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A nova DIGESTO ECONÔMICO Ao apresentar a revista DIGESTO ECONÔMICO, em dezembro de 1944, o presidente da Associação Comercial de São Paulo de então, Brasílio Machado Neto disse que seu lançamento representava "uma ousadia mas não uma aventura" pois estava alicerçado na experiência da entidade com um semanário enviado a todos seus associados. Afirmou, também, que a DIGESTO pretendia ser um meio de divulgação "redigido sempre de forma ao alcance dos leigos, e tendo como objetivo precípuo tornar acessível não só os princípios da economia, como os seus problemas, concorrendo assim para uma compreensão melhor dos fenômenos complexos no mundo atual, das suas tendências e de seus rumos prováveis". Nesses mais de 60 anos de existência, a DIGESTO procurou ser fiel à intenção de seus idealizadores e criadores, buscando sempre se adaptar às mudanças ocorridas nas condições políticas, econômicas e sociais do país, com o objetivo de contribuir para o debate e o entendimento dos grandes temas nacionais. Com este número, a DIGESTO inaugura uma nova fase de sua trajetória, procurando ajustar-se ao "ambiente" atual , que exige um engajamento mais vigoroso dos defensores das liberdades no debate ideológico, para se contrapor à intensa doutrinação de cunho socialista que se verifica nos meios de comunicação, nas Universidades e mesmo em setores das Igrejas, procurando estabelecer o controle do Estado sobre a sociedade, ao invés de colocá-lo a serviço do cidadão. Embora a Associação Comercial de São Paulo seja uma entidade de natureza econômica, destinada a defender a livre iniciativa, está claro para seus dirigentes que, ou se defende a liberdade como um todo, ou a liberdade de empreender será asfixiada junto com as demais liberdades. Assim, DIGESTO ECONÔMICO será um dos importantes instrumentos que a Associação coloca à disposição da sociedade para a defesa das liberdades procurando contribuir para a informação e formação dos jovens, levando a eles os ideais, princípios e valores que embasam o pensamento liberal, os resultados de sua aplicação em muitos países ao longo da história. Por isso, DIGESTO será distribuído também nas Universidades, além de seus destinatários naturais que são os empresários, os quais, muitas vezes, por desconhecimento, se deixam iludir pelo discurso do "politicamente correto", aceitando teses e intervenções que contrariam não apenas seus próprios interesses, como os do País, ao tolerar a expansão do Estado sobre a economia, e a apoiar as tentativas dos "engenheiros sociais" de mudar o homem para adequá-lo às suas utopias socialistas, ainda tão presentes na América Latina, apesar do fracasso histórico que experimentaram no Leste Europeu. Nada melhor para caracterizar esta nova fase da DIGESTO do que apresentar as importantes contribuições estudadas no Seminário Internacional sobre Democracia Liberal, promovido pela Associação Comercial de São Paulo em parceria com a Atlas Foundation, o Mídia Sem Máscara e o Diário do Comércio em maio último, cujo tema Democracia, Liberdade e o Império das Leis, resume a linha editorial que se pretende dar à publicação. Nesse Seminário, que se iniciou no dia em que pela primeira vez ocorreram os brutais ataques do PCC que paralizaram a cidade e atemorizaram a população, foram apresentadas contribuições valiosas para o entendimento da situação brasileira e da América Latina e os riscos que o Brasil e o continente latinoamericano correm de ver suas liberdades cerceadas por grupos que, com base em ideologia retrógrada e apoio de figuras carismáticas, trabalham para não apenas conquistar o poder, que em alguns países já conquistaram, mas para neles se eternizar. O sucesso desta nova fase da DIGESTO vai depender de todos aqueles que defendem a liberdade em seu conceito mais amplo, que se disponham a escrever artigos ou a colaborar para a disseminação das idéias nele defendidas. A Associação Comercial de São Paulo coloca sua tradicional publicação a serviço da liberdade, do desenvolvimento do Brasil e da melhora do bem estar da população brasileira.
