sua viagem por mais uns dias e ir ao jantar? – perguntou Eva, jogando a isca. – Sabe que não posso, mãe. – respondeu Anna. – Ai, minha filha... – Eva voltou a choramingar. Foi praticamente a mesma cena que fez quando saiu de casa. Odiava ser tratada daquela maneira. Aquilo a exasperava. – Mãe, por favor, não vamos começar novamente. A senhora já chorou tudo o que podia quando contei que iria embora. Chegou a hora de parar com esse choro. Isso está me irritando. – Você sempre será minha garotinha e não quero que vá. – Aquela conversa era cansativa e
Zefa sabia o quanto Anna se aborrecia todas às vezes que a mãe fazia cena. Para cortar o clima, fingiu que ela estava atrasada para um compromisso, mentindo descaradamente. – Anninha, você não tem que se encontrar com a Karini em meia hora? Se não se arrumar logo, vai chegar atrasada. Sabe como ela se irrita com atrasos, não é? – perguntou Zefa. – O que faria sem você, Zefa? A Kari me mata se eu me atrasar. – Anna caminhou em sua direção, seguindo o cheiro e a voz, abraçou a amiga e agradeceu baixinho: – Obrigada! – Karini não é aquela sua amiga que fala alto? Vai, antes que ela apareça aqui e comece a tagarelar. Já estou indo embora, minha filha. – Mãe e filha se despediram. Eva queria encontrar alguma forma de mantê-la ao seu lado, mas ela já deu seu grito de liberdade há muito tempo e não se contentaria com menos do que o pai sonhara para ela. Ele a treinou para ganhar o mundo e conquistar as plateias, enquanto ela queria apenas protegê-la, porque a considerava incapaz de sobreviver fora da gaiola. Não sabia o quanto estava errada, pois sua filha, mesmo deficiente visual, tinha muita força e capacidade, mais do que ela poderia imaginar. Assim como o pai, nascera para brilhar e São Paulo era muito pequena para ela. – O que faria sem você? – disse Anna para Zefa, depois que Eva foi embora. – Me agradeça comprando aquele tablet para mim. Agora que acostumei com essa coisa de redes sociais, não quero outra vida. – comentou rindo. – Você não tem jeito, hein? Nunca arrumará um namorado dessa forma. – Saiba que já tive três namorados virtuais, mas quando percebi que eram mentirosos caí fora. Acha que sou boba? Tem que comer muito angu para me passar a perna, menina! Na escola que esses idiotas estudaram, já sou graduada. – Mas você precisa de uma vida. Às vezes me sinto culpada por te prender. – argumentou Anna, sentindo-se triste. – E quer vida melhor? Viajar todos os anos, fazer inúmeras compras, conhecer lugares e tudo por conta da minha menina? Ainda namoro um pouco entre uma viagem e outra. Você se lembra daquele francês? – Jean Pierre? Esse era o nome dele? – Sim! O francês era muito romântico, carinhoso e me levou a lugares incríveis. A França é linda, mas ele tinha um defeito que não pude relevar. – contou Zefa, dando uma risadinha. – E qual o defeito dele? – quis saber Anna Maria. – Além de pinto pequeno, o homem era ruim de cama. Pinto pequeno eu ainda relevo, porque o importante é a qualidade do sexo, mas não me dar um orgasmo é um defeito terrível. Não tinha como aceitar o pedido de casamento. Ainda tive que fingir, para não humilhar o homem. – Ele te pediu em casamento? Você não me contou isso. Traidora!
– Você iria me perturbar para aceitar e eu teria que viver com a ajuda de um vibrador. Para usar um vibrador, não preciso de homem, amor. – Você não existe, Zefa! – gargalhou Anna. – Quando tiver experiência com homens... primeiro precisa perder a virgindade. Olha, se continuar assim vai levar o cabaço para as minhocas quando for para o túmulo. Mas o que estava dizendo? Hum! Um orgasmo é fundamental na relação. Se você arruma um homem que é muito ruim de cama, ficará difícil levar o resto. Acredite em mim, querida, amor não é tudo. O sexo ajuda um bocado nessa hora. – Zefa! Zefa! – Mas agora eu estou com mais duas paqueras virtuais e preciso de um tablet. Não quero mais um netbook. – Vamos providenciar um modelo da hora quando chegarmos à Grande Maçã. – Dessa vez eu quero um negão. Já experimentei alguns e sei que os negões são os melhores na cama. – Você é muito engraçada. – Anna gargalhou. – Mas você adora a minha graça. – retrucou Zefa, rindo – A propósito, engraçado é nariz de palhaço. Eu sou espirituosa. Com tudo pronto para a viagem, Anna Maria, Zefa e Dinho, seguiram para os Estados Unidos, no dia trinta de junho de dois mil e doze. Marcou aquele dia, para se recordar de quando conquistasse corajosamente seu lugar no mundo, sem os mimos e a proteção de sua tradicional família. Desde os quatro anos viveu em coxias teatrais mundiais. Sua cegueira nunca fora motivo para não estar presente e ouvir os concertos, pois as peças sempre soaram bem aos seus ouvidos e se tornou musicista com a vida, nos anos de estrada em que acompanhou os pais. Mesmo tendo cursado música, o palco foi a sua maior escola. Agora, aos 24 anos, também faria parte daquela grande constelação, e por isso estava nervosa... Muito nervosa. Como sempre, teve dificuldade em transportar o seu cão-guia e, apesar de se revoltar com a situação, aprendera desde cedo a lidar com isso. Preocupada, sabia que ele estaria bem, já que aquela não era a primeira viagem que faziam juntos, mas se angustiava em saber que seu bom amigo estaria preso e solitário no compartimento de animais. Com o apoio de Zefa, se acalmou. Durante a viagem resolveu ouvir as músicas de Ana Carolina, que era uma das suas cantoras preferidas, pois amava o seu tom agudo e intenso; o que ajudaria a esquecer-se um pouco das coisas por algumas horas. Sem se dar conta, ela e Zefa acabaram dormindo e a viagem transcorreu tranquila até a Big Apple.
CAPÍTULO 3
A chegada a Big Apple foi como esperavam. Apesar das dificuldades para se instalarem e se adaptarem ao novo apartamento, na Oitava Avenida. Zefa explodia de felicidade, pois adorava sair para passear e carregava Anna Maria consigo. As duas aproveitaram os primeiros dias para fazer compras e decorar o apartamento, pertencente ao seu pai. Já estiveram ali várias vezes, mas nunca se sentiam em casa. Sempre que viajava, seu pai fazia questão de estar presente e apresentar pessoas, além de assistir aos concertos. Desde sua morte, não visitava Nova Iorque. Zefa sugeriu mudar a decoração e deixar mais claro e alegre. Para Anna não fazia a menor diferença, pois não enxergava, mas como viveriam ali por um bom tempo e queria agradá-la, então se deixou arrastar para o centro comercial, no Brooklyn, com a ajuda da amiga. Nesses momentos, ser cega era um estorvo, por isso só ria e ouvia o que se passava à sua volta, já que nunca sabia exatamente do que Zefa estava rindo ou o que estava comprando, enquanto segurava os objetos sentindo a sua textura, apenas por curiosidade. Anna teria alguns dias antes de começar na companhia, por isso só queria andar com Dinho e deixar que ele aprendesse o percurso. Como o apartamento ficava a duas quadras do teatro, graças a Deus não teria que pegar táxi em Nova Iorque, porque seria complicado, ainda mais se o taxista reclamasse do seu cão-guia. Várias vezes foram assistir aos ensaios, assim já iria se acostumando com o ambiente. O maestro Derrier foi muito gentil e lhe apresentou alguns membros que faziam parte da equipe, enquanto os demais chegariam em uma semana para iniciarem os ensaios, mas Anna estava entusiasmadíssima e mal via a hora de fazer parte daquilo. Ao voltarem para casa, ela se imaginava em um grande espetáculo, com o teatro lotado para assistir ao concerto. Aquilo fora parte do seu sonho e agora estava prestes a realizá-lo. Seu pai teria ficado orgulhoso, ela disse diversas vezes para Zefa, que observava a sua pequena borboleta batendo as asas e voando pela primeira vez. Na manhã seguinte, enquanto tomava seu banho, sentiu uma irritação em sua vagina. Aquilo a intrigou e resolveu falar com Zefa sobre o caso. Não podia ver do que se tratava, mas ao tocar percebia que algo estava errado. Zefa quis verificar, para se certificar que tudo estava bem, no entanto ela se sentiu um pouco envergonhada e disse que iria marcar uma consulta com a Dra. Brenan, a ginecologista que foi uma ou duas vezes, quando esteve na cidade com seus pais. Fazia muito tempo desde que foi àquela médica, Anna pensou, dez anos talvez. Zefa pegou o seu tablet novo e foi procurar na internet o endereço do consultório médico. – Coisinha milagrosa! – comentou, depois de achar e marcar consulta para aquela tarde.
– O que faria sem você, meu amor! – Anna abraçou a amiga e teve vontade de saber como era usar aquela “coisinha milagrosa”, onde Zefa arrumava até homens de vez em quando. – Eu poderia ver o que se passa, mas você está com vergonha da Zefa. – disse, tentando se fazer de triste, mas depois sorriu. – Saiba que já limpei sua perereca muitas vezes, Anninha. – Você sabe como sou tímida, Zefa. Ainda mais se tratando dela... – respondeu Anna, encabulada. – “Ela” não é nenhum bicho de sete cabeças... É só uma vagina. Você quer que eu vá junto? – perguntou. – Não precisa. Vou pegar um táxi mesmo e desço na porta. – Tudo bem. Mais tarde, vamos assistir Gilmore Girls? – Anna não podia enxergar, mas morria de rir com as tiradas engraçadas de Lorelai e Rory. Zefa descrevia as cenas e as duas riam juntas, porque aquele era um dos seus programas noturnos preferidos. – Fechado! Vamos rir um pouco com Lorelai sacaneando a Emily Gilmore. Queria poder fazer essas graças com a minha mãe. – Você pode. – respondeu Zefa. – Você sabe que tenho péssimo senso de humor, Zefa. – Mas quando quer, fica engraçadinha, meu amor. Vamos escolher uma roupa bem bonitinha para você ir à Dra. Brenan. – Vamos, minha consultora para assuntos especiais! Depois do almoço as duas seguiram para o quarto e Zefa a ajudou, escolhendo um longo vestido florido e jaqueta jeans, porque seria mais fácil para tirar e colocar no final da consulta, e Anna concordou. Pegou sutiã e calcinha novos, escolhidos a dedo, pois não queria que usasse os modelos de pano, com motivos florais que usava para dormir. Escolheu uma bolsa branca – que combinasse com o vestido – e colocou a carteira com documentos, celular e um cartão com o telefone de emergência, caso alguém precisasse ligar para casa. Deitado, Dinho observava atentamente sua dona, enquanto esta se arrumava e Zefa preparava sua bolsa. Minutos depois, Zefa disse que precisava passar batom. Anna nunca gostou de usar maquiagem, exceto nas apresentações, mas deixou-a passar um pouco também de blush. Embarcou em um táxi com Dinho rumo a E 66th St, onde se localizava o consultório. O taxista não gostou muito de ter um cachorro como passageiro, mas Anna nem ligou. Depois de alguns minutos pediu informação para chegar ao prédio. Mais uma vez, Anna teve dificuldade para chegar ao destino, mas não desistiu até encontrar uma alma caridosa, que se dispôs a levá-la até lá, com a maior boa vontade, o que a emocionou. – Boa tarde! Sou Anna Maria Smith. – disse ela em um inglês perfeitamente fluente, porque além de ter dupla nacionalidade ela era poliglota. – Minha amiga passou todos os dados para que
localizasse a minha ficha por telefone. Correto? – Srta. Smith, boa tarde! A Dra. Brenan teve que sair para uma emergência e viajou. Tudo foi muito rápido, nem deu tempo para ligar e desmarcar a consulta. – Anna ouviu a jovem falando suavemente. – É um cão? Ele não pode... – É um cão-guia e eu preciso dele comigo. – explicou pacientemente. – A senhorita é cega? – A voz da moça parecia constrangida, percebeu. – Sim, sou cega. – ela teve vontade de lhe dar uma resposta malcriada, mas preferiu não ser sarcástica com a jovem. – O Dr. Doyle tem horário vago agora. Sua próxima paciente só chega daqui uma hora. Se a senhorita quiser, posso marcar a consulta. – disse a jovem, prestativa. – Bem, eu... – gaguejou Anna, justamente no momento em que a porta se abriu. Ela sentiu um cheiro de perfume masculino. Sentiu-se envergonhada e tentou encontrar uma forma de fugir daquela situação. Por ser extremamente tímida, não queria dizer que só se tratava com mulheres. – Mary, qual o horário da minha próxima paciente? – O homem tinha um timbre de voz aveludado, que apreciou muito e quis tocar o seu rosto. Normalmente não sentia a necessidade de tocar as pessoas, mas ela quis tocá-lo, para saber quem era o dono daquela voz e do cheiro... O cheiro dele lhe atraía, de uma forma estranha que não entendia. – Estava falando agora com a Srta. Smith que o senhor só tem consulta daqui uma hora e, se ela quisesse ser atendida, eu a encaixaria agora. – explicou-lhe a jovem. – Eu... eu... – Anna mordeu o lábio inferior e não soube o que responder. Não queria dizer a ele que nunca foi a um ginecologista homem. Como diria aquilo? Queria encontrar uma forma de sair daquela situação, mas estava constrangida demais para falar. – Pois vamos! – disse com a voz macia como música. – Se não houver problema para a senhorita. – Ela apenas assentiu com a cabeça. – Um cão-guia? – Ela o ouviu questionando. – Sim! Eu sou cega. – respondeu. – Ele não poderá entrar, mas Mary cuidará dele. – respondeu ele. Anna sentiu suavemente o toque em seu braço. Seu corpo inteiro estremeceu e tentou disfarçar o nervosismo. – Pode me dar a coleira, Srta. Smith? – a jovem pediu, solicitamente. – Anna Maria, por favor! – Ela entregou a coleira de Dinho para a moça. – Obrigada. Anna se deixou ser conduzida pelo médico para dentro do consultório, que segurou seu braço delicadamente. Ele foi muito gentil e ajudou-a a se sentar. Contudo, ela estava muito incomodada e não sabia o que fazer para fugir da situação. – Bem, Srta. Smith, em que posso ajudá-la? Já é paciente da Dra. Brenan? Eu nunca a vi por aqui. – Anna apertava as mãos no colo, estressada e louca para encontrar um motivo para sair
correndo dali, pois era reservada com a sua intimidade e nunca permitiria que aquele homem de voz macia e cheiro bom tocasse-a. Preferia morrer àquilo! – Anna Maria, por favor! – disse, cabisbaixa. – Só se me chamar de Richard. – respondeu ele, e riu. O som do seu riso era bom e ela acompanhou aquela vibração. Gostou de ouvir aquilo, que lhe soou de forma muito agradável. – Bem, Richard... – engoliu em seco. Estava tentando encontrar coragem para falar. – Humm? – murmurou ele. – Vejo aqui no computador que a última vez que esteve aqui foi há dez anos. Espero que não esteja esse tempo todo sem ser examinada. – disse, repreendendo-a. – Ah, não! – Anna riu, nervosa. – Eu vivia no Brasil até semana passada e acabei de me mudar para cá. Quando vim era uma adolescente... Faz muito tempo. – Entendo... E qual o motivo de sua visita ao ginecologista agora? Aconteceu algo? – Ela ficou escutando Richard falar e havia algo na voz dele, no sotaque para ser mais exato. Ele não era dali. Ela conhecia bem o idioma para diferenciar o sotaque. – Você é inglês? É que tem algo na forma de falar... Desculpe, estou sendo intrometida! – disse envergonhada. – Sou do interior da Inglaterra. – respondeu ele. – Como percebeu? Normalmente, as pessoas não notam logo na primeira conversa. – Eu tenho memória auditiva e olfativa. Os meus sentidos são bem desenvolvidos, para compensar a visão. Morei em diversos países... Meu pai era maestro e por isso viajamos muito. Aprendi a diferenciar os sotaques e falar alguns idiomas. Nós vivemos na Inglaterra, por isso percebi a diferença. – explicou ela, envergonhada. De onde saiu aquela conversa? Anna Maria não sabia, mas já estava conversando de assuntos que não interessavam ao médico. – Fico realmente impressionado, Anna. Não percebi seu sotaque, sou um pouco desatento a essas coisas. Mas você disse que seu pai era maestro? – Ah, sim! Maestro Smith... Não sei se já ouviu falar. – Pelo que me lembro dele, era um pouco velho para ter uma filha com a sua idade. – respondeu ele, um pouco constrangido. Ela sabia que seu pai era muitos anos mais velho do que sua mãe, mas nunca tocara no assunto, para falar a verdade. – Ele tinha setenta e cinco anos quando morreu e eu dezenove. – Anna respondeu. – Minha mãe gostava de homens mais velhos. – ela riu. – Percebo. – comentou Richard. – E o que a trouxe à Nova Iorque? – A conversa fluía e ela já havia se esquecido do motivo que a levou até ali. Era bom conversar com ele. – Sou violinista e começarei na Broadway na próxima semana. Eles farão um novo concerto e contrataram músicos de vários países. Eu passei em uma seleção realizada no Brasil no mês passado.
– Maravilhoso, Anna! Nem sabia que estava diante de uma famosa violinista e filha de um grande maestro. – disse ele. O som da sua voz era maravilhoso e Anna Maria gostou do que ouviu, pois seu entusiasmo foi fascinante e soou com muita sinceridade. – Não seja exagerado, Richard! Sou só uma garota começando. – Ela foi bem modesta, para não parecer petulante. Não queria que ele pensasse que era pedante. – Bem, Anna... Agora que já conversamos, poderíamos passar para o seu problema. – Ela se retraiu novamente e ele percebeu. – É que... bem... olha... – Hum? – Estou um pouco sem graça. – confessou, morrendo de vergonha. – Estou aqui para te ajudar. Sou um médico, profissional responsável e com ética. Já atendi muitas mulheres e não vou abusar de você só porque é cega. Se não se sente à vontade comigo, posso indicar uma colega para te atender... – ele hesitou. – Mas gostaria muito que confiasse em mim e me dissesse o que te incomoda. Anna Maria ficou um tempo calada e pensou rapidamente sobre o assunto. Richard parecia boa pessoa e não queria ser desagradável e deselegante, saindo do consultório sem atendimento. Resolveu que falaria sobre o problema e veria o que ele diria. – Eu percebi uma estranha irritação na minha... bem... – ela gaguejou e abaixou a cabeça. Mesmo sem poder vê-lo, sabia que estava observando o seu rosto. Sentia a face queimando só com isso. Era vergonhosa a situação. Queria sumir dali, mas foi corajosa. – Lá... entende? Eu não sei por que, mas tá irritado e sei lá... – Você me deixaria examiná-la? Preciso ver o que está ocorrendo e fazer um exame. Vou colher uma amostra e enviar para o laboratório. – Sua voz era calma, muito calma, Anna percebeu, conforme este conduzia a conversa e tentava deixá-la mais à vontade. Estava agindo como uma criança, que não era. – Dr. Richard... É que... bem... eu... ai, meu Deus! – Anna? – Eu nunca... Fiz... Sabe? – Hum? Silêncio. Richard esperou que ela falasse, porque sabia que ela não estava à vontade com a conversa. – Sexo! – Anna quase gritou. Chegava ao ápice de sua vergonha. – E qual o problema? Anna eu não vou julgá-la por ter feito ou não sexo com alguém, porque sua vida sexual não me diz respeito. Tenho que cuidar da sua saúde. – Ele transmitia-lhe serenidade,
enquanto falava de forma muito tranquila e profissional. – É porque tenho vergonha... – Ela ficou cabisbaixa e se encolheu na cadeira. Aquela era a situação mais constrangedora de sua vida. Ser cega lhe colocava em situações embaraçosas constantemente, mas aquilo... Anna não sabia como agir diante do médico. – E por isso vai comprometer a sua saúde? – argumentou ele, questionando-a. – Sou homem, mas eu vejo vaginas todos os dias e não há nada errado nisso. Faz parte da profissão que escolhi. Nunca assediaria uma paciente ou falaria qualquer coisa do que acontecesse aqui dentro. Somente peço um voto de confiança... Somente, Anna... – Richard falava de um jeito simples e encantador. Sua voz era quase hipnótica e transmitia paz. – Tudo bem... – Ela se arrependeu logo depois de falar, mas não havia como fugir daquilo. Mentalmente, agradeceu Zefa por ter escolhido a dedo o sutiã e a calcinha, pois morreria de vergonha se não estivesse com algo decente. A amiga parecia ter adivinhado... Ou ela sabia? Anna teve certeza pelo cuidado que teve com a lingerie! Nesse momento sentiu vontade de esganá-la, mas quando pensava na voz do médico... suspirava. – Vamos lá? – Ela ouviu os passos e sabia que ele caminhava em sua direção. Sentiu a mão suave tocando o seu braço para ajudá-la e gostou do toque. Não era só da voz daquele homem, além do cheiro, que gostava. Seu toque era macio, concluiu. Ele a conduziu pela sala de exames. A cada segundo, ela sentia o coração bater mais forte. Queria ser forte e tratada como uma pessoa normal, mas aquela situação fugia à regra. Mesmo que enxergasse, continuaria se sentindo extremamente tímida diante dele. – Você necessita de ajuda? – indagou, solícito. Ela não gostava que as pessoas a tratassem como uma inválida, mas o seu jeito de perguntar não a constrangeu, muito pelo contrário. Apenas meneou a cabeça, negativamente. E esperou que lhe desse privacidade. – Estarei em minha mesa até que se sinta confortável. É só me chamar. – Obrigada, doutor. – ela praticamente sussurrou e esperou que estivesse só. Anna Maria aguardou um pouco, tentando se acalmar e tomar coragem. Depois caminhou pelo pequeno consultório até achar o aparador de roupas. Começou a se despir, vestiu a camisola que estava pendurada e depois se deitou na cama. Seu coração começou a bater ainda mais forte, porque se sentia completamente vulnerável e não havia nada que pudesse acalmá-la naquele momento. – Dr. Doyle... – chamou, quase como um sussurro, e manteve-se ali, completamente rígida. A cada segundo que passava, sua respiração ficava irregular e tinha vontade de sair correndo. Nunca na vida se sentiu tão mal por sua deficiência, apesar de já ter passado por momentos bem difíceis. – Tente relaxar, por favor. – Richard segurou em sua mão e ela gostou do toque macio. – Prometo que não farei nada para machucar ou desrespeitá-la. – Ele lhe passou segurança e pouco a pouco sua respiração foi se normalizando. – Tudo bem, doutor. – garantiu.
– Vou precisar que escorregue um pouco para baixo para eu apoiar as suas pernas nos estribos e poder trabalhar melhor. – pediu. Anna Maria já conhecia todo o procedimento. Estava acostumada com sua médica em São Paulo, mas ali tudo parecia muito estranho. Teve um pouco de dificuldade em arrastar seu corpo para baixo, mas Richard a puxou delicadamente e depois apoiou suas pernas. Tentando não pensar em nada, ela respirou fundo e fechou os olhos, enquanto ouvia passos suaves na sala, além do som estridente quando ele pôs as luvas de borracha e pegou os instrumentos. Não falou nada e tentou manter-se calma diante da situação. Percebeu que o toque dele em sua vagina foi muito delicado, como se fosse uma carícia. Ficou mais nervosa ainda por sentir seus dedos a examinando. Logo depois teve uma sensação dolorosa quando Richard inseriu o instrumento para a coleta, mas manteve-se estática e esperou que tudo terminasse. – Você está com uma leve irritação. Pode ser causada pelo tecido da calcinha ou por algum produto químico que tenha usado. Por acaso trocou de sabão em pó ou sabonete nos últimos dias? – questionou Richard. – Compramos marcas novas quando chegamos. – respondeu. – Vou anotar uma lista de sabonetes íntimos para usar e uma pomada para melhorar essa alergia. Em pouco tempo estará normal novamente. Coletei material para exame e pedirei urgência ao laboratório. Assim que ficar pronto, Mary te ligará para informar. – Obrigada, doutor. – disse suavemente. – Richard, por favor! – pediu ele. Ela o sentiu bem próximo, o seu cheiro era delicioso e quis tocá-lo, pois se sentia muito atraída também pelo seu toque e o som da sua voz. Foi a primeira vez que se sentiu assim em relação a alguém. – Richard... – ela sussurrou e gostou da pronúncia de seu nome em seus lábios. Foi realmente bom chamá-lo pelo primeiro nome. Sentindo a sua presença, ela ficou ali deitada, pensando sobre os minutos anteriores, porque algo parecia mágico e não sabia como disfarçar sua inquietação. Pela primeira vez na vida, quis muito abrir os olhos e ver o rosto de alguém. Ao abrir os olhos e ver a escuridão, Anna não se conteve e praguejou. – Você precisa de ajuda? Para se trocar? – perguntou ele, um pouco constrangido. – Não precisa, obrigada! Já faço isso sozinha há anos. – respondeu suavemente. Minutos depois ela estava sozinha, mas ainda sentia o aroma dele no ar. Era tão bom... Ela quis estar ao seu lado, para senti-lo mais forte. Pegou-se pensando nele de forma diferente e aquilo foi novo para ela. Após se vestir, caminhou com cuidado, tentando, inutilmente, não esbarrar em nada, pois foi tropeçando nas coisas pelo caminho até chegar à mesa do médico, que a segurou pelo cotovelo suavemente e ajudou-a a se sentar. Depois lhe entregou a receita da pomada e a conduziu gentilmente até a porta. Anna Maria se sentia muito atraída por ele, mas a todo custo tentou fingir indiferença.
***
Richard demorou um pouco para se recuperar. Estava sentado em sua cadeira, tamborilando os dedos na mesa, enquanto se lembrava de Anna Maria. Ela era linda, delicada e suave demais. Ele fez um esforço profundo para não assustá-la e, principalmente, demonstrar como o havia afetado. Enquanto a examinava, constatou que era realmente uma jovem pura e muito tímida. Ela ficou completamente rígida e sua expressão era de dor. Ele tentou ser gentil, mas ficou incomodado quando a viu morder os lábios para conter um gemido de dor, enquanto colhia o material para o exame. Richard fechou os olhos e refez toda a cena em sua mente, sentindo-se estranhamente atraído pela jovem. Nunca se sentiu assim com paciente alguma. Sempre foi um profissional exemplar, no entanto ela mexia com ele de forma que não sabia explicar. Lembrou-se do momento em que a viu abrir os olhos e constatou que era realmente cega, pelas pupilas esbranquiçadas. Mesmo assim foi a coisa mais linda de se olhar. Poderia passar o dia inteiro olhando para o seu rosto suave e seus olhos. – Mary, tenho mais alguma paciente marcada para hoje? – perguntou ele à secretária, ao chegar à recepção. – Não, Dr. Doyle. – respondeu abrindo um enorme sorriso. Richard sabia o que ela sentia por ele e mantinha-se imparcial, fingindo não notar os seus flertes. – Então já estou indo para casa. Não me sinto bem. – Ela assentiu e ele saiu do consultório, transtornado.
CAPÍTULO 4
– Ele é lindo... – Anna Maria disse a Zefa, enquanto penteava os cabelos sentada em sua cama. Zefa estava arrumando algumas roupas na gaveta e não dizia nada. Ela sabia que estava pensando sobre o assunto e não queria dar palpites naquele momento. – Eu não pude tocá-lo, mas ele tem uma voz muito doce e tão gostosa aos ouvidos como uma música. O seu toque foi tão delicado e percebi a maciez de sua mão. O seu cheiro... O seu cheiro me agradou muito, Zefa. Acha que sou louca? É tão estranho se sentir assim com alguém que não se conhece, mas eu gostei absurdamente do Dr. Doyle. – Você nunca se sentiu atraída de verdade por alguém. Os dois namoricos que teve na adolescência não passaram de brincadeira. De repente, um homem de verdade faz você desabrochar. Já está na hora de viver um romance de verdade, menina. – disse Zefa. – Mas quem disse que eu quero ter um romance com Richard? – Anna Maria perguntou irritada. – Richard? – Zefa debochou. – O nome dele é Richard Doyle. – Anna sabia que estava se entregando e que Zefa a conhecia muito bem, para saber o que estava sentindo, por isso não tinha como esconder seu interesse da amiga, mas mesmo assim se sentia ridícula e constrangida com essa situação. – Você não tem do que se envergonhar de mim, menina. Sabe bem que apoio todas as suas decisões, mas tome cuidado para não se machucar. – Zefa o que diz é absurdo! Provavelmente eu não o verei nunca mais. Por que acha que posso me machucar? Ele é só um homem que eu achei interessante... Só isso. – se defendeu. – Se você diz! – Zefa disse e a deixou quieta com seus pensamentos. Queria ouvir o som da sua voz novamente, porque, apesar da situação, ele a acalmou naquele momento tão complicado. Deitou-se em sua cama e pensou durante horas naquele dia, pois não conseguia dormir devido a algo que a inquietava. Enquanto dormia, Anna sonhava que conversava com ele. Ouvia-o sorrindo e gostava daquilo, enquanto ele a abraçava gentilmente, acolhendo-a em seus braços. Ela não podia ver o seu rosto, mas podia sentir claramente o seu cheiro, o toque suave de suas mãos e o som maravilhoso de sua voz. Em um ímpeto, ela tocou o seu rosto e tateou cada centímetro, descobrindo que ele era lindo. – Eu vejo você. – Anna sussurrou para Richard.
***
Três dias depois, caminhava pelo Central Park com Zefa. Era verão nos Estados Unidos e o clima estava ameno. Não fazia muito frio, mas também não fazia calor. Anna sentia a brisa gelada acariciando o seu rosto, enquanto andava segurando a coleira de Dinho. Zefa não parava de tagarelar sobre a sua mais nova paquera virtual, mas não ouviu uma só palavra, porque sua mente estava bem longe dali. Era sábado e o parque estava lotado de gente, as pessoas falavam e Anna ouvia sons vindo de todos os lados, contudo sua mente estava alheia, deixando-a em um mundinho só seu. – Olá! Tudo bem? – Anna ouviu alguém chamar. – Eu o conheço? – ouviu Zefa pronunciar. – Eu sou o Dr. Richard Doyle. – apresentou-se ele. Sua mente, que estava distante da realidade, foi acordada pelo som baixo daquela voz masculina. O cheiro logo a penetrou e respirou profundamente, para saber que não era apenas mais um sonho, porque sonhara com isso durante três dias. – O senhor foi quem atendeu Anna Maria essa semana? – questionou Zefa, enquanto a jovem sentia seu coração disparar e uma estranha sensação no estômago. Sua mão começou a tremer e teve medo de demonstrar o quanto sua presença a perturbava. – Sou eu mesmo! – ele respondeu e depois a chamou. – Anna? – Oh, Dr. Doyle! Desculpe... Eu estava com os pensamentos longe daqui. – respondeu constrangida, quase gaguejando. Sabia que Zefa avaliava toda a situação. Ela sempre avaliava tudo e, por mais que não criticasse, esperava o momento adequado para tocar no assunto. – Estamos passeando um pouco. Essa é a minha última semana de folga, sabe? Semana que vem começo a trabalhar e não terei tempo para me divertir um pouco. – Entendo. Vocês gostariam de almoçar comigo? Conheço um ótimo restaurante italiano aqui perto. – convidou Richard, com sua voz encantadora e Anna Maria não conteve o lindo sorriso. Estava feliz por ouvi-lo novamente, porque seu sonho acabara de virar realidade. – Claro... Quer dizer... se Zefa também quiser ir conosco. – Anna Maria percebeu que ela estava muito calada. Sentia a sua presença, mas não dizia nada, e aquilo a deixou sem jeito, pois era como se os dois estivessem sozinhos. – Oh não, menina! Eu prefiro ir para casa. Na verdade estou cansada demais e gostaria de ir dormir um pouco à tarde. – Anna Maria sabia que mentia, porque a conhecia com a palma de sua mão, pois Zefa, já na casa dos quarenta, era cheia de vigor, adorava curtir a vida e não desperdiçaria seu precioso final de semana dormindo. Aquilo era coisa que ela gostava de fazer, não Zefa. – Deixe que leve Dinho para casa e vá almoçar com o Dr. Doyle, meu amor. – disse, dando uma de alcoviteira e Anna percebeu sua intenção. – Mas como é que voltarei para casa sem o Dinho? Eu preciso levá-lo. – ela argumentou.
– Eu não seria um cavalheiro se não a levasse sã e salva para casa, minha querida. – Nesse momento, Anna sentiu o toque em seu braço e estremeceu com a sensação. Por alguns segundos não disse nada, mas precisou de toda força para não se desmanchar diante de Richard. – Você sabe como é complicado entrar em restaurantes com cão-guia, meu amor. Sempre arruma problemas. Não quer constranger o bom doutor, quer? – Zefa perguntou de forma direta, sabendo dos problemas cotidianos que enfrentava com o cão que amava, mas sempre entrava em conflito com a sociedade por sua causa. Pela primeira vez, teria a oportunidade de estar com um homem que mexeu com seu coração e não queria que nada atrapalhasse. Em contrapartida, queria que ele a visse como era... Uma cega, e não mudaria o fato de que o cão-guia fazia parte da sua vida. – Eu não posso deixá-lo, Richard. – disse Anna, constrangida. – Se não quiser... – É claro que quero! – interrompeu ele. – Eu levarei os dois para casa depois, senhora. – Zefa! Pode me chamar apenas de Zefa. – Tudo bem, Zefa! Eu levo Ann e o cão para casa mais tarde. – Então eu os deixarei agora e irei para casa, pois a mudança me deixou muito cansada, doutor. – Richard! Pode me chamar apenas de Richard. Anna Maria ouvia os dois conversando e tentava se acalmar, porque estava muito insegura diante daquele homem e não sabia como agir. Uma coisa era tratá-lo, dentro de um consultório, como médico; outra bem diferente era conversar com ele na rua, como se fosse um velho amigo. Apesar de se sentir estranha e vulnerável, com os nervos à flor da pele, ela gostou de estar em sua presença, já que temia não encontrá-lo nunca mais e isso a fez sofrer por alguns dias.
CAPÍTULO 5
Richard e Anna Maria andavam lado a lado no Central Park e ele sentia como se fosse um milagre. A jovem que o afetou de maneira surpreendente – e durante três dias não conseguia tirá-la da cabeça –, estava ali com ele. Parecia obra do destino, pois já estava quase agindo de forma nada profissional, ferindo a ética médica, após verificar os seus dados na ficha e anotar o endereço e o telefone. Ele pegou a mão esquerda dela, enquanto os três caminhavam pelo parque. Uma sensação de paz e felicidade o invadiu naquele momento mágico, e nada poderia estragar aquela tarde linda. Anna sempre sorria, o que o deixava ainda mais encantado com seu rosto, porque ela não era uma mulher linda e exuberante que todo homem idealizava, mas para ele o seu rosto suave, delicado e quase infantil – parecendo uma menina –, o hipnotizava. Enquanto caminhavam, Anna Maria lhe contou sobre o acidente que perdera a visão, sua infância difícil e como foi estar ao lado do pai, além dos países que visitou. Ele ouvia encantado e, ao mesmo tempo, um pouco estarrecido por saber que ainda criança fora tratada tão severamente, porque o maestro Smith a via como uma discípula e não filha, exigindo o máximo que podia nas aulas e, quando não lhe correspondia, era duro. Algumas vezes notou sua emoção ao falar do pai e viu o quanto ainda o amava, como também o quanto se sentia carente de afeto verdadeiro. O único momento que percebeu um amor verdadeiro foi quando mencionou sua babá, Zefa. Ele já havia gostado da mulher, mas ao ouvir o carinho e a admiração de Anna, se sentia grato por ela ter alguém que a tratava como um ser humano normal e lhe dava todo o amor que só uma mãe poderia lhe dar. Quando Anna falava de Eva, havia um pouco de amargura. Ele percebeu que esta sentia vergonha da filha e a tratava como uma inválida por ser deficiente. Se pudesse a trancaria em casa e a esconderia do mundo, porque era superprotetora e não sabia como amar na medida certa, o que a magoara muitas vezes. Quando começou a chorar, instintivamente Richard a abraçou e colocou sua cabeça em seu peito. Ele queria protegê-la de sua amargura, mas não podia e não devia. Em pouco tempo de conversa, sua personalidade forte e independente se evidenciou e, se quisesse conquistá-la, não deveria tratá-la de forma especial, porque não se sentiria bem com alguém que a visse como uma inválida. Por mais que sentisse necessidade de protegê-la, teria que deixá-la livre e apenas velar pelos seus passos, sem sufocá-la. – Sente-se melhor? – perguntou ele, beijando a cabeça de Anna.
– Só um pouco constrangida. Não sou de chorar por qualquer coisa, mas falar sobre meus pais é algo muito difícil para mim. – Anna respondeu, afastando-se do seu abraço. Abriu os olhos e começou a enxugar as lágrimas. Richard viu novamente os seus olhos e não se incomodou. Queria poder olhá-los novamente, mesmo sabendo que ela não podia enxergá-lo. – Está com fome? Vamos comer algo? – sugeriu. – Adoraria, mas... – Ele a viu morder o lábio inferior, mas sabia que estava nervosa. – Ninguém falará do seu cachorro na minha presença. – garantiu. – Será constrangedor, sabe? É muito difícil ser cega. Eu me acostumei com o cão-guia e, quando saio sem ele, me sinto um pouco insegura. Porém as pessoas não compreendem, são grosseiras, falam coisas que me magoam e, às vezes, me impedem de entrar nos lugares por causa dele. Não queria que tivesse que passar por isso por minha causa. Eu já estou acostumada, mas você... – Ele percebeu a sua vergonha. Ela tentava se desculpar por algo que não era sua culpa. – Eu quero ser seu amigo e não me sentirei constrangido por algo que faz parte da sua vida. – pegou sua mão com delicadeza. – Vamos! – ordenou, sem dar chance de contestar. Os três seguiram pelo Central Park e, enquanto caminhava, Richard simpatizou com o cachorro. Ele era o protetor e o melhor amigo dela, estando sempre ao seu lado. Por mais ridículo que aquilo soasse, ele sentiu inveja do animal, porque queria fazer parte da sua vida como ele. Richard a levou ao restaurante chamado Armani Ristorante, na Quinta Avenida, e logo na entrada a hostess os interpelou. – Senhor, não podem entrar com um cão. É proibido! – disse calmamente, mas ele sentiu o seu nervosismo. – A minha amiga é deficiente visual e o cão-guia precisa entrar conosco. Se houver qualquer problema a esse respeito, falarei com o gerente e, se não resolver o caso, darei parte na polícia. – Richard ameaçou calmamente e Anna Maria, constrangida, apertou forte sua mão. Ele olhou-a e a percebeu mordendo os lábios novamente. Já havia notado que fazia aquilo quando ficava nervosa e gostava da expressão. – Eu preciso falar com o gerente. – a moça respondeu e saiu em seguida. – Não precisava ter feito isso por mim, Richard. – Anna Maria disse para ele, que observava o seu rosto, querendo acariciar a sua pele suave. Era inevitável, mas não se cansava de olhá-la. Ficava fascinado ao observar a sua meiguice e sua expressão facial mudando de acordo com a conversa e o humor. Nunca viu uma mulher tão fascinante, que o fizesse se sentir daquela maneira. – Não permitirei que ninguém a magoe e a desrespeite, Ann. Comigo sempre estará protegida. Eu prometo! – Instintivamente, sem pensar no seu ato, beijou sua testa, o que fez o coração dela disparar. Neste momento, ela corou de vergonha devido ao seu constrangimento, emoção e nervosismo; o que fez com que Richard risse ao ver sua expressão mudar novamente. Já estava se acostumando com aquilo.
– Richard, eu... – Colocou o dedo em seus lábios. – Só relaxe, Ann... Só relaxe. – pediu carinhosamente. – Senhor, venha comigo! – A hostess voltou envergonhada e os conduziu pelo restaurante até uma das mesas mais afastadas e discretas. Alguns clientes observavam a cena e faziam expressões de desgosto, mas Richard não ligou, pois percebera o quanto Anna Maria estava tensa com a situação, portanto não disse nada. Apenas segurou sua mão delicadamente e a conduziu cuidadosamente para que ela não esbarrasse em nada. – O maître já vem atendê-los. Fiquem à vontade. – A jovem sorriu e saiu. Richard puxou a cadeira e ajudou-a a se sentar. Dinho deitou ao lado da mesa e ficou observando atentamente os seus gestos. Apesar de pacífico, percebera que, se alguém fizesse mal à jovem, ele atacaria. – Por que me chama de Ann? – perguntou ela, para quebrar o clima tenso. – Era o nome da minha avó... Gosto dele, Ann. – respondeu. – Eu me sinto lisonjeada. – Abriu um sorriso lindo, que quase o deixou sem ar. Richard poderia passar o dia todo a observando, pois se sentia feliz e em paz ao seu lado. – Você tem muitos motivos para se sentir lisonjeada, Ann. Não me agradeça. – Fale-me um pouco sobre você, Richard. – pediu a ele, segurando a borda da mesa com as duas mãos. Os dedos suaves e delicados estavam vermelhos, conforme apertava. Sua expressão estava tensa e parecia envergonhada. Ele notou que ela não gostava de ser o centro das atenções e, quando isso acontecia, ficava constrangida. – Eu nasci na Inglaterra, em uma cidade ao norte chamada Yorkshire, e vim para os Estados Unidos com dez anos. Meu pai era economista e comprou algumas ações de uma empresa de pescado de Washington. Logo nos estabelecemos e eu morei em Seattle por oito anos. Mudei-me quando comecei a estudar medicina em Harvard, onde depois fiz especialização e residência em um hospital de Nova Iorque. Cinco anos depois montei o meu próprio consultório, em sociedade com a Dra. Brenan. Richard observou suas expressões o tempo inteiro e percebeu que já estava mais calma. Tomou a liberdade de pedir a comida para ambos e ela apenas sorriu. Algum tempo depois foi servido capeletti de frango com vinho branco. Os dois continuaram conversando; na verdade ele, porque Anna ouvia sobre sua vida e sorria, às vezes se surpreendia. À medida que a conversa fluía, ele gostou de ver que a tensão se dissipara. – Você não sente falta dos seus pais? – inquiriu ela. – Se tivesse pais como os seus e uma irmã tão adorável, eu sentiria saudade deles. – comentou. – Sinto, mas aprendi a viver em Nova Iorque. Não sei se me acostumo com Washington novamente. Lá sempre faz frio e chove muito. Gosto daqui. – Eu também gosto daqui. – afirmou Anna.
– Gostaria de ver você tocando violino. Faria isso por mim mais tarde? – pediu e tomou um gole do vinho, enquanto esperava resposta. – Acho que ficarei constrangida com você, mas não será a primeira vez. – ela sorriu. Ele sabia que estava se lembrando da consulta, dias antes. – Você não tem nenhum motivo para se sentir constrangida comigo, Ann. – Ele pegou sua mão carinhosamente e viu que se assustou, mas sorriu ao notar o quanto a deixava insegura. – Quero que se sinta à vontade. – Você já percebeu que sou tímida, Richard. – Sim... – ele disse e parou no meio da frase. Não queria dizer que era a timidez e a aparente fragilidade que o encantava. Ela não gostaria de saber que passava a impressão de fragilidade. – Eu adoro o seu jeito. – limitou-se a responder. Os dois passaram um bom tempo conversando, enquanto degustavam a deliciosa comida italiana. Depois de pagar a conta ajudou-a a se levantar. Saíram do local sob os olhares maldosos dos clientes e caminharam um pouco. Anna Maria lhe disse onde morava e Dinho os conduziu pelas ruas de Nova Iorque até a Oitava Avenida. Chegaram minutos depois e ela o conduziu até o seu apartamento. Richard ficou fascinado com a decoração aconchegante do local que tinha tudo a ver com ela. Em uma cantoneira, observou algumas fotografias em várias etapas da sua vida. Ficou ainda mais fascinado com a pequena Anna, porque era uma criança encantadora e viu que tinha lindos olhos verdes antes do acidente. Ao observá-la, sentiu uma emoção indescritível, porque aquela foi a primeira vez que desejou muito lhe devolver a visão. Não sabia a gravidade do ferimento, mas queria procurar um especialista para tentar algo novo. – Richard? – chamou. – Estou vendo suas fotos. – respondeu. – Você sempre foi linda! – comentou maravilhado. – São seus olhos. – parecia sem graça ao responder. – Não! Você é perfeita. – Ele continuava tocando o vidro do porta-retratos, na região da bochecha da pequena Anna Maria, aparentemente com cinco anos. – Vem?! – chamou Anna. – Sente-se! – ordenou e ele percebeu que estava com um violino. Ela começou a tocar uma música de Beethoven, deixando-o completamente emocionado. Richard teve vontade de chorar ao vê-la sorrindo maravilhosamente, como um anjo, de olhos fechados, totalmente entregue à música, com os dedos delicados passando pelas cordas do instrumento, emitindo um som angelical. Nada do que vira em sua vida se comparava àquela visão de Anna Maria, que parecia em transe e aquela expressão de contentamento... era estupenda! Ele não tinha palavras que descrevessem aquele momento tão mágico. Ele apenas queria abraçá-la e não soltá-la nunca mais. Ao olhar para Anna Maria, sua Ann, pela primeira vez Richard soube o que era o amor. Sentiu
uma emoção tão forte que quase chorou. Fez uma força imensurável para conter as lágrimas, que embaçavam sua visão. Agradeceu mentalmente a Deus por conservá-lo vivo até aquele momento. Ele sempre seria grato por aquela dádiva. Ann era tudo o que precisava, já que nada mais importava, apenas queria vê-la feliz. Quando a música terminou, Richard caminhou até ela, tirando o pequeno violino de suas mãos e o colocando no sofá. Delicadamente, segurou o seu rosto com as duas mãos e disse com uma voz encantadora, que a fez estremecer: – Eu vou beijá-la. Não suporto mais não beijá-la. Se não me quiser, apenas me diga e vou embora. Se não falar nada, entenderei como um sim e não sairei da sua vida nunca mais, Ann. – Anna apenas ficou calada e esperou. Ele sorriu ao perceber que ela também esperava por aquilo. A atração que os unia como imãs era mais forte do que qualquer coisa. Nada precisava ser dito, só sentido. Então, ele a beijou pela primeira vez. Seus lábios fizeram amor com os dela como nunca fizeram antes com outra mulher. Ele foi delicado e ao mesmo tempo sensual, convidando-a a compartilhar uma explosão de emoções que faziam seu corpo vibrar. Os lábios eram doces e convidativos demais, deixando Richard completamente louco. Pediu passagem para a sua língua e ela lhe ofereceu sem resistência, se entregando àquele instante mágico e aprofundando ao seu beijo apaixonadamente. Gemeu, manhosa e ele gostou, beijando-a com voracidade. Explorou cada canto de sua boca, aproveitando o doce sabor inebriante, que o levava às raias da loucura. Com aquele beijo, ele teve certeza... Ann seria sua. O desejo era tangível, mas ia muito além do carnal. Seu sentimento era algo inevitável e incontrolável. Foi através do beijo que Richard mostrou a ela o que sentia e o que pretendia. Por ele, aquele beijo nunca acabaria e permaneceria eternamente explorando o doce sabor do néctar dos deuses... Ele estava irremediavelmente perdido, enquanto explorava cada canto de sua boca, com movimentos sensuais e ritmados. Não havia mais volta. Ele a queria de corpo e alma.
