Japão: Caos e Cosmos

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JAPÃO: CAOS E COSMOS Diana Silva Sousa Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2010/2011 Sob Orientação do Prof. Arqº José Manuel Soares



Agradecimentos:

Ao Professor José Manuel Soares, pelo acompanhamento e confiança no meu trabalho. Aos meus pais, pelo apoio incondicional durante todos estes anos de estudo e pela possibilidade de visitar um país tão distante como o Japão. Ao Ricardo, pela compreensão, apoio e paciência sempre que necessários. À Dédalo e aos meus companheiros de equipa, pela força, conselhos e inigualável experiência de trabalho. Por fim, a todas as pessoas, momentos e experiências que, directa ou indirectamente, contribuíram para o meu percurso de aprendizagem na Arquitectura. A todos eles, um sincero obrigado.



“Humor is the most importante thing.”

Ryue Nishizawa, Casa da Música, Porto, Setembro de 2011


ABSTRACT Travel is, i think, the best way to learn Architecture. As a result, this dissertation is created from a physical experience lived while i was visiting Japan. Side by side with theories, arguments and ideas for an architecture, some punctual episodes written in the first person allow to a better understanding and aproximation of the true feeling of this country. A fundamental change is currently taking place in society: for the first time in history, half of the world’s population lives in big cities, dense and highly urbanized. In this context, Japan and mainly the city of Tokyo provide important and inteligent architectonic experiences that raise at levels never seen before the investigation of problems caused by the need of space to dwell in big cities. Important steps taken on every house project for a big city start from current and culturally specific notions of proximity, privacy and relationships between residents. Space has evolved. It is not subordinated to boundaries and mathematically calculated functions anymore. Notions of limit are increasingly approaching a transparency that is not material but which extends along the abstract field of the information networks of urban areas. Despite its recession, Japan is today one of the most developed asian countries and culturally proximate to the ocidental world. As an essencial force of the architectonic growth, every idea proposed at the evolution process of japanese cities contribute to a new meaning of dwelling and influence, directly or not, a global knowledge of living in urban areas. Above all things, they are experiences that challenge social stablished norms and offer new alternatives that simultaneously shape the life of the resident and the face of the city.

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RESUMO Viajar será, talvez, a melhor forma de aprender Arquitetura. Esta dissertação surge, por isso, de uma experiência vivida aquando de uma visita ao Japão. Lado a lado com teorias, argumentos e ideias para uma arquitetura, episódios pontuais narrados na primeira pessoa permitem um melhor entendimento e aproximação ao verdadeiro ambiente que se sente neste país. Uma mudança fundamental está atualmente a atingir a sociedade: pela primeira vez na história, metade da população mundial vive em grandes cidades, densas e altamente urbanizadas. Neste contexto, o Japão e, mais concentradamente, a cidade de Tóquio, promovem importantes e inteligentes experiências arquitetónicas que elevam a investigação de problemas causados pela necessidade de habitar grandes cidades a níveis nunca antes vistos. Importantes passos a tomar durante o desenvolvimento de um qualquer projeto de uma casa na cidade, tomam como ponto de partida as atuais e culturalmente específicas noções de proximidade, privacidade e relacionamento entre os habitantes. O espaço evoluiu. Não é mais dependente de fronteiras e funções matematicamente calculadas. As noções de limite aproximam-se, cada vez mais, de uma transparência que não é material mas que se estende pelo campo abstrato das redes de informação das áreas urbanas. Apesar da recessão de que é alvo, o Japão é hoje um dos países asiáticos mais desenvolvidos e culturalmente mais próximo do mundo ocidental. Como importante motor de desenvolvimento arquitetónico, todas as ideias propostas na evolução das suas cidades, contribuem para um novo sentido de habitar e influenciam, diretamente ou indiretamente, uma noção global de como viver em áreas urbanas. São, acima de tudo, experiências inovadoras que desafiam dogmas socialmente estabelecidos e oferecem alternativas responsáveis por moldar simultaneamente a vida do habitante e a imagem da cidade.

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ABSTRACT 006/ RESUMO 007/ INTRODUÇÃO 011/ MAIO DE 2010 017/ MEMÓRIAS 023 VIAGEM / AVIÃO 025/ JET-LAG 027/ PRIMEIRO DIA 027 JAPÃO / O PAÍS DO SOL NASCENTE 033/ PAÍS SOFRIDO 035 / BOOM-ECONÓMICO 039/ CIDADES JAPONESAS 041 / MENTE SÃ, CORPO SÃO 041 / CONBINI 043/ PRIVACIDADE 047/ NATUREZA 051 / TRIBOS URBANAS 053/ HIKIKOMORI 057 TÓQUIO / TENRA IDADE 065/ FAZER CIDADE 067 / RECICLAR CIDADE 071/ UM CAOS POSITIVO 073/ BAIRRO 079 / KARAOKE 081/ "TOKYO METORO": A CAMADA ESCONDIDA 081 CASA / “A CASA” 087/ A CASA, UMA CASA 089 / FENÓMENO CULTURAL 091 / CASAS, QUEM AS CONSTRÓI? 093/ CASAS DE HOJE E AMANHÃ 093 ARQUITECTOS JAPONESES 097 AS CASAS JAPONESAS / AS MINHAS CASAS JAPONESAS 105 / ESPAÇO//TEMPO 107/ INTERIOR//EXTERIOR 109 / INOVAÇÕES INTERNAS 111/ “SPACE IS RELATIONSHIPS” 113 / “TARZANS IN THE MEDIA FOREST” 117 CASAS DOS JAPONESES DE HOJE 121 COISAS QUE FICAM POR CONTAR 141/ SANAA 147 CONSIDERAÇÕES FINAIS 149 REF. BIBLIOGRÁFICAS 152


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INTRODUÇÃO Fazer Erasmus é uma experiência de vida. Como estudante de Arquitetura soube valorizar a oportunidade, aprender novas culturas, descobrir tudo o que estivesse ao meu alcance. É um ano de viagens. Reais, onde quilómetros são percorridos, ou imaginárias. Temos sempre um enorme facilitismo em conhecer novos países, outros ensinamentos e modos de ver o mundo e a arquitetura apenas conversando e criando novos amigos. Digo então, viver num outro país durante um determinado espaço de tempo é aprender a viver. Somos diariamente bombardeados com informação, desafios a uma e outra aventura, experiências que deixam marcas e, acima de tudo, nos estimulam à descoberta, à invenção de novos modos de viver o espaço, a cidade e tudo o que nela existe. Hoje, mais do que em qualquer outra altura, parecemos nunca ficar satisfeitos. Nada será suficiente e quereremos sempre mais. O mesmo se passa com a cultura, a sociedade, a cidade e os seus edifícios. Consequentemente, a arquitetura deverá empenhar-se a sério no seu papel e acompanhar ao máximo os constantes desenvolvimentos da sociedade. “Nunca fui um bom observador, nunca o quis realmente ser. Gosto de captar ambientes, de me movimentar em situações espaciais. Fico contente quando me resta um bom sentimento, uma boa impressão, de onde posso mais tarde, como uma observação intensiva de um quadro, retirar particularidades e me perguntar o que foi que provocou o sentimento de calor, de segurança, de leveza ou de amplidão que ficou na minha memória. Quando olho para trás desta maneira, já não se deixam separar a arquitetura da vida, a situação espacial do que vivi dentro dela. Também quando me concentro exclusivamente na arquitetura, quando tento perceber o que vi, o vivido toma parte e dá cor ao visto. E introduzem-se memórias de experiências semelhantes. (...) Agora sou outra vez arquiteto e reparo como gosto de trabalhar com estas imagens abertas e como me ajudam a encontrar o que procuro.”1

As novidades e desafios são em tal número que se conseguirmos guardar e recordar algo de cada um dos novos episódios das nossas vidas será uma nova conquista. Mantermo-nos vivos, ativos e parte de um todo que é mutável, exige experiências. Não basta ler, ouvir ou aprender, é necessário sentir. O ano de Erasmus é um ano de viagens. Procurei aventurar-me em tudo aquilo que estava ao meu alcance. Penso que ainda não me tinha sequer passado pela cabeça colocar o continente asiático como uma das hipóteses. Sería algo talvez mais rico e proveitoso se o vivesse quando arquitetonicamente madura – pensava eu. A oportunidade surgiu. A ansiedade e a inquiteção eram tais que nada ainda parecia real. Seria uma experiência de vida, tal como o ano de Erasmus. E, assim, surgiu o objeto de estudo desta dissertação. Nenhum interessado em arquitetura e em muitos dos mais incríveis fenómenos urbanos atuais, deixaria de se fascinar por este país. É realmente um mundo o que ali acontece. Desde o cintilar da cidade e da cultura Pop à simplicidade e honestidade do seu povo. Tradições como o pachinko, o cha-no-ma, o karaoke, as cerejeiras em flor, os mercados do peixei, o budismo, o xintoísmo, o meticoloso artesanato, o sushi, as gueishas, o culto pela banda desenhada e outras tantas culturas e fenómenos ocidentais, a avançada tecnologia todos os dias recriada nas mais espantosas criações, o ruído e o silêncio tanto audível como visual... entre muitos outros tesouros, fazem desta sociedade aquilo que a torna única e especial. A sua espiritualidade e amabilidade contagia-nos ao ponto de nos deixar em perfeito estado de harmonia e equilíbrio próprio, mental e espiritual.

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ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009), p. 51

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A arquitetura é, e sempre foi, a expressão de um tempo e de uma cultura. O fascínio que guardo por esta viagem e por este país, provocam em mim uma ansiedade em querer saber mais, aprender os bons valores e experiências postos à prova neste mundo novo. Esta dissertação pretende, por isso, dar continuidade a esta aprendizagem. Não se trata, portanto, de um projeto teórico com início e fim. O início, esse, ocorreu em abril de 2010. Já fim, será algo que estará para vir por muitos e largos anos e será constantemente adiado por novas iterrogações. “Y si las raíces de la Arquitectura están en la Memoria, en el pasado, también el futuro de la Arquitectura reclama a la Memoria. La deseable permanencia en el tiempo de la Arquitectura, es la capacidad de permanecer en la Memoria de los hombres. (...) Para haver la Arquitectura de nuestro tiempo es necessrio, con los pies en el aire, entender este tiempo y el tiempo futuro y el tiempo passado. (...) Un arquitecto que quiera haver la Arquitectura más em punta, más de vanguardia, más de su tiempo, deberá trabajar con la Memoria en el sentido más profundo.”2

É objetivo desta tese reavivar memórias e sentimentos vividos durante uma experiência real e, com elas, valorizar e materializar, ainda que mentalmente, todos os restantes ensinamentos e investigações postos a cabo durante este percurso. Colocando lado a lado sentimento e disciplina, emoção e teoria, é meu objetivo elaborar um raciocínio teórico sobre as atuais propostas de arquitetura japonesa para uma habitação humana, capaz de abrigar o homem, esse ser mutante e sensível, posto à prova naquilo que hoje se intitula de “selva urbana”. Será uma investigação capaz de colocar em cima da mesa algumas das mais importantes alternativas do modo de habitar japonês. Verdadeiros desafios de aprendizagem. A mesma mesa será ainda enriquecida com pequenas narrações pessoais, experiências espaciais e sentimentais que guardo da viagem ao Japão. Por fim, serão ainda adicionados os fenómenos sociais, mais ou menos positivos, quase todos eles surpreendentes, que colocam à prova todas as anteriores camadas: cultura, experiência e sociedade. Esta rede abstrata de poções laboratoriais fica, assim, composta. Questões serão lançadas e muito do que será escrito permanecerá vivo e será evoluído e transformado ao longo da minha aprendizagem como arquiteto.

Para um melhor entendimento de todos estes assuntos que serão estudados e apresentados sobre o Japão, tornou-se oportuno recuar um pouco no tempo e, a partir daí, iniciar o método de construção teórica desta prova. A experiência da viagem, por si só, não é suficiente para dar a conhecer a história de um país, páginas essenciais na criação e compreensão de uma cultura. Desse modo, a dissertação é composta por fases que evoluem em escala e tempo. O primeiro capítulo recorda as memórias recentes da viagem numa crónica pessoal escrita para a Revista Trama. Imagens e pensamentos frescos ainda por amadurecer e meditar. Por essa sua qualidade primária, era essencial compreender o verdadeiro significado de memória e aquilo de dela e a partir dela é criado. Se a memória é, no fundo, a base da história, raíz de tudo o que hoje existe, seria essa a próxima etapa a explorar. Ainda que curta, a história é a base essencial para a lógica dos argumentos que serão posteriormente apresentados. Num gesto de focagem, centro-me numa área mais específica do país, imagem real e genuína da sua cultura: a cidade de Tóquio, capital e metrópole do Japão. Ao longo destes capítulos, importantes áreas, como a política, a economia, a cultura e a sociedade, serão tratadas nos mais diversos aspectos procurando, assim, desenhar uma definição rica e completa do que é, na realidade, a cultura Japonesa. Quando discutimos e pensamos a Arquitetura, referimo-nos essencialmente a uma construção, um espaço criado para abrigar. É essa a sua principal função. Consequentemente, se pensarmos no longo percurso da história da Arquitetura, é-nos quase imediato associar o seu início, o verdadeiro rastilho deste ato de construir o espaço, à construção de uma casa. No fundo, essa é a necessidade básica do ser 2

BAEZA, Alberto Campo; “Mnemosine Versus Mimesis” in “Revista Trama número 1 - Memória” (Porto: Junho 2010), p.12

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humano e será ela também a base de toda a experimentação teórica e espacial da arquitetura, seja ela destinada a um colectivo ou a uma família/pessoa em particular. Segue-se, portanto, uma segunda fase nesta dissertação. Uma etapa que pretende estudar, pensar e apresentar ideias e propostas de casas. No mesmo gesto de focagem, parto da noção global de “casa” para a definição da casa japonesa. A ideia de espaço, abrigo e rotina, aliada à capacidade de adaptação e aos costumes próprios da cultura deste país. Como forma de enriquecer todos os argumentos aqui expostos, a dissertação é ainda completada por dois cadernos práticos. Ambos momentos de sistematização, altura em que as ideias tomam forma e são apresentadas em testemunhos e imagens reais dos responsáveis por todo o discurso construído até então: os arquitetos e as casas japonesas.

Foi uma opção pessoal adotar uma estrutura e encadeamento de ideias e abordagens que se assemelhasse o mais possível ao real processo criativo desta dissertação. O índice respeita, portanto, a real ordem de realização do trabalho. “Para projetar, para inventar arquiteturas, temos de aprender a tratá-los conscientemente. Isto é trabalho de investigação, é trabalho de memória.”3

Será esta a altura em que nós, ocidentais, adotamos a cidade Japonesa como exemplo de expressividade e prosperidade?

3

ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009), p.66

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“TOKYO WAS LIKE A DREAM. AND TODAY MY OWN IMAGES APPEAR TO ME HAS IF THEY WERE INVENTED.”

Wim Wenders, Tokyo Ga

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Capítulo 1 | Maio de 2010

• ‌Figura 1 Tóquio, candeeiros de papel

MAIO DE 2010 Ainda fresca da viagem ao Japão, e com as memórias muito por arrumar, fui convidada para escrever um artigo, um testemunho de viagem para a Revista Trama. Fiquei contente pela oportunidade, mas receosa por não estar ainda preparara para olhar para trás e rever cada lembrança com o distanciamento necessário para, assim, recordar de forma lógica e ordenada aquilo que tinha vivido. Nem eu própria sabia ainda muito bem o que se tinha passado. Apesar disso, as emoções estão ainda muito vivas, cada pormenor, cada imagem, cada episódio permitiame ainda contar aquilo que, passados alguns meses, provavelmente esqueceria, arrumado numa gaveta qualquer.

Em maio de 2010, escrevia o seguinte:

“O Japão é uma atmosfera muito estranha.

para depois as embrulharmos e não deitarmos

O passo rapidinho e baixinho, as vozes agudas,

fora, nem do dia que passámos do início ao fim

a tamanha submissão do “eu” para com a

com um saco do lixo pendurado na mochila, nem

comunidade, o amor incondicional pela natureza,

das toalhas aquecidas para limpar as mãos, nem

a serenidade, a paz de espírito, os sorrisos, a luz...

do açúcar líquido para pôr no café, nem do som

uma imensidão de situações completamente

de passarinhos em todas as estações de metro e

inversas que se repetem milhares de vezes num

de comboio, nem de mais um milhão de coisas

mesmo lugar! O Japão é o país que nos dá de

surpreendentes que só ali acontecem.

“comer” mesmo que não tenhamos fome. Enchenos sempre, todos os dias, como se não existisse um limite. A quantidade de publicidade neon em cada plano vertical de tudo o que faça parte da cidade é incrívelmente ruidosa; tudo mexe, faz barulho, apita, pisca, tem mil e uma cores e oferece mil opções de uso e funções. Podemos estar num dos cruzamentos mais movimentados do mundo e a meia dúzia de kms mais ao lado existir um pequeno templo onde não existe mais nada a não ser paz e serenidade que nos contagia e nos deixa num estado completamente zen, que nos enxe a cabeça de tudo de bom e mau ao mesmo tempo, sejam memórias, questões, sonhos ou meros pensamentos sobre as coisas mais insignificantes da vida. O Japão é feito de opostos. É um país kitch como só ele sabe ser. É um lugar onde acontecem as coisas mais estranhas que possam ser inventadas!

Foi

um

perdeu o bilhete do metro, à que escorregou e caiu estatelada no chão, à que andava com a mala só com metade das rodas, à que se esqueceu da compra do templo no wc da estação, à carteira perdida, ao gorro encontrado pelo staff do metro, às que foram esquecidas, ao sangue a escorrer do nariz, à que comprou biscoitos de veado porque achava que eram bolachas, ao cartão de crédito que não funcionava e às centenas de ienes pedidos emprestados, às mais variadas formas originais de nos fazermos entender e ao capítulo de como “engatar” em japonês... É estranho pensar que se pode contar uma história com início, meio e fim, quando tudo o que nos resta é um conjunto situações.

possa estar a fazer no wc, nem ainda das que não têm nada a não ser o buraco no chão, nem dos pacotes de chiclas que já vêm com papéis próprios

inventadas

memoráveis. Desde a que ficou para trás porque

dos autocarros com as malas e os sacos plásticos,

fundo para disfarçar o que quer que seja que se

músicas

estupidamente geniais e momentos ridiculamente

infindável

disposto, nem das sanitas hi-tech com música de

de

ainda nem nós eramos nascidos! Conversas

E nunca mais nos esqueceremos das peripécias nem do dia em que estranhamente tudo ficou mal

reviver

de

memórias

das

mais

variadas

Agora sim, percebo aquele ar de espanto de todo o chinês e japonês sempre de máquina em punho quando passeia pela Europa. Tivemos exatamente a mesma reação, e nenhuma das milhares de fotografias tiradas parece ilustrar realmente aquilo

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Capítulo 1 | Maio de 2010

que sentimos naquele país. Não deixa de ser curioso que assoar o nariz em público seja falta de educação mas que fazer barulho enquanto se come não tenha problema algum, que existam pontos de entrada em carruagens de metro/comboio reservados unicamente a mulheres em determinadas horas de determinados dias da semana, que toda a japonesa e japonês ande com as pernas e os pés tortos, que

o cruzamento de Shibuya, de dia, à noite, com sol, com chuva... alguém disse que só faltava mesmo com neve e com chuva de pétalas. “Isto é um fenómeno social altamente... e um terramoto agora??!” Segundo as estatísticas, registam-se cerca de 3 terramotos por dia no japão. Não sentimos nem um, ou então sentimos mas todos associámos ao metro. Se assim for, sentimos o chão a tremer mais de 3 vezes por dia.

ninguém aceite gorjeta nenhuma por mais alta

Os japoneses são o povo mais prestável que

ou insignificante que ela seja, que não existam

pode existir. Ninguém imagina que a pessoa em

caixotes do lixo e que seja perfeitamente normal

cujos pés se acabou de vomitar acidentalmente

enchermos os bolsos de papéis, papelinhos e

nos ofereça o seu lencinho de pano bordado para

embalagens até ao final do dia, que cada empregado

nos limparmos e nos ajude com o maior sorriso do

de supermercado descreva oralmente todas as

mundo! Ou que perguntemos por direções a um

contas e passos que toma sempre que nos atende

determinado japonês que não sabe falar inglês e que

(“deu-me 5.000 ienes, descontando com o preço

ele pura e simplesmente nos leva onde desejamos

da sua compra, terei de lhe dar x ienes, vou agora

sem sequer pensar que possa estar atrasado para

colocar todos os seus artigos no saco, já terminei

o emprego. Numa determinada situação, um

de colocar os artigos no saco, vou entregar-lhe o

determinado japonês atravessou vezes sem conta

saco com as suas compras, muito obrigada, tenha

uma travessia aérea da estação de autocarros

um ótimo dia”...por exemplo), que nos cruzemos

porque simplesmente não existia passadeira e

com um grupo de 30 homens seguidos vestidos

tudo apenas para nos explicar perfeitamente qual

exatamente da mesma maneira, fato preto, camisa

o autocarro que deveríamos apanhar e em que

branca, gravata vermelha ou cor de rosa, guarda

plataforma exata. O coitado perdeu o autocarro...

chuva transparente e mala de computador na mão. E ainda que alguém nos responda “ah! Querem saber onde é o castelo??....eeeeiiiiiiiiiisssshhhhh!!!!” com a cara mais cansada do mundo e que essa

E o Japão é assim... estranhamente mágico, onde tudo possível e imaginário pode acontecer ao mesmo tempo.”

mesma pessoa tenha sido salva de cometer o erro mais inconsciente que alguma vez tenhamos presenciado: o fato de nos “oferecer” em ienes um valor aproximado de 200 euros com o troco de um bilhete de metro. Imagem mais alucinante de sempre? “A melhor cena do MUNDO! Da VIDA TODA!!” Dezenas de centenas de milhares de japoneses no yoyogi parque a saltarem dos plásticos azuis que serviam de base para os seus piqueniques e entrarem em total histeria quando uma pequena rajada de vento se atravessa e cria a mais bela chuva de pétalas que alguma vez veremos na vida... foram minutos

Revista Trama . número um / Junho 2010

indescritíveis. É talvez uma espécie de celebração de vida, da natureza, à qual dão um valor incondicional que não acontece em mais lugar nenhum no mundo. Aquelas duas únicas semanas do ano em que as cerejeiras estão em flôr são, sem dúvida, a melhor época para se visitar o Japão. E ninguém sabe quantas vezes atravessámos 19


記憶



“THIS IMAGES NOW EXIST AND HAVE BECOME MY MEMORY.”

Wim Wenders, Tokyo Ga 22


Capítulo 2 | Memórias

• ‌Figura 2 Bar em Tóquio, Filme “Enter the Void” (2009)

記憶 KIOKU: MEMÓRIAS 1

Habitar é a necessidade mais remota da História da Humanidade, desde sempre existimos para habitar, para nos identificarmos com um lugar, ainda que por pouco tempo. Habitar siginifica ter noção do que nos rodeia e construir está diretamente ligado a esse ato e necessidade. A arquitectura depende, por isso, da necessidade de habitar, albergar, proteger e dar identidade a lugares pelas suas funções base que sustentam uma sociedade. “Para un arquitecto, la Memoria es completamente imprescindible. Es como el arca del tesoro de onde sacar continuamente material para ser utilizado de manera dequada. Para destilar de ahí las mejores esencias.”2

A memória é também ela muito antiga, desde sempre existiu. É ela a responsável pela evolução dos espaços que criamos e habitamos. No entanto, a memória não é linear. Assim, pode também ser pensada como uma espécie de película de um filme, uma justaposição de imagens e espaços, não contínua, mas resumida áquilo que, segundo os nossos sentidos, permaneceu de mais importante. Assim sendo, a memória não depende diretamente do tempo, mas sim do espaço e das sensações que nos são provocadas quando em contacto com ele. As memórias que guardamos associam-se, por isso, a pequenas histórias ou narrativas que traduzem as peças mais importantes da experiência contínua que vivemos no nosso dia a dia, numa viagem, num acontecimento. Pareceu-me, então, empolgante e curiosa a oportunidade de poder completar algumas das minhas “narrativas” de viagem com outras que sejam realmente narrativas de filmes que retratam a cultura e sociedade japonesa atual. Numa tentativa de reavivar as minhas próprias memórias da viagem ao Japão, decidi ver e rever toda uma série de filmes japoneses, mais ou menos atuais, mais ou menos ficcionados. No entanto, são exemplos verdadeiros da vida e cultura daquele país. Guardo no meu pensamento episódios e situações que tive a oportunidade de repetir e outros que desejaria ter realizado, tais ruas por onde passeei, lugares por visitar. Revejo neles inúmeras experiências e sensações em muito semelhantes áquilo que vivi. A experiência de ver um filme é, de facto, diferente de sentir a arquitetura, tão simples quanto dizer que a primeira é um produto adquirido numa loja em segunda mão (filtrado e influenciado aos próprios olhos de quem o idealizou). No entanto, ambos criam memórias e sensações, um mundo que é só nosso e temporal. Para que o espaço seja experienciado, deve existir movimento. Se na arquitetura essa experiência é linear, levando-nos numa viagem contínua de um a outro lugar, no filme, à semelhança da memória, as imagens são editadas e, por sua vez, as experiências são sujeitas a uma seleção que pode, por vezes, resultar em experiências mais poéticas e produtivas que a própria realidade. Do mesmo modo, se a narrativa se dedica a contar a história dos acontecimentos de determinado espaço, a ideia que dele fazemos, está diretamente ligada a um ritual – ideia da natureza e razão de um espaço, da ação que nele se realiza, tal como uma cozinha serve para armazenar e cozinhar comida ou um quarto serve para dormir. O que vivi e senti ao longo de uma curta viagem de duas semanas ao Japão será, portanto, aqui referenciado como pequenos contos, episódios pontuais que se foram guardando ao longo de uma contínua caminhada, imagens de espaços e ações diferenciados que editam esta história. História essa que não ficou encerrada naquelas duas semanas, mas será continuada ao longo desta dissertação, em novas experiências e descobertas, num retorno ao Japão.

1

Tradução obtida a partir do site http://japanese.about.com

2

BAEZA, Alberto Campo; “Mnemosine Versus Mimesis” in “Revista Trama número 1 - Memória” (Porto: Junho 2010), p.10

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Capítulo 3 | Viagem

行1 RYOKO: VIAGEM Lembro-me de conversar com um amigo sobre o mistério das 11 horas seguidas de viagem; como poderia aguentar tanto tempo sentada no mesmo sítio? Afinal de contas o planeta roda! E se roda no sentido contrário ao da viagem que iria realizar, Paris-Osaka, talvez a melhor das alternativas pudesse mesmo ser uma espécie de balão de ar quente que subia e ficava ali, parado, sempre no mesmo ponto (não acompanhando, portanto, o movimento da terra), até que o Japão finalmente chegasse à sua linha de horizonte. Seria isto possível? Pura imaginação e fantasia.O que é certo é que a viagem ao Japão é em tudo muito semelhante a este pensamento. Um sonho, uma aventura, outro planeta. Uma cultura que, por tão distante e distinta, nos deslumbra mesmo antes de a ‘tocarmos’. Não procurei estudar o assunto, o país, a sua arquitetura. Era minha intenção ir como que ‘purificada’ para aquele país e, desse modo, poder sentir na pele o tão esperado choque cultural.Se tinha expectativas? Muitas, mas talvez fossem tantas que nem eu própria me desse conta de lembrar.

| NO AVIÃO 11 horas de voo entre Paris e Osaka. Tive a sensação de que o tempo parou e que durante aquelas 11 horas nos mantiveram fechados noutro local, estranho, sem qualquer comunicação com o mundo. As janelas mantinham-se quase sempre fechadas para que a diferença do fuso horário e, particularmente o longo evoluir do dia, nos causasse menos confusão. Tínhamos de tudo para nos entreter. Filmes recentíssimos, muitos deles ainda nem falados em Portugal. Jogos, séries, música, tudo o que nos pudesse manter distraídos e ocupados dentro daquele pequeno cubículo. Cada um de nós tinha o seu próprio ecrã e o seu próprio comando. [Sempre adorei ter o meu próprio comando.] Uma manta, uma máscara para dormir, tampões para os ouvidos e auscultadores. Podia ser um simples voo da Air France, igual a muitos outros no mundo inteiro mas, para mim, que era a primeira longa viagem que fazia, já cheirava ao de leve a tecnologia japonesa. De vez em quando decidiamos fazer pequenos passeios em grupo, para esticar as pernas e os braços. Um pouco de exercício ao longo de uns escassos 10 metros, 70 cm de largura, se tanto. 11 horas isolados do mundo é, de facto, muito tempo. O barulho dos motores e do ar condicionado consegue ser mais ensurdecedor que qualquer outra coisa. Ficámos todos um pouco baralhados. E se à ida a sensação já era estranha, no regresso apercebi-me de uma anormal sensação de ausênsia de lugar. Tínhamos decidido ir dar uma pequena volta e conversar mais um pouco no pequeníssimo átrio que antecedia o corredor das casas de banho. ‘Onde estamos?’ Abrimos a janela. Só se via branco, tudo branco. Durante longos minutos de conversa continuava a ver-se apenas branco. Estávamos a sobrevoar a Sibéria, gelada em pleno mês de abril. Muito mais do que atravessar um mar, um oceano, ali senti que me faltava chão. O branco do gelo produzia uma certa infinitude, uma sensação de abismo, vazio e desorientação tal que, de certo modo, me deixa arrepiada só de lembrar. O avião era, por fim, a imagem da cápsula do metabolismo2 japonês, a nossa nave espacial que nos levou e trouxe daquele estranho ‘planeta’.