Guilherme Afif Domingos Presidente licenciado da Associação Comercial de São Paulo
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CARTA AO LEITOR COMO SE FAZ A GRANDEZA DAS NAÇÕES O debate sobre a liberdade individual e o exercício do livre mercado, como instrumentos para o desenvolvimento justo e harmônico da sociedade, conferem a esse número de Digesto Econômico a importância de uma edição especial. Reunimos mestres do pensamento, empresários e políticos experientes para acentuar sua tradição política, econômica e filosófica do Liberalismo, porque sabemos que essa posição coincide com a cidadania, com o império das leis e está estreitamente ligado aos princípios permanentes da democracia. Essa história vem com o tempo. Na evolução do século XVIII, por exemplo, deve ser ressaltada a predominância do setor privado contra a influência do Estado e de seu monopólio, com ampla liberdade para tratar os negócios que não pudessem se valer do Estado como financiador. Seu crescimento foi extraordinário, impondo-se como forma natural de acumular riqueza. Esse grande acontecimento deu à economia de mercado o empurrão que necessitava para se tornar uma força produtora de riqueza nas colônias e nas nações recém-independentes, canalizando enormes recursos e bens para o continente europeu e fortalecendo-se com o produto do comércio desenvolvido com as nações que surgiam. A independência das nações americanas, após a Guerra da Independência dos Estados Unidos, veio comprovar que essa devia ser a versão da economia. Foi com o signo do privatismo que se fez a grandeza das nações, o enriquecimento da Inglaterra, da França, de Portugal, da Espanha, dos reinos e repúblicas italianas, e da Rússia no extremo leste da Europa. Vê-se, pois, que foi o setor privado que deu vigor à economia, manipulada pelo capitalismo nascente praticado por grupos econômicos que souberam se valorizar de forma nunca prevista antes. Esse é o nosso mundo, o mundo de Digesto Econômico.
João de Scantimburgo Membro da Academia Brasileira de Letras
Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br Presidente em exercício Alencar Burti Presidente licenciado Guilherme Afif Domingos
Diretor-Responsável João de Scantimburgo Diretor de Redação Moisés Rabinovici Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira Editor Executivo Kléber de Almeida Editor Domingos Zamagna Redatora Heci Regina Candiani Colaboradores Alejandro Chafuén. Alejandro Peña Escusa, Aleksander Boyd, Armando Ribas, Clifford May, Edgard Terán Terán, Guilherme Afif Domingos, Guy Sorman, Heitor de Paola, Luís Alberto Lacalle, Maggie Petito, Olavo de Carvalho, Percival Puggina, Timothy Goegline, Ubiratan Jorge Iorio de Souza., Editor de Fotografia Masao Goto Editor de Arte José Coelho
Imagem da capa O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) publicou em Londres o livro Leviathan (1651). A capa da revista reproduz a página de rosto da obra onde ele sustenta que nenhuma ação escapa à ordem política, a única detentora da liberdade pela qual aspiram os seres humanos. Inspirado no monstro Leviatã, de que fala a Bíblia (Jó 40,25), símbolo da força indomesticável, Hobbes defende a submissão da vontade e do juízo do conjunto dos particulares à vontade e ao juízo de um homem ou de uma assembléia que se perpetua no poder. Personagens "carismáticos" da América Latina parecem dispostos a personificar o Leviatã. A luta pela democracia, liberdade e o império das leis é a única chance para se contrapor à volúpia de um poder hegemônico.