CAPÍTULO 6
Anna Maria sentiu os lábios dele sobre os seus e seu corpo inteiro se arrepiou. Eles eram doces, delicados e se moviam sobre os seus com muita desenvoltura. Ele a puxou de encontro ao seu corpo, abraçando-a protetoramente, e Anna gostou do contato físico. Entregou-se por completo ao seu beijo e abriu os lábios, dando passagem à sua língua. O toque suave e sensual a fez perder-se em uma montanha-russa de emoções. Ela se esqueceu de quem era, de seus medos e limitações, entregando-se com vontade ao beijo mais maravilhoso de sua vida. Era como se houvesse nascido para aquilo. Entorpecida de prazer, paixão e encantamento, Anna gemia enquanto Richard a beijava muito suavemente, mas ela ansiava por mais. Por dias esteve pensando naquele homem que a deixou inquieta com o cheiro mais maravilhoso do mundo, uma voz que parecia música e o toque tão macio e carinhoso, que a fazia se sentir especial. Anna aprofundou o beijo, tornando-o mais urgente e menos delicado, e Richard correspondeu ao seu fervor, trabalhando habilmente a sua língua. Elas serpenteavam juntas em sincronia, como se tivessem feito aquilo muitas vezes, já se conhecessem e se correspondiam sem nenhuma limitação. Anna o beijava com paixão, totalmente entregue aos seus toques e ao seu gosto. Naquele momento, ela poderia morrer de tão inebriada que estava. O beijo de Richard a deixou mole e completamente perdida em cada sensação. Pela primeira vez na vida se sentiu mulher. Antes ela se sentia estranhamente anormal, por não ter vontade de estar com um homem. Com Richard tudo era diferente e queria mais dele... Só ele. O beijo foi interrompido por ele, que estava ofegante. Anna Maria sentia sua respiração irregular e como também estava excitado. Apesar da timidez e do seu corpo ardendo por ele, percebeu o seu desejo, enquanto estavam abraçados, pelo volume em sua calça. Colocando uma distância entre eles, Richard se afastou tentando se acalmar. – Ann... – sussurrou. Sua voz parecia ainda mais extraordinária. Seu coração vibrou ao ouvi-lo pronunciar de forma tão suave. – Estou louco por você, Ann... Louco de verdade. – Eu também, Richard. – confessou, sem sentir vergonha. – Apenas me abrace. – Ela se aninhou em seus braços e ficou ali sentindo o seu cheiro... Amava aquele cheiro. – Eu não quero ficar longe de você. Sei que é errado e antiético, mas me recuso a ficar longe de você, meu bem. – Anna sentiu o toque dos seus lábios em sua testa, em um beijo carinhoso, e teve vontade de chorar. Ela não se sentia merecedora de um homem como aquele, mas estava feliz de estar ali em seus braços. – Não fique... – sussurrou. A ideia de perdê-lo a apavorava.
– Oi! – Anna levou um susto, e se afastou abruptamente, ao ouvir a voz de Zefa. – Oh! Não parem o que estão fazendo por mim. Já estava de saída. – disse, enquanto presenciava a cena, deixando Anna envergonhada por aquela situação, devido ao fato de ser extremamente tímida e isso fez com que se sentisse estranha. – Você não tem do que se envergonhar, querida. – Richard ficou mexendo em seus cabelos, enquanto tentava se acalmar após o susto. – Zefa gosta de você e acho que percebeu o que sinto. – E o que você sente? – disse sem querer. Anna não queria pressioná-lo a falar de sentimento, mas não podia voltar atrás em sua pergunta. – Eu não sei o que eu sinto. – começou Richard. Anna Maria sentiu um aperto no coração ao ouvir aquilo. – Só sei que é algo muito forte. Quando te vi pela primeira vez, senti muita vontade de estar com você e conversar. Fiquei mal e nervoso com a situação, por achar que era antiético me sentir atraído por uma paciente. Depois pensei em você por três dias... Foram longos dias. – Ele fez uma pausa, sentou-se e colocou Anna Maria sentada em seu colo. Anna sentia as suas mãos tocando o seu rosto com carinho e percebia o cuidado que ele tinha com as palavras. – Hoje, quando eu a encontrei, parecia que era resultado das minhas preces. Eu quis tanto te ver... – hesitou. – Cheguei a pegar o seu endereço e telefone, mas não tive coragem. Quando ficamos a sós e conversamos foi... eu não sei explicar. Só queria que o dia não acabasse e pudesse passar todo o tempo vendo-a falar, as mudanças em sua expressão facial. Acho que é isso que mais me encanta. Seu rosto muda de acordo com o seu humor e o sentimento do momento. – Richard... – Anna tentou falar, mas ele colocou o dedo em seus lábios. – Ann, quando eu a vi tocando o violino senti vontade de chorar. Não tenho palavras para descrever a minha emoção e o que ainda estou sentindo agora, te olhando. Só sei que preciso de você em minha vida, somente isso. Quero te conhecer, estar ao teu lado e te proteger. Já percebi que você é independente e que não gosta de ser tratada de forma diferente, mas sinto vontade de te mimar e te tocar o tempo inteiro. É mais forte do que eu... – fez uma pausa e a observou, depois continuou. – Já tive outros relacionamentos e muitas mulheres passaram pela minha vida, mas nenhuma delas me fez sentir o que você faz. Se isso não é amor, eu realmente não sei o que é. Hoje só quero estar ao seu lado e descobrir. Apenas me dê essa oportunidade. Ela começou a chorar com suas palavras. Nunca em sua vida se sentiu tão especial e amada. Ela queria enxergar para vê-lo. Em um gesto espontâneo, levou as mãos até o rosto de Richard e começou a tocá-lo. Precisava ver e essa era a única forma que conhecia. Ele sorriu e não disse mais nada. Anna continuou tateando cada parte do seu rosto, com seus dedos delicados e macios, e sorria enquanto fazia isso. – Você é bonito... Eu vejo você. – disse sorrindo e ouviu uma gargalhada gostosa dele. – Queria te enxergar nesse momento, Richard, mas essa é a única forma que conheço. Você é lindo... Eu gosto do seu cheiro. – Anna Maria se aproximou mais e cheirou o seu pescoço. – Gosto de estar com você. – Sorriu feliz, muito feliz, em seus braços. – Eu me sinto lisonjeado, minha querida. – disse e a beijou novamente. Novamente algo mágico ocorreu com o encontro de seus lábios. Dessa vez, o beijo foi mais lento e delicado. Ela aproveitou
cada movimento suave e o deixou conduzir o beijo. Richard era extremamente habilidoso e a fazia flutuar. Quando houve novo encontro de suas línguas, seu corpo foi atingido por descargas elétricas, que a excitaram e fizeram colocar intensidade nos movimentos serpenteantes de suas línguas. Gostou dos gemidos sensuais de seu amado e gemeu junto. Seus dedos entrelaçaram os cabelos dele, puxando-o para si, com medo de interromper novamente. Ela queria mais sabor, mais movimento e mais contato do que nunca. Suas palavras a deixaram completamente apaixonada e era vital se perder naquele momento intenso e prazeroso. Seu corpo inteiro reagia, buscando o dele, tateando de forma desesperada, como se fosse a última coisa a fazer em vida. A sensação de prazer e busca era desesperadora, fazendo a querer cada vez mais. Richard interrompeu o beijo, arfando, enquanto a acariciava. Depois voltou a beijá-la com doçura, tomando as rédeas dos acontecimentos. Anna ficou ali por muito tempo, abraçada, beijando, tocando e cheirando. Pela primeira vez na vida, sentia necessidade do toque de outra pessoa. Quando ele ria, ela tocava os seus lábios e tentava sentir através do toque a sensação do seu riso e a vibração em seus dedos. A felicidade que sentia era tanta, que teve vontade de chorar novamente. Percebeu, pela primeira vez na vida, que amava. Ela teve dois namorados na adolescência, mas nunca amou ninguém. No entanto, sentia-se ligada por Richard desde o momento em que ouviu a sua voz, sentiu o seu cheiro e o deixou tranquilizá-la antes da consulta. O seu toque foi algo mágico e agora a levava a patamares emocionais incompreensíveis. Apenas queria sentir e viver intensamente aquele momento em seus braços, porque o amava... Sim, ela o amava. – Eu não quero perder você. – sussurrou sonolenta, enquanto ele lhe fazia cafuné. – Você nunca irá me perder. Agora preciso levá-la para o seu quarto. Acho que vai dormir a qualquer momento. – Ele beijou a sua mão com delicadeza. – No final do corredor, a primeira porta à esquerda. – informou, quase dormindo em seus braços. Richard a pegou no colo e se sentiu uma menina sendo carregada, mas gostou da sensação. Ele a deitou na cama; tirou-lhe os sapatos e depois a cobriu. Anna simplesmente apagou e teve sonhos maravilhosos naquela noite... Ela sonhou com o sabor dos seus beijos.
***
Richard permaneceu um bom tempo observando-a dormir. Depois foi tirado dos seus devaneios quando a porta se abriu e Zefa entrou. – Ainda está aqui, doutor? – perguntou ela, parecendo pensativa. – Estou velando o sonho dela... Parece uma princesa. – É... E espero que se porte bem. Anna Maria parece forte, mas é sensível demais. Se algum
dia magoá-la, terá que se ver comigo, doutor. – Zefa o ameaçou e ele riu. – Eu nunca a magoaria de propósito. Gosto dela, mais do que posso compreender agora. Mas está certa... Vamos devagar com isso. Está na hora de eu ir embora. Até amanhã, Zefa. – Você vem amanhã? – inquiriu ela, franzindo o cenho. – Venho pegá-la para passear. Ela gosta de andar e o tempo está ótimo para isso. Pode ficar tranquila. Sei que acha que pretendo abusar de Ann, mas nunca faria isso. – Espero que sim! O senhor não gostaria nem um pouco da minha fúria, eu garanto. – ele riu com a ameaça e gostou ainda mais da mulher. Antes de sair, Richard a olhou por mais um tempo e depois para o cachorro, que dormia ao pé da cama. Sorriu ao observar a cena e partiu se sentindo o homem mais feliz do mundo. Nem se houvesse ganhado na loteria seria tão feliz quanto naquele momento. Ele havia encontrado o amor da sua vida. Tinha certeza.
CAPÍTULO 7
Anna Maria acordou radiante naquela manhã de domingo. No auge dos 24 anos, tendo vivido grandes emoções na vida, aquela foi a primeira vez que sentiu o coração irradiando uma felicidade intensa, que a fazia se sentir mais viva, realmente viva. Acordou com vontade de sorrir, cantar, dançar e fazer o que sabia de melhor, quando reproduzia as mais belas canções com fervor na alma. As lembranças dos momentos maravilhosos ao lado do amado a deixavam leve, em paz e esperançosa. Seu coração parecia cantar e sentiu um calor preenchendo o vazio de sua alma. Acreditava que tudo daria certo ao lado daquele homem encantador que, desde o primeiro momento, a fez sentir reações contraditórias, apenas com o cheiro, o toque e a voz macia. Ouvi-lo sussurrando suavemente, decidido e apaixonado a tornava uma mulher confiante – com uma determinação que desconhecia –, apesar da insegurança causada por sua deficiência. Ela pulou da cama, rodou pelo quarto e riu, porque queria apenas rir naquele dia. Ainda estava vestida com as roupas do dia anterior e não se lembrava de como havia chegado ao quarto. Imaginou que Richard a levara cuidadosamente e a colocara sobre a cama, velando o seu sono delicado. – Anna Maria... – Ela foi despertada pela voz de Zefa e sentiu-se uma tola, apesar de não ter nada a esconder da amiga, que sempre soube tudo sobre sua vida e conseguiu detectar sua mudança de humor, antes mesmo que percebesse. Então, por que estaria se sentindo tão constrangida por ser pega em flagrante?, pensou. – Zefa, eu... acordei feliz. – disse, tentando se situar. Ela havia rodado e, ao fazer isso, perdera o seu senso de direção. Caminhou dois passos e bateu com o pé na cômoda. – Percebo! – Zefa disse brincando, fazendo-a sorrir com sua própria tolice. – Dr. Richard ligou e disse que vem buscá-la para um passeio. O homem parecia ansioso. – comentou e Anna ouviu o riso suave ecoando pelo quarto. – Estou me sentindo estranha, Zefa... – Anna Maria desabafou. – Estranha de que jeito? Apaixonada? Não seja tola, menina! Eu estranhei o seu comportamento desde o dia em que voltou da consulta. Percebi a forma como ele a olhou no parque e aqui... – Zefa bateu palmas e começou a rir. – Finalmente arrumou um homem e, diga-se de passagem, lindo e maravilhoso. – Zefa! – Anna a repreendeu, mas depois começou a gargalhar também. – É estranho... – ela
cruzou os braços, impaciente. – Ele é meu médico. Isso me parece esquisito, porque nem fui para a cama com ele e já viu a minha... – ela mordeu os lábios, arrependida do comentário infeliz. – Ele viu a sua vagina? Ora, Anna Maria, ver vagina para os homens não é uma novidade e ele é um ginecologista, só isso me dá certeza que o Dr. Richard vê vaginas o tempo inteiro. Qual é o problema com vaginas, afinal de contas?! – Anna Maria não acreditara no comentário de Zefa. Se já imaginava tudo estranho, pensar nele vendo vaginas o tempo todo a deixava insegura. – E ele nem é seu médico. Logo a Dra. Brenan volta e você não se consultará com ele. Agora se esse é o problema, veja o lado positivo, porque ele já viu a sua e, quando for transar com ele, não ficará tão constrangida. – Zefa! Eu não vou transar com ele... Eu não! – Levantou o dedo e ficou nervosa com a conversa. – Um dia você terá que transar, então é melhor que seja com um homem experiente em vaginas. Ele sabe como lidar com vaginas, oras! Essa é uma grande vantagem, além de ser um gentleman inglês. – Zefa começou a tagarelar, irritando Anna. – Agora tenho que dizer, minha filha. O homem é tão bonito que chega a doer. Esse dará trabalho, homem bonito sempre dá trabalho, e você é muito lerdinha. É tão parada que chega a me irritar. Ele parece aquele ator... Aquele que interpreta um vigarista brilhante e charmoso – que sem saída acaba trabalhando como consultor criminal para o FBI –, na série White Collar. Qual é mesmo o nome dele? Ah, sim, lembrei! Matt Bomer. Gente, que homem lindo é esse? Olho para ele e chego a suspirar. Aquela boca, aqueles olhos azuis, o nariz... tudo nele é perfeito. Como uma criatura tão tapada como você foi fisgar um gato desses, entendedor de vaginas e ainda um lorde inglês? Pior é que você nem fez nada para chamar a atenção dele, ou melhor, abriu as pernas e ele gamou depois de vê-la. – Chega, Zefa! Estou ficando tonta com a conversa. – Anna disse um pouco irritada. – Não quero mais pensar ou falar em vaginas. – Zefa, às vezes, falava coisas estranhas e deixava-a completamente constrangida, mas já estava acostumada com suas loucuras e sabia que a irritação logo passaria. – Preciso me arrumar e me preparar psicologicamente para me encontrar com ele. Eu me sinto feliz, mas nervosa e insegura... Sei lá, sabe? Sinto-me estranha. – Você está apaixonada e essa sensação de insegurança logo passará. Agora vamos procurar algo bonito para deixá-la ainda mais encantadora do que já é, filha. – respondeu, percebendo a sua inquietação. – Eu quero colocar uma calça e uma blusa fresquinha. Nada de vestidos, porque não saberei como me portar diante dele. Posso ficar nervosa e tenho medo de cometer alguma gafe. Quero uma roupa bem esportiva e que me deixe bonita. – Anna caminhou até o closet, abriu-o e começou a tatear, para procurar algo. Zefa esperou que ela lhe pedisse ajuda, pois sabia que se irritava quando não respeitava o seu espaço. Depois de pegar algumas peças, Anna colocou as roupas sobre a cama e pediu sua opinião. – Essa calça é jeans ou preta? Quero a preta, porque dizem que combina com qualquer roupa. Separei umas blusas e preciso que me diga qual vai me realçar mais hoje. – Bem, a calça preta – Zefa pegou a preta sobre a cama e deu a Anna Maria. –, ela vai ficar boa com essa blusa cor-de-rosa de botão. Acho que pode colocar uma sapatilha para combinar com o
visual. Não ficará muito arrumada, mas dará uma boa impressão ao doutor. – Pegou a blusa rosa de algodão e lhe entregou. – Pode me ajudar a escolher a lingerie? – Para que essa preocupação com a lingerie? Ele não vai te examinar hoje. – respondeu Zefa, irônica. – Hoje não é o dia de ver vaginas. Se ele se atrever, você o interrompa. Tem que esperar ao menos uns cinco encontros, antes de ir para a cama com ele. – Você hoje está muito... muito engraçadinha, Zefa. – respondeu Anna, mas não conseguia se zangar porque sabia que ela estava apenas brincando e que queria o seu bem acima de tudo. Esperou que escolhesse suas roupas íntimas e depois foi ao banheiro se arrumar. Enquanto tomava banho, pensava sobre as coisas que Zefa havia dito. Era muito estranho pensar em Richard como um ginecologista. Aquilo a deixou um pouco insegura e aborrecida. Não queria ser infantil, mas sabia que ele era bonito, pois Zefa confirmou isso. Por que se interessaria justamente por ela? Uma jovem cega, com uma beleza aparentemente normal, pelo menos era o que sua mãe dizia, insegura e que não tinha interesse comum. Ela não entendia, apenas queria estar novamente em sua companhia e viver esses momentos prazerosos, já que o restante lidaria com o tempo. Anna esqueceu-se completamente da hora. Não tinha a intenção de deixar Richard à sua espera, contudo seus devaneios e lembranças do passado – como as conversas com sua mãe, que sempre fazia questão de enfatizar que não era bela ou especial –, a consumiram durante o banho. Sua falta de confiança lhe punha dúvidas sobre os sentimentos dele e os motivos para querê-la, quando ninguém mais a queria ou a via como uma mulher especial. Ela passou a duvidar e teve receio de se machucar. Depois de se aprontar para o passeio, foi direto para a cozinha. Seu estômago roncava e necessitava se alimentar urgentemente. De longe já podia sentir um cheiro bom, de algo que achou que fosse fritada ou panqueca, mas não teve certeza. Instintivamente, seguiu pela casa até chegar ao delicioso desjejum que estava sendo preparado. Ao alcançar a porta da cozinha, ouviu a risada gostosa de Richard, que conversava alegremente com Zefa. Ela suspirou e sentiu o nervoso consumir seu corpo, revirando seu estômago de tal forma que não sabia se era pela fome ou pela ansiedade de reencontrá-lo. – Ann! – ela ouviu sua voz, que lhe soava como uma música agradavelmente lenta e inebriante conduzindo a alma para um estado de felicidade. Instantaneamente sorriu e quis tocá-lo, pois ansiava pelo toque e pelo cheiro, que a conectava com ele, já que não podia ver seu rosto sem tatear os dedos delicadamente por sua face. – Richard. – tentou conter a empolgação, para não entregar de bandeja os sentimentos que já nutria, mas foi em vão. Percebeu-se completamente deslumbrada pela voz e seu corpo retesou ao sentir o toque suave dos dedos dele em seu rosto. – Zefa disse que estava com fome e, como você me disse que adorava massas, bolos e todas as coisas engordativas que não fazem efeito em você, resolvi fazer algumas panquecas. – disse com naturalidade, como se já fosse de casa e não um estranho, o que era fora do normal e até bizarro estar
em sua cozinha preparando-lhe o café da manhã. Era difícil de compreender o quanto se sentia ligada a ele, o que tornava tudo muito complexo em sua cabeça. Por algum milagre, aquele homem estava em sua cozinha fazendo algo para ela, coisa ainda mais louca, pois se conheciam há poucos dias e trocaram o primeiro beijo há menos de 24h, e ele era o seu ginecologista. E contrariando toda a lógica, Richard estava ali, à sua frente, todo apaixonado, cozinhando para ela, esperando por ela... Logo ela, uma cega, sem beleza aparente ou atrativo especial. Aquilo era muito esquisito. – Eu realmente amo panqueca. – comentou baixinho, quase sussurrando, enquanto tentava conter o riso e a felicidade. Tinha medo que ele a achasse atirada demais, por isso tentou ser ponderada e, acima de tudo, dona das emoções. Ele acariciou seu rosto, fazendo a estremecer, enquanto suspirava imperceptivelmente. – Tem de frango, creme de morango e chocolate. Depois faço outros sabores para você. Acho que para começar o dia está de bom tamanho, não é Zefa? – perguntou Richard. – Assim você vai me engordar. – argumentou. – Você não corre esse risco, menina. Não se faça de tímida diante do doutor. Pode comer bastante, para reunir forças. O dia de vocês será longo e cheio de emoções. – Zefa disse rindo. Anna Maria quis ralhar com ela, mas não o fez. Tinha medo de ele vê-la toda irritada por causa do comentário. Anna Maria sentiu o toque suave da mão de Richard sobre a sua, segurando-a com toda delicadeza. Ele a conduziu à mesa e ajudou-a a se sentar. Ela não gostava daquele tipo de cuidado e atenção, que a deixava irritada. Sempre exigia que as pessoas a tratassem como igual, mas com ele era diferente, sentia-se especial. Sua gentileza e cuidado a comoviam, porque queria sentir apenas o toque, que era um dos seus grandes aliados e o único caminho de enxergar o mundo. Quando sentia Richard tocando-a, era como se pudesse tocar sua alma e simplesmente gostava daquilo. – O que vamos fazer hoje? – quis saber, enquanto comia uma das panquecas. – Será uma surpresa. Não pense nisso agora. – Richard respondeu. Ela continuou a comer e, enquanto fazia, se concentrava na sua respiração compassada. Acompanhou cada suspiro, notou que ele batia a perna no chão e parecia inquieto. – Eu já vou terminar. – ela disse com delicadeza, depois de engolir mais um pedaço da panqueca. – Eu sei. – ele respondeu. – Mas está impaciente. – Como sabe o que estou sentindo? – desafiou e Anna sorriu. – Os cegos têm uma percepção maior do que está à volta, do que as pessoas que tem plena visão. Eu posso sentir sua respiração, posso ouvir cada pequeno gesto que faz e sei que está impaciente. Quando eu te toco... – ela tocou a mão levemente. – Sinto que está transpirando mais do que o normal e está frio. Tudo isso me diz que está nervoso e impaciente.
– Nossa, eu agora fiquei com medo de você! – Richard disse rindo, zombeteiro. – Não precisa... – hesitou antes de falar. – Gosto de saber que não sou a única nervosa. – Ela ouviu uma risada, mesmo ele disfarçando. – E sei que está rindo! – Gosto de saber que também está nervosa. Estar ao seu lado me faz sentir ansioso, sabe? É difícil de explicar, então nem vou tentar. Estava contando as horas para voltar para cá. Agora que estou aqui, não sei como me comportar. Zefa disse para não mimá-la demais, para deixá-la se conduzir, porque é independente e odeia quando a tratam de forma diferente. A verdade é que me sinto nervoso, porque simplesmente não sei me comportar com você. – Só precisa agir como se eu fosse uma pessoa normal. É tão simples... – Você não é uma pessoa normal e não é tão simples. – Anna Maria sentiu tristeza ao ouvir aquelas palavras. Instantaneamente, o seu coração se apertou e sua expressão fechou. – Você é especial para mim e isso não é normal, Ann. Eu lido com mulheres o tempo inteiro, mas com você eu me sinto um tolo e não sei como agir sem magoá-la. Não quero mentir e dar falsa impressão, pois é assim que me sinto. E preciso que você me ajude e me ensine como devo tratá-la, porque desde o momento em que a vi pela primeira vez, eu a achei tão delicada... Tão... tão frágil. Naquele dia, percebi o quanto você é forte e corajosa. Entendi que você é uma mulher decidida e capaz de fazer qualquer coisa, apesar disso o meu lado machista me faz querer mimá-la e protegê-la. Não seria diferente se você enxergasse. Acho que seria menos cuidadoso, mas a veria da mesma forma. – Se eu enxergasse seria igual? Não tem a ver com a minha deficiência? – Anna perguntou cautelosa. Tinha medo da resposta que ouviria, mas precisava saber. – Não! Tem a ver com o que sinto quando estou ao seu lado, Ann. Eu continuaria vendo você como a moça delicada, que me deixa inseguro como um tolo, apenas isso. Preciso aprender como lidar com a situação. Não estou acostumado a me sentir vulnerável diante de uma mulher. Acho que é por isso que estou tão ansioso, não por você ser cega. – Fico feliz com isso, Richard. – disse sorrindo. Na verdade, se sentia aliviada pela declaração dele. Foi algo muito corajoso, que a deixou menos tensa e decepcionada. – Apenas me trate como uma pessoa normal... Como qualquer mulher com quem você já saiu. – encorajou-o. – Impossível, minha querida! Você não é qualquer mulher. Eu soube disso no momento em que a vi, mas vou aprender como lidar com essa situação. Prometo. – Obrigada! – Ele pegou sua mão e a beijou. Ela sentiu o corpo inteiro aquecer com o calor dos lábios dele em sua pele. Não conteve a risada, que saiu sem perceber. Seu coração transbordava de felicidade, que irradiava para todo o corpo. Não havia como esconder. – O prazer é todo meu. – disse e Anna sentiu o coração ainda mais resplandecente. Apenas queria que aquilo durasse... Apenas isso. – Gosto do seu riso... Gosto demais, minha querida.
CAPÍTULO 8
Depois de tomar o café, saiu acompanhada de Richard. Decidiu evitar uma nova cena e deixou o cão-guia em casa com Zefa. Ele não lhe disse qual seria o programa do dia, ela tampouco estava preocupada, mas sabia que o cachorro poderia ser um inconveniente, dependendo da situação. Os dois andaram um pouco, de mãos dadas, pelo centro de Nova Iorque. Quando perguntou aonde iriam, ele apenas disse que queria prolongar um pouco as coisas e apenas caminhar ao seu lado. Minutos depois, pegaram um táxi. A todo o momento, Richard lhe fazia carícias delicadas, sempre mantendo o contato físico. Ela percebeu que estava lhe mostrando uma forma prática dela vê-lo. Era a forma de dizer: Eu estou ao seu lado. Assim o carro seguiu e Anna continuou inebriada com as sensações do seu corpo, que reagia plenamente às carícias que ele fazia ao tocar sua pele. O táxi parou, Richard pagou pela corrida e ajudou-a a sair. Logo que desceram na Hudson River Greenway, eles caminharam até Manhattan Cruise Terminal e ela detectou alguns sons diferentes. Primeiro, havia o som de ondas; segundo, ouviu claramente gaivotas e depois motores. Anna concluiu que estavam em um porto ou praia. Respirou fundo e inalou o cheiro do mar. – Vamos nadar? – perguntou, tentando adivinhar exatamente onde estavam. – Você é muito ansiosa, minha querida. – Richard levou sua mão até os lábios e depositou alguns beijos. Ela gostou de sentir a umidade deles contra sua pele. – Vamos passear de barco. Estamos na baía. – Ela apenas sorriu e gostou da resposta. – Apenas quero saber o que você preparou para nós. – respondeu presunçosa. – Sei... – Ela percebeu que ele ria, achando graça do jeito que falou. – Eu tenho um barco e gosto de navegar quando estou de folga. É uma das minhas paixões. Também gosto de nadar, mas a água não é própria para isso. Um dia te levo até a minha casa de praia em Malibu. – respondeu. Os dois caminharam de mãos dadas, em silêncio, e Anna pôde sentir a brisa suave quase como uma carícia. Os cabelos esvoaçavam levemente, roçando o seu rosto e a maresia deixava seus lábios com um leve gosto salgado. Os pelos de seus braços estavam arrepiados e sentiu um frio percorrerlhe através da espinha. Será que era apenas pelo vento ou nervoso por estar sozinha com Richard? Richard parou um momento e ela esperou. – Chegamos! – disse. – Eu vou pegá-la no colo, para que possamos subir no meu pequeno
barco. – Obrigada! – agradeceu e se assustou quando ele, de repente, a pegou nos braços. Ela esperava que ele fosse suave. Mas quando percebeu, já estava em seu colo e ele pulava para dentro do barco. – Uiii! – ela deu um gritinho. – Eu assustei você? – Richard perguntou, beijando sua testa. – Um pouco... Apenas não achei que fosse ocorrer tão rápido e me assustei. – Desculpe, minha querida. – Ele a abraçou forte e ela aproveitou o máximo daquele contato. Era tão bom estar assim em seus braços. Tão bom poder sentir sua pele quente, seus braços musculosos envolvendo o seu corpo e o seu cheiro forte. Ela poderia passar horas naquela posição e não se importaria. – Não tem do que se desculpar, Richard. – respondeu. – Você é tão perfeito em tudo. – Assim você me deixará muito convencido. – comentou, rindo. Anna levou uma das mãos até o seu rosto e a pousou em sua bochecha. Enquanto conversavam queria senti-lo, queria ver o seu riso, não só ouvir. Era tão bom vê-lo, tocando-o, que isso estava se tornando natural. Ela nunca fez aquilo em ninguém, nem mesmo em Zefa, mas com ele sentia essa necessidade intrínseca. – Gosto de você convencido. – continuou, sentindo-o sorrir, enquanto conversavam. Seu coração estava tão leve quanto uma pena. Se ele a soltasse naquele momento, seria capaz de voar. – E eu gosto de você tímida. Adoro quando você cora ou parece querer sair correndo de vergonha. Tive que fazer um esforço enorme para não te abraçar no dia da consulta. Você estava tão... – Constrangida? – ela o instigou. – A palavra constrangida não é absoluta para a forma como eu a vi. Parecia um animal prestes a ir para o matadouro. Eu tive vontade de protegê-la, apesar de querer que se abrisse comigo. – Você conseguiu conquistar minha confiança. – Seus dedos percorreram a lateral do rosto dele e foram parar nos cabelos. Gostou de sentir os fios sedosos entre os dedos. Percebeu que ele soltou um suspiro mais profundo nesse momento. – Eu gosto de ter sua confiança... Agora vamos, antes que desista do passeio e fiquemos aqui, desse jeito, o resto do dia. – riu. Richard pegou sua mão e a conduziu pelo barco. Ele a sentou em uma espreguiçadeira, enquanto foi dar ordens ao capitão do barco. Depois de alguns minutos, voltou e sentou-se ao seu lado. De início, Anna se sentiu um pouco enjoada, com o balanço do barco. O corpo parecia fora de equilíbrio, deixando-a tonta. Ela não gostava de se sentir assim. Apreciava coisas seguras, mas sabia que Richard não a colocaria em perigo. Ele ajudou-a a se levantar e a levou até a proa, abraçando-a por trás, enquanto sussurrava em seu ouvido.
Anna pôde sentir tudo intensamente. Não tinha mais medo ou enjoo. O vento agora um pouco mais forte os açoitava, enquanto o barco ganhava velocidade. Ela estava toda arrepiada, mas Richard a mantinha aquecida com o calor do seu corpo. A adrenalina corria, causando uma emoção nova e desconhecida. Os sons da natureza chamavam sua atenção e, juntamente com o barulho do motor do barco, ela podia ouvir claramente o pio tristonho das gaivotas, como se estivessem em um lamento constante. Ao longe, outro barulho chamou sua atenção, mas não conseguiu distinguir o que era e Richard, percebendo a sua inquietação, falou: – Golfinhos. Queria tanto que pudesse ver o espetáculo que são os golfinhos. Ele a virou para que ficasse diante de si e a beijou com sofreguidão. Os dois pareciam completamente perdidos naquele beijo. A língua dele rodopiava em sua boca, explorando-a de forma maravilhosa. Ela seguia o seu ritmo acelerado, desafiando-o a intensificar ainda mais o beijo. Ele a chupava forte e ela devolvia cada gesto com intensidade maior, para mostrar que queria muito daquilo, em um beijo cheio de lascívia e voracidade. A luxúria tomou conta do seu corpo e ela não se reconheceu, apenas se entregou com a urgência que ele exigia. Os lábios dele eram deliciosos e provocantes demais enquanto possuíam os dela, fazendo-a se entregar por completo. Começou a sentir um desejo desconhecido, que fazia o seu corpo arder em lugares proibidos, desejando mais. A natureza serviu como cenário para uma cena inebriante de paixão avassaladora. Ela nunca se sentiu tão entregue e confiante, como naquele momento. Os lábios dele pareciam fazer amor em cada toque, consumindo-a mais e mais. As línguas travavam uma batalha deliciosa, em busca de um prêmio que no final seria dos dois. Tudo ocorria de forma intensa que quase perdeu o fôlego nos braços dele, porque somente ele conseguia deixá-la tão inebriada a ponto de quase desmaiar com seus beijos. – Eu quero você... – ele sussurrou, enquanto tomavam fôlego. Ela sabia que não havia mais volta. Se aquele homem a magoasse, estaria irremediavelmente perdida. O seu coração já era dele. – Sou completamente sua... – respondeu ela, voltando a beijá-lo com o mesmo ímpeto, guiando os dois através do mar da paixão. Ela finalmente havia despertado para o amor e queria viver cada momento de forma intensa e apaixonada.
***
Anninha e o Dr. Richard saíram para passear naquele domingo. Aquela era a oportunidade perfeita para ela sair em um encontro. Estava trocando mensagens com um nova-iorquino, ainda no Brasil, mas não havia entrado em detalhes com Anna; primeiro, porque não tinha certeza de que ele era “o cara” e segundo, porque naquele momento ela estava priorizando sua vida. Por mais que gostasse de dar “suas voltas” com homens que conhecia na internet, Anninha estava em um momento delicado, insegura com o novo emprego e com medo de viver em uma cidade
como Nova Iorque. Não era o momento para entrar em detalhes sobre sua vida amorosa e muito menos deixá-la ainda mais preocupada com o que poderia acontecer. Zefa foi até o seu quarto, se arrumou com maior cuidado, tentando parecer mais jovem e atraente. Gostava de sua aparência e se sentia bem com o corpo, apesar de não estar tão gostosa como nos seus 20 anos. O tempo lhe fez muito bem e ao olhar no espelho, enxergava uma mulher linda, com sua pele bem morena, longos cabelos negros – alisados com escova progressiva, porque herdara o pixaim da mãe –, não era gorda e nem magra, mas possuía muitas curvas sensuais; que a deixavam gostosa. Gostava de olhar seu rosto no espelho e perceber que era muito exótico – e deixava os homens bem curiosos. Era uma mistura interessante de uma mãe negra com pai japonês, o que lhe conferia um rosto com aparência asiática, com os olhos pequenos e puxados, o nariz arredondado, apesar dos lábios carnudos, herdados da mãe. Herdara do pai, além das feições asiáticas, a estatura baixa. Não gostava de se sentir uma tampinha, com seus 1,68m. Por conta disso, sempre usava salto alto, para parecer mais alta. Apesar de pequena, possuía lindas pernas – bem definidas e torneadas –, sem nenhuma estria ou celulite, graças à boa genética. Quando se arrumava, Zefa definitivamente se sentia maravilhosa aos próprios olhos. Não que fosse narcisista, mas fazia bem se olhar no espelho. Aquilo melhorava muito a sua autoestima. Gostava de ser admirada quando chegava aos lugares. Seu ego ficava muito feliz com os olhares e cantadas. Não queria que o homem a visse nesse encontro. Como sempre fazia, iria disfarçada naquele primeiro encontro e avaliaria se o cara realmente valia a pena. Não perderia seu precioso tempo. A vida lhe ensinara que as pessoas na internet mentiam, pois também mentia bastante sobre sua vida nas redes sociais. Colocou um vestido de veludo vinho, um scarpin preto, que comprara em São Paulo, em uma liquidação; arrumou os seios no vestido, para que parecessem mais empinados, passou um pouco do perfume francês, que ganhara de um dos namorados em uma das muitas viagens, e se maquiou. Ela realmente estava gostosa. Amava mudar o visual e sentir-se como uma mulher sexy e classuda. Para terminar, colocou uma peruca com muitos cachos ruivos. – Agora, sim, estou gostosa! – riu orgulhosa do seu trabalho. Tinha que sair discretamente, sem chamar muita atenção. Se bem que o porteiro daquele prédio era um fofoqueiro e vivia observando quando saía em seus muitos disfarces. Ela tinha vontade de mandá-lo ir tomar lá naquele lugar, mas desistira depois de algum tempo e resolvera simplesmente ignorá-lo. Saiu do apartamento rebolando e pegou um táxi na esquina. – Fofoqueiro! – disse entredentes, depois de observar a expressão curiosa do porteiro. – Deus deu 24h para esse filho da puta cuidar da própria vida, mas é incrível como adora fazer hora extra na minha. Aff! Ela entrou em um restaurante da Quarta Avenida, pediu uma mesa bem discreta e pegou o cardápio, tentando disfarçar enquanto observava o local, à procura do homem com quem deveria se encontrar. Pediu uma taça de vinho e continuou sua inspeção. Naquela tarde, ela só avaliaria como
uma boa espiã que aprendera a ver nos filmes. O homem deveria ser alto, moreno e usar óculos; e segundo as instruções para reconhecê-lo, ele estaria com um lenço vermelho no paletó, enquanto ela foi vestida de forma totalmente contrária, pois não queria dar na pinta. Se ele valesse a pena, se apresentaria como Zefa e esclareceria que veio de uma reunião de negócios. Era muito chique dizer que estava em reunião, por isso sempre usava esse estratagema. Uma hora depois, cansada de esperar, resolveu ir embora. O homem com quem deveria se encontrar não estava no restaurante. Deu-se por vencida, pagou o vinho que bebera e saiu discretamente, ainda observando o local. Em um canto afastado estava um homem com cara de fuinha, calvo, com um bigode sem-vergonha e óculos escuros de fundo de garrafa. Ela não o tinha visto de pé, mas poderia jurar que era baixinho e barrigudo. Ninguém merece!, pensou, observando o lencinho vermelho no paletó e respirou fundo ao vê-lo. – Essa não! Mais um filho da puta mentiroso. Nesse golpe eu não caio mais. – disse baixinho, quando percebeu que o homem olhava para ela, deixando-a paralisada. Precisava fazer alguma coisa imediatamente, pois tinha medo dele reconhecer o seu rosto, já que havia enviado uma foto em que estava sem nenhum tipo de produção. Ela andou rapidamente e abraçou o primeiro homem que encontrou, como se fossem velhos conhecidos, e deu-lhe um selinho nos lábios tentando demonstrar intimidade. – Ai, amor! Você demorou tanto! Pensei que não vinha mais, querido. – disse tentando falar um inglês perfeitamente claro. Sabia que o homem estaria observando e não poderia deixar o sotaque transparecer. – Finge que me conhece e me beija. – Zefa sussurrou, dando-lhe selinhos nos lábios. – Estou trabalhando disfarçada para o FBI. Tem um homem atrás de nós, que é um potencial criminoso da máfia italiana. Se ele me pegar, serei torturada pelos carcamanos. Então seja bonzinho e faça uma boa ação. – Senhora, eu... – ele olhava para ela abismado. – Olha amor, tenho outra reunião de negócios agora e, como demorou, não dará tempo para almoçarmos juntos, mas prometo uma noite de sexo selvagem quando chegarmos em casa. – Zefa piscou para ele faceira, que riu. – Eu te acompanho até o carro, amor. – o desconhecido disse, dando-lhe o braço. – Ficarei aguardando a nossa noite de sexo selvagem. – comentou, olhando para ela interessado. Vai sonhando, babaca! Os dois saíram do restaurante e ela respirou aliviada por se livrar de mais um patife mentiroso. Nunca iria para a cama com um homem daqueles. Aff! Não estava com sorte com os homens. Até sentia falta do francês de pinto pequeno, com quem teve que fingir um orgasmo e gemer como uma gata no cio. – Você não vai me dar o seu telefone? – perguntou o homem. Ah?! Você acha mesmo que saí de uma furada para entrar em outra? Vai sonhando, amor! – Olha você é um amor, mas estou em uma investigação importantíssima para o FBI e a máfia
italiana está atrás de mim. O último caso que tive acabou em tragédia, porque o coitado teve os dentes branquinhos arrancados por um torturador. Foi um Deus nos acuda e por pouco não perdeu a vida. Acho que até hoje ele tem pavor de chegar perto de mim. Então se quer um conselho: Corre daqui e rápido! O mafioso virá atrás de mim e você acabará se envolvendo em uma trama internacional muito perigosa. – Oh, céus! – respondeu, apavorado. – Ele está saindo! Corre! – E o homem saiu dali apavorado, enquanto ela ria, achando graça, de mais uma de suas peripécias. Era realmente uma artista. Zefa voltou para casa desapontada com o desfecho da sua tarde, mas não desistiria de encontrar um amor. Voltaria para o seu tablet e entraria na rede atrás de mais um namorado virtual. Se ficasse muito entediada, poderia sair à noite e tentar dançar um pouco em uma boate. Talvez aquilo a ajudasse a espantar a raiva que estava sentindo.
CAPÍTULO 9
Enquanto se preparava para o seu primeiro dia de trabalho, embaixo da água morna que caía da ducha, Anna Maria pensava nos momentos maravilhosos que viveu com Richard no dia anterior. Ela deixou escapar um suspiro apaixonado e sorriu. Era a primeira vez que se apaixonava e se sentia tomada por sentimentos intensos. Era muito mais do que algo físico, que transcendia qualquer explicação lógica que tentasse encontrar para elucidar as sensações do seu corpo, quando estava com ele. Tudo reagia ao seu lado. Ela queria rir o tempo inteiro e podia acompanhar as batidas descompassadas do seu coração, que insistia em pulsar fora do ritmo, de forma alucinada. Anna tocou os lábios e sorriu ao lembrar-se dos beijos. Estava completamente abobada só de pensar em cada beijo delicioso, intenso e apaixonante de Richard. Os lábios apaixonados, tocando-a com luxúria desmedida e, ao mesmo tempo, venerando-a como se fosse uma entidade mística, digna de contemplação. Ela deu pulinhos dentro do boxe e depois permitiu que seu corpo escorregasse pelo ladrilho molhado do banheiro. Em sua mente reproduziu cada momento vivido ao lado dele. Richard a deixou deitada na espreguiçadeira e depois saiu para providenciar o almoço. Ele preparou um lanche adorável para os dois, com frutas frescas, suco e tortas de morango e chocolate. Sentou-a em seu colo e fez questão de alimentá-la, mimando-a mais do que necessário. Anna não se ofendeu, pois ser mimada por um homem como aquele era bom demais. Ela ainda pôde cochilar em seus braços, embalada como um bebê, enquanto o barco navegava por ondas tranquilas e os conduzia em um passeio inesquecível. Quando voltaram para o cais, já era fim de tarde e Richard a levou a um restaurante japonês Nobu New York, na Hudson Street. Os dois desfrutaram da melhor comida japonesa que já provaram em toda vida. Em São Paulo, onde há uma grande colônia de imigrantes japoneses e vários restaurantes do gênero, não havia comido tão bem quanto ali. Ela provou um pouco de sushi, salada de sashimi, bolinhos de camarão com Nirá, Uramaki e outras coisas que não conhecia. Anna pensou que fosse estourar quando saíram do restaurante, mas Richard parecia satisfeito ao vê-la tão bem alimentada. Naquele passo, ela pensou, ficaria enorme de gorda em pouco tempo.
***
Anna terminou de se arrumar, sempre sorridente e sonhadora. Apesar de ser o primeiro dia, não estava nervosa. Richard prometeu estar com ela naquele momento e a acompanharia até o teatro.
Aquilo a deixava mais segura de si. Nada poderia dar errado... Nada. Pronta para o trabalho encontrou-o, juntamente com Zefa, preparando o café da manhã. Ela realmente achou que engordaria com toda aquela comilança, mas não estava se importando muito. Gostava de ser mimada e encontrá-lo cozinhando era uma dádiva. Aonde ela encontraria um homem como aquele? – Bom dia! – ela disse irradiando felicidade. – Bom dia! – ela ouviu os passos vindos em sua direção e esperou. Sabia que a qualquer momento seria abraçada e beijada. Estava ansiosa por aquilo. – Como passou a noite? – perguntou distribuindo beijos pelo seu rosto, causando-lhe cócegas. Ela riu. – Me revirando na cama, cheia como uma bola. Se continuar me entupindo de comida vou estourar, Richard. – disse, tateando o rosto dele, que sorria feliz. – Eu vejo você. Gosto de te ver sorrindo. – Ela passava as mãos pelos lábios dele que, de repente, mordeu-lhe um dos dedos. Anna deu outro gritinho e ele a beijou logo em seguida. – Nesse passo, os dois irão se atrasar, doutor. – disse Zefa, caminhando pela cozinha. – Será por uma boa causa, Zefa. – respondeu, beijando o pescoço de Anna e ela continuava a dar gritinhos de felicidade em seus braços. – Agora vamos nos alimentar que o dia será cheio, princesa. Os dois tomaram o café da manhã tranquilamente, rindo das graças de Zefa. Ela havia encontrado um novo namorado virtual e estava contando sobre as conversas, como também a decepção que tivera no encontro malfadado. Pela gargalhada de Richard, Anna percebeu que deveria achá-la no mínimo louca. Zefa estava planejando uma tática para encontrar outro namorado virtual e falava disso. Richard não sabia se ria ou se comia, e Anna se sentiu feliz com o leve clima entre eles. Ele a acompanhou, juntamente com Dinho, até o Teatro da Broadway, fez questão de entrar junto e conduzi-la até o maestro Derrier, depois lhe desejou boa sorte e foi trabalhar.