• ‌Figura 3 Avião, Viagem Paris-Osaka

1

Tradução amavelmente fornecida por amiga japonesa, Shoko Kjima

2

Ver capítulo “Casas dos Japoneses de Hoje”, p. 121

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• ‌Figura 4 Maquinista, Metro em Osaka

• ‌Figura 5

PRIMEIRO DESAFIO: COMPRAR O PRIMEIRO BILHETE DE TRANSPORTE PARA O CENTRO DA CIDADE. Foi tal a aflição perante tamanho desafio que todos nos esquecemos de apreciar devidamente a bela arquitectura do aeroporto de Osaka, projecto de Renzo Piano. São desafios como estes, brutos choques culturais, uma perda absoluta dos sentidos que ocorre de onde a onde durante toda a estadia naquela país, que nos fazem esquecer tudo, cingir certos momentos da viagem às experiências puramente sensoriais. Serão essas as memórias mais marcadas.

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Bilheteira dos Comboios, Aeroporto, Osaka


Capítulo 3 | Viagem

| JET-LAG Vemos o mundo através de filtros. A nossa cultura, educação, experiências passadas, interesses pessoais, defeitos e qualidades, vem tudo na mala quando visitamos cada lugar. Tenho noção que as 8 horas de jet-lag vieram intensificar tudo isso, trazer as emoções à flor da pele. O cansaço deixa-nos mais sensíveis. As próprias expetativas e conhecimento prévio do que teríamos ali para ver, são também eles uma espécie de jet-lag, uma paragem no tempo, uma realidade distante que nos deslumbra e nos fascina sem que ainda a possamos entender por completo. As respostas ainda estarão para vir. “The size of experiential space is not so much determined by its physical dimensions, but by our concrete experience of the quantity and quality of the events contained in it.”3

Quando hoje relembro o que vivi no Japão, tenho a perfeita noção da inifinidade de coisas que presenciei. Tudo o que havia para aprender e descobrir era simplesmente tão vasto que sería impossível para mim recolher cada memória, cada imagem, daquilo que testemunhava à minha volta de cada vez que passeávamos pelas ruas das cidades. Talvez seja por esse mesmo motivo que me tenha sentido permanentemente distraída, quase que enfeitiçada, por aquele mundo infinito de descobertas.

| PRIMEIRO DIA “Quando os portugueses chegaram ao Japão, os Japoneses, tanto como os Portugueses, ficaram profundamente impressionados ao se aperceberem de certas diferenças. Uma, notória, assinalada nos admiráveis nambam biobu, era o tamanho dos narizes: os recém-chegados portugueses, que também estariam naturalmente impressionados pelos olhos orientais, foram designados por os homens de nariz comprido.”4

Numa primeira experiência tudo nos parece estranho, tudo é novo, inovador ou não, é simplesmente diferente. Desde os mais simples rituais do dia a dia, às preocupações e atitudes perante as alegrias e desavenças da vida, o próprio ato de comer é em tudo o contrário do nosso, tipicamente ocidental. ”... nosotros comemos con las manos, ellos con palillos; nosotros comemos pan, ellos arroz; nestras mesas son altas y con manteles, las suyas bajas y sin manteles; nosotros nos sentamos en sillas con las piernas estiradas, ellos en el suelo con las piernas encogidas; nosotros podemos comer sin sopa, ellos no; nosotros comemos pescado cocinado, ellos crudo; nosotros cortamos el melón a lo largo, ellos al través; nosotros refrescamos el vino, ellos lo calientan; nosotros bebemos com una mano, ellos com las dos; nosotros bebemos el agua fría y clara, ellos caliente y teñida con polvo de té batido con una escombrilla de bambú; a nosotros no nos gusta el perro y sí la vaca, ellos desprecian la vaca y se deleitan con el perro; nosotros tenemos gallinas, ocas, conejos y patos para comer, ellos sólo gallos para que jueguen los niños; nosotros encontramos salada su sopa, ellos soso nuestro potaje; sorber la sopa está mal visto entre nosotros, entre ellos no; para nosotros eructar es un signo de muy mala educació, en ellos es corriente y nadie se incomoda. Y así todo a lo largo de centenares de ejemplos.”5

Hostel em Osaka. Meio da manhã. Entrámos. Aviso: retirar o calçado e colocá-lo nos cacifos. Hábito ao qual nos viriamos a habituar nos dias que se seguiram. O ‘perfume’ dos sapatos suados dos viajantes não era de todo agradável, mas andar descalço onde iríamos dormir deixou-nos de certo modo bastante confortáveis. Finalmente podíamos descansar um pouco depois da longa viagem. Como habitual em qualquer viagem, dirigimo-nos à recepção. “Os vossos quartos são ao fundo do 3

NITSCHKE, Gunther; “From Shinto to Ando - Studies in Architectural Anthropology in Japan”, Academy Editions, Ernst & Sohn (Lomdres: 1993), p.35

4

SIZA, Álvaro, “01 Textos, Álvaro Siza”, Civilização Editora (Porto:2009), p. 205

5

FRÓIS, Luís (1585) citado por Juan José Lahuerta, “Japonecedades”, Mudito & Co. (Barcelona: 2004), p.58

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“DE UMA FORMA OU DE OUTRA, TODAS AS CIDADES SÃO A MINHA CIDADE. O FASCÍNIO DE CADA CIDADE - O SEMPRE DIFERENTE FASCÍNIO – IRRESISTIVELMENTE NOS ORBIGA A ADOPTÁLA, OU ELA NOS ADOPTA. (...) TODAS AS CIDADES SÃO A MINHA CIDADE, À QUAL SEMPRE REGRESSO.”

Álvaro Siza Vieira, 01 Textos, M.P.1.68, pág.175, 176

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• ‌Figura 6

Capítulo 3 | Viagem

Avenida Pedonal, Osaka

corredor”. Duas portas, disposta perpendicularmente, por sinal, bem próximas da recepção. O hostel situava-se num estádio de futebol de tal forma que se desenvolvia ao longo de um interminável corredor curvo onde progressivamente se situavam, em fila, os quartos, balneários, cozinha e outro tipo de serviços. Abrimos as duas portas. Nada, não viamos absolutamente nada. Os quartos estavam vazios. Tinham-nos previamente informado que dormiriamos em quartos tipicamente japoneses, mas creio que com tanto entusiasmo nem nós próprios pensámos realmente o que isso significaria. O nosso primeiro contato com a cultura japonesa não poderia ser mais genuíno do que isto. São chamados quartos tatami e ali dormiriamos um pouco ao estilo dos acampamentos de escuteiros ou das festas de pijama de quando eramos crianças. De repente, todos nos sentimos mais jovens, ansiosos por dar início à descoberta da cidade.

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JAPテグ


• ‌Figuras 7 - 14 Dados Demográficos, Frames do documentário “Japan - The Strange Country”

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Capítulo 4

日本 JAPÃO |日本, O PAÍS DO SOL NASCENTE Japão 日本 (Nihon ou Nippon, “origem do sol”), a Terra do Sol Nascente. Geograficamente, o Japão é um arquipélago situado na zona este do continente asiático, rodeado pelo Oceano Pacífico, a leste da Coreia do Sul, Rússia, Coreia do Norte e República Popular da China. Entre eles, o Mar do Japão. O seu arquipélaGo possui 6.852 ilhas1, sendo que as 4 maiores, Honshu, Hokkaido, Kyushu e Shikoku, ocupam 97% da sua área total. Cerca de 2/3 de todo o território é dominado por florestas de relevo montanhoso, entre elas o Monte Fuji, o pico mais alto japonês, existindo apenas uma cordilheira de pequenas planícies costeiras, as quais comportam as áreas mais povoadas do país. Também no Japão existem 80 vulcões ativos. À partida, tal descrição poderia ser desnecessária quando visitamos um país mas, para compreendermos o verdadeiro significado da arquitetura japonesa, é particularmente essencial conhecermos as razões geográficas que condicionam a formação das cidades e, consequentemente, posicionamento das várias populações. Demograficamente, o Japão alberga uma população de 127.960.000 habitantes, distribuída por 377.873 km2 (densidade populacional de 337 habitantes por km2), sendo que 98,5% são de etnia japonesa. Uma população curiosamente bastante homogénea quando pensamos na facilidade com que todos nós, hoje em dia, viajamos de um para outro país, entre continentes, atravessando largos oceanos. Vivemos na era da mobilidade. Talvez os japoneses mantenham esta troca territorial centrada no seu próprio país – possuem 173 aeroportos. A região mais densamente popularizada é a da área metropolitana de Tóquio, com cerca de 30 milhões de habitantes. É, igualmente, o país com a maior expectativa de vida do mundo, 79 anos para os homens e 86,1 para as mulheres. Bom ou não, a sua população está a envelhecer. Politicamente, o Japão é uma monarquia constitucional, maioritariamente dirigida por um primeiro-ministro que se sobrepõe ao imperador, cujo poder, à semelhança de Portugal e outros países Europeus, é bastante limitado. O território é dividido por 8 regiões, das quais resultam 47 perfeituras, cada uma delas com o seu próprio governador. Economicamente, o Japão é atualmente a terceira maior economia mundial e encontra-se, desde meados de 1990, após o boom económico, a enfrentar graves problemas de recessão social e económica. Prevê-se que em 2050 a sua população diminua para um valor de 100 milhões de habitantes e 64 milhões em 2100. Estatísticas colocam o Japão em 8º lugar no ano de 2050 nas listas de PIB, sendo ultrapassado pela maior potência económica dessa data, a China, largamente destacada dos E.U.A, Índia e Brasil. Muito para além de todos estes valores descritivos, o Japão é, para nós ocidentais, muito mais do que uma potência económica e tecnológica, muito mais do que um país sobrelotado. O Japão faz parte do nosso imaginário, dos nossos sonhos, daquilo que nos é desconhecido e mais dificilmente acessível. Cultura milenar, de fortes tradições que se opõem, ou até compõem, com o vasto mar de maquinaria e informação que domina o país. O Japão é um lugar estranho, parafraseando, em parte, Sophia Copolla. É um país de contrastes, um país sofrido. A sua modernização, após o grande colapso sofrido durante a Segunda Guerra Mundial, passou não apenas por alterações no campo da política e da economia, mas igualmente, por evoluções ao nível do estilo de vida dos seus habitantes. A modernização do Japão passou, portanto, por uma gradual aproximação com o mundo Ocidental. Da mesma forma, a crescente evolução tecnológica e industrial pro1

todos os dados estatísticos deste texto foram consultados em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jap%C3%A3o

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• ‌Figura 15 Ataque aéreo à cidade de Kobe, 5 Março 1945

• ‌Figuras 16 - 17 Destruição em Hiroshima, 6 Agosto 1945

• ‌Figuras 18 - 19 Terramoto Great Hanshin, Kobe, 17 Janeiro 1995

• ‌Figuras 20 - 21 Terramoto Tohoku seguido de Tsunami, 6 Abril 2011, Japão

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Capítulo 4 | Japão

moveu também ela a separação do trabalho do espaço da casa, mais privado e protegido das desavenças do mundo exterior. Talvez por esta forte indentidade familiar, muito para além da sua afirmação como indivíduo, existe também uma forte pressão que provoca, muitas vezes, o isolamento total de alguns habitantes. De qualquer forma, é essa força conjunta que rege o dia a dia dos japoneses e toma parte daquilo que hoje é a arquitetura doméstica do país. Com raízes no fulminante crescimento do boom, a sociedade Japonesa diversificou-se: o novo Japão que se tem vindo a desenvolver é agora dominado por uma sociedade mais dinâmica, fragmentada e complexa. A procura de novas direções, constantes inovações, e a incessante redescoberta da sua identidade são, talvez, uma forma de retorno ao ‘espírito de prazer’ que marcou a época da industrialização, não só no Japão como em toda a Europa.

| PAÍS SOFRIDO Olhando para o período de tempo na história com o qual consigo ter contato mais ou menos direto, a partir dos anos que vivi ou do que os meus pais e avós me contam, o Japão é realmente um país carregado de cicatrizes. Por muito maior que seja o amor que nutrem pela natureza e suas divindades, os kami, também ela de quando a quando lhes prega algumas partidas, mais do que possamos imaginar. A guerra também não foi fácil, principalmente a Segunda (e última até ao momento) Guerra Mundial. O Japão tinha grandes planos, e os seus imperadores estavam profundamente dedicados em conduzir complexos estudos e projetos de desenvolvimento de grandes máquinas e armas de combate. Densenvolveram fortes políticas expansionistas, verdadeiramente devastadoras em território Chinês. Em oposição a tamanha crueldade e após outros quantos desentendimentos, os E.U.A., Reino Unido e Países Baixos formam uma aliança contra o Japão e a Alemanha Nazi. Discussões em rumo e os Estados Unidos decidem cortar com todo o fornecimento de petróleo japonês em seu território. 80% das importações de petróleo do país provinham precisamente dos E.U.A e, portanto, tal atitude funcionou como que uma declaração de guerra para as forças japonesas. A 7 de dezembro de 1941, as forças aéreas e submarinas japonesas decidem atacar a base militar de Pear Harbor. 2403 militares e 68 civis morreram no ataque. No mesmo dia, os Estados Unidos declaram a sua entrada na guerra dando início à reconstrução de toda a sua frente de combate. Como resposta, os japoneses sofreram os maiores ataques mortíferos que a história alguma vez viu. 1945 foi o ano da devastação japonesa. Entre março e abril os bombardeamentos aéreos de Tóquio e outras cidades japonesas davam sinais de fraqueza daquele país. Mas os Americanos não tinham ficado por aqui. A 6 de agosto de 1945 eis que o mundo assite ao lançamento da primeira bomba atómica, “Little Boy” como lhe chamavam. Aterrou de manhã bem cedo na cidade de Hiroshima e desvastou cerca de 70% da totalidade dos seus edifícios. No dia 7 de agosto de 2005 o jornal The Guardian dava conta dos mais recentes resultados deste ataque: “Sixty years and 242.437 lives later, Hiroshima remembers”. Poucos dias passaram depois da devastação fulminante de Hiroshima e os Estados Unidos voltam a atacar. A 9 de agosto do mesmo ano, nova bomba atómica, a chamada “Fat Man”, cai em território japonês, desta vez na em Nagasaki. Contavam-se na altura 80.000 mortos, incluindo aqueles que posteriormente faleceram devido às doenças desenvolvidas por contaminação radioativa. 6 dias depois, o Japão declara rendição. Terminou assim, o capítulo mais sangrento da história do país. Episódios devastadores como estes influenciam a mentalidade e a arquitetura japonesa. Um aspecto importante da sua construção é a noção de fragilidade perene, em muito causada pelas grandes catástrofes naturais que assolaram o país. 35


“NO TRAINS, NO TELEPHONES, ALL THROWN TOGETHER IN A CITY THAT ONLY WORKS WITH COMPLEX INFRASTRUCTURE. ALL OF A SUDDEN OUR OPERATING SYSTEM DISAPPEARS AND WE END UP IN AN ULTRA-EXTENDED SPACE WITHOUT THE MEANS TO LIVE IN AN ‘ADVANCED’ WAY. WHAT CAN BE DONE? (…) [IT WAS LIKE AN] ORDERED CONFUSION OF BODIES. “ 4

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Capítulo 4 | Japão

Geograficamente, a história leva-nos muito mais atrás. O Japão situa-se numa zona de natureza frágil sismicamente ao ponto de se realizarem uma média de 3 terramotos por dia. No entanto, dois dos abalos mais fortes sofridos no país aconteceram nas duas últimas décadas. A 17 de janeiro de 1995 um terramoto de magnitude 7.2 na escala de Richter atinge a cidade de Kobe. A fragilidade das suas construções de madeira, largos quarteirões de habitação, foi o rastilho para que rapidamente toda a cidade se incendiasse. Contam-se mais de 500.000 edifícios imediatamente destruídos e cerca de 6.000 mortos2. Kobe teria literalmente que renascer das cinzas. “5.46 am, 17 January 1995. An earthquake of a magnitude of 7.2 (…) struck the city of Kobe and its vicinity. (…) I stood in the city as it was then – an environment demolished, warped, burned – and shuddered to think that nothing remained to protect me. In a wasteland one has no sense of direction or time. One is reminded of how dark the night can de when the power fails and one is forced to navigate the city by flashlight. For many of us the city is all we have ever known – it is the crucible of our sensibilities, our personalities, our entire world view. What happens, then, when the city is suddenly taken out from under us? (…) No doubt the wasteland will soon be replaced with a city to rival the one that was there before. (…) The loss of the city creates void. A void in which people move with a strange animation. But inevitably we suppress the memory of the void and its vitality by covering it over with yet another city. ”3

É realmente espantoso como em poucos minutos podemos perder toda a noção de pertença a um lugar. A cidade e todas as suas infraestruturas que regem o nosso dia a dia, as nossas casas, tudo isso desaparece. Pertencemos onde? Vivemos onde? O ser humano tem a necessidade de se identificar com um lugar, ainda que por muito ou pouco tempo, existe sempre o local de trabalho, o sítio onde dorme, o café onde costuma ir com os amigos ou o super mercado onde costuma fazer as compras da semana. Desaparecendo tudo isso, a vida deixa de fazer sentido. O único objetivo que se segue é a limpeza e reconstrução da sua identidade. Os Japoneses sofreram bem na pele todas estas vivicitudes da vida e aprenderam, juntamente com os seus ideiais Budistas e Xintoístas, a lidar com situações de catástrofe da forma mais calma do mundo. Na sua cabeça, o destino comporta 50% de coisas boas e 50% de coisas más. Se algo de muito grave acontece, faz certamente parte do destino. Há que recuperar e aceitar os obstáculos. Fazia quase um ano da minha viagem ao Japão. Dia 11 de março deste ano, 2011. Novo terramoto, desta vez o mais poderoso de toda a história do país, 9.0 na escala de Richter com epicentro perto da cidade de Sendai. Apesar da sua elevada magnitude, vídeos e imagens de Tóquio que passam na televisão parecem mostrar-nos que quase tudo ficou no lugar. Alguns edifícios literalmente abanavam de um lado para o outro, outras casas e escritórios simplesmente se desarrumavam como se tivessem estado dentro de uma bola a girar. As pessoas permaneciam calmas por baixo das mesas e vãos de portas. Tóquio apenas teria de enfrentar o encerramento temporário da sua rede de transportes e comunicações. “No trains, no telephones, all thrown together in a city that only works with complex infrastructure. All of a sudden our operating system disappears and we end up in an ultra-extended space without the means to live in an ‘advanced’ way. What can be done? (…) [It was like an] ordered confusion of bodies “4

Até aqui tudo parecia cumprir com as habituais precauções. A pior das notícias viria depois. Um enorme tsunami atinge o país, devastando por completo a cidade de Sendai e provocando o segundo maior acidente nuclear da história da humanidade. A central de Fukushima tinha sofrido graves lesões após a passagem da onda gigante que atingiu os 4,5 metros de altura. De gravidade 4.0, rapidamente se altera para valores superiores. 7.0 foi o valor máximo atingível, dividindo o pódio com o desastre de 2

BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008), p. 45

3  SUZUKI, Akira; “Do Android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, traduzido por J. Keith Vincent, Architectural Association Publications (Londres: 2001), p. 56-57 4

LIOTTA, Salvator-John. A.; “Letter from Tokyo” in http://www.domusweb.it/en/architecture/letter-from-tokyo/ ,18 Março 2011

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• ‌Figuras 22 - 24 Tóquio, cidade a crescer

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Capítulo 4 | Japão

Chernobil de 1986. Fala-se em 15.698 mortes, 5.714 feridos e4.744 desaparecidos. Recentemente, novos records de radioatividade foram noticiados no Jornal Público a 2 de agosto de 2011: “cerca de 80 mil pessoas, que moravam a 20 quilómetros da central ou em localidades conaminadas, foram forçadas a abandonar as suas casas por causa de riscos para a saúde.” Se o espaço já era pouco no Japão, o país ficou agora muito mais pequeno. E se os Japoneses sempre foram um povo respeitador da natureza, hoje são eles próprios quem coloca mais gente em perigo. A luta contra as centrais nucleares é ainda dura e longa, mas começa agora a dar importantes passos. “It’s like anything. If you fall right into the bottom, the only thing you can do, the only thing that’s going to happen, is just climbing up. We are going to see a new Tokyo like reborn. Because Japanese people are really, really resilient. We can do it. And I am so glad that I am here in this age, in this period, living here right now.”5

| BOOM ECONÓMICO A chamada ‘bubble era’, que durou durante cerca de uma dezena de anos após o início dos anos 80, e a ‘post-buble era’ dos dias de hoje, representam os dois lados da moeda que atualmente define a sociedade e arquitetura japonesas. Enquanto a primeira se manifestou como um extraordinário boom económico, com poderosas consequências em qualquer área de produtividade do país, a segunda, da qual ainda se vive um período de ‘ressaca social e económica’, é cenário da maior recessão conhecida da história. “Architecture, like the country itself, has been both a beneficiary and a victim of such circumstances, and these in turn reflect the strengths and weakness of the ways Japan as a social and economic system has been operating.”6

Construção frenética e incessante, extensos planos de urbanização, cada vez mais acelerados, marcaram a ecónomia e a arquitetura da era do boom. As cidades tornaram-se cenário das mais rápidas transformações da atualidade, dando azo a uma variedade criativa que dominou a arquitetura e o design da época. Sem dúvida alguma, o espaço sempre foi escasso e bastante dispendioso no Japão, mas neste momento era-o ainda mais. A média de custo de construção relativamente ao preço pago pela propriedade (terreno) correspondia a uns meros 10%. Escusado será dizer que, confrontados com os elevados custos das propriedades, rapidamente se dava início à construção de mais empreendimentos que pudessem, mais tarde, reestabilizar as despesas que se sucediam. Tudo parecia possível aos olhos dos arquitetos e construtores daquele país, recentemente devastado pela guerra. No entanto, jamais esperariam que o fim da frenética e eufórica hiperatividade dessa época terminaria ao fim de uns escassos 10 anos. Era hora de reorganizar e reestabelecer prioridades. Apesar de aparentemente opostas, sucedem-se algumas continuidades ao longo da ‘bubble era’ e da ‘post-bubble era’. A mais significativa de todas, a prevalência e crescente domínio da cultura de massas e da informação e tecnologia que permanentemente se responsabilizam por moldar e transformar a vida e os hábitos diários dos habitantes e da arquitetura no Japão.

5

UCHIDA, Yuka; Cantora do grupo “Tripple Nipples” in “Tokyo Rising”, Palladium, 2011; http://www.palladiumboots.com/video/tokyo-rising

6

BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008)

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• ‌Figuras 25 - 26 Santuário do Javali, Quioto

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Capítulo 4 | Japão

|町7 MACHI: CIDADES JAPONESAS As cidades Japonesas não são cidades caóticas, sujas ou uma versão incompetente das cidades ocidentais. Por muito que à primeira vista o possam parecer, são exemplos de um urbanismo alternativo e coerente na sua forma intensa de viver o dia a dia. Mapas das mais diversas escalas, contínuas ou contrapostas, as cidades japonesas possuem uma escala humana própria do belo caos em que se deleitam. Existem inúmeras razões justificativas da suposta disposição aleatória dos edifícios nas cidades japonesas, muitas delas diretamente ligadas ao avançado capitalismo que dominou a época de crescimento do pós-guerra, o boom económico, já que em qualquer outra cidade o comum desenvolvimento urbano se basearia acima de tudo nas vicissitudes do edificado histórico, tradicional e museológico da nação que lhe pertence. O Japão não preserva grandes palácios, teatros ou bibliotecas. Os próprios museus e sedes de governo são, também eles, constantemente renovados. Os Japoneses preferem, assim, renovar a imagem e desenvolver novos usos e avanços em cada uma das áreas: política, económica ou cultural. Talvez os templos e palácios religiosos, sedes do Budismo, sejam mesmo as únicas construções estimadas ao longo de largos anos. As cidades japonesas desafiam qualquer estudo e análise mais criteriosa. Por outro lado, convidam à descrição e narração dos seus episódios diários, seja através da fotografia, literatura ou cinema – muito se diz e continua a dizer sobre a sua desordem extremamente radical e heterogénea, ainda que excecionalmente viva e dinâmica. Todas elas qualidades inquestionáveis e incontornáveis que controlam o desenho de cada rua e constroem a rotina de quem a vivencia. “Japanese cities such as Tokyo, acting as a huge ‘desiring machine’, entice their citizens to wander from one novel attraction to another in a relentless movement. Paradoxically, however, this phenomenon of ‘primitive’ nomadism is intimately linked to the electronic/digital age, or, in Jean Baudrillard’s definition, to ‘the ecstasy of communication’, in a society of endless consumption and spectacle.”8

| MENTE SÃ, CORPO SÃO A sociedade japonesa é obcecada pela ilusão daquilo que nunca será seu, e divertem-se com ela. As geishas são exemplo disso mesmo – mulheres que se dedicam a entreter os homens mas que jamais pertencerão a nenhum deles. “The Shinto and Buddhist cultures are very influential in teaching how transience and impermanence are part of life, that loss is part of things. That there is no refuge from transformation so what needs to happen, happens.”9

Se no Ocidente acreditamos que vida há só uma e que devemos tentar de tudo para retirar dela o máximo de prazer e sucesso, tanto no Japão como noutras culturas orientais (China, Índia, entre outras) as crenças são bem diferentes. Acreditam que uma pessoa tem várias vidas e aquilo que não conseguirmos atingir numa, poderá ser transposto para a vida seguinte. A eternidade e a reencarnação fazem parte da sociedade oriental, permitindo-lhes criar o equilibro que necessitam para reconhecer as fragilidades da vida e, assim, seguirem sempre em frente superando todos os obstáculos. -

7

Tradução amavelmente fornecida por amiga japonesa, Shoko Kjima

8  BAUDILLARD, Jean; “The Ecstasy of Communication”, in Hal Foster (ed.), The Anti-Aesthetic: Essays in Postmodern Culture (Portt Townsend, WA:Edizioni Charta, 1999) apud BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008), pg. 39 9  LIOTTA, Salvator-John. A.; “Letter from Tokyo” in http://www.domusweb.it/en/architecture/letter-from-tokyo/ ,18 Março 2011

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• ‌Figuras 27 - 30 Templo de Todai-ji, Nara

• ‌Figuras 31 - 32 Cartazes educativos, Metro de Tóquio

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Capítulo 4 | Japão

A terceira cidade que visitámos na nossa viagem ao Japão foi a cidade de Nara. Importante foco religioso do país. Tivemos uma das maiores surpresas de sempre quando, a caminho do templo de Todai-ji, fomos abordados por dezenas de veados que viviam tal como as pessoas nas ruas daquela cidade. Eram tratados como gente importante e acarinhados por todos sem que pudesse existir qualquer tipo de conflito. Reinava a harmonia perfeita. Talvez a situação pudesse ser hoje um pouco explorada a nível turístico, sendo os próprios veados a principal atração da cidade, mas o que é certo é que funcionava e todos se sentiam mais bem vindos àquele lugar. O templo de Todai-ji é considerado a maior construção de madeira existente no mundo inteiro, e no seu interior alberga uma das maiores estátuas budistas do mundo.10 A cultura e religião japonesas estão carregadas de mitos, diferentes divindades e crenças das mais variadas dedicações. Neste edifício, para além dos típicos desejos escritos num papel enrolado e presos a um fio por um nó, era tradição atravessar um pequeno buraco existente numa das robustas colunas estruturais do edifício. Diziam que dava sorte para as próximas vidas. A fila era realmente enorme. Tive o meu momento de comédia do dia quando vi um senhor, já com a sua idade, a tentar atravessar a dita coluna. Estava a ser puxado por duas outras senhoras, também elas mais velhinhas, mas muito sorridentes aos tentarem desprender o seu amigo/colega/familiar daquele buraco. Finalmente soltou-se! Se este pequeno percalço poderá ou não ter atrapalhado o seu destino, a sorte o dirá. Ainda que um pouco enraizado na suas próprias crenças e religiões, o Japão auto-repreende-se constantemente a partir de inúmeros avisos e lembranças espalhados pelas mais diversas formas de comunicação. As estações de metro e elevadores públicos estão pontuados de avisos de como se devem comportar, seja em cartazes ou mensagens sonoras. O designer Bunpei Yorifuji ficou célebre pelos seus famosos cartazes no metro de Tóquio. Muitas destas lembranças poderão não fazer qualquer sentido no nosso pequeno Portugal, mas no pequeno Japão são essenciais para que a calma e respeito se mantenham. Numa outra situação: “Throughout its history Japan has had too little space. The result is to use space intensively, filling and refilling it. (…) On Japanese highways the speed limit is often reinforced with this message: Semai nihon, sonnani isoide, doko e iku? (Where can you be going in such a hurry in tiny Japan?)”11

Para falar verdade, não me lembro de ver ninguém a correr e o próprio trânsito é incrivelmente tranquilo. Não ouvi uma buzinadela. Exagerado ou não, são valores importantes que mantêm a harmonia de uma sociedade que é diariamente exposta à pressão do mercado, competição e infinitas redes de comunicação, milhares de inovações que chegam às montras todos os dias e nos afogam em mares de informação.

| コンビニ12 CONBINI13 コンビニエンスストア: konbiniensusutoa, frequentemente reduzida para conbini. “In Tokyo, in fact, the city is treated by its inhabitants as an enormous extended home, with the convenience stores... working like the fridge and medicine cabinet. The home just plugs in. In other words, Metabolism is still here and very real. It is just not so easy to see.” 14

10

http://en.wikipedia.org/wiki/T%C5%8Ddai-ji

11

NITSCHKE, Gunther; “From Shinto to Ando - Studies in Architectural Anthropology in Japan”, Academy Editions, Ernst & Sohn (Lomdres: 1993), p.35

12

tradução obtida em http://en.wikipedia.org/wiki/Convenience_store

13  expressão usada pela escritora Akira Suzuki no livro ”Do Android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, traduzido por J. Keith Vincent, Architectural Association Publications (Londres: 2001), p. 25 14  ABE, Hitoshi in “Return of the Metabolist”, http://frontofficetokyo.com/blog/?p=709

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• ‌Figuras 33 Conbini

• ‌Figuras 34 - 35 Conbini em Osaka

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Capítulo 4 | Japão

Enraizadas em cada esquina da cidade, levando a cabo uma constante atenção sobre as necessidades diárias dos seus utentes, estas lojas de conveniência, que trabalham 24 horas por dia 7 dias por semana, são já detentoras de uma área urbana superior a todos os departamentos comerciais japoneses juntos. São uma espécie de estações de serviço de apoio à vida, à vida apressada de cada um. Na sua totalidade são já 52 813 em todo o território Japonês, sendo que a sua grande maioria existe nas grandes cidades onde vive cerca de 72% da população. Os seus utentes são essencialmente habitantes que vivem num raio de cerca de 100m2 em seu redor, o que significa que ocupam uma área aproximada de 5,29 milhões de m2 apenas dedicados a este tipo de comércio.15 A reposição de todos os produtos é feita diariamente através de pequenas carrinhas. Não existindo a necessidade de conservação e criação de stocks em arrecadação, as conbinis não ocupam grandes terrenos o que lhes permite essa fácil localização em cada “vazio” encontrado na cidade. Facilmente se adaptam a partir de casas, lojas ou outro qualquer tipo de estabelecimento.Realizam todo o tipo de serviços, desde fast-food e take-away, supermercado, lavandaria, quiosque, pagamento de serviços, etc. Tudo o que necessitamos ali se encontra à máxima de uma caminhada de 3 minutos. Modas à parte, as conbini são desprovidas de todo o tipo de rigor e preocupação de imagem que possam distrair os seus utentes daquilo para que ali se encontram, o ato de comprar. No entanto, há todo um mar homogéneo de cartões florescentes de todas as cores, escritos e recortados à mão, que nos dão conta das várias promoções e novidades diárias. Uma espécie de ‘maquete’ de uma rua do distrito de Ginza, onde tudo brilha, tudo salta à vista, tudo nos atrai e obriga a recuar para uma melhor compreensão e visão geral do cenário. Por todas as coisas, a mim, me parecerem iguais umas às outras, e serem tratadas da mesma maneira, arriscaria compará-las a um jogo de apostas, em que apenas a sorte nos dirá se optámos pela escolha certa. “Home sweet home” faz hoje muito menos sentido. Afinal de contas, para que precisamos nós de uma cozinha quando poderemos adquirir qualquer tipo de refeição ali bem perto ou até mesmo ser entregue em casa? Para que precisamos de um banco quando a mesma loja de conveniência também é capaz de realizar os mesmos serviços? Para que necessitamos de lavar a roupa em casa e ocupar o pouco espaço que temos com uma grande máquina de lavar quando a mesma tarefa pode ser feita mesmo ali ao lado? A compartimentação das casas começa a dar sinais de fraqueza, como se elas próprias se diluíssem pelos tecidos urbanos das cidades tornando cada rua um corredor de nossas casas.