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Projeto Gráfico Evana Clicia Lisbôa Sutilo Diagramação Lino Fernandes Ilustração Abê, Céllus Roberto Alvarenga Superintendente de Marketing e Serviços Roberto Haidar Gerente Comercial Arthur Gebara Jr. (agebara@acsp.com.br) 3244-3122 Gerente de Operações José Gonçalves de Faria Filho (jfilho@acsp.com.br) Impressão Laborgraf REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055 FAX (011) 3244-3046
Fotos de capa - Ilustração: Leviatã de Bettmann/CORBIS; Fidel Castro: Claudia Daut/REUTERS; Lula: Celso Junior/AE; Evo Morales: Joe Klamar/AFP; Hugo Chavez: Rodrigo Arangua/AFP
DIGESTO ECONÔMICO SETEMBRO/OUTUBRO 2006
www.dcomercio.com.br
ÍNDICE
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Outra visão (muito crítica) do Brasil Percival Puggina
Divulgação
Uma definição de Liberalismo Domingos Zamagna
Como vender as idéias liberais para a sociedade Guilherme Afif Domingos
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Não falar de Liberalismo, falar de Liberdade. Luís Alberto Lacalle
Sergio Amaral/Ag. Pixel
O futuro depende de Chávez. Para o Bem e para o Mal Alejandro Peña Esclusa
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Porque os liberais venceram Guy Sorman
Os fundamentos cristãos da Liberdade Alejandro Chafuén
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Obstáculos à Liberdade na América Latina. Heitor de Paola
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A ideologia do Schmoo Olavo de Carvalho
Reprodução
O Liberalismo no estilo dos Estados UnidosTimothy Goegline Timothy Goegline
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Democracia, Liberdade e Estado de Direito Maggie Petito
O que há é mais demagogia e menos democracia Armando Ribas
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A democracia e a ilusão da maioria Clifford May
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Nossa democracia nasceu nos Estados Unidos Edgard Terán Terán
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Lições de Liberalismo Roberto Fendt
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Bel Pedrosa
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Vamos nos informar. Para mostrar a realidade. Aleksander Boyd
Justine Lane/EFE
O Brasil precisa votar em idéias Ubiratan Jorge Iorio de Souza
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O liberalismo na internet e nas livrarias Heci Regina Candiani
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DIGESTO ECONÔMICO SETEMBRO/OUTUBRO 2006
Rob Colvin /CORBIS
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Uma definição de LIBERALISMO Domingos Zamagna
presas, de outro lado ele há de ser uma oportunidade de enriquecimento mútuo. Mas para que o pluralismo seja de fato um valor, ele só pode ser efetivado por meio do reconhecimento constitucional do direito dos indivíduos de professarem as crenças que julgarem oportunas, bem como as práticas delas decorrentes. Ninguém, portanto, poderá ver-se menosprezado pelo poder público por causa das opções de consciência. Ou seja: o liberalismo só é viável sob o império de leis. Desde o seu nascedouro, como foi sistematizada por John Locke (1632-1704), a concepção liberal do Estado se alicerça sobre o constitucionalismo e a aconfessionalidade. Por isso, nada mais compreensível que o início do liberalismo coincida com o reconhecimento da cidadania plena, tanto que as declarações dos direitos humanos individuais significaram na prática o despontar de uma nova era na história da humanidade. De agora em diante a pessoa é sujeito de certos direitos que nenhum poder estatal (plebiscitário, populista, totalitário etc.) poderá violar. Para isso a filosofia do barão de Montesquieu (1689-1755) foi decisiva, analisando a lógica interna do sistema das leis e a mecânica dos poderes, provando a ineficácia do absolutismo e propondo a tripartição de poderes que mutuamente se controlassem. A limitação de poder é um imperativo do pensamento liberal, como enfatizou Benjamin Constant (1767-1830): o poder legítimo procede de todos, mas isso não significa que ele pode se estender a tudo. Coube a Herbert Spencer (1820-1903) mostrar que a história da Europa atesta a vitória da limitação do poder nas esferas religiosa e econômica. O liberalismo trouxe rupturas, especialmente com certas práticas que remontavam à idade média. Dentre os novos paradigmas econômicos destacamse a eliminação das restrições aos empréstimos com juros e a contratação de serviços mediante tarifas acordadas. A partir do século 16 a Europa e suas colônias ultramarinas conheceram profundas reformas de práticas econômicas lançando as bases do que se convencionou chamar sistema econômico capitalista. Essa coincidência, contudo, não autoriza a concluir que o liberalismo seja forçosamente conectado com o capitalismo; tanto o liberalismo econômico pode aperfeiçoar muitas práticas do capitalis-
Reprodução