***
O ensaio começou pesado e o maestro Derrier deixou claro para os novatos que logo teriam que entrar no ritmo. A maioria já conhecia as peças e estavam acostumados com grandes produções. Alguns ficaram acanhados de início e pareciam intimidados. No entanto, Anna Maria estava no seu habitat natural. Ela já participara de vários ensaios, ouvira broncas e recriminações juntamente com os companheiros de palco. O maestro não era nada diferente do seu próprio pai: implacável, perfeccionista, calculista e com uma pose, que intimidava. Muitos erraram o compasso logo no início do ensaio, porque não estavam acostumados ao ritmo e grande parte dos músicos não conhecia o esquema militar de trabalho do maestro Derrier. Foram longas e cansativas horas, de muita pressão e tensão. Quando terminou, Anna estava satisfeita
consigo mesma, pois sabia que tinha feito o seu melhor e o seu desempenho era notável. Ouviu alguns cochichos de jovens violinistas que estavam próximas a ela, questionando suas habilidades e usando mais uma vez da velha maledicência. Mesmo ali, as pessoas acreditavam que ela era protegida por ser filha de quem era e não por seu talento nato para a música. Ela tinha a música na alma e colocava todo o sentimento naquilo. Não via apenas como um mero trabalho, mas uma forma sublime de arte e amor. Guardou o violino no estojo e depois seguiu o fluxo de músicos até os armários. Ali todos trabalhavam com os instrumentos da companhia e no final tinham que colocar nos devidos armários. Enquanto caminhava com o seu cão-guia, ouviu as conversas à sua volta e quase se chateou por, mais uma vez, ser vista como uma violinista escolhida apenas por ser filha de um amigo do grande Derrier. Apesar disso, seu estado de espírito estava tão bom, que não se importou com as fofocas, e apenas limitou-se a pedir ajuda para chegar ao armário onde guardara o violino. Ela não parou para conversar com ninguém, porque já havia ouvido o suficiente em um único dia e queria sair logo daquele lugar. Enquanto caminhava, sentiu o seu telefone vibrando na bolsa. Parou para atendê-lo. – Alô! – É a Srta. Smith? Aqui é do consultório da Dra. Brenan e do Dr. Doyle. – Ah, sim! Mary? – Isso! Estou ligando para dizer que o resultado do exame ficou pronto e, se estiver disponível, tem um horário agora à tarde. – Mary disse. – Claro! Daqui uma hora chego aí, tudo bem? – Estou marcando aqui, então. Estaremos aguardando a senhorita. Anna Maria sorriu. Ela veria Richard bem antes do que imaginou, apesar da situação constrangedora. Apressou-se com Dinho, pois precisaria de um táxi. Não tinha como ir andando com ele até o consultório. Meia hora depois, chegou ao seu destino e foi atendida por Mary, que pediu para aguardar um pouco. Quando ouviu a jovem dizer que a Dra. Brenan a atenderia, foi como um soco no estômago. Ela se sentiu decepcionada, para não dizer traída. Não queria ser atendida por ela e, sim, por Richard. Ansiava estar com ele novamente, mesmo que fosse por um curto período de tempo. A contragosto foi atendida pela médica, que lhe explicou sobre a alergia e disse para continuar com a pomada que o Dr. Doyle havia receitado. As duas conversaram brevemente e Anna saiu do consultório, pronta para voltar para casa, quando Mary a interpelou. – Srta. Smith, o Dr. Doyle deseja trocar uma palavra. Pediu para esperar a paciente sair e já lhe atende. – disse. – Obrigada, Mary. – respondeu e se sentou. Alguns minutos depois, uma porta foi aberta e escutou Richard falando com sua paciente.
– Espero que faça todos os exames. Eu a vejo em alguns dias, Margo. – Assim que pegar o resultado volto aqui, Richard. Pode deixar que não irei demorar dessa vez. – Anna sentiu seu coração apertar. Havia cumplicidade na conversa. Eles não se tratavam de maneira formal. Pela primeira vez, sentiu o ciúme queimando suas veias. Respirou fundo e se segurou para não explodir. – Srta. Smith? – ele chamou com aquela voz macia e sedutora, que parecia cantar para ela, cheio de cerimônia e profissionalismo. Anna Maria se levantou e, ao fazer isso, sentiu o toque macio dos seus dedos em seu cotovelo. – Venha comigo, por favor. – Ele a conduziu até a sua sala, levando-a até a cadeira para que se sentasse. – O que foi? Algo te aborreceu? – ouviu-o perguntar, quando percebeu o seu silêncio. – É só que... – Ela se sentia infantil demais por ficar aborrecida com coisas bobas, mas não conseguia disfarçar o estado de espírito. – Como foi seu primeiro dia? – ele insistiu. – Foi duro, difícil e cansativo. – ela respondeu dando de ombros. – O maestro Derrier é muito exigente, mas eu tirei de letra. – Que bom! – Anna percebeu que ele estava sentado ao seu lado e ficou desconfortável. – Mas não é isso que a está aborrecendo ou estou enganado? – ele inquiriu. – Só fiquei aborrecida porque achei que você iria me consultar e aí aparece a Dra. Brenan... Nada contra ela, mas... – mordeu o lábio inferior e se calou. – É só isso mesmo ou tem algo mais te incomodando? – ele perguntou mais uma vez, enquanto acariciava sua mão. – É que eu também me senti estranha com você conversando com aquela mulher. Ela parecia tão íntima... – Richard gargalhou e Anna se sentiu ridícula. – Ann, aquela senhora tem setenta anos e é uma paciente com problema sério. Tenho, sim, uma relação mais íntima com ela, mas nem que quisesse poderia ocorrer algo entre nós. – Você está rindo de mim, Richard? – É engraçado, sua bobinha ciumenta. – Acariciou sua bochecha e ela gostou da sensação do toque. – Agora vamos falar sobre a consulta. – Sim... A consulta. – ela resmungou. – Sei que você não gostou de ser atendida pela Dra. Brenan, mas terá que ser assim. Quando pedi urgência na análise do seu exame, nem imaginava o que aconteceria entre nós e muito menos que Alice voltaria hoje. Só queria te ver novamente. Eu não posso ser seu médico agora. Seria antiético sair com minhas pacientes e não ficaria tranquilo com a situação. Contei para a Alice o que está ocorrendo entre nós. Ela concorda comigo que não ficará bom para a clínica eu namorar uma paciente. Dadas às circunstâncias, acho que nem você se sentiria bem se eu fosse examiná-la
novamente. Então, não faz esse bico lindo. – Anna sentiu os braços fortes dele envolvendo o seu corpo. – Tudo bem... Só fiquei decepcionada. – comentou. – Preciso ir e deixá-lo trabalhar em paz. – Alice conversou com você sobre sua irritação? Explicou tudo direitinho? – ele inquiriu. – Ela disse basicamente o que você disse na primeira consulta. Nem se deu ao trabalho de passar outro remédio. Então não vejo razão para trocar de médico. – Anna sentiu uma necessidade enorme de abraçá-lo. Queria ficar um pouco mais com ele, mas sabia que precisava deixá-lo trabalhar. – Posso oferecer uma consulta particular? – Ela sentiu quando ele começou a distribuir beijos pelo seu pescoço. – Agora falando sério, não podemos mais ter uma relação médico-paciente. Infelizmente terá que ser assim, meu bem. – E beijou a ponta do seu nariz. – Agora é melhor você ir. Tenho outra paciente em uns dez minutos e tenho que arrumar a sala de exame. – Está bem. – Os dois se levantaram e ele a abraçou. Depois deu um beijo rápido em seus lábios e se despediu. – Vejo você mais tarde? – ele perguntou. – É melhor não. Estou cansada e vou dormir cedo. O dia foi puxado. – Ele a acompanhou até a sala de espera e depois se despediram. Ela se sentia mal e infantil pela cena que fizera, assim foi embora aborrecida.
CAPÍTULO 10
Enquanto digitava informações sobre sua paciente no computador, Richard pensava em Anna Maria e no relacionamento. Eles estavam saindo há um mês, mas decidiu desacelerar o ritmo. Não queria sufocá-la e nem desgastar a relação tão rapidamente. Na primeira semana estava tão empolgado que queria vê-la todos os dias, indo ao seu apartamento pela manhã, para tomarem café juntos; depois a acompanhava até o trabalho e, no final do dia, buscava-a e os dois caminhavam calmamente por Nova Iorque, como também conversavam sobre suas vidas. Apesar de tudo estar indo bem, percebeu que Anna gostava de privacidade e de certa forma estava tirando-lhe isso. Assim resolveu que só se veriam nos finais de semana e, eventualmente, quando a saudade fosse grande demais para suportar a ausência. Apesar de tentar manter-se focado no trabalho, na maior parte do tempo não conseguia parar de pensar nela exposta aos perigos de Nova Iorque. Acreditava na competência de Dinho, que já demonstrara inúmeras vezes a capacidade para guiá-la e protegê-la, mas se martirizava constantemente ao saber que ela andava sozinha pela cidade. Richard não comentava essa preocupação, mas já havia falado sobre esse fato com Zefa, que o aconselhou a não se intrometer em sua rotina e nem tratá-la como uma inválida. Durante aquelas semanas, ele pensou sobre a sua deficiência e começou a pesquisar tratamentos alternativos. Conversou com um cirurgião e um especialista em oftalmologia. Eles foram vagos, pois dependia do quadro clínico de Anna e, para isso, precisaria convencê-la a fazer um exame. Ele não queria que ela se sentisse mal e desprestigiada, achando que o seu problema era um impedimento para eles, pois na verdade não era. Assim resolveu esperar um tempo antes de tocar no assunto, porque ainda era cedo para esse tipo de abordagem e ela certamente se irritaria. Sua próxima paciente entrou poucos minutos depois e ele tentou se concentrar no trabalho. Estava muito feliz atendendo uma gestante em seu sétimo mês de gestação e, vez ou outra, pensava em como seria ter Anna Maria grávida de um filho seu. Até aquele momento, nunca pensara sobre a paternidade, mas ali a coisa começou a brotar em sua mente. Riu com o pensamento de que seria um marido muito chato e sempre a tiraria do sério com todas as suas recomendações e preocupações exageradas. Horas mais tarde, depois de atender sua última paciente, Richard ligou para a namorada perguntando se poderia ir buscá-la no trabalho, pois àquela hora o ensaio já teria acabado e ela estaria se preparando para ir embora. Ele demoraria um pouco, por causa do trânsito caótico da cidade, mas sabia que ela o esperaria alegremente.
– Oi, meu anjo? – disse assim que ela atendeu a sua chamada. – Oi, querido! – ela disse com aquela voz suave, que ele tanto amava. Estavam sem se ver desde domingo e já sentia muita saudade na sexta-feira. Apesar de prometer que só a veria nos finais de semana, acabou não aguentando a falta que lhe fazia. – Posso ir te buscar no teatro? – perguntou ele, já sabendo qual seria a sua resposta. – É claro! Estou com tanta saudade, Richard. – respondeu manhosa. – Chego aí em meia hora. Peço que me espere, por favor. Quero caminhar um pouco com você e conversar. Sinto falta das nossas conversas. – Eu também sinto. – Anna respondeu. – Então, nos vemos daqui a pouco. Um beijo bem gostoso. – Outro para você. – ela respondeu e desligou. Richard sorriu feliz. Só de ouvir a sua voz o fazia se sentir bem. Ele amava tudo nela, era mesmo impossível não amar. Estranhava se sentir assim por uma pessoa que só conhecia há um mês. Ele que nunca acreditou em coisas piegas, como amor à primeira vista e paixão eterna, agora estava completamente apaixonado. Pior de tudo era que gostava do estado de paixão que se encontrava. Aquilo o alimentava dia a dia, tornando a vida mais feliz e ao mesmo tempo estressante, porque ele se preocupava com ela o tempo inteiro e não conseguia se focar em sua própria vida. A única coisa que realmente importava era amar Anna Maria, o resto era apenas o resto.
***
O ensaio havia sido cansativo e estressante. O maestro Derrier estava com os nervos à flor da pele, faltando apenas um mês para a grande apresentação. Ele esbravejava enérgico, enquanto repreendia alguns músicos da companhia e dizia coisas que fazia os pelos do corpo de Anna Maria se arrepiarem. Alguns novatos não estavam acostumados com tanta arrogância, por isso acabavam se desconcentrando e errando os compassos. Derrier era implacável em suas observações, fazendo até algumas jovens chorarem após os ensaios. Naquele dia não foi diferente, pois ensaiando a quinta peça, o grupo não conseguia encontrar a harmonia perfeita e ele estava fora de si; gritando coisas humilhantes, que deixaria qualquer um se sentir o lixo dos lixos. Apesar de tudo, Anna Maria estava orgulhosa de si, porque conseguiu fazer o seu papel esplendidamente e não errou uma só nota. Todavia o conjunto não estava bom, o que a aborrecia um pouco. Quando o ensaio acabou, um jovem se aproximou dela, que estranhou o fato, mas o atendeu com gentileza. – Olá!
– Oi! – respondeu, educadamente. – Eu sou Del Pierro. – Anna Maria. – disse. – Ah, eu sei. – O jovem riu. – Nós vamos fazer uma festa para o Michael hoje no meu apartamento e gostaria de convidá-la. – Ah, obrigada! – ela respondeu, sem graça. Não era comum conversarem com ela e muito menos convidá-la para qualquer coisa. Durante todo o tempo em que estivera ali, as pessoas a tratavam com hostilidade ou indiferença. Ela já ouvira muitos dos seus colegas falando que era a protegida do maestro e tampouco gostavam dela, por isso o convite lhe soou estranho. – Aqui tem o endereço. – O jovem colocou um pequeno papel em sua mão. – Também tem o meu telefone. Se for e não tiver companhia pode me ligar. – disse. – Obrigada, Del Pierro! Foi muito gentil da sua parte me convidar. As pessoas aqui não são sociáveis comigo e acho que essa foi a conversa mais longa que já tive durante todo esse tempo. – Eles só ficam intimidados pelo seu talento, que é notório, e pela preferência do maestro. Mas, aos poucos, aprendem a lidar com a situação. – É... Eu sei! Mesmo assim agradeço o convite. Farei o possível para comparecer. Que horas começa a festa? – ela inquiriu. – Por volta das 10h30. – respondeu ele. – Espero que possa ir. – Eu também espero. – ela assentiu. – Tchau! – o rapaz se despediu, deixando-a sozinha com seu cão-guia no palco. Ela ainda precisava colocar o violino no estojo e depois guardá-lo na sala de instrumentos. O celular vibrou em seu paletó e Anna atendeu. Ela ficou feliz por ouvir a voz de Richard. Odiava só estar com ele nos fins de semana, mas respeitava sua decisão. Não queria tornar a relação cansativa logo no início e demonstrar crise de ciúmes, como a que havia tido em seu consultório, semanas antes. Os dois conversaram brevemente e se sentiu radiante por saber que ele iria buscá-la. Aquela era uma exceção, então tinha que aproveitar ao máximo. Já sentia seu corpo inteiro se arrepiando só de imaginar seus beijos e carícias. Simplesmente amava estar em seus braços e, cada vez mais, se sentia dependente daquele contato, apesar de não admitir para ele. Anna Maria guardou o violino cuidadosamente no estojo, pegou a coleira de Dinho e seguiu com ele até a sala dos instrumentos. Tudo estava muito silencioso e percebeu que praticamente todos já haviam partido. Achou melhor assim, do que ouvir cochichos indesejados. Ao longo daquele mês descobriu que as pessoas adoravam falar da vida alheia e ela, como a protegida, costumava ser tema de fofocas. Os dois seguiram pela coxia, depois alcançaram um imenso corredor, onde continuaram andando até chegarem à sala dos instrumentos. O maestro fazia questão que todos usassem os da
companhia, para que se familiarizassem com eles; e também por precaução, para evitar que qualquer acidente causasse danos irreversíveis e consequentemente prejudicasse os ensaios. Depois que guardou o violino em seu armário, Anna Maria decidiu ir ao banheiro antes de ir embora. Não que estivesse muito apertada, mas certamente andaria um pouco com Richard e chegariam tarde em casa. Era melhor tentar se aliviar antes de sair, para não passar sufoco na rua. Ela e Dinho fizeram o caminho contrário, pois os banheiros ficavam no final do corredor. Quando chegou à porta, alguém saiu correndo, esbarrando nela a ponto de jogá-la para trás. – Ei! Olha por onde anda! – Anna Maria esbravejou. Dinho latiu para o homem, que pelas passadas já estava longe. Apesar disso, ela sentiu um cheiro forte e enjoativo de tabaco, além de algo que não conseguia identificar. Parecia algum tipo de material de limpeza, mas não tinha certeza. A combinação de cheiros deixou-a nauseada. Aquilo certamente era um charuto, provavelmente cubano. Seu pai costumava fumar charutos cubanos e ela conhecia aquele cheiro forte. Eles entraram no banheiro e o cachorro começou a latir, afastando-se dela, que teve que andar mais rápido para alcançar os seus passos. Ele continuava latindo e depois começou a choramingar. Enquanto andava, ela esbarrou em algo. – O que foi meninão? O que foi? – Dinho continuava choramingando. Ela se agachou para ver no que havia esbarrado e tocou em uma perna. – Oh, meu Deus! – Foi tomada por pânico. – Moça! Moça! – chamou, mas não teve nenhuma resposta. Ela se levantou, deu mais alguns passos e tocou novamente na jovem. Percorreu o braço e percebeu que estava frio. – Oh, Deus! – pegou o celular do paletó e discou para 911. – Tem uma moça caída no banheiro, atrás das coxias, no teatro da Broadway. Não sei se está desmaiada ou... – As palavras morreram de seus lábios. – Calma, moça! Calma! Como está o corpo? Tem sinais de luta ou sangramento? – perguntou a jovem do outro lado da linha. – Eu não sei... Eu sou cega. – respondeu. – Pegue o pulso dela e tente verificar se ainda há alguma pulsação. – Ela orientou e Anna Maria assim o fez. – Ela está sem pulso... Acho que está morta! Ai, meu Deus! – Anna Maria começou a chorar e tremer compulsivamente. Foi difícil conseguir se levantar, no estado em que estava. – Estamos mandando uma viatura aí. Fique calma, por favor. – a jovem pediu e desligou. – Venha, menino! Venha! – Ela chamou por Dinho, que veio para o seu lado. Pegou a coleira e saiu pela porta do banheiro transtornada. Chorava muito e não acreditava no que acabara de acontecer. Aquilo só podia ser um pesadelo. Queria ir para casa, deitar, dormir e esquecer. Enquanto ainda chorava, Anna pegou o celular novamente e ligou para Richard.
***
Eles estavam no apartamento de Del Pierro tomando cerveja e falando sobre aquelas semanas de ensaios. Riam e se divertiam com os ataques do maestro Derrier. Todos estavam cansados, exceto ele, o assassino, que se divertia planejando seu próximo passo. Precisava agir com cautela. – Será que ela vem? – Pablo perguntou. – Você falou para ela que era uma festa, Del Pierro? – foi a vez de Michael. – Eu disse que era uma festa, mas não sei se a ceguinha vem. Fiz tudo conforme combinado. Agora é esperar para ver. – Del Pierro respondeu. – Eu irei me divertir muito com a ceguinha. – Demetri afirmou, rindo. – Vocês são pervertidos. Querer abusar de uma pobre cega indefesa é canalhice. – Olga, a única mulher do grupo, falou. – Ela até que é gostosinha. Eu adoraria me divertir com ela. – Durand riu. – Você é hetero, Olga. Para você, isso não tem importância. – Mesmo que fosse lésbica, não abusaria de mulher indefesa. Seu cretino, filho da puta! – Olga respondeu. – Vamos parar! Ainda é cedo, então a esperança é a última que morre. Talvez Anna ainda venha para a nossa festinha. – Vincent comentou. – Acho que eu não teria coragem de abusar dela. – Leroy afirmou. – Não é como se fôssemos violentá-la. Apenas queremos nos divertir. – disse Martinez. – E o que vocês esperam, então? – perguntou Olga. – Atrair Anna para cá, somente para tomar cerveja? Conta outra, Martinez! – ela estava irritada. – Apenas queremos assustar essa idiotinha. Sabia que minha amiga Kathleen perdeu a vaga para Anna? Ela só entrou para o grupo porque é protegida do maestro. – Vincent disse com raiva. – Conta outra vai, Vincent! – disse Durand. – Anna até que toca direitinho. Eu não a vejo errar quase nada. – Você diz isso, porque está a fim dela. – afirmou Demetri. A discussão continuou, enquanto os amigos tomavam cerveja e falavam mal do maestro. O assassino ouvia aquilo atentamente. Certamente alguns deles seriam suspeitos do assassinato. Ele precisava evitar falar demais, para não se comprometer. Era fundamental manter a sua identidade e fingir ser bom moço. Agora, uma única coisa lhe preocupava: “Será que Anna Maria Smith era capaz de identificá-lo?” Ele teria que se certificar de que ela não o denunciaria. Se percebesse qualquer perigo, teria que agir e eliminá-la de uma vez.
O assassino continuou ouvindo os “amigos” falando das jovens do grupo e sorriu. Ele tentava escolher sua próxima vítima, mas estava difícil escolher entre tantas beldades. Queria algo que fosse excitante e fizesse a adrenalina correr em suas veias.
CAPÍTULO 11
A polícia chegou logo ao local e começou a verificar a cena do crime. Anna Maria chorava em um canto quando Richard chegou. Ele a abraçou tão forte, que ela pensou que fosse se partir ao meio. Permitiu-se chorar tudo o que precisava em seus braços. Estava se sentindo muito abalada naquele momento e precisava do seu conforto. Os dois estavam assim quando um detetive de homicídios apareceu para interrogá-la. – Srta. Smith?! – Sim! – ela respondeu, quase gaguejando, nos braços de Richard. – Pode nos contar o que viu? – inquiriu Phillip. – Na verdade, eu não vi... Sou cega. – respondeu. – Fiquei conversando com um dos músicos... Del Pierro, eu acho. Depois atendi uma ligação de Richard e, quando percebi, estava sozinha no palco. Fui com meu cão-guia guardar o violino e decidi ir ao banheiro antes de partir. Quando cheguei perto da porta, alguém passou correndo por mim, dando-me um esbarrão que quase me derrubou. – Ela tomou fôlego e continuou a narrativa. – Entramos no banheiro e Dinho ficou latindo e depois começou a choramingar. Caminhei alguns passos e me deparei com o corpo. No início achei que só estava desmaiada e chamei; depois de tocá-lo, percebi que estava frio e liguei para 911. A moça pediu para verificar o pulso e aí me dei conta de que estava morta. Foi isso. – Ouviu mais alguém ou algo que possa nos ajudar a encontrar o assassino? – quis saber o homem. – Ele tinha um cheiro bem peculiar... Fiquei enjoada depois que foi embora e quase vomitei. – Ela abraçou Richard mais forte, lembrando-se da cena. Ela teve medo do que poderia ter acontecido consigo. O homem poderia tê-la matado também. Um frio percorreu a sua espinha e Anna estremeceu. – Como assim? – o detetive parecia impaciente. – Ele cheirava a charuto, um tipo de charuto bem raro aqui nos Estados Unidos, eu acho. E algo mais forte, como material de limpeza. Não era bem material de limpeza, mas parecia como se fosse. Não consigo descrever esse segundo cheiro, mas era enjoativo demais. – Que tipo de charuto? – Ela está cansada e traumatizada. Vocês podem fazer um interrogatório mais apurado na delegacia depois. Vou levá-la para casa agora. – Richard se intrometeu e parecia impaciente, pois algo no detetive não o agradou.
– Tudo bem, Richard. – Anna Maria tocou seu braço e o acalmou. – Charuto cubano, eu acho. Meu pai costumava ter esses charutos em casa e o cheiro é inconfundível. Tenho certeza de que era esse tipo mesmo, mas o outro cheiro não consigo definir agora. – respondeu. – A senhorita conseguiria identificar o suspeito pelo cheiro? – ele perguntou de forma arrogante e impertinente. – Já chega! Qualquer informação a mais, mande uma intimação para ela depor. – Tudo bem. – O policial riu de forma debochada. Anna e Richard, que parecia aborrecido, saíram do teatro estressados. Ela não perguntou nada, mas sabia que ele não havia gostado da forma como o detetive falou ou, na pior das hipóteses, olhou para ela com desdém, como se seu depoimento não fosse servir de nada. Fosse o que fosse, ela decidiu não perguntar. Eles caminharam até o prédio onde ela morava, em silêncio, e Anna ainda tentava conter as lágrimas. Quando chegaram, ele a carregou até o sofá e sentou-a em seu colo. Ela chorou toda a angústia que sentia em seus braços e se deixou ser confortada por ele. – O que aconteceu? – Zefa perguntou, ao ver a cena. – Houve um assassinato no teatro e Anna Maria foi a única testemunha. Tudo foi estressante demais e ela ainda está abalada. – Oh, meu Deus! – Zefa correu até ela e a abraçou por trás. – Está tudo bem, Zefa. – ela disse chorosa. – Vou preparar uma canja para você tomar. Precisa se alimentar e tentar dormir. – Você tem calmante, Zefa? – Richard perguntou. – Tenho remédio para dormir. – ela disse. – Acho que seria bom ela tomar um antes de ir para a cama. Está muito traumatizada e precisa de uma boa noite de sono. – Não quero comer e não quero dormir. – Anna Maria resmungou. – Zefa, prepara um sanduíche natural para ela e depois traga o comprimido. – ele ordenou e Anna não gostou. – Você só sabe me empurrar comida. Hoje não consigo comer nada. Realmente não consigo. – Você, provavelmente, passou o dia ensaiando e não se alimentou. De forma alguma permitirei que vá para a cama de estômago vazio. – Estou bem, Richard! – ela disse veemente.
– Você não está. Deixa-me cuidar de você, meu amor. – Anna Maria sentiu um frio percorrer a espinha, fazendo os pelos do corpo se eriçarem. Era a primeira vez que ele a chamava assim. Seus olhos encheram-se de lágrimas e ela quase chorou novamente. – Do que você me chamou? – perguntou. – De meu amor. – Richard respondeu beijando seu pescoço e Anna Maria não conseguiu conter a emoção. Ela também o amava e queria estar totalmente entregue à relação, apesar de achar que o sufocava. – Eu também amo você. – disse Anna chorando e os dois se abraçaram emocionados. Ele a beijou com ternura, fazendo amor com seus lábios em cada movimento delicado e carinhoso. Aos poucos, o beijo foi ficando mais urgente e cheio de luxúria. Um não sabia onde o outro terminava, de tão agarrados que estavam naquele sofá. – Hummm, huummm! – Zefa pigarreou, despertando-os do momento de paixão ardente. – O lanche dela. – Obrigado, Zefa! Agora me deixe cuidar da minha menina. Depois ela tomará um banho relaxante e o remédio para dormir. Nada abalará o seu sono essa noite, eu prometo. – Richard beijou sua testa e Anna se sentiu imensamente amada. Não queria que aquele momento entre os dois acabasse. – Se precisarem é só chamar. Os dois ficaram sozinhos novamente e Richard a alimentou, até que não restasse nada do sanduíche natural. Depois a fez beber o suco de caju com o comprimido para dormir. Anna se aninhou em seus braços, totalmente mole. – Nada disso, senhorita! Primeiro irá tomar um banho. – ele sussurrou em seu ouvido. – Estou com sono. – resmungou Anna. – Pedirei a Zefa para ajudá-la com o banho e depois ficarei velando o seu sono. – Richard a pegou no colo e a levou até o banheiro. Ele a sentou na privada e saiu para chamar Zefa. Quando os dois voltaram, Anna já estava muito sonolenta. Zefa deu-lhe um banho rápido e depois a ajudou a chegar ao seu quarto. Richard já estava lá esperando, Anna pôde sentir o seu cheiro inconfundível. – Richard... – ela sussurrou, sonolenta. – Não vá embora. Fique comigo essa noite. – pediu. – Hum? – Você pode tomar um banho, vestir uma camisa antiga do papai e deitar aqui comigo? Por favor, estou com medo de ter pesadelo. – implorou, toda manhosa. – Me deixa achar a camisa para o doutor. – disse Zefa. Anna sabia que ela estava dando uma
de alcoviteira, mas não se importou. Já estava acostumada com a sua espontaneidade. – Tudo bem, meu anjo. – Ela sentiu-o beijando sua cabeça e ficou feliz por ele concordar em ficar. Estava com medo de reviver os momentos aterrorizantes do teatro e não queria ficar sem ele aquela noite. Minutos depois, Anna sentiu a cama afundando e os braços musculosos e quentes a abraçando. Ela se aninhou no peitoral dele, que começou a fazer cafuné em seus cabelos, enquanto sussurrava que tudo ficaria bem. Ela queria acreditar em suas palavras e, nos seus braços reconfortantes, se sentia feliz, protegida, principalmente amada. Aquilo era a coisa que mais importava na vida, ela apenas queria amar e ser amada por Richard. Quando acordou, Anna percorreu os dedos delicados pelo torso dele, para se certificar que tudo era real, que eles estavam ali, juntos, abraçados e protegidos. Escutou uma risadinha rouca, gostosa e sensual em seu ouvido. Richard estava acordado e desfrutando do mesmo momento de paz e intimidade. Dedos macios percorreram sua coluna, causando-lhe calafrios por todo o corpo. Anna gemeu de prazer e riu. – Bom dia, dorminhoca! – disse ele. – Bom dia, amor! – Ela se aninhou ainda mais sobre ele, entrelaçando também as pernas. Era estranho sentir todo o seu corpo musculoso, os pelos que lhe causavam arrepios e o ar quente que saía dos seus lábios, enquanto ele beijava o seu pescoço. Sua mão subiu por toda a coluna cervical e foi parar na sua nuca, onde os dedos delicados começaram a afagar os cabelos embaraçados. – Dormiu bem? – ela perguntou. – Nunca dormi tão bem em minha vida, meu anjo. – Os beijos foram subindo, passando por seu pescoço e clavícula até parar no queixo. Ele começou a chupar de forma sensual, fazendo todo o corpo de Anna incendiar de tanto calor. – Eu não escovei os dentes. – Anna disse dengosa, quando percebeu que ele iria lhe beijar. – Eu também não, amor. – Richard foi distribuindo selinhos pelo seu rosto, até chegar aos seus lábios e a beijou intensamente. Ele puxou seu corpo ainda mais para si, abraçando-a sensualmente e os dois estavam quase fazendo amor, quando uma batida na porta os despertou daquele momento intenso e apaixonante.
CAPÍTULO 12
Enquanto tomavam o café da manhã, Anna Maria, Richard e Zefa assistiam a um programa matinal de TV sobre culinária, que foi interrompido para uma notícia de última hora. Quando a repórter começou a narrar sobre o assassinato da flautista alemã, Elfriede Burkhard, Anna congelou e Richard segurou sua mão. As informações sobre o crime foram passadas friamente, como se morrer violentada e estrangulada não fosse algo chocante. O que mais a chocou foi o fato deles terem falado sobre ela na reportagem. Segundo a jovem, a única testemunha do crime era cega e não tinha condições para identificar o assassino. A polícia intimaria todos que trabalhavam no teatro para depoimento, na segunda-feira pela manhã. Ainda não havia um suspeito. Outra notícia que deixou Anna abalada foi a possibilidade de interromperem o espetáculo, marcado para pouco mais de um mês. Naquele momento, seus olhos se encheram de lágrimas, porque não acreditava no que estava ouvindo. Tudo estava em risco, depois de tanto suor, sofrimento, horas e horas de ensaios estressantes. Ela pensou no maestro Derrier e sofreu por ele, sabendo como ficaria arrasado se o espetáculo fosse cancelado. Tanto trabalho para nada. O clima, que já estava tenso, ficou ainda mais complicado quando Eva, sua mãe histérica, ligou para saber como ela estava e ordenou que voltasse ao Brasil. Elas discutiram por longos minutos, o que pareceram horas, ao telefone. Anna sabia que Richard e Zefa estavam ouvindo, pelos ruídos na cozinha. Não precisava enxergar para saber, enquanto falava ao telefone, exigindo que a mãe não viesse para Nova Iorque e a deixasse viver sua própria vida. No entanto, sabia que a qualquer momento Eva entraria altiva pela porta dando ordens e sentindo-se no direito de comandar sua vida. Como odiava aquilo! Depois de desligar, sentiu os dedos de Richard massageando as suas costas. Realmente precisava daquilo, porque estava muito tensa... Estressada demais, para dizer a verdade. – Vamos sair e fazer algo? – ele perguntou, ao beijar a pele delicada de seus ombros, o que lhe causou arrepios. – Você acha que teremos problemas para sair? Digo repórteres? – ela o questionou. – Não sei, mas vamos tentar. Nós três podemos ir a uma exposição de arte contemporânea. Eu vi o catálogo e as peças são lindíssimas. Você poderá tocar e sentir a textura de cada uma. Depois vamos almoçar em um restaurante árabe, do outro lado da cidade, e você terá se acalmado. – Você só pensa em me fazer comer? – ela perguntou rindo, enquanto ele continuava a
massagem. – Eu penso em muitas outras coisas, mas... – ele hesitou e Zefa riu. – Eu estou aqui, doutor. – disse descaradamente. – Não é nada disso que você está pensando, Zefa. – ele se defendeu rindo e Anna achou graça. – Sei que não, Richard. – Ela gargalhou. – Já vê vaginas cinco dias da semana, o dia inteiro, de tamanho e formatos diferentes. Certamente não estará pensando nisso. Richard gargalhou e Anna Maria sentiu o rosto corar de vergonha. Como ela podia dizer algo do tipo para um gentleman inglês como Richard? – Zefa! – ela disse exaltada. – Só estou brincando, Anninha. Sei que o doutor é um cavalheiro e não abusaria da inocência de uma cega. Não é, Richard? – Claro que não, Zefa. As minhas intenções com Ann são as melhores. – Ele abraçou Anna por trás, que se sentiu confortável em seus braços. Ele era forte, musculoso e, ao mesmo tempo, conseguia ser muito delicado e gentil. – Espero realmente que esteja dizendo a verdade. Sua sogrinha não demora a aparecer por aqui e você terá que ser muito habilidoso com dona Eva. Ela não tem o temperamento nada fácil e, quando se trata da filha, parece uma leoa. Certamente o fará assinar um contrato pré-nupcial na primeira semana. – Zefa, você está assustando Richard. – Anna reclamou. – Só estou avisando, doutor. Quem avisa amigo é. Agora quanto ao convite, não poderei aceitar. Hoje tenho um encontro com meu namorado virtual. Tenho um plano infalível para saber se ele não é velho, baixinho, gordo, careca e barrigudo. Preciso colocar tudo em prática. Os dois gargalharam com ela, achando graça. Anna já havia visto aquilo antes. Certamente, Zefa iria disfarçada e ficaria escondida, esperando para analisar o pretendente. Se não gostasse, sairia fora e cortaria relações com ele. Odiava mentiras e, ao longo dos anos, já aparecera engraçadinhos mentindo para ela. – Agora preciso colocar meu plano infalível em prática. Vou me disfarçar de vovozona e isso dá um trabalho da porra. Divirtam-se, crianças... – Ela voltou e falou irônica. – E cuidado para não avançar o sinal antes da hora, doutor. Deixe-o ficar verde primeiro. Pode estragar tudo atravessando a faixa e atropelando os pedestres. Richard continuou rindo, mas Anna Maria queria estrangular Zefa. Ainda não acreditava nas coisas absurdas que ela dizia, fazendo-se de inocente e amiga. Só faltava colocar um letreiro luminoso dizendo: NÃO A LEVE PARA A CAMA AGORA, PORQUE ELA SAIRÁ CORRENDO ASSUSTADA E A MÃE DELA VAI TE LEVAR PARA O ALTAR COM UMA ARMA NA CABEÇA.
Richard ignorou os alertas indelicados de Zefa e fingiu que nada havia acontecido. Os dois foram para a exposição e Anna Maria amou tocar todas as peças. Ele explicou para a artista a necessidade dela de sentir os objetos, devido à deficiência e ela teve uma tarde agradabilíssima, apesar do trauma do dia anterior. À tarde, os dois passearam pelo Central Park de mãos dadas, conversaram sobre passado, presente e futuro, o que a deixou mais segura das suas decisões; e ele parecia ser a pessoa certa para ela. Para o almoço, Richard fez algo inusitado. Anna nunca havia comido cachorro-quente ou estado em um fast food. Sua digníssima mãe morreria se ela comesse aquele tipo de comida, que considerava desprezível. Mas ele a levou em uma lanchonete e ela provou pela primeira vez, lambendo os lábios, um cachorro-quente delicioso. Até iria repetir, se seu estômago permitisse, mas estava cheia demais. Desconfiava que ficaria com a forma de um barril em bem pouco tempo. Ele adorava vê-la comendo e sempre inventava algo novo. Quando voltaram para casa, já era noite e Anna estava cansada de andar. Dinho também precisava se alimentar e descansar um pouco, pobre cão. Anna tomou um banho quente delicioso, vestiu um pijama confortável e pediu que Richard ficasse com ela mais uma noite. Ainda estava assustada para dormir sozinha. Ele lhe disse que teria que passar em casa e pegar roupas para o trabalho na segunda, mas que voltaria antes que ela dormisse. Ela já estava quase adormecendo, quando sentiu a cama afundando e braços fortes a envolvendo. Como na noite anterior, ela se aninhou neles mais uma vez, e dormiu bem e protegida. Já estava se acostumando com aquilo.
***
Enquanto Anna dormia calmamente, Richard estava mais tranquilo. Ele fez de tudo para distraila durante todo o dia, mas sabia que ainda estava traumatizada com os últimos acontecimentos. Ela sussurrou dormindo na noite anterior e parecia apavorada. Ele não poderia deixá-la do jeito que estava, mesmo que isso estivesse acabando com sua sanidade mental. Richard a desejava cada dia mais, mas não somente o seu corpo, pois a amava de verdade e não queria apressar as coisas e magoá-la. Mesmo que tivesse sido brincalhão, o recado de Zefa fora bem claro. Anna Maria ainda não estava preparada para outro nível de relacionamento. Ela era pura, ingênua e inexperiente em todos os aspectos e ele teria que ser paciente... Muito paciente. Era tão difícil, ainda mais com seu corpo macio, quente e muito cheiroso tão colado ao seu. Eles estavam totalmente entrelaçados e até certo ponto gostava daquilo. Por outro lado, seu corpo começava dar sinais de que apenas beijos e abraços não seriam suficientes para acalmar o seu desejo. Na noite anterior, precisou ir mais de uma vez tomar banho gelado, para acalmar os ânimos. Anna Maria não percebeu nada, mas ele tinha plena consciência das reações do seu corpo, principalmente quando ela lhe tocava de forma tão inocente. Ela não tinha noção do quanto aquilo o afligia, e agora cada vez mais. Ele ficou acariciando suas costas, enquanto relembrava o susto que passou na sexta-feira.
Achou que algo havia acontecido com ela, quando ligou chorando, assustada demais para conseguir explicar tudo o que aconteceu. O local do assassinato estava cheio de policiais e o investigador de homicídios fazia expressão debochada, enquanto ela narrava sobre o que havia ouvido e cheirado. Richard só queria tirá-la daquele inferno e protegê-la. Se pudesse, ela não voltaria mais àquele lugar, mas havia ficado claro em suas expressões o quão apavorada ficou quando soube que o espetáculo poderia ser cancelado. Aquilo era a sua vida, parte do que ela era e ele não poderia se intrometer. O máximo que poderia era acompanhá-la na entrada e na saída, mesmo que isso comprometesse sua agenda de trabalho. Não permitiria que aquele tipo de atrocidade ocorresse com sua Ann... Não mesmo! – Eu te amo demais, menina. – Richard sussurrou baixinho, enquanto beijava o ombro desnudo dela. Sua pele era um convite para uma verdadeira ceia. Ele se excitava só de tocá-la, tão pura, delicada e imaculada. – Muito, muito, muito... Prometo cuidar de você. – Assim ficou por horas, velando o seu sono, até que estivesse cansado demais para se manter acordado.
CAPÍTULO 13
Segunda-feira pela manhã já começou cheia de novidade. Ao chegar à cozinha para tomar o seu café da manhã, Anna Maria se sentiu frustrada com a notícia. Zefa lhe informou que os ensaios da semana haviam sido cancelados, pois a polícia estava fazendo investigações no teatro. Também lhe informou sobre a intimação que chegara, logo cedo, para um depoimento formal na delegacia. Anna era a principal testemunha do fato, apesar do investigador ter feito pouco caso das suas declarações. Richard havia saído cedo, pois tinha uma paciente gestante marcada às oito e meia, mas ficou de retornar ao fim da consulta, para levá-la à delegacia. – Richard estava preocupado. – comentou Zefa, enquanto faziam o desjejum. – Ele tentou se mostrar calmo ontem, mas percebi que também ficou tenso com tudo isso. Disse que remarcaria os horários das consultas para me acompanhar aos ensaios e qualquer outro compromisso. – Ela levou a xícara de chá à boca e bebeu calmamente, pensando nas conversas que tivera com ele. – O relacionamento de vocês está avançando. – disse, como quem não quer nada. – E aí, já rolou? Anna Maria ouviu aquilo e teve vontade de rir. A cabeça de Zefa era movida a sexo. Culpa da internet e dos livros eróticos que lia. Estava para ver tanta disposição. Bem que poderia ser uma consultora para assuntos sexuais, pensou. – Nós só dormimos. – respondeu. – Richard não fez nada. Ele é um gentleman inglês. Acho que dona Eva gostará dele. – Só se ele tiver dinheiro. A cabeça da sua mãe é movida por cifras. Sabe bem o que uma conta recheada não é capaz de fazer com ela. – Zefa riu. – Apesar de que no mínimo, dona Eva ficará fascinada quando o vir e se perguntará o que ele viu em você. Isso somado a muito dinheiro e um bom patrimônio, ela até estenderia uma plaquinha: Doa-se uma filha. – Você não existe, Zefa! – Anna Maria falou, rindo. – Estou mentindo? Não dou mais um ano para ela arrumar um marido rico. Se ainda não o fez, foi por falta de uma fortuna maior do que a dela. Você sabe bem que seu pai tinha muito dinheiro e propriedades. Eu fico me perguntando se ela se casou realmente apaixonada por um velho com a idade para ser avô dela. – Zefa riu. – Mamãe gostava do papai, Zefa. Não precisa exagerar tanto.
– Será que seu pai dava conta do fogo dela? Ha! Ha! Ha! – ela gargalhou. – Acho que nem Viagra levantaria o defunto e o faria mandar ver com dona Eva. – Ela ficou em silêncio. – Tenho minhas teorias. – Zefa, você sabe bem que minha mãe tinha alguns amantes. Vez ou outra, ela dava seus pulinhos com homens bem mais novos. Até papai sabia. – Anna disse irritada. – Não fui eu quem falou nada. – Zefa se defendeu. – Mudando de assunto. Será que Richard demora? Queria acabar logo com isso. – Anna estava frustrada pelo cancelamento dos ensaios e desejava sair de casa. Não poderia ficar mais tempo sem fazer algo útil. Ela queria fazer o que sabia de melhor, mas com a companhia de músicos espetaculares que faziam toda a barulheira se transformarem no som dos anjos. Era transcendental quando todos alcançavam o ritmo, entrando em completa sintonia e a peça saía exatamente como deveria ser. – Ele chega assim que puder. Pediu que não a deixasse ir sozinha à delegacia. Então se aquiete e converse comigo. – ralhou Zefa. Duas horas depois, Richard chegou para acompanhá-la e, antes de sair, se beijaram longamente e trocaram muitas carícias. O clima estava muito intenso entre os dois e Anna Maria amava aquilo, porque já estava se acostumando a ser seduzida por ele. Ele a conduziu até o carro e seguiram até a delegacia. Ela percebeu que ele e o motorista eram amigos e combinaram dele estacionar do outro lado da rua e os esperar. Se, por ventura, houvesse muitos repórteres ali, seria uma rota de fuga. Minutos depois, os dois chegaram e, como previsto, havia uma confusão enorme de repórteres na entrada, complicando a passagem, e Anna chegou até a se machucar. Aquilo a assustou muito e a fez entender os motivos do namorado que, provavelmente, havia lido os jornais e sabia o que aconteceria ali. Seu depoimento durou mais de duas horas, pois os investigadores e o delegado tentavam ligar os pontos que pareciam soltos. Ela foi obrigada a repetir a história várias vezes, até que estivessem convencidos e a liberassem. Ainda assim, o delegado informou que ela teria que fazer o reconhecimento do criminoso pelo cheiro e aquilo a assustou, pois certamente ele a reconheceria. Depois disso, Anna Maria foi liberada e saiu com Richard, causando um enorme alvoroço, porque ela era a única testemunha e todos queriam saber o que tinha a dizer sobre o caso. A muito custo, entre empurrões e gritos, Richard conseguiu levá-la até o carro. Anna quase chorou após passar por tanto estresse psicológico, mas mesmo assim manteria sua versão e tentaria ajudar a polícia no que pudesse. As horas que seguiram foram de horror. A portaria de seu prédio também foi tomada pela imprensa, que queria mais detalhes sobre o depoimento. Anna e Zefa ficaram trancadas o dia inteiro sem poder sair do apartamento e Richard também teve dificuldade para retornar, depois do trabalho. Depois de muito insistir, ele confessou que os repórteres também o cercaram na clínica, deixando o local tumultuado. Quando tudo já parecia ruim, uma visita inesperada chegou para complicar ainda mais o
estado de tensão entre eles. Eva, a mãe controladora, apareceu com várias malas, deixando claro que ficaria até Anna concordar em voltar para o Brasil. A apresentação entre ela e Richard foi estranha, e Anna teve que se segurar para não explodir com a mãe. Ela não precisava de mais aborrecimentos. – Eu já disse, Anna Maria Smith! Não saio desse apartamento até você voltar comigo para o Brasil. Estava na cara que se meteria em confusão na primeira oportunidade. Agora é testemunha de um assassinato. Seu pai deve estar se revirando no túmulo. – Mãe, por favor! Você já falou tudo o que queria, por mais de uma hora. Agora quer sentar e se acalmar?! – Eu não quero me acalmar. Apenas quero que arrume suas coisas e volte comigo para o Brasil. Você é uma jovem de família tradicional e está nas páginas de todos os jornais. Papai quase teve um enfarto quando leu a notícia. Todos em São Paulo estão comentando e o nome da nossa família está em jogo. – Se me permite. – Richard disse com o seu sotaque inglês encantador, enquanto Eva andava de um lado para o outro, fazendo um barulho irritante, por causa do salto dos sapatos. Ele provavelmente estava estranhando e assustado com a briga, pois não falava português. – Ah! Quem é você? – Anna ouviu a mãe perguntar em inglês e o coração apertou. Eva continuava tendo o seu ataque de perua. – Sou o namorado dela. – Ela ouviu Richard responder calmamente. – Namorado? – De repente, a sala ficou em silêncio e Anna concluiu que Eva estava avaliandoo. – De que família você vem? Filho de algum congressista, suponho? O que faz para viver? Tem posses para sustentar uma moça criada com tudo do melhor? – MÃE! – Anna Maria gritou, para espanto de todos. – Você não tem o direito de fazer isso. Eu não permito que interfira na minha vida a esse ponto. – Como não? – Eva perguntou desafiadoramente. – Eu sou sua mãe, oras! Você é uma herdeira e precisa se valorizar. Não pode casar com qualquer um, porque acha que se apaixonou. Você nem o conhece e também não faz diferença, porque é cega e não pode ver... – Já chega! – Richard disse em tom autoritário. – Perdão?! – Eva inquiriu. – A senhora pode me ofender da forma que quiser, mas não a ela. – Anna Maria sentiu um enorme orgulho pulsando em seu peito. Richard estava mesmo defendendo-a de qualquer um, até mesmo de sua mãe. – A deficiência dela não a diminui em nada. Ann tem sentimentos, tem fibra, é bonita por dentro e por fora, ao contrário da senhora. Ela não merece ser tratada com tanto descaso. Não merece ser ainda mais ferida por uma mãe egoísta, controladora e interesseira, porque no fundo a senhora só está preocupada com a herança. Nada lhe importa, inclusive a felicidade da sua filha. – Olha aqui... – Eva tentou falar.