Em outubro de 2006, na 7ª ‘Archilab Internacional Conference’, na cidade de Orleães, França, evento desenvolvido segundo os padrões e uma bienal de arquitetura, realizou-se uma exposição de seu nome “Nested in the City”. Criada e pensada por japoneses e a partir da arquitetura japonesa, no seu press release mencionava-se aquilo que, a meu ver, é a perfeita definição da cidade japonesa dos dias de hoje. “In this city [Tóquio], architecture appears like a fragile shelter which “swaddles” the lives of its residents instead of confining them within a space that is impermeable between street and household space. ‘Nested in the City’ means living in your own home while remaining plugged into the city.”16

Hoje, “os passos do habitante não podem deter-se num local, seguem um vetor aberto, traçam uma fuga sem fim, flecha lançada ao ar sem aviso.”17 Hoje, ainda que em pequena escala, regressámos ao nomadismo.

15

PONS, Philippe; “Japan in Crisis, Japan on the Move” in L’Architecture d’Aujourd’Hui 338 Japon, Janeiro-Fevereiro 2002, p.30

16  Press release “ArchiLab 2006 Japan, 7th Orléans International Architectural Conference - Nested in the City”, Orléans, 21 Outubro a 23 Dezembro 2006 in http://www.archilab.org/public/2006/pdf/cp_archilab06_en.pdf 17  QUETGLAS, J. apud FERNANDEZ-ALONSO, Rámon; “A Habitação Actual Não Existe” in “Arquitectura ibérica #16 Habitar”, Caleidoscópio:Edições e Artes Gráficas, SA (Madrid: Setembro 2006), p.15

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• ‌Figura 36 Salaryman no metro

• ‌Figuras 37 - 44 Dois salaryman desempregados passam o dia em descampados da cidade. Quando se deparam com a multidão que regressa do seu trabalho decidem seguir o mesmo caminho. Escondem à família que perderam o emprego. Frames do filme “Tokyo Sonata” (2008)

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Capítulo 4 | Japão

|プライバシー18 PURAIBASHI: PRIVACIDADE “The notion of privacy in Japan is different... Privacy in Japan has traditionally been closely related to a spirit of happy intimacy within the family and comforting security. Parents and children sleeping close together in the same room rather than being isolated in separate rooms was considered to be more pleasant, intimate and safe. (…) Individual personalities of family members were expected to be sacrificed for the good of the family.”19

Será por essa mesma razão que existirão quase 50 vezes mais indivíduos engravatados nas ruas do que mulheres. Sociedade moderna, sem dúvida alguma, mas severamente convicta na manutenção dos seus valores mais tradicionais que desde sempre definiram o seu conceito de família. A esposa tende a ficar em casa, tal como as mulheres ocidentais dos anos 60 (bem lá longe). Dedica-se às lidas da casa, compras, limpeza, educação dos filhos, garantindo sempre que o jantar e/ou almoço estejam na mesma à hora certa. Já ao homem cabe-lhe a tarefa de sustentar a família monetariamente. O que volta a explicar outra tendência do mercado japonês: os workaholics, viciados em trabalho. Tal noção de reunião familiar é em quase tudo responsável pelas evoluções do desenho da casa japonesa. Os modos de habitar sofreram grandes mudanças, mais especificamente devido às suas tentativas de acompanhamento do desenfreado desenvolvimento tecnológico do país. Se a esposa, a dona de casa, passa a maior parte do tempo a trabalhar nesse mesmo espaço que ao final do dia irá acolher todos os restantes membros familiares e se, por outro lado, se mantém a importância de preservar os laços familiares (ainda que afetuosamente tímidos como bem sabemos), a casa japonesa tende hoje para uma centralização unificada do seu espaço comunitário. Se por um lado os quartos tatami passaram a ser usados como quartos de desenho, chá e relaxamento, e se os filhos dormem agora em quartos privados, separados dos pais, por outro lado, a cozinha, sala de jantar e sala de estar, separadamente, deixaram de existir. “In the Japanese language, there is no equivalent word for the English ‘privacy’.[until 1947 with the new Civil Code that guaranteed individual rights] The English word ‘privacy’, with its individual connotation has [now] become a common Japanese word (puraibashî). (Murakami, 1996 – Privacy versus Mass Media, Tokyo, Gakuyo Shobo).”20 “uchi, which is [was] the closest Japanese word to the English privacy, indicates the inside of the group to which one belongs, not individual privacy. (…) The Japanese sense of privacy was familial rather than individual. (…) Nowadays, family members are more likely to sleep separately in their own rooms, although Japanese still usually sleep with young children, maintaining the traditional family intimacy.”21

O que hoje existe apelida-se de ‘LDK’ (living, dinning, kitchen), o que significa um único espaço central, aberto, que alberga serviço de cozinha, zona de estar e zona de jantar. Ritsuko Ozaki, socióloga japonesa e atual professora no Imperial College of London, desenvolveu ao longo de alguns anos um vasto trabalho de investigação sobre a habitação japonesa e as suas principais diferenças com o mundo ocidental, especialmente a cultura inglesa. Num desses estudos foram realizadas algumas entrevistas22 a famílias japonesas residentes em habitações tipicamente inglesas. Quando questionadas sobre as suas maiores dificuldades no que toca ao uso do espaço habitacional em que vivem, a grande maioria não hesitou em apontar a extrema confusão que lhes causa o facto de existir uma sala de jantar. Diziam eles que a própria sala de jantar já 18  Tradução obtida através do “google tradutor” e confirmada através da leitura fonética da palavra puraibashî’ usada por Ritsuko Osaki in “Housing as a Reflection of Culture: Privatised Living and Privacy in England and Japan”, Housing Studies, Vol. 17, No. 2, 209-227, 2002 19

OZAKI, Ritsuko; “Housing as a Reflection of Culture: Privatised Living and Privacy in England and Japan”, Housing Studies, Vol. 17, No. 2, 209-227, 2002

20

Ibidem

21

OZAKI, Ritsuko; “Boundaries and the meaning of social space: A study of Japanese house”, texto cedido pela autora

22

Ibidem

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• ‌Figuras 45 - 46 Viagem no Comboio “Bala”, Tóquio-Quioto Frames do filme “Lost in Translation” (2003)

• ‌Figuras 47 - 48 Sanitas contemporâneas japonesas

• ‌Figura 49 Banho, balneário colectivo

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Capítulo 4 | Japão

servia para tudo, estar, comer, passar a ferro, etc. Outra dificuldade mencionada prendia-se com o facto de não existir uma barreira física entre a entrada da casa e o restante espaço privado. Uma diferença ao nível de alturas. Por muito mais que essa mesma diferenciação possa ser feita através de um tapete ou do simples ato de deixar os sapatos à porta, muitas das famílias continuavam a sentir um certo desconforto pela inexistência daquela barreira de proteção verdadeiramente indispensável. Tal desconforto volta a tocar na noção de privacidade que os japoneses estimam religiosamente. Se o mundo lá fora está minado de sujidade, perigos e maldições, é-lhes extremamente importante proteger as suas famílias de tamanhas ameaças. Ritsuko Ozaki afirma, igualmente, que um dos hábitos japoneses no que toca a castigos é precisamente proibir os filhos de entrar em casa durante um ou mais dias. Amedrontados desde crianças com as muitas histórias sobre os demónios das ruas, tal castigo seria considerado um dos mais temíveis. Imagino que, se adotada, tal tradição sería a maior paródia no mundo ocidental.23 “A ‘happy home’ represented family intimacy and emotional ties between family members at home, and leading a (happy) private domestic life became the national ideal.”24

Outra interessante particularidade no que toca à distribuição dos espaços que constituem a casa japonesa prende-se com a própria casa de banho. Se nós, ocidentais, englobamos tudo no mesmo espaço – despir, vestir, lavar, limpar – os japoneses preferem dividir a casa de banho em três espaços e ações. O quarto da sanita (ela própria munida de toda uma dezena de engenhocas de limpeza do mais recente grito tecnológico), o quarto do lavatório onde se despem e colocam a roupa para lavar e, por fim, o mais importante e limpo de todos, o quarto do banho. O ato de tomar banho é para os japoneses quase tão importante como rezar, sendo frequentemente equipado com banheiras ao estilo de jacuzzis, para que possam disfrutar do tempo que for necessário para garantir o seu pleno estado de pureza. A principal razão é a proteção quanto às ameaças e impurezas exteriores. Lembro-me de quando visitávamos Nara. O hotel era ligeiramente afastado do centro da cidade e como estávamos exaustos dos ainda restantes efeitos do jet-lag e das pesadas derrotas pelo choque da primeira visita a uma cidade japonesa (Osaka e Quioto), decidimos passar ali mais tempo. O importante já tinha sido visitado durante o dia e preparava-se uma curta mas ansiosa viagem no comboio bala de Quioto a Tóquio. [O Japão é palco dos comboios mais rápidos chegando a atingir os 300km/h, velocidade que num avião pode ser perfeitamente ignorada mas que bem perto do solo nos deixa inicialmente agarrados à cadeira e seguidamente com uma estranha sensação de leveza.] Ainda antes de dormir, decidimos seguir o exemplo japonês e tomámos um banho para relaxar. Raparigas e rapazes separados como é natural. Mas, tal como os desenhos animados que via em miúda, existia a tal sala para nos despirmos e mesmo ao lado as portadas que davam acesso à sala do banho. Espelhos espalhados pela parede, sensivelmente à altura da cintura e um banquinho e um chuveiro que acompanhavam cada um deles. Seria quase o convívio perfeito se comparássemos com os nossos cafés depois do jantar. Foi uma experiência estranha, mas igualmente interessante tal como todas as outras. Todas estas questões deixam-me a pensar. Afinal de contas somos individualistas apenas porque alguém decidiu inventar a porta. Verdade ou não, agrada-me o modo de pensar japonês e o facto da habitação estar atualmente a virar-se novamente para ela mesma, destruindo barreiras e centralizando-se num único espaço, aberto e comunicativo.

23  “When parents tell their children off, they lock the children out as punishment, instead of locking them in as western parents might do. This is because the outside is a dangerous place.” in OZAKI, Ritsuko; “Boundaries and the meaning of social space: A study of Japanese House”, texto cedido pela autora 24  OZAKI, Ritsuko; “Society and Housing Form: Home-Centredness in England vs. Family-Centredness in Japan”, Journal of History Sociology Vol. 4 No. 3, Setembro 2001

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• ‌Figuras 50-52 Cerejeiras em flor Parque Yoyogi, Tóquio

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Capítulo 4 | Japão

|自然25 SHIZEN: NATUREZA Há que reconhecer que vivemos graças à natureza e tudo aquilo que ela nos oferecer. Segundo o Budismo e o Xintoísmo, religiões base no Japão, devemos praticar uma atitude de profunda gratidão e reverência para com a natureza. Apesar de por vezes ela mesma nos pregar algumas partidas, sendo o Japão forte alvo delas, o homem deverá impreterivelmente reconhecer que são realmente muito maiores todos os benefícios que dela recebe. Apesar do grande avanço tecnológico que domina os países asiáticos, tal poder não é pleno e deverá declarar-se humilde e capaz de aceitar as adversidades da vida, num espírito de coexistência pacífica em que ambos se ajudam mutuamente. Ficará na minha memória para sempre, disso tenho a certeza. Um dos melhores momentos que alguma vez viverei. Eu e muitos dos que faziam parte daquele grupo. Que as cerejeiras em flor são realmente muito bonitas, isso nós sabemos, mas que o largo céu de nuvens de ramos e pétalas cor de rosa que se alastra por qualquer parque e floresta do Japão é algo de outro mundo, disso não fazíamos qualquer ideia. É de uma dimensão verdadeiramente estonteante. Tal dimensão consegue ser ainda mais forte quando acompanhada por uma notável obsessão, de parâmetros totalmente positivos, que o povo japonês nutre desde há centenas de anos por estas árvores. Há muito tempo atrás, ainda em época de guerras e conquista de novos territórios, as tropas japonesas usavam as cerejeiras como símbolo de ocupação e identidade do seu território. A sua admiração e associação com a identidade deste povo remontam ao período em que Nara era a capital do país (entre 710 e 741, seguida de Kuni-kyo até 784, Nagaokakyo até 794 e finalmente Quioto entre até 1869, data em que a corte imperial japonesa foi transferida para a cidade de Tóquio)26, sendo inicialmente objeto de culto e lazer por parte das famílias mais ricas, alargando-se, contudo, ao longo dos anos à totalidade da população do país. As cerejeiras existem aos milhares, senão milhões ou triliões, por todo o país e a verdade é que apenas se mantêm em flor durante duas únicas semanas no ano. Senti que era algo ainda mais forte que o natal ou qualquer outra data festiva que implique comunhão. Aqui, a união e o convívio entre as pessoas são muito mais fortes, de uma escala verdadeiramente inacreditável. Era um Domingo à tarde. Saídos do bairro de Harajuku, centro de todas as tendências da moda japonesa, decidimos aproveitar o bom tempo e visitar o parque Yoyogi. Já nos tinham avisado que, nestas alturas, as famílias e grupos de amigos arranjam mil e uma estratégias para garantirem a reserva de um espaço para o seu piquenique no parque, mais conhecido por festas hanami dedicadas à apreciação e convívio com as cerejeiras em flor. Todos, mas mesmo todos eles, usam as mesmas lonas azul turquesa - não faço ideia onde as iam buscar e porque razão seriam azuis. Consigo imaginar o cenário do parque nas horas que acompanham o nascer do sol, um mar azul de lonas que são ali deixadas previamente para que fique assim garantido cada lugar. Um parque tornado azul, ainda mais azul que um belo dia solarengo de primavera. A entrada do parque fazia-se através de uma pequena escadaria, em sentido descendente. O cenário começava a revelar-se semelhante ao de uma típica festa popular, ou até um festival de verão. Barraquinhas de comida e artesanato e muita muita gente. Em frente existia uma fonte, um retângulo bem longo que se estendia por uma alameda. Suponho que fosse o ponto de encontro e referência de todos os que chegassem ou se tivessem perdido. Afinal de contas, todos necessitamos de pontos de referência. Alguns ficavam ali sentados a conversar durante largas horas, outros passeavam as suas roupas mais modernas e extravagantes criaturas caninas também elas vestidas e arranjadas segundo as últimas tendências da época, por mais estranhas que elas fossem.

25

Tradução obtida em http://japanese.about.com

26 http://pt.wikipedia.org/wiki/Japão

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• ‌Figura 53 Rockabily, Tóquio

• ‌Figura 54 Maid girl ou Cosplayer, Akihabara, Tóquio

• ‌Figuras 55-56 Cosplay Restaurant, Tóquio Frames do documentário da BBC “Japanorama”, Série 2 Ep.2

• ‌Figuras 57-58 Aluguer de Love Dolls, Tóquio Frames do documentário da BBC “Japanorama”, Série 3 Ep.2

• ‌Figuras 57-58 Cosplayers, Tóquio Frames do documentário da BBC “Japanorama”, Série 2 Ep.2

• ‌Figuras 59-60 Yakusa, Máfia Japonesa “Soichiro and his family control Kabukicho, in the heart of Shinjuku, Tokyo. Not much happens in the streets without his approval.” KUSTERS, Anton in www. antonkusters.com

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Capítulo 4 | Japão

Decidimos ir pela direita e juntámo-nos ao pelotão de gente que acompanhava esse percurso. Após escassos minutos a pé, lembro-me do meu enorme espanto quando vi, pela primeira vez na vida, uma casa de banho masculina com uma fila de utentes que conseguia ser ainda maior que a casa de banho das senhoras. Até que enfim existem homens civilizados nalgum país. A alameda prolonga-se por cerca de um ou dois quilómetros, ladeada por milhares de pessoas sentadas nas suas lonas azuis e por centenas de cerejeiras em flor que cobriam cada pedaço de terra. Uns comiam, outros bebiam, outros dançavam Michael Jackson e Justin Timberlake, alguns até quase traziam a casa às costas. Era seguramente o centro de toda a convivência, civismo e carinho pelo seu “vizinho” que domina a cultura japonesa. Acima de tudo, o amor pela natureza. Um pouco mais à frente, eis que o momento mais inesperado de toda a viagem acontece. Uma pequena aragem leva consigo milhares de pétalas cor de rosa que se soltam das árvores e voam, passeiam, dançam e espalham-se pelo ar. Poderá parecer ridiculamente exagerada tal comparação, mas tudo parecia tratar-se de um sonho. Nesse mesmo instante, a interminável multidão de gente sentada levanta-se, salta, ri, abraça-se, canta, dança e sorri como se não houvesse amanhã. Alguns deles dedicam-se afincadamente a fazerem pose para qualquer câmara que lhes apareça à frente, dotados profissionais da expressividade humana. Decidimos invadir a “floresta”. Todos nos diziam olá. O maior e mais mágico momento de histeria e de felicidade que alguma vez vivi aconteceu ali, em Tóquio, num Domingo à tarde, durante uns escassos 5 minutos. Com raízes nas culturas Budista e Xintoísta, também as cerejeiras em flor enfatizam a condição efémera da natureza da vida, o mono no aware, termo usado para descrever a consciência de impermanência das coisas boas da vida, em que tudo deve ser aproveitado como se fosse a última vez. Nenhumas palavras ou fotografias serão certamente suficientes para fazer juz a esta experiência. De qualquer forma, aqui fica o meu testemunho sobre o dia em que percebi a dimensão da força que une o povo japonês à natureza.

Estranhamente, apercebo-me agora de que poucos animais vi, ou quase nenhuns, a não ser mesmo os que são domesticados. Ah! Existia o chilrear dos passarinhos nas estações de comboios. Talvez procurem assim preencher a falta de natureza pura que é bloqueada pela tecnologia citadina. Pensando bem, até animais de estimação robotizados existem no Japão. Como será então daqui a uns anos?

| TRIBOS URBANAS Os Japoneses são a população mais homogénea do mundo, sem raças ou religiões que os dividam. Contrariamente, eles próprios se distinguem adorando heróis e personagens de banda desenhada - os otaku - ou outro tipo de obsessões que se prendem com uma imagem e estilo diferentes, de outros países e culturas – zoku, tribos.27 “The idea of being a member of a group (…) is vital in Japan (…); this psychological merging of one’s identity with the group is an essential precondition for the existence of both the person and the group.”28

As raparigas adolescentes são as principais adeptas destas tendências, desde as suas imitações caricaturadas e exageradas do bronzeado californiano até à integral vestimenta gótica. Cute, ou fofo em português, é a palavra de ordem, e tudo o que seja cute, brilhante ou colorido está na moda. Facilmente se ima27  Série da BBC “Japanorama” por Jonathan Ross, Série 2 Episódio 3, 2002-2007 28  OZAKI, Ritsuko; “Housing as a Reflection of Culture: Privatised Living and Privacy in England and Japan”, Housing Studies, Vol. 17, No. 2, 209-227, 2002

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• ‌Figuras 61, 63 “Playtime “ (1967), Jacques Tati

• ‌Figuras 62, 64, 66 “Blade Runner“ (1982), Ridley Scott

• ‌Figura 65 “Mon Oncle“ (1958), Jacques Tati

• ‌Figuras 68, 70 Painéis de Néon, Osaka e Tóquio

• ‌Figuras 67, 69 Trabalhadores de grandes empresas japonesas

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Capítulo 4 | Japão

gina o resultado. No entanto, não será difícil cruzarmo-nos pelas ruas com os namorados destas raparigas extravagantes que seguem igualmente o mesmo estilo. Os rockabily são já de um nível superior. Homens quarentões que se juntam em parques das cidades para dançar e ouvir músicas do Elvis Presley. Vestidos a rigor estão, igualmente, os punks mexicanos ou até aqueles que parecem ter saído à rua de pijama. E de todas estas variadas tendências a mais importante prende-se precisamente com o sentido de adoração do inatingível, tão tipicamente japonês. As personagens de banda desenhada são idolatradas por otakus ao ponto de eles próprios adquirirem dezenas de réplicas à escala real da sua personagem favorita. Não será dizer que tudo o que é obsessão no Japão tenderá a acabar sempre num cariz mais ou menos sexual. Hoje em dia é bastante comum encontrarmos mulheres vestidas de empregadas de limpeza ou outras personagens de desenhos animados promovendo tudo o que é loja de eletrodomésticos, sala de jogos ou outro tipo de entretenimento diretamente focado no sexo masculino. Nesse mesmo sentido, existem os No-pan kissa, cafés em que estas personagens assumem a profissão de empregadas de mesa com alguns privilégios para os seus clientes que podem ser acariciados a troco de dinheiro. Ler banda desenhada ao mesmo tempo que satisfazem prazeres sexuais com personagens de banda desenhada parece-me, a mim, uma das maiores anormalidades na sociedade japonesa. Um dos mais antigos e importantes grupos sociais japoneses é a máfia, os chamados Yakusa. Existem atualmente quatro importantes famílias yakusa no Japão, todas elas ligadas a perigosas redes criminais por todo o país. Aqui o vestuário não é o mais importante como noutras tendências e obsessões sociais. Os yakusa identificam-se pelas suas tatuagens, verdadeiras obras de arte produzidas a partir de técnicas tradicionais, que cobrem o tronco e parte inicial dos membros. Demoram anos a serem produzidas e são temidas por toda a cidade, existindo mesmo alguns painéis de aviso à entrada de estabelecimentos alertando para a entrada proibida de pessoas com tatuagens, fator unicamente ligado à máfia japonesa. Um dos lemas do grupo, para além da extrema lealdade com que se tratam dentro da mesma família, é a oferta de dedos amputados das mãos como forma de pedido de desculpas em casos em que tal é necessário. O membro que errou, assume a sua culpa e corta o seu próprio dedo oferecendo-o à pessoa que terá diretamente prejudicado. Desse modo, pessoas com dedos cortados são também temidas por toda a população. Mas a juventude japonesa não é uma classe rebelde, a exemplo da cultura do seu país, enraizada no Budismo, evitam qualquer tipo de conflito. As suas aspirações e estilos de vida, por muito diferentes que sejam dos dos seus pais, refletem a fisionomia da cidade. Mais do que em qualquer outra parte do mundo, a cidade Japonesa é um ‘estado de alma’ (state of mind) que reflete a constante mutação que acompanha os novos tempos. Não é, por isso, caracterizada pelos seus monumentos históricos e seculares, mas por toda a movimentação das massas, modas e tendências que governam o dia a dia da cidade proporcionando-lhe a fluidez que tanto a caracteriza. A cidade Japonesa é dinâmica e moldável, composta por milhares de fragmentos coerentes que trabalham entre si numa constante renovação; o efémero dá lugar ao ‘para sempre’. E “... as tradições dissolvem-se, já não existem identidades culturais fechadas. A economia e a política desenvolvem uma dinâmica que ninguém parece realmente perceber ou controlar. Tudo se mistura com tudo e a comunicação massificada evoca um mundo artificial de sinais. Arbitrariedade é a palavra de ordem.”29 É-me quase imediato comparar a ideia que faço (e penso que outra qualquer pessoa também) da economia e mercado japoneses com os ilustres filmes do realizador francês Jacques Tati. Muito para além das exageradas previsões de uma Los Angeles de 2019 (Tóquio) no filme “Blade Runner” (1982, Ridley Scott), o autor de “Play Time” (1967) e “Mon Oncle” (1958) consegue ironizar criticamente o que é a tecnologia dos nossos dias, com particular destaque para os demais países asiáticos. Se os homens engravatados, de mala retangular em punho, se passeiam aos milhares por cada rua, viela ou estação da cidade japonesa, imagino então o caos que poderá ser um edifício de escritórios de uma multinacional. Em grelhas extremamente bem quantificadas, dispostas em linhas perpendicula29

ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009), p. 16

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• ‌Figuras 71-72 Salaryman adormecidos no metro, Tóquio

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Capítulo 4 | Japão

res de modo a não desperdiçar qualquer centavo de espaço, os trabalhadores distribuem-se por secretárias iguais, vestindo os mesmos fatos, fazendo as mesmas tarefas e cumprindo os mesmos horários, todos os dias da semana. Segundo a Reuteurs e a Ipsos Global30 o Japão é o país mais workaholic da população mundial, seguido da Austrália em segundo lugar, Estados Unidos em quinto, Brasil em sétimo e China em décimo. A mesma estatística aponta ainda que apenas 33% dos Japoneses decidem realmente disfrutar de todos os dias das suas férias, contrabalançando com 57% dos Americanos. Standardização. Não apenas a nível tecnológico mas igualmente eficaz mental e socialmente. O ‘fugir à regra’ torna-se assim a mais imediata solução para a standardização e a arbitrariedade. “… many young people have no longer the ambition of joining a large firm and becoming corporation clones. The so called ‘furitâ’ phenomenon (…) is indicative of the evolution of the market, reflecting new economic exigencies (increase of temporary jobs in the interests of profitability) and the aspirations of young people to a less constraining life. The ‘furitâ’ people are often university graduates who prefer part-time jobs that leave them free time rather than submit body and soul to the demands of a firm. Later on, they will either join a small firm or set up a business of their own. (…) A significant part of the young generation is turning away from the competitiveness and conformity that marked their parents.”31

Tudo o que fuja aos estereótipos ditos normais e respeitáveis parece ser, então, o remédio para a fadiga urbana das grandes cidades. O desejo de se isolarem, rejeitarem e se tornarem independentes do seu seio familiar, bem como de todas as restantes responsabilidades que acompanham o desenvolvimento e o criar de uma carreira, levam a que muitos jovens se sintam ansiosos e sob uma extrema pressão, de tal forma que se tornam autênticos estranhos para a sociedade. Aliens que reclamam ali não pertencer.

|引き篭り32 HIKIKOMORI Enclausurados é a palavra certa. Entre regras, disciplina, dedicação e rigorosas exigências de sucesso e bom comportamento, a competitividade é tal que se torna, para eles, difícil exprimir os seus próprios sentimentos ou até perceber se estão ou não a ser sinceros uns com os outros. O elevado nível económico do país está agora a pagar o seu preço, não apenas através da recessão, mas castigando também toda a sociedade. Contrariamente à economia e tecnologia, o sistema educativo japonês desde sempre se manteve muito fiel à tradição. Dedicado e extremamente disciplinado, leva crianças e jovens a testarem os seus limites. No Japão existem exames de admissão para quase todas as escolas, até mesmo em alguns jardins de infância e escolas primárias. O mais difícil de todos é o da entrada na Universidade. São capazes de dedicar 18 horas diárias aos estudos, sair da escola e seguir caminho para explicações privadas, para as quais também serão obrigados a realizar outro exame de admissão. É-lhes exigido sucesso total. E muitos deles, por fracassarem ou não conseguirem acompanhar tal nível de exigência e qualidade, acabam por não se sentir amados ou aceites pelas suas próprias famílias. Pequenos acontecimentos relacionados com o fracasso escolar ou desavenças entre colegas (os casos de bulling são um exemplo) levam milhares de jovens japoneses a se isolarem do mundo, rejeitando qualquer tipo de contacto com o exterior, para além das paredes do seu quarto. Apesar de cerca de 80% do estimado um milhão de enclausurados existentes no país afetarem as classes mais jovens, também os adultos, já formados e supostamente treinados para enfrentar a pressão 30  GOLDMAN, Leala; “The 14 Most Workaholic Countries In The World”, 25 de Fevereiro de 2011 in http://www.businessinsider.com/countries-with-the-most-workaholics-2011-2 31

PONS, Philippe; “Japan in Crisis, Japan on the Move”, L’Architecture d’Aujourd’Hui 338 Japon, Janeiro-Fevereiro 2002, p. 30

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Tradução obtida em http://pt.wikipedia.org/wiki/Hikikomori

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• ‌Figuras 73-78 Hikikomori, Frames do filme “Tóquio!” (2008)

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Capítulo 4 | Japão

do dia-a-dia da sociedade e mercado de trabalho, esgotam as suas últimas forças. De um dia para o outro desistem do mundo. O filme “Tokyo!” (2008) desenvolve-se ao longo de três histórias de três diferentes realizadores (Joon-ho Bong, Leos Carax, Michel Gondry) - cada uma delas ilustra um ou outro aspeto chave da vida no Japão. “Tokyo Shacking” retrata a vida de um enclausurado, um hikikomori. hikikomori Lit. “pulling away, being confined” Japanese term to the phenomenon of reclusive individuals who have chosen to withdraw from social life, often seeking extreme degrees of isolation and confinement. “I’ve been living in this house for 10 years. I am a hikikomori. Usually, hikikomoris live at the expense of their parents, but I live alone. (…) It’s hard to believe but I have read all these books. (…) With money and telephone, everything is okay as everything can be delivered. (…) I hate being in contact with people. (…) Others may not, but I can even see the hour hand moving. It has been 10 years since I last moved.”33

A falta de confiança, o elevado grau de competitividade e exigência, leva-os a fecharem-se a sete chaves, sobrelotados de angústias e sentimentos que não conseguem ou podem expressar. A sociedade fez de si pequenas máquinas sem ambições ou talentos próprios. Estudar e trabalhar tanto para quê? Para serem iguais a muitos outros, trabalharem sobre as mesmas coisas para a mesma firma durante o resto das suas vidas? Terão sempre de ser melhores que alguém, nada nunca será suficiente. Um pequeno sinal de cansaço e a sua vida poderá ir por água abaixo. Lembro-me de reparar diariamente em pessoas adormecidas no metro das cidades de Tóquio e Osaka, sentadas ou agarradas à barra superior de segurança. Ali estão eles exaustos, a dormir de cabeça caída. Dizem que por vezes alguns chegam mesmo a adormecer enquanto esperam pelo metro. Esgotam todas as suas forças, tal como a bateria de um telemóvel. Caem e ficam ali. De manhã acordam e seguem de novo para o trabalho. Está tudo normal. Devido a situações como esta, existem também espalhadas por toda a cidade máquinas de café enlatado possível de ser aquecido, mas também outras que vendem apenas roupa interior. No mínimo curioso. Em mais nenhum lugar no mundo existirão tantos jogos arcade quanto no Japão. As cidades estão cheias de grandes salões de máquinas de jogos e de apostas. Alguns estendem-se mesmo por edifícios inteiros. Será também esta uma das razões pela qual os japoneses desenvolvem cada vez mais o individualismo e consequentemente isolamento da sociedade. Afinal de contas, quase todos estes jogos praticam-se sozinhos. Apesar de ser a doença da atualidade no mundo oriental, equiparável talvez à anorexia no ocidente, o hikikomori é ainda tabu. Os próprios pais dos doentes sentem-se eles próprios culpados da situação, sentem que falharam e os seus filhos pura e simplesmente desaparecem, como se tivessem evaporado. Ninguém fala do assunto e têm vergonha de mostrar qualquer vestígio de que possam estar a abrigar um hikikomori dentro de sua própria casa. Alguns ficam anos, 4, 10, 15, a viver debaixo das asas dos pais. “When a hikikomori wants to meet another hikikomori, there is only one way. If you don’t come out now, you never will.”34

33  Diálogo do filme “Tokyo!”, segmento “Shaking Tokyo” de Joon-ho Bong, 2008 34 Ibidem

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• ‌Figuras 79-84 O hikikomori decide finalmente sair de casa mas depara-se com a cidade deserta. Frames do filme “Tóquio!” (2008)

“IF YOU DON’T COME OUT NOW, YOU NEVER WILL.”