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ão sendo uma doutrina completa e nem um dogma imutável, o liberalismo dificilmente poderá ser definido de modo que agrade a todos os seus seguidores. Trata-se de um ideário político que, utilizando-se das ciências econômicas, enuncia os meios a serem adotados para a elevação dos padrões de vida da sociedade. Se levarmos em conta que a evolução da ciência impõe ajustes, e as conseqüências futuras da ação humana, não se pode mesmo esperar uma definição cartesiana do liberalismo. Está sujeito a diversidade de escolas e interpretações. Tudo indica que o termo liberal foi usado pela primeira vez quando surgiu, no começo do século 19, o partido dos liberais, herdeiro dos whigs do Parlamento inglês, que dominaram política durante os reinados de Jorge I e Jorge II. Antes de 1812 ainda não havia um vocábulo específico para designar o conjunto de idéias que mais tarde os historiadores rotularam como liberalismo. Falava-se até então de idéias iluministas, enciclopedistas ou revolucionária. Muitas das idéias que hoje são chamadas de liberais nortearam as revoluções inglesa (século 17), americana e francesa (século 18). Se for preciso indicar uma data para o surgimento do liberalismo, o mais exato seria situá-lo no final das guerras fratricidas que assolaram a Europa no século 18. O vocábulo já estava consagrado, inclusive através de um importante contraste, quando nas Cortes de Cádiz, que promulgaram na Espanha a Constituição Liberal de 1812, se defrontaram os liberales (inspirados na Revolução Francesa) e os serviles (desejosos de restaurar o absolutismo borbônico). O desgaste das guerras suscitou a ânsia de tolerância nas consciências, não por concessão a contragosto, mas por aceitação positiva, provocando o despertar de um novo modelo de convivência com amplas reverberações nos diversos cenários, desde o religioso até o econômico e o político. Sob este ponto de vista o liberalismo é um movimento histórico típico da modernidade, cujo ponto de partida está na assunção do valor da tolerância como ingrediente básico para a convivência pacífica num mundo absolutamente pluralista. Se de um lado o pluralismo pode acarretar sur-
Jornalista e professor de Filosofia
Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu (16891755), autor de O Espírito das Leis (1748), analisou a lógica interna do sistema das leis e a mecânica dos poderes, provando a ineficácia do absolutismo, propondo a tripartição dos poderes que mutuamente se controlassem.
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O liberalismo não constitui obstáculo ao livre curso para uma mentalidade igualitária, ele reconhece e respeita o valor moral dos seres humanos, traço confirmado pelo combate às discriminações religiosas, raciais, sexuais, étnicas e, mais genericamente, contra qualquer forma de privilégios. Isso não significa que o liberalismo conduz ao igualitarismo econômico, que somente poderia ser proporcionado mediante férreo controle estatal e, logo, o desaparecimento da maior parte das liberdades individuais. O liberalismo, ao contrário, é ardoroso defensor do empreendedorismo, cabendo ao Estado o apoio aos que se decidem por esta via. Compete, contudo, ao Estado, assegurar a todos os direitos econômicos básicos, indispensáveis para a promoção da igualdade de oportunidades entre os membros da sociedade. Um Estado que seja mínimo, racional e eficiente, controlado por leis sólidas, somente legitimado na medida em que desempenhe funções de proteção das liberdades individuais e do direito de todos. O princípio geral do liberalismo, que lhe empresta foros universalistas, é assegurar uma moral mínima, vinculante para todos, verdadeira condição de possibilidade para a convivência harmoniosa entre pessoas e grupos ideologicamente diferentes e até opostos. Liberdades e direitos devem se tornar compatíveis para todos os cidadãos. E para que isso não pareça uma quimera, é costume citar exemplos concretos de implantação do liberalismo. Para os liberais, as observações sobre a democracia no Novo Mundo feitas por um jovem magistrado francês, Alexis de Tocqueville (1805-1859), sob o impacto das decisões do primeiro mandato (1829-1832) do presidente Andrew Jackson, para quem foi na América que o preceito igualitário melhor se desenvolveu, guarda ainda atualidade, ficando para os opositores o ônus de demonstrar que os Estados Unidos não constituem a melhor encarnação do ideário liberal... Mas será sempre problemático fazer essa identificação histórica, dado que o liberalismo, como ensina N. Bobbio (1909-2004), sempre se apresentou mais como força dinâmica do que como força orientada para a manutenção dos equilíbrios existentes, contra toda expectativa política de uniformidade, própria do absolutismo. Se olharmos, então, para o nosso país, qualquer tentativa de classificação se mostra anacrônica, uma vez que, como pensam muitos, o Brasil ainda se configura como pré-capitalista e prémoderno. Enfim, o liberalismo tem uma vertente cultural melhorista, pois considera possível o aprimoramento de qualquer instituição sócio-política, para evitar a doença, a pobreza, o atraso cultural etc. Numa visão otimista, os erros têm correção. Tarefa sempre espinhosa é tentar abordar o neoliberalismo. Os marxistas insistiram na