– Olha aqui, você! – ele esbravejou. – Eu não sou rico, não tenho um mundo aos meus pés, mas o que tenho e o que ganho são suficientes para sustentar a sua filha. Ela nunca passaria qualquer privação comigo. – Alguém está precisando de um chá calmante? – disse Zefa, cortando a briga. – Doutor Richard? – Ela fez questão de salientar o título dele. – Hum! Você é advogado? Acho que já melhora o quadro. – Mamãe, por favor! – Anna Maria pediu. – Médico! Sou médico, Sra. Eva Medeiro de Albuquerque Brandão Smith. – respondeu em tom desafiador. – E qual sua especialidade? Espero que seja no mínimo um cirurgião renomado. – disse com arrogância. – Eu não acredito, mãe! É o cúmulo da falta de educação. – Anna Maria reclamou. – Eu sou ginecologista e obstetra. – Eva o olhou desdenhosa. – Agora que as apresentações foram feitas, quero ir descansar. Zefa prepara o meu quarto. – ordenou. Anna abraçou Richard, que sussurrou ao seu ouvido: – Eu amo você, mas sua mãe é uma cobra venenosa. Eu admiro muito você ter sobrevivido a ela tantos anos. – O veneno dela já foi arrancado, amor. Pode ficar tranquilo que ela não pica mais. – Anna Maria respondeu. – Tô até com medo de pensar nela, enquanto ainda picava. – Ele beijou sua testa de forma carinhosa e Anna Maria se aninhou em seus braços. – Mas pode deixar que eu tenho um antídoto para picadas de cobras. – Ela riu. – Você é muito espirituoso, sabia? – E você foi muito corajosa por ter sobrevivido tantos anos. Acho que eu já teria cortado os pulsos. – Papai era bem pior. – Oh, meu Deus! Existiu alguém pior do que sua mãe? Realmente, estou muito surpreso de você ser assim tão maravilhosa. Com uma família assim, seria melhor ter inimigos. – Mamãe só é preocupada. – ela defendeu. – Tudo bem. Afinal ela é sua mãe e será o meu castigo por ter jogado pedras no telhado do vizinho. – Anna Maria gargalhou. – Mas se faz parte do pacote, eu aceito com veneno ou sem veneno. Fazer o quê, se te amo tanto.
– Eu também te amo muito! Muito! – Anna sentiu Richard beijando-a intensamente, apertando seu corpo contra o seu, enquanto roubava seu ar e esquadrinhava cada canto da sua boca com a língua. Ela amava aquela deliciosa batalha que travavam, fazendo os corpos soltarem faíscas e quase incendiarem. Ela não abriria mão daquilo por nada no mundo, muito menos pelas crises da mãe.
CAPÍTULO 14
Existe coisa ruim que não pode piorar? Foi isso que Richard pensou quando os quatro se sentaram para jantar. A situação era muito delicada e Anna Maria já estava traumatizada com os últimos acontecimentos – o assassinato, o depoimento e a imprensa –, mas sua mãe só veio para deixá-la ainda mais nervosa. Durante o jantar, Eva reclamou da comida de Zefa para variar, segundo Anna Maria. E ficou olhando de cara feia para ele e para Zefa. Só pelo seu olhar dava para perceber que, se pudesse, a mulher os colocaria para fora, sem perguntar a opinião da filha. Era claro para ele que Eva tinha nascido em berço de ouro, pelo seu linguajar sofisticado e odiava ter que dividir a mesa com pessoas menos importantes do que ela. Zefa fingia não perceber os olhares de reprovação e Anna parecia um coelho assustado. Richard nunca a tinha visto tão quieta e assustada. Ela tinha medo da mãe, mas apesar disso tentava se impor. Mas quem poderia culpá-la? A mulher era uma bruxa. – Bem, temos que fazer os planos de viagem. Zefa pode ficar e cuidar das coisas. Você volta comigo para São Paulo. – insistiu Eva, apesar da discussão anterior. Falou em inglês, após Ann lembrá-la que ele não entendia o seu idioma, porque às vezes ele ficava perdido nas discussões. – Eu já disse que não irei, mãe! – Anna Maria se esforçava para não gritar. Richard percebeu a expressão tensa em seu rosto. Ela estava visivelmente estressada e cansada de discutir com a mãe. – Isso não está em discussão, Anna Maria. Nem que para isso tenha que pedir sua interdição. Eu não suportarei acompanhar todo esse circo pela TV. O que nossos amigos vão dizer? – Richard viu a mulher colocar a mão na boca e fazer uma cena teatral, como se Anna pudesse ver aquilo. Percebeu que Zefa tentava não rir. – Que ela é uma cega muito corajosa? – Richard perguntou para Eva, rindo. Viu que Zefa fazia força para ficar séria. Sabia que ela não aguentaria muito tempo. Zefa sempre fazia graça e aquela seria uma ocasião perfeita. – Escuta aqui, moleque... – ela começou a falar e Richard a interrompeu. – Em primeiro lugar, Sra. Eva eu não sou um moleque. Não sei se percebeu, mas eu passei dos trinta. – ele respondeu sério, encarando a megera. Percebeu que Anna Maria se parecia com ela e, se não fosse cega, teria os mesmos olhos verdes da mãe. Eva era uma mulher lindíssima, mas sua arrogância a tornava desprezível e feia. – Acho que a senhora – Ele fez questão de enfatizar novamente a palavra senhora. –, tem problema para distinguir idades. Talvez um oftalmologista resolvesse a questão. Em segundo lugar, Sra. Eva, eu me casarei com a sua filha com ou sem a sua
bênção. Acho que deveria tentar ser mais sociável comigo, caso contrário não será bem-vinda à nossa casa. – Richard percebeu Zefa sorrir, levantar-se discretamente e ir para a pia. Ele sabia que ela estava quase gargalhando. – Em terceiro lugar, Sra. Eva, Anna Maria é adulta, vacinada, dona das suas faculdades mentais e completamente capaz de decidir a própria vida. Não acho que seja da sua conta se ela vai continuar aqui, na China, em Israel ou no Brasil. – Em quarto lugar, Sra. Eva... – Richard perdeu a linha de raciocínio. – Eu nunca fui tão humilhada. – disse a sogra de Richard, exasperada e fuzilando-o com o olhar. – Isso é ultrajante demais, Anna Maria. Que espécime de homem foi esse que você arrumou? – Eva se levantou bruscamente, bateu o guardanapo na mesa e saiu furiosa. – Você é meu herói, Richard. – Zefa foi dançando até ele. – Anninha, vou dar um beijo na bochecha do seu namorado. – disse e o beijou. – Richard, você deve ser paciente com a mamãe. Com o tempo você aprende a lidar com ela. É só conhecê-la melhor para ver que não é tão má quanto parece. – Será que em mil anos eu me acostumo com essa sogra, Zefa? – ele perguntou para ela, que se acabava de rir. – Mas tudo bem, amor. Por você vale até deixar sua mãe me picar vez ou outra. – Você é mau, Richard. – Anna disse se sentando no colo dele. – Não conhecia esse lado perverso. – Ela beijou-lhe no rosto. – Tá vendo, Zefa?! O que uma sogra mala não é capaz de fazer. Logo eu, praticamente um lorde inglês, bem-educado, lindo e gentil... – ele disse de forma debochada. – Mas só falta o título de nobreza, Dr. Richard. – Zefa gargalhou e Anna acabou ficando mais solta e se permitiu cair na brincadeira. – Amor, você se esqueceu de dizer que também é modesto, né? – Anna brincou. – Modéstia é o meu nome, minha doçura. – Richard a beijou intensamente, então Zefa os cortou. – Vamos acabar com esse agarramento na cozinha, oh lorde inglês! Se dona Eva te pega na cozinha, dando uns amassos na filha coitada e com essa cara de tesão... – Ela fez um breve silêncio. – Sei não, Richard! Sua sogra manda te castrar. – Você é exagerada, Zefa! – Anna Maria ralhou. – Quer testar a teoria, Anninha? Ficará sem o seu parque de diversões antes de brincar na montanha-russa. – Richard gargalhou ao ouvir aquilo. – Zefa você não existe. – ele comentou. – E você é muito sonso, doutor. – Zefa piscou para ele, que riu achando graça da sua perspicácia e senso de humor. Ela era uma mulher realmente notável. Quando seu pensamento se voltou para Eva, pressentiu que teria muito trabalho para arrancar o veneno da sogra, mas não estava com pressa e tinha todo o tempo do mundo para brincar com uma cobra. Só precisava tomar cuidado para não ser picado por ela, pois seu veneno poderia ser fatal. Ele não estava disposto a perder sua Ann... Não mesmo.
***
O assassino andava de um lugar para outro impaciente. Parte do seu plano havia sido bemsucedido, mas ele não contava com uma testemunha. Queria prejudicar a produção, afastar os patrocinadores, amedrontar as belas jovens que faziam parte da companhia e assim prejudicar o maestro. Era uma questão pessoal. Ele se infiltrou ali com aquele único objetivo e havia, de certa forma, conseguido o que pretendia. O único problema era a cega... “Será que ela tinha como reconhecê-lo?” A polícia não daria tanta importância para a moça se não houvesse algo que eles pudessem usar. Ele ficou irritado! Foi um maldito estúpido por não ter acabado com ela ali mesmo. Atingiria mais rápido o seu objetivo, com dois assassinatos e uma repercussão midiática. Ele atirou a lata de cerveja contra a parede com raiva. Agora tinha que limpar a própria sujeira. Não tinha como contratar ninguém para fazer o serviço. Ele sabia que, se sua identidade fosse descoberta, tudo estaria perdido; sua reputação, dignidade e, principalmente, a liberdade que tanto prezava. A única saída seria eliminar a testemunha rapidamente. O único problema seria apenas o namorado dela. Ele já o tinha visto muitas vezes, quando ele a acompanhava aos ensaios e, agora com toda a repercussão, a foto dos dois estava estampada em todos os jornais. Certamente, ele não a deixaria sozinha e seria difícil chegar até ela. Ele respirou fundo, andou pelo quarto pequeno, escuro e úmido. Depois de algum tempo inquieto, decidiu agir. O primeiro passo seria ficar de tocaia em frente ao prédio de Anna Maria Smith. Ele faria isso e encontraria uma maneira de eliminá-la. Isso tornaria as coisas mais interessantes, pensou e sorriu. – Essa produção não vai sair, maestro Derrier. – gargalhou. – Você gastou tempo, prestígio e dinheiro, mas tudo será em vão. Esse espetáculo não vai acontecer, nem que para isso tenha que matar um por um.
CAPÍTULO 15
A semana que se passou foi tensa. Anna Maria não pôde sair de casa, por causa do assédio da impressa, e não conseguia se concentrar para ensaiar. A mãe fez questão de transformar sua vida em um inferno, insistindo a todo o momento para que ela voltasse ao Brasil. Nos dois primeiros dias, a relação entre Richard e Eva só piorou, visto que a mãe fazia o possível para irritá-lo. Assim, para evitar mais embates, ele se afastou do apartamento e só manteve contato com Anna por telefone, deixando-a ainda mais chateada com a situação. Na sexta-feira, ela já estava a ponto de explodir e não suportava mais ficar lá. Precisava urgentemente sair para espairecer e, principalmente, manter distância da mãe, antes que perdesse a cabeça. Era impossível aguentar tanta pressão 24h por dia e, pior ainda, ficar longe do homem que amava, para evitar mais conflitos. Zefa com sua perspicácia e jogo de cintura, teve uma ideia que fez Anna respirar aliviada. Richard combinou de passar no sábado para saírem a passeio e não iria ao apartamento. Além da sogra insuportável, ainda tinha que driblar a imprensa para conseguir chegar até ela. Sabendo disso, Zefa ligou para ele na hora do almoço e pediu que passasse no apartamento por volta das oito. Ela havia ouvido Eva combinar de sair para jantar com alguém e sabia que ela chegaria tarde, pelo estado de excitação que estava naquele dia. Aquela seria a deixa para Anna Maria escapar, sem que a mãe percebesse. – Eu sou um gênio! – exclamou Zefa, batendo palmas, toda animada. – É por isso que te amo, Zefa. – Anna a abraçou e beijou. – Agora me ajude a preparar a mala. Vamos colocar o suficiente para eu passar duas semanas. Nunca se sabe quando mamãe pode se cansar e partir. – Deixa isso comigo. Em dois tempos consigo preparar tudo e o que faltar posso levar depois. – Zefa ficou pensativa por um momento e se calou. – Se bem que eu duvido que você vá precisar de toda essa roupa. Acho mais indicado uma lingerie e um roupão. – ela deu um risinho e Anna Maria sentiu sua bochecha esquentar de vergonha. Ela sabia muito bem o que a amiga estava insinuando. – Zefa! – Anna advertiu um pouco sem jeito. – Você e o doutor gostosão não terão tempo para ficarem trocando de roupa, meu doce. – Zefa dizia, enquanto separava as roupas para Anna Maria, que estava sentada ouvindo os seus desatinos. – Tenho certeza de que encontrarão coisa melhor para fazer... Sem roupas. – Você só pensa nisso, Zefa?! – questionou Anna Maria.
– Não! Penso em coisas mais interessantes, mas agora não é hora para falar sobre isso. Pega as coisas no banheiro, enquanto eu separo as roupas. – Tudo bem. Deixa-me pegar algumas coisas e arrumar a minha nécessaire – disse Anna, saindo do quarto para arrumar as coisas. Elas passaram algum tempo arrumando tudo para a fuga. Anna estava muito excitada com a possibilidade de tirar umas férias da mãe e mudar de ares, mas sua grande motivação era um médico maravilhoso com quem passaria alguns dias. Pensar em ficar sozinha com Richard e poder viver tudo o que o seu coração exigia, deixava-a muito ansiosa e fazia a adrenalina correr pelo seu corpo. O restante do dia se arrastou e, quando Richard chegou, já passava das oito horas. Anna sentiu o seu cheiro irresistível e, ainda na porta do apartamento, recebeu um beijo ardente e apaixonado. Ele demonstrou toda a saudade através daquele beijo impetuoso. Imprensou-a na parede e tomou seus lábios com sofreguidão, como se aquele fosse o último beijo. Os movimentos de sua língua eram desesperados, arrancando toda sanidade de Anna Maria, que se entregou a toda àquela luxúria e se esqueceu de tudo... Até mesmo da fuga. Os dois estavam tão agarrados, que não dava para descrever onde começava um e terminava o outro. – Ann... – Richard sussurrou tempo depois, quando finalmente interromperam o beijo. Os dois estavam ofegantes, tremendo e queimando pela paixão avassaladora. A cada semana que passava sem se verem, a coisa ficava ainda mais intensa e o fogo se alastrava por cada célula de seus corpos. Eles sentiam muita saudade e ela explodiu naquele beijo desesperado. – Estava com saudade de você, meu amor. – Oh, Richard! – Ela se aninhou em seus braços, tentando se acalmar depois da paixão abrasadora. – Eu te quero tanto. – Ela levou as mãos ao rosto dele, tateando sua face para enxergar o homem que amava. – Eu também te quero, meu amor. – ele respondeu docemente, abraçando-a com ternura. – Então, me beija mais. – respondeu ela. – Minha boca sentiu falta da sua a cada hora que se passou. Richard segurou o rosto de Anna com as duas mãos e voltou a beijá-la, agora com ternura, fazendo amor em cada toque suave de seus lábios. Os dois foram interrompidos por Zefa, quando o beijo começava a ganhar ritmo e se intensificar novamente. – Hummm, huummm! Eu não queria interrompê-los, mas acho melhor se apressarem. Nunca se sabe quando a cascacu pode aparecer e começar a jogar o seu veneno. – Hã? – Anna ouviu Richard questionar. – Nós vamos fugir, meu amor. – esclareceu ela. – Já preparei as malas, com tudo o que posso precisar para umas duas semanas. Se faltar mais alguma coisa, Zefa leva depois. – Isso está ficando interessante. – comentou ele com o sotaque inglês encantador e o coração de Anna só faltou sair pela boca. Amava aquele sotaque. Amava tudo naquele homem. – Quer dizer que vamos fugir? Como Romeu e Julieta? – ele perguntou, rindo.
– Isso não é uma peça de Shakespeare e está longe da tragédia, amor. Quero você bem vivo para me amar. Agora vamos fugir, antes que mamãe apareça e estrague tudo. – Eu estou me sentindo um adolescente, tendo que fugir com a namorada. – riu ele. – Onde estão as malas de Ann, Zefa? – Está tudo preparado no quarto dela. – respondeu Zefa. – Então vou buscá-las. Quero chegar logo em casa e poder aproveitar o resto da noite com meu amor. – Anna sentiu o cálido beijo em sua mão, quando ele terminou. Richard a deixou com Zefa e foi buscá-las. Dinho se postou do lado dela, percebendo que iriam sair, e Zefa lhe entregou um paletó com a chave da casa e o telefone celular. Não demorou muito para Richard voltar. – Cuida bem da minha menina, doutor. – disse Zefa. – Se a fizer sofrer, terá que se ver comigo. Então, acho bom fazê-la feliz. – Tudo bem, Zefa. Eu a amo demais para fazê-la sofrer. – respondeu. – Coloquei camisinhas na nécessaire. Acho que vão precisar – Zefa deu um risinho debochado e Anna sentiu o rosto queimar de vergonha. Ela engoliu em seco e quis sacudi-la por sua indiscrição. – Bem... – Richard gaguejou. – Estamos indo. – Ele estava obviamente sem graça com aquilo, por mais que já estivesse acostumado com as graças de Zefa. Percebendo a saia justa, saiu sem responder a provocação.
CAPÍTULO 16
Anna Maria e Richard chegaram ao seu apartamento, na Quinta Avenida, ansiosos. Ela sabia o que iria acontecer entre os dois e estava mais do que preparada para aquilo. Era uma mulher corajosa, decidida e dona do seu próprio nariz. Não precisava de permissão de ninguém para ir para a cama com o homem que amava. A cada minuto que se passava, tinha mais certeza de sua decisão. Richard era o homem da sua vida e queria se entregar de corpo e alma, apesar de se conhecerem há pouco mais de um mês. O curto período de tempo não era capaz de limitar o desejo do seu corpo, quando o sentimento era algo palpável demais. Em seus braços, se sentia mais mulher. Seu corpo queimava a cada beijo que trocavam e nada lhe faria mais feliz do que se entregar incondicionalmente. Por um momento, Richard a deixou sozinha na sala e levou as malas até o quarto. Quando voltou, beijou sua nuca com a suavidade de uma pena. Os lábios a fizeram sentir cócegas e Anna riu. – Primeiro, deixa eu lhe mostrar todo o apartamento. – disse ele, praticamente sussurrando em seu ouvido. Sua voz agora assumia um timbre sedutor, com o sotaque charmoso que a cativava, deixando-a totalmente amolecida e entregue. Ele conduziu-a, juntamente com Dinho, em cada cômodo e ela admirou-se por ele morar em um lugar tão grande. Ele tentou deixá-la mais à vontade possível e foi ensinando ao cão como conduzila. Aquilo não era suficiente, ambos sabiam. Mas se o cão aprendesse os caminhos necessários, ela os aprenderia depois, contando os passos e encontrando objetos que lhe servissem de referência. Voltaram para a sala e Richard colocou música ambiente. Ao som de Frank Sinatra, ele a conduziu, com passos lentos. Agora os dois estavam sozinhos, enamorados, em um clima de total sedução, rodopiando pelo local. As mãos de Richard acariciavam a pele suave, deixando-a arrepiada; seus lábios esquadrinhavam o caminho entre o seu colo e a sua boca, beijando a pele com suavidade. Anna percebia todo o corpo reagir, quase amolecido, sem resistência ao entregar-se por completo aos seus toques e beijos. A música a deixava ainda mais relaxada, fazendo-a se perder em um manancial de emoções, outrora desconhecidas, mas que agora eram desbravadas por um descobridor cauteloso e meticuloso. – Richard... – ela sussurrou nos braços dele e sem perceber estava gemendo. – Eu te quero. – Paciência, meu amor... Muita paciência. – Seus lábios continuavam atarefados, explorando seu pescoço, como um vampiro em busca da veia perfeita. – Humm... – mais um gemido fugiu de seus lábios, sem que ela tivesse qualquer controle e
simplesmente agia de acordo com as reações do seu corpo aflito de paixão. Ele a levou até o sofá e a sentou com cuidado. Impaciente, Anna Maria ficou aguardando alguns minutos, sem saber o motivo da interrupção. Quando ele voltou, estava com duas taças e colocou uma em suas mãos. – Champanhe. – disse ele. – Para comemorar a nossa fuga. Só de pensar em sua mãe, quando descobrir, tenho vontade de comemorar. – riu. – Você é mau, Richard. – comentou ela, levando a taça aos lábios. – Só um pequeno susto, amor. Ela não vai morrer do coração. Vaso ruim não quebra fácil. – continuou com aquele tom zombeteiro. – Você tem que me prometer que se dará bem com a mamãe. – Anna pediu com jeitinho. – Ann, você sabe que eu faço tudo por você. Se sua mãe está incluída no pacote, eu aceito... Mesmo que ela me pique no futuro. – continuou brincando. – Quando ela perceber que você me ama de verdade vai te aceitar. – Ela já percebeu, amor... Já percebeu. – Anna se incomodou com o silêncio que veio depois. – O que foi? – Sua mãe está preocupada com o dinheiro. Rico quando se casa é para juntar a riqueza. Ela não quer que o seu dinheiro saia de suas mãos. Por ela, você se casaria com algum herdeiro e faria um ótimo negócio sendo a esposa perfeita. Ela tem poder sobre a sua herança e não quer perder isso. Acha que sou um aproveitador, querendo me dar bem com uma pobre cega. Isso é complicado para mim, sabe? Quando ela me olha daquele jeito... – Que jeito? – Como se eu fosse um caçador de fortuna. – Não liga. – ela pediu e levou uma das mãos ao rosto dele. – Eu estou vendo você. Sei que ficou tenso. – Eu não ligo. Provarei para a sua mãe que posso sustentá-la com o que tenho. – Isso aí, meu herói! – ela o estimulou. – Você não disse que não estávamos em uma peça? – Ela o ouviu rir. – E não estamos, amor! Mas você não deixa de ser o meu herói. – Sempre! – Vários beijos foram distribuídos pelo rosto de Anna Maria, que riu achando graça daquilo. – Eu quero te pedir uma coisa. – Você pode me pedir tudo, Richard. – Eu estive conversando com alguns oftalmologistas e cirurgiões sobre o seu caso. Eles acham
que podem ajudar com novas técnicas, mas precisariam fazer alguns exames para saber o seu quadro clínico. Você iria comigo? – Anna Maria percebeu o tom cauteloso em sua voz. Ficou nervosa com aquela conversa. Não queria pensar que sua cegueira era um impedimento para o relacionamento. Seu coração se apertou angustiado. – Não quero te magoar. – Richard se retratou. – Você não está me magoando. – Sua expressão não me diz isso. Seu sorriso se fechou e sua face ficou tensa. Nesse exato momento, você acaba de morder os lábios. Sempre faz isso quando está nervosa ou constrangida, Ann. – Minha deficiência é um problema para você, Richard? Seja sincero comigo. – Anna Maria sentiu as lágrimas se formando no canto dos olhos e fez o impossível para não chorar. Imediatamente, ele acariciou o seu rosto, com carinho. – Eu amo você do jeito que é, mas acho um desperdício não poder enxergar a beleza que existe nesse mundo. Queria tanto poder te mostrar a lua cheia resplandecente que parece cantar para os apaixonados. Um pôr do sol à beira de um penhasco ou de uma praia paradisíaca, de tirar o fôlego. O sorriso de uma criança ao ganhar um brinquedo... Queria tanto que pudesse enxergar a carinha do nosso filho. – Anna chorou e Richard a abraçou protetoramente, depois de colocar as duas taças na mesa de centro. – Ann, uma vez me disse que a única coisa que a amedrontava, de verdade, era a maternidade. Disse que não queria ser mãe, porque não saberia como cuidar de um bebê totalmente dependente de você, quando você mesma tinha dificuldade com grande parte das coisas. Eu quero que você possa ter um filho e ver a beleza da criança em cada sorriso. – Até os meus dez anos meus pais tentaram, Richard. – Anna Maria respondeu, chorando. – A medicina não estava tão avançada como está hoje. Você pode fazer transplante de córnea ou algum outro recurso. Acho que seus pais foram negligentes com você. Simplesmente preferiram desistir. Eu escolho lutar por você e pelo seu bem-estar, Ann. – Oh, Richard! Eu irei com você, prometo. Agora só me ame. – Anna pediu. Ele a deitou no sofá com toda delicadeza e a beijou intensamente, explorando cada canto de sua boca. Os dois travaram uma batalha deliciosa, com o serpentear de línguas voluptuosas, que faziam amor em cada movimento desesperado. Richard se deitou sobre ela, unindo seus corpos em uma dança sensual e proibida, com movimentos libidinosos e prazerosos que fizeram o corpo de Anna despertar para uma sensualidade desconhecida.
CAPÍTULO 17
Richard a pegou no colo com delicadeza e a carregou pelo apartamento, até chegarem ao quarto. Ele a beijava enquanto caminhavam, sussurrava promessas de amor, dando-lhe a certeza de que aquele era o passo certo a ser dado. Estar nos braços dele fazia com que se sentisse viva pela primeira vez na vida. Ela queria, desesperadamente, dar vazão a todo aquele sentimento, que consumia cada célula do seu corpo, roubando-lhe o ar, atiçando a sensualidade, inibindo a libido. Anna Maria apenas queria ser amada intensamente, como nos romances que Zefa costumava ler quando era mais jovem. Viver um amor daqueles era mais do que um sonho e ela nunca achou que fosse possível. Nunca pensou que pudesse encontrar a sua outra metade e sentir-se tão livre ao expressar a intensidade do desejo que seu corpo sentia. Mas com Richard tudo era tão natural, que não tinha pudor. Ela sabia que ele compartilhava daquele sentimento e era capaz de lhe presentear com algo inestimável e inesquecível... Seu amor. Ela sentiu a maciez da roupa de cama ao ser deitada com todo o cuidado. Ele era sempre muito carinhoso e cuidadoso com ela. Mesmo odiando quando a tratavam com diferença, Anna Maria amava seus cuidados, que a fazia se sentir como um cristal muito precioso. Respirou fundo e inalou o cheiro maravilhoso do homem que amava impregnado no local. Aquele cheiro que a cativou no primeiro momento em que estiveram juntos. Estava completamente inebriada por estar no local mais íntimo de Richard. O beijo em seus lábios veio sem perceber, tirando-a completamente do estado de êxtase em que se encontrava, ao inalar o doce perfume do ser amado. Sentiu o peso do corpo dele cobrindo o seu e o puxou ainda mais para si. Passou os dedos por entre os fios sedosos de seus cabelos, suas pernas laçaram a cintura dele, instintivamente, puxando e prendendo-o ainda mais, fazendo com que estivessem completamente colados. Ela sentia os movimentos sensuais dos quadris dele, causando uma fricção em suas partes íntimas. Tudo acontecia ao mesmo tempo e Anna mal teve tempo para assimilar a situação. Estava completamente entregue àquele homem, que a conduzia com maestria a patamares de prazer que seu corpo desconhecia. – Te quero... – ela sussurrou em português, despercebida. – También te quiero. – Richard respondeu em espanhol, sem perceber que não estavam falando o mesmo idioma. Os dois continuaram se beijando por longos minutos, em uma busca constante e avassaladora
pelo prazer. Quando estavam sem ar, Richard finalmente interrompeu o beijo. – Você é muito especial, sabia? – sussurrou ofegante, no seu ouvido. Ele deu uma leve mordida em seu lóbulo e Anna gemeu sentindo prazer naquele gesto tão sensual. – Faz amor comigo, Richard. – pediu ela. – Tudo o que mais quero é fazer amor com você, Ann... Sempre. – Ela sentiu seus lábios distribuindo beijos pelo seu rosto e deu uma risadinha. – Tudo o que mais quero é ter você para mim, meu anjo. – Eu nunca achei que fosse amar assim na vida. – Eu sempre soube que um dia você chegaria. Quando te vi pela primeira vez, senti algo diferente. Eu quis tanto te abraçar naquele dia. – Então me abrace, me beije e faça comigo o que você quiser. Sou completamente sua, hoje e sempre. – Você tem certeza? Não quer esperar um pouco mais? – Richard em toda a sua dignidade e cavalheirismo lhe deu uma última oportunidade de desistir. Mas Anna estava completamente convicta do que queria e morreria por uma noite com ele. Não havia mais a possibilidade de uma vida sem ele e voltar atrás era algo impensável. Ela o amava demais. – Tudo o que quero na vida está aqui. Faça-me sua mulher, Richard. – Anna ordenou. – Seu pedido é uma ordem, meu anjo. – Ele voltou a beijá-la novamente, dessa vez sem ternura e piedade. Anna Maria percebeu que aquele homem tinha uma pegada forte e não sabia identificar onde as mãos dele estavam, pois elas passeavam pelo seu corpo, deixando um rastro de fogo e lascívia em cada local. Os quadris dele se mexiam, como se ele estivesse dançando e ela, aos poucos, foi acompanhando aquele ritmo frenético. Seus quadris ganharam vida própria, acompanhando aquela dança sensual. Quando se deu conta, Richard já estava tirando suas roupas, peça a peça, enquanto esquadrinhava o seu corpo e distribuía beijos, deixando uma sensação de quero mais por sua pele desejosa. A blusa e o sutiã foram arrancados, depois a calça, deixando-a somente de calcinha. Cada peça que saía a fazia queimar ainda mais pelo contato dos lábios dele, que fazia questão de beijar e sugar. Por fim, estava completamente nua, à sua mercê. Anna Maria sentiu os lábios quentes sugando os seus pequenos seios e gemeu com aquela nova sensação. Enquanto sugava um seio, como um bebê faminto, Richard apalpava outro de forma sensual, o que lhe arrancava gemidos de prazer. Seus dedos passeavam pelos cabelos dele e ela tentava não puxá-los, quando seu corpo insistia em explodir durante algo mágico, que a fazia se sentir em combustão. Ela sentia tanto calor, que teve medo de não suportar as sensações intensas que a faziam gritar sem pudor. – Oh, Richard! – Ela se contorceu embaixo dele. – Goza para mim, meu anjo. – A voz dele agora assumia um tom tão sedutor, que a fez gemer
novamente ao seu comando. – Eu quero... – disse ela, gemendo de forma manhosa. – O que você quer, meu bem? Diga para mim tudo o que você quer, Ann, e eu te darei, juro. – Eu quero você! Quero você! Quero você! – ela repetia como se estivesse rezando um mantra e gostou do riso de Richard. Sentiu os lábios dele alternando entre beijos, chupões e mordidas em sua barriga. A sua mão acariciava a parte interior da sua coxa, deixando um rastro de labaredas de fogo, como se lavas vulcânicas estivessem escorrendo pela mata, desbravando e aniquilando tudo que estivesse em seu caminho. As mãos dele queimavam sua pele, fazendo Anna Maria gemer ainda mais, quase gritando. – Mais, por favor! – ela implorou. Anna sentiu os lábios dele em sua coxa, dispensando o mesmo tratamento dado aos seios e a barriga, fazendo-a gritar. Richard era um amante muito habilidoso e tinha certeza que morreria por mais daquilo, muitas vezes. Cada toque ou beijo levavam-na para um estado de transe, como se fosse uma drogada, totalmente entorpecida e agindo sob seu efeito. Não havia mais controle algum sobre o seu corpo. Era pura luxúria em forma de mulher. – Abre as pernas para mim, amor! – O cavalheiro inglês, assumindo a face de um lorde libertino, dizia de forma sedutora. Anna Maria amou aquele timbre tão sensual e audacioso; e seu corpo obedeceu instintivamente, fazendo as pernas se arreganharem como em um passe de mágica. – Lembra quando você foi se consultar, toda envergonhada e quase morreu para explicar que ainda era virgem? Ali, eu fiquei curioso para conhecer a sua particularidade. Quando te examinei fiz uma força extraordinária para não te tocar de forma indecorosa. Tive tanto cuidado e medo de te assustar. Agora, meu amor, eu não tenho medo. Eu vou te tocar de uma forma que você nunca mais se esquecerá e todas às vezes que se lembrar desse momento, você ficará ruborizada de vergonha. – Richard... – Anna tentou falar. – Não, amor! Não fale nada. Só sinta. Sinta todo o prazer que posso te dar e se entregue sem receio. Tente relaxar o máximo que puder. Farei o possível para não te machucar, prometo. Anna sentiu os dedos dele tocando sua sexualidade com ousadia, fazendo movimentos circulares pelo seu clitóris. Aquilo lhe trouxe um prazer novo, diferente e colossal, que a fez gritar ao chegar ao orgasmo. Ele abriu seus “lábios” e foi massageando até que ela explodisse em mais um orgasmo, que fez o vulcão explodir e soltar labaredas por toda a cama. Não havia mais nada que pudesse conter a fúria implacável, que a contorcia sobre a cama, gemendo, gritando, chamando pelo nome do homem que amava. Quando o toque quente da língua dele alcançou o epicentro causador daquela fúria, a alma de Anna gritou junto com ela, fazendo-a pela primeira vez, ver milhares de pontos brilhantes, em uma explosão de sentidos e sentimentos. Ela gritava e chorava a cada investida da língua de Richard, fazendo-a se aproximar de outro orgasmo. Aquilo era mais do que poderia suportar e a enlouquecia, pois achou que fosse explodir em mil
pedaços. Àquele ponto estava exausta demais, e ele finalmente lhe deu uma trégua pequena, para que pudesse respirar um pouco mais devagar e recuperar os sentidos tão prejudicados pelas sensações inexoráveis da paixão dele. – Ann?! – Ela o ouviu chamar com veemência. – Eu agora a farei minha mulher. Será um pouco desconfortável e se pudesse tomaria a dor para mim. Peço que fique tranquila e relaxe. Quanto mais relaxada estiver, mais aproveitará esse momento. Você está me ouvindo, meu anjo? – perguntou Richard, preocupado. – Hum! Hum! – Coloquei a camisinha para te proteger. Você não está tomando nenhum remédio e por enquanto faremos assim. Depois estudaremos outra maneira de proteção. – Ele falava, mas ela estava completamente entorpecida e alheia a tudo. Não se importava com mais nada naquele momento. Quando Anna Maria percebeu, ele já estava deitado sobre ela, beijando seu pescoço com carinho e acariciando o seu seio. Foi despertada novamente, por aquela sensação incendiadora queimando a pele. Uma leve pontada em sua sexualidade a fez tomar consciência de que era chegada a hora. – Te amo. Te amo demais. Você é tudo para mim. – ela falava em português, sem se dar conta de que Richard não entendia o idioma. Ele foi penetrando pouco a pouco, enquanto sussurrava em seu ouvido e acariciava seu corpo. – Te quero sempre, Richard. – Mais uma pequena investida. – Eu sinto você... – Anna riu. – Eu sinto você... – E ele estava todo lá. Ela não teve dor, apenas um leve incômodo. Quando sentiu aquela sensação única de estar ligada intimamente ao ser que amava, as lágrimas rolaram pelo seu rosto instantaneamente. – Eu sinto você como se fosse parte de mim. – Você está chorando, amor? – Richard perguntou, preocupado. – Eu estou tão feliz! Estou sentindo você, Richard. – respondeu, entre risos e lágrimas. – Eu também estou sentindo você, meu amor. – Anna Maria colocou suas mãos no rosto dele para ver a sua expressão naquele momento. – Também vejo você. – ela riu. – Você parece feliz. Está sorrindo. – E como eu não estaria feliz? – questionou ele. – Agora, eu sou sua. – Você sempre foi minha... Sempre. – Richard distribuiu selinhos em seus lábios e ela riu. – Agora eu vou me mexer e, se te machucar, você fala. – Você nunca me machucaria. – Nunca! Ele deslizou para fora do corpo dela devagar e depois entrou novamente. Repetiu o movimento várias vezes e, aos poucos, ela acompanhou o ritmo, mexendo-se junto com ele. Os dois se beijaram mais uma vez, em uma explosão de paixão voraz, enquanto se moviam um contra o outro em busca
pelo prazer. Eles estavam entrelaçados, queimando e exalando o cheiro embriagador do amor. Os lábios se devoravam mutuamente, sem deixar brechas para mais nada que fosse compartilhar aquela luxúria alucinante e impiedosa. Juntos eles alcançaram o êxtase, explodindo labaredas de fogo por todo o quarto. Finalmente se tornaram uma só carne, feita de muito amor e lascívia.
CAPÍTULO 18
Anna Maria estava deitada sobre Richard, ainda preguiçosa depois do amor intenso que fizeram. Sentia os dedos suaves dele acariciando suas costas com ternura. Com a respiração irregular, nenhum dos dois tinha se recuperado. Além disso, estavam suados e exalando o cheiro forte e inebriante de sexo. Ela tinha preguiça até de se mover naquele momento, de tão cansada que estava. – Te amo! – sussurrou dengosa. – Te amo muito mais, meu anjo. – ele respondeu, ainda brincando com os dedos em sua pele. Agora não havia mais aquele fogo se alastrando, mas, sim, uma sensação gostosa de letargia. – Preciso banhar você. – Ela o ouviu dizer. – Hum! – Me deixa preparar um banho morno para você se refrescar e se recuperar. – Ele a tirou delicadamente de seu corpo e saiu, deixando-a com uma sensação estranha de vazio. Minutos depois, Richard retornou e Anna percebeu que seu corpo foi arrematado e carregado como se fosse uma criança. Depois a sensação de água morna em sua pele foi um bálsamo, deixandoa completamente relaxada. Estava deitada em algo que se parecia uma banheira, enquanto ele prendia seus cabelos. A mão suave dele foi percorrendo sua pele, com um líquido cremoso e cheiroso, deixando o corpo limpo e perfumado. Ela permitiu que ele cuidasse dela, porque gostava daquela atenção. Desde criança, não permitia que ninguém lhe desse banho e sentir Richard cuidando do seu corpo com minucioso cuidado, a fez se sentir especial. O deslizamento dos seus dedos delicados por seu corpo lhe causava pequenos arrepios, deliciosos e excitantes. – Isso é tão bom. – Anna Maria sussurrou. – Adoro tocar sua pele, Ann. – Ela sorriu. Amava quando Richard a chamava de “Ann”. A abreviação do seu primeiro nome nos lábios dele soava de forma muito sexy. – Amo ser tocada por você. – respondeu sem pudor, enquanto ele lavava com cuidado a sua parte mais íntima. Ela achou aquilo um tanto ousado, mas também gostou de saber que ele se preocupava com ela e queria tirar todo e qualquer rastro de sexo daquela região. O toque sensual a fez desejar mais e mais, ao sentir os dedos trabalhando de forma eficaz e profissional. Ali não era somente o homem e, sim, o médico competente que entrava em ação. – Quero fazer amor com você novamente.
– Hoje não, anjo. – ele respondeu, calmamente. – Sua pele está machucada. Vou deixá-la se recuperar. Amanhã, talvez... Antes de tudo, eu sou médico e sei os efeitos contraditórios para a mulher. Agora só quero cuidar de você. Deixe-me apenas fazer isso. – Tudo bem, doutor. – ela respondeu. Depois de banhá-la, ele entrou na banheira e Anna percebeu que tentou se ajeitar junto ao seu corpo. Richard a pôs sentada em seu colo, apoiando suas costas em seu peito. Ele massageou salientemente os seus seios e novamente uma pequena fagulha fez seu fogo acender e se espalhar. Ele virou o rosto dela, possibilitando beijar os lábios e a beijou com ternura por um bom tempo, enquanto massageava o seio excitado. – Humm. – gemeu de forma manhosa. – Você é maravilhosa, Ann. Não deixe nunca que sua mãe diga o contrário. – Eu não sou maravilhosa, Richard. – Você é linda, perfeita e nasceu para ser adorada. – comentou ele, depositando beijos sobre seu ombro. – Você é exagerado, Richard. – respondeu. – Vejo mulheres todos os dias e nunca meus olhos foram contemplados com essa visão tão linda. – Você é um exímio galanteador, meu amor. – Só com você... Só para você. – Richard ficou massageando o seu corpo e Anna ficou completamente mole. Quando percebeu, já havia dormido em seus braços, dentro daquela banheira.
***
Richard deixou-a na cama e levantou cedo para ir fazer compras. Queria preparar um café da manhã digno de uma rainha. Sua Ann merecia aquilo. Voltou por volta das dez horas, arrumou as compras e depois preparou uma bandeja com frutas variadas, brioche, suco de manga e muffins. Colocou uma rosa na bandeja e foi até o seu quarto. Dinho o seguia pelo apartamento, tomando conta em cada passo, como se ele fosse fazer algum mal para a sua dona. Os dois entraram no quarto, ele deixou a bandeja com o café em um aparador no canto e foi acordar seu amor. Vê-la dormindo tão tranquila, deixava-o feliz. Anna Maria era linda demais. Ele não se cansava de olhá-la e admirar tamanha beleza, que a fazia parecer um anjo. Ela possuía uma boca miúda, em formato de coração, o nariz pequeno e arrebitado, maçãs do rosto salientes, as sobrancelhas grossas e esculpidas, os olhos pequenos e apertados. Seus cabelos castanhos de um tom claro – mas que não chegavam a ser loiros – eram lisos e batiam no meio das
costas. Tinha estatura pequena e era bem magrinha. O corpo não era de uma modelo, com curvas perfeitas, seios enormes e longas pernas torneadas. Mesmo assim, seu corpo miúdo era lindo demais e olhar para ela nua, em sua cama, o fazia se sentir abençoado. Ann era muito parecida com a nova duquesa inglesa Kate, a esposa do príncipe William, mas havia nela algo muito mais encantador e sublime, talvez fossem seus olhos de homem apaixonado... Ele a achava perfeita. – Bom dia, dorminhoca! – Ele a acordou com beijos pelo pescoço. Amava sentir as reações do corpo dela quando fazia isso, deixando-a totalmente arrepiada e entregue. Foi distribuindo beijos até chegar aos lábios. – Hum, não! – resmungou de forma preguiçosa. – Hora do café, amor! Se quiser, podemos ainda sair e aproveitar o dia ou ficar na cama e fazer um amor gostoso. – disse, sugestivamente. – Eu prefiro a segunda opção. – Anna Maria abriu os olhos e ele viu mais uma vez as órbitas esbranquiçadas. Ela sorriu lindamente e começou a tateá-lo para saber como estava o seu humor. Ele amava quando fazia aquilo. Ela via seu riso, sua tristeza e a preocupação através do toque de seus dedos. – Você está lindo hoje. – Ela o puxou para si e ele, atendendo ao convite, deitou sobre o seu corpo. – Você é maravilhosa. – Distribuiu beijos pelo rosto dela, que deu risinhos. Ele amava quando ela ria daquele jeito espontâneo. Ficava ainda mais divina com aquele sorriso imenso nos lábios. – Agora precisa se alimentar. – Estou faminta. – declarou. – Pois bem... – Ele se levantou, caminhou até a bandeja com o café da manhã e ajeitou na cama, para que ela pudesse se servir. Nesse momento, o cachorro choramingou e ela virou o rosto. – Ele está com fome. Em uma das malas tem uma bolsa com ração. Zefa trará mais depois. – Então, se alimente e me deixe cuidar desse garotão. – Ele se levantou. – Vem, amigão! – chamou o cão, que o seguiu. Richard pegou a mala, abriu, tirou a bolsa com ração e os dois foram para a cozinha. – Richard, você precisa levá-lo para fazer as necessidades. Tem sacolas na mala, para recolher a sujeira dele. – Ele ouviu sua Ann gritar do quarto.
CAPÍTULO 19
Depois de alimentar o cão, ele pegou a coleira e foram passear por Nova Iorque. Andaram um pouco pelo Central Park e o cachorro pôde se aliviar. Ele recolheu os restos e jogou em uma lixeira. Quando saíram dali foi procurar uma loja de animais. Precisava dar banho nele, se quisesse o apartamento limpo e cheiroso. Ali percebeu o trabalho e a responsabilidade de Anna com seu melhor amigo. Não bastava apenas alimentar, mas tinha que cuidar e dar carinho. Uma hora depois, Dinho estava de banho tomado, pelos tosados e bem satisfeito. Ele comprou uns brinquedos, para garantir que ele não ficasse atrás dele e de Anna na casa. Se bem que não tinha muita esperança de privacidade. Sabia que o cão seria presença constante. Quando voltou ao apartamento, a bandeja estava sobre a mesa e Anna Maria estava na cozinha lavando a louça. Richard ficou assustado, ao pensar nela descendo a escada sozinha, e reclamou. – Meu Deus! Por que você não me esperou? – disse apreensivo. – Sou perfeitamente capaz de andar sozinha com uma bandeja e lavar louça sem me machucar, Richard. – ela disse com toda paciência, mas ele percebeu a mudança em sua expressão facial. – Sou cega, mas não sou inválida. – Eu não disse isso, amor! Mas você poderia ter caído da escada e se machucado. – Ele a abraçou por trás e beijou o seu ombro. – Eu amo você, mas não me trate como uma inválida. Zefa e eu nos damos bem, porque ela sabe lidar com as minhas limitações. – falou calmamente. – Eu aprenderei a lidar com ela, mas, por favor, me dê um desconto. – respondeu, virando-a para si e a beijou calmamente. – Eu quero fazer amor com você novamente. – Anna pediu toda manhosa, abraçando-o e beijando-o com paixão. Ele a pegou no colo naquele momento e a levou para o quarto. – Seu pedido é uma ordem. Richard a deixou na cama por um momento; tomou um banho rápido e depois voltou, porque também estava ansioso para amá-la mais uma vez. Seu corpo pediu por aquilo desde o momento em que acordou ao seu lado. Ele tirou o seu roupão, deixando-a nua novamente e começou a beijar todo seu corpo, começando pelos pés delicados. Sua perna era perfeita e um verdadeiro convite. Ele se sentia em um banquete, enquanto se deliciava beijando o tornozelo, as pernas, os joelhos branquinhos e perfeitos.
Ela não tinha nenhuma marca, indicando algum acidente ou travessura de criança. Era perfeita em cada detalhe. Quando chegou à sua coxa, beijou com vontade, fazendo-a gemer e se contorcer na cama. A expressão de Anna era algo inenarrável. Ele amou ver aquele rosto que era uma mistura de excitação e inocência juvenil. A forma como ela mordia os lábios – gemendo –, e revirava os olhos deixava-o louco. Ele separou-lhe as pernas e se encaixou entre elas. Começou a trabalhar com os lábios na sexualidade dela, fazendo-a gemer com cada toque de língua naquela região. Observou seu rosto e viu as lágrimas escorrendo, enquanto ela se contorcia, gemia e chamava seu nome. Quando fazia isso, falava coisas em seu idioma natal e nem sempre compreendia, mas ele tinha certeza de que estava amando tudo aquilo. Ele caminhou até a mesinha de cabeceira, pegou uma camisinha, colocou-a sem pressa e depois ele a penetrou com muita calma, deixando-a se adaptar ao seu membro. Era tão bom estar todo dentro dela. Richard se sentia completo e feliz demais. Nunca pensou que fazer amor com a mulher da sua vida pudesse lhe deixar naquele estado de prazer tão absoluto. Já fizera amor com muitas mulheres ao longo da vida, mas nenhuma delas o deixava daquele jeito. Anna era a sua outra metade e o levava ao auge do prazer, fazendo seu corpo se arrebentar e explodir em milhares de fragmentos incandescentes no momento do orgasmo. Ao mesmo tempo em que se perdia, Richard se achava e se tornava mais indestrutível. Era um paradoxo perfeito em sua vida sem graça. Anna Maria começou a se mexer embaixo dele, fazendo-o assumir um ritmo lento e constante, até que ela estivesse preparada para mais. Aos poucos, seus corpos entraram em sintonia e ele assumiu o controle, ditando um ritmo mais acelerado, estocando-a de forma dura e potente. Ela gemia como uma gatinha manhosa, cravando suas unhas em suas costas, mordendo seu ombro com loucura, enquanto era levada ao auge do prazer sublime do orgasmo intenso. – Vem comigo, Ann. – ele ordenou. – Goza para mim, amor! Goza! – E meteu mais forte e mais rápido, fazendo-a gritar e tremer embaixo dele. Comandou o ritmo mais intenso e, juntos, os dois explodiram mais uma vez, tremendo pelos espasmos de seus corpos suados e cansados. Ele caiu sobre o corpo dela e continuou ali, até que conseguisse recuperar o controle do seu corpo e de sua respiração. Quando saiu de dentro dela, ouviu-a reclamar. – Eu me sinto vazia quando você sai de mim. – reclamou dengosa. – Eu sou muito pesado, Ann. – comentou beijando a ponta do nariz dela. – Vamos tomar um banho juntos? – ofereceu malicioso. – Com todo prazer, amor. – disse. Ele a pegou no colo e a levou para o banheiro. Deixou-a no boxe, abriu o chuveiro e foi até a lixeira. Precisava tirar a camisinha e jogar fora. Depois, foi até ela. – Isso é muito bom, amor! – Anna disse cheia de manha, enquanto ele a abraçava e a beijava por trás. – Você gosta? – perguntou.