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Capítulo 4 | Japão

Para ele, a história teve um final feliz. Após 11 anos a viver enclausurado decide avançar ao encontro da rapariga da pizaria. Ela própria se tinha tornado uma hikikomori. Estranho foi quando finalmente saiu de casa, um dia inteiro de porta aberta para que pudesse ganhar coragem. Surpreendentemente, todos se tinham fechado dentro de suas casas. Eram os robôs quem fazia as entregas. Tóquio estava vazia. A sociedade cansou-se e desistiu de viver. Vale a pena ver as imagens de Tóquio deserta em plena luz do dia. Impressionante. Um hikikomori é, acima de tudo, um exemplo de como bem habitar um espaço pequeno. Mesmo apesar de todos os seus medos e limitações, os hikikomori são extremamente preocupados com a limpeza e organização de suas casas. Garantem sempre que nada lhes falte, desde entretenimento a alimentos. Pilhas de papel higiénico e embalagens de comida acompanham lado a lado paredes de livros, revistas e jogos de computador. É como organizar uma mala de viagem para um mês inteiro, nenhuma parcela de espaço deverá ser indevidamente desperdiçada. Talvez este aparente controlo do espaço e objetos de suas casas, lhes permita, por assim dizer, garantir alguma segurança dentro dos limites do seu quarto e casa – o único espaço que lhes resta e, portanto, o único que poderão ser apenas eles a controlar. É importante protegermos o nosso espaço quando tudo lá fora parece estar a ser constantemente invadido por novas pessoas, produtos e tendências.

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“IN TIME, YOUR MIND WILL CEASE TO BE TROUBLED. IT WILL PASS, THE IMPRESSION OF LOSS AS WELL AS CARES WILL PASS WITH IT. LOVE WILL NO LONGER HAVE ANY IMPORTANCE. ALL THAT WILL REMAIN WILL BE THE ACT OF LIVING. A PEACEFUL AND UNTROUBLED LIFE.” MURAKAMI, Haruki, “Hard-Boiled Wonderland and the End of the World”, Kondansha International Limited, Tokyo, 1994 in PONS, Philippe; “Japan in Crisis, Japan on the Move”, L’Architecture d’Aujourd’Hui 338 Japon, Janeiro-Fevereiro 2002, p.36


TÓQUIO


“HERE IS THE REAL TOKYO, WHERE LIFE IS FAST, RENTS ARE HIGH, AND SPACE IS TIGHT.”


Capítulo 5 | Tóquio

• ‌Figura 85 Tóquio, ilustração

• ‌Figura 86

TÓQUIO

Cruzamento movimentado, Tóquio

“The real city is loosely absorbed into a number of network levels and it is in them that we see the phantom city we know as “Tokyo”. The actual city of Tokyo has already become little more than a dummy though which we discern the happening taking place among these invisible networks.”1

| TENRA IDADE É comum identificarmos Tóquio como uma cidade quando a mencionamos como uma das mais desenvolvidas e densamente povoadas do mundo. Na verdade, é ela a capital do Japão, possuindo 12 790 000 habitantes, cerca de 10% da total população do país. Mas tecnicamente falando, Tóquio não é uma cidade. É uma metrópole constituída por 23 bairros, 26 cidades primárias, 5 cidades secundárias e 8 vilas diferentes. Os 23 distritos centrais definem então aquilo que intitulamos como a ‘cidade’ de Tóquio, possuindo cerca de 8 483 050 habitantes, sendo que, segundo várias opiniões, mais ou menos especializadas, esse número tem tendência a aumentar em 2,5 milhões durante o dia, graças aos milhares de trabalhadores e estudantes que se dirigem diariamente ao coração da cidade.2 • ‌Figura 87 Rua no interior de um quarteirão, área residencial. Tóquio

Como forma de satisfazer algumas curiosidades e porque a comparação é a forma mais direta de obtermos a real noção dos factos, no que toca a densidades populacionais, enquanto que nos Estados Unidos vive apenas uma pessoa numa área de 180m2, no Japão vivem 11 e, em Tóquio, 192.3 Espantoso! Tóquio é, por sua vez, uma cidade sofrida. Tal como todo o país, trabalhou arduamente para recuperar dos ferimentos e cicatrizes deixados pela guerra e outros desastres. Entre março e maio de 1945, a cidade foi brutalmente bombardeada pelos Americanos. “Morreram mais pessoas durante estes meses do que na devastação instântanea de Hiroshima. Em setembro de 1945, a população, que em 1942 ultrapassava os 6,9 milhões, caíra para 2.777.000 devido à morte e à emigração. As bombas incendiárias largadas numa cidade constituída sobretudo por estruturas de madeira revelaram-se especialmente eficazes. Por este motivo, pode dizer-se que a maior cidade da terra foi quase integralmente constituída desde 1945.” 4

Recuperada das cinzas, Tóquio parecia não se cansar: de dia para dia, centenas de casas e edifícios de escritórios eram construídos, viadutos, autoestradas e outro tipo de serviços estruturavam aquela que parecia a cidade mais energética de todo o planeta. No entanto, como nem tudo são mares de rosas, o boom económico da década de 90 afetou drasticamente o plano de evolução da maior cidade do mundo. Apesar de não totalmente parada, a produção acalmou e, com ela, também os próprios japoneses.

1  SUZUKI, Akira; “Do Android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, traduzido por J. Keith Vincent, Architectural Association Publications (Londres: 2001), p. 72 2

dados recolhidos em http://pt.wikipedia.org/wiki/Tóquio

3  dados recolhidos do vídeo “Japan, the Stange Country” de Kenichi Tanaka; originalmente em http://vimeo.com/kenichi, visto no youtube http://www. youtube.com/watch?v=6WqUgyFKyrA

TSUZUKI, Kyoichi; “Tokyo: a Certain Style” in http://www.

amazon.com/Tokyo-Certain-StyleKyoichi-Tsuzuki/dp/0811824233

4

JODIDIO, Philip; “JP Architecture in Japan”, Taschen, 2006, “Introdução”

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• ‌Figuras 88-89 Viagem pela auto-estrada, Tóquio Frames do filme “Solaris” (1972)

• ‌Figuras 90-92 Pequeno apartamento em Tóquio, One-room mansion Frames do filme “Tóquio!” (2008)

AKEMI: IN TOKYO, THE BIGGER THE COMPANY YOU WORK FOR, THE SMALLER THE FLAT YOU GET. AKIRA: YOU SHOULD WORK FOR A SMALLER COMPANY. AKEMI: MY COMPANY’S ALREADY PRETTY SMALL. (LAUGHS) “Tokyo!” (2008), “Interior Design” 66


Capítulo 5 | Tóquio

“Tokyo was having to deal with a sudden outbreak of reality. Exponential growth in land values had come to a sickening halt, and Japanese architecture and design had suddenly to deal with a situation that was no longer weightless, but in which the constraints familiar in the rest of the world once more applied. (…) [It was] the hangover that marked the end of its period of massive growth in which absolutely anything seemed to be possible. But even in this state, Tokyo is still a remarkable city, with an astonishing range of artisan skills in high-tech areas, which is still open to experiment and innovation.”5

“Solaris” (1972), de Andrei Tarkovky. Uma longa viagem pelas autoestradas da cidade de Tóquio parece transportar-nos ao longo de uma montanha russa. As vias unem-se e separam-se como o traço leve e cuidado de quem desenha o abecedário japonês. Perfeitas, equilibradas e em magistral sintonia com as dezenas de entradas e saídas que se vão multiplicando. Um verdadeiro sistema circulatório que alimenta o centro urbano da cidade. Seguem por viadutos e às vezes parecem quase suspensas no ar, deixando ver as várias camadas da cidade por onde passamos – casas, parques, edifícios gigantes de escritórios, etc. Hoje, Tóquio mudou. A selva urbana é agora mais complexa e povoada, ainda que mantenha o equilíbrio estrutural das massas e volumes que a conformam. Tóquio evoluiu. Segue devagar, mas não para. “We wanted to be like western country, basically. But it didn’t turn out that way. We mistranslated it. And we made this city super interesting. It’s super original, super unique. That’s what it is.”6

| FAZER CIDADE “Wihtout any masterplan, Tokyo was built up through the resources of the people themselves, with different people making different decisions about how to use their own land, and what to build on it. That such an anarchic generative principle could actually produce a city is shocking, and unprecedented in the history of urbanism.”7

Se o terreno está caro, há que desfragmentá-lo em várias parcelas e, assim, poder fazer render cada uma delas de modo a fazer frente à subida do custo de vida da cidade. Cada habitante tem a sua própria vida e o seu próprio bairro. Se constrói um supermercado, uma garagem, uma loja de roupa, um cabeleireiro ou uma casa, é livre de o fazer. E assim se vai desenvolvendo a cidade, com pequenos ‘upgrades’ pontuais que se prolongam por centenas de quilómetros. “… in the Ginza 4-chome district of central Tokyo in 1987, one square foot of land could go as much as ¥120 million per tsubo – about US$24,000 per square foot [0.092903 m2].8 (…) Even in 1991, the same area was still officially quoted for the Highest Tax Assessment Value (which is always lower than the actual selling price) as 33,500,000 per m2, (…) a 17% increase over 1990.”9

É particularmente difícil definir a cidade de Tóquio em termos de urbanismo histórico. Ela mesma apenas existe há pouco menos de 70 anos. Contrariamente às cidades ocidentais que nasceram a partir de um aglomerado radial apoiado num poder centralizado (fosse a catedral, o palácio palácio real ou o mercado), as cidades Japonesas, e principalmente Tóquio, são uma espécie de manto urbano densamente extenso que se baseia em preocupações particulares e localizadas, fun5

SUDJIC, Deyan in KLEIN, Astrid; “Kleín Dytham Architecture - Tokyo Calling”, Frame Birkhäuser (Basel: 2001)

6

UCHIDA, Yuka; Cantora do grupo “Tripple Nipples” in “Tokyo Rising”, Palladium, 2011; http://www.palladiumboots.com/video/tokyo-rising

7

NISHIZAWA, Ryue; sobre a exposição “Tokyo Metabolizing”, entrevista in http://www.art-it.asia/u/admin_ed_feature_e/vY0PpsjM8HmeNIWflwnd

8  SHUJI, Takashina; “Tokyo: Creative Chaos” in Japan Echo, 15, Special Issue (1987), p.3 apud BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008), p. 9 9  Ibidem, p. 238

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“IN TOKYO THE CITY IS HAPPENING.”

Botond Bognar, Beyond The Bubble – The New Japanese Architecture, Phaindon, Londres: 2008, pág. 19 a frase foi usada inicialmente em Botond Bognar, World Cities: Tokyo (London: Academy Editions, 1997), pág. 23


Capítulo 5 | Tóquio

• ‌Figura 93 Telhados de Tóquio

cionando e revitalizando-se de dia para dia a partir de superimposições em detrimento da comum prática de integração ocidental. Em cidades como Tóquio, as partes são sempre mais importantes que o todo, mais completas e claramente definidas, regendo-se individualmente como pequenas cidades dentro de uma grande cidade. “If the city fabric of Europe was based around central power, and the layout of American cities (the grid) is based on capitalism, the city of Tokyo, indeed of other newer sprawling cities of the world, is based on Metabolizing. One can say that people tap into a massive system of transportation and utility infrastructure for a short period of time. Once the building is no longer needed, it is torn down and something else takes its place.”10 “Tokyo has no urban structure.”11

À semelhança do caos homogéneo em que se traduz a cidade, também a própria população se apresenta bastante fluída e caprichosa. Fãs das mais recentes e variadas tendências, Tóquio deverá corresponder a cada uma dessas individuais necessidades. O seu nível de satisfação não será, como em tudo na vida, uma linha reta de constante bem-estar. Tal como o seu próprio desenvolvimento, a população luta diariamente contra diferentes picos de realização permanentemente contraditórios. Tóquio falha pela sua incoerência evolutiva e essa montanha russa de perdas e vitórias afeta acima de tudo cada uma das pessoas que diariamente a alimentam. “Lacking an urban reproductive system, Tokyo manages to function, it seems, only by means of its communication system. An important part of this system is the convenience store [conbini], which supplies not only food and merchandise but information.”12

Existem cerca de 20 mil lojas de conveniência em Tóquio, ou por outras palavras, uma por cada 1500 habitantes. A acessibilidade dos serviços que apoiam as necessidades primárias dos habitantes são, sem dúvida, parte essencial na árdua tarefa de ultrapassar os obstáculos do desenvolvimento urbano e social.13 Ainda que Tóquio possa ser uma cidade confusa e desfragmentada, o que é certo é que as suas partes funcionam em perfeita harmonia e a mantêm viva e revitalizada ao longo do tempo. “The quest for the new is insatiable in Japan.”14 A vontade de crescer e inventar novos usos e divertimentos jamais abandonará o desejo de saciar as vontades de quem a habita. “For example, the roof of one supermarket is used as an automobile driving school. The high land prices in Tokyo give rise to some very strange buildings.”15

Preocupações com catástrofes naturais são, igualmente, importantes para os habitantes das cidades japonesas. Como forma de combater graves incêndios, facilmente propagados através dos ainda resistentes edifícios de madeira (consequência fatal no terramoto de Kobé em 1995), a própria cidade naturalmente se adapta a novas soluções que permitam contornar essas particulares dificuldades. “Many old residential areas still have wooden flat buildings. In the case of big earthquake, those areas easily start burning and the fire can spread widely. In order to prevent spreading fire, big streets dividing those areas are given a role to react as a firewall. 30m in depth on both side of the big street are zoned as a commercial area. 10 stories high, fire proofing buildings are aligned along the street. It surrounds the low-rise residential area. The gap between this commercial and residential area is 10

CLEMENT, Kevin; 17 Ago. 2010 in http://intotheloop.blogspot.com/2010/08/on-metabolizing.html

11

ISHIGAMI, Junya; 1 Setembro 2010 in http://www.art-it.asia/u/admin_ed_feature_e/C4gruKpzGtOEL8hmvVw3

12  SUZUKI, Akira; “Do Android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, traduzido por J. Keith Vincent, Architectural Association Publications (Londres: 2001), p. 48 13  PONS, Philippe; “Japan in Crisis, Japan on the Move”, L’Architecture d’Aujourd’Hui 338 Japon, Janeiro-Fevereiro 2002 14

• ‌Figura 94 Massa edificada versus rede de transportes, Tóquio

KLEIN, Astrid; “Kleín Dytham Architecture - Tokyo Calling”, Frame Birkhäuser (Basel: 2001), p.169

15  IGARASHI, Taro; “Atelier Bow-Wow. Pockets, pets, and petites maisons“, 24 Setembro 2004 in http://www.domusweb.it/en/architecture/atelier-bow-wow-pockets-pets-and-petites-maisons/

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• ‌Figuras 95-104 Espaços vazios por entre os edifícios de Tóquio. Frames do filme “Map of the Sounds od Tokyo” (2009) “Yo sé que hay voces del período edo atrapadas en los espacios oscuros entre los edificios de Tokyo. “

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Capítulo 5 | Tóquio

significant.(…) But those structures are not planned, it has emerged from the process. They all began as residential structures. This would show how Japanese daily urban structures are produced by the collision of different conditions. I think this kind of understanding of the city is totally different from an urbanism based on the shape. (…) Since Tokyo developed on the repetition of residential houses, we had to create a lot of streets. Most of the streets are very narrow. If we have a big street, then we loose the land. (…) [Roppongi e Shinjuku] are exceptions. The site of Shinjuku high-rise district was a water plant. The bay area formerly occupied by warehouse and industrial are where verticality can happen. Those areas can be more vertical, but in the residential area I think it is almost impossible to make it vertical.”16

Com raízes na noção de privacidade desenhada pelas suas crenças xintoístas e budistas, também as próprias casas japonesas se preocupam em preservar o espaço privado de cada uma das famílias. “All houses in Tokyo are required to have a one-meter-wide ‘gap space’ around the property. The intent is to provide a sense of greater personal space, but the areas are rarely used effectively and thus result in lost living space in an already crowded urban environment.”17

Por outro lado, a mesma solução acaba por ser bastante eficaz na prevenção do alastramento de incêndios domésticos ou provocados por terramotos e outros acidentes naturais. “Something’s wrong with these buildings. They refuse all physical contact with each other. Every night, flat ghosts slide in and out of these gaps, and wander about the city… They wander about the city, scaring the people shitless. The authorities fill in the gaps with concrete, but the buildings keep moving apart, letting the flat creatures take over.”18

| RECICLAR CIDADE “According to 1993 official statistics on urban housing, in Tokyo alone, they demolish[ed] 12,339 sq m of buildings, and newly constrect[ed] 62,861 sq m daily, while 455 units of new housing start[ed] everyday.”19 “Tokyo keeps demolishing and rebuilding itself.”20

A cultura japonesa tem vindo a evoluir segundo uma noção de impermanência. Influenciada pela cultura Budista, a sua visão do mundo é liderada pela ideia de que cada e qualquer existência é, e será sempre, temporária. Tradição que se encontra bem patente, tanto na constante renovação da cidade, como também de alguns templos religiosos. “ [The Ise Shrine.] What’s interesting about the shrine is that it’s built and rebuilt every twenty years. There are two sites side by side – and as one shrine is being torn down an exact replica is built on the site next to it. It is easy to use that as a metaphor for the whole cycle of growth and decay.”21

Apesar de tudo, a vulnerabilidade das cidades japonesas a catástrofes naturais é, também ela, uma das razões pela qual a arquitetura japonesa necessita de uma reconstrução e reparação regulares das suas edificações.

16

TSUKAMOTO, Yoshiharu; “Yoshiharu Tsukamoto” in http://archinect.com/features/article/56468/atelier-bow-wow-tokyo-anatomy

17

CULHAM, James; “Made in Tokyo”, Abril 2003 in http://www.metropolismag.com/story/20030401/made-in-tokyo

18  Diálogo do filme “Tokyo!”, segmento “Interior Design” de Michel Gondry, 2008 19  “Tokyo Metropolis: Facts and Data” (Tokyo: Tokyo Metropolitam Government, 1994), p.16 apud BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008), p. 8 20

CULHAM, James; “Made in Tokyo”, Abril 2003 in http://www.metropolismag.com/story/20030401/made-in-tokyo

21  OSHIMA, Ken citado por CULHAM, James; “Made in Tokyo”, Abril 2003 in http://www.metropolismag.com/story/20030401/made-in-tokyo

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• ‌Figura 105 Distrito de Ginza, Tóquio

• ‌Figura 106 Denso manto edificado, Tóquio

Lembro-me de subir ao último andar do Edifício de Governo da cidade de Tóquio (um dos mais altos da cidade). Foi, para mim, dos momentos mais enfadonhos de toda a viagem. Um grande átrio recheado de souvenirs e rodeado por grandes janelões ocupava toda a planta do piso. Cento e muitos andares acima e tudo o que se via era cidade. Cidade. Um manto vasto, denso, sempre ou quase sempre igual. Nada ali se passava. Onde estava o rio, a praça, o jardim, o centro... ? Nada disso parecia ali existir. Sería da altura? Sería da própria cidade? Penso que um pouco dos dois. Tóquio parecia nunca acabar. E a ausência de uma esperada linha de horizonte natural foi das maiores revelações que experienciei. Ali sim, senti-me pequena... e impotente. O mergulho de regresso à cidade, à selva, ao mundo, ao que lhe queiram chamar, trouxe-me de novo a mim. É a este nível que pertenço. É esta a escala que nos permite viver e explorar.

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Capítulo 5 | Tóquio

“There’s a lack of contest in Tokyo. Whatever you see today may be demolished by the next year. Everything is more or less disposable, and change is inevitable. It’s a refreshing way to look at architecture.”22

Tudo o que é criado no mundo tem um lado positivo e um negativo. A permanente evolução da cidade e o sentimento de inconstância que provoca na rotina diária dos seus habitantes conduz a um ligeiro retrocesso na aprendizagem, se assim lhe podemos chamar, da noção de beleza. “The Japanese, it seems – at least in Tokyo – have a highly defined sense of beauty but no sense of ugly.”23 A sua posição para com o mundo é de total aceitação de tudo o que possa acontecer ou ser inventado. Acima de tudo, o grande objetivo final de atingir um estado de satisfação vital é regido pela preocupação em resolver as necessidades básicas do dia a dia. Estará sempre tudo bem se garantirem um teto para dormir. “Quem visita o Japão pensa que podemos fazer tudo. (...) Não temos que obedecer a uma envolvente específica. É uma tradição positiva, mas negativa também. A cidade Japonesa é realmente feia; constroem-se coisas terríveis aqui.”24

De bairro para bairro não há regra que se repita. Uma linguagem estética e formal que o possa distinguir dos outros. Os painéis de néon colidem com o betão, chapas onduladas, caixas de ar condicionado e centenas de pequenos vasos onde cresce um pequeno pedaço de natureza que possa equilibrar tamanha artificialidade. Algumas casas parecem terem sido espremidas e encaixadas nos locais mais improváveis da cidade. Mas ali existem e são a razão de viver de alguém que as estimará durante não mais do que um curto quarto de século.25 Por toda a cidade, são poucas as construções que nos pareçam ter sido construídas há mais de 10 ou 15 anos. “Renovation is a discovery of space that could have been, and involves continuous discovery. Or rather, it is the act of creating an indeterminate relationship between space and time without beginning or end.”26

Será sempre este o caminho da cidade de Tóquio. Vendo as coisas de outro prisma, os verdadeiros responsáveis pelo curto ciclo de vida da sua arquitetura vão desde a produtiva e sedenta economia ao exuberante avanço natural da sociedade consumidora. Embora ocupando o segundo lugar na escala das maiores economias mundiais, o Japão está cheio de fortunas, proezas tecnológicas, elevada qualidade de investigação, grandes investimentos e trabalhadores altamente qualificados e dedicados, entre muitas outras coisas que levaram essa competitividade de mercado, quase extremista, a uma necessidade insaciável e apetite de construir. “... por fim, a única circunstância que se preserva é o caos; um caos positivo.”27

| UM CAOS POSITIVO “I wanted to show the real Tokyo style, the places we honest-and-truly do spend our days. Call it pathetically overcrowded, call it hopelessly chaotic… Hey, that’s the reality. And, I might add, a reality that’s not nearly so unpleasant as you might imagine. Take a seat: there are tangerines and your TV remote on the Kotatsu28, piles of books beside your cushion, a wastepaper basket a mere arms toss away. Now you get a feel for the ‘cock-pit effect’ we love so well.”29 22

KLEIN, Astrid; “Kleín Dytham Architecture - Tokyo Calling”, Frame Birkhäuser (Basel: 2001), p.24

23

CULHAM, James; “Made in Tokyo”, Abril 2003 in http://www.metropolismag.com/story/20030401/made-in-tokyo

24

FUJIMOTO, Sou; entrevista por Marta Pedro, 12 Dez. 2009 in http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=55

25  “The average wood-frame residential building stands for about 25 years, which also contributes to a cultural acceptance of short-life-span construction methods and a preference for new housing.” in CULHAM, James; “Made in Tokyo”, Abril 2003 in http://www.metropolismag.com/story/20030401/made-in-tokyo 26

HASEGAWA, Go; “The Presentness of Renovation” in “JA The Japan Architect 73”, Spring 2009, Tóquio, p.6

27

FUJIMOTO, Sou; entrevista por Marta Pedro, 12 Dez. 2009 in http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=55

28

ver capítulo “Coisa Que Ficam Por Contar”, p. 141

29

TSUZUKI, Kyoichi; “Tokyo: a certain Style”, pré-visualização consultada em http://www.amazon.com/Tokyo-Certain-Style-Kyoichi-Tsuzuki/dp/0811824233

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• ‌Figuras 107-109 O cruzamento mais movimentoado do mundo, Shibuya, Tóquio

• ‌Figuras 110-112 Shibuya, Tóquio Frames do filme “Lost in Translation” (2003)

• ‌Figura 113 Cruzamento de Shibuya deserto, Tóquio Frame do filme “Tokyo!” (2008)