– Demais... – ela suspirou. – Já estou ficando excitada novamente. – Você é insaciável. Acho que criei um monstro. – falou gargalhando. – É bom você atender a todos os meus desejos mais urgentes, doutor. – ela se virou e ficou de frente para ele. – Oh! Oh! – Quero mais, Richard. – Anna começou a distribuir beijos pelo seu peito, sugando o montículo, enquanto sua mão desceu até o seu pênis e o segurou. Ela o massageou, fazendo-o gemer de prazer. Aquilo era muito erótico, considerando a ingenuidade dela. – Eu não estou com camisinha, Ann. E não posso penetrar você agora. – ele disse, preocupando-se com a saúde dela. – Mas eu quero. – ela reclamou. – O meu pacote de camisinha acabou, amor. – Zefa colocou na minha nécessaire. – Vocês duas são terríveis. – ele disse, rindo. – Então se apresse, doutor! – Anna Maria ordenou, e ele riu achando graça. Saiu rapidamente e achou a nécessaire sobre a pia do banheiro. Não se lembrava de tê-la posto ali, mas estava grato. Abriu, pegou vários pacotes de camisinha e riu. Zefa era muito louca e acreditava realmente na virilidade dele, dada a quantidade de pacotes que ela pôs. Depois de colocá-la, voltou ao banheiro e beijou sua Ann com sofreguidão, explorando os lábios desejosos e sensuais, que eram um convite delicioso para o amor. Ele a imprensou na parede e passou as suas pernas pela sua cintura. Com cuidado, colocou seu membro na entrada dela e a penetrou. Logo os dois assumiram um ritmo frenético, como se aquela fosse a última vez e o mundo fosse acabar. Anna aprendeu rápido e conseguia deixá-lo ainda mais excitado, com a maneira como se mexia sensualmente e o tocava. Estava totalmente entregue à paixão; e o conduzia por caminhos tortuosos e deliciosos que faziam seu corpo entrar naquele estado de ruptura e construção depois do orgasmo inexorável. Ele ainda a sentia tremendo e gemendo, completamente exausta e ao mesmo tempo satisfeita. Aquele foi um início maravilhoso para a vida sexual dos dois e Richard se sentia grato por seu amor corresponder a todo seu ardor, entregando seu corpo de forma totalmente apaixonada e intensa.
CAPÍTULO 20
Zefa apareceu no domingo de manhã, levando algumas coisas para Anna. Os três tomaram café da manhã e conversaram sobre a reação de Eva, que estava soltando fogo pelas ventas – como um dragão raivoso. Ela contou também que recebeu uma ligação da companhia, informando sobre o ensaio marcado para as nove horas da segunda-feira, deixando-a muito feliz pela novidade. Ficaria muito entediada se tivesse que passar mais uma semana trancada dentro de um apartamento, sem ensaiar com os companheiros de palco. Todos resolveram sair para passear de barco. Passaram um domingo maravilhoso, conversaram e ela se sentia a mulher mais feliz do mundo. Richard contou a Zefa sobre a consulta e ela ficou apreensiva, mas Anna parecia calma e bem com aquela novidade. Quando a semana começou, Anna Maria já teve que enfrentar os colegas da companhia, fazendo-lhe perguntas descabidas, o que a deixou constrangida. O maestro foi implacável e não deu trégua para eles. Só conseguiram parar para um lanche às três da tarde, quando ninguém mais suportava a pressão. Anna sentia os olhares em sua direção e ficou muito constrangida. O pior foi a insegurança em estar ali e, quando o ensaio terminou às sete horas, ela ligou para Richard ir buscá-la. Enquanto caminhava pela coxia, sentia-se perseguida. Sabia que era apenas impressão, mas podia jurar que estava sendo seguida. Quando guardou o instrumento e estava prestes a sair, percebeu aquele cheiro novamente, fazendo seu estômago embrulhar. Quase desmaiou e foi amparada por uma jovem, que saía do banheiro. – Ele esteve aqui... Esteve aqui... – Quem esteve aqui? – alguém perguntou. – O assassino! Senti o cheiro dele. – respondeu. – Ela está louca! – alguém falou. – Eu preciso ir embora. Preciso ir! – Pegou o cachorro e saiu correndo, amedrontada demais para ficar ali. Quando chegou à porta, esbarrou em alguém e gritou. – Calma! Sou eu! Calma! – Richard pediu. – Ele esteve aqui. – disse ela, chorando nos braços dele. – Tem certeza? – ele perguntou.
– Eu senti o cheiro dele. Eu senti. – repetiu. – Vamos ligar para a polícia. – ele falou e a levou até um táxi. No caminho para casa, Richard não disse nada e Anna Maria sabia que estava preocupado. Quando chegaram, ele contou o que havia acontecido para Zefa e ligou para o investigador responsável pelo caso. Ela foi tomar banho e tentar relaxar um pouco, mas sua paz acabou quando voltou para a sala e encontrou sua mãe histérica brigando com Richard e o investigador Phillip. Tentou se acalmar e contou sobre o ocorrido. Uma hora depois, o policial foi embora, garantindo que manteria alguém à paisana no teatro. Aquilo não a convenceu, mas Anna estava disposta a colaborar para prender o assassino. Na semana que se passou ela se sentiu vigiada, mas não sentiu aquele cheiro. Sabia que ele estava por perto, mas tinha notado a presença da polícia. O ensaio acabou mais cedo na sexta-feira e ela foi, acompanhada de Richard, ao consultório médico fazer os exames necessários para detectar se havia a possibilidade de uma cirurgia reparadora. Ela informou ao médico que já havia se consultado com outros especialistas no passado, mas ele garantiu que havia novos tratamentos e que ela poderia tentar uma cirurgia. Durante o procedimento, Richard permaneceu ao seu lado o tempo todo. Quando eles voltaram à sala, o médico lhe garantiu que poderia ser feito um transplante de córnea, mas que ela teria que esperar na fila de espera por uma doação. Além disso, a lesão em um dos olhos era mais grave e teriam que realizar outro procedimento. O único médico que fazia aquele tipo de cirurgia atendia em Beverly Hills e o tratamento seria caríssimo, deixando-a desanimada. Richard a tranquilizou no caminho para casa, dizendo que pagaria o tratamento se necessário, mas que ela operaria de uma forma ou de outra, se aquilo garantisse que voltaria a enxergar. Ela tinha dinheiro o suficiente para o tratamento e não queria que ele comprometesse suas finanças, mas o namorado se mantinha irredutível. Quando chegaram em casa, nem houve tempo de contar a novidade para a mãe e para Zefa. Eva logo tratou de despejar a tragédia em seu colo, sem poupá-la de nada. – Outra jovem foi assassinada e seu corpo encontrado no teatro. Agora a polícia especula sobre a possibilidade de um assassinato em série. – Eva falou em inglês. – Não acredito! – Anna Maria colocou as duas mãos sobre a boca e chorou. Estava apavorada e sentia pela morte de mais uma jovem. – O mesmo modus operandi... Estrangulamento e violação sexual. – Eva estava fora de si. – O que você espera agora? Quer ser a próxima vítima, Anna Maria Smith?! – Olha, Eva... – Richard tentou falar.
– A conversa não é com você! – ela gritou com ele. – A conversa passa a ser comigo quando você a agride. Não permitirei isso. – E o que você pode fazer?! – ela o desafiou. – Levá-la embora daqui comigo. – ele respondeu com calma, tentando manter o tom de voz baixo. – Você não se atreveria, doutorzinho! – E começou a falar um monte de coisas em um idioma que ele não entendia. Foi quando Anna interrompeu. – Não ouse nunca mais falar isso, mãe! Não me faça odiá-la! Por favor, não! Será que sou assim tão horrível que um homem como ele só pode amar o meu dinheiro? Já chega! Esse apartamento é meu e quero que vá embora. Não quero vê-la mais! – Anna Maria gritava fora de si em inglês. – Minha filha, eu... – Eva tentou se explicar. – Você me acha uma aberração! Um estorvo! Estou cansada disso, mãe! Você é minha mãe e deveria me amar como sou. Hoje fomos a um especialista e ele disse que meu caso não é irreversível. Disse que posso voltar a enxergar. Isso significa que você e o papai foram negligentes comigo. Vocês não lutaram por mim! Não tentaram nada! E agora vem me chamar de filha?! Eu te odeio! – Anna Maria saiu dali desesperada, chorando muito, e Richard a seguiu. Ele se deitou ao seu lado na cama e a amparou. Quando estava mais calma, ele a levou até o banheiro e a banhou pacientemente, pois seus nervos estavam em frangalhos e sentia-se destruída. – Você está melhor? – Richard perguntou, com aquele sotaque inglês irresistível. Ela amava quando ele mudava a forma de falar, assumindo um sotaque diferente. – Acho que não. – Ele estava secando o seu corpo delicadamente com uma toalha felpuda. Deixou-a chorar tudo que queria. Depois a pegou no colo e a levou de volta para a cama. Richard saiu, deixando-a sozinha na cama. O celular tocou dentro do paletó e ela se levantou para pegá-lo. Sentou-se na cama e atendeu. – Alô! – disse ela, mas ninguém falou. Anna ouviu a respiração pesada do outro da linha. – Quem está aí? – perguntou cautelosa. – Anna... – Ela ouviu seu nome sendo pronunciado e depois uma sonora gargalhada antes de desligar. Seu coração gelou de medo. Sabia que era o assassino. Percebeu que Richard havia acabado de entrar no quarto. – O que foi, amor? – a voz dele parecia preocupada. – Ele ligou para mim... O assassino. – conseguiu dizer. – Humm?! – Ouviu os passos em sua direção e a cama afundou ao seu lado. Entregou o celular para ele, que continuava calado.
– O que foi? – ela perguntou, curiosa. – Tem mensagens para você... Várias mensagens. – ele respondeu e ela percebeu que se levantava. – Beba isso! Tenho que sair, mas volto logo. – Um beijo rápido estalou em sua testa e Richard se fora, deixando-a ali totalmente atordoada.
***
O assassino voltava para casa depois de mais um plano bem-sucedido. Estava muito feliz. Ele marcou um encontro com Susanna Storm em um bar em Manhattan, deixando-a pensar que estava a fim de sair com ela, pois já havia percebido o interesse da jovem. Os dois tomaram alguns drinks e ela parecia bastante interessada em transar. Algum tempo depois, eles saíram do bar e ele disse que havia esquecido as chaves no teatro. Ela caiu como um patinho e o acompanhou, sem se dar conta do perigo. Quando chegaram próximo ao local, ele começou a beijá-la sensualmente e a conduziu até o beco escuro ao lado. Susanna estava excitada demais para raciocinar algo naquele momento. Chegando lá, ele bateu nela, assustando-a. Ela o xingou e tentou se desvencilhar, lutando. Ele a jogou no chão e caiu sobre o seu corpo, apertando o pescoço até que estivesse sem ar, enquanto a jovem se debatia. Ele soltou seu pescoço, mas Susanna estava inerte, quando ele a violentou sexualmente. Sentiu um enorme prazer em fazer isso, e, quanto mais a estocava brutalmente, apertava o seu pescoço bem forte. A sensação prazerosa o conduziu a patamares desconhecidos. Ele se sentiu poderoso ao matá-la, sem dó, sem consciência ou receio. Matar era bom... Estava gostando muito daquilo. Depois de se vestir, amarrou a camisinha com seu esperma, verificou se não havia deixado nada na cena do crime e saiu satisfeito. Alguns quarteirões depois, jogou-a em uma lixeira e depois ligou para a polícia de um orelhão público, denunciando o seu próprio crime. Tudo estava saindo como planejado. O assassino sorriu contente, após exterminar a sua segunda vítima e deixar o seu corpo próximo ao teatro. Ele fez questão de assassinar a inglesa Susanna Storm da mesma forma como fizera com a vítima anterior. Inicialmente, ser um serial killer não estava em seus planos. Contudo precisava se certificar que os ensaios parariam. Somente assustar Anna Maria Smith não teve o efeito que ele esperava, ele queria que cancelassem tudo. Então, foi obrigado a tomar atitudes drásticas para conseguir o que queria e cometeu um novo assassinato. Sempre que via a expressão desanimada do maestro, ele vibrava por dentro. Passou muitos
anos nutrindo um ódio por aquele homem, que o consumia. Agora, que o conhecia melhor, sua certeza de que não merecia o sucesso era ainda maior. O homem era arrogante, prepotente e pretensioso demais. E ele faria tudo, mesmo que necessitasse fazer novas vítimas, mas não permitiria que o maestro realizasse seu sonho. Mesmo que para isso tivesse que matar cada membro da companhia... Ele sabia que seria necessário e faria com gosto, se aquele fosse o preço da sua vingança. Não satisfeito com os feitos daquela noite, pegou o celular descartável, discou o número de Anna Maria Smith e esperou ela atendê-lo. – Anna... Anna... HA! HA! HA! HA! – gargalhou e desligou. Aquele jogo estava ficando muito divertido e ele adorava saber que ela estava assustada. Mais cedo, ele já havia passado algumas mensagens ameaçadoras – via SMS –, porque esperava que alguém as lesse e alertasse a jovem do perigo. Agora ele tinha uma incrível necessidade de assustá-la. Aquilo lhe fazia se sentir bem. Era como matar novamente.
CAPÍTULO 21
Sábado pela manhã, Richard e o investigador Phillip chegaram ao apartamento de Anna Maria. Todos se sentaram na sala para ouvi-lo e tentar descobrir qual o rumo que a investigação havia tomado até aquele momento. Os relatos indicavam que o assassino não queria apenas matar os músicos da companhia, mas também dar fim ao espetáculo antes que ele fosse ao ar. O maestro Derrier recebera ameaças anônimas e escondera o fato da polícia, por isso eles acreditavam que o assassino fazia parte do espetáculo e sabia como as coisas estavam. – É por isso que concluímos que é alguém de dentro. Alguém que faz parte da companhia musical. – Depois de ouvir tudo o que a polícia relatou, Anna ficou assustada. Pensar em um dos colegas como um potencial assassino era muito chocante. – Precisamos da senhorita para identificálo. Ele sabe que, de alguma forma, pode apontá-lo e vai tentar matá-la também. Estaremos perto e... – Espera aí! – Richard o interrompeu. Anna ouviu tudo aquilo atentamente e sentiu vontade de ajudar, mas ao mesmo tempo um alerta em sua mente a deixava com medo. E se a polícia não chegasse a tempo? – Você está querendo me dizer que ela será uma isca?! De forma alguma. – ele parecia exaltado naquele momento. Anna Maria apertou sua mão e percebeu que suava frio. – Ela não correrá nenhum risco. – o outro detetive falou. – Como assim não correrá risco? – Agora era a vez da sua mãe, que parecia muito impaciente com toda aquela conversa. – Desde quando alvos estão isentos de perigo? Minha filha estará lá, deixando claro que pode identificar um criminoso e isso é um risco. Por mais que ele seja cuidadoso, vai tentar eliminar qualquer fonte de perigo que atravesse seu caminho. Isso é mais claro que água. – Estamos de acordo, Eva. – disse Richard. – E o que acontecerá com o espetáculo? – Anna Maria o inquiriu. – A produção e a polícia concordam em manter tudo como está. O assassino só atacará se os ensaios continuarem. Fora isso, ele sumirá de vista. Pedimos a sua ajuda para identificá-lo, Srta. Smith. – Eu quero ajudar, mas ao mesmo tempo tenho muito medo. – comentou. – Anna e eu viajaremos essa semana. Ela não poderá ajudar em nada agora. Depois... Talvez. – foi a vez de Richard. – Aonde vocês vão? – perguntou o detetive, cauteloso.
– Assuntos pessoais. Ela não sairá do país e é apenas uma testemunha, então não vejo problema nisso. – Richard respondeu ao policial. – Preferiríamos que a Srta. Smith permanecesse em Nova Iorque e retornasse aos ensaios. Precisaremos dela por aqui. – Felizmente, isso não lhe diz respeito. Anna e eu viajaremos e não há o que possam fazer. Nenhum juiz expediria um mandato para mantê-la na cidade. Ela não é suspeita e por isso vamos sair logo da cidade. – Anna não disse nada. Ficou apenas ouvindo a conversa, enquanto percebia a frieza na voz de Richard. Nunca o ouvira falar daquela maneira, mas entendia a sua preocupação. – Tudo bem. O senhor tem o meu cartão. Qualquer coisa entre em contato. – falou o investigador. Quando ficaram sozinhos, Eva quis saber aonde eles iriam. Ela não daria trégua enquanto não soubesse o que estava acontecendo. – Levarei Ann para Beverly Hills. O médico que fará a cirurgia só atende lá e por isso passaremos alguns dias fora. – Richard disse. – E quando viajaremos? – Eva perguntou de forma pedante, como se estivesse incluída nos planos de viagem. – Você e eu não viajaremos para lugar algum. – a resposta dele foi seca e direta. – Ann, Zefa e eu partiremos assim que conseguir arrumar a minha agenda no consultório e marcar a cirurgia para ela. Ainda não há uma data definida. – Você acha mesmo que é possível levar minha filha sem me levar junto? – Eva respondeu, desafiando-o. Anna Maria já estava cansada das brigas entre a mãe e o namorado. Cada dia que se passava, a coisa ficava mais estranha entre eles. – Você pode ir, mamãe... Se concordar em parar de nos infernizar. – ela disse. – Farei o possível para conviver com o seu namorado, filha. Mas quero deixar claro que ele continua não sendo a minha opção de genro. – Você não tem que escolher nada, Eva. – Richard a alfinetou. – Sua filha é maior de idade e dona do próprio nariz. – Chega, gente! – Anna interrompeu, antes que começassem a brigar novamente. – Passarei uns dias longe daqui, amor. – Ela sentiu os braços musculosos de Richard envolvendo o seu corpo. – A semana será bem agitada. Tentarei reagendar as minhas pacientes das próximas duas semanas, assim poderemos viajar tranquilamente. – Mas ficará comigo esse final de semana? – Anna Maria perguntou. – Tenho uma cesariana marcada para hoje à noite. Preciso descansar e me preparar para ela. Amanhã passo aqui e a levo para passear. – Richard a abraçava forte e a beijava.
– Sentirei a sua falta, amor. – comentou ela, toda manhosa. – Também sentirei a sua falta. – Ele distribuiu mais alguns selinhos pelos seus lábios. – Agora preciso ir. Venho te pegar amanhã bem cedo, ok? – Ficarei te esperando ansiosamente. No domingo, Richard passou para buscar Anna Maria e a levou para o seu apartamento. Estava cansado e não queria sair naquele dia. Os dois ficaram na cama, intercalando entre fazer amor e dormir, até que o final de semana acabou. Segunda-feira, o estresse começou logo pela manhã, quando Anna anunciou que iria para o teatro. Richard não queria que ela se expusesse ao perigo, mas foi praticamente impossível convencê-la a ficar. Os dois brigaram, em vão. O clima entre os músicos era péssimo naquela manhã. O maestro Derrier fez um breve discurso sobre os acontecimentos e tentou tranquilizá-los com a presença da polícia no prédio. Anna Maria ouvia as conversas à sua volta e, pelos comentários, vários músicos haviam faltado ao ensaio. Alguns pediram desligamento da companhia, alegando motivos pessoais e Anna até compreendeu o pânico que se instalava entre eles. O ensaio foi um verdadeiro desastre, pois foi difícil conseguir concentração para encontrar a harmonia perfeita na peça que ensaiavam. O maestro Derrier ficava fora de si, gritava, repreendia duramente o grupo e, às vezes, chamava um nome ou outro para falar em particular. Por fim, a coisa acabou não fluindo e ele dispensou-os mais cedo. Anna Maria entrou em pânico e pediu ajuda de uma violinista ao seu lado. Apesar da má vontade, ela e outras duas seguiram juntas para guardar os instrumentos e se mantiveram em grupo até a saída do teatro. Enquanto as acompanhava, ela soube como a jovem foi morta, mas o assassino fez questão de deixar o seu corpo perto do teatro. Aquilo fez com que um frio percorresse sua espinha, pois sabia que ele poderia atacá-la em qualquer lugar, assim como sua última vítima. As jovens a acompanharam até o táxi e agradeceu-as, aliviada por não ter que andar sozinha pela cidade. Quando desceu em frente ao seu prédio, teve a nítida sensação de estar sendo vigiada. Mais uma vez, foi tomada pelo medo e já rezava que a viagem que faria chegasse logo, para fugir de toda tensão. Os dias seguiram naquela mesma rotina e ela já não via Richard com tanta frequência, apesar de se falarem todos os dias. Ele estava saindo mais tarde do trabalho, tentando reagendar todas as pacientes para aquela semana e ocupando todos os horários de atendimento. Às vezes, ela ligava para o consultório às oito horas e ele ainda estava atendendo. Aquilo a fazia se sentir mal, pois seus problemas estavam alterando completamente a vida dele e ela se sentia muito culpada. A semana que se seguiu foi tensa e a mesma sensação de perseguição continuou. Anna se sentia vigiada durante os ensaios e fora dele também. Fora isso, as ligações misteriosas continuaram. Ela atendia e ninguém dizia nada, às vezes fungava, outras apenas ria. Na sexta-feira, ela se arrumou toda e pediu a Zefa que a levasse até o apartamento de Richard.
Estava com medo de andar sozinha pela cidade, depois dos assassinatos e dos telefonemas. Sabia que ele sairia tarde do trabalho e queria lhe fazer uma surpresa. Zefa preparou um jantar delicioso para os dois e separou tudo em uma bolsa térmica, para mantê-lo aquecido. Ela não precisou levar malas, pois já havia deixado algumas coisas em seu apartamento, para quando fosse dormir. As duas saíram de casa às nove horas e minutos depois estavam na porta do apartamento. Como não tinha a chave, Anna tocou a campainha. – Oi, boa noite! – ela ouviu a voz de uma mulher cumprimentando, após abrir a porta. – Desculpe, acho que estou no apartamento errado. – disse Anna para a mulher. – Você está procurando Richard? Estamos dando uma festa. – a outra comentou. Anna sentiu o coração apertar naquele momento. Ouviu a gargalhada de Richard e teve a certeza de estar no lugar certo. Aquilo parecia impossível, sua mente dizia, mas as evidências estavam diante de si. – Pode entrar. – Oh, não! Já estamos de saída. – respondeu ela. – Vamos Zefa. – Puxou a amiga pelo braço e se dirigiu de volta ao elevador. Anna Maria fez uma força monumental para não chorar, mas sem perceber as lágrimas já estavam rolando pelo seu rosto. – Biltre! – ouviu Zefa resmungar. Sabia que, se pudesse, arrancaria os olhos de Richard. Zefa a defenderia com unhas e dentes. Ela não queria estar perto, quando jogasse sua fúria sobre ele. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas ela preferiu não tecer nenhum comentário. Já estava se sentindo mal sem os comentários de Zefa. Precisava apenas consolar o coração e tentar encontrar uma explicação lógica para aquilo.
CAPÍTULO 22
Richard acordou mal no sábado. Há muito tempo que ele não bebia daquela maneira, mas precisava de algo para extravasar todo o estresse. Aquela semana fora complicada e ele havia trabalhado muito, saindo do consultório entre oito e meia e nove horas. Todas as pacientes foram remanejadas, pois assim ele teria três semanas para ficar com Anna Maria e ajudá-la com a recuperação. O restante dos pacientes foi encaixado na agenda da Dra. Brenan e agora ele tiraria férias pela primeira vez em três anos. A cabeça doía bastante e ainda estava com preguiça de sair da cama. Mas era o seu aniversário e ele queria passar o dia inteiro com seu amor e relaxar pela primeira vez em dias. Ele saiu da cama, arrastou-se até o banheiro e tomou uma ducha gelada. Nada como um bom banho frio para espantar a preguiça, Richard pensou. Depois de meia hora aproveitando a água gelada, ele finalmente saiu e se arrumou. Queria aproveitar o dia com Anna Maria e não tinha muito tempo a perder. Arrumou-se com esmero, colocando calças jeans justas, camisa polo e sapatos pretos, além de cinto e óculos escuros. Comeu rapidamente algo na cozinha, pois preferia beliscar os quitutes preparados por Zefa. Ele amava a comida dela e gostava de fazer o desjejum na casa da namorada por isso. Ainda se divertia enquanto cozinhavam juntos. Ele saiu de casa e pegou um táxi. Como era fim de semana, o trânsito estava menos tumultuado e chegou em dez minutos ao prédio de Ann. Estava ansioso para vê-la e beijá-la. Uma semana sem ela era o suficiente para deixá-lo morrendo de saudade. Queria aproveitar o máximo daquele dia juntos e amá-la intensamente. Ele tocou a campainha e a porta se abriu logo depois. – Bom dia, Zefa! – Ele a beijou carinhosamente e foi logo entrando. Percebeu que sua expressão não era das melhores. – O que foi? – perguntou, intrigado com aquela recepção tão fria. – Eu lhe adverti que, se fizesse minha menina sofrer, teria que se ver comigo, doutor. – ela disse olhando para ele, que teve a certeza de que estava furiosa. – O que eu fiz? Posso saber, antes de ser condenado? – ele questionou. – Mas é muito cara de pau! – Olhou para Eva, que vinha toda dona de si, fuzilando-o com o olhar. Ele percebeu que teriam mais uma discussão e já estava ficando impaciente. – Antes de me condenarem, preciso saber qual foi o meu crime. – disse ele. – Fomos ontem ao seu apartamento, doutor. – Zefa comentou de forma desafiadora. – E fomos
atendidas por uma loirona de peitões siliconados. Como foi a festa? – perguntou ela, irônica. – Muito boa! – respondeu, dando de ombros. – Mas é muito sem-vergonha mesmo! – acusou Eva. – Minha filha voltou para a casa chorando por sua causa. – Ann estava chorando? – disse, já caminhando até o quarto dela, mas foi interrompido por Eva. – Não vai falar com ela! Saia dessa casa agora! – ordenou, com toda empáfia aristocrática. A mulher era enervante. – E você vai me impedir? – desafiou, rindo. – Você não passaria por cima de uma dama, não é doutor? – perguntou arrogante. – Tem certeza de que não? Quer apostar? – Vocês estão brigando novamente? – Era a voz de sua Ann. Ela caminhava em sua direção a passos lentos. Estava com o rosto inchado e os olhos vermelhos. Ele percebeu que realmente havia chorado. Sua expressão era muito triste e aquilo lhe deixou com o coração apertado. – Preciso falar com você, amor. – ele disse e percebeu a expressão de dor que Anna fez. – Por favor! – implorou. – Você não precisa ouvir o que esse oportunista tem a dizer. Sempre disse que ele estava atrás do seu dinheiro, filha. Não é claro para você? Acha que um homem lindo como ele se apaixonaria por uma inválida? Faça-me o favor! A máscara caiu e agora você sabe quem é esse aí. – Cala a boca, mãe! – Lágrimas rolaram pelo rosto de Anna Maria. Richard caminhou até ela, desviando de Eva e a abraçou. Odiava vê-la sofrer daquele jeito, sabendo que era o culpado por tudo aquilo. – Ann... – Por favor, não! – ela pediu, empurrando-o para longe de si. – Precisamos conversar, amor! – Richard já se sentia desesperado. Sabia que Anna Maria duvidava de seu amor, se não fosse isso não estaria tão abalada. Ele precisava se explicar. Não podia aceitar que ela o achasse um mentiroso e leviano. – Não saio daqui sem falar com você, Anna Maria. – disse firme e percebeu que ela enrijeceu. – Vamos sentar no sofá e você poderá falar o que quiser. – Richard a levou até o sofá, sentouse de frente para ela e pegou a sua mão. – Essa semana foi muito complicada e trabalhei muito. Estava cansado e estressado, quando recebi a ligação de um amigo, também médico, chamando para ir tomar uma cerveja. Eu disse que estava cansado e que iria me preparar para viajar. Ele me perguntou se faria alguma comemoração para o meu aniversário e respondi que estava sem cabeça para aquilo. – Richard parou para observar
as expressões de Anna Maria e viu que ela estava muito tensa. – Continua... – sussurrou ela. – Tinha acabado de tomar banho e estava me arrumando para vir para cá, quando a campainha tocou. Fui atender e quando abri a porta estavam todos lá. O que poderia fazer? Não iria colocar os meus amigos para fora. Eles foram comemorar o meu aniversário, no final das contas. – Seu aniversário? – Anna Maria perguntou irritada. – Eu havia me esquecido, Ann. Na hora do almoço, Alice, a Dra. Brenan, me lembrou de que iria fazer 32 anos hoje. Até então não havia me lembrado do meu aniversário. Aí meus amigos, colegas do hospital, faculdade e residência, apareceram em minha casa com bolo, bebidas e comida. Como eu iria colocá-los para fora? – Ele olhou para ela, mas percebeu que sua expressão não dizia nada. Continuava aparentando frieza naquele momento – A loira que abriu a porta se chama Elisa, é uma ortopedista, casada com um advogado, que também estava na festa ontem. Mais alguma coisa? – Não lhe passou nem por um minuto a possibilidade de me ligar? Ou você ficou com vergonha de mim? Não queria mostrar aos amigos que estava saindo com uma cega? – Anna Maria perguntou, irritada. – Para com isso, Ann. – Ele a puxou para si e a abraçou. – Para que ficar se menosprezando desse jeito? Você sabe que é o que tenho de mais importante na vida. Não há motivos para sentir ciúmes ou menosprezo. – Me larga, Richard! – Ela o empurrou. – Então será assim? Passarei o meu aniversário sozinho e aborrecido, porque você achou que estivesse te traindo com uma loira e que não te convidei por vergonha? – apelou ele, para que ela parasse com aquela briga boba e voltasse a ser sua Ann, doce e meiga. Ele percebeu que ela amoleceu e sua expressão suavizou, puxou-a então para o seu colo e a beijou, tentando fazê-la se esquecer da insegurança boba. Não havia ninguém em sua vida, apenas ela. – Oh, Richard! Perdoa-me por desconfiar de você. Eu fiquei tão mal quando achei que estava com outra. – disse ela, aos beijos intensos que compartilhavam. – Não tem importância. Vamos apenas ficar juntos. É só isso que me importa hoje. Mais nada. – Ele a beijou novamente, matando a saudade por todos os dias que ficaram longe um do outro. Depois a pegou em seu colo e a levou para o quarto. Ele mostraria o tamanho de sua saudade e tiraria qualquer resquício do que pudesse ter ficado.
***
Anna e Richard fizeram amor várias vezes naquela manhã. Estavam morrendo de saudades e não havia lugar para mais nada, que não fosse sentir todo o prazer que proporcionavam um ao outro quando estavam juntos. A mãe a chamou algumas vezes, quebrando o clima, mas ela não estava nem
aí. Só queria estar nos braços dele, beijar, cheirar, morder e senti-lo dentro de si, explodindo em orgasmos maravilhosos. Horas depois, os dois estavam exauridos e doloridos; e deixaram a cama, parando com aquela maratona deliciosa. Richard queria passear um pouco e comer, estava morto de fome e queria comida italiana, para variar. Os dois saíram, deixando Dinho com Zefa para que pudessem aproveitar melhor o dia. Foram para um restaurante na Quinta Avenida e Richard pediu um pouco de cada prato, parecia até estar passando fome. Quando ela o questionou, disse que estava praticamente lanchando todos os dias. Só havia almoçado na sexta, porque Alice insistiu. Ela queria comprar um presente para ele e o convenceu irem até um shopping. Era o primeiro aniversário que passava com o namorado e queria comprar algo especial. Ainda não sabia bem o que dar a ele. Richard a fez entrar em várias lojas e comprou roupas para ela, mesmo reclamando muito. Ainda não haviam decidido o que comprar quando chegaram a uma joalheria. Anna Maria pediu ajuda a vendedora, para escolher um lindo relógio para Richard, e não se deu conta de que ele também estava fazendo suas próprias compras. Quando saíram do local, ela estava bastante satisfeita com o presente. Enquanto punha o relógio em seu pulso, recebia beijinhos pelo pescoço. – Esse é o melhor presente da minha vida. – disse ele, beijando o seu ombro. Os dois foram ao apartamento dele, tomaram um banho quente juntos, aproveitando a banheira cheia de espuma e se arrumaram. Richard disse que as surpresas daquele dia ainda não haviam acabado, deixando-a excitada e curiosa. Ele a levou para a sala, os dois tomaram champanhe e dançaram. No final, se ajoelhou diante dela e a pediu em casamento. Ela chorou quando ele pôs o anel de brilhante, que comprara naquele mesmo dia, em seu dedo. – Anna Maria Smith, hoje sou o homem mais feliz, porque me sinto completo ao seu lado. Daria-me a imensa honra de ser a minha esposa? Prometo amá-la, respeitá-la e cuidar de você para sempre. – Emocionada demais para conseguir responder alguma coisa, meneou a cabeça e permitiu que ele colocasse o anel de noivado em seu dedo. Depois lhe deu o outro anel, para que fizesse o mesmo com ele. – Eu prometo ser tudo o que você sempre quis. Te amo demais, Richard. – Anna Maria tremia dos pés a cabeça, enquanto colocava o anel no dedo dele. Por fim, já estava soluçando de tanto chorar. – Está chorando por que, meu anjo? – Ela o sentiu beijando a aliança em seu dedo. – Estou tão feliz! Nunca achei que encontraria o amor e que seria tão amada por ele. E você é tão especial... Oh, Richard! – Ela sentiu-se sendo envolvida por ele. – Você merece tudo de melhor. Prometo que cuidarei de você todos os meus dias, prometo. – Ele a beijou com ternura, mordiscou os seus lábios e sussurrou em seu ouvido em português. – Eu te
amo! – Quando você aprendeu a falar português? – Anna Maria perguntou, rindo. – Não aprendi... Zefa me ensinou somente essa frase. Prefiro você como professora. Gostou? – Amei! – ela respondeu. – A noite é uma criança. Tem um show de uma banda de jazz hoje à noite. Quero levá-la. Tenho certeza de que vai gostar. – Jazz? Acho que vou curtir, sim. Estou ao seu dispor, meu amor. – Ela riu, brincando com a aliança no dedo dele. – Meu noivo! Sou noiva de um lorde inglês. – Os dois riram e saíram para curtir uma noite romântica embalada pela magia da música.
***
Acabar com a vida de Anna Maria fazia parte dos planos do assassino. Sabia que, mesmo sem enxergar, ela poderia reconhecê-lo pelo cheiro. Quando soube que ela viajaria por tempo indeterminado e se afastaria da companhia, se sentiu frustrado. Depois da segunda vítima, ele tomou gosto por matar mulheres. Todas as vezes que ele observava Anna, tinha vontade de violá-la e depois acabar com sua vida, como fizera com as outras duas. Ela merecia aquilo, por ser filha de maestro e amiga de Derrier. Passou alguns dias vigiando o prédio em que ela vivia, mas não a viu. Depois de seguir a sua empregada, descobriu que Anna Maria estava escondida no apartamento do namorado. Era praticamente impossível se aproximar, sem chamar a atenção. Ela tornou-se sua grande obsessão durante aqueles dias. Quando os ensaios foram suspensos e ela partiu, só lhe restou continuar com seu plano contra o homem que odiava. Não poderia permitir, de forma alguma, que os ensaios recomeçassem. Assim ele comprou disfarces e começou a seguir as jovens da companhia. Ele tinha trinta mulheres, como possíveis vítimas, e precisava saber um pouco da rotina de cada uma. Não foi difícil chegar ao computador no escritório do produtor do espetáculo para conseguir a lista de vítimas. Ele conseguiu imprimir a lista de todas as mulheres, endereços, telefones e informações pessoais. A partir daí, estabeleceu um padrão. Já havia visto filmes com serial killers e sabia que eles sempre seguiam padrões. As duas jovens que ele assassinou eram brancas, com cabelos escuros, baixas e com aproximadamente 25 anos. Com a lista nas mãos, ele separou as fichas de todas as jovens com aquele perfil e tinha quinze possíveis vítimas. Agora só precisava segui-las, para encontrar a oportunidade certa. Não seria mais necessário deixar o corpo no teatro. A polícia ligaria as vítimas ao crime, assim que ele começasse a agir.
“Como sou inteligente!”, pensou. Ele riu, verificando cada uma das fichas, enquanto tentava separar por endereços. Talvez se ele fizesse um diâmetro e com o endereço de Anna Maria no raio, deixaria a polícia com a pista da última vítima... Aquilo seria muito interessante... Muito. Ele pegou o mapa, marcou o endereço de Anna Maria e depois começou a analisar as fichas e, pouco a pouco, foi marcando as suas próximas vítimas. “Agora sim! Ficou perfeito!”, pensou, rindo. – Anna... – ele sussurrou, passando o dedo polegar pela foto dela, em sua ficha. Era realmente linda, mesmo sendo cega. Ele aproveitaria muito antes de matá-la. Faria tudo de forma lenta e metódica. A jovem se tornara sua obsessão, mais do que o motivo real para tudo aquilo.
CAPÍTULO 23
Eva, Zefa, Richard, Dinho e Anna Maria viajaram na semana seguinte para a Califórnia, em Los Angeles. Depois de duas horas de viagem, em um voo executivo, desembarcaram na Califórnia e seguiram de carro para Malibu, onde Richard possuía uma casa de praia. Eva queria que fossem para Beverly Hills e estava disposta a pagar o aluguel de uma casa, mas Anna Maria achou dispendioso demais, visto a possibilidade de ficarem na casa do namorado, que ficava à uma hora de viagem de carro do hospital onde faria os exames e operaria. Logo que desembarcaram, Anna Maria percebeu a mudança de temperatura. Nova Iorque era mais fria e úmida, já a temperatura na Califórnia era quase sempre quente e seca, favorecendo a paisagem de belas praias. Ela ouvira muitas vezes nos filmes que assistira com Zefa como as praias eram lindas e sentia muita vontade de vê-las. Estava ansiosa para voltar a enxergar e vislumbrar aquela maravilha de paisagem. Assim que chegou, sentiu muito calor e seu corpo começou a transpirar mais. Richard a levou para passear pelo calçadão com Dinho e ela conseguia sentir o sol queimando sua pele sensível. Com seus sentidos aguçados percebia a vibração forte das pessoas, dos veículos e principalmente do mar. Além dos sons e do calor forte, conseguia sentir o gosto salgado do vento que lhe acariciava o rosto. Tudo era muito diferente e aquilo a assustava um pouco. Dois dias depois, Richard a levou para a primeira consulta em Beverly Hills e estava muito nervosa. Não queria nutrir falsas esperanças e, ao mesmo tempo, não queria decepcioná-lo com seu desânimo. Havia uma inquietude e insegurança, sem saber no que tudo aquilo daria. Tinha medo do desconhecido, de admitir que era uma boba por depositar suas esperanças naquilo. Medo de não estar tão animada quanto deveria e, principalmente, de voltar a enxergar e ter que aceitar uma nova realidade. Se aquilo desse certo, ela teria que aprender tudo novamente, como uma criança aprendendo o alfabeto, porque em seu estado de cegueira ela conseguia “enxergar” o mundo à sua maneira e fazia tudo. O que seria quando sua realidade fosse outra? Anna teve muito receio pelo desconhecido. O Dr. Schoot, um jovem médico com ideias revolucionárias, logo se envolveu em seu caso e o aceitou como um desafio. Surpreendentemente, um transplante – que era o mais difícil, visto que precisaria de um doador –, logo foi marcado. Ela não fazia ideia de como ele arrumara um doador, mas o fato logo surgiu. O que o dinheiro não era capaz de proporcionar? , pensou Anna Maria, quando recebeu a notícia. O médico deu muitas esperanças e ela ficou ainda mais apreensiva. Richard parecia exultante,
com a possibilidade de ela voltar a enxergar; já vendo aquilo como uma grande certeza. Duas semanas depois, Anna entrava pela primeira vez em um centro cirúrgico e fazia o primeiro procedimento operatório, que durou cerca de três horas. Ela e Richard voltaram para a casa, em Malibu, e permaneceram por mais uma semana, sendo que na semana seguinte, o transplante foi realizado com sucesso. Agora, ela permaneceria em repouso e o médico esperava para ver se não haveria uma rejeição do órgão transplantado. Um mês depois, Anna Maria tirava os curativos e, pela primeira vez, tentava “enxergar” o mundo com outros olhos, sem sucesso. A primeira visão foi nebulosa e ela percebeu um mundo distorcido e cinzento à sua volta. Ela voltou para uma nova consulta com seu médico. – Eu não vejo nada... – Anna Maria disse, toda manhosa para o Dr. Schoot. – É normal que sinta esse desconforto e tenha dificuldade em identificar as imagens. O seu cérebro vai se acostumar aos poucos e depois as imagens ficarão nítidas. Sugiro que tente um pouco a cada dia. Não é necessário forçar nada, Srta. Smith. Nesse primeiro momento, você pode usar uma venda quando sentir desconforto ou óculos escuros. – Quanto tempo para ela ficar sem usar nenhum tipo de proteção nos olhos, doutor? – Richard perguntou. – Isso varia muito de paciente para paciente. O cérebro dela vai demorar um tempo para se acostumar, talvez meses... Anos. Isso varia de cada paciente. Todo o procedimento operatório foi realizado e não tem nada que possa fazer nesse momento. Talvez no futuro, ela tenha até a necessidade de usar óculos de grau, mas agora é só questão de adaptação. – o médico afirmou com segurança. – Espero que consiga me adaptar logo. Quero muito isso, doutor. – comentou Anna Maria. – Quanto tempo ficarão na Califórnia? – questionou o Dr. Schoot. – Apenas mais uma ou duas semanas. Estou há muito tempo afastado do meu consultório e preciso voltar a trabalhar. – respondeu Richard, ciente de que abandonara tudo nas costas da amiga e sócia, para que pudesse acompanhar os exames, as cirurgias e o período de recuperação de Anna Maria. Ele estava há mais de um mês fora de Nova Iorque. Quando fizeram os planos para a viagem, não pensou que fosse demorar tanto. Anna Maria sentia a falta de ensaiar com a companhia, mas, pelo que acompanharam, os ensaios foram interrompidos depois de quatro assassinatos. Os investidores estavam temerosos com a má publicidade e abortaram o projeto, para desespero de todos. – Bem, podem voltar em um ou dois meses para fazer uma avaliação. O importante agora é ir devagar e deixar que ela se adapte aos poucos. – orientou o médico. – Não temos pressa, doutor. Passei 19 anos da minha vida sem enxergar com meus olhos. Agora posso fazer isso aos poucos. – assentiu Anna Maria. Ela usava óculos escuros e mantinha os olhos fechados. Abri-los lhe causava muito desconforto. Em casa, ela usava uma máscara de dormir a maior parte do tempo e, às vezes, tirava para tentar ver algo. Tudo o que conseguia identificar eram
imagens difusas e nebulosas. Tinha medo de nunca conseguir, mas preferiu não externar isso a Richard, que era o companheiro mais afetuoso e estimulador possível. Eles voltaram para Malibu e agora estavam apenas curtindo os dias antes de regressarem para Nova Iorque. Não havia mais o que fazer na Califórnia e ele necessitava voltar à sua rotina. O trabalho esperava por Richard e Anna sabia que era algo mais do que urgente, visto que não era rico, apesar da condição estável de vida que tinha. Passearam de mãos dadas pela areia da praia, trocando carícias, beijando-se, abraçando-se como um casal apaixonado. Ela sentia-se a mulher mais feliz do mundo naqueles momentos. Era grata por ter um noivo tão maravilhoso e o amava muito. Nunca achou que fosse amar daquele jeito, mas lá estava ela, caminhando em uma das praias mais bonitas do mundo, em um dia ensolarado e belo, com a esperança de um futuro promissor ao lado do homem da sua vida. Até a sua mãe já se acostumara com Richard e havia parado com as implicâncias. Desde a viagem Eva parecia outra mulher, talvez por perceber o interesse sincero de Richard em sua recuperação. – Vamos ficar mais duas semanas? – Richard sugeriu, enquanto andavam. – E o seu consultório? – inquiriu Anna. – Conversei com a Alice e ela está conseguindo atender todo mundo. Contratou uma médica para atender dois dias na semana e redistribuiu a agenda. Ela entende que nesse momento você é minha prioridade. – E você quer ficar mais um tempo aqui? – Não tiro férias há três anos. – argumentou ele – Mereço curtir um pouco com minha noiva agora. A não ser que você queira muito voltar à Nova Iorque. Se bem que agora você só ficaria trancada no apartamento. Aquilo virou um caos, depois dos assassinatos em série. – Eu sei... – disse Anna Maria, preocupada com a situação. O maestro Derrier não merecia aquilo. Aquela produção era o sonho de uma vida e marcaria o seu nome ao estrelato. Ele trabalhou muito para conseguir o investimento e era injusto tudo o que estava acontecendo. – Então, vamos ficar até quando você quiser. – afirmou ela. – Agora, quero apenas curtir com você. Vamos trocar de roupa e pegar uma praia? – Adoraria. – concordou, cheia de felicidade. Ele era o homem da sua vida e qualquer momento ao seu lado valia a pena. Os dois chegaram em casa e foram aproveitar o restante do dia.
CAPÍTULO 24
Uma semana depois, Richard e Anna Maria decidiram ir jantar no La Botte, um restaurante chiquérrimo em Santa Mônica, levando Eva e Zefa com eles, para comemorar os últimos dias na Califórnia. Em cinco dias, estariam novamente em Nova Iorque, enfrentando o frio, as pessoas estressadas em Manhattan, toda a tensão causada pelos assassinatos em série das musicistas. Ela já sentia muita saudade da Califórnia e de toda aquela felicidade que vivia ali com o seu amor. Os quatro chegaram ao restaurante por volta das oito horas, pediram a entrada e conversavam enquanto ouviam o som da música singela, tocada em um piano. Anna Maria sentiu falta da música e principalmente do seu pai. Ela virou o rosto e tentou seguir a melodia. – O que foi, amor? – perguntou Richard, percebendo a sua distração. – É só a música... Sinto falta. – respondeu ela, um pouco triste. Tentou abrir os olhos e novamente tudo o que viu foi uma confusão de imagens disformes. – Espere um minuto. – ele disse, e ela percebeu que se levantava. – Aonde o Richard vai? – questionou Zefa. – Acho que foi falar com o gerente. – respondeu Eva. – Falar com o gerente? – Uma pulga atrás da orelha fez Anna Maria imaginar do que se tratava. Certamente, Richard teria a coragem para aquilo. Ela percebeu seu corpo estremecer, só com aquele pensamento. – Amor, vem comigo! – ordenou ele, ao se aproximar novamente dela. – O que está acontecendo, Richard? – Pedi para você tocar um pouco. – respondeu. – Não acredito! – Ela colocou as duas mãos sobre a boca, no momento do susto. – Você é uma violinista famosa, está acostumada com plateias. Não vai me dizer que sente medo de algumas pessoas em um restaurante? Fala sério, Ann! – Tudo bem. Mas você me paga, doutor. – ela respondeu e o deixou guiá-la até o piano. Anna Maria se sentou na banqueta em frente ao piano, alongou os dedos e começou a tocar a Quinta Sinfonia de Beethoven. Seus dedos deslizavam com maestria pelas teclas. Ela parecia
possuída, enquanto fazia a música fluir como a sonata dos anjos. Não havia nada à sua volta naquele momento. Ninguém além dela e da lembrança do pai. Quando terminou, foi aclamada por uma salva de palmas entusiasmada e sorriu. O pai amaria aquilo. – Isso está horrível, Anna Maria! Você é uma aluna displicente! O que aconteceu com o seu entusiasmo. – Os dedos corriam pelas teclas, fazendo a tocar Fantaisie-Impromptu, de Chopin. Ela suava, chorava e dava o melhor de si. – Isso está uma porcaria, menina relaxada. – Sim, papai! – A cabeça virava de um lado para o outro, enquanto os dedos delicados percorriam as teclas com maestria, fazendo as notas se reunirem em uma harmonia única e perfeita. Mesmo assim Anna Maria chorava e se cobrava. Nada do que fizesse satisfaria o pai. Ela era apenas uma criança e ele queria que fosse a melhor. Não permitia erros. Era inadmissível qualquer falha da sua discípula mais promissora. Ela seria uma grande pianista e já criança aprendera que não existia louvor em fazer algo bom. Era necessário fazer tudo de forma perfeita. A música em questão era dificílima de ser executada, até mesmo por pianistas profissionais, mas o maestro fazia questão de não detectar nenhuma deformidade que envergonhasse o nome Smith. Foi naquele ritmo acelerado, com os dedos mágicos trabalhando sobre as teclas de um piano, entre choro e muito sofrimento, que Anna Maria Smith fez com que os clientes do restaurante, abismados com tamanha perfeição, parassem de jantar para assistirem ao concerto perfeitamente executado pela jovem cega. Depois, mais calma, ela executou algo do seu compositor preferido. Amava Beethoven e suas composições. Crescera ouvindo o que havia de melhor e conhecia suas peças de cor. A Sonate au Clair de Lune veio em sua mente de repente e, quando percebeu, já estava tocando a singela música, que a fazia chorar, lembrando que seu pai não gostava muito quando a tocava, porque a achava fácil demais e a chamava de preguiçosa. – Você pode fazer o seu melhor, Anna Maria! Mas prefere tocar algo que não lhe exija muito. Nunca será uma grande pianista. Você é uma cega incompetente que, ao invés de encontrar algo para compensar a sua deficiência, se esconde atrás do que é menos trabalhoso. Ser pianista exige muito esforço, dedicação e amor. – o maestro gritava com a filha, de apenas 11 anos, enquanto tocava a peça singela, chorando. Quem acompanhava a apresentação percebia que a jovem estava em transe. Ela não olhava para a plateia, não olhava para o piano e muito menos para as teclas. Sua cabeça estava levemente inclinada para trás, balançando de um lado para o outro conforme o ritmo da música. Dava para perceber que chorava, emocionada. Era uma visão tocante aos olhos do pequeno público. Saindo daquele transe, Anna Maria emendou The Last of Mohicans, enquanto ria histericamente com a própria peripécia. – Isso é lixo, Anna Maria! Eu saio um minuto e você faz o quê?! Como aprendeu a tocar esse lixo?! – o pai gritava com ela. Ela sabia que o maestro odiava quando tocava temas de filmes ou
MPB. Quando começou a se rebelar, no início dos 12 anos, enfrentava o pai e a forma como o punia era tocar o que ele considerava ralé. Anna parecia possuída, enquanto dedilhava aquela música tocante e, ao mesmo tempo, intensa e cheia de paixão. Havia algo passional na forma como ela tocava e ria, balançando a cabeça, inflamando os pulmões, fazendo os seios subirem e descerem de forma acelerada. As pessoas estavam completamente em transe naquele momento. Até os garçons haviam parado de servir para acompanhar o espetáculo. Quando acabou e o último som foi entoado, todos aplaudiam e gritavam pedindo mais. Em minutos, Anna recebeu vários pedidos de composições clássicas, contemporâneas e temas de filmes. Ela estava se divertindo muito com aquilo, enquanto a mente era levada para uma época em que tocar piano era sinônimo de sofrimento. Agora não! Ela, uma mulher adulta e dona do seu próprio nariz, podia se permitir tocar qualquer coisa que o pai consideraria lixo. Ela amava tocar o lixo, a música das ruas, dos novos compositores, dos filmes que não podia assistir, mas que ouvia com paixão enquanto Zefa descrevia as cenas. O que era para ser uma noite de despedida na Califórnia acabou se transformando em um grande espetáculo, com público atento, amoroso e principalmente fervoroso nas demonstrações de gratidão. Pela primeira vez na vida, ela foi aclamada e teve o seu trabalho como pianista reconhecido, porque até aquele momento as únicas pessoas que a ouviram tocar foram seus pais e Zefa. Agora tinha um pequeno público, além de Richard emocionado – ela desconfiava que ele houvesse chorado, pelo rosto molhado, quando a beijou – e de sua mãe orgulhosa pela primeira vez na vida, dizendo aos outros que aquela era sua filha. Depois foi abordada por um jovem empresário, que ofereceu um patrocínio. Ele queria que ela brilhasse em um espetáculo solo na Broadway. Conversaram um pouco e ele lhe entregou o cartão, para que pensasse a respeito. Richard a incentivou, feliz pelo reconhecimento profissional e comemoraram aquela noite fazendo amor dentro do mar, à luz da lua e ao som das ondas. Ela tentou abrir os olhos algumas vezes e teve o deslumbre do mar. Foi algo rápido, mas mágico. Anna sabia que em breve voltaria a enxergar e que conseguiria tudo o que mais sonhou na vida... Ser mãe. Todo o medo foi embora naquele momento. Não podia haver momento melhor e mais feliz.
***
Após analisar a lista de vítimas em suas mãos, o assassino começou a andar pelo centro de Nova Iorque. Seu destino, Nona Avenida. Ele tinha que chegar a um bar e se misturar com os frequentadores. Sua próxima vítima estaria ali em poucas horas. Ele ofereceu um drink para uma jovem ruiva, flertou um pouco e depois a chamou para
dançar, sempre observando a entrada do bar. Estava ansioso pela chegada de Vanessa Lopez, uma flautista espanhola, que seria a vítima daquela noite. Por volta das onze horas, Vanessa entrou cheia de graça. Ela se vestia como uma puta. Usava calça jeans com o cós baixo, deixando a barriga de fora, um top branco e botas de cano longo. Estava com uma maquiagem bem sensual, deixando os lábios vermelhos ainda mais carnudos e os olhos marcantes, com maquiagem escura. A mulher desfilava de forma sensual, rebolando e dando em cima de alguns homens. Estava na cara que ela queria sexo aquela noite, e teria. A forma como se exibia deixava claro que esperava uma boa transa. “Você terá, vadia!”, ele pensou, sorrindo, enquanto dançava com a ruiva. Ele teria que se manter afastado, mesmo estando disfarçado, não queria que ninguém o reconhecesse e pudesse fazer um retrato falado para a polícia, como o último a ser visto com Vanessa. Ele passou horas no bar, fingindo se divertir, enquanto percebia o clima à sua volta. Vanessa estava bebendo muito e se exibindo para os homens. A espanhola era realmente muito sensual. Sua pele era um convite ao pecado. Imaginava o que faria com aquela mulher, se a tivesse em seus braços e sorriu ao fantasiar apertando aquele lindo pescoço. Vanessa se dirigiu ao banheiro e aquela era a oportunidade que ele precisava. Ele poderia tirá-la de lá, pela porta de serviço, sem chamar a atenção. Depois seria fácil carregá-la até algum beco escuro e finalizar o trabalho. A partir dali, era só esperar a polícia ligar os fatos. O assassino saiu do salão e se dirigiu até lá. A iluminação era precária e havia pouca gente ali. Ele teria que agir rápido, se quisesse ser bem-sucedido. Ele esperou-a sair e a agarrou pelo braço. Ela protestou, mas ele fingiu estar armado. – Me larga! – Vanessa tentou se desvencilhar dele. – Shhh! – Ele encostou o cano da arma de brinquedo nas costas dela. – Se você fizer qualquer barulho, eu atiro. – afirmou. – Agora vem comigo, caladinha, doçura! Ele levou-a, abraçando-a por trás, com a arma em suas costas. Ela tremia e choramingava baixinho, enquanto saía pela porta de serviço rumo a um beco escuro. – Por favor... – Vanessa sussurrou, mas ele não tinha a menor intenção de ouvir suas lamúrias. Precisava apenas violentá-la e depois estrangulá-la. O importante era a polícia encontrar um modus operandi. – Se for boazinha, eu a deixarei viver. – ele disse e a jovem assentiu. Quando estavam em um beco deserto, o assassino fez o mesmo que havia feito com as outras. Ele bateu nela, deixando-a desacordada, violentou-a e a estrangulou. Sorrindo, saiu dali rapidamente, enquanto imaginava a manchete em letras garrafais no jornal do dia seguinte: MAIS UMA JOVEM MUSICISTA ASSASSINADA EM NOVA IORQUE. TEMOS UM SERIAL KILLER?
CAPÍTULO 25
Aquela era apenas mais uma manhã entre muitas, em que acordava ao lado do amor da sua vida. Eles ainda tinham três dias antes de partirem para casa e os dois estavam aproveitando o tempo juntos, pois sabiam que a vida seria corrida. Não conseguiriam tempo para curtir todo aquele amor. Os últimos dias foram mágicos e Anna Maria estava cada vez mais certa da sua decisão. Não voltaria ao Brasil, mesmo que o sonho de brilhar na companhia não existisse mais. Richard era a sua prioridade e com ele seria feliz, para sempre. Nada mais importava. Não se imaginava viajando pelo mundo, encantando plateias e enaltecendo o sobrenome que tanto ostentava. Não queria mais viver aquela vida, pela qual o falecido pai planejou. Era uma pessoa diferente agora e já não possuía mais o estigma de inferioridade que a fizera seguir os seus passos. Viveria apenas para sua nova família com Richard. Ela acordou e sem querer tirou a máscara de dormir. Desde a cirurgia andava com ela em casa, pois a claridade machucava sua visão e só enxergava borrões. O médico havia lhe dito que seria normal por um tempo e que cada paciente reagia de uma forma, mesmo assim aquilo era um grande incômodo. Piscou algumas vezes e abriu lentamente as pálpebras. Para o seu espanto, um mundo novo aparecia à sua frente. Ela observou rapidamente o local e ficou assustada. Virou-se de lado e viu que alguém dormia em sua cama. Em um primeiro momento teve vontade de correr, mas logo fechou os olhos e respirou forte, puxando o ar, para sentir o aroma... Richard. Anna abriu os olhos e observou aquele corpo branco deitado na cama. A pele clara, de um homem gigantesco e musculoso, com cabelos castanhos claros, um rosto tão lindo que mais parecia uma pintura – com a forma triangular, sobrancelhas grossas, lábios em formato de coração, nariz levemente afinado e uma barba por fazer charmosa em seu queixo adornado com uma covinha bem discreta –, que a deixou sem fôlego; agora entendia o que Zefa queria dizer quando afirmou que ele era lindo. Fechou os olhos e começou a tatear o corpo dele, pouco a pouco, e depois o abriu. Ela tentava encontrar similaridade entre o que via e o que sentia com seus dedos. Sabia que era o seu amor, mesmo assim era muito estranho. Tocou-lhe o rosto lindo, passeando com os dedos delicadamente, enquanto observava cada detalhe. Seu cérebro ainda tentava assimilar, mesmo assim estava confusa. – Richard... – sussurrou e beijou a ponta do nariz dele. – Meu Richard.
Depois de um tempo, se levantou e tentou andar. Ao observar tudo à sua volta, a confusão de cores e formas a deixaram com dor de cabeça e zonza. Ela fechou os olhos e contou os passos até o banheiro e entrou, ainda confusa demais com tudo o que acontecia naquele momento. Anna Maria se observou no espelho do banheiro por um longo tempo. Suas mãos tocavam o próprio rosto suavemente, tateando, sentindo, esquadrinhando pouco a pouco a pele suave, em busca de reconhecimento. O que via era algo que seu cérebro ainda não havia processado. Aquela pessoa era ela? Tudo parecia muito estranho e irreal desde o momento em que abriu os olhos e acordou ao lado daquele homem. Agora tentava um reconhecimento irrefutável de que aquela pessoa que via era ela e isso só era possível através do toque. Era difícil distinguir seus sentimentos e impressões, porque o ambiente era tão assustador e não ajudava. Ela olhava para todos os lados, tentando pensar, memorizar, aferindo o que conhecia, em seu mundo sombrio, ao que via. Seu olhar cruzou o espelho e observou a figura masculina, o mesmo homem com quem acordara minutos antes, aquele a quem ela passou observando e tentando memorizar as feições. Ela ficou um bom tempo ao seu lado na cama, depois de cheirá-lo e tocá-lo, para ter absoluta certeza de que seus olhos não a traíam... Sim, era ele, o homem que lhe ensinou o que era amar e que lhe deu esperanças; o mesmo que aceitou sua condição sem exigir nada, aquele que a venerava, dava-lhe as mãos e falava coisas bonitas, como também coisas duras quando necessárias. Era difícil acreditar que ele era o “seu Richard”. Anna ficou encantada ao observá-lo, com um misto de curiosidade e admiração. Tateou o seu rosto de olhos fechados e depois abertos, para reconhecê-lo através do toque. Gostava de fazer isso, tocá-lo era bom. Ele a abraçou por trás e ficou observando o seu rosto no espelho. Não disse nada, não exigiu explicações, não se inquietou com seu súbito desconforto ou demonstrou ansiedade pelo seu silêncio. Ele apenas esperava o seu tempo, ela sabia disso. Sabia que ele aguardava o seu reconhecimento. Não queria invadir o seu espaço, antes que se sentisse segura para compartilhar seus sentimentos. Assim era Richard, tão companheiro e seguro de si. Ele lhe passava confiança e ela confiou nele mesmo antes de ver a luz. Agora sabia que podia confiar que lhe ajudaria a trilhar esse novo e tão assustador caminho. Ela precisava dele, ele sabia disso e apenas observava, enquanto a abraçava com carinho. Ela percorreu o olhar pelo ambiente. Era o banheiro, sabia, mas ficou tentando reconhecer cada objeto. De repente sentiu medo, o mesmo medo – para não dizer pavor –, que sentiu quando abriu os olhos e percebeu que pela primeira vez via o mundo sem estar embaraçado. Tudo era apavorante! Ela começou a chorar, mas não sabia se de alegria ou tristeza. Richard a abraçou forte, mas continuou em silêncio, respeitando o seu momento, aquele em que a pessoa nasce para um novo mundo e não sabe como se adaptará. Ela olhou novamente no espelho e viu as lágrimas correndo pelo rosto. Imediatamente seu dedo tocou uma lágrima e começou a subir, fazendo o caminho que levavam aos olhos, até que ela tocou-os e piscou, sentindo o incômodo do seu toque.
– É tão assustador... – Anna Maria sussurrou. – Estou assustada, Richard. – disse, observando o rosto dele através do espelho. – Você terá que aprender como uma criança a enxergar o mundo, reconhecer as cores, os objetos e assimilar o rosto das pessoas. Mas é tão corajosa, Ann. – respondeu ele, com aquele sotaque britânico que ela amava. Sua voz era uma das coisas mais encantadoras e ela adorava ouvir o timbre forte, confiante e um pouco rouco, quando falava. Ela conheceria sua voz em qualquer lugar no mundo, mesmo no meio de uma multidão. – No escuro eu me sinto em casa, sou segura e tenho uma identidade. Ver as coisas à minha volta é tão... tão... medonho! Sim, medonho é apropriado para isso. Quando acordei e o vi ao meu lado na cama, levei um susto. Foi a primeira vez em duas semanas que enxerguei algo que não estivesse embaçado em minha visão. – Anna Maria se lembrou do momento em que teve vontade de correr. Sua mente refez passo a passo daquele momento único e inesquecível. – Você estava lá, ao meu lado, e eu não o conhecia. Quis gritar, correr e fugir de você, mas algo me fez recuar. Algo em seu corpo... Foi o seu cheiro. Sim, foi o seu cheiro. Em meu mundo sombrio, eu reconhecia facilmente as coisas com os meus outros sentidos, mas agora a minha visão me confunde e, pior do que isso, ela me amedronta. – Ann, você viveu os últimos 19 anos de sua vida no escuro. Tudo o que tem são lembranças distorcidas da infância, de quando você ainda enxergava. Agora tudo pode parecer estranho e até assustador, mas você vai aprender novamente. Vai reconhecer as coisas, pouco a pouco, sem forçar demais o seu cérebro. Logo você poderá ser independente e não precisará de ajuda, mas, enquanto isso não acontecer, estarei ao seu lado... Sempre! Serei a luz dos seus olhos, um clarão no meio da escuridão. Você poderá seguir meus passos, meu cheiro e o seu antigo sentido se adaptará ao novo. Nunca a deixarei perdida, prometo. Sempre que sentir medo, poderá segurar a minha mão e se guiar através dos meus passos. Se você me permitir, serei a luz da sua vida. Debulhada em lágrimas, ela se virou e abraçou Richard de forma desesperada e ansiosa. Já havia sentido o seu cheiro, tocado o seu rosto para fazer o reconhecimento. Sabia que era ele pela voz, pela forma como a tocava, como agia calmamente e tranquilizava o seu coração; mas agora ela queria receber os seus beijos e os seus lábios, pois era fundamental sentilo novamente. Ao ficar de frente para ele, segurou o seu rosto com as duas mãos; ficando na ponta dos pés, para alcançar os seus lábios, o beijou com sofreguidão. Mais uma vez, ela queria se perder em seus braços, como já havia feito outras vezes, porque precisava daquilo e agora tinha a certeza: Richard era, sim, a luz da sua vida. Ele puxou-a pela cintura, diminuindo o espaço entre os dois e a beijou calmamente. Ela se perdeu completamente em seus braços, com medo do futuro, em meio às incertezas e receios, mas tinha certeza de apenas uma coisa: passaria o resto da vida ao seu lado, porque ele ensinou-lhe o que era o amor e como amar; e ela retribuiria isso em dobro. Ele não era apenas um homem ou o seu amor, era a sua luz. Nesse momento, se recordou de uma música dos Tribalistas e começou a cantá-la, percebendo a similaridade entre a sua história e a Velha Infância, composta anos antes.
Seus olhos, meu clarão, Me guiam dentro da escuridão. Seus pés me abrem o caminho; Eu sigo e nunca me sinto só.
Você é assim: Um sonho pra mim; Quero te encher de beijos.
***
Enxergar pela primeira vez foi horripilante. Anna Maria ficou assustada, mas Richard a acalmou minutos depois fazendo um amor gostoso, enquanto tomavam banho. Ela percebia sua expressão estranha e a todo o momento tocava seu rosto e fechava os olhos para ter certeza de como estava. Algumas horas depois, percebeu que ele estava cauteloso e tentava não assustá-la, quando a observava com aqueles brilhantes olhos azuis. Ela amou todo aquele cuidado. Sentia-se muito protegida e sabia que, se caísse, ele estaria ao seu lado para levantá-la. Teve certeza de que sempre seria assim. Olhar para ele a acalmava e, ao mesmo tempo, ansiava em aprender tudo, pois não queria decepcioná-lo. Enquanto se arrumavam, Anna Maria começou a perguntar sobre tudo, nervosa com aquela quantidade de informações à sua volta. Em determinado momento, ele a segurou pelos ombros e a sacudiu. – Ann, olha para mim! – exigiu. – Eu não sou seu pai. Não estou te cobrando nada. Não quero que você se estresse logo nesse primeiro momento, tentando não me decepcionar porque não consegue identificar os objetos. Isso é assustador, eu sei! Então, relaxa! – Eu tenho medo de não conseguir o que você espera de mim... – respondeu manhosa, tentando não chorar. – A única coisa que espero de você é que seja minha, Ann. Do resto, não espero nada. Se você não conseguir aprender as coisas, não vejo problema. Só não quero que mude por mim, por Zefa ou por sua mãe. Estarei do seu lado sempre, para o que for necessário. Você me entende? Não
precisamos apressar nada agora. – Ela ficou parada ali, enquanto ele caminhava pelo quarto. Quando voltou, colocou os óculos escuros nela. Aquilo a deixou mais confortável. – Agora, deixa eu te ajudar com essa roupa e depois vamos contar a novidade para elas. – Ok! – ela sorriu e permitiu que ele lhe ajudasse a se vestir, com toda a paciência. Se Zefa fizesse aquilo, estaria furiosa e reclamando, mas com Richard parecia natural e permitia aquele cuidado excessivo. Depois de prontos, ela observava os objetos enquanto caminhavam. Já não havia aquela mistura de cores por causa dos óculos e agradeceu mentalmente a Richard por pensar naquilo. Ficaria confusa demais com tantas informações de uma vez só. – Zefa! – Richard chamou. Zefa, que estava lavando a louça, virou-se e olhou para eles de mãos dadas e não entendeu nada. Anna percebeu o riso dele e ficou olhando para ela, esperando que houvesse algum reconhecimento. Ela ficou triste ao perceber que Zefa não havia notado a diferença. – Eu vejo você! – Anna Maria disse, de longe. Normalmente, só dizia isso ao tocar o rosto das pessoas. Ela percebeu o espanto de Zefa, quando sua expressão mudou e ela chorou. – Minha menina! Minha menina voltou a enxergar! – Zefa correu até ela e a abraçou. – Que Deus seja louvado, Dr. Richard! – Estou tão assustada, Zefa. – Anna comentou, chorando. – Foi tão estranho acordar ao lado desse homem, olhar para ele e não reconhecê-lo. Eu fiquei em pânico e demorou até conseguir entender o que acontecia. – Pelo amor de Deus! Mas você é um pouco lerda, minha filha. Como pode acordar ao lado de um deus grego desses e não reconhecê-lo?! O homem é bonito demais e dá para saber até de olhos fechados que esse pedaço de mau caminho é o Dr. Richard. – disse Zefa, completamente eufórica. – Não sabia que era um deus grego. – Richard riu, achando graça. – Adorei essa parte, Zefa. Também amo você. – ele gargalhou e Anna Maria se virou para ver o seu rosto. Ele era ainda mais lindo sorrindo. Ela ficou parada alguns segundos, olhando para ele, ainda abraçada a Zefa. – O que foi, amor? – ele perguntou. – Você é tão lindo rindo. – respondeu. – Esse homem é lindo de qualquer maneira. Já até imagino os filhos lindos que vocês terão. Todos miniaturas do doutor. – Zefa, você é uma figura. – Anna Maria ria e chorava ao mesmo tempo. Richard as abraçou e os três ficaram assim. – O que está acontecendo aqui? – a voz petulante adentrou pelos seus tímpanos e sabia de quem se tratava. Não havia mais ninguém no mundo com aquele jeito irritante de falar. Richard e Zefa se desvencilharam dela e Anna Maria se virou para observar a mulher. Foi um choque muito grande quando a viu. Imediatamente, ela se lembrou da imagem que vira no espelho. Era uma versão um
pouco mais madura e bem conservada. Nossa! Que genética!, pensou ao observar Eva se aproximando, que percebeu o que acontecia, pois chorava enquanto caminhava até ela. – Mãe?! – Anna chamou-a em seu idioma natal. – Minha filha, você... – a frase morreu no meio do caminho e Eva a abraçou. As duas choravam e soluçavam. Eva pedia desculpas por tudo. No canto da cozinha, Richard e Zefa presenciavam a cena, emocionados. Era tocante vê-las daquela forma. Eva realmente deveria estar se culpando por tantos anos de negligência, pois a filha poderia ter tido uma vida normal, se ela, como mãe, tivesse lutado com afinco. Mas apenas se conteve em esconder a filha cega, para evitar o falatório da sociedade paulista. Fez questão de viajar o mundo com o marido, carregando-a, pois era insuportável encarar as amigas com seus filhos perfeitos, enquanto ela tinha uma menina “defeituosa”. Despejou tudo de uma vez, fazendo Anna Maria se sentir imprestável e humilhada, mas depois de um bom tempo, finalmente reconheceu sua arrogância, orgulho e também a ganância pelo dinheiro do marido. Estava mais preocupada em evitar que ele arrumasse outra mulher, do que em se empenhar na recuperação da filha. As duas estavam tão emocionadas, que permaneceram falando em português, esquecendo-se que Richard estava presente. – Eu te perdoo, mãe. – Anna disse, após cessarem o choro. – Eu prometo que tentarei ser uma mãe melhor. – falou Eva. – Não precisa prometer nada, mãe. Basta demonstrar com ações, a começar aceitando Richard. Nós vamos nos casar brevemente e preciso que vocês se deem bem. Anna Maria observou Eva caminhar até Richard, estender a mão para ele e pedir: – Você me perdoa por tudo que fiz? – perguntou, retornando a conversação em inglês. – Eu não tenho que perdoar nada, Eva. Você me deu o que tenho de melhor na vida e serei eternamente grato. – Richard a abraçou e Eva permitiu aquele abraço. Apesar de todas as ofensas, ele não guardava mágoas. Um homem como ele, de bom coração, passaria por cima de coisas pequenas, como os problemas com a mãe, para fazê-la feliz. Pela primeira vez, Anna ficou observando as pessoas que amava chegando a um entendimento. Ela estava realmente feliz. Apesar de tudo, a vida foi muito boa. Agora só tinha que voltar a Nova Iorque e tentar segui-la, conforme planejou. O único problema é que era a única testemunha de um dos crimes e havia um assassino à solta. Mas havia a vantagem dele achar que ainda estava cega. Estava determinada a ajudar a polícia e ao maestro. Ela não permitiria que uma mente psicopata acabasse com seus sonhos. Agora ela podia fazer algo de útil e estava disposta a arriscar a vida por isso. Só tinha que convencer Richard e a mãe, que certamente uniriam forças, para impedi-la de fazer aquela loucura.
***
O pôr do sol estava deslumbrante naquele fim de tarde especial. A natureza conspirava para um cenário perfeito e inesquecível. Richard levou Anna Maria para um banho de mar, pois queria que ela contemplasse a beleza da natureza e pudesse se sentir realizada pela dádiva concedida através do milagre de Deus, com a ajuda da obra humana. Eles estavam dentro da água gelada e as ondas tinham se acalmado, como se soubessem que aquele era o momento da calmaria, compondo o ambiente perfeito e sereno daquele cenário extasiante. Observavam o horizonte que formava uma paisagem magnífica. O sol possuía uma coloração amarela, com feixes alaranjados, misturados com um sombreado em uma tonalidade quase marrom, formando ondulações no céu que prenunciava o fim do dia. Richard observava a expressão maravilhada de seu amor, enquanto os brilhantes olhos verdes dela olhavam para o céu, ainda tentando entender o que viam, com uma expressão apaixonada ao admirar a paisagem. O sorriso de sua Ann era deslumbrante, enchendo-o de felicidade, e ele se lembrou da expressão em seu rosto na primeira vez em que fizeram amor. Uma lágrima silenciosa correu pelo rosto dela, enquanto observava o céu de forma pensativa. Ela o abraçou e repousou a cabeça em seu ombro. Ficou em silêncio por algum tempo, até encontrar palavras para explicar o que sentia naquele momento único. – É tão lindo, Richard. – afirmou. – Como pude viver tantos anos sem contemplar tamanha beleza? – Você terá muitas oportunidades para contemplar cenários maravilhosos, meu amor. – ele sussurrou em seu ouvido. – Eu me sinto tão feliz. É tão difícil explicar o que meus olhos veem e o que meu coração sente, amor. – Ela passou as pernas pela cintura dele, prendendo-a em suas costas e deixou o corpo leve. Ele sentiu o toque gelado da água em seu corpo, como uma carícia. A brisa suave roçou em seu rosto, ele virou para olhar e observou uma gaivota voando no céu, tornando aquela paisagem ainda mais perfeita. Apontou na direção dela e Anna virou o rosto, admirando a cena por alguns instantes. – Mas tenho medo. – E de que você tem medo, Ann? – ele perguntou. – E se eu não conseguir voar como ela e cair? – Você não cairá, amor. Você já alçou seu voo. – respondeu. – Tenho medo de tudo! E se eu errar? E se eu não conseguir? Eu sei tudo e, ao mesmo tempo, não sei nada. Conheço os objetos, se os toco; mas não conheço, se os vejo, pois não sei o que são, entende? Eu me sinto uma criança, aprendendo as coisas. Isso me assusta tanto.
– Isso é normal, Ann. Você terá que aprender tudo novamente, mas estarei ao seu lado e farei o possível para tornar o aprendizado mais fácil. – Ele a beijou no topo da cabeça e acariciou as suas costas. – Ter medo é normal e errar também. O erro faz parte do ser humano e, tentar se corrigir, faz parte do aprendizado. Será longo, mas nada é impossível para aquele que crê, tem força de vontade e fé em Deus. O milagre maior Ele já fez e, se isso foi possível, não será impossível. E, se você errar, tentará novamente até conseguir. – Você acha que é possível? Aprender tudo? Conseguir ser normal? Eu sou uma pessoa diferente e tenho limitações, Richard. – Ser diferente é normal, Ann. Não tema! No fim tudo dá certo e se ainda não deu, é porque não chegou o fim. De que adianta se sentir ansiosa? De que adianta ficar pensando no que fará amanhã? Ou no que pode ou não ser a sua vida? Ansiedade só desgasta a pessoa e a faz perder o foco do que realmente é importante. Manter a mente sã torna o ser humano capaz de pensar e organizar as suas ações. Vamos viver um dia de cada vez, aprender a dar passos pequenos e depois, quando se sentir segura e capaz, você poderá correr uma maratona. Agora não é o momento de se preocupar ou se desesperar. Esse é o momento para agradecer. Olha esse céu tão lindo! Olha que perfeição Deus criou! Todos os seus filhos são perfeitos à sua maneira. E, se ainda não se sentir segura, pode segurar a minha mão que eu lhe mostro o caminho. Tudo tem seu tempo, e agora é tempo de agradecer e se alegrar pelo milagre. – É por isso que eu amo você, Richard. Você sempre diz a coisa certa. Sempre sabe o que fazer e como me acalmar. – Eu sou humano, assim como você. Eu erro, acerto e me sinto ansioso. Só que olhando de fora, posso enxergar por outro ângulo. Percebo como se sente ansiosa e temerosa com tudo, mas logo isso passará e você conseguirá a confiança que precisa para seguir com seus próprios pés. Agora tudo é novidade e tem muitas informações para o seu cérebro reorganizar, mas depois você se acostuma. – Eu sei que você me guiará e estará sempre ao meu lado. Sinto-me feliz por ter um homem honesto, digno, paciente, generoso e apaixonado ao meu lado. Acho que não mereço essa dádiva, mas sou grata por Deus tê-lo colocado no meu caminho. – Eu que sou grato por tê-la conhecido, amor. Você é tudo o que eu sempre quis e precisei. Agora vamos viver o momento. Carpe diem! – Carpe diem! O futuro pertence a Deus. Richard a beijou delicadamente, fazendo amor com seus lábios em cada toque. Ele pôde sentir que Anna estava entregue e ainda mais apaixonada. Os seus corpos se entrelaçaram, naquele momento perfeito de amor, sintonia e paz. Apesar das dificuldades, tinham um ao outro e nada era mais importante do que isso. Quando desejou que ela voltasse a enxergar, não pôde deslumbrar aquele instante sublime. Eles se completavam de forma inexplicável e por ela iria até o fim do mundo. Agora começaria uma nova batalha, que estava mais do que disposto a lutar. Queria vê-la se empenhando com afinco, para que a adaptação fosse natural, prazerosa e divertida. Ele estava
disposto a abrir mão do seu trabalho por algum tempo, se fosse necessário, mas um dia Anna Maria seria uma pessoa realizada consigo mesma e não sentiria o estigma de inferioridade causado pela opressão dos pais. Aquele era um duelo particular, que estava disposto a enfrentar pela felicidade dela.
***
O assassinato de Vanessa Lopez tivera o efeito que ele imaginara, quando o planejou. A polícia já havia encontrado a conexão entre os crimes e agora a imprensa só falava naquilo. Ele estava exultante com sua proeza, mas ainda não se dera por satisfeito, até ouvir um comunicado oficial do cancelamento do espetáculo. Se tudo saísse conforme o cronograma, a primeira apresentação seria no final de outubro, mas ninguém havia recebido um comunicado e, para piorar, continuavam recebendo os seus salários, mesmo sem ensaiar. Ele precisava fazer com que os investidores desistissem do projeto. Não se daria por satisfeito até conseguir destruir o maestro Derrier. Pegou a sua lista de vítimas e analisou a ficha da candidata Olga Schumacher, que era uma harpista alemã, de 22 anos, de pele branca, olhos verdes e cabelos castanhos, como os de Anna Maria. Ela morava do outro lado da cidade e, pelas informações, gostava muito de ler e passava muito tempo na biblioteca. Ele teria que investigar a casa e segui-la, para poder matá-la e jogar o corpo no local certo. A polícia precisava encontrar um modus operandi, que no final levasse à Anna Maria. Ela seria a sua obra-prima... Sua última vítima. Ele a observou por uma semana, verificando o local onde morava. Caminhou pela redondeza onde residia por alguns dias para conhecer a vizinhança. Precisava verificar o local onde a sequestraria e depois a levaria para outro local, que formasse o perímetro com os demais assassinatos. Era fundamental agir com precisão, mesmo que perdesse tempo seguindo aquela mosca morta. Ele e Olga eram amigos, já haviam saído para beber com os outros integrantes várias vezes, e seria fácil atraí-la para uma armadilha. Mas ele não queria facilidade e, sim, excitação. Queria sentir a adrenalina que a caçada lhe conferia. Duas semanas depois do assassinato de Vanessa Lopez, finalmente conseguiu o que queria e raptou Olga Schumacher, enquanto ela voltava para casa, depois de sair de uma livraria. Ele a seguiu por quinze minutos, depois a pegou quando passava por um beco, golpeando-a na cabeça. Colocou a jovem no carro e seguiu para o outro lado da cidade, até chegar a W 49th St. Tudo saiu conforme planejou e, por volta de meia-noite, em um beco escuro, realizou todo o ritual, cautelosamente, violentando e estrangulando a jovem harpista. Ser o dono da vida e da morte lhe conferia um poder único; ele era o “Todo Poderoso”.
Toda a violência que cometia, enquanto estuprava a vítima com raiva, apertando o seu pescoço para sufocá-la, lhe tornava um “deus”. Matar era bom... Ele gostava daquilo e necessitava de mais. Agora precisava esperar a polícia encontrar o modus operandi e ligar o assassinato aos demais. Ele fez a lista das vítimas mentalmente, enquanto pensava no resultado de tudo: Elfriede Burkhard, Susanna Storm, Vanessa Lopez e Olga Schumacher. A espera era angustiante; ficava ansioso demais por um pronunciamento da imprensa. Aquilo só lhe dava mais vontade de matar, mas ele se continha, esperando pela oportunidade. Queria apenas ela... Sua doce obsessão. “Agora sim! Tudo está como eu planejei. Em mais alguns dias, com mais duas vítimas, eles verificarão que a localização dos corpos forma um quadrado e o centro dele é a residência de Anna Maria Smith.”
CAPÍTULO 26
Início de dezembro, todos voltaram para Nova Iorque. Era inverno e estava muito frio. Anna sentiu muito com a diferença de clima logo na chegada e ficou gripada e de cama, sendo mimada por todos. Aquilo estragou os seus planos imediatos, pois queria conversar logo com a polícia e falar sobre a sua ideia. Como não podia sair de casa, ligou para o investigador e pediu que fosse até o seu apartamento. Ele falou rapidamente dos rumos das investigações e ela ouviu atentamente. Quando terminou, ela contou para ele que havia feito duas cirurgias e que estava enxergando. A visão ainda não estava cem por cento, pois ficava confusa com as imagens, mas poderia ajudá-lo a pegar o assassino. Ele não imaginaria que voltaria a enxergar e que poderia reconhecê-lo. – É muito corajosa da sua parte, Srta. Smith, mas isso é muito perigoso. – disse o detetive. – O que é perigoso? – perguntou Eva, intrometendo-se na conversa. – Usar a sua filha de isca. O assassino não saberá que voltou a enxergar, mas mesmo com essa vantagem pode matá-la. A visão não lhe garante a segurança. – Mas garante um rosto, detetive. – Ela pode estar certa. – sua parceira falou, mas Anna não se lembrava dela, porque durante as investigações só falou com um homem. Agora era estranho ver aquela mulher opinando. – Espera aí! Você está maluca, Anna Maria Smith? – a mãe perguntou, furiosa. – Richard sabe desse seu surto de heroína de cinema? Acho que você e Zefa andam assistindo muitos filmes. – Mãe! – Mãe, nada! – Eva pegou o telefone e discou. – Alô! Gostaria de falar com o Dr. Doyle. – disse impaciente. – É a sogra dele e é urgente. – Desde que admitira ser sogra de Richard, Eva o usava como arma para tudo. Anna estava se irritando das queixinhas que a mãe fazia constantemente para o noivo, como se ele fosse lhe dar algumas palmadas. Aquilo era irritante. – Richard, a polícia está aqui em casa. Anna Maria agora quer ser isca para o assassino. – Houve uma pausa breve, o que a deixou apreensiva. – Isso mesmo! Converse com ela! Exija que ela tire essa ideia da cabeça. Tchau! – Acabou com o show, mãe? – Anna perguntou, impaciente.
– Se eu não posso com você, seu noivo fará alguma coisa para impedir essa loucura. Isso é coisa da Zefa, que fica colocando filmes policiais para você assistir. Vou proibi-la de colocar certos filmes. Você ainda não está preparada para a vida. – Ai, meu saco! – disse enraivecida, enquanto a mãe saía em direção à cozinha. – Bem, como podem ver, o tempo urge. Veja se conseguem remarcar os ensaios. Eu estarei lá e farei o possível para conseguir descobrir o assassino. Ele certamente vai atrás de mim, pois sou uma vítima e testemunha, que escapou. Declarem para a imprensa que prenderam um suspeito, ferindo o ego do assassino e remarquem os ensaios. Tenho certeza de que ele irá atrás de mim. – Muito corajosa, Srta. Smith! Mas os riscos são enormes. – disse o policial. – Vamos falar com a produção do espetáculo, para ver se remarcam os ensaios. Depois jogaremos a isca, afirmando termos prendido um suspeito. Tem certeza do que está fazendo? Está disposta a esse risco? – Estou disposta a corrê-los. Esse assassino será preso e voltaremos à nossa rotina normal em breve. Os policiais saíram do apartamento e Anna Maria estava excitadíssima com a possibilidade de desvendar o mistério. Afinal, quem seria o assassino misterioso? Ela se fingiria de cega e o colocaria na cadeia. Estava disposta a isso e muito mais para fazer parte do grande espetáculo do maestro Derrier. – Onde você esteve, Zefa? – Anna perguntou quando ela entrou. – Você não me mandou comprar uma microcâmera e material para escuta? Se vai mesmo fazer essa loucura, temos que estar preparados para tudo. Trouxe até um rastreador e algumas coisas que vi no seriado CSI Miami. Estou nervosa com tudo isso, mas serei sua fiel escudeira. Comprei até um disfarce para mim. Ficarei disfarçada de faxineira no teatro, com o material de escuta e podemos monitorar tudo. Estou com algumas ideias, mas tenho que trabalhá-las primeiro. – Zefa, você é doida! – disse Anna Maria, beijando-a no rosto. – Eu não vou conseguir tirar essa ideia maluca da sua cabeça, menina. Duvido que o doutor gostosão consiga. Então serei sua assessora para assuntos investigativos. – Isso não existe, Zefa! – Eu acabei de inventar. Vamos para o seu quarto, que lhe mostrarei tudo o que comprei para a nossa investigação. Estou me sentindo uma policial. – Zefa riu e Anna gargalhou, achando graça de toda aquela loucura.
***
Aquela noite, Richard chegou à casa de Anna Maria e os dois discutiram muito sobre o ocorrido. Ele não conseguia entender que ela precisava fazer algo imediato. O assassino continuava
solto e o espetáculo estava suspenso por tempo indeterminado. Pessoas haviam morrido e a polícia não tinha a menor pista de quem era o psicopata e o que o motivava. Anna era a única testemunha e estava certa de que ele iria atrás dela. Não poderia desconsiderar aquilo, de forma alguma. – Isso está fora de questão, Ann. – disse Richard, bravo com ela. Anna respirou fundo e xingou alguns palavrões em português, pois sabia que ele não entenderia. – Não adianta, Richard! – afirmou. – Vou fazer e pronto! Você não vai controlar a minha vida. – Mas somos um casal e isso é discutível. Se vamos nos casar, temos que entrar em concordância. – argumentou. – Só porque você acha. – retrucou. – Não vou mudar de ideia. Acostume-se com meu jeito. Quando coloco uma coisa na cabeça, é difícil me convencer do contrário. – Você é teimosa como sua mãe! – acusou. – Como minha mãe entrou nessa conversa? – quis saber. – Você fala dela, mas é igualzinha. Olha, eu estou cansado. – Então, pare de tentar me convencer do contrário. Não vai funcionar. Eva havia ligado para Richard e enchido a cabeça dele de caraminholas. Por mais que soubesse que o noivo era um homem maduro, bem-resolvido e imune às loucuras da mãe, tinha a ciência do quão protetor ele era e sabia que faria de tudo para que desistisse da ideia absurda de servir de isca para um assassino. Pela primeira vez, os dois brigaram feio, tampouco chegando a um consenso. Anna teve vontade de mandá-lo para o raio que o parta, quando começou com todo aquele discurso de jovem frágil e delicada. Ela não queria que ele sentisse pena por tudo o que passou e a achasse incapaz de se defender. Os dois gritaram um com o outro, trocaram ofensas e se magoaram, até que ambos esfriaram a cabeça e puderam enfim conversar como adultos ponderados. – Você insiste nisso? Tudo bem, então. – falou Richard, demonstrando cansaço, depois de um dia de trabalho, perturbações de Eva e uma discussão acalorada com ela. – Tudo bem mesmo? – questionou ela, arqueando uma das sobrancelhas, enquanto o observava sentado na cama. Richard realmente parecia muito cansado aquela noite. – Você não ficará no meu pé e nem me vigiando? Deixará-me fazer o que preciso para ajudar a polícia? – Anna estava incrédula. – Sim! Mas eu estarei observando todos os ensaios. – afirmou ele. – Nem pensar! Se você estiver comigo, o assassino não se aproximará. Além disso, você ficou mais de um mês fora do consultório e precisa trabalhar. A polícia estará comigo e tenho alguns apetrechos que Zefa me deu de presente.
– Zefa é doida por te incentivar. Onde ela estava com a cabeça? – inquiriu irritado. – Zefa me ama e me respeita, acima de tudo. Ela sabe que nada e nem ninguém me convencerá do contrário. Então, o que pode fazer é me ajudar. Só isso. Deveria ficar grato, por ter alguém que se preocupa comigo e não tentar me esconder do mundo. Eu já disse, Richard! Já disse que, se continuar assim, você irá me perder. Não ficarei como um bibelô em uma vitrine, bonitinha, quietinha, só esperando você. Então, está na hora de você me enxergar como sou. – Ann... – Não! Nada de Ann para lá, Ann para cá, amorzinho... Chega! – Podemos nos deitar, dormir e descansar? Estou cansado demais para aguentar tudo isso. – pediu ele. – Tudo bem. – Ela se deitou e deu as costas para ele. – Ei! – Richard reclamou, puxando-a para si. – Vem ficar abraçada comigo. Não vamos ficar brigados, desse jeito. – Foi você quem começou isso! – disse ela, desafiando-o. – E eu estou terminando com essa briga. – Ela sentiu seu corpo sendo puxado para os braços dele. Ficou calada e apenas se aninhou, colocando a cabeça em seu peito. – Richard, me perdoa? – pediu Anna Maria. – Pelo quê? – Por ter te xingado... Você me provocou. – defendeu-se ela. – Terei que pedir a Zefa para me ensinar os palavrões em português. Nem notei que você me xingou. – Fez-se de ofendido. – Que feio, Ann. – falou de modo carinhoso, tentando pôr fim na briga. – Perdão, amor! – Eu já te perdoei. Agora vamos dormir. – Richard beijou sua cabeça e minutos depois Anna Maria percebeu que roncava. Ela queria conversar mais, porém ele estava exausto, desde que voltara a trabalhar. Pensou um pouco sobre tudo o que foi dito e chegou à conclusão que teria que conversar seriamente com sua mãe. Dessa vez, Eva passara dos limites, jogando Richard contra ela, porque sabia muito bem como seu noivo era protetor e preocupado, mas não tinha o direito de encher a cabeça dele com besteiras, para fazê-lo brigar com ela. Até parece que ele irá me amarrar ao pé da cama!, pensou com raiva.
***
Aquela primeira semana passou rapidamente e sua mãe fugiu dela sabendo que estava furiosa,
por causa da fofoca. Zefa estava colocando as coisas em dia e, nas horas vagas, buscava por um novo romance na internet. A polícia alertara Anna Maria sobre mais quatro assassinatos que não foram revelados para a imprensa e a aconselhou a não sair de casa sozinha, até que tivessem pista do assassino. Com a chegada do fim de semana, nada mudou. Richard estava tão cansado, que preferiu ficar em casa e colocar as coisas em ordem, e Anna Maria ficou em seu apartamento. Pela primeira vez, ela viu como tudo era bonito, espaçoso, bem decorado e de bom gosto. Percebeu que Richard não era tão pobre quanto alegava ser, e que tinha bastante dinheiro para manter um apartamento tão luxuoso como aquele. Ela puxou conversa sobre o trabalho dele e a família, descobrindo que seu pai abrira uma empresa de pescados em Washington e tinha bastante dinheiro, mas ele preferia viver por conta própria. Richard acabou abrindo o jogo e dizendo que tinha bastante dinheiro, que ganhara de herança da avó materna aos 12 anos e que investiu o dinheiro na empresa, pois era acionista majoritário. Contudo, não gostava de negócios e não entendia nada daquilo, mas recebia os lucros em uma conta mensalmente, o que lhe permitia o luxo de ter um apartamento como aquele, uma casa de praia em Malibu e um barco lindíssimo. Apesar disso, vivia com o que ganhava como médico e esperava sustentar a família com o suor do próprio trabalho. Ela se sentiu orgulhosa do homem que escolhera para dividir a sua vida e pediu, quase o fazendo prometer, que não mencionaria aquele segredinho para Eva. A mãe era bem capaz de querer fazer um acordo pré-nupcial, arrancando quase todo o seu dinheiro em caso de separação. Richard riu ao ouvir aquilo e disse que não se importaria em assinar nada, pois não pretendia se separar dela nunca. Ela até achou bonitinho e pensou como a vida era irônica. No final das contas, a mãe interesseira, conseguiria juntar a riqueza dela com a dele, mesmo sem saber. Ela sempre ouviu que rico quando se casava era para juntar o espólio, enquanto pobre se casava para juntar as dívidas. Conseguira realizar o seu sonho... Um marido rico para a filha. Domingo à noite, os dois voltaram para seu apartamento, pois na segunda pela manhã ela teria ensaio e ele havia concordado em não levá-la ao teatro. Precisava agir naturalmente e deixar o assassino se aproximar, senão ele estragaria tudo.