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Capítulo 5 | Tóquio

Sentia-me numa verdadeira nave especial. Tudo era diferente, e nada nunca deixaria de me surpreender. Ali, onde tudo se move, tudo corre, tudo tem pressa, qualquer um de nós rapidamente se tornaria um obstáculo ao parar para simplesmente apreciar ou respirar fundo. Era necessário recuperar o folego mais vezes do que aquelas que estaríamos à espera. Única solução: fazê-lo da mesma forma que tudo o resto e todos os outros, acompanhando-os nessa esquizofrenia de movimentos, ainda que sem destino algum. Maior cruzamento do mundo, contaram-me. Shibuya. Cruzam-se cerca de 300030 pessoas ao mesmo tempo de cada vez que os semáforos mudam para verde. Eis que chegámos ao local mais esperado de toda a viagem. Ícone de filmes, culturas e psicadelismos urbanos. Todos aqueles painéis luminosos tentavam atrair a minha atenção, cada um para si mesmo. Competiam e protestavam entre si, 24h por dia. Senti-me imediatamente enfeitiçada por tamanho chamamento, mas rapidamente me apercebi que os próprios painéis não estão ali para ser vistos a não ser exatamente por pessoas como eu, que ali não pertencemos. Todos os outros continuam no seu frenesim, dia a dia atarefado que nem formigas. E os painéis assim os acompanham. Os guarda-chuvas transparentes. Descobri a sua razão de ser. Não se esgota apenas no seu encanto, uma simples moda que passa e nos deixa a todos rendidos por breves momentos. A verdade é que os guarda-chuvas transparentes têm uma razão para o serem e existirem em tão grande número, um pouco por toda a cidade de Tóquio. O misticismo caiu. Imagine-se o cruzamento de Shibuya, passadeiras gigantes, milhares de pessoas a atravessarem um mesmo espaço central vindas de todos os sentidos. Imagine-se que todas essas pessoas, cada uma delas, num dia de chuva, decidiam usar apenas guarda chuvas opacos, de desenhos, cores e padrões diferentes, tal como os nossos ocidentais. Todas elas têm pressa, todas têm o seu próprio destino. Com certeza haveria registo de acidentes. Os guarda-chuvas transparentes traduzem a extrema inteligência com que os japoneses habilmente solucionam até os mais pequenos obstáculos do dia a dia. Não deixam, no entanto, de preservar o seu lado encantador. As gotas ainda agarradas ao plástico refletem todas as mil e uma luzes dos painéis publicitários. Shibuya ganha todo outro encanto. A imagem e sons frenéticos da cidade estão inteiramente ligados ao seu desenvolvimento económico e tecnológico. Tudo ao mais ínfimo pormenor, é transformado em objeto de consumo e as plataformas visuais luminosas parecem ser a forma mais eficaz de fazer frente à forte concorrência do mercado.31 Um dos maiores choques que guardo na memória (chamemos-lhe antes uma revelação) foi quando assisti ao filme Babel. Chieko, uma adolescente japonesa surda muda, sai com os amigos em Tóquio, para se divertir como todos os outros. Até aqui tudo normal. Por incrível que possa parecer, nunca em toda a minha vida imaginei (ou me lembrei de imaginar) como se sentiria alguém que não pudesse ouvir numa discoteca. O próprio filme leva a lição muito bem estudada, a banda sonora é adaptada ao pormenor enfatizando os momentos de contraste entre a perceção da personagem principal e o real ambiente vivido por todos os que a rodeiam. E é precisamente quando Chieko entra na pista de dança de um grande clube noturno da cidade de Tóquio que acontece essa dita revelação porque, até ali, todo o ambiente sonoro do filme ter-se-ía mantido particularmente homogéneo. Estranho pensar numa multidão de pessoas à nossa volta, movendo-se segundo um ritmo que não conseguimos sentir. Porque se movem? Uma vez fora da discoteca, a revelação 30  Informação obtida em “Japan - The Strange Country”, Kenichi in http://vimeo.com/kenichi 31  “Cómo no añadir a eso la habilidad extraordinaria que han tenido para transformar lo puramente visual en un valor de consume? De ahí la distracción fabulosa, feérica, a la que riden culto sus calles.” in LAHUERTA, Juan José,“Japonecedades”, Mudito & Co. (Barcelona: 2004), p.29

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Capítulo 5 | Tóquio

• ‌Figuras 114-144 Cruzamento de Shibuya em dia de chuva, Tóquio

prolonga-se por mais uns minutos. A cidade está silenciosa, apesar do constante frenesim de pessoas que vão e vêm, dezenas, centenas. Terá sido esta, talvez, a forma mais próxima que alguma vez terei (espero) de compreender tamanho desiquilíbrio percepcional do mundo, da arquitetura e da cidade, as pessoas que a habitam. Mas hoje a minha perceção é também ela diferente. Mais consciente, mais próxima desta particular realidade que é a cidade japonesa. Tóquio, tal como outras grandes cidades do país (Osaka por exemplo), é uma espécie de circo sonoro em que tudo chia, apita e dá música. Absolutamente tudo, ao ponto dos próprios altifalantes da estação de comboios de Quioto emitir o som de pássaros a cantar – talvez seja uma forma de se sentirem mais seguros, manterem uma proximidade com a natureza, o que contudo contradiz um pouco todo o avanço tecnológico que domina o país. As salas de pachinko são, sem sombra de dúvida, um dos locais mais incrivelmente ruidosos que alguma vez visitei. Insuportáveis até. O martelar constante da infinidade de bolas de metal das máquinas de pachinko torna-se surpreendentemente desconfortável quando misturado com a salada de músicas que diferenciam os vários temas de cada uma das máquinas. Existem aos milhares. Imagine-se agora que, para além destas máquinas, acrescentamos aos andares superiores do edifício toda uma igual panóplia de engenhocas de entretenimento desde o Guitar Hero, o Puzzle Bubble, o Mortal Combat, entre muitos outros jogos que marcaram a história mundial dos video-jogos. Edifícios inteiros, torres únicas e exclusivamente destinadas a este único propósito: jogar e gastar dinheiro. Lembro-me de assistir, de queixo caído, a verdadeiros profissionais de elevadíssima qualidade que dominavam, durante horas, cada uma daquelas máquinas. Talvez o pachinko fosse até uma forma de se desligarem da realidade. Esquecerem aquilo que queriam esquecer. Ainda que rodeados por muitos, cada um dos jogadores está ainda mais solitário que o vizinho, quase que hipnotizado. E ali o tempo passa, quase sem se aperceberem. Penso ser essa a principal conquista deste jogo e não propriamente uma vitória monetária. “No fundo, penso que a sensação de brincar na floresta é muito semelhante à experiência de viver em Tóquio.”32

A cada esquina descobrimos um novo abrigo, um novo brinquedo ou uma nova criatura que nos fascina e nos atrai. Tóquio tem o poder de nos fascinar. Seja música ou ruído, seja um mero aviso ou anúncio publicitário, o ar de Tóquio parece transportar consigo todo o tipo de sonoridades para as ruas da cidade. Quase anestesiados, somos atraídos para esta selva sonora. Como será viver em Tóquio sem poder ouvir? Ou sem poder ver? Agora que sei alguma coisa sobre o que Tóquio realmente significa, esta é uma das questões que mais me intriga. Nesta cidade, som e imagem fazem parte do mesmo ruído, do mesmo caos, lados equilibrados da mesma balança. Por mais pesada que possa ser a experiência, esse equilíbrio dá-lhe uma certa lógica de existência, uma sensação de caos harmonioso que nos permite compreender a verdadeira cidade. “Frente a la idealización de nuestras ciudades, en las que toda locura se racionaliza, Tokio, una de las metrópolis más grandes y densas del mundo, sin planos ni direcciones, hace que sintamos nuestro cuerpo, músculos y nervios, en un constante cuerpo a cuerpo con ella. El gran privilegio. O la simetria absoluta. O el sueño del perfecto extranjero.”33

32  FUJIMOTO, Sou; entrevista por Marta Pedro, 12 Dez. 2009 in http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=55 33  LAHUERTA, Juan José,“Japonecedades”, Mudito & Co. (Barcelona: 2004), p.21

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• ‌Figura 145 Loja de pachinko, Tóquio

• ‌Figura 146 Tsukiji shijo, mercado do peixe, Tóquio

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Capítulo 5 | Tóquio

| 近所34 KINJO: BAIRRO Penso que uma das qualidades mais importantes de uma cidade é, sem dúvida, a segurança. É um inigualável convite à descoberta, uma garantia de que tudo correrá bem e que, por isso, nada nos impede de sermos nós próprios e disfrutar ao máximo do que a cidade tem para nos oferecer. Em Tóquio, senti-me de facto segura. Longe dos arruaceiros ou edifícios vandalizados de outras cidades. Ali tudo parecia limpo, incrivelmente preservado e todos, até os pedintes e sem-abrigo, era amigáveis e educados. Mais nenhuma outra cidade me fez sentir tão em casa como esta. Até mesmo antes de a ter realmente experienciado. Tudo parece tão próximo e familiar e a única razão que encontro talvez seja a escala humana a que nos habitua e que nos atrai, física e visualmente. “Well, first of all, Tokyo is a safe city. Safe enough for a girl to throw a coat over her pijamas and head to the corner convenience store in the middle of the night. Safe enough for a drunk to fall asleep by the side of the road with his wallet sticking out of his pocket. Almost never will any harm come either of them. So if that’s the case, why not get yourself a one-room pad close by your favorite bookstores and boutiques and restaurants and watering holes? You can use your neighborhood as your extended living room. At least in this city, there are plenty of happy folks who think that’s really the life!”35

“In today’s Tokyo, people and spaces are becoming increasingly isolated, but architects are suggesting new solutions for forms of housing that can reestablish relationships.”36

A habitação japonesa sofreu importantes evoluções nos últimos anos. Numa tentativa de combater o isolamento social de muitos dos seus habitantes, os arquitetos do país mostram-se, cada vez mais, preocupados em oferecer forma de interação entre o indivíduo e a cidade. A casa japonesa assume uma nova tendência. Abre-se para a cidade e convida o vizinho a participar também na sua descoberta. Num país onde nos são oferecidos centenas de serviços à distância mínima de um braço, os próprios cidadãos acabam eles próprios por sentir que podem fazer tudo sozinhos (tudo aquilo que querem e o que ainda não sabem que querem fazer), acompanhados de máquinas e milhares de distrações e tecnologias de último grito que dominam o dia a dia do mercado económico. A população assume a imagem de um vizinho interminável, de tal forma que se torna complicado para qualquer um manter uma relação de proximidade com alguém. A cidade é exageradamente extensa e as relações que resistem são as que se desenvolvem num raio equiparável ao de um pequeno bairro, com as pessoas com quem nos cruzamos no dia a dia e nas viagens de ida e volta para o trabalho ou para super-mercado da esquina. Por esta ordem de ideias, tenho a noção de que Tóquio é uma cidade composta por milhares de pequenas cidades, centros de frenética atividade e tamanha adrenalina que se assemelham, eles próprios, à imagem real do todo a que pertencem. Já Juan José Lahuerta dizia relativamente ao mercado do peixe, o Mercado Tsukiji: “Es una ciudade, o una máquina, o ambas cosas a la vez, la una por la otra, como Tokio misma. Es su reflejo, su metáfora...”37

34

Tradução obtida em http://www.japanese-symbols.org

35

TSUZUKI, Kyoichi; “Tokyo: a certain Style”, pré-visualização consultada em http://www.amazon.com/Tokyo-Certain-Style-Kyoichi-Tsuzuki/dp/0811824233

36  excerto da sinopse da exposição “House Inside City Outside House: Tokyo Metabolizing” in http://www.artinasia.com/galleryDetail.php?catID=5&galleryID =88&view=7&eventID=10812 37

LAHUERTA, Juan José,“Japonecedades”, Mudito & Co. (Barcelona: 2004)

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• ‌Figuras 147-148 Estações de metro “Tokyo” e “Ikebukuru”, Tóquio Imagens Google Maps

• ‌Figura 149 Metro, Tóquio

• ‌Figura 150 Viadutos, Tóquio. A cidade tem vários níveis.

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Capítulo 5 | Tóquio

| カラオケ38 KARAOKE Pelo menos o karaoke – um entretenimento coletivo - continua a ser uma das atividades mais eleitas pelos japoneses para ocupação das suas tardes. Um pouco à semelhança da nossa ida ao café. Contudo, haverá sempre aqueles que manterão a opção de se divertirem sozinhos. A nossa ida ao karaoke era quase obrigatória. Todos nós tínhamos as imagens de “Lost in Translation” (Sophia Coppola, 2003) estimadamente guardadas nas nossas memórias. Queríamos divertirmo-nos da mesma maneira. Ainda que ligeiramente atrasados no que toca ao horário tradicional de maior afluência nos edifícios de karaoké da cidade, optámos pela solução mais económica e fomos apenas depois das 23.30h. Assim foi e nem demos pelo tempo passar. Às 5 horas da madrugada, o empregado de serviço subia à nossa cabine e, muito educadamente, perguntava se não nos importávamos de encerrar a diversão para aquele dia. Foi tão amável que nem nós próprios nos apercebemos da urgência daquele aviso e continuámos a cantar só mais uma e outra música, seguidas de outra. 5h30 da madrugada. O mesmo senhor volta à nossa cabine, desta vez um pouco mais aflito. Pedimos as nossas mais sinceras desculpas e descemos ao rés do chão para pagar. Tinha sido tal o divertimento que nem tínhamos dado conta que o edifício já deveria estar encerrado à meia hora atrás tal como dizia um painel bem destacado em cima do balcão. Pedimos desculpa novamente mas fomos igualmente saudados com o mais simpático dos agradecimentos por termos lá ido. Se vivêssemos em Tóquio certamente nos tornaríamos clientes habituais. Lá fora havia luz do sol. Já era de manhã. Deserta, Tóquio estava ainda a acordar. O nosso caminho de regresso ao hostel foi como uma caminhada pela praia. Por estradas e passeios outrora sufocantes, dançávamos e cantarolávamos felizes da vida, porque tínhamos presenciado o nascer do dia daquela que é considerada a maior cidade do mundo.

| 東京メトロ39 TOKYO METORO: A CAMADA ESCONDIDA As ruas não têm nome e as casas não têm números nas portas. Ali, o que deveria ser óbvio para nós, ocidentais, não o era. A cidade está identificada por quarteirões. Penso ser a opção mais lógica quando nos deparamos com este nível de escala de cidade. Problemas aparentes que são facilmente ultrapassados. Era como se existisse uma saída de emergência sempre que precisávamos de nos reorientar. Havia sempre uma estação de metro a cada esquina e a qualquer momento podíamos retomar o nosso caminho outrora perdido. E existe também cidade debaixo do chão. As estações subterrâneas são verdadeiras máquinas de túneis, escadas, lojas e cruzamentos. Um emaranhado de serviços e pessoas que se estende por longos braços abrangendo o máximo de acessos possíveis, distribuídos pelas várias camadas da cidade. Ligam o metro ao comboio e aos autocarros. “Japanese people don’t just go to the station to take trains but also to consume – simultaneously or exclusively – goods, services and sensations. The internal layout of train station ensures them a role as an urban thoroughfare, an antechamber of public space.”40

38

Tradução obtida em http://pt.wikipedia.org/wiki/Karaokê

39  Tradução obtida em http://en.wikipedia.org/wiki/Tokyo_Metro; a expressão “Tokyo Metoro” era dos sons que mais encoavam nas nossas cabeças; arrisco dizer que a ouvíamos mais de 50 vezes por dia. Soava-nos bem e a senhora tinha uma voz simpática. 40

PONS, Philippe; “Japan in Crisis, Japan on the Move”, L’Architecture d’Aujourd’Hui 338 Japon, Janeiro-Fevereiro 2002, p. 98

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“IN JAPAN YOU CAN NEVER REALLY LEAVE A PLACE. HERE, A RELATIONSHIP IS FOREVER.”

KLEIN, Astrid; “Kleín Dytham Architecture - Tokyo Calling”, Frame Birkhäuser (Basel: 2001)


• ‌Figura 151

Capítulo 5 | Tóquio

Viadutos, Osaka. A cidade tem vários níveis.

Será, com certeza, uma forma de economizar o tempo. Uma vez que passam horas em ligações de plataformas e filas de espera, só a ideia de pensarem em sair para se dirigirem a um supermercado na superfície é bem capaz de lhes roubar mais um valioso pedaço do seu tempo. A linha de caminhos de ferro de Tóquio é bastante diferente daquilo a que estamos habituados. Muito mais densa que em Nova Iorque e ainda mais complexa que em Berlim. O comboio funciona assim como um segundo metro, para que seja possível servir todos os estudantes, trabalhadores e donas de casa que desejam movimentar-se pela cidade. Provêm desde os mais longínquos subúrbios para se juntarem aos milhões já residentes no centro da cidade. Quando o metro ou o comboio vão muito cheios, há mesmo quem aproveite o balanço e o encosto das outras pessoas para dormir durante a viagem. Tempo é algo que os japoneses não gostam de perder a dormir em suas casas. Como exemplo da sua extrema preocupação com a organização de todos os serviços (relembro os posters de aviso das boas maneiras da autoria do artista Bunpei Yorifuji), existem marcas no chão que indicam o local exato de embarque. Apenas nesse curto espaço se abrem as portas das carruagens e só aí, sem exceção, todos deverão formar uma fila ordenada para que a entrada se possa realizar eficaz respeitosamente. Todos, menos nós, assim o fizeram. Não percebíamos porque continuavam ali à espera. Seria mesmo possível? De qualquer forma, e como tinha vindo a ser hábito, ninguém protestou e até nos deixaram entrar primeiro. Duvido que tal aconteça em qualquer outro metro da Europa. Deparei-me ainda com marcações de locais de embarque especificamente reservados a mulheres durante certas horas do dia.

• ‌Figura 152 Caracterização da rede viária, Tóquio

Um dos episódios mais caricatos da vida na cidade de Tóquio foi, talvez, a nossa maior ausência nesta viagem. Por mais viagens que realizássemos, não conseguimos nunca ser empurrados pelos funcionários das estações de metro. Cuidadosamente equipados com as suas elegantes fardas, luvas brancas e chapéu, estão unicamente destacados para empurrar e ‘enlatar’ todos os passageiros até ao último guarda chuva que ameace ficar de fora (ver imagem 340). Verdadeiramente alucinante. Não que sinta hoje falta de viver essa experiência, mas seria algo ao qual inegavelmente gostaria de ter assistido.

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CASA



Capítulo 6 | Casa

“A CASA” | ÁLVARO SIZA VIEIRA “A casa é o abrigo. A coisa principal da casa é o telhado e depois a chaminé. Dentro somos independentes ou quase. Estamos protegidos da cidade e do mundo inteiro. Os que podem usam tranquilamente a internet. A casa tem janelas: é preciso respirar, mesmo quando o ar está poluídos. É bom ir à janela. Vê-se a rua, a vizinha sai e fecha a porta, há gente a passar e motos e animais e automóveis, comboios, autocarros e aviões, do ar chega o roído de um avião, passa uma gaivota. Não estamos sozinhos, felizmente não estamos sozinhos, bate à porta o carteiro, chega o jornal. O sol entra pela janela e pinta a parede em frente, a chuva martela os vidros, zumbe o vento. Sabemos que a rua vai por aí fora, ramifica-se e sai da cidade, liga a Norte a Sul a Leste a Oeste e a todos os espaços intermédios, tece uma mata sem princípio nem fim porque se torce sobre si própria, mesmo ao cruzar o mar (com grande dispêndio e dificuldade). A Aventura apetece. A coisa principal da casa é a porta, mais do que a janela porque não tem peitoril: só um degrau de poucos centímetros para o mundo ou para fugir ao mundo (sempre se pode fechar a porta ou não a abrir ou escancarar as folhas da porta). O esgoto da minha casa percorre o mundo inteiro e transforma-se juntamente com o dos outros. A casa é o eu de cada um. Contudo no espaço e no tempo as casas são praticamente iguais, na horizontal como na vertical. Quando têm demasiadas escadas inventam o ascensor, mas mantêm-se iguais ou quase, porque nós os que as ocupamos somos quase iguais. A casa é parte de uma quadrícula imensa, por longas protuberâncias, por pontes e por túneis e por nós imateriais. A casa é eu e nós, conforme se queira. Distingumos uma de outra, com dificuldade, por números e por pormenores irrelevantes, por estarem em ruínas e escuras ou limpas e polidas como um vidro. Sou dono da casa, sou dono do mundo, ou inquilino dos dois, o que é rigorosamente o mesmo e nada. A menos que não consiga ter casa e então uso a gruta, ou uma tenda, ou uma estação de metropolitano ou o pórtico do Palácio da Justiça (casas menos confortáveis e sobretudo inaceitáveis: as possíveis). Temos por hábito roubar as casas uns aos outros, ou simplesmente roubá-las. Construímos, vendemos, derrubamos, compramos. Às vezes as casas são bombardeadas e às vezes há gente lá dentro e há terramotos e outros acidentes. Pobre vida das casas. A casa é de carvão e a porta é de prata. Há sempre um vulto em contraluz. Perigosas são as portas das palafitas. LC arregaça as calças, apoiado na tíbia e no perónio constrói os cabelos do Toit Terrasse os pilotis e os miosótis. Casas dispersas como ovelhas perdidas e casas aconchegadas umas às outras. Correm em bicos de pés espreitando sobre os vizinhos. Casas subterrâneas miseráveis, nas colinas, pintadas de azul e de lilás.”1

1  SIZA, Álvaro (2006); ”A Casa”, uma reflexão sobre o tema da casa , exposição organizada pelo escultor e pintor nogueira in SIZA, Álvaro, ”01 Textos, Álvaro Siza”, Civilização Editora (Porto:2009), p.349

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• ‌Figuras 153-154 Área residencial, Tóquio

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Capítulo 6 | Casa

家1 CASA O Japão é uma família, uma casa aberta a receber o mais estranho viajante. Acolhe-nos, ensina-nos, protege-nos e entretém-nos. Faz-nos sentir em casa, para mim, mais do que em qualquer outro lugar. A sua hospitalidade e abertura a novas experiências cativam-me e fazem-me ter vontade de aprender a suacultura para, assim, a poder mais tarde explorar e praticar. Todas as suas atuais experiências arquitetónicas traduzem-se na sua forma de estar e viver no mundo. A comunhão entre espaço, tempo e pessoa dá lugar às mais variadas, por vezes até arriscadas, explorações do habitat – a nossa casa.

Antes de qualquer pensamento analítico sobre o que significa a casa, o que significa habitar no Japão, será necessário saber o que cada uma dessas palavras significa para a arquitetura em geral, para o ser humano comum. “A casa é o abrigo. A coisa principal da casa é o telhado e depois a chaminé. Dentro somos independentes ou quase. Estamos protegidos da cidade e do mundo inteiro.”2

Se a casa é um abrigo, o ato de viver abrigado significa habitar. Mas não será tão linear assim.

| A CASA, UMA CASA A casa é “uma máquina para habitar”. Mas se “a máquina é um objeto que não tem peças desnecessárias”3, o que diria hoje Le Corbusier? Manteria a mesma opinião sobre o que em tempos afirmou? Diria de outra forma: a casa precisa de peças desnecessárias. Logo, a casa não é uma máquina, não é exata, não tem um início e um fim. A casa é um projeto contínuo, desde quem a desenha, habita, restaura, até quem a vê ser derrocada. A casa é um jogo de estímulos, e esse jogo, não perfeito ou constante, assume os seus vários caminhos oferecidos, descobertos ou influenciados por quem a habita. “La casa tiene que gustar a todos. A diferencia de la obra de arte, que no tiene que gustar de nadie. La obra de arte es asunto privado del artista. La casa no lo es. La obra de arte se introduce en el mundo sin que exista necessidad para ello. La casa cumple una necessidad. La obra de arte no debe rendir cuentas a nadie, la casa a cualquiera. La obra de arte debe arrancar a las personas de su comodidad. La casa tiene que servir a la comodidad. La obra de arte es revolucionaria, la casa es conservadora. La obra de arte enseña nuevos caminos a la humanidad y piensa en el futuro. La casa piense en el presente. La persona ama todo lo que sirve para su comodidad. Odia todo lo que quiera arrancarle de su posición acostumbrada y asegurada y le abrume. Y por ello ama la casa y odia el arte.”4

A definição de Louis Kahn parece-me de todas a mais pragmática. No seu entender, uma casa deverá responder a três necessidades essenciais: oferecer abrigo simbólico, ‘a casa’, dar resposta a um problema concreto – “o que é preciso para criar um abrigo?” – ‘uma casa’ e, por fim, aquela à qual o arquiteto se deverá submeter, ‘o lugar’. Como arquitetos pensamos, criamos e idealizamos ‘a casa’. Por sua vez,

1  Tradução amavelmente fornecida por amiga japonesa, Shoko Kjima 2  SIZA, Álvaro (2006); ”A Casa”, uma reflexão sobre o tema da casa , exposição organizada pelo escultor e pintor nogueira in SIZA, Álvaro, ”01 Textos, Álvaro Siza”, Civilização Editora (Porto:2009), p.349 3  WILLIAMS, William Carlos apud ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009), p. 29 4

LOOS, Adolph; “Architektur, 1910” in CUECO, Jorge Torres, “Casa por Casa – reflexiones sobre el habitar”, Jorge Torres Cueco (Valência: 2009), p.5

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“BEAUTY IS TO BE FOUND IN DISARRAY”


Capítulo 6 | Casa

• ‌Figuras 155-156 Estabelecimentos construídos por baixo das linhas de caminhos de ferro, Tóquio.

o problema é quem cria ‘a casa’. A necessidade de construir ‘uma casa’ proporciona à arquitetura a construção do espaço habitacional. Desse modo, o arquiteto imagina ‘a casa’ e não ‘uma casa’. Todas as casas são produtos de ‘uma casa’, mas todas elas serão, cada uma delas, a imagem de ‘a casa’, a ideal. 5 “Place is the product of lived space and lived time, a reflection of our states of mind and heart.”6

A casa é como um baú, uma caixa de memórias, experiências, sonhos e intenções. É produto de um jogo que coloca frente a frente a memória e a imaginação. A casa é uma história, uma narração dos episódios diários de quem a habita, mas também é o desejo e o carinho pela preservação dessa história, desses tesouros e memórias que vão preenchendo cada recanto. Acima de tudo, a casa é a forma mais básica de criação de espaço, de pertencermos a um lugar. É o instinto que nos identifica como humanidade. É a caverna que já há milhares de anos era ocupada pelos homens da pré-história. Sem ela, a casa, “o homem seria um ser disperso”7. “Penso que os edifícios que, a pouco e pouco, são aceites pelo seu espaço envolvente devem possuir a capacidade de atrair, de diversas formas, a emoção e o raciocínio. O nosso sentimento e compreensão estão, no entanto, enraizados no passado. É por isso que o significado que criamos com o edifício deve respeitar a memória.”8

| FENÓMENO CULTURAL

Tal como Ritsuko Osaki afirma, construir uma casa é um fenómeno cultural.9 É corresponder a tradições, significados, hábitos e rituais que identificam um determinado povo, país ou lugar. Sem que haja qualquer preocupação em preservar a cultura do espaço habitável é impossível construir casas ou corresponder às necessidades de quem as habita.10 A organização formal das várias funções que compõem o dia a dia de uma determinada comunidade e, por sua vez, a própria nomeação de cada uma dessas funções, é de facto aquilo que a determina como parte de uma cultura. Fazer uma casa é como fazer um bolo. Existem normas que ultrapassam qualquer cultura. Tal como o bolo, a casa precisa de estrutura, precisa de um espaço, paredes e teto para que possa ser habitável. Tudo o que dentro desse espaço for desenhado será então produto de um outro conjunto de regras. Essas sim, próprias de cada país, cultura ou lugar. Numa última fase, o mesmo espaço será, também ele, influenciado pelas preferências, memórias e ambições de cada habitante em particular.

5  “Pensemos ahora en la instituición de ‘la casa’. A mi entender, una casa tiene que responder a tres cuestiones importantes. Primero tiene que dar respuesta al alojamento simbólico (‘la cas’”); segundo tiene que dar respuesta a un problema concreto (‘una casa’). ‘Una casa’ es una casa circunstancial... pero al arquitecto le corresponde pensar ‘la casa’ y no ‘una casa’. En esto consiste realmente la arquitectura. ‘Una casa’ puede ser lo que hace ‘la casa’ propriamente dicha, la casa entendida simbólicamente. Y luego hay una tercera cosa en que el arquitecto no puede hacer nada: ‘el hogar’ (...).” in KAHN, Louis I.; extracto de “La Nuevas Fronteras en Arquitectura: CIAM” in CUECO, Jorge Torres, “Casa por Casa – reflexiones sobre el habitar”, Jorge Torres Cueco (Valência: 2009), p.53 6

NITSCHKE, Gunther; “From Shinto to Ando - Studies in Architectural Anthropology in Japan”, Academy Editions, Ernst & Sohn (Lomdres: 1993), p.49

7  Tradução pessoal de excerto da citação: “Todo espacio realmente habitado contiene la esencia del concepto de hogar, porque allí se unen la Memoria y la Imaginación, para intensificarse mutuamente. En el terreno de los valores forman una comunidad de Memoria e Imagen, de tal modo que la casa no sólo se experimenta a diario, al hilvanar una narración o al contar nuestra propria historia, sino que, a través de los sueños, los lugares que habitamos impregnan y conservan los tesoros del pasado. Así pues la casa representa una de las principales formas de integración de los pensamientos, los recuerdos y los sueños de la humanidad. Sin ella, el hombre sería un ser disperso.” BACHELARD, Gaston apud BAEZA, Alberto Campo, “Mnemosine Versus Mimesis” in “Revista Trama número 1 - Memória” (Porto: Junho 2010) 8

ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009), p. 18

9  “Building a house is a cultural phenomenon.”, OZAKI, Ritsuko; “Society and Housing Form: Home-Centredness in England vs. Family-Centredness in Japan”, Journal of History Sociology Vol. 4 No. 3, Setembro 2001 10  “The cultural matrix does determine physical arrangements of a house; and without such an awareness, it is not possible to understand the organization of the house or to produce housing that societies and people readily accept and find suitable to their needs.” OZAKI, Ritsuko; “Society and Housing Form: Home-Centredness in England vs. Family-Centredness in Japan”, Journal of History Sociology Vol. 4 No. 3, Setembro 2001

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• ‌Figura 157, 157.1 Colagem Oasis, Ron Herron, 1968 - Revista “Archigram” n. 8, “Popular Pack” , Londres, 1968 [Arquivo Archigram] Os Archigram foram responsáveis por inúmeros designs e teorias futuristas sobre como habitar as grandes cidades do futuro.