***
Naquela manhã estava irritado, pois matara sua sexta vítima, mas a polícia estava ocultando a ligação entre os assassinatos da imprensa. “Será que teria que deixar sinais claros ou avisos para a mídia?” Não conseguia acreditar naquilo. Estava muito irado. Andava de um lado para o outro, transpirando muito, frustrado, estressado e nervoso.
Ele foi meticuloso, deixando claro para a polícia quem era a próxima vítima. Se eles desenhassem em um mapa, o centro dele era a residência de Anna Maria. Não ignorariam esse fato, mesmo assim mantinham a ligação entre as mortes oculta. “Eles não vão roubar a minha glória! Preciso fazer algo! Preciso! Não é possível que omitam os fatos! Todos precisam saber que sou um gênio.” – AHHHHH! – ele gritou e começou a quebrar tudo à sua volta, em um acesso de fúria. Não podia admitir que a polícia o fizesse de idiota. Todos precisavam saber quantas ele havia matado. Aquilo não ficaria assim. – Deixarei uma mensagem clara para todos. Não permitirei que me façam de idiota. Não mesmo! Saiu do seu apartamento desnorteado, porque precisava pensar em algo muito bem. Quando passou pela portaria, o porteiro lhe entregou uma correspondência. Ele a abriu e levou um susto com o que leu. – Os ensaios começarão na próxima semana. – disse, rangendo os dentes. – A apresentação foi marcada para início de janeiro e todos terão que comparecer na segunda pela manhã. – Ele amassou o papel com raiva, andou completamente alucinado pelas ruas de Nova Iorque, jurando vingança. “Não permitirei isso! Nem que tenha que atirar em todos os músicos durante o ensaio”, pensou ensandecido, enquanto andava sem rumo e pensava nas próximas ações.
CAPÍTULO 27
Na segunda pela manhã, Zefa estava preparando o café, já que Anna e Richard sairiam antes das oito horas e ela tinha que ir ao supermercado comprar algumas coisas. Aproveitaria para dar um passeio no shopping e olhar as vitrines. Estava ficando entediada naquela cidade fria e sentia falta das praias da Califórnia. Como gostaria de estar deitada de frente para o mar, bronzeando a pele. Ali, naquele frio, não tinha muita coisa a fazer, além de bater perna. A campainha tocou e foi atender, pensando em quem poderia ser uma hora daquelas. Era muita falta de educação visitar uma pessoa às sete da manhã. Ela abriu e porta e, para seu espanto, olhou para o homem imponente parado diante dela. – Maestro Derrier?! – inquiriu, observando o homem bem-vestido, em um terno impecável, gravata vermelha, os cabelos loiros cacheados soltos, como sempre, os imensos olhos azuis, que faiscavam de interesse ao observá-la. [1] – Bonjour! – disse ele, com um sotaque francês perceptível. – Ann Marie está? Nossa, mas como é lindo!, pensou Zefa. – Oh, claro! Entre, por favor, maestro. – Zefa fez sinal para que ele entrasse. Por um momento, ele ficou observando-a dos pés a cabeça, o que a constrangeu. Estava com uma camiseta branca bem justa, sem sutiã e uma calça jeans bem apertada, deixando o seu corpo esbelto definido. Ele a devorou com os olhos, deixando-a sem fôlego. Era muito difícil encontrar alguém que extraísse aquele tipo de reação. Ele a seguiu até a sala, que gesticulou para que se sentasse. Derrier olhou-a intensamente até que Eva entrou e estragou todo o clima. Nesse momento, Zefa teve vontade de mandar a dondoca ir para aquele lugar e ficar lá, pelo resto da vida. – Maestro Derrier, bom dia! É um imenso prazer tê-lo aqui na minha humilde residência. [2] – Bonjour, madame! – cumprimentou ele, formalmente. Toma, sua bruxa velha! – Anna Maria já deve estar se arrumando para o trabalho. – Ela colocou a mão na boca, de forma quase que teatral, e encenou um gracejo. – Oh, que indelicadeza, Zefa! Por favor, o que você bebe? Chá, café ou suco? – perguntou.
– Eu já ia oferecer um café, dona Eva. – comentou Zefa, bem irritada. Ela tinha que estragar o flerte e ainda tratá-la como uma serviçal. Que ódio! [3] – Non quero beber nada, mademoiselle. – disse ele para Zefa, que adorou ouvir seu sotaque, ao tentar conversar em inglês. Era muito charmoso e, mesmo aparentando uns 50 anos, era lindo demais. Discretamente, passou a língua sobre os lábios e ficou observando Eva, toda atirada, [4] tentando dar mais um golpe. – Je suis désolé , apenas gostaria de conversar com Ann Marie e [5] acompanhá-la até o théâtre . As coisas vão se complicar e quero ter certeza de que ela sabe o que está fazendo. – Minha filha é uma jovem corajosa, destemida e altruísta, assim como eu maestro. Tudo por uma boa causa, não é mesmo? – Zefa queria vomitar, com a dissimulação da mulher. Como se atrevia, depois das fofocas que fez para Richard brigar com Anna? Teve vontade de desmenti-la, mas ficou calada. Apesar dela não pagar o seu salário, decidira, há muito tempo, não bater de frente com a cascacu. Que mulher mais mentirosa e falsa! – Derrier? – chamou Anna Maria, ao entrar na sala. Zefa adorou o fato, pois Eva teria que se mancar e parar de jogar charme para o maestro. Se bem que ela desconfiava, que Anninha não seria um problema. [6] – Nous avons besoin de parler, ma chère . – disse ele para ela. – Em particular, s’il vous [7] plaît . – completou olhando para Eva, que ficou sem graça. – É claro... – respondeu Eva secamente e Zefa riu, mais uma vez. A cascacu não conseguiria se casar com outro maestro. Pelo menos não com Derrier, que demonstrou antipatia à primeira vista. Zefa voltou à cozinha e ficou pensando no que ele poderia querer com Anninha. Mesmo sabendo que ela seria uma isca, não imaginava que ele pudesse se preocupar tanto. Queria ser uma mosquinha para ouvir a conversa dos dois. Ficou atrás da porta e colocou o ouvido, tentando não fazer barulho. [8] – Etes-vous sûr que vous voulez prendre le risque? Será perigoso, ma chérie! – Claro que sim, Derrier. Tem pessoas morrendo. Eu posso fazer algo e vou fazer. – Mas pode mourir
[9]
.
– Não morrerei! A polícia estará lá e eu vou bem equipada, com algumas coisas que Zefa comprou para mim. Ela adora filmes de espionagem e comprou alguns objetos que serão bem úteis. – Zefa? – questionou, arqueando uma das sobrancelhas.
– Sim! A minha amiga. Você a conheceu há pouco. [10] – Oui... E ela vive com você? – É praticamente uma mãe para mim e viaja comigo para todos os lugares. Não sei o que seria de mim sem ela. – E o mari
[11]
dela?
– Zefa não é casada. Ela busca um amor. [12] – Intéressant... – Richard, amor! – Bom dia, maestro Derrier! – Bonjour! Só vim conversar com Ann Marie e acompanhá-la. – Vou deixá-los a sós. A porta se abriu e Zefa levou um susto, com Richard entrando na cozinha. – Perdeu alguma coisa, Zefa? – perguntou, rindo. – Eu estava limpando... – mentiu e ele riu. – Pelo que ouvi da conversa, o maestro está interessado em você. E pela sua curiosidade, desconfio que também haja um interesse. – Que isso, Richard! – Andou nervosa até a pia e fingiu lavar a louça. – Se você diz isso. – riu. – Só para constar, ficarei na torcida por você. A cascacu não merece outro marido famoso. – Depois, eu sou a fofoqueira. – retrucou, aborrecida com a brincadeira. – Fala sério, Zefa! Tá na hora de arrumar um namorado de verdade. Para mim, você inventa esses namorados virtuais porque tem medo de se envolver. – Eles são mais fáceis de descartar. – argumentou. – Isso tudo é uma fuga. – Zefa! – chamou Anninha. – Maestro Derrier quer se despedir de você. – Hum?! – Ela olhou para Anna Maria e Richard, arqueando uma das sobrancelhas. – Vocês são dois alcoviteiros de uma figa. – Vai nessa, mulher! – Só de deixar a cascacu se roendo, já estou me divertindo. – Richard disse.
– Você não presta, doutor! Ela é sua sogra. – Infelizmente! Quando Zefa chegou à sala, ele estava sentado, com aquela mesma pose altiva, esperando-a. Ela sorriu discretamente, quando este se levantou e pegou sua mão. [13] – Foi um plaisir conhecê-la! – Ela quase se desmanchou com aquele sotaque charmoso. O homem, além de lindo, possuía uma voz maravilhosa. Ela já podia imaginar ele gemendo em seu ouvido. Só de pensar naquilo, seu corpo todo esquentava. Isso é falta de sexo! – O prazer foi todo meu, maestro. [14] – Me chame de Gilbert. Esse é o meu nom . – Gilbert?! Que nome charmoso. – sorriu faceira. – Aceitaria jantar comigo amanhã as oito, mademoiselle? – perguntou direto e, pela primeira vez, se sentiu acuada. Normalmente, era a dona da situação e tomava as iniciativas. Não estava acostumada com aquilo. – Eu... eu... ador... – Derrier! Agora que estou adequadamente vestida, podemos conversar um pouco, tomar café ou até marcar algo mais formal. Estou há tanto tempo nos Estados Unidos e, apesar disso, não encontrei companhia agradável nessa cidade. [15] – Pardon! Preciso ir embora. Virou-se para Zefa, beijou sua mão novamente e disse: – Ligo para confirmar nosso compromisso, a tout à l’heure
[16]
.
– É claro... – sussurrou, sentindo o rosto arder de vergonha. Ele exalava sensualidade e a forma como a encarava, parecia querer devorá-la. – Já está pronto, Derrier? – Anna Maria perguntou ao entrar e Zefa olhou-a constrangida. Eva estava vermelha de vergonha e Richard, que vinha logo atrás, esforçava-se para não rir. – Só vou pegar a minha bolsa, o meu cão-guia e já volto. [17] – Certo, allons-y! – respondeu, ainda olhando de forma indecorosa para Zefa, que estava completamente sem jeito. Anna Maria voltou em seguida, deu um beijo na boca de Richard, e saiu com Dinho e Derrier. Zefa ficou ali na sala, observando a cena, sem reação, até que Eva começou a dar seu piti! – Como ousa se insinuar para um amigo tão querido, discreto e cavalheiro? Você é uma serviçal e tem que se pôr em seu lugar, sua negrinha...
– Ei! Pode parar! – interferiu Richard. – Em primeiro lugar, Zefa não se insinuou para ninguém. O maestro demonstrou claramente seu interesse por ela; em segundo lugar, ela não é uma serviçal e, sim, uma amiga muito querida; e em terceiro lugar, ela não é negrinha. Sua megera preconceituosa, invejosa e despeitada. Zefa tem uma cor linda, é bonita, boa gente e capaz de chamar a atenção de um homem sem usar artimanhas. Então, vamos parar com isso, antes que a coisa fique feia. Tenho certeza que Ann não ficará ao seu lado, quando ouvir essas ofensas. – Não ouse me desafiar, Richard! Eu sou sua sogra e você me deve respeito. Zefa é apenas uma serviçal, e para mim, se a pessoa não é branca, não tem meio-termo. Essa coisa de mulata, parda, marrom, bombom... isso é tudo para disfarçar a cor. Ela é negra! – Deixa, Richard! Já ouvi coisas piores. Vou sair um pouco, porque não tô com vontade de ouvir absurdos. – Vocês dois não se atrevam a me deixar falando sozinha. – Eva, mais uma vez você conseguiu cair no meu conceito. Sinceramente, se Ann é essa pessoa maravilhosa hoje, deve isso única e exclusivamente a Zefa. Agora vou trabalhar, pois não estou com paciência para os seus absurdos. – Antes de sair, virou-se para Eva e olhou bem nos seus olhos. – E não se atreva a fazer nada contra Zefa. Só vai piorar ainda mais a sua situação. Bem feito, naja! – Zefa ria por dentro, enquanto Eva estava vermelha de raiva. – E dona Eva... – Ela se virou para a perua antes de voltar à cozinha. – Se quiser almoçar é melhor ir a um restaurante. Não tenho horas para voltar da rua. Passarei o dia no salão de beleza. – Mas que insolência! Nunca fui tão destratada em toda a minha vida. – esbravejou Eva – Como aprendeu a ser tão abusada desse jeito? Volte aqui! – Eu fiz curso de grosseria por correspondência. – respondeu, rindo. – E aperfeiçoamento com a senhora. Zefa voltava para a cozinha, quando ouviu a gargalhada de Richard no quarto. O doutor estava se divertindo muito com a situação, mas ela estava nervosa. Como se comportaria com um homem tão elegante e charmoso como o Derrier? Agora, além de se preocupar com Anninha, teria que pensar em como se vestir; o que usar, o que calçar e o tipo de maquiagem que faria. Pela primeira vez, teria um encontro com alguém que a convidou e não estava no comando. Sentia-se insegura demais e ainda teria que aturar os desaforos da cascacu. É foda! Muita coisa para uma pessoa só, pensou, enquanto arrumava a cozinha.
CAPÍTULO 28
Andar pelo centro de Nova Iorque como uma cega, seguindo apenas os seus instintos, já era algo que deixava Anna Maria amedrontada. Ela caminhava com Dinho, colocando todo o aprendizado de uma vida dura, vivida em São Paulo. A sua cidade natal, assim como a atual, era populosa e povoada, com pessoas movidas pela pressa e tensão cotidiana. Apesar disso, ela se virou até aquele momento e já estava acostumada com aquela agitação de gente andando, correndo e esbarrando nela, carros fazendo um barulho ensurdecedor e motoristas apressados buzinando zangados. Aquilo tudo era normal, pois fazia parte da vida. Mas andar em Nova Iorque enxergando era outra coisa. Ela estava com óculos escuros, segurando o cão-guia e tentava se passar por cega. A grande dificuldade era se controlar sempre que vinha alguém em sua direção, ameaçando passar por cima dela. Será que sempre foi assim e não percebeu? Dinho a conduzia da mesma forma e ela tentou controlar, mesmo assim foi horripilante. Derrier a segurava pelo braço sempre que paravam na calçada para atravessar a rua, mas Anna Maria sentia a insegurança consumindo sua alma ao pensar que aquelas coisas monstruosas – chamadas de carros – poderiam passar por cima e tirar-lhe a vida. Caminhou calada e apavorada com tudo o que via à sua frente e, por um momento, teve vontade de voltar para casa e se esconder. Richard estava certo... Tudo era muito perigoso! Sobressaltada, despertou de seus devaneios com um carro buzinando, praticamente em cima dela. Dinho seguiu, puxando-a e o maestro também, mas ela estava assustada demais para continuar. Não se sentia mais como uma mocinha de romance policial. Estava muito além daquilo. Queria ligar para Richard e pedir que a levasse para casa, pois tudo era perigoso demais e ela seria atropelada, fosse por um transeunte apressado ou por um carro desgovernado. Ele falou algo tranquilizador, como “tudo ficará bem”, mas ela não conseguia imaginar como tudo ficaria bem, correndo o risco de ser assassinada ou atropelada. Engoliu em seco e continuou o trajeto de seu apartamento até o teatro, ladeada pelo maestro, que fez questão de ser muito gentil. Vinte minutos depois, chegaram e sentiu-se grata por ter chegado viva e, ao mesmo tempo, assustada ao imaginar que alguém tentaria assassiná-la ali. Parecia até um filme, cujo título era: Marcada para Morrer . A diferença era que ela, uma jovem frágil e que acabara de recuperar a visão, não era Bruce Willis, imune a balas, mísseis,
facadas, estrangulamento, afogamento... Era apenas uma jovem tentando ser corajosa e fazer o que era certo. O teatro por si só já possuía uma atmosfera sombria e fantasmagórica, mas vista com outros olhos parecia ainda mais assustador. Por um momento, Anna Maria olhou disfarçadamente o local, respirou fundo e seguiu com o maestro. Estou segura! A polícia estará aqui o tempo todo. Tudo será monitorado. Tentava se convencer que tudo ficaria bem, mas no fundo do coração, não tão fundo na verdade, ela intuía que aquilo não era verdade. A polícia deixaria o assassino se aproximar e tentar matá-la, para só depois agir. Ela estava ferrada, sabia disso. Richard tinha razão em dizer que era frágil e delicada. Não se sentia nem um pouco preparada, mesmo com microgravador, bomba de fumaça, arma de choque, spray de pimenta e uma microcâmera. No fundo, aquilo tudo só atrasaria o assassino, isso se conseguisse pegar algo na bolsa e usar. Ah, Zefa! Por que você me fez acreditar que era corajosa? Você pode fazer isso, Anna Maria! Ela e Dinho seguiram para o palco, posicionando-se com os outros membros da companhia. Em minutos, o local estava cheio e todos sussurravam ao mesmo tempo, falando sobre os últimos acontecimentos e tentando descobrir se os produtores iriam, finalmente, encerrar a produção do espetáculo e demiti-los. O maestro Derrier pediu a palavra e passou meia hora falando sobre os assassinatos, as providências da polícia, as medidas de segurança adotadas e o novo cronograma para a apresentação. A produção queria apresentar no início de janeiro e por isso eles teriam que ensaiar arduamente, dando o suor e sangue, para que tudo saísse impecável. Alguns fizeram piadas de mau gosto, falando que literalmente dariam o sangue por aquele espetáculo, mas depois levaram a sério tudo o que foi dito por Derrier. Os músicos foram dispensados, apenas para prepararem o material do ensaio e foi a deixa de Anna Maria e Dinho. Os dois seguiram o fluxo de pessoas, observando o tumulto e ouvindo com atenção o que era dito. Falavam em duas jovens assassinadas recentemente, mas, ao que tudo indicava, a polícia não divulgou o fato para a imprensa. Ela entrou na sala dos instrumentos e foi ao armário pegar o violino. Dinho estava alerta e inquieto, deixando-a ainda mais ressabiada. Não sabia se o que o incomodava era o barulho ou o cheiro do assassino, mas ele fora treinado para ser pacífico e só atacaria se sua vida estivesse em perigo. Tremia de medo e, mais uma vez, teve a sensação de ter tido uma péssima ideia ao se colocar de isca. Lembrou-se de uma frase clássica de Zefa. Bonzinho só se ferra! – Vamos lá, Anna? – ela ouviu alguém chamá-la e saiu do estado de transe.
– Já estou indo. – respondeu, temerosa. Tratou de pegar logo o violino e seguir com os outros [18] músicos. Ficar ali, sozinha, pensando na morte da bezerra , não ajudaria muito. Apesar de estar usando óculos escuros e ter uma visão quase nítida de tudo ao seu redor, Dinho a conduziu. A cada passo ficava ainda mais nervosa, observando discretamente os rostos, enquanto fingia olhar à frente. A mão transpirava e era difícil segurar a coleira do cão, que escorregava a todo o momento entre seus dedos. Quando chegou ao palco, observou aquelas pessoas como suspeitos potenciais. Só precisava encontrar o cheiro certo e teria o assassino. Os ensaios começaram da pior maneira possível, porque o grupo não conseguiu chegar a uma harmonia e o maestro gritava, ensandecido, dizendo que o prazo era muito curto. A maioria estava ali apenas pelo salário, sem dar muita importância aos seus berros. Duas horas depois, ele pediu uma pausa e resolveu se reunir com o produtor. Os dois ficaram sentados nas cadeiras reservadas à plateia, conversando muito baixo, sobre o péssimo desempenho. Meu Deus! Onde estão os policiais à paisana? Ela não via nenhum policial, nada suspeito, nada que lhe desse segurança, nada de nada. Estava completamente perdida... Iria morrer sem ajuda. Abriu a bolsa, pegou o pequeno gravador e ligou. Depois passou a mão para se certificar que tudo estava ali e decidiu que era hora de agir. Se continuasse ali parada e amedrontada, nada aconteceria. O assassino iria atrás dela, que conseguiria alguma prova, mesmo que fosse apenas uma foto tirada pelo celular.
***
Ela estava lá, linda, delicada e assustada, como sempre. Ele vigiou os passos de Anna Maria desde o primeiro momento em que a viu entrar com Derrier. Vê-la ao lado dele lhe inspirou ainda mais a vontade de matá-la. Não teria pressa dessa vez, mas levaria a linda violinista para o seu apartamento e torturaria pouco a pouco, aproveitando o máximo daquele corpo suave e delicado. Manteve-se longe, o suficiente para ela não sentir o cheiro do charuto e naftalina de suas roupas, somente observando discretamente. Por mais que ele as lavasse, o armário em que guardava as roupas fedia a naftalina, e ele não largava o vício de fumar. Ele sabia que os cegos possuíam os demais sentidos aguçados e, decididamente, Anna Maria conhecia o seu cheiro. A prova da sua teoria foi tirada no dia em que se aproximou e ela se apavorou, alertando a todos sobre a sua presença. Assim ele precisava se manter distante o suficiente para não assustá-la. Ele observou quando ela saiu do palco durante o intervalo dos ensaios, como também o ambiente à sua volta e não viu perigo algum em tentar sair dali.
Começou a se afastar, pouco a pouco, até ser encoberto pelas sombras existentes na coxia escura, assustadora e propícia para se esconder. Só precisava ter certeza de que o local estava deserto o suficiente para agir. Se tivesse uma oportunidade, ele a sequestraria e depois faria de Anna Maria Smith a grande prova de que aquele espetáculo nunca se realizaria.
CAPÍTULO 29
Finalmente, Anna Maria tomou a iniciativa e saiu do palco, caminhando sorrateiramente até a coxia. Dinho a conduzia, silenciosamente, entendendo os seus sinais. Quando se viu sozinha, na penumbra, começou a andar apressadamente pelos corredores vazios. Podia sentir uma presença, mas não quis olhar para trás. Sabia que viria atrás dela e era imprescindível que mantivesse o seu disfarce. No final do corredor, se deparou com uma enorme escadaria e subiu quase correndo. Dinho estava choramingando baixinho, enquanto a puxava. Todos os pelos dela se eriçaram pressentindo o perigo. Seu sexto sentido lhe dizia que ele estava logo atrás e precisava agir, mas correr segurando a coleira era um empecilho, dificultando a fuga. Ao chegar ao andar superior, saiu pela porta de serviço e soltou a coleira. – Vai, garoto! – Passou a mão pela cabeça do cachorro e o abandonou ali, ele não precisava morrer com ela. Entrou novamente pela mesma porta e continuou subindo correndo, ofegando, suando e tremendo. Ouvia os passos atrás de si e sabia que ele estava lá. Não sabia direito para aonde iria, só sabia que precisava correr. Com medo de que a polícia não estivesse por perto, tirou o celular da bolsa e ligou para Richard. – Amor, ele está atrás de mim. – disse rapidamente, enquanto tentava andar rápido e parava a cada dez segundos para respirar. – Onde você está indo, Ann? – perguntou Richard, nervoso. – Estou subindo... Subindo. Estou perdida. Acho que estou indo em direção aos camarotes. – Estou indo! Tente se esconder, agora. Estou em uma lanchonete perto do teatro. – Mas você não foi trabalhar? – perguntou, indignada. – Estava preocupado demais para isso. Estarei aí em minutos. Se esconda e me espere, Anna Maria! – Foi a primeira vez que ela ouviu-o falar seu nome, sem abreviá-lo, usando aquele tom autoritário. – Ok! Eu... – Ela engoliu em seco e uma lágrima rolou pelo seu rosto. – Eu te amo! – Nesse momento, ela ouviu o cão latindo alto, depois choramingou como se estivesse machucado. – Dinho... Oh, Deus!
Anna Maria desligou o celular, jogou-o na bolsa e começou a correr, sem parar e olhar para trás. Ouviu o barulho de uma porta batendo e se desesperou. Em pânico, tentou abrir todas as portas que via – uma a uma –, mas estavam trancadas, impedindo o acesso. Só lhe restava correr todo aquele corredor e achar a próxima porta de serviço, no meio daquela escuridão assustadora e quase fantasmagórica. Chegou a achar que seria melhor continuar cega àquilo. Não sabia de onde tinha tirado coragem, mas algo lhe motivava a correr... E muito. Parecia uma maratonista, correndo desvairada pelo corredor imenso. Alguém estava correndo em sua direção e ela não poderia parar para olhar atrás. Quando chegou à primeira porta aberta, entrou e a trancou. Ali dentro, assustada e em pânico, percebeu estar dentro de um camarote. Caminhou até o beiral e viu o palco com os artistas ensaiando. Tentou gritar, mas não conseguiu, porque estava sem fôlego, e seu súbito ato de coragem foi interrompido com um estrondo de arrombamento. – Não... – ela disse, vendo o rosto do assassino pela primeira vez. Ela o conhecia... Sim, ela o tinha visto mais cedo, pegando o seu instrumento. Estava afastado demais, mas estava lá, com os outros... Era ele. – Anna... Anna... Peguei você. Rá! – dizia o homem com um sotaque francês, falando desvairadamente. Sua expressão era de alguém furioso e ensandecido. Teve muito medo daquele olhar. Passou a mão dentro da bolsa e pegou a primeira coisa que achou. Santa Zefa, pensou ela, ao perceber que era a arma de choque. Ela tentou atacar o homem, mas ele foi mais forte, arrancando de suas mãos em uma luta covarde, fazendo o objeto voar ao outro lado do pequeno camarote. – Ahhh! Socorroooo! – tentou gritar, mas a voz era quase um sussurro, enquanto ele a erguia, segurando pelo pescoço. Anna Maria se sacudiu, lutando bravamente, tentando arranhá-lo. Os óculos caíram de seu rosto durante a luta, deixando-a cara a cara com ele. Acabou chutando o saco do assassino, que a largou gemendo de dor; dando tempo para ela se afastar. Tentou correr para a porta, mas ele a segurou pelo pé e a puxou. Ela deu um chute, com a força que conseguiu, em seu rosto. – Sua puta! – gritou e a puxou, depois bateu em seu rosto com força, fazendo-o arder de dor. Quando percebeu, ele já estava em cima dela, tentando estrangulá-la. Alguém o puxou e livroua de suas mãos. Ela tossia, colocando a mão no pescoço, enquanto tentava respirar, pois estava sufocada. Pôde ver com nitidez o seu salvador, enquanto se recuperava... Richard. Entre socos e chutes, os dois lutavam, e ela percebeu o quanto o noivo era forte. Com dificuldade, se levantou e pulou nas costas do assassino, que estava encurralando-o na parede. Ela foi socando a cabeça do homem com força, enquanto ele lutava para tirá-la de lá. A força com que a empurrou foi tanta, que a jogou para fora do camarote, deixando-a pendurada com uma das mãos. – Socorro! – Não tinha voz para gritar, só sussurrava. Mas podia ouvir os gritos desesperados das pessoas embaixo pedindo para se segurar, e a briga entre Richard e o assassino. De repente ouviu Richard gritar, parecendo estar com muita dor; e alguém, que não sabia quem era, entrando na
briga. Quando já não tinha mais forças, uma mão segurou a sua, impedindo-a de cair. – Não solta, Ann! Por favor, não solta! – Algo aconteceu e Richard quase caiu, com o solavanco, fazendo-a escorregar um pouco. Ela ouviu um tiro e pessoas gritando. Outra mão segurou a sua e começou a puxar. Ela chorava convulsivamente, com medo de cair e medo de perdê-lo. Quando seu corpo foi finalmente puxado de volta ao camarote, ela caiu sem forças no chão e observou a confusão à sua volta. Richard estava sangrando muito, quase desmaiado, ao lado de um cadáver e várias pessoas à sua volta, chamando o seu nome. Ela observou o noivo ali e no seu estado não conseguiu nem chorar. Estava em choque. Tudo foi ficando confuso, escuro e as vozes foram aumentando, deixando-a ainda mais desnorteada. Finalmente, perdeu a consciência, no meio do caos à sua volta, sem saber quem havia morrido e quem havia sobrevivido àquela tragédia.
***
O policial que estava à paisana, fingindo-se de faxineiro, percebeu o barulho vindo dos camarotes e tentou observar o que acontecia. Havia uma mulher nas costas de um homem, que lutava com outro. O assassino havia agido, sem que houvesse percebido. Correu o máximo que pôde até chegar ao local onde a luta ocorria. Ao chegar, percebeu que ela estava pendurada e os dois homens continuavam trocando socos. Um deles tirou um canivete e enfiou na barriga do outro. Ele já soube que se tratava do assassino, pois o outro era o médico que namorava Anna Maria Smith. Pulou sobre o assassino, enquanto o médico estava caído, com uma das mãos na barriga, sangrando muito. Ele continuou lutando com o rapaz e depois de conseguir socá-lo na parede, atirou sem pensar no peito do sujeito. Ele não merecia viver para continuar cometendo aquelas atrocidades. O homem percebeu que o médico tentava puxar a jovem, que estava quase caindo sobre as cadeiras na grande área reservada à plateia. Ele tentou ajudá-lo, mas o homem quase soltou a mão dela. Os dois trabalharam em conjunto, puxando a jovem, até que ela estivesse dentro do camarote em segurança. Ele percebeu que o médico havia caído do outro lado, desmaiado e a jovem estava quase apagando. Tirou o celular e chamou uma ambulância, pois suas vidas estavam em perigo. A essa altura, o camarote estava cheio de gente, alguns curiosos e outros tentando ajudar. Ele percebeu que a jovem não respirava e prestou os primeiros socorros tentando reanimá-la. O maestro estava ao lado do corpo do médico, que parecia morto em uma poça de sangue. Ele havia chegado tarde demais, porque acabou se distraindo e falhou em sua missão.
CAPÍTULO 30
Aquela manhã já começara tensa e, como se já não bastasse ter que aturar a cascacu, ainda estava muito preocupada com Anninha e aquela loucura toda. Ela demonstrava para os outros que estava bem e até ajudou-a naquele plano maluco, mas no fundo, bem no fundo, Zefa se sentia culpada. Resolveu sair do apartamento, para evitar mais confrontos com Eva, e foi andar um pouco. Dissera que iria ao salão, mas estava nervosa demais para aquele tipo de futilidade. Se o perigo que Anna Maria estava passando não bastasse, agora ainda tinha esse maestro. Ele deixara-a muito intimidada. Nunca se sentira tão receosa como naquele momento. Zefa não queria se envolver de verdade, pois tinha medo de que seu coração fosse partido novamente. Já passara por aquele tipo de coisa antes e sofrera muito por entregar o coração a um cafajeste. Adorava procurar homens na internet, apenas para envolvimentos casuais, porque achava divertido e precisava transar, eventualmente. Mas entregar o coração era outra coisa! Ela era dona da sua vida, da situação e não permitiria isso. Gilbert! Por que estou me sentindo assim? Por que me deixou tão intimidada? Não posso me envolver com um homem que pode roubar o meu coração. Isso não vai terminar bem. Não vai! Ficou andando pelo centro de Nova Iorque, pensando em várias coisas que a incomodavam naquele momento. Seu coração estava angustiado e pressentia que algo de ruim estava para acontecer. Tempo depois, resolveu voltar ao apartamento e esperar por notícias. Não estava com paciência para ficar andando, sem rumo. Ao chegar, notou que a cascacu não estava lá e deu graças a Deus. Era uma bênção não ter que aturá-la novamente. E ela já estava com o estoque de paciência esgotado naquele dia. Tomou um banho e depois foi para o seu quarto, porque queria navegar pelas redes sociais e distrair-se um pouco. Seus pensamentos estavam conturbados demais e a todo instante mudavam de Anna para o maestro. O telefone tocou e atendeu-o imediatamente, com o coração na boca, por causa daquele pressentimento que a angustiava. – Alô! – respondeu, exaltada. [19] – Bonjour, chérie! – ela tremeu ao ouvir aquele sotaque francês irresistível. – Ma... mae... maestro. – gaguejou.
– Aconteceu uma coisa, mas fica calma, mon amour
[20]
.
– O que aconteceu com Anna Maria? – perguntou nervosa, já sentindo as lágrimas se formando em seus olhos. – Não me esconda nada, por favor! – exigiu. – Ela foi atacada, mas já está sob cuidados médicos. O estado do namorado é que me preocupa. – Ele parecia muito calmo ou fingia muito bem. Mesmo assim Zefa se sentia nervosa com a revelação. – O que aconteceu com o Dr. Richard? – Já chorava, enquanto tentava manter o controle das emoções e não ter uma crise. Precisava ser forte por Anninha. Não era o momento de demonstrar fragilidade. Depois, quando tudo passasse, ela poderia se dar ao luxo de chorar até afogar a menina dos seus olhos. – Ele foi esfaqueado. – respondeu o maestro com sinceridade. – Para que hospital eles foram levados? – quis saber. – Eles foram levados para o Beth Israel Medical Center, pois era o mais próximo do local. [21] Quer que eu vá buscá-la, chérie ? – ele se ofereceu. – Si... sim. – gaguejou mais uma vez, chorando, enquanto tentava imaginar a gravidade da situação. – Por favor! – Devo demorar um pouco. O hospital é bem perto e pegar um táxi, com esse trânsito caótico, só vai demorar mais. Vou andando até aí. – Obrigada! Zefa estava sem chão naquele momento. Por mais que o maestro estivesse tranquilo, ela não sabia a gravidade da situação. Sentia-se culpada por deixar Anna fazer aquela loucura. Nunca se perdoaria se algo grave acontecesse com os dois. Ela tinha certeza que Richard não ficaria no consultório, trabalhando tranquilamente, enquanto Anna corria perigo e tinha que estar ao seu lado de tocaia. A culpa estava corroendo-lhe a alma, fazendo-a chorar como não chorava há anos. Deixou que a crise viesse de uma vez, para colocar tudo para fora. Era orgulhosa demais para se permitir chorar na frente de um homem. Há anos jurara não fazer isso e não faria naquele dia, muito menos se tratando do maestro – por quem se sentia atraída e vulnerável. Minutos depois a campainha tocou e ela conseguiu se recompor. Deu uma olhada rápida no espelho do quarto antes de atender. Quando abriu a porta, percebeu que Gilbert estava com a expressão abatida. Aquilo só a deixou ainda mais angustiada. – O que aconteceu com eles? Por favor, me diga que estão bem? – implorou. – Anna está bem. Possui algumas escoriações, mas aparentemente não tem nada quebrado. O seu estado não é grave e ficou em observação no hospital. Os médicos deram sedativos e ela deve
dormir até amanhã. Quando saí, o responsável disse que faria alguns exames para confirmar seu estado clínico. – Zefa observou a expressão dele, que ergueu uma das sobrancelhas, depois de fazer uma breve pausa no relato, e ficou preocupada. – Richard lutou com o assassino e foi esfaqueado. Perdeu bastante sangue e não sei exatamente qual a condição dele agora. Teremos que esperar até um pronunciamento do responsável pelo seu atendimento. – Então, vamos logo! Não aguentarei ficar aqui esperando. Necessito saber exatamente como anda a situação agora. – Vamos! – Ele abriu a porta e fez sinal para que Zefa saísse. Ela partiu apressadamente, esquecendo-se até de como aquele homem a afligia.
***
As horas foram passando lentamente e nada de notícias. Eles começaram a conversar. Ao que parecia, ele estava interessado em saber sobre sua vida. Ela notou que o divertia com suas histórias e gostou de ver aquele homem posudo e temido sorrindo. Ele tinha o sorriso deslumbrante, lábios perfeitamente desenhados em forma de coração, as covinhas em seu rosto davam um charme especial e os brilhantes olhos azuis – em tom de turmalina –, eram fascinantes e a deixavam completamente hipnotizada. A única coisa que a desagradava era o nariz enorme de pica-pau, mas o conjunto da obra a agradava bastante. Ela não entendia o motivo daquele homem gentil, educado, elegante e agradável ser tão temido e odiado por alguns. Ele era cativante e a sua conversa fácil fez com que se esquecesse dos problemas que estavam acontecendo naquele momento. Se não fosse por sua presença, Zefa teria ficado louca com aquela espera, que durou horas. Já era tarde da noite, quando finalmente o médico veio dar notícias de Richard, que havia passado por uma cirurgia complicada e naquele momento estava em estado de recuperação. Somente agora, ela se deu conta de que não havia avisado Eva e que Dinho estava desaparecido. Tentou ligar várias vezes para o celular da cascacu, sem sucesso. Em casa ninguém atendia, então só restou deixar recado na secretária eletrônica. Depois, ela pediu ao maestro que lhe ajudasse a encontrar o cão-guia, quando este lhe informou que ele fora recolhido pela polícia e levado para uma clínica veterinária, pois estava ferido. Com muito custo, ele convenceu-a a sair para jantar, mas ela não estava com um estado de espírito muito bom para aquilo àquela noite. Anninha estava em observação e não podia receber visitas; e o Dr. Richard em um estado muito delicado. Era coisa demais para pensar naquele momento. Ela se sentia sem chão, chorando desconsoladamente. Derrier a amparou e ajudou-a a voltar para casa. Ainda ficou com ela algum tempo conversando, o que a fez admirá-lo ainda mais. [22] – Bonne nuit, ma chère! – O maestro se despediu, com aquela forma carinhosa, devorando-a com os olhos; coisa que a deixou ainda mais vulnerável, enquanto beijava a sua mão.
– Boa noite! – Ela teve que se conter para não suspirar como uma adolescente apaixonada. Já era uma mulher vivida e vacinada. Não podia agir como tal. Precisava se impor, antes que ele percebesse o efeito que causava nela, se é que já não havia percebido. Aquela noite Zefa não conseguiu dormir e, além de se preocupar com Anna e com o Dr. Richard, ainda teve uma cota extra com o desaparecimento de Eva. Ela continuou insistindo nas ligações, mas sempre caíam na caixa-postal do celular da jararaca. Aquilo só a fez concluir uma coisa: a bruxa havia arrumado um homem e estava dando suas voltinhas. Ela já tinha feito aquele tipo de coisa antes, até mesmo quando o marido era vivo. Não seria nada estranho se aparecesse uma semana depois, com a cara mais lavada, inventando uma desculpa esfarrapada. Logo pela manhã, Zefa se levantou, tomou um banho rápido e bebeu apenas um copo de leite antes de preparar a bagagem, com objetos pessoais de Anna, para levar ao hospital. Estava terminando de aprontar a pequena mala, quando a campainha tocou. Ela sabia de quem se tratava e estava muito nervosa. Apesar de tentar se controlar, não sabia como agir diante daquele homem. Se estivesse nos seus melhores dias, mostraria para ele quem mandava na situação, mas estava sensível demais com a situação atual. [23] – Bonjour, ma chérie! [24] – Oui! Bonjour, maestro! – respondeu usando um francês impecável. – Je vois que parle le français
[25]
. O que mais não sei sobre você, chérie?
[26] – Muitas coisas, mon chéri! Agora podemos ir? Preciso ver como Dinho está, antes de irmos ao hospital. Você me leva lá? – Com todo prazer! – Ele pegou a pequena mala e deu o braço a ela, conduzindo como um perfeito cavalheiro. – Você aceita almoçar comigo hoje? Pedi à minha cozinheira para fazer um cardápio especial. – Pensarei sobre o assunto, maestro. – Já é um bom começo. – Ele sorriu de forma maliciosa. – Não costumo ser tão disponível. Só não tenho nenhum compromisso na agenda, além de aguardar a liberação para a visita no hospital. – Você é difícil, mas eu sou paciente. – ele respondeu. – É mesmo? – ela o desafiou. – Não ganhei a fama que tenho à toa. Sou teimoso, perseverante e sempre consigo o que quero. – deixou claro. – Interessante!
– O que é interessante? – ele questionou. – Eu adoro desafios, maestro. Ainda mais quando sou desafiada. Não entre no jogo sem conhecer o seu oponente. No amor e na guerra vale tudo; e eu sei jogar implacavelmente. – Agora sou eu quem está achando o jogo interessante. Você realmente vai querer jogar comigo? Saiba que não desistirei até ganhar. – Mesmo? – perguntou de forma debochada. – Adoro desafios, esqueceu? Eu disse isso ontem, quando falei da minha trajetória de vida. – Eu havia me esquecido. Mas me lembrarei da próxima vez. Saiba que sou uma oponente muito capaz e luto com todas as minhas armas. – Ela o encarou de forma maliciosa. Os dois ficaram parados, se olhando por um tempo, tentando demarcar o território. Zefa não deixaria aquele homem chegar e se dar bem sobre ela, só porque estava vulnerável. Ele teria que comer muito angu até conseguir alguma coisa. – Então que vença o melhor, ma chérie. – Que vença o melhor. Saiba que sou brasileira, nordestina e ariana. Eu não desisto da luta. Vai mesmo querer brincar, maestro? Posso ser bem mais perversa do que aparento. Acho que você nunca cruzou com uma nordestina de sangue quente. Posso fazer coisas bem interessantes, que deixaria até o mais corajoso dos homens envergonhados. – Hum... Pois agora mesmo que desejo seguir com esse desafio. De repente, nós dois ganhamos. Já pensou nisso? – É uma possibilidade... É uma possibilidade, mas até lá nada de gracinhas. Você não gostará de me ver nervosa. – Tudo bem. Mas então você aceita o almoço? – questionou novamente. – Você é muito insistente, não é? – ela riu. – Oui, ma chérie! Você não faz ideia de como. – ele desafiou, mais uma vez. – Gosto de homens decididos. – Eu gosto de mulheres desafiadoras. – Esse jogo pode ser interessante. – Muito! – ele afirmou. Aquela situação estava ficando perigosa e, ao mesmo tempo, interessante. Zefa começava a gostar da brincadeira.
CAPÍTULO 31
Anna Maria tentou abrir os olhos, mas sentia as pálpebras pesadas. Ela tentou piscar algumas vezes, até finalmente conseguir abri-los. Olhou à sua volta, ainda confusa e assustada. A cabeça doía bastante e as lembranças dos últimos acontecimentos começavam a vir aos poucos, como se fosse um sonho. – Ai... – ela gemeu. – Oi, minha menina. – Era a voz de Zefa. Ela sentiu-a segurando sua mão carinhosamente. – Richard! – chamou, sentindo uma sensação angustiante. Lembrou-se de tê-lo visto no chão, ensanguentado, depois que foi resgatada. – Oh, Richard! – Seus olhos se encheram de lágrimas. Ela o amava muito e não suportava a ideia de perdê-lo. – Ele está bem... – Zefa garantiu. – O doutor está internado em outro quarto. Ainda sob o efeito dos sedativos, mas está bem agora. – O que aconteceu? – inquiriu. – Tudo foi uma loucura, menina doida. Não era para sair caçando o assassino sozinha. Não fez nada do que combinamos. O que fez foi loucura. – ela esbravejou, reprovando-a. – Eu precisava fazer algo. Sabia que ele estava lá, me vigiando, me seguindo, à espreita o tempo todo. Mas agora me conta o que aconteceu?! – Richard te salvou, mas foi ferido com um canivete. O policial, que deveria estar tomando conta de você, chegou a tempo. O psicopata foi assassinado por ele... Acabou. – Zefa disse, dando de ombros. – Mas qual o motivo disso tudo? – Anna estava muito curiosa para saber o que havia acontecido e não se daria por satisfeita até desvendar todo aquele mistério. – Espera um momento. – disse Zefa, saindo do quarto. Minutos depois, ela voltou seguida pelo maestro e pelo investigador. – Srta. Smith! – disse o investigador. – Espero que esteja melhor. – Sim... Acho que sim. – respondeu ela. – Mas o que aconteceu? Quem era o assassino? Por que ele fez tudo aquilo?
[27] – Calme, ma petite! – disse o maestro Derrier. – Explicaremos tudo.
***
O policial começou a narrar tudo o que haviam apurado depois da morte do serial killer. Ele era um jovem francês, de 29 anos, que tocava flauta na companhia há dois anos, cujo nome verdadeiro era Alain Dupont. Desde criança, vinha planejando uma vingança contra o maestro Derrier e se infiltrara na companhia como o flautista Durand Moreau. A polícia encontrara em seu apartamento: diários, fotos, anotações e objetos pessoais dele e de Anna Maria. Segundo as investigações, ele fora adotado por uma família francesa – que mantinha uma relação amistosa com os seus pais –, após seu pai assassinar a mãe e a irmã de sete anos e cometer o suicídio. Ele só foi poupado porque a mãe conseguiu escondê-lo dentro de um armário, mas presenciara a tragédia e com isso cresceu traumatizado. Sua mãe tocava clarinete e fazia parte de uma companhia musical na França, quando o maestro Derrier iniciava a sua carreira. Ela acabou se tornando sua amante, mantendo a relação por vários meses. Seu marido descobriu o fato e perdeu a cabeça, acabando com a sua vida e a da filha, após uma discussão acalorada. O diário do rapaz possuía detalhes sobre o relacionamento que a mãe manteve e promessas de vingança. Ele culpava Derrier por toda a tragédia de sua vida. Desde cedo prometera acabar com ele publicamente e depois matá-lo. Estudou música e passou anos se aprimorando até entrar na companhia. Depois do primeiro assassinato, Alain tomou gosto por matar pessoas e começou a estudar criminologia. Ele queria ser um serial killer e ter sua marca registrada, quando finalmente conseguisse sua vingança. Só que as coisas saíram um pouco do rumo por causa de Anna. A polícia descobriu que, além do maestro, ela se tornara sua maior obsessão. Assim ele a seguia, tirava fotos e até revirava seu lixo. Ele planejava acabar com ela de forma teatral e destruir completamente a reputação de Derrier. – Meu Deus! – disse, depois de ouvir os relatos. – Nós sabíamos que ele havia matado mais quatro jovens e que estava furioso com o fato de escondermos que era um serial killer. Percebemos desde o início que se tratava de um amador. Estávamos vigiando seu apartamento e o consultório do seu noivo porque sabíamos que, a qualquer momento, ele atacaria. – A motivação do crime foi realmente surpreendente. – disse Derrier – Eu nem me lembrava de Marguerite Dupont, sinceramente. – Gente, o que importa é que tudo acabou e agora podemos viver nossas vidas tranquilamente. – disse Zefa.