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Capítulo 6 | Casa

“’Beauty is to be found in disarray’. Indeed, no matter how confused a home – or homeland – might appear to others, the residents themselves will invariably see a resolute order underscoring all their living conditions. The place isn’t dirty; it’s just the organic randomness that gives it such ineffable charm. No sooner have you set foot inside than you’re pulling books out of the piles to read their titles or you’re dusting off some curio on the shelf, it’s all so comfortably chaotic. Though lest we forget, one of the original meanings of the greek word kaos was ‘abyss’!”11

Caótica ou não, a casa é produto de quem a habita e “o habitante é o coreógrafo da casa.”12 Se assim a criou e/ou transformou, será essa a forma mais confortável que encontrou para viver. Por outro lado, a casa é também um jogo de estímulos que nos permite viver e interagir com o que o espaço nos proporciona – faz-nos mover. “A novidade do habitar gera-se em novas relações espaciais, no tratamento dos espaços intersticiais, no tratamento luminoso, na proposta de espaços mais ambíguos, passíveis de diferentes interpretações por parte do habitante, evitando um compromisso pré-destinado entre um espaço e um uso específico. (…) Constatamos que o que a arquitectura residencial necessita para evoluir, e portanto inovar, não são tanto ‘espaços diferentes’ para modos de vida atípicos, mas sim que os ‘espaços convencionais’, pela sua reformulação, sejam capazes de albergar formas de habitar ‘não convencionais’ na família corrente.”13

A casa transforma-se com o habitante e acompanha os avanços da economia e da tecnologia, novas vontades, posturas ou orientações que traduzem a sociedade atual – um processo pouco constante, tal como a construção da cidade. “A Arquitectura é sempre a expressão espacial da vontade de uma época.”14

| CASAS, QUEM AS CONSTRÓI? O arquiteto e o habitante são ambos construtores de casas. Num sentido metafórico, quem habita e transforma o espaço segundo as suas vontades está do mesmo modo a desenhá-lo, planeá-lo e reconstruí-lo. Desse modo, no sentido mais literal da palavra, também o habitante é desenhador e construtor de interessantes projetos de arquitetura que florescem por toda a cidade. As construções espontâneas, sem participação ativa de um artista, arquitecto, ou outro qualquer profissional das artes, muitas vezes motivadas por necessidades emergentes ou dificuldades económicas, acabam também elas por se tornarem fortes estímulos para a construção de novas formas de habitar (ver capítulo “Casas dos Japoneses de Hoje, p. 121).

| CASAS DE HOJE E AMANHÃ A casa faz-nos viver. Motivados pela tecnologia, pelas novidades , por vontades próprias ou até mesmo por intenções formais e funcionais desenhadas pelo arquitecto, somos incentivados a atualizar continuamente cada passo da nossa rotina.

11  OSUGI, Sakae apud TSUZUKI, Kyoichi; “Tokyo: a certain Style”, pré-visualização consultada em http://www.amazon.com/Tokyo-Certain-Style-Kyoichi-Tsuzuki/dp/0811824233 12

www.oasrns.org/conteudo/dossiers/dossiers10e.asp

13  LAMEIRA, Gisela; “O Habitante na Arquitectura” in “Arquitectura ibérica #16 Habitar”, Caleidoscópio:Edições e Artes Gráficas, SA (Madrid: Setembro 2006), p.24 14  VAN DER ROHE, Mies apud LAMEIRA, Gisela; “O Habitante na Arquitectura” in “Arquitectura ibérica #16 Habitar”, Caleidoscópio:Edições e Artes Gráficas, SA (Madrid: Setembro 2006), p.23

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Capítulo 6 | Casa

“El carácter innovador de una casa reside en su capacidad para plantear cambios en el estilo de vida.”15

Caberá não apenas ao arquiteto, como também ao próprio habitante, a responsabilidade de imaginar e criar novas situações, para que a casa se mantenha viva e capaz de seguir esse ciclo de estímulos. A adaptabilidade do espaço e do homem torna-se assim qualidade essencial para a criação de uma boa arquitetura. Uma arquitectura que sirva como ponte entre o habitante, como corpo biológico e criativo, e o campo da informação e tecnologia actuais deverá garantir “a floating nature that allows changes overtime (…) because in today’s society it is absolutely essential to do away with borders based on simplified functions and establish relationship of overlapping spaces.”16

A casa deve permitir-nos mudar. Por outro lado, a habitação atual tenderá cada vez mais a aproximar-se do meio urbano onde se insere. A flexibilidade espacial e a interação com os espaços exteriores da casa bem como todo o restante contexto circundante serão capazes de reestabelecer a relação de amizade em tempos perdida entre o homem e a cidade. Não haverá desejo de uma privacidade interior, solitária, muito menos se erguerão muros de proteção contra o monstro urbano que virtualmente nos infernizava. A nova casa do século XXI e por aí em diante será, cada vez mais, um espaço onde viver e trabalhar coabitam, onde o público e o privado se confundem e a rede virtual de tecnologia e informação conquistará cada recanto, cada objeto. Ainda assim, haverá espaço para refletir, para cuidar e preservar a natureza. O habitante do futuro será mais preocupado com a preservação dessas ligações, com o mundo, a cidade, o vizinho e a natureza. “When everyone is addressing the question of sustainability, the idea of making an habitable life in the center of the city is absolutely the right answer.”17

15

MONTEYS, Xavier; FUERTES, Pere Fuertes; “Casa Collage: Un ensayo sobre la arquitectura de la casa”, Editorial Gustavo Gili (Barcelona: 2001) , p.112

16  ITO, Toyo apud GUZMÁN, Kristine; “Reinterpreting Traditional Aesthetic Values” in “Houses”, Kazuyo Sejima + Ryue Nshizawa, SANAA, ACTAR, MUSAC (León:2007), p.172 17  TAYLOR, Stephen; “Some Ideas on Living in London and Tokyo”, editado por Giovanna Borasi, Canadian Centre for Architecture, Lars Muller Publishers (Montreal: 2008), p.117

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ARQUITECTOS JAPONESES “... THE PRIVATE RESIDENCE AS A SMALL HOUSE IS BACK IN THE FOREFRONT OF CONTEMPORARY JAPANESE ARCHITECTURE, AND THERE ARE MANY DESIGNERS WHO PERSUE AN ENTIRE CAREER, OR MOST OF IT, IN THIS FIELD, EITHER BY NECESSITY OR BECAUSE OF PASSION.”

BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008), p. 57


TOYO ITO

ATELIER BOW WOW

SANAA KAZUYO SEJIMA + RYUE NISHIZAWA

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Caderno 1 | Arquitectos Japoneses

• ‌Figuras 158-160 Arquitectos Japoneses

ARQUITECTOS JAPONESES TOYO ITO “… our country [Japan] is so matter-of-fact, boorish and unromantic (…). Although this attitude is changing in the younger generation, modern Japanese society in general possesses neither the sensibility nor the sensivity needed for complete acceptance of such clever unconventionality. It seems as though this country lacks the pertile soil required to fully nourish their bright, light-hearted with. Nothing is so tiring as communication without feedback.”1

ATELIER BOW-WOW “Small is OK.2 There is now the opportunity to create new houses, more open and generous, and to use the adjacent spaces to create new community frameworks.”3

RYUE NISHIZAWA “We are not just designing buildings but a relationship to the city. The building is open to the outside.4 I’m extreme. I think inside a house it is nice to have something that connects you to something very far away. (…) the house must be very open to have some relation to the neighbours and the city, but at the same time the house must be very private. For yourself. (…) So, this is what I would like to achieve with my housing projects, to find an equilibrium between the fact that a house could be open to the city, but still keep some privacy. This duality, this tension, it’s interesting to me.5 I am now trying to decide what kind of lifestyle or what kind of space will be the right one for our contemporary life.6 We use the function to create the building, but also the building creates the function. It is a very dynamic relation: the building creates the program, the program also creates the building. This has to be mutual.”7

KAZUYO SEJIMA “I am interested in how to make borders. (…) So, the space always has different feelings, sometimes you arrive here and you can feel you are almost involved with the other side. In every project I like to think about the border; not strong borders, but connections.8 What I mean by transparency is a bit different from being able to see. For me, information society is mainly about not seeing. It is not just the difference between inside and outside that we are interested in, but also generally the definition between spaces. I think that in information society, it may be that there is no physical movement at the edge between spaces, but you can still get flexibility.9 The meaning of transparency is to create a diversity of relations. (…) Transparency also means clarity, not only visual, but also conceptual. There are so many relations.10 White is a generic color, it makes places homogeneous and connects them. The use of the color white is strongly correlated to our planning of space. We want to bring the white feeling out. Our designs have no dead-ends, the same weightiness is present all over. White works as more than just a color, it is related to the design.”11

1

ITO, Toyo apud KLEIN, Astrid; “Kleín Dytham Architecture - Tokyo Calling”, Frame Birkhäuser (Basel: 2001), p.105

2  “‘Small is OK’ was the title of a 2002 exhibition featuring the work of Atelier Bow Wow, held in Centre d’Art Contemporain Kunsthalle, Freiburg, Switzerland” in BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008), p.55 3

TSUKAMOTO, Yoshi citado por Sergio Pirrone in Mark nº 29, DEZ/JAN 2010, p. 190

4

NISHIZAWA, Ryue; entrevista em 5 Outubro 2008 in http://www.airoots.org/interview-with-kazuyo-sejima-ryue-nishizawa-sanaa-tokyo-august-8-2007/

5  NISHIZAWA, Ryue; “Some Ideas on Living in London and Tokyo”, Canadian Centre for Architecture, Lars Muller Publishers (Montréal: 2008), p. 82 6  Ibidem 7

NISHIZAWA; Ryue; “Houses, Kazuyo Sejima + Ryue Nishizawa, SANAA”, MUSAC, ACTAR (Barcelona: 2007), p.15

8

SEJIMA, Kazuyo; Ibidem, p. 13

9

SEJIMA, Kazuyo; “El Croquis 99: Kazuyo Sejima + Ryue Nishizawa 1995-2000”, p. 14

10  SEJIMA, Kazuyo; “Houses, Kazuyo Sejima + Ryue Nishizawa, SANAA”, MUSAC, ACTAR (Barcelona: 2007), p. 17 11

SEJIMA, Kazuyo; entrevista em 5 Outubro 2008 in http://www.airoots.org/interview-with-kazuyo-sejima-ryue-nishizawa-sanaa-tokyo-august-8-2007/

99


SOU FUJIMOTO

KLEIN DYTHAM ARCHITECTURE

TEZUKA ARCHITECS

GO HASEGAWA

100


Caderno 1 | Arquitectos Japoneses

• ‌Figuras 161-165 Arquitectos Japoneses

SOU FUJIMOTO

“...Tóquio tem um carácter muito artificial, congestionado. Mas é ao mesmo tempo uma floresta natural. Tem esta atmosfera ambígua que se manifesta nas diferentes escalas, áreas escondidas, pequenos universos que produzem diferentes ambientes. Desta análise pensei que ‘natural’ e ‘artificial’ podem não ser conceitos opostos, já que podemos encontrar algo ‘entre’ algo que é comum a estes diferentes aspectos. Comecei gradualmente a entender esta dualidade japonesa, esta forma de entender os espaços. Estou muito interessado nos espaços ‘entre’, na descoberta de uma dimensão nova, que existe entre exterior e interior, natural e artificial.12 Procuro sempre dar o maior número de possibilidades de utilização desse espaço. (...) Quero apenas deixar pistas, indícios ou coisas inesperadas, para que os espaços e as pessoas possam estabelecer relações. (...) Um espaço totalmente livre tem uma limitação incrível, não pretendo criar dificuldades na utilização do espaço.13 Os arquitectos têm de ser capazes de criar uma situação intermédia, parte natural parte artificial. Na minha arquitectura, permito sempre que a natureza faça parte de todos os projectos. Neste caso, o verde não é o objectivo final, mas sim estabelecer uma boa relação entre interior e exterior, entre arquitectura e natureza. É este o ponto essencial.14 “I want to make spaces that can activate or innate physicality.15 Architecture with a sense of distance. (…) Not a physical distance, but an experiential, relational distance that arises due to the distortion and modulation of the space. In a garden, everything is left indeterminale. (…) Architecture is a garden with no roof. A garden is architecture without a roof.”16

KLEIN DYTHAM “When you’re a young architect, dying to do wild projects, Tokyo is the perfect city. Just follow the building regulations, and your design can look like anything you want it to. (…) Architecture is all about the visual; you never find a note inside that describes the concept.”17

TEZUKA ARCHITECTS [Describe your style, like a good friend of yours would describe it.] “It’s friendly to human beings, just architecture that understands daily life (finding comfort is very difficult). A space where people can feel the breeze, the sunlight, the changing of the seasons, where they can forget and nourish relationships with one another. The building should also be in harmony with the landscape. (…) A lot of freedom of movement, fresh air circulation, natural lighting… Although we use more or less conventional construction methods, in each project some aspect is always pushed to its limits. This is always based on function, only incidentally on shape. (…) You can make something different every time, but it is very hard to achieve healthy and lively beauty.”18

GO HASEGAWA “A house should look independent and at the same time it should involve its surroundings. (…) I’m interested in the transitional spaces, between inside and outside, half private and half public. (…) Take Gotanda House, I have taken the narrow space that any Tokyo house shares with the house next door as a concept for a house that incorporates such space in its own volume. (…) Transitional spaces are very often left over spaces, without a specific purpose. Those kind of ambiguous spaces are very important in any good house, in my opinion. (…) According to the Japanese Dictionary, the word ‘room’ means ‘a space with a certain purpose’. I believe every private house should have spaces without any particular purpose. (…) I always take care of the relationship between a house and its surroundings. (…) I like my proposals to go beyond denial or affirmation.”19 12  FUJIMOTO, Sou; entrevista por Marta Pedro, 12 Dez. 2009 in http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=55 13

Ibidem

14

Ibidem

15

FUJIMOTO, Sou in “Ideas from the Body”, Setembro 2010 entrevista em http://www.art-it.asia/u/admin_ed_feature_e/HbskfERjL4g2o69NiycZ

16

FUJIMOTO, Sou; “Primitive Future”, INAX Publishing (Tóquio: 2008), p.101

17

KLEIN, Astrid; “Kleín Dytham Architecture - Tokyo Calling”, Frame Birkhäuser (Basel: 2001), p.16

18

TEZUKA, Takaharu in “Tezuka Architects” Entrevista, Novembro 2007, http://www.designboom.com/eng/interview/tezuka_architects.html

19

HASEGAWA, Go in Mark nº21, Ago/Set 2009

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CASAS JAPONESAS


• ‌Figura 166 A minha cozinha. Glasgow, 2010

• ‌Figura 167 Cozinha japonesa. “Moriyama House”, Ryue Nishizawa, Tóquio (2005)

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Capítulo 7 | Casas Japonesas

CASAS JAPONESAS Se existisse uma única e melhor solução para desenhar uma casa, todas as casas atuais seriam iguais. Na realidade não o são. “A casa move-se”, ouvia dizer o Professor Manuel Mendes no dia de apresentação da sua Prova de Doutoramento. Para ser sincera, não me recordo do que quis dizer naquele momento, o contexto em que realmente teria sido dita. O que é certo é que esta frase me chamou a atenção e desde esse dia permanece escrita em vários sítos, várias páginas do meu caderno. Não cheguei a descobrir o seu verdadeiro significado, pelo menos a interpretação do seu autor, mas ao meu próprio estilo, maneira de ser e pensar, sou capaz de lhe dar uma interpretação, a minha própria interpretação que se traduz naquilo que hoje são as casas dos japoneses. As casas movem-se e fazem-nos mover.

| AS “MINHAS” CASAS JAPONESAS “As raízes do nosso entendimento arquitectónico encontram-se (...) na nossa biografia. Os estudantes devem aprender a trabalhar de forma consciente as suas experiências pessoais como base dos seus projectos. (...) Questionamos o que nos tocou, o que nos impressionou, o que foi que na altura gostámos nesta casa, nesta cidade – e porquê?”1

Sempre considerei a cozinha parte importante, senão vital, de qualquer casa. Talvez outras pessoas, até culturas, associem o espaço da sala ao centro de toda a atividade familiar, o lugar onde conversam, convivem e recebem convidados. Para mim, o coração, o centro da casa, é de facto a cozinha. Certamente influenciada pelas minhas próprias memórias, será também essa uma das razões pelas quais valorizo e me interesso profundamente por arquiteturas domésticas comunicativas (chamemos-lhes assim) – e o Japão é verdadeiro exemplo disso. Antigas memórias que guardo comigo, têm muitas delas a cozinha das minhas avós como pano de fundo. Pela comida que faziam, pela companhia apenas enquanto cozinhavam, ou por outra qualquer razão, o espaço da cozinha sempre foi, para mim, sinónimo de convivência. Muito provavelmente, a própria atividade de cozinhar, preparar os alimentos, abrir o frigorífico, lavar a louça, entre muitas outras tarefas, impulsionam inúmeros temas de conversa, divertimento ou entreajuda, interesse por algo que está de facto a acontecer diante de nós e que exige participação – em nada semelhante ao ato de ver televisão. Lembro-me bem da casa dos meus avós maternos, uma casa grande, semelhante às das quintas de antigamente em que uma parte dos seus compartimentos estava especialmente reservada à empregada que preparava as refeições, limpava e arrumava, mantendo o bem estar de todos os familiares. O que é certo é que, talvez pela própria maneira de ser dos meus avós, um juiz e uma dona de casa, os compartimentos mais nobres, correspondentes à sala de visitas, sala de estar e sala de jantar, salvo raríssimas ocasiões, mantinham o seu ar imaculado de sala de exposição, digna de um museu de família, onde nenhum de nós, os netos, estava autorizado a fazer das suas. E na minha memória sempre se assumiram como a parte estranha da casa, fria e pouco familiar. A pequena sala de jantar, cuja lareira ocupava uma larga percentagem de um dos seus cantos, a estreita cozinha e a marquise envidraçada virada para o quintal, eram sem dúvida mais acolhedoras e capazes de criar recordações, memórias, daquilo que lá passávamos.

1

ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009)

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• ‌Figuras 168-171 O espaço interior da casa está em constante comunicação. “House H”, Sou Fujimoto, Tóquio (2007-2009)

“DO WE SHAPE CITIES OR DO CITIES SHAPE US?” “Tokyo!” (2008) 106


Capítulo 7 | Casas Japonesas

Lembro-me dos almoços de família bem apertados que se realizavam todos os domingos. E o cenário repetia-se em casa de uma e outra avó, mantendo-se até hoje, até à própria casa dos meus pais. Aqui, a cozinha assume o papel de hall de entrada, não formal, mas confortável e digno de receber qualquer amigo e familiar. Ainda hoje, fora das “minhas casas”, tenho por hábito receber os amigos e levá-los para a cozinha, conversar, cozinhar, beber um bom copo de vinho, uma cerveja ou quem sabe, colaborar nos preparativos do jantar. Por mais pequena que ela seja, o serão começa sempre na cozinha. E a minha ideia de arquitetura passa exatamente por isto – comunicação, convivência, entreajuda. Cada espaço pode ser desenhado para uma determinada tarefa, mas essa mesma tarefa irá desenrolar toda uma outra panóplia de atividades que nos permitem realmente viver esse mesmo espaço. O Japão também é assim. As cidades são como a “minha” cozinha apertada onde uns põem a mesa, outros bebem, outros conversam e outros apenas entram e saem, mas voltam sempre.

| ESPAÇO/TEMPO “Time is naturally most valuable to people living in a large country with relatively few people. (…) [But] Space is most appreciated by people living in a small country with a relatively large population.”2

Uma vez que os lugares nas cidades japonesas tendem a ser muito próximos uns dos outros, pela elevada abundância dos mais diversos tipos de serviços urbanos existentes, o tempo gasto em qualquer deslocação é também ele muito curto. Ir ao supermercado, à farmácia, ao banco ou ao cabeleireiro é como trocar da sala para o quarto, para a cozinha ou para o quarto de banho. O espaço privado da habitação estende-se pelas entranhas da cidade, pela mais estreita viela até ao pequeno largo. A cidade faz parte da casa e a casa é agora muito maior. “Space is created by ‘killing’ (slowing down) time.”3 “Considero que a casa e a cidade não são duas coisas diferentes. Entendo que a casa, ou espaço privado, é realmente a parte mais profunda protegida da cidade. Neste sentido, casa e cidade podem ser contínuos. Mas a densidade da sensação de proteção, essa é diferente. (...) Gradualmente, a casa e o espaço privado dissolvem-se na cidade.”4

As casas japonesas são, de facto, pequenas. O elevado custo de propriedade não lhes dá sequer margem para solucionar o problema. Cada parcela de cidade é dividida até à mais pequena das partículas e qualquer espaço, até o mais ridiculamente pequeno, é uma oportunidade para viver. Morar perto do local de emprego e, assim, poupar o máximo de tempo em distâncias para que este seja aproveitado para lucrar com mais horas de trabalho, é o grande objetivo dos japoneses. A mais recente tecnologia permite elevar a fasquia do design e da arquitetura a níveis nunca antes vistos. As casas japonesas estão frequentemente equipadas com esquemas complexos e inteligentes de desdobramento de mobiliário, sejam camas, sofás ou cozinhas por inteiro. Permitem ao habitante diversificar o layout da sua habitação no seu quotidiano, para que este possa viver agradavelmente na sua pequena casa - pequena mas com inúmeras capacidades. Os espaços abertos, semelhantes à ideia do lobby americano, evitam a compartimentação da casa e permitem a movimentação livre dos seus habitantes. A noção de limite é alargada, eliminando qualquer sensação de tédio ou claustrofobia. Será um pouco como tirar partido das ilusões de ótica mas a nível espacial.

2

NITSCHKE, Gunther; “From Shinto to Ando - Studies in Architectural Anthropology in Japan”, Academy Editions, Ernst & Sohn (Lomdres: 1993), p.34

3

Ibidem, p.35

4  FUJIMOTO, Sou; entrevista por Marta Pedro, 12 Dez. 2009 in http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=55

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• ‌Figuras 172-179 Vista interior e exterior. “Inside Out”, Takeshi Hosaka Architects, Tóquio (2010) “A House for two people, two cats, the sun, the rain and the wind. ‘Searing summers should be enjoyed again, as they were long ago.’ The residents actually behave in a way similar to their cats: they more from one area to the next, doze in a chair, take in the scene outdoors and, weather perimiting, have their meals in the garden-like space. It sounds as if their lives rely completely on the weather. Are they constantly on the move? The direction of the wind determines which parts of the floor get wet when it rains. The couple and their cats try to avoid getting wet, of course. Nothing remains absolutely the same. My point (...) is that a feeling of comfort and wellbeing should not hinge on the ability to heat or cool interior spaces artificially.”

Cathelijne Nuijsink, Makr nº33, AGO/SET 2011, pág. 139

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Capítulo 7 | Casas Japonesas

“As houses get smaller, their space gets more intense. People are nearly insatiable in their urban hunger for urban nesting places .”5

Desde a Segunda Grande Guerra, os construtores e arquitetos japoneses apenas se preocuparam em satisfazer as necessidades de expansão e crescimento urbano do país. Cidades como Tóquio e Osaka cresciam a níveis exorbitantes. Nunca ninguém pareceu se preocupar realmente com as qualidades espaciais das casas que construíam. Hoje, em resposta à crescente alienação da sociedade japonesa, a urgência na resolução do problema da habitação parece ter impulsionado um movimento de vanguarda na arquitetura, presente nas mais diversas publicações e websites da vanguarda da habitação. Não creio que serão avanços ou ideias apenas aplicáveis ao Japão, deverão ser até tomados como exemplo por muitos outros países e grandes cidades, mas serão sem dúvida o início de uma nova ligação positiva e colaborativa entre os japoneses e as suas cidades.

| INTERIOR/EXTERIOR “O Japão é feito de opostos.”6 Contava eu enquanto escrevia o artigo para a Revista Trama. É um país movido por dicotomias, polos contrários que mantêm forte e ativa a evolução do país. Muitos desses conceitos estarão inteiramente ligados a crenças espirituais e religiosas. Apesar de não físicos ou palpáveis, influenciam toda a organização espacial e funcional da vida de cada japonês. Constroem uma cultura. A principal dicotomia ligada à construção e desenvolvimento da habitação japonesa prende-se, como já referido em capítulos anteriores, com os conceitos de interior e exterior. Tal fronteira poderá ainda ser traduzida pela diferente noção entre puro e sujo, seguro e perigoso, interior e exterior, respetivamente. A sua obsessão pela pureza dos seus atos, corpo e espaço, desenrola todo um ritual de atividades quotidianas que caracterizam aquilo que é a casa japonesa, os seus compartimentos, funções e organização. “Japanese concern with dirt avoidance. (…) That is, the inside is associated with purity, cleanliness, safety and intimacy, and the outside with impurity, dirt, danger and strangeness. (…)When people come back home, they take their shoes off, wash their hands, and gargle. (…) dirt should not be brought into the house, as the inside of the house is a clean place.”7

A título de curiosidade, Ritsuko Osaki explica ainda que toda a roupa interior é também lavada separadamente evitando a contaminação de impurezas. Acrescenta, também, que em dias de funerais cada japonês se purifica com sal antes de entrar em casa. Os trabalhadores das funerárias eram conhecidos por serem pessoas solitárias. O facto de estarem em constante contacto com a morte lançava algum receio em torno dos seus vizinhos e amigos. “In Japanese housing of the (…) [nineteenth century], a high fence around the property provided privacy, and the middle corridor that appeared in the inter-war housing separated such private spaces as the kitchen, bathroom, bedrooms and the maid’s room from public spaces like drawing rooms.”8

A casa hoje é diferente, mas algumas dessas fronteiras ainda se mantêm. O simples ato de tomar banho é igualmente dividido em vários espaços e etapas.

5

ITO, Toyo in BROWN, Azby, “The Very Small Home: Japanese Ideas for Living”, Kodansha International (Tóquio:2005)

6

Citação própria, artigo sobre a viagem ao Japão, Trama nº1

7

OZAKI, Ritsuko; “Boundaries and the meaning of social space: A study of Japanese house”, texto cedido pela autora

8  OZAKI, Ritsuko; “Society and Housing Form: Home-Centredness in England vs. Family-Centredness in Japan”, Journal of History Sociology Vol. 4 No. 3, Setembro 2001

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• ‌Figuras 180-181 Jantar de negócios. Frames do filme “Map of the Sounds of Tokyo” (2009) “Tenemos que hacer esto? Realmente tenemos que hacerlo? Comer sushi caliente sobre el ombligo de una mujer? Si queremos firmar el acuerdo, sí, tenemos que hacerlo.”