– Zefa, cadê minha mãe? – perguntou Anna Maria. – Não sabemos de dona Eva. – comentou contrariada. – Toda essa confusão acontecendo e ela sumiu. – Para de falar da mamãe e me dá um abraço. – disse Anna. – Estou tão feliz por tudo ter acabado bem. – Não tão bem, né? – retrucou Zefa, abraçando-a. – Seu doutor está avariado. Se eu fosse você, iria lá cuidar dele, antes que uma dessas enfermeiras abusadas comece a dar em cima. Olhe, fiquei vigiando e percebi que são como abelhas no mel. Um monte de mulheres oferecidas, mas estou de olho nele para você. – Zefa, você não existe! – Anna falou, rindo. – Homem já está difícil, ainda mais um médico lindo, amoroso, rico e cavalheiro. Um verdadeiro lorde inglês. Anninha, você não pode dar mole com essa mulherada sem-vergonha. – Zefa ficou tomando conta. – disse o maestro Derrier, rindo para ela. – Tomo conta mesmo. Se qualquer enfermeirazinha safada chegar de assanhamento, arranco os olhos. Você demorou tanto para arrumar um homem, para deixar uma qualquer vir e ficar se exibindo. Outro desse, você não arruma mais. É muito difícil um raio cair em um mesmo lugar e vamos combinar que você, Anninha, é muito devagar. – Todos riram. – Zefa! – advertiu Anna Maria, fingindo indignação. – Eu tô mentindo, Gilbert? Quem tem seu homem, que segure e fique de olho. – Anna encarou o maestro e percebeu que ele olhava estranhamente para Zefa. Podia jurar que estava admirando a sua franqueza. – Oh, não! – respondeu com o sotaque francês. – Se me permitem, vou embora. Preciso preparar o meu relatório. – disse o detetive, já saindo do quarto. – Obrigada! – Anna falou. – Espero que a senhorita e seu noivo se recuperem logo. – completou ele e saiu. – E o Dinho, está bem? – Anna perguntou, preocupada com seu amigo. – Está em uma clínica veterinária. Ele se machucou um pouco, mas está bem. – Zefa, preciso ir ao quarto onde Richard está. Ajude-me a colocar uma roupa decente? – pediu, levantando-se da cama. – É pra já! Trouxe um vestido para você. Essa camisola não lhe cai nada bem. Que coisa mais sem graça. Se algum dia eu precisar ficar internada, por favor, exija que me coloquem uma camisola de seda.
– Você não existe, mulher! – Sou apenas prática. Se dona Eva ao menos aparecesse, poderia deixá-la aqui e buscar algumas coisas em casa, mas sua mãe tomou chá de sumiço. – Será que aconteceu alguma coisa com ela? – perguntou Anna Maria, preocupada. – Da última vez que dona Eva sumiu desse jeito, estava em um motel com um garoto com a idade para ser filho dela. Foi a empregada da casa dela quem me contou. Nem me olhe desse jeito, porque não estou inventando nada. A essa hora deve estar fazendo sexo, sem lembrar-se que tem uma filha e que ela estava marcada para morrer. – Anna e Gilbert riram, quando falou aquilo. – Zefa, me ajude e deixe de falar da vida sexual da minha mãe. – Estou saindo... Volto depois. – disse o maestro, com o sotaque charmoso. Anna Maria observou que Zefa quase se derreteu ao olhá-lo. – Tá rolando um clima, hein? – perguntou Anna. – Ele é tão educado, gentil e... acho que não tem pinto pequeno. Já viu o tamanho dos pés dele? Quero tirar a prova dos nove. Deixa toda essa loucura acabar e saberei se o maestro estressadinho sabe usar o pinto que tem. – Zefa! – O que foi? Só estou comentando. Pode deixar que não contarei os detalhes sórdidos. Você é muito certinha para isso. – Anna Maria ainda estava um pouco tonta e ela ajudou-a a se vestir, enquanto falava como uma metralhadora. – Fico imaginando se mantém toda essa finura na cama com o doutorzinho. Olha, você pode ser uma lady, mas entre quatro paredes vale tudo e a mulher precisa ser uma puta para segurar o seu homem. Se ficar cheia de não me toques, o doutor encontrará uma boa razão para pular a cerca. Você sabe bem que a grama do vizinho é sempre mais verde e bonita. Então, mantenha a sua vistosa e não dê motivos para ele olhar a grama alheia, entendeu? Um homem como esse você não encontra nunca mais, minha filha. Então, pare de ser certinha e coloque essa fera dentro de você para fora. – Olha, eu acho que hoje você está com problema. Por isso, vou relevar esses conselhos. Sei bem como cuidar do meu Richard. – É mesmo?! Tem uma enfermeira peituda que está doidinha para transar com ele. Você quem sabe... Depois não diga que não avisei. Eu trouxe escova de dente e maquiagem. Você não pode ir lá ver o seu noivo com essa cara de defunta. Vamos fazer uma produção rápida e poderá colocar essas oferecidas no chinelo. – O que deu em você, Zefa? – Tirando o fato de você quase ter sido estrangulada e violentada, caído de uma altura sabe se lá Deus e virado presunto... Além de ter que fugir da imprensa, ficar de olho nas enfermeiras e
também no maestro de pés-grande, tomar esse café horrível, não dormir e comer essa comida, que só estando morrendo de fome mesmo? Tirando isso, estou no meu estado perfeito. Apenas algumas lágrimas e um pouco de estresse. Olha que Deus é tão bom que a cascacu ainda nem apareceu. A vida não poderia ser mais cruel comigo hoje! – Eu não sei se rio ou se choro, mas preciso ver meu amor. Eu não posso mais esperar. Depois você pode falar o quanto quiser. Agora me leve até ele. – Ok! Anna Maria vestiu um vestido florido, colocou os sapatos, jaqueta e deixou Zefa maquiá-la. Depois, as duas saíram do quarto e caminharam até o final do corredor, onde Richard estava internado. Quando entraram, uma enfermeira estava conversando com ele. – Eu não disse? – perguntou Zefa para Anna, fuzilando a sirigaita que estava toda derretida, fazendo charminho para ele. – Amor? – chamou Anna Maria, enquanto se aproximava. Sentou-se à beira da cama e o beijou. Ela havia sentido tanto medo de perdê-lo e vê-lo bem ali, vivo e rindo, mesmo que para outra mulher, era praticamente um milagre. Ele nutria o mesmo sentimento e a beijou com desespero, devorando os seus lábios, enquanto brincava salientemente com sua língua. – Eu senti tanto medo... – sussurrou ele, após interromper o beijo. – Eu também senti. – Anna Maria já estava chorando, colocando toda aquela angústia para fora. Richard secou suas lágrimas, passando o polegar delicadamente em seu rosto. Depois começou a beijar a sua face, distribuindo selinhos nela. – Eu te amo tanto... Mulher teimosa e inconsequente. Eu estava imaginando que você faria uma coisa louca e passei praticamente a manhã inteira perto do teatro, esperando qualquer movimentação. Sabia que ficaria furiosa se me visse lá. O que deu em você, Ann? Tem noção de como me deixou desesperado? Eu quase morri três vezes ontem. Nunca mais me faça passar por isso, entendeu? – ele distribuiu beijos pelo seu rosto, ao mesmo tempo em que brigava e demonstrava todo o seu apreço. – Se aquele filho da mãe não tivesse morrido, eu teria matado. Só de pensar nele maltratando você... Oh, Deus! – Richard, desculpa... Eu não queria que acabasse dessa maneira. Nunca quis que você se machucasse... – Ela começou a chorar convulsivamente e ele a abraçou carinhoso. – Você acha que eu me preocupo comigo? Bobinha... – E a beijou novamente, mas dessa vez com toda ternura, fazendo amor com seus lábios. Ele era o homem da sua vida e, se ela o houvesse perdido, nunca se perdoaria. Agora, apenas queria se perder em seus braços e se esquecer de toda aquela tragédia.
***
Durante todo o tempo em que ficaram no hospital, Zefa e Derrier se desafiaram, veladamente, deixando claras as intenções de cada um. De certa forma, aquilo os aproximou e Zefa ficou ainda mais interessada nele, apesar de se fazer de difícil o tempo inteiro. Quando aquela semana acabou, haviam se tornado amigos e conversavam diariamente. Derrier fazia visitas diárias, com o pretexto de ver o casal, mas ela sabia quais eram suas intenções. Ligava todos os dias, para saber como ela estava. Demonstrava felicidade em sua companhia e ela não sabia se isso se devia ao fato dele querer levá-la para a cama ou de achá-la uma palhaça. O fato é que se sentia bem ao seu lado e estava disposta a dar-lhe uma chance, se ele fosse perseverante e se mostrasse merecedor da sua confiança. Não entregaria o coração de mão beijada para outro patife, para depois chorar as mágoas de uma relação desastrosa. Dessa vez, não se tratava de uma transa casual, daquelas que arrumava pela internet. Precisava se cuidar para não sofrer novamente, depois de uma decepção. Apesar disso, resolveu investir no jogo e deixar as coisas mais interessantes. Se ele estivesse disposto a algo sério, como já havia deixado claro, teria que provar-se digno de sua confiança. Seu coração não era algo descartável e não estava disposta a ver outra pessoa jogá-lo fora. Agora Zefa queria ganhar, e o maestro era um prêmio e tanto. De quebra, ainda irritaria a cascacu. Não era perfeito?!
Uma semana depois.
Finalmente, as coisas estavam mais calmas. Anninha ficava o tempo inteiro no hospital, acompanhando o Dr. Richard, que ainda se recuperava da facada; a cascacu havia retornado para o apartamento, como se nada houvesse acontecido, e quase teve uma síncope depois de saber das notícias. Zefa estava de saco cheio e precisava espairecer um pouco. Todos aqueles acontecimentos a deixaram estressada demais e ela queria sair. Mas não estava com nenhuma paquera virtual e não estava a fim de ir a um bar só para pegar homens. Por isso, decidiu aceitar o convite do maestro e sair para um encontro de verdade, após tantos anos. Ela esperou ele ligar, pois sabia que o faria, como sempre o fizera naqueles últimos dias. Esperaria uma nova investida, se faria de difícil e depois aceitaria. Estava quase tudo planejado para aquela noite. Ele nem imaginava que ela o conduziria e nem desconfiaria que estava sendo manipulado. Riu ao pensar sobre sua esperteza. Quando queria, sabia ser bem convincente. Lá pelas 11h, o telefone tocou e ela o atendeu. – Alô! – Bonjour, Zefa! – cumprimentou o maestro, com a voz sexy. Ela teve que se conter para não suspirar ao ouvi-lo falar. – Bonjour, maestro! – respondeu em tom casual.
– Tem planos para hoje? – ele perguntou. – Passarei daqui a pouco no hospital para levar comida e roupas para a Anna. Tenho que passear com Dinho à tarde e à noite pretendo sair para beber algo. – respondeu, jogando a isca. – E vai sozinha? – inquiriu ele. – Desde quando uma mulher bem-resolvida necessita de companhia para sair, Gilbert? Só preciso relaxar um pouco e posso fazer isso sozinha, mon chéri! – E não quer relaxar tomando um drinque comigo? – Você é insistente mesmo, não é? – Oui! Então, o que me diz? – Tudo bem. – respondeu vitoriosa, ao alcançar o seu objetivo. – Tudo bem? – questionou. – Se você me perguntar isso novamente, irei a um bar tomar uma bebida sozinha. – Passo para te buscar às oito. Pode vir bem à vontade, pois será apenas um jantar íntimo no meu apartamento. Hoje, não quero dividir você com ninguém. – Zefa riu por dentro, com aquele comentário insinuante. – A noite será todinha nossa. – Vamos ver se é o que aparenta, maestro. Saiba que sou muito exigente. – Você não se decepcionará, meu amor. – Já estou bem curiosa. – riu, maliciosa. – Eu também estou muito curioso. – Espero você às oito. E não se atrase, Gilbert! Odeio que me deixem esperando. – Serei pontual. – Até mais tarde! – Zefa desligou e ficou dando gritinhos pela cozinha. Estava superexcitada com as insinuações dele. Aquele jogo estava bem interessante.
***
Mesmo com as tarefas que tinha para aquele dia, Zefa conseguiu fazer depilação, além dos cabelos e das unhas. Após deixar Dinho em um hotel veterinário e deixar as coisas no hospital para Anninha, foi para uma clínica de beleza se cuidar. Queria estar impecável para aquela noite. Se o maestro valesse a pena, investiria na relação. A cada dia que se passava, estava mais a fim de ficar com ele, por mais que tivesse medo de
quebrar a cara novamente e sofrer. Após uma árdua luta interior, chegou à conclusão de que não adiantaria fugir dos sentimentos e arrumar apenas sexo casual em suas viagens. Ela passara dos quarenta e estava na hora de ter sua própria família. Logo Anna e Richard se casariam e ela ficaria só no mundo. Pela primeira vez, Anninha estava feliz de verdade e havia encontrado alguém, que a amava muito e estava disposto a tudo por ela. Não havia ninguém mais capaz do que Richard para proteger sua menina. Já havia cumprido o seu papel e cuidado dela como uma filha por anos. Agora, estava na hora de viver sua própria vida. Às sete, Zefa já estava quase pronta. Optou por usar um tomara que caia preto, bem justo, com comprimento na altura do joelho. A lingerie que escolhera era cor de vinho, cheia de rendas e bem sexy, deixando o conjunto ainda mais espetacular com a cinta liga que prendia a meia-calça preta. Ao se olhar no espelho, ela se sentia muito gostosa. Apesar da idade, estava em boa forma, com curvas perfeitas, sem aquelas gordurinhas ou celulites para atrapalhar o visual. Os seios perfeitos estavam empinados, devido a uma plástica que fizera, mas não contaria a ninguém este segredo. Para todos os efeitos aqueles peitos maravilhosos e convidativos eram naturais, não resultado de um pequeno retoque feito em mesa de cirurgia. – Pronto! Estou gostosa demais. – ela riu com o próprio comentário. – Gilbert não resistirá a esse corpão. É hoje que tiro o meu atraso. Só espero que ele seja bom de cama. Zefa passou algum tempo se maquiando e retocando os cabelos. Queria estar deslumbrante e deixar o maestro cheio de tesão só de olhá-la. Já se divertia só de imaginar a carinha de pidão que ele faria quando a visse. Saiu do quarto às 19h40 e foi checar se havia deixado tudo arrumado na cozinha. Não queria ouvir nenhum tipo de reclamação da cascacu quando voltasse. A convivência já estava ficando cansativa demais. Chegou à cozinha e observou tudo impecavelmente arrumado. Quando já ia saindo, deu de cara com a megera. – Que susto, dona Eva! Quer me matar do coração? – Aonde você vai assim, Zefa? – Não que seja da sua conta, mas tenho um encontro. – Você está cada dia mais insolente! – E a senhora cada dia mais irritante. – Quero que passe um vestido para mim! – ordenou a cascacu. – Agora! – Se não percebeu, dona Eva, estou de saída. Então, acho que terá que se virar sozinha. – respondeu.
– Não irá sair sem passar o meu vestido. – É mesmo? E quem vai me impedir? – Abusada! Nesse momento, a campainha tocou e Zefa riu. Agora esfregaria o maestro na cara da megera. Minha vingança será maligna, pensou, rindo. – Meu acompanhante chegou. – Abriu passagem, empurrando para o lado a cascacu e foi atender a porta. – Boa noite, Gilbert! Que bom que foi pontual. – Maestro? – questionou a megera. – O que faz aqui? – Vim buscar Zefa. Temos um encontro. – respondeu ele, beijando a sua mão. Ela se vangloriou. Queria rir muito da cara de espanto da vaca. – Hã? Bem, sinto em atrasar você, mas Zefa tem que passar uma roupa minha. – falou em tom de deboche, para humilhá-la. – Acho que não, dona Eva. Ou usa a roupa que tem passada ou fica em casa. Eu não passarei nada seu hoje e nem nunca. Não sou sua empregada e tenho um compromisso. Então, se vire sozinha. – Como ousa falar assim comigo na frente do maestro, sua insolente?! – ela soltava fogo pelas ventas. – Como diz minha musa Ivetinha: O que é um peido para quem já está cagada, dona Eva? Para você, eu já estou mais suja do que pau de galinheiro, coisa que não influencia em nada o carinho da sua filha por mim. Pode continuar achando o que quiser. Não perderei meu sono por isso. O que importa agora é que estou linda, gostosa e tenho um encontro com esse homem deslumbrante. E nem você vai me aborrecer hoje. Então morra de inveja e vá passar a sua própria roupa, que eu nem ligo. – Virou-se para o maestro, que ria diante da cena. – Aguarde só um segundo. Tenho que ir pegar a minha bolsa. – observou-o assentindo com a cabeça. Quando Zefa voltou para a sala, ele estava sozinho. Ela agradeceu mentalmente por não ter que passar por mais uma cena com a cascacu. Não a deixaria estragar sua noite. Ela queria aproveitar ao máximo com aquele homem maravilhoso. O resto ficaria para depois. E que se fodesse a bruxa má. – Podemos ir, Gilbert? – perguntou, oferecendo o braço para ele. – Oui, ma chérie! – respondeu, e os dois partiram. O trajeto até a casa dele foi cheio de insinuações. Zefa se sentia uma colegial nervosa, saindo para o primeiro encontro. O ambiente entre os dois era de pura tensão sexual. Não se lembrava da última vez que se sentira daquela forma. Quando chegaram ao apartamento dele, Zefa achou que fosse explodir de tão nervosa, mas conseguiu se conter. Ela observou o exuberante apartamento, com uma decoração cheia de personalidade, localizado em frente ao Central Park. Tudo parecia impecavelmente organizado, ela
notou. Não havia nada fora do lugar ou com uma mínima poeira. Aquilo indicava que ele era uma pessoa chata e perfeccionista. Os dois continuaram conversando sobre assuntos variados, trocando insinuações no meio de cada conversa, e ela percebeu que ele era um homem muito espirituoso e sabia ser sarcástico quando lhe convinha. Aquele jogo continuou boa parte da noite e seus nervos já estavam em frangalhos, quando chegaram finalmente ao que interessava. – Você sabe o que quero de você, não sabe? – perguntou Gilbert. – Desde o primeiro minuto em que me viu, maestro, quis me levar para a cama. Você só quer saber se o cajuzinho é bom de ser comido. – respondeu, debochadamente. – Você é bem direta, não é? – E para que ficar enrolando? – respondeu, levando a taça de vinho aos lábios. Ela fazia tudo de forma muito sensual e calculava cada movimento do seu corpo, para chamar a atenção dele e provocar ainda mais tesão. – Você quer sexo, assim como eu. Simples, mon chéri! – Mas você pretende continuar me provocando, só para aumentar ainda mais o meu tesão. Até quando vai me enrolar dessa maneira? – Não vou mais enrolar. Você tirou a sorte grande hoje. Estou disposta a mostrar como o tempero da Zefa é bom. E se eu gostar, pode até ser que ganhe a sobremesa. – Isso está ficando muito interessante. – ele disse, se aproximando dela perigosamente, enquanto observava seus lábios bebericando na taça. – E que tal acabarmos logo com esse joguinho e começarmos a nossa festa? – Hoje estarei à sua disposição, maestro. Surpreenda-me e prove que merece um pouco da sobremesa. – O prazer será todo meu, chérie! Derrier tirou-lhe a taça de sua mão e pôs sobre a mesa. Depois a pegou pela cintura e a puxou para si. Ele a beijou com tanto ardor, que Zefa pensou que fosse engoli-la. Seus lábios devoraram os dela em um beijo cheio de volúpia e promessa, enquanto suas mãos passeavam pelo seu corpo, abrindo o zíper de seu vestido. Quando percebeu, ela estava imprensada em uma parede, com as pernas ao redor da sua cintura, iniciando as preliminares. Ela estava amando tudo aquilo. Se com um beijo, o homem conseguia fazer todo o seu corpo arder, ela queimaria quando ele estivesse possuindo como se fosse um vulcão em erupção. Esfregou-se em sua ereção, buscando a deliciosa fricção que a levaria ao primeiro orgasmo, enquanto ele a devorava com seu beijo. Seus lábios começaram a brincar com os dela, sugando e lambendo, deixando-a entregue e louca de tesão. O homem realmente sabia beijar com maestria, assim como usar suas mãos hábeis. Sua língua rodopiava dentro de sua boca, levando-a a sentir uma espiral de emoções que faziam seu
corpo quase explodir. Ele tinha uma pegada forte, além de um beijo delicioso e provocante. – Gilbert... – gemeu, manhosa. – Eu quero te devorar inteira. – Oh! Ahhh! – Isso! Geme para mim, ma chérie! Quero ouvir você gritar o meu nome muitas vezes. Como eu te disse, nós dois ganharemos no final desse jogo. Quero te comer inteira e de todas as formas possíveis. – Seu francês depravado. – Você não fica atrás, meu cajuzinho. Naquela noite, várias vezes, os dois fizeram amor, incansavelmente. Zefa estava gamada naquele francês bom de papo e também de cama. Chegou até a perguntar se ele havia tomado a pílula azul, pois o seu desempenho ultrapassava todas as suas perspectivas. Aquilo só podia ser Viagra. Quando o dia estava amanhecendo, os dois finalmente se renderam e ela pôde descansar. Estava toda ardida e dolorida, e muitíssimo saciada para dizer a verdade. O francês não só tinha um pinto maior do que o infeliz que conhecera na França, como também era um espetáculo na cama. O sexo com ele foi uma delícia! – Acho que estou apaixonado por você, ma chérie! – Eu também, Gilbert. Mas agora me deixa dormir. Você tirou todas as minhas forças. – Durma bem, ma chérie. E descanse bastante, pois pretendo abusar muito das suas forças o resto desses dias. – Você é pior do que coelho, maestro. – ela bocejou. – Agora preciso mesmo dormir. O dia está amanhecendo e estou exaurida. Não se atreva a pedir mais sexo antes de uma da tarde. – Pretendo te acordar antes disso. – Nem sonhe, maestro. Eu sou vingativa.
CAPÍTULO 32
Anna Maria estava amedrontada. Há meses não sentia aquela sensação angustiante, deixando-a arrepiada e com vontade de sair correndo; mas não desistiria... Não mesmo! Já havia chegado até ali e seguiria em frente, como a mulher corajosa e destemida que era. Ela iria voar de asa-delta, pela primeira vez com seu marido, sim, seu marido. Richard já havia saltado quatro vezes e estava tomando gosto pela coisa. Ela, no entanto, estava enrolando um pouco e agora estava prestes a fugir. Havia passado por tanto nos últimos meses e pensou que nada mais pudesse lhe causar aquele pavor, mas ali, na Pedra Bonita – uma bela montanha, com localização privilegiada; em frente à Pedra da Gávea, localizada entre os bairros São Conrado e Barra da Tijuca –, ela tinha uma visão maravilhosa e se sentia, até certo ponto, excitada com a possibilidade de voar. Na hora “H”, no entanto, deu aquele frio na barriga e vontade de amarelar. – Você ainda pode desistir, amor! – disse Richard, enquanto o instrutor de voo colocava os equipamentos de segurança. Ela pensou que muitas coisas poderiam dar errado, uma delas seria cair da asa-delta ou um pouso malsucedido. Só que era demasiadamente orgulhosa para dar o braço a torcer no último momento. Reuniu o resquício de coragem que ainda tinha e tentou se acalmar. – Eu consigo, amor! Estou com medo, mas juro que consigo. – afirmou para Richard. – Eu estarei com você o tempo inteiro. Não precisa ter medo. Já sou quase profissional nisso. Ela quis dizer para ele que quatro saltos não o tornavam profissional e que eles poderiam despencar, estragando a lua de mel e a vida maravilhosa que planejaram juntos, mas não queria ser pessimista, quando ele parecia tão radiante de felicidade. – Eu confio em você. – disse para ele. O momento do salto foi muito estressante e Anna gritou, quando sentiu seu corpo flutuando. O frio na barriga a deixou com uma sensação muito esquisita. Demorou até que pudesse abrir os olhos. Richard falava com ela o tempo todo, tentando acalmá-la, para que aproveitasse o voo. Depois de alguns apelos, abriu os olhos e chorou com a maravilha que via à sua frente. Seu corpo flutuava, como o de um pássaro, deixando-a com a leveza de uma pena. Ela podia ver a Pedra da Gávea, o morro Dois Irmãos, o Corcovado e o Parque Nacional da Floresta da Tijuca. Era de uma beleza inexplicável, fazendo-a se sentir a mulher mais feliz do mundo. Uma visão impressionante de morros, praias e algo que de cima se assemelhava a um grande tapete verde,
formando uma admirável floresta; fora o céu azul, ainda mais magnífico com as nuvens, que mais pareciam algodão formando figuras inusitadas. Ver a cidade de cima foi algo arrebatador e mágico. Aqueles arranha-céus dali pareciam pequenos, como miniaturas de brinquedo. – Obrigada, meu Deus! Obrigada Senhor! – gritava, entusiasmada depois de um tempo de voo. As lágrimas desciam de seus olhos, instintivamente, por causa da emoção de estar voando, com o seu marido e o homem da sua vida, com o privilégio de enxergar tão bem a suntuosidade daquela paisagem maravilhosa. – Isso aqui é muito lindo, esposa! – disse Richard. – Eu sou um pássaro! Eu estou voando, meu amor! Eu amo o Rio de Janeiro! Ahhhh! – gritou. – Se eu soubesse que ficaria tão feliz, já teria te arrastado comigo antes. – Você pode corrigir o erro depois, amor. – comentou Anna. Os dois ficaram planando por um bom tempo e depois fizeram um pouso perfeito na Praia do Pepino, em São Conrado. Estava feliz demais. Não poderia haver no mundo pessoa mais abençoada do que ela, que recebera uma segunda chance e, de quebra, ainda de presente um lorde inglês lindo e perfeito. Tudo o que viveu até aquele momento valeu a pena, teve certeza. Ali, naquela praia maravilhosa, abraçada ao seu marido, observando o pôr do sol mais lindo que já vira em sua vida, ela fez uma retrospectiva dos últimos meses e, apesar do cansaço, estava agradecida. Depois da morte do assassino, os ensaios foram retomados e a companhia estreou o espetáculo no final de janeiro. Ela teve que trabalhar muito, juntamente com os companheiros, mas, apesar de todo o cansaço e estresse, ainda pôde curtir um natal maravilhoso com sua nova família. Ela amou conhecer os pais e a irmã de Richard, e a sua mãe ainda mais por saber que eram cheios da grana. Zefa começou a namorar sério com o maestro Derrier e nunca a vira tão feliz. Os dois se completavam. A primeira apresentação foi realizada em Nova Iorque, onde fizeram uma pequena temporada de um mês. Viajou com a companhia para a Europa, onde se apresentaram na Alemanha, Áustria, Itália, França, Inglaterra e Espanha. Na Austrália, fizeram duas apresentações. Seis meses depois estavam no Brasil, apresentando o famoso espetáculo no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Richard aproveitou a agenda de apresentações para marcar o casamento, já que ela havia demonstrado o desejo de se casar no Brasil e Eva começou a organizar a cerimônia quatro meses antes. Em agosto, eles se apresentaram no Rio de Janeiro e, no mês seguinte, oficializaram a união. Ao recordar-se da cerimônia, Anna Maria sorriu. Ela se casou na Igreja da Candelária, agraciada pela presença de quinhentos convidados, pois Eva fez questão de convidar toda a nata da sociedade paulista para o evento, além de ilustres e famosos. Compareceram em peso os parentes de Richard, que este não via desde que fora morar nos Estados Unidos; e os amigos da companhia musical que tocavam a marcha nupcial, sendo regido pelo maestro Albuquerque. Ela entrou em um lindíssimo vestido branco, desenhado por um estilista francês, de braços
dados com o maestro Derrier, que se casara com Zefa dois meses antes na Austrália. Anna chorou muito, emocionada, ao ver o homem da sua vida à sua espera no altar. Richard também derramou muitas lágrimas e, quando ela lhe foi entregue pelo maestro, quebrou o protocolo e a beijou antes da cerimônia começar, que foi realizada em inglês e em português, porque o noivo não falava o seu idioma. A mãe achou que assim seria mais chique e comentado pela imprensa. Eles trocaram as alianças, fazendo promessas de amor, que já haviam feito milhares de vezes, mas ali assumiam isso diante de Deus. O padre os declarou marido e mulher, e sob salva de palmas se beijaram novamente. Richard pediu para fazer uma surpresa e ela quase afogou a menina dos olhos, derramando rios de lágrimas, quando este se ajoelhou e cantou a música She. Parecia um príncipe se declarando, sem pudor algum, de alma aberta, emocionado, segurando sua mão, olhando no fundo dos seus olhos, como se ela fosse a coisa mais preciosa do mundo. Ela era grata, por tudo o que a vida lhe dera. Richard era o seu maior presente... Sempre seria.
Ela Pode ser o rosto que não esquecerei Um traço de prazer ou de tristeza Talvez seja meu tesouro ou O preço que tenho que pagar
Ela Pode ser a música que o verão canta Talvez o frescor que o outono traz Talvez uma centena de coisas diferentes No espaço de um dia
Ela Pode ser a bela ou a fera Talvez a fartura ou a fome, Pode transformar cada dia em Céu ou inferno
Ela
Pode ser o espelho do meu sonho, Um sorriso refletido na água, Ela pode não ser o que parece Dentro de sua concha
Ela Que sempre parece tão feliz na multidão, Com olhos que podem ser reservados e tão orgulhosos, Mas que não podem ser vistos Quando choram
Ela Pode ser o amor que não se deve esperar que dure Pode vir a mim como sombras do passado, De que lembrarei até o dia de minha morte.
Ela Deve ser a razão pela qual eu sobreviva O motivo de eu estar vivo, De quem eu cuidarei na alegria E na tristeza
Acolherei seus risos e suas lágrimas E os guardarei como minhas lembranças Por onde ela for, eu tenho que estar. O sentido de minha vida é ela...
Ela
(Elvis Costello, in She
[28]
)
Anna chorou... De amor, de gratidão e de felicidade. Não havia ninguém mais feliz ou amada do que ela. Nunca haveria. Agora acreditava em contos de fada e em felizes para sempre.
***
Eles voltaram para o hotel, fizeram amor e curtiram o resto daquele dia lindo. Em seus braços era a mulher mais completa do mundo. Sentia vontade de rir o tempo inteiro e amava ficar olhando o rosto dele, vendo suas expressões. Quando era cega, só podia fazer isso tateando sua face. Agora era privilegiada em poder enxergá-lo, pois não se cansava de observar este homem lindo, encantador e apaixonado, que sempre a fez se sentir especial, mesmo quando acordava parecendo um sol, toda descabelada. Os dois passearam pela praia, comeram em um restaurante na orla de Copacabana e à tarde foram ao Cristo Redentor, pois Anna queria muito agradecer aos seus pés por todas as bênçãos recebidas. – Eu sou muito abençoada por poder estar em um lugar como esse e enxergar toda essa grandiosidade, Richard. – disse, ao olhar para cima e ver aquele monumento esplendoroso, feito pelas mãos dos homens, mas que dava a sensação de ter o dedo de Deus. A visão do Cristo era de tirar o fôlego e não se cansava de admirar, mesmo depois de alguns minutos tirando fotos e observando a arquitetura. – Sim, você é! – Richard a abraçava por trás, enquanto contemplava o obelisco. – Moça, a senhorita pode tirar uma foto nossa, por favor? – pediu Anna Maria, a uma jovem turista que passava. Eles se posicionaram e posaram para as fotos, rindo, brincando, se beijando e abraçando. Depois agradeceram a jovem e foram tirar fotos da cidade do Rio de Janeiro, belíssima e maravilhosa em seu esplendor vista daquele ponto tão privilegiado. O pôr do sol estava estupendo naquela tarde, com uma coloração alaranjada e ainda havia algumas gaivotas, que completavam a paisagem, digna de ser retratada por um artista. O Rio de Janeiro é realmente a Cidade Maravilhosa, pensou ela. – Sabe, amor... – começou Anna. – Eu estive pensando. – No que você esteve pensando, esposa? – inquiriu ele.
– Eu já tenho tudo o que quero na vida. Realizei os sonhos dos meus pais. Agora chegou a hora de viver apenas para nós dois. – Apoiadíssima. – disse ele, beijando-lhe o pescoço carinhosamente. – Desde o primeiro momento em que pisei nessa cidade, eu me senti completamente apaixonada. O que você acha de vir morar no Rio de Janeiro? – É um caso a se pensar. Isso te faria mesmo feliz? – Muito! – Então, tudo bem. – Tudo bem? – Sim! – Sabe, Zefa e Derrier compraram um presente de casamento para nós. – Eu sei... O piano. – Não! Um apartamento em Copacabana. Quando disse para Zefa que gostaria de viver no Rio, eles compraram um apartamento e um piano. O apartamento fica de frente para a praia e tem uma vista belíssima. E ainda, como bônus, teremos Zefa como vizinha. Eles também compraram um para eles. – Você está falando sério? – Muito sério! Zefa disse que a grama do vizinho é sempre mais verde e que aqui no Rio tem muito pasto verde e eu sou muito lerda. Então, eu precisaria de alguém para tomar conta do meu lorde inglês. Assim ela convenceu Derrier a se aposentar em dezembro e vir viver no Rio. Não é perfeito? – Anna Maria percebeu que Richard ficou pensativo e completou. – Agora, se você não quiser morar aqui, podemos voltar para Nova Iorque e vir aqui visitar uma ou duas vezes ao ano. A decisão é sua. – Você sabe que não existe nada que me prende em Nova Iorque além de você, não sabe? – Claro que sei! Então, o que me diz? – Só uma perguntinha... – Ele ficou pensativo novamente. – Isso tudo está muito perfeito. Presente de casamento, Rio de Janeiro, Zefa tomando conta da sua grama, mas e sua mãe? Você sabe que eu te amo, só que tudo tem seu lado ruim. A cascacu vem de brinde também? – Oh, amor! Você é mau, sabia? – Anna Maria riu. – Mamãe arrumou um namorado no nosso casamento. Ele é um senador da República e ela foi de malas para Brasília, jurando que o Planalto Central nunca mais seria o mesmo. Então, seu malvado, pode ficar tranquilo. Você não terá mamãe de brinde, mas... – Mas? – Ele ergueu uma das sobrancelhas e a encarou.
– Ainda tem mais brindes nesse pacote. – Mais brindes? O que mais um homem pode querer da vida? – brincou. – Você lembra quando eu te disse que nada era impossível para mim, por causa das minhas limitações? Lembra que te disse que só uma coisa eu tinha medo de fazer e o resto eu encarava? – Richard balançou a cabeça e continuou pensativo. Depois olhou para ela com uma expressão estranha, parecendo sofrer de um terrível dilema. – A única coisa de que você tinha medo era ser mãe e não poder cuidar propriamente do seu filho. – respondeu ele, rindo. – Você também quer providenciar um bebê? Podemos encomendar agora mesmo, amor. – Não! – Ela pegou a mão dele e a levou até seu ventre. – Já providenciamos o nosso bebê, meu sol. Estou com cinco semanas. – Eu não... – Richard se ajoelhou diante dela, rindo e, ao mesmo tempo, com os olhos lacrimosos de emoção. Para Anna Maria, vê-lo naquele momento era impagável. Nem no casamento ele chorou como ali. – Como? Como você me enganou? Eu sou ginecologista e não percebi? Eu sou um idiota completo. – Shhh! – Ela colocou o dedo em seus lábios. – A Dra. Brenan me examinou, fez o meu primeiro pré-natal e me passou alguns remédios. Meu vestido de noiva quase não entrou. Mamãe quis capar você por me engravidar antes da cerimônia, mas depois se acalmou com a possibilidade de um herdeiro para os Doyle. – Como você faz isso comigo, meu anjo? É muita coisa para um dia só. – Eu só quero agradecer por tudo o que você fez por mim, continua fazendo e ainda fará. Deus colocou você na minha vida e agradecerei por isso todos os dias. Você é meu sol, minha luz, minha vela, candelabro, minha lanterna, meu fósforo... – Anna Maria riu, achando graça das suas próprias palavras. – Você é a luz da minha vida. – Eu prometo que batalharei todos os dias pela sua felicidade e pela felicidade do nosso filho. Farei o impossível para que a chama do nosso amor permaneça acesa e sua luz nunca se apague, Ann. – Richard se levantou, abraçou-a delicadamente e sussurrou em seu ouvido. – Eu amo você... Para sempre. – Obrigada Deus! Obrigada por me enviar a luz no meio da escuridão. Obrigada por tudo o que ainda vais fazer na minha vida. – sussurrou Anna Maria, abraçada ao seu marido.
EPÍLOGO
Anna Maria e Richard chegaram apressados à livraria Saraiva no Norte Shopping. O evento estava marcado para as 20h e estavam atrasados. Zefa não perdoaria aquela falha e os cobraria no futuro, sabia ao observar o relógio marcando quinze para as nove. O trânsito na Nossa Senhora de Copacabana estava congestionado, quando Richard saiu do seu novo consultório, e não foi sua culpa. Anna queria ir à frente, de táxi, mas ele estava muito neurótico nos últimos dias. Ela estava com oito meses de gestação e havia passado mal semanas antes. Pelos exames que fez, sabia que o primeiro filho não tardaria a chegar. Assim, com a preocupação de pai e de médico, ele praticamente obrigou a esposa a ficar em casa de repouso. Não queria que ela continuasse dando aulas de música, em um projeto filantrópico financiado por sua sogra, a cascacu, que por sinal estava ainda mais metida e arrogante, depois de virar esposa do senador em um casamento relâmpago. Era mais fácil ficar em casa de repouso, apesar dos protestos. A entrada do Túnel Rebouças estava toda parada e, para completar, perdeu tempo em outro engarrafamento na Linha Amarela. Às vezes morar no Rio era mais estressante do que em Nova Iorque. Ele não se acostumava com o trânsito, apesar de dirigir pouco e usar sempre o metrô como meio de transporte a maioria das vezes. Zefa definitivamente arrancaria o seu couro fora. Mas também quem mandou fazer o evento do outro lado da cidade?, pensou. – Amor, Zefa vai nos matar. – Anna reclamou. – Não tive culpa, meu anjo. Ela entenderá. – respondeu, duvidando das próprias palavras, quando os dois já caminhavam para a livraria. – Ela sabe como é o trânsito nessa cidade. Mas também com tantas livrarias perto de casa, ela teve que me marcar o evento do outro lado da cidade... Paciência. – Não reclama, Richard. Hoje é o dia dela e temos que parecer contentes, mesmo após esse trânsito irritante. – Sim! Vou dar o meu melhor sorriso e fingir que não estou estressado. – respondeu, quando finalmente chegaram. O evento estava muito badalado e várias amigas que Zefa havia feito em Copacabana estavam prestigiando-a.
Ao entraram no local, Anna e Richard foram ao fim da fila, para aguardarem a vez de estar com a estrela da noite. Quando finalmente a encontraram, viram como estava linda, feliz e se sentindo. Richard riu, achando graça, pois Zefa estava muito sensual em um vestido vermelho com decote imenso e o ex-maestro não parecia muito feliz. Afinal, ele era o marido e não conseguia segurá-la. Mesmo morrendo de ciúmes e, eventualmente, brigando muito, sempre fazia os seus desejos... A mulher era caprichosa e sabia como dobrá-lo, mesmo que fosse para lançar um livro contando suas aventuras sexuais. Chegava a ser engraçado. Teve pena do pobre coitado. – Oh, finalmente resolveram dar o ar da graça?! Pensei que não vinham mais. – reclamou, abraçando Anna. – O trânsito estava horrível, Zefa, e ainda tive que ir buscar Ann em casa. Sabe que não gosto que ela ande sozinha nesse estado. – Ela não está doente, doutor. Gravidez não é doença, você consegue ser tão neurótico às vezes que é cansativo demais. – Não briga com ele, Zefa. Sabe que Richard se preocupa comigo. – Anna tentou amenizar. – O que importa é que agora estamos aqui. Quero o meu autógrafo especial. – disse para a amiga. – O seu será com muito carinho, filha. – respondeu. – Eu também quero um. Sei que vou demorar um século para ler esse livro, porque ainda não sei ler e escrever em português, mas um dia termino. Faço questão de ler todas as aventuras. – ele disse. – Com uma leitura tão interessante, você aprenderá português bem rápido. – disse Zefa. – Eu não duvido, Zefa... Não duvido. Também com um título interessante como esse, coisa boa não tem. – caçoou dela. – A Dama da Internet: As aventuras de uma nordestina na Europa – caiu na gargalhada. – Não sei, sinceramente, como o seu marido ciumento deixa isso, mas estou muito interessado. – Eu não deixei, meu caro. Nem quero ler, para não surtar. É melhor não saber o que essa doidinha andou aprontando por aí. O que os olhos não veem o coração não sente. – Mas que homens dramáticos. – disse Zefa. – Gente, parem de implicar com Zefa. Hoje a noite é dela e vocês estão proibidos de aborrecêla com comentários machistas. – defendeu Anna. – Mamãe não veio, Zefa? – perguntou Anna, mudando de assunto. – Você acha mesmo que a cascacu sairia do ninho de cobras dela para vir me prestigiar? Continua a mesma bobinha de sempre, Anninha. E se ela viesse, com aquelas amigas najas, teria que chamar o Instituto Butantã. Mais de uma cobra no mesmo lugar não dá certo. Deixa sua mãe lá em Brasília. Quando ela vem ao Rio só traz aborrecimento. – Vamos tirar uma foto? – sugeriu Richard.
– Vamos, é claro! – respondeu Zefa. Os quatro se posicionaram lado a lado e Zefa segurou o seu livro precioso, a qual dizia que seria um tremendo sucesso. Todos estavam posando felizes, quando Anna reclamou de dor. – Ai! Ai! – O que foi amor? – A bolsa... – ela gemeu. – Você deixou no carro. Precisa que eu vá buscá-la? – Olha, vocês formam um casal perfeito. Nunca vi gente mais lerda. Sem dúvida foram feitos um para o outro, agora tenho certeza. – disse Zefa. – Ela está falando de outra bolsa, doutor Richard. Nem parece médico. – Ele olhou para ela sem entender, depois a ficha caiu. – Oh God! A bolsa? Temos que correr para o hospital. – disse segurando Anna. – Por que tinha que inventar um evento do outro lado da cidade, Zefa? – Amor, o bebê não nascerá agora. Fica calmo! – pediu Anna. – Respira! – Ela passou a mão em seu rosto para acalmá-lo, mas estava a ponto de explodir. – Eu estou preparado para isso... Tive anos de treinamento... Sou uma pessoa calma e ponderada e posso passar por isso. Agora vamos sair calmamente e ir para o hospital mais próximo. – disse, tentando se acalmar. Viu quando Anna e Zefa riram. – Aiii! – Respira! Respira! Respira! – Richard, eu vou ter um bebê e não ir para uma cadeira elétrica. Quer se acalmar, por favor?! – Eu me enganei, Anninha. – disse Zefa, segurando a mão dela. – Seu lorde inglês veio com defeito. Ele não é perfeito. Eu tenho um plano e vamos tentar segui-lo da forma mais tranquila e sensata. – Plano? – Sim! – respondeu. – Todo mundo para fora! Fora! – Todos na livraria pararam para olhá-la. Pareciam assustados com a mulher gritando. – Temos uma grávida em trabalho de parto, então precisamos organizar o local para que tudo saia bem. Agradeço a presença de todos, mas precisamos de um pouco de privacidade. Ninguém precisa ver uma mulher de pernas abertas, um bebê cheio de sangue e gosma nojenta, além de um médico tendo um ataque de nervos. Então, a farra acabou! Fora! – Zefa, o que você está fazendo? – perguntou desesperado, olhando para a mulher. Se tinha dúvida de que era doida, agora tinha certeza. – É melhor nascer aqui, do que dentro de um carro, na Linha Amarela, Richard. Eu tenho tudo planejado. Pode ficar calmo.
– Calmo?! Como calmo, sua doida?! – Vai dar tudo certo, Richard. – disse o maestro. – Zefa sempre tem tudo sob controle. A discussão continuou e ele teve vontade de estrangular Zefa. Estava nervoso demais e ela ainda queria que fizesse o parto do seu primeiro filho em uma livraria. Não era ótimo?! – Gente! Gente! GENTE! – Anna gritou, fazendo-os se calar. – Acho que é alarme falso... Acho que foram gases. – afirmou. – Gases?! Você quase me mata do coração por causa de gases?! – GENTE! – gritou Zefa. – Não precisam ir embora. Não haverá mulher de pernas abertas, sangrando e bebê com sangue e gosma nojenta. A parte do médico tendo ataque é verdade. Desconfio que ele esteja com vontade de me estrangular nesse momento, mas vocês conseguem lidar com isso. Podem continuar com a comilança, porque tudo custou muito caro. – Você está bem, meu amor? – perguntou, e Anna fez cara feia. – Ann, fala comigo! – ordenou. – Estou bem, Richard. Juro! – respondeu, abraçando-o. – Já que todos se acalmaram, podemos continuar com a minha noite de autógrafos? – Zefa, um dia ainda apronto uma para você. – ele a ameaçou. – Tem que comer muito angu para me fazer de boba, Richard. – Ela é esperta, Richard. Acho melhor não contrariar... Também é vingativa, eu garanto. – disse o maestro. – Zefa é Zefa, maestro. – disse Anna. – Vocês homens não conseguem acompanhar o raciocínio dela. Mas é gente boa. – Ei! Querem parar de falar de mim, como se eu não estivesse aqui! – disse, aborrecida. – Zefa, você é a criatura mais encantadora do mundo, mas consegue fazer até um santo perder a paciência. Agora tenho até pena da cascacu. Você é terrível. – Obrigada pelo elogio, doutor. – respondeu, rindo. – Mas é uma terrível que eu amo. – comentou Anna. – Eu também amo você, Anninha. E amo esse lorde inglês defeituoso, apesar de tudo. Agora vamos comemorar! A noite é uma criança. E assim eles seguiram a vida feliz, apesar das adversidades e das pequenas loucuras. No fim, tudo terminou como deveria.
FIM
A AUTORA
Aos 33 anos, Glaucia Santos é casada, nascida e criada na cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Formou-se em Sistemas de Informação pela Universidade do Grande Rio e atualmente trabalha como analista de serviços de telecomunicações. Leitora ávida e compulsiva, virou blogueira e fanfiqueira, dedicando-se a publicar resenhar sobre obras literárias. Começou a escrever no final de 2008, quando publicou sua primeira fanfic na internet. Depois de tanto “brincar de escrever”, postando vários contos on-line, resolveu publicar o seu primeiro livro em 2012, intitulado Para Sempre.
CONTATO
Blog: http://cantinhoglaucia.blogspot.com.br
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E-mail: glauciablackfanfic@gmail.com
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NOTAS DE RODAPÉ
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Bom dia Bom dia, senhora! Não quero beber nada, senhorita! Desculpe. Teatro Precisamos conversar, minha querida. Por favor Tem certeza de que quer se arriscar? Será perigoso, minha querida! Morrer
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Sim... Marido Interessante... Prazer Nome Desculpe! A qualquer hora Certo, vamos!
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A história mais aceitável para explicar a origem do termo é proveniente das tradições hebraicas, onde os bezerros eram sacrificados para Deus como forma de redenção de pecados. Um filho do rei Absalão tinha grande apego a uma bezerra que foi sacrificada. Assim, após o animal morrer, ele ficou se lamentando e pensando na morte da bezerra. Após alguns meses, o garoto morreu. Em termo popular quer dizer que a pessoa está distraída, pensando. [19] [20] [21]
Bom dia, querida! Meu amor Querida
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Boa noite, minha querida! Bom dia, minha querida! Sim! Bom dia, maestro! Vejo que fala francês também. Muitas coisas, meu querido! Calma, minha pequena!
She (Ela, em português) é a versão mais conhecida em todo o mundo da canção Tous Les Visages de L’amour (Todas as Faces do Amor, em português) lançada em 1974 pelo cantor e compositor francês Charles Aznavour. Em 1999, She foi regravada pelo britânico Elvis Costello para a trilha sonora do filme Notting Hill (Um Lugar Chamado Notting Hill, no Brasil).