• ‌Figuras 182-186 Vista exterior e interior. “Shounan House”, Jun Igarashi Architects, Kanagawa (2009)

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Capítulo 7 | Casas Japonesas

“Without exception, the bathroom and the toilet are kept separate. The bathroom always comprises two rooms: one is the actual bathing room which has a bath tub and a space where one washes and rinses oneself (prior to bathing). The other is the washing-dressing room where a wash basin and a washing machine are located and where one takes one’s clothes off before entering the bathing section.”9

Por outro lado, a mais lógica explicação para evitar fogos e derrocadas em cadeia em caso de terramoto está igualmente relacionada com esta dicotomia. Se a parede exterior da casa é o elo de contacto com a cidade e suas impurezas, a mesma não deverá nunca estar em contacto direto com outra habitação. Tal condição poderá ser fonte de graves crises de ansiedade e, assim, ameaçar o equilíbrio espiritual de cada uma das famílias. “In sum, dirt refers not only to physical and visible dirt, but also to (culturally defined) conceptual dirt. A person’s house must be kept clean to represent and maintain the cleanliness and purity of the family who live there.”10

Acredito que hoje as mesmas crenças não sejam tão vincadas. De qualquer forma, muitas delas permanecerão e o seu carácter fantasmagórico continuará a alimentar a imaginação dos japoneses.

| INOVAÇÕES INTERNAS O interior da casa japonesa foi, por sua vez, alvo de importantes mudanças ao longo dos anos. A sua grande maioria procurou a preservação do seio familiar e da sua privacidade, contribuindo para a criação de espaços que promoviam o convívio entre os vários membros da família. Desde sempre os japoneses se preocuparam em trabalhar o máximo e ganhar o máximo para garantir uma vida confortável em suas casas. Algumas famílias chegavam mesmo a incluir tudo no mesmo “pacote”, casa e trabalho no mesmo edifício sem que pudessem usufruir do mínimo descanso. Hoje em dia, a sociedade japonesa evoluiu. Assustados pela alienação que as excessivas horas de trabalho provocam em toda a sociedade e, consequentemente, no quotidiano urbano da cidade, têm vindo a provar uma crescente capacidade de diversão e gosto pelas mais variadas artes. O lazer é hoje um modo de vida japonês, em perfeito equilíbrio com a atividade laboral. Do mesmo modo, a chegada a casa depois da escola ou do trabalho é, igualmente, um momento importante de convívio entre a família. Recentes mudanças espaciais na organização das funções que comportam a casa japonesa tendem para uma unificação das divisões comuns da casa. “The living area has been integrated into the kitchen and the dining area in Japan. (…) This integral form looks more spacious than a few separate rooms, and therefore is suitable for a relatively small house. With expensive urban land and high property taxes, many people can only afford a small land plot, but still want a spacious living room. Additionally, women’s status has been gradually improving (…). As open style kitchen allows them to interact with the rest of the family who are in the living or dining area.”11

Reunir a família faz parte da tradição japonesa e permanecerá parte dela durante largos anos. Nesse espaço central podem comer, conviver, ver televisão, jogar, entre outras coisas. Enquanto o pai lê o jornal, os filhos podem até fazer os trabalhos de casa ao mesmo tempo que a mãe passa a ferro e se mantêm por perto caso necessitem de apoio. O centro da casa japonesa é um espaço aberto e multifuncional, dinâmico e perfeitamente adaptável aos constantes avanços sociais e tecnológicos. É um símbolo da intimidade familiar. 9

OZAKI, Ritsuko; “Boundaries and the meaning of social space: A study of Japanese house”, texto cedido pela autora

10

Ibidem

11

OZAKI, Ritsuko; “Housing as a Reflection of Culture: Privatised Living and Privacy in England and Japan”, Housing Studies, Vol. 17, No. 2, 209-227, 2002

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• ‌Figuras 187-190 Vista exterior e interior. “House N”, Sou Fujimoto, Oita (2007-2008)

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Capítulo 7 | Casas Japonesas

O jardim nunca foi um espaço privilegiado na casa japonesa. Se em Inglaterra enfrentam a rua apresentando publicamente o quintal privado de cada família, ou se por cá, em Portugal, se localiza nas traseiras da casa, mais resguardado, já no Japão não existe a mínima preocupação com a sua localização. Se não há espaço, não haverá também lugar para tal dedicação. “...their concern is mainly limited to having trees and flowers nearby rather than being able to garden. (…) Thus, Japanese preferences for the garden are more likely to be about a ‘pleasant place’…”12

Ao caminharmos pelas estreitas ruas que ramificavam cada um dos quarteirões residenciais das cidades, dávamo-nos conta da imensidão de pequenos jardins, ou será melhor dizer apontamentos florestais, que decoravam as estreitas linhas de passeio pintadas no chão. Dezenas de vasos de bonsais e outras plantas invadiam as ruas dando uma verdadeira sensação de conforto e acolhimento a quem por ali passava. A natureza é também um forte elo de ligação entre a casa, o habitante e a cidade.

| “SPACE IS RELATIONSHIPS”13 Casa é o lugar onde ocorrem as mais importantes ações vitais que nos permitem viver, divertir e trabalhar. Casa é o centro de cada um, o centro do mundo. E a casa japonesa é, ao mesmo tempo, casa, espaço privado e individual, que se estende pela cidade, ruas e vielas e se passeia por cada recanto edificado. A casa japonesa está em constante comunicação com um vasto campo informativo que domina a qualquer área criativa e económica do seu país. É influenciada e transformada segundo a essencialidade das mais básicas necessidades diárias, imprescindíveis para sobreviver, de cada um dos trabalhadores e familiares da mesma cidade. Ora se encolhe, ora se recria e desmembrana, tirando partido de tudo o que pode ser colhido da selva urbana que a rodeia. As casas das cidades japonesas são como os frutos de uma árvore grande e carregada, rodeados e entrelaçados por uma densa ramada de canais que os mantêm sempre ativos e em constante acompanhamento com o desenvolvimento dos seus órgãos vitais, cultura, economia e tecnologia atuais. Já Sou Fujimoto dizia “A place that is at the same time a house, a city and a forest, it is a place like a small earth.”14 Cada pequena casa japonesa é, então, como um pequeno mundo, onde a partir do qual tudo acontece. O espaço limitado de cada uma delas é hoje um novo desafio lançado aos arquitetos. Novas formas de relacionar o homem e o espaço, o habitante e a casa, serão o início da nova revolução no desenho da habitação à escala mundial. Será essencial tomar como exemplo países em que a arquitectura residencial assuma níveis extremos, sejam pela positiva ou pela negativa, serão diferentes pelas mais variadas razões. A falta de espaço aliada ao elevado grau de desenvolvimento das cidades será a nova preocupação da atual crise na habitação. E todo o tipo de arquitetura, a partir de hoje criada, tomará como ponto de partida as novas criações e soluções propostas para o novo habitar. Construir casas pequenas, equipá-las e desenhá-las para habitar uma grande cidade, torna-se um desafio ainda maior. Tudo está mais próximo e portanto qualquer ligação com o mundo é ainda mais 12

OZAKI, Ritsuko; “Housing as a Reflection of Culture: Privatised Living and Privacy in England and Japan”, Housing Studies, Vol. 17, No. 2, 209-227, 2002

13  “Architecture is to generate various sense of distances. The origin of architecture must have been constituted purely of ‘distances’. Far before the advent of roofs or walls, only the various modulations of distances were recognized. Distance predicated the degrees of interactions amongst persons and objects (...). One can be alienated and yet connected. Close and yet separate. Associations are solely indicated by propinquity. This interactions transformed ad infinitum with motion. People can discover places for habitation in those cadences of space.” FUJIMOTO, Sou; “Primitive Future”, INAX Publishing (Tóquio: 2008), p. 32 14

FUJIMOTO, Sou; “Primitive Future”, INAX Publishing (Tóquio: 2008)

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• ‌Figuras 191-192 Vista exterior. Espaços polivalentes. “Moriyama House”, Ryue Nishizawa, Tóquio (2005)


Capítulo 7 | Casas Japonesas

intensa. Cabe ao arquiteto e ao morador filtrar aquilo que de bom a cidade tem para ser absorvido e resguardar e preservar o pouco espaço íntimo que lhe resta. Não será jamais uma casa com uma cozinha, uma sala de estar, uma sala de jantar, um escritório, um hall de entrada, uma lavandaria, um quarto de arrumos, um quarto para dormir, uma marquise, um quarto de banho, e toda a restante panóplia de funções compartimentadas. Construir casas pequenas é englobar tudo isso, cada uma dessas funções num só espaço, ou num pequeno conjunto de espaços que por serem limitados e tão próximos uns dos outros se encontram em constante comunicação. Se a sala de estar também serve para dormir ou para cozinhar, se a cozinha ainda contém a máquina de lavar a roupa ou se não existe sequer mesa de jantar, essas serão as questões que irão dominar o novo conceito de habitar a cidade. Admitir a polivalência dos espaços, tornando-nos nós próprios adaptáveis a qualquer mudança. Flexibilidade será a palavra chave. “Aceitar a ambiguidade (...) é a chave para compreender o que distingue a arquitectura nipónica da europeia ou americana, mas hoje as ideias viajam depressa.”15

A casa japonesa das grandes cidades será, cada vez mais, um só compartimento onde tudo acontece. Será interior e exterior, casa e jardim, ao mesmo tempo, num mesmo espaço que, sem fronteiras, se estende até à cidade. Cada gaveta oferece-nos uma diferente função e cada espaço será inteligentemente aproveitado com tudo o que necessitamos. Um novo e pequeno mundo que nos protege e, ao mesmo tempo, nos liga com toda a restante galáxia. Afinal de contas, até já existe internet nos telemóveis! Antes disso existiam só os telemóveis. Hoje existe ainda o Big Brother. Todos estamos conectados à mesma rede, aos mesmos aparelhos. Todos nos alimentamos da vasta rede informativa partilhada por essa plataforma virtual. É o que nos mantém vivos e o que nos permite continuar a explorar o espaço. Se seremos progressivamente mais solitários, não o sei. No entanto, tenho esperança de que este sistema circulatório nos mantenha vivos e com vontade de continuar a explorar as mais diversas formas de apropriação dos espaços.

15

JODIDIO, Philip; “JP Architecture in Japan”, Taschen, 2006

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Capítulo 7 | Casas Japonesas

“TARZANS IN THE MEDIA FOREST” TOYO ITO “People in contemporary cities, however, can no longer return to such a life [in the past] even if they realize that is a kind of utopia for them. It is inconceivable for them to give up mobile telephones or facsimile machines. So, what kind of environment should people seek when they are surrounded by electronic devices? M. McLuhan once said that clothing is an extension of our skin and that shelter is a communal skin or clothing. As early as the 1960s, he predicted that the development of electronic media would cause our then heavily vision-oriented culture to shift and become dependent on cutaneous sensations. (…) Young people who cannot live without mobile telephones need continually to stimulate their skin through their sense of hearing. If clothing and architecture are both extensions of our skin functioning as energy control mechanism against the external world as McLuhan said, their function as membrane would certainly be very important. In other words, clothing, architecture and cities must train and polish their epidermis (outer layer) to be extremely sensitive and delicate. This cannot be the conventional thick and heavy cloth or wall which used to protect us from the external world. It must function as a highly effective sensor to detect the flow of electrons. Moreover, the membrane needs to be soft and flexible. Not rigid and dense like a wall, architecture as the epidermis must be pliant and supple like our skin and be able to exchange information with the outside world. Architecture clad in such a membrane should rather be called a media-suit. Architecture is an extension of clothing and is therefore a media-suit. It is a transparent suit meant for the digitalized and transparent body. And people clad in the transparent media-suit will settle in virtual nature, the forest of media. They are Tarzans in the media forest.”1

1

ITO, Toyo; 2G Toyo Ito Nº2, 1997/II, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, p.139-142

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CASAS DOS JAPONESES DE HOJE “UMA BOA ARQUITECTURA DEVE HOSPEDAR O HOMEM, DEIXÁ-LO PRESENCIAR E HABITAR, E NÃO TENTAR PERSUADIR.”

ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009), pág. 33


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Caderno 2 | Casas dos Japoneses de Hoje

CASAS DOS JAPONESES DE HOJE

| COMO HABITAR O CAOS CRIATIVO JAPONÊS Teorias aparte, por mais definições ou manuais de instruções que se escrevam nada será mais claro do que o próprio produto, a arquitetura. E de que forma todas estas teorias e receitas para uma “boa casa” anteriormente mencionadas se traduzem na arquitetura? O ato de imaginar, desenhar e construir o espaço é a razão pela qual tanto se escreve, discute e partilha mas, acima de tudo, é aquilo que nos permite viver e crescer de dia para dia. Mais do que nunca, assistimos a uma avalanche de notícias, artigos e reportagens sobre a nova arquitetura residencial japonesa. Fruto de inúmeras catástrofes naturais e “económico-sócio-urbanas” assistimos, nos dias de hoje, a uma necessidade urgente de habitar. Não apenas habitar pelo simples ato de ocupação e identificação com um determinado lugar, mas habitar em comunhão, em sociedade. Fazer parte de uma rede de informação e atividades que nos alimentam. Fazer parte do centro do mundo, cada um deles, dos muitos, espalhados pelos mais diferentes países. A arquitetura japonesa assume, hoje, uma nova identidade. Não é apenas uma solução funcional para a crise económica ou a ausência de espaço dentro das grandes cidades. É uma arquitetura altamente cuidada, de linhas, formas e texturas claras. Complexa e eficaz nos sistemas constructivos que propõe. É também uma arquitetura de vanguarda, que desafia as antigas, e ainda fortemente vincadas, fronteiras funcionais que definem uma casa – seja na Europa, ou outro qualquer continente. Ideias radicais e experimentais que ultrapassam inúmeros dogmas quotidianos. A arquitetura japonesa da atualidade está a reensinar-nos a habitar num novo mundo, dominado pela tecnologia e pela informação. O curto prazo de validade de cada uma destas experiências residenciais será também uma mais valia para a evolução desta nova arquitetura. Cada caso um teste. Cada casa uma nova etapa. As suas origens provêm desde há umas dezenas de anos atrás. Época de grandes ensaios arquitetónicos, grande parte deles exageradamente criativos. Com raízes no Archigram inglês, assim o dizem, o Metabolismo controlou a arquitetura de vanguarda japonesa desde os finais dos anos 50 até ao colminar das suas experiências e ideias com a realização da Exposição de Osaka de 1970. Segundo os seus mais fieis impulsionadores, como Kenzo Tange, Kisho Kurokawa, Kiyonori Kikutake, entre outros, o Metabolismo contribuiu para a redefinição da cidade como um organismo flexível que cresce e evolui. O novo habitante do boom económico, recém-intitulado de homo movens1, tinha como objetivo a sua própria libertação dos laços que anteriormente o ligavam à família, à terra, à plataforma a que pertencia, para assim disfrutar livremente de uma larga variedade de atividades e entretenimento oferecidos pelo novo sistema tecnologicamente complexo e avançado da cidade do metabolismo. 1  “By Homo movens I mean, of course, man on the move. I coined this term after the models Homo sapiens, man as thinker, and Homo faber, man as maker, as an attempt to express the importance of mobility as the special characteristic of contemporary humankind. Just as the concept of Homo faber is linked to principles on which industrial society is based, Homo movens is linked to the principle of industrial society. “, KUROKAWA, Kisho; “A Master Plan for Redeveloping the Nation: The Symbiosis of Redevelopment and Restoration”, www.kisho.co.jp

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• ‌Figuras 193-194 Vista exterior. Nakagin Capsule Tower, Tóquio (1972)

• ‌Figuras 195-196 Vista interior. Nakagin Capsule Tower, Tóquio (1972)

• ‌Figuras 197-199 Nakagin Capsule Tower, Tóquio (1972) Frames do filme “Tokyo!” (2008)

• ‌Figuras 200-201 Vista interior. Nakagin Capsule Tower, Tóquio (1972)

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“The movement contends that buildings and cities should be designed in the same organic way that life grows and changes by repeating metabolism.”2

Completa em 1972, a Nakagin Capsule Tower é hoje um dos mais valiosos tesouros deste movimento arquitetónico, muitas vezes confundido com um verdadeiro cenário de um filme de ficção científca. Infelizmente, tanto quanto se ouve e se lê por jornais e pela internete, está em risco de ser demolida. Talvez não faça mais sentido naquele lugar, talvez se tenha apenas degradado. Perder-se-à um importante exemplo de habitação nas grandes cidades. Constituída por duas caixas de escadas centrais ao longo de 14 andares a torre é rodeada por 140 cápsulas individuais de dimensões standardizadas (2,3m x 3,8m x 2,1m)3. Verdadeiras naves espaciais equipadas com todo o tipo de serviços necessários para uma rotina diária – Tv, quarto de banho, fogão de cozinha, frigorífico, gravador de cassetes áudio, etc. Uma aquisição arrojada para os mais radicais habitantes da cidade, especialmente os salarymen. O projeto concebia ainda a possibildade de troca e substituição de cada uma das cápsulas. Faceta nunca realizada visto até à data nenhuma das “naves espaciais” ter sido substituída ou restaurada. O grito pela independência e individualidade não durou muitos anos e o plano de Kurokawa para uma habitação em cápsula não obteve grande adesão na cidade de Tóquio, ainda insuficientemente urbanizada e cujos habitantes preservavam o gosto pela vida nos subúrbios. Por oposição, o metabolismo foi, então, substituído por um retorno à tendência de criação de espaços pensados para o seio familiar4, razão pela qual também se explica a elevada percentagem de casas unifamiliares existentes actualmente em todo o país. Contudo, a própria tradição do cha-no-ma (cerimónia do chá) sofreu, também, as influências da recente sociedade eletrizada dando lugar a uma crescente comunicação de massas por via de redes computorizadas que eliminam, assim, o contacto direto entre os vários membros da sociedade. Os horizontes da comunicabilidade estendem-se, agora, para além do seio familiar, escaparam aos confins da cidade e desenham novas fronteiras espaciais e de identidade para com um lugar indefinido e sem significado. O metabolismo apoderou-se de uma arquitetura abstrata, tecnológica e social, responsável por moldar o dia a dia e hábitos de uma sociedade afogada em novidades e tendências em constante mutação. “In those days I would spend hours looking around my room, around myself, sighing incessantly, clicking my tongue, puffing on cigarette after cigarette, and drinking tea. To put it in the words of a poet, my heart was never at peace in those days.”5

Uno Kôji inicia assim uma exaustiva descrição do pequeno espaço em que vive, frágil e frequentemente atacado pela frenética atividade dos seus vizinhos e da cidade que os rodeia. Será essa a sensação de viver em Tóquio? Para muitos, será até a droga que os mantém ativos e em permanente comunicação com o mundo. A Nakagin Capsule Tower foi, acima de tudo, um importante motor de experimentação arquitetónica que deu hoje aso a inúmeras outras soluções de “como habitar uma grande cidade”. 2

“Metabolism, the City of the Future - A newsreportfromTokyo”, 3 Maio 2011 in http://www.domusweb.it/en/news/metabolism-the-city-of-the-future/

3

Informação obtida em http://en.wikipedia.org/wiki/Nakagin_Capsule_Tower

4  SUZUKI, Akira; “Do Android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, traduzido por J. Keith Vincent, Architectural Association Publications (Londres: 2001), p.25 5  Uno Kôji (1891-1961) foi um novelista japonês reconhecido pela sua sensibilidade e honestidade na descrição da verdadeira vida moderna no Japão. No livro “A Room to Dream” in (1922) transmite-nos uma certa obessão, quase neurótica, pela descrição do pequeno espaço (casa?) em que vive; o detalhe e o sentido autobiogáfico das suas observações tansmitem-nos para o cenário que nos é narrado e “desenhado” ao pormenor, levantando importantes questões de um campo ambíguo do qual as noções de público e privado, inetior e exterior , sempre fizeram parte e dominaram desde cedo a cultura Japonesa. Quanto mais pequeno o espaço em que vivemos, mais intensas serão todas essas sensações. Uno Kôji, “A Room to Dream in”, in SUZUKI, Akira; “Do Android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, traduzido por J. Keith Vincent, Architectural Association Publications (Londres: 2001), p.28

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• ‌Figuras 202-205 Vista interior e exterior; Método e contrução. 9h Capsule Hotel, Quioto

• ‌Figuras 206-209 Pet Architecture, Tóquio

• ‌Figuras 210-211 “Construções espontâneas”; Edifícios construídos por baixo da linha de caminhos de ferro de Tóquio.

• ‌Figura 212 Alçado de uma rua entre os distritos de Asakusa e Akihabara. “Construções espontâneas”; Edifícios construídos por baixo da linha de caminhos de ferro de Tóquio.

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“After the bubble burst, building activities in Japan were substantially reduced in volume, although they did not come to a complete halt. (…) Necessity today often calls for spectacular, and more cost effective – yet still inventive – designs. Economy of use is imperative again, as many times before in Japan, where space has always been a precious commodity. The new economy is manifest first of all in the design of small structures, most of them residences, where architecture is often forced to go back to basics.”6

Os Hóteis Cápsula são hoje uma das maiores atrações de cidades como Tóquio, Osaka e Quioto. Verdadeiras experiências de como viver o dia a dia de um japonês. Centenas de compartimentos com não mais do que 2 metros de comprimento e 1 metro de altura e largura equipados com televisão, cabide e despertador. O essencial para uma estadia de emergência em dias de muito trabalho. Fruto da mais recente tecnologia de design de equipamento, a qual permite múltiplas mutações no interior da habitação, surgem cada vez mais as chamadas one-room mansions. Estes pequenos apartamentos de uma única divisão, em paralelo com as conbini (lojas de conveniência), criaram o ambiente ideal para urbanidades individuais. Hoje sim, “a casa é uma máquina para habitar”. E como nem todas as habitações são obrigatoriamente criadas pela mente e desenho de um arquiteto, também o habitante comum da grande cidade se auto-desafia à construção de alguns dos mais originais modos de habitar. O Atelier Bow Wow, encabeçado pelos arquitetos japoneses Yoshiharu Tsukamoto e Momoyo Kaijima, tem vindo a desenvolver estudos recentes focados numa arquitetura a que designam “Pet Architecture”. “Pet Architecture is an extreme manifestation of the Japanese fascination with smallness and ‘void phobia’, the resolute unwillingness to let any space go unused.”7 “Pets, companion animals of people, are usually small, humorous and charming. We find what we could call “Pet Architecture”, architecture having pet like characteristics, existing in the most unexpected places within the Tokyo city limits. (…) They are small and though they appear, at first glance, to be somewhat cold and distant to the surrounding environment, we can say that this type of architecture adopts the attributes of pet culture and have become pets of the city environment. They are too small, humorous and charming in their own way! (…) Since Pet Architecture has less consideration in its appearance, it shows a sense of willfulness, unexpectedness and hand-made feeling in its structure. It cannot be done objectively but naturally.”8 “I wonder why architects are interested in buildings that do not tell the real story of Tokyo?”9

Ainda num prisma muito semelhante a este tipo de construções “espontâneas” na cidade de Tóquio, existe um outro exemplo, desta vez, com dimensões ligeiramente acrescidas. Sendo uma cidade provida de uma das maiores e mais complexas redes de transportes públicos, a linha de caminhos de ferro de Tóquio, construída sob viadutos intermináveis que se entrelaçam por entre os edifícios públicos e residenciais, foi adotada, por muitos, como a mais simples e gratuita solução de todos os males – a constante falta de espaço. Quase como peças de lego desajeitadas que vão preenchendo vãos e arcos por entre as fortes colunas de suporte dos viadutos, estas construções formam uma das mais originais e características fachadas da 6

BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008), p. 55

7

CULHAM, James; “Made in Tokyo”, Abril 2003 in http://www.metropolismag.com/story/20030401/made-in-tokyo

8

TSUKAMOTO, Yoshiharu; “Pet Architecture Guide Book”, Atelier Bow Wow, Living Spheres Vol. 2, World Photo Press (Tóquio), pág. 9

9

TSUKAMTO, Yoshiharu apud CULHAM, James; “Made in Tokyo”, Abril 2003 in http://www.metropolismag.com/story/20030401/made-in-tokyo

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• ‌Figura 213 Alçado de uma rua entre os distritos de Asakusa e Sumida. “Construções espontâneas”; Edifícios construídos por baixo da linha de caminhos de ferro de Tóquio.

• ‌Figuras 214-216 Edifícios construídos por baixo da linha de caminhos de ferro de Tóquio.

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arquitetura japonesa. A fobia pelo vazio, ou a void phobia, aliada à engenhosa capacidade construtiva destes comuns artesãos japoneses mostra-se, assim, no seu estado mais puro. “Um caos positivo” como há alguns capítulos atrás lhe chamava. Gosto de pensar em formas espontâneas de habitar. Durante o verão, costumo frequentar um festival de verão do norte do país – Paredes de Coura. Este ano, acampámos durante uma semana inteira, queríamos garantir a escolha de um bom local para “vivermos”. É relativamente importante distinguir-se que acampar num festival de verão é em tudo, ou quase tudo, diferente de umas típicas férias de família em roulottes e tendas gigantes pelos parques de campismo existentes por este país fora. Em Paredes de Coura, tal como noutros festivais de verão, a situação é em tudo semelhante a uma cidade asiática sobrelotada, mas sem asiáticos. O terreno é quase 100% natural, cabendo-nos a nós a tarefa de nos adaptarmos da melhor forma à sua topografia e, assim, retirar aquilo que de melhor a “cidade” tem para nos oferecer. Um rio, um vale, campos, árvores e muito pó. Chegados ao local, cada “família” escolhe o melhor lugar para construir o seu bairro. Tendas dispostas em círculo ou meio círculo, estendais, pequenas cozinhas e salas de jantar/estar improvisadas. Aqueles mais próximo da “estrada” têm alguma vantagem – sempre podem ver quem passa e socializar um pouco mais que outros. No entanto, a batalha com o pó é sem dúvida mais dificultada. Já os mais “ricos”, esses escolhem as margens do rio, constroem o seu cais privado onde guardam o seu “bote” de luxo – acesso privilegiado à praia fluvial – e onde podem também usufruir da refrigeração direta de bebidas e alimentos sem que corram o risco de serem assaltados. A “cidade” é dominada pela hierarquia das famílias. Os painéis identitários de alguns bairros, uns maiores que outros, indicam-nos aqueles que mais ruído poderão produzir durante a noite. É importante resguardarmo-nos se quisermos manter o nosso abençoado sono em dia. Existem ainda alguns estabelecimentos, mercearias de estupefacientes, chamemo-lhes assim, que pontuam as “ruas” da “cidade” com os seus spots publicitários – “vende-se” seja o que for. Este ano optámos por um lugar à sombra, a dormida até à hora do almoço estava, assim, garantida. Conseguimos, também, bastante proximidade com um poste de luz artificial o que nos garantiu alguma segurança e consequente poupança de pilhas. O grande desafio seria mesmo o pó. Nada que não se resolvesse com uma simples barreira vertical, uma espécie de quintal ou varanda privilegiada sobre a “rua”. Tal como os japoneses, os sapatos ficavam à porta. Bairros, ruas e vielas improvisados ao longo de um espaço que não chega para todos e nos priva, assim, de grandes luchos, são produto daquilo a que chamamos cidade. Habitar e ocupar constroém cidades. Todos estão ali para o mesmo, ainda que denfendam com unhas e dentes o seu próprio território, o verdadeiro espírito de entreajuda prevalece e cada um dos meus vizinhos não tardará a vir em meu auxílio. “No lugar onde está [estamos] existe uma frente e um tardoz, existe uma esquerda e uma direita, existe proximidade e distância, um interior e um exterior, existem formas de focagem, de concentração ou de arranjo da paisagem. Forma-se um espaço envolvente.”10

Fazer cidade também é isto. É habitar espontaneamente, sem planos ou arquitectos, cada um pro si e à sua própria maneira. Satisfazer as necessidades básicas e solucionar os problemas mais oportunos do dia-a-dia. Acampar num festival de verão é, para mim, a forma mais próxima do verdadeiro sentido de habitar, aquele que há mais tempo existe e, portanto, talvez o único realmente original. 10

ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009)

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< APARTAMENTO

• ‌Figuras 217-218 “Room Like”, gl /Sasaki yusuke + Sekiguchi satomi, Sapporo

• ‌Figuras 219-220 “Switch”, Yuko Shibata, Tóquio

< HABITAÇÃO UNIFAMILIAR •ÁRVORE

• ‌Figuras 221-223 “On the Cherry Blossom”, Architect Label Xain, Tóquio

• ‌Figuras 224-225 “Roof House”, Tezuka Architects, Tóquio (2009)

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Retomando a teoria da arquitetura, aquela pensada e desenvolvida por aqueles que a estudam e praticam, os japoneses são verdadeiras máquinas criativas, capazes de tomar como o exemplo a mais estranha das referências. Desse mesmo modo, quando passeando por cidades japonesas ou por revistas e sites de arquitetura, é-nos possível assistir a uma infinita diversidade de desenhos de casas. Desde a casa jardim, à casa caixa, passando pela casa em torre ou a casa árvore. Existe ainda a casa desenhada à imagem da cidade e a casa desenhada como um espaço contínuo, centralizado ou distribuído como os braços de um polvo. Todas elas se diferenciam no modo como intercalam e ordenam os seus espaços, cada uma das suas funções mais ou menos definidas. Seja um espaço contínuo ou um espaço quebrado com pontos de ligação, é um espaço. Cada vez mais a casa se torna um espaço, onde a ambiguidade é a qualidade que enriquece a experiência de viver esse espaço, de o descrobrir, aprender e explorar. Seja uma casa com circulação vertical, seja uma casa feita de várias casas, seja um labirinto ou uma caixa; estas casas desafiam os nossos sentidos, mantêm-nos ativos e com vontade de querer sempre mais. Também nós criamos o espaço que vivemos, também nós o recriamos. E para tudo isso é necessário movimento, o recurso natural indispensável ao ser humano. Portanto, uma imensa panóplia de invenções que tornam o ato de habitar uma espécie de brincadeira de crianças, que nos estimula e nos alimenta, mantendo-nos vivos e ativos nesta vasta rede de informação que é a sociedade atual, a selva urbana. Não me querendo alongar com descrições pouco mais úteis que as próprias imagens de cada um dos exemplos acima nomeados, passo para o último exemplo deste capítulo. Como não podería deixar de ser, a habitação social toma, hoje, um papel importantíssimo à escala mundial. Fonte de soluções e economias que permitem abrigar grandes números de famílias num mesmo edifício. Aqui, mais do que em qualquer um dos anteriores casos de habitação, o jogo de formas e funções é levado a um nível de complexidade ao qual também é exigido todo o tipo de qualidades e mordomias de uma habitação unifamiliar. Pode até parecer impossível, mas os arquitetos japoneses são hábeis pensadores do espaço. Questões como a luz, a privacidade, o acesso ou a oferta de um espaço exterior individual, não são, de todo, impossíveis, apesar da elevada densidade populacional das cidades japonesas. É certo que, muitos destes edifícios, serão preferencialmente construídos nos subúrbios das cidades mas, como em todo o Japão, subúrbio não significa propriamente abundância de espaço. Exemplos como Moriyama House ou Tokyo Apartments ilustram uma categoria inferior, em tamanho e número de habitações, instalada no verdadeiro centro da cidade. Edificações em altura ou quarteirões fechados por uma rede de espaços que concilia ao mesmo tempo espaço público e privado, interior e exterior. É ainda importante referir um outro exemplo de arquitetura japonesa, não desenhada por um japonês. O edifício de habitação social Void Space, construído entre 1989 e 1991em Fukuoka, do arquiteto americano Steven Holl (arquiteto com uma vasta obra em países asiáticos), faz bom uso dos vários pátios comunitários que intercalam os cinco braços deste edifício em pente. No entanto, e aqui perceber-se-à a diferença, o uso de janelas de pequeníssimas dimensões e o denso betão armado das fachadas, transmite-nos a imagem de uma construção pesada, bruta e escura, que não é, de todo, característica da arquitetura japonesa. A sua aparência fechada é contrária a todos os outros exemplos de habitações japonesas, abertas para o exterior e de sistemas estruturais verdadeiramente elegantes. Talvez, por tudo isto e muitas outras dezenas de exemplos que ficam por mostrar, considero o Japão uma espécie de laboratório experimental de Arquitetura Residencial. Será certamente, um forte motor de desenvolvimento que influenciará a noção de habitar à escala mundial. Acredito que, um dia, até as tribos mais remotas do interior da mais densa floresta, sofrerão o mesmo tipo de evoluções e, nesse dia, parte dos conhecimentos adquiridos a partir destas experiências arquitetónicas japonesas prevalecerão

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<HABITAÇÃO UNIFAMILIAR> •ÁRVORE

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• ‌Figuras 226-230 Vista interior e extreior; Corte Transversal. “Final Wooden House”, Sou Fujimoto, Kumamoto (2008)

M INIMAL • ‌Figuras 237-238• Vista interior e extreior; “Ghost”, DATAR, Tóquio (2006)

‌Figuras 239-240• “Naked House”, Shigeru Ban, Kawagoe (2001)

• ‌Figuras 231-236 “House in Fukawa”, Suppose Design Office, Hiroshima (2010)

‌Figuras 241-243• “Reflection of Mineral”, Yasuhiro Yamashita (Atelier Tekuto), Tóquio (2006)

‌Figuras 244-246• “House in Seya”, Suppose Design Office, Kanagawa (2011)

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• ‌Figuras 247-252

Caderno 2 | Casas dos Japoneses de Hoje

“House OM”, Sou Fujimoto, Yokohama

‌Figuras 262-265• “House of Trough”, Jun Igarashi, Hokkaido (2008)

< HABITAÇÃO UNIFAMILIAR> •CIRCULAÇÃO/

COMUNICAÇÃO E SPAÇO

CENTRAL •

• ‌Figuras 253-255 “House O”, Jun Igarashi Architects, Hokkaido

‌Figuras 266-269• “House K”, Yoshichika Takagi, Sapporo, Hokkaido

• ‌Figuras 256-258 “House in Buzen”, Suppose Design Office, Fukuoka (2009)

“House H”, Sou Fujimoto, Tóquio (2007) “What we got were rooms that are somehow not rooms. Making the openings as lerge as possible allowed us to create a house that feels less limited than conventional residence. (...) Compare the house to a tree. The many small stepped floors symbolizze the branches. The image of a big tree is like the image of a family, as both share common roots. (...) Family members can sense the presence of one another throughout the entire space. On the other had, each branch contains unique spaces that allow for privacy. “, Sou Fujimoto in Mark nº 23, Dez/ Jan 2010

• ‌Figuras 259-261

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< H ABITAÇÃO UNIFAMILIAR>

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•JARDIM • ‌Figuras 270-271 “Nest”, UID Architects, Onomichi-city, Hiroshima (2010)

TORRE • ‌Figuras 277-279• “House in Gotanda”, Go Hasegawa, Tokyo (2006) “Between the two wings is 1.2m-wide space. Placing a glass roof over this narrow space, I created a combined entry hall and stairwell. At the front of the hall, near the road, I established a tall entry door about ten meters high, the same height as the building. On fine days, this tall door can be left open to make the hall a space of light and circulating breezes.” Go Hasegawa in www. newitalianblood.com

• ‌Figuras 272-276 “Montblanc House”, Studio Velocity, Okazaki (2009)

H ABITAÇÃO

COLECTIVA> P EQUENA

ESCALA •

‌Figuras 280-286• “Yokohama Apartment”, ON Design Partners, Kanagawa “Translucent PVC curtains can be drawn at each of the four entrances to the courtyard, temporarily enclosing the space and providing a degree of privacy.” in www.designboom.com, Julho 2011

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• ‌Figuras 287-295

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“Tokyo Apartment”, Sou Fujimoto, Tokyo (2009) “And by the act which rises and gets down the mountain, mountain = the whole city will be experienced as its own house. This collective housing is the miniature of Tokyo.” Sou Fujimoto in www.dezeen.com

<HABITAÇÃO

COLECTIVA>

PEQUENA ESCALA • ‌Figuras 296-309• “Moriyama Houses”, Office of Ryue Nishizawa, Tokyo, 2005 “Diversity is one of the most important things for me to think about today. (...) [In Moriyama House] having different volumes is nice because they don’t have to be the same. (...) Now the combination of the form, the program, and the way the community uses the house brings back to me the feeling of Tokyo. I feel Tokyo has so many different things. (...) A house is not a volume in Moriyama House.” Ryue Nishizawa in “Some Ideas on living in London and Tokyo, CCA, Lars Muller Publishers (Montrel: 2008)

“Buildings in Tokyo are getting more and more enclosed. They don’t believe in the outside, so they try to do everything inside. (...) In Moriyama we created something different. (...) Moriyama House looks super transparente.” Ryue Nishizawa in “Houses: Kazuyo Sejima+Ryue Nishizawa”, ACTAR, MUSAC (León: 2007), p.17

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• ‌Figuras 310-321

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“Static Quarry”, Ikimono Architects, Gunma, Tokyo (2011) “Daily life of the residents goes back and forth between the interior spaces and the relatively large openair ‘cavities’. The architect provided the outdoor rooms with running water and electricity and tenants are invited to tailor these spaces as private living rooms.” in “Letter from Japan”, www. wallpaper.com, 30 Agosto 2011

na adaptação do homem às mudanças do seu habitat, economia, cultura e sociedade.

‌Figuras 322-324• “Gifu Kitagata Apartments”, Kazuyo Sejima & Associates, Gifu (1994-2000) “This is the common corridor of the traditional Japanese housing. They were along the outside edge, so the elevation looks something like this, with sliding doors. I think this boundary is very soft, but it never exposes the privacy of what is going on insisde. So i think that this idea is a little connected to our project.” Kazuyo Seijma in “El Croquis 99”

“[Sejima’s planning] simply suggests that there is nothing inevitable about the future of the nuclear family.” Akira Suzuki in “Do android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, AA Publications (Londres: 2001), p.43

‌Figuras 325-326• “Nerima Apartment”, Go Hasegawa, Tóquio (2010)

<HABITAÇÃO

COLECTIVA > •GRANDE ESCALA ‌Figuras 327-329• “Yotsuya Tenera”, Key Operations Inc., Shinjuku-ku, Tóquio (2010)

‌Figuras 330-331• “Void Space”, Steven Holl, Fukuoka (1989-1991)

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• ‌Figura 332 Máscara de protecção facial, Tóquio, 2010

• ‌Figura 333 Vénia, cumprimento japonês.

• ‌Figuras 334-335 “Oishibori”

• ‌Figuras 336-337 “Kotatsu” e “Cha-noma”

• ‌Figuras 338-339 Comida de plástico nas vitrines dos restaurantes japoneses.

• ‌Figura 340 Passageiros do metro a serem empurrados para dentro da carruagem. Existem funcionários especificamente contratados para esta tarefa.

• ‌Figura 341 Garagem de autóveis com elevador e plataforma giratória.

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Capítulo 8 | Coisas que Ficam por Contar

COISAS QUE FICAM POR CONTAR Sinto que a minha grande dificuldade se terá prendido à forçada tentativa de contar um mundo inteiro nestas poucas dezenas de páginas. Tenho uma estranha sensação de que muito ficou por contar e muito ficou por viver também durante esta viagem. Acima de tudo, guardo ainda milhares de curiosidades que são próprias deste país e desta cultura e que assim lhe conferem esse carácter fantasmagórico, quase surreal, tão próprio do Japão.

Aproveito só mais algumas linhas que ainda me restam para contar algumas (poucas) curtas curiosidades da vida no Japão: Durante largas horas de pesquisa e ‘viagem’, chamemos-lhe assim, pela internet em busca de mais informação sobre o que vi e vivi naquele país, descobri que existe uma linha de apoio ativa 24 horas por dia 7 dias por semana apenas para acudir pequenos acidentes causados pelo tradicional cumprimento japonês, a vénia. Suponho que alguns descuidados, quiçá apressados, não calculem a distância correta necessária para um bom cumprimento em segurança. Choques acontecem. Se por cá é considerado falta de educação arrotar e fazer barulho durante a refeição, no Japão o mesmo é tomado como um agradecimento e sinal de satisfação, o que deixa qualquer cozinheiro bastante satisfeito. Assoar o nariz em público é um ponto bastante negativo. As bactérias e outras impurezas poderão afetar os restantes cidadãos e nenhum japonês jamais quererá prejudicar quem o rodeiam. Se muitos deles usam máscaras faciais, não é porque vivem num país poluído, muito menos por medo de doenças contagiosas como a gripe das aves. Se algum japonês se passeia pela rua com uma máscara (existem já algumas desenhadas por artistas e designers, verdadeiros ícones da moda) é apenas porque está adoentado e tenta, assim, evitar o contágio de outras pessoas no metro, restaurantes, escritório ou outro qualquer lugar congestionado. E pensávamos nós, ocidentais, que seria uma mera obsessão pelo próprio umbigo. O egocentrismo é algo muito raro nesta cultura. Sempre que frequentamos algum restaurante somos brindados com uma toalha húmida enrolada e ainda quente. São os chamados oshibori, armazenados em fornos próprios para que possamos limpar as nossas mãos confortavelmente e assim disfrutar melhor da refeição. A bebida mais famosa de todo o país, oferecida também gratuitamente em qualquer café, restaurante ou snak-bar, é o mugicha, uma mistura de água e café, um pouco a exemplo do sabor do chá, que é servida fresca no verão e aquecida no inverno. A exemplo de todas as outras inúmeras preocupações de saúde, também o mugicha é considerado favorável na eliminação de toxinas e prevenção de doenças vasculares. Também o café tem outra particularidade bastante engraçada no Japão. Pensávamos nós que nada mais poderia ser inventado no que toca à matéria do açúcar, mas neste país o açúcar é empacotado em pequeníssimas embalagens e diluído em água. Porquê? Não que no momento todos nos tivéssemos lembrado da resposta, mas a razão é precisamente pela sua eficácia de absorção em bebidas frias! Como sempre, o ‘desenrasque’ japonês a dar cartas da sua inteligente perspicácia. A antiga cerimónia do chá, o cha-no-ma, era realizada em redor de uma mesa baixa onde a família e convidados se sentavam em redor colocando os seus joelhos próximo de uma manta que cobria a dita mesa. Kotatsu é o nome dado a este tipo de mesas de chá cobertas por uma manta e com um sistema de

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• ‌Figura 342 Bomba de gasolina, Tóquio

• ‌Figuras 343-348 “Love Hotel” Frames do filme “Map of the Sounds of Tokyo” (2009)

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Capítulo 8 | Coisas que Ficam por Contar

aquecimento por baixo do tampo. Formas eficazes de aquecimento que remontam até ao séc. XIV e são ainda hoje muito populares. Também os japoneses possuem uma unidade de medida tradicional, à semelhança do módulor de Corbusier mas desta vez muito mais antigo e popular. O tatami é o piso tradicional japonês feito de palha de arroz prensada revestida com esteira de junco e faixa preta lateral1. A sua medida base é a de um retângulo de 90 por 180 cm e serviu durante muitos anos como módulo base para a construção das casas tradicionais. Tal vantagem permitia a qualquer chefe de família construir a sua própria casa sem que para isso necessitasse de conhecimentos avançados sobre arquitetura. Educação é com os japoneses. Itadakimasu é a expressão usada como o nosso ‘bom apetite’, mas que em japonês significa ‘eu humildemente recebo’. Quase todos os restaurantes estão equipados com uma vitrina onde são dispostas réplicas de plástico cuidadosamente criadas à imagem de cada um dos pratos incluídos na ementa do estabelecimento. Estes pratos de plástico, tal como as famosas e brilhantes facas de cerâmica japonesas, podem ser encontrados no bairro de Asakusa, em Tóquio, e são criados a partir de comida verdadeira que é moldada em gelatina e posteriormente construída e pintada em cera. Não digo que o aspeto seja o mais atraente, pendendo ligeiramente para um brilho excessivo, mas de facto ajuda no ato de escolha. Existem estádios do tamanho de um estádio de futebol mas que se dedicam apenas ao golf.2 Existem corredores em forma de círculo com vários andares e centenas de cabines. Nem quero pensar nos milhões de bolas de golf que ali não existirão. Ao centro, um único buraco com uma única bandeira. Todos atiram ao mesmo mas são raríssimos aqueles que realmente acertam. Suponho que seja apenas uma forma de descarregar toda a pressão diária da vida no Japão. Se há coisa em que os japoneses são verdadeiros mestres é na criação de soluções para a constante falta de espaço. Assim sendo, as garagens de parqueamento de carros passaram a realizar-se em edifícios, torres estreitas e bem altas. Um elevador, quase que por magia, retira o carro desejado da “gaveta” e entrega-o junto ao portão. Para economia de espaço, existe uma plataforma circular giratória que vira o dito veículo de frente para a estrada. As próprias bombas de gasolina são plataformas totalmente livres cobertas por uma estrutura de onde caem as mangueiras de abastecimento. Nada como evitar o desnecessário desperdício de espaço.

Love Hotel. Segundo o aclamado vídeo animado “Japan - The Strange Country” (integrado na tese final de um estudante Japonês, de seu nome Kenichi), existem cerca de 30 000 love hotels em todo o Japão. Cada hotel está equipado com dezenas de quartos alusivos a temas específicos e diferenciados, produto de uma imensa capacidade criativa dos japoneses no que toca a este tema, o sexo. Talvez por ser ainda considerado tabú é, muitas vezes, associado a uma obsessão ou uma simples fuga à realidade. Do mesmo modo, cada um dos muitos quartos dos 30 000 love hotels do país retratam tantos outros milhares de temas, desde a carruagem de metro em Paris, ao oceano, à cozinha, à floresta, à discoteca...

Já Wim Wenders dizia “onde estou é o centro do mundo”. A bola vermelha na bandeira nacional do Japão significa isso mesmo. O mundo existe todo ali, fantasias ou realidades. Tudo acontece no Japão.

1

http://en.wikipedia.org/wiki/Tatami

2

“Tokyo Ga”, Wim Wenders, 1985

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• ‌Figura 349 SANAA, Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, Casa da Música, Porto, Setembro 2011

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Anexo | SANAA

SANAA KAZUYO SEJIMA + RYUE NISHIZAWA Casa da Música, Porto, Setembro 2011

Aquando do evento “Mesa Talks”, realizado na Casa da Música nos dias 19 e 20 de Setembro de 2011, tive a fantástica oportunidade de conhecer os Pritzkers Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa (SANAA). Exaustos de uma longa viagem e muitos outros compromissos que, acredito, terão tido, era notável o cansaço com que nos descreviam cada um dos projetos apresentados durante a conferência. Apesar de tudo, e da extrema preocupação e cuidado com que foram recebidos, tratados e orientados durante a sua estadia, mostraram-se surpreendentemente disponíveis para me dispensarem uns escassos, mas incrivelmente valiosos, cinco minutos. Tal como toda a gente, também eu tenho os meus ídolos e, conhecê-los, valeu muito mais do que uma longa, profissional e adequada entrevista que me foi impossível cumprir. O contexto da mini entrevista tinha já sido previamente esclarecido e o importante era não perder tempo. “As Japanese Architecture is now more than ever before (i think) focus on housing, and as crucial thoughters and creators on this subject as you are, i would like to ask you a couple questions that will summarize and conclude my dissertation in the most honest and truest way possible. How would you describe/define a real japanese house? As it is based on a completely different culture from Europe or America. Nishizawa: There are many different contrasts there, i think. For instance, the most important thing in western architecture is the wall. The wall, i think. But in the japanese traditional architecture they appreciate the frame, column and beam. It’s very different. We have no walls, basically. And what would you say about interior organization of space and functions? Nishizawa: There’s no real concept about the interior in japanese architecture, i think. Everything is the same. Since we have four seasons and we have very wet climate, japanese people appreciate to open up the house to keep conected to the world. So you [ocidental people] create architecture to disconect the interior from the outside but we [japanese people] create architecture to keep conected. If you enclose the interior a lot you die. (laughs) How do you see the future of japanese houses and how do you think it might influence the future of European and American Houses? This focused on dwelling in big cities. Do you think it will develope to bigger structures of social housing or, in contrast, it will get smaller like the capsule concept? Sejima: I don’t think that future houses will get smaller and smaller. Anyway, it is impossible at some point. There’s always a limit. But i also think that sometimes we see the city as a very disturbing thing of the private life. And if city and house come a little closer at some point we can feel an interaction. Some small distance may sometimes disturb your privacy but if it comes just enough closer to the house... Something like that and it is already happening. You understand? Yes, i can see it from the way Tokyo was built, with the gaps. It is like a transparent wall that protects life in privacy. Sejima: Maybe it is not so general and it depends on the situation but sometimes we add a wall and other times we use glass. Or a garden, like in Ryue’s “Garden and House” project. Sejima: Yes. Nishizawa: Hum. I think there will be a few people who will be influenced. Anyway, i’m not sure how because there is so many different kind of people living in Europe, and some of them even from America. But some will pick these influences. Some students waving at the street. They salute them.”

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• ‌Figura 350 Fotografia de grupo Parque Yoyogi, Tóquio Abril 2010


CONSIDERAÇÕES FINAIS Hoje vive-se rápido, e nem sempre com a segurança necessária. Somos diariamente assaltados por novos desafios, obstáculos que nos colocam à prova sob as mais diversas formas. A política, a ecónomia, a sociologia, a ciência e a antropologia parecem todas ter chegado a um limite capaz de nos colocar numa posição de permanente instabilidade. O ser humano parece nunca estar satisfeito. Responsável pela total alienação do próprio lugar onde vive, procura cada vez mais os grandes centros urbanos, esses fundos poços de “petróleo”, os únicos capazes de o alimentar. Atualmente, cerca de 1/3 da população mundial vive nas grandes cidades e esse número tenderá sempre a subir. Se “tempo é dinheiro”, como costumamos dizer, tenderemos sempre a encurtar as nossas distâncias, trabalhar mais horas e encontrar cada vez mais alternativas para enriquecer. Serão conquistas das mais variadas matérias, seja informação, conhecimento, tecnologia... no fundo, tudo o que nos mantenha ativos e atualizados. Interessa-nos, portanto, aprender com aqueles que vivem diariamente em situações extremas, nos locais mais prósperos, caóticos e em constante mutação. A Ásia, será sem dúvida um dos continentes que mais pontos recebe nesta categoria. É dotada de países incrivelmente diligentes e em constante crescimento. Através da oportunidade de visitar um desses países, o Japão, pude sentir na pele o que significa viver nessas grandes cidades e acompanhar a dada sociedade alienada que as motoriza. Interessa-nos, igualmente, entender quais as novas alternativas e soluções do modo de habitar nas grandes cidades. Propostas e experiências funcionais, espaciais e sociais que moldam a vida de quem a habita e permitem a correção de problemas cada vez mais abrangentes e atuais, como a falta de espaço para habitar. Será sempre essa a raíz de todos os problemas, a necessidade que temos de nos identificar com um espaço, “o nosso abrigo”. Elegendo o Japão como matéria prima desta dissertação, tornou-se essencial perceber o que realmente define a sua cultura e sociedade. No fundo, todas as circunstâncias responsáveis pela manutenção e criação da atual mentalidade do povo japonês. Foi igualmente importante conhecer os moldes em que a cidade japonesa se gere diariamente. As regras, os ideais, os problemas e as motivações que a fazem crescer e ser progressivamente recriada e povoada. Compreender os testemunhos e ideais de arquitetos japoneses, criados e ensinados no seio dessa mesma sociedade. Por defeito, conhecer as suas criações, propostas e experiências arquitectónicas. As casas japonesas, cada uma das aqui referênciadas, fisicamente não as vi, não as toquei, não as senti, mas aquilo de que são feitas, as pessoas, a cultura, as intenções e hábitos culturais desse país, isso esteve bem perto de mim e pude senti-lo, guardar e recordar. Esta matéria abstrata que constrói as casas do Japão está presente em todo o tipo de espaço destinado a um ou outro propósito, interior ou exterior, público ou privado. A mentalidade, a espiritualidade e as intenções são as mesmas e estão presentes por toda a cidade. Minhas ou não, fazem parte das casas que me habitam, que permanecerão no meu pensamento e modo de ver e pensar a arquitecura ao longo do meu trabalho. Fazem, por isso, parte de um conjunto de experiências reais e imaginadas que constróem aquilo que sou como arquiteca.

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Devemos, portanto, observar com atenção, aprender e entender as experiências espaciais da arquitetura japonesa. Acima de tudo, devemos ser corajosos e maleáveis aos próprios desafios que criamos como um todo que é a sociedade. Essa qualidade é-nos intrínseca, identificar-nos-emos sempre com um grupo. Torna-se cada vez mais urgente pensar em novos modos de habitar. Por outro lado, as grandes cidades carecem de uma escala humana, capaz de equilibrar numa mesma balança o respeito pelo habitante e a matéria abstrata que o alimenta. Se hoje parecem estar na moda as doenças do foro psicológico, grande parte delas aparentemente provocadas pelo stress citadino, imagino, então, como será daqui a algumas dezenas de anos. “Do android crows fly over the skies of an electronic Tokyo?”1 Somos como pássaros, movimentamo-nos em bandos que se adaptam à geografia e aos obstáculos do percurso. Seguimos um mesmo objetivo por rotas individuais, muito próximas, por entre o caos e o cosmos, explorando esta rede invisível de informação e comunicação. Será esta a nossa condição, o nosso desafio como habitantes de uma casa, própria, que faz parte de um mundo em alienação.

“Kublai pergunta a Marco: - Quando tornares ao Poente, repetirás à tua gente as mesma histórias que me contas a mim? - Eu falo falo – diz Marco, - mas quem me ouve só fixa as pérolas que deseja. Outra é a descrição do mundo a que dás benignos ouvidos, outra a que correrá os grupos dos estivadores e gondoleiros nos canais da minha cidade no dia do meu regresso, e outra ainda a que poderei ditar em tardia idade, se fosse prisioneiro pelos piratas genoveses e posto a ferros na mesma cela com um escrivão de romances de aventuras. Quem comanda o conto não é a voz: é o ouvido.”2

Do mesmo modo, tudo o que aqui citei e declarei poderá ter um outro qualquer significado dado por cada um de vós. Quem sabe se daqui a dois anos apenas, uma nova visita aos mesmos lugares, não resultaria num testemunho completamente transformado. O plano de viagem podia até ser o mesmo, é certo, mas tudo o resto seria visto, sentido e interpretado de uma outra forma; a cabeça é outra e, consequentemente, a experiência também. É realmente incrível a capacidade que temos para nos reinventar. “Acabar Uma palavra imprecisa, uma espécie de erro de tradução, a substituir pela palavra começar.”3

Este será um novo começo.

1  Título do livro de Akira Suzuki, “Do Android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, traduzido por J. Keith Vincent, Architectural Association Publications (Londres: 2001) 2

CALVINO, Italo; “As Cidades Invisíveis”, “Estórias”, Editorial Teorema, 6ª Edição (Lisboa: 2003), p. 139

3

SIZA, Álvaro, “01 Textos, Álvaro Siza”, Civilização Editora (Porto:2009), p. 366

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOGNAR, Botond; “Beyond the Bubble, The New Japanese Architecture”, PHAIDON, (Londres: 2008) BROWN, Azby, “The Very Small Home: Japanese Ideas for Living”, Kodansha International (Tóquio:2005) CALVINO, Italo; “As Cidades Invisíveis”, Editorial Teorema, 6ª Edição (Lisboa: 2003), CUECO, Jorge Torres, “Casa por Casa – reflexiones sobre el habitar”, Jorge Torres Cueco (Valência: 2009) FUJIMOTO, Sou; “Primitive Future”, INAX Publishing (Tóquio: 2008) JODIDIO, Philip; “JP Architecture in Japan”, Taschen, 2006 KLEIN, Astrid; “Kleín Dytham Architecture - Tokyo Calling”, Frame Birkhäuser (Basel: 2001) LAHUERTA, Juan José,“Japonecedades”, Mudito & Co. (Barcelona: 2004) MONTEYS, Xavier; FUERTES, Pere Fuertes; “Casa Collage: Un ensayo sobre la arquitectura de la casa”, Editorial Gustavo Gili (Barcelona: 2001) NITSCHKE, Gunther; “From Shinto to Ando - Studies in Architectural Anthropology in Japan”, Academy Editions, Ernst & Sohn (Lomdres: 1993) OZAKI, Ritsuko; “Housing as a Reflection of Culture: Privatised Living and Privacy in England and Japan”, Housing Studies, Vol. 17, No. 2, 209-227, 2002 OZAKI, Ritsuko; “Society and Housing Form: Home-Centredness in England vs. Family-Centredness in Japan”, Journal of History Sociology Vol. 4 No. 3, Setembro 2001 OZAKI, Ritsuko; “Boundaries and the meaning of social space: A study of Japanese house”, texto cedido pela autora SANAA, “Houses”, Kazuyo Sejima + Ryue Nshizawa, SANAA, ACTAR, MUSAC (León:2007), p.172 SIZA, Álvaro, “01 Textos, Álvaro Siza”, Civilização Editora (Porto:2009) SUZUKI, Akira; “Do Android Crows Fly Over the Skies of an Electronic Tokyo?”, traduzido por J. Keith Vincent, Architectural Association Publications (Londres: 2001) TSUKAMOTO, Yoshiharu; “Pet Architecture Guide Book”, Atelier Bow Wow, Living Spheres Vol. 2, World Photo Press (Tóquio) ZUMTHOR, Peter (2006); “Pensar a Arquitectura”, tradução de Astrid Grabow, Editorial Gustavo Gili, SL, segunda edição ampliada (Barcelona: 2009)

CONSULTA DE PERIÓDICOS Revista Trama número 1 - Memória” (Porto: Junho 2010) L’Architecture d’Aujourd’Hui 338 Japon, Janeiro-Fevereiro 2002 “Arquitectura ibérica #16 Habitar”, Caleidoscópio:Edições e Artes Gráficas, SA (Madrid: Setembro 2006) “JA The Japan Architect 73”, Spring 2009, Tóquio Mark nº 29, Dez/Jan 2010 Mark nº21, Ago/Set 2009 2G Toyo Ito Nº2, 1997/II, Editorial Gustavo Gili, Barcelona El Croquis 99: Kazuyo Sejima + Ryue Nishizawa 1995-2000

REFERÊNCIAS ELECTRÓNICAS http://www.amazon.com/Tokyo-Certain-Style-Kyoichi-Tsuzuki/dp/0811824233 http://www.airoots.org/interview-with-kazuyo-sejima-ryue-nishizawa-sanaa-tokyo-august-8-2007/ http://www.archdaily.com http://www.architizer.com http://www.archilab.org/public/2006/pdf/cp_archilab06_en.pdf http://archinect.com/features/article/56468/atelier-bow-wow-tokyo-anatomy http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=55 http://www.artinasia.com/galleryDetail.php?catID=5&galleryID=88&view=7&eventID=10812 http://www.art-it.asia/u/admin_ed_feature_e/vY0PpsjM8HmeNIWflwnd

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65 - Frames do filme “Mont Oncle” de Jacques Tatti, 1958 67 - http://www.panoramio.com/photo/32684921 68 - http://www.flickr.com/photos/mrfuller/ 69 - http://www.flickr.com/photos/homemade_london/ 70 - http://www.panoramio.com/photo/32512852 71 - http://www.flickr.com/photos/strevs/ 72 - http://www.asianoffbeat.com/ 73 a 84 - Frames do filme “Tokyo!”, segmento “Shaking Tokyo” de Joon-ho Bong, 2008 85 - http://hello.eboy.com/eboy/ 86 - Fotografia da minha autoria 87 - © Phillip Evans 88 e 89 - Frames do filme “Solaris” de Steven Soderbergh, 1972 90 a 92 - Frames do filme “Tokyo!”, segmento “Interior Design” de Michel Gondry, 2008 93 - http://www.tokyo.parallellt.se/2009/04/ginza-fran-ovan.html 94 - http://www.panoramio.com/photo/24917864 95 a 104 - Frames do filme “Map of the Sounds of Tokyo” de Isabel Coixet, 2009 105 - Fotografia da minha autoria. 106 - http://www.panoramio.com/photo/32239871 107 e 108 - Fotografias da minha autoria. 109 - www.panoramio.com 110 a 112 - Frames do filme “Lost in Translation” de Sofia Coppola, 2003 113 - Frame do filme “Tóquio!”, segmento “Shaking Tokyo” de Joon-ho Bong, 2008 114 a 145 - Fotografias da minha autoria 146 - ©Rob Sheridan http://www.behance.net/rob_sheridan 147 e 148 - imagens aéreas de Tóquio retiradas de www.maps.google.pt 149 - Fotografia da minha autoria 150 - © Tata Vislevskaya http://www.behance.net/tatavislevskaya 151 - Fotografia da minha autoria 152 - http://www.trip35.net/folio/P10/ 153 - http://www.panoramio.com/photo/40684480 154 - http://www.panoramio.com/photo/29774319 155 e 156- ©Ken Ohyama http://www.flickr.com/photos/20013727@N02/ 157 e 157.1 - www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/0707.082/266 158 - http://www.flickr.com/photos/desingel/ 159 - http://chungwoo.egloos.com 160 - http://artobserved.com/ (editada) 161 - http://www.flickr.com/photos/imprintlab/ (editada) 162 - http://www.flickr.com/photos/KD_ilynam/ (editada) 163 - http://www.architecturenewsplus.com/profiles/486 (editada) 164 - http://backnumber.japan-architect.co.jp/english/2maga/ja/ja0070/profile3.html (editada) 166 - Fotografia da minha autoria 167 - ©Iwan Baan http://www.iwan.com/photo_index.php?category=photography 168 a 171 - ©Iwan Baan http://www.iwan.com/photo_index.php?category=photography 172 a 179 - © Koji Fujii/Nacasa&Pertners Inc. http://www.dezeen.com/2011/03/31/inside-out-by-takeshi-hosaka-architects/ 180 e 181 - Frames do filme “Map of the Sounds of Tokyo” de Isabel Coixet, 2009

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330 e 331 - http://www.stevenholl.com/project-detail.php?type=&id=36 332 - Fotografia da minha autoria 333 - http://www.flickr.com/photos/36560798@N02/ 334 - http://www.flickr.com/photos/camemberu/ 335 - http://www.flickr.com/photos/kyoto-photo/ 336 - http://www.flickr.com/photos/dejahthoris/ 337 - http://www.flickr.com/photos/troutfactory/ 338 - http://www.flickr.com/photos/alisonlyons/ 339 - http://www.flickr.com/photos/twiga_swala/ 340 - http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTP0eePGNO6PhexWhtw5bVyNtXdItYlQf3Q5Q_ YCHqNeH0EkBZOl43uHyMi 341 - http://www.flickr.com/photos/tanandrew/ 342 - ©Ian Allen http://www.ianallenphoto.com 343 a 348 - Frames do filme “Map of the Sounds of Tokyo” de Isabel Coixet, 2009 349 - Fotografia da minha autoria 350 - Fotografia da autoria de Soraia Fernandes

REFERÊNCIAS DE VÍDEO “Mont Oncle” de Jacques Tatti, 1958 “Playtime” de Jacques Tatti, 1967 “Solaris” de Steven Soderbergh, 1972 “Blade Runner” de Ridley Scott, 1982 “Tokyo Ga” de Wim Wenders, 1985 Série da BBC “Japanorama” por Jonathan Ross, 2002-2007 “Lost in Translation” se Sofia Coppola, 2003 “Tokyo!”, segmentos “Interior Design” e “Tkyo Shaking” de Michel Gondry e Joon-ho Bong respectivamente, 2008 “Tokyo Sonata” de Kiyoshi Kurosawa, 2008 “Enter the Void” de Gaspar Noé, 2009 “Map of the Sounds of Tokyo” de Isabel Coixet, 2009 “Japan - The Strange Country”, Kenichi in http://vimeo.com/kenichi “Tokyo Rising”, Pharrel Williams, Palladium, 2011 in http://www.palladiumboots.com/video/tokyo-rising#part1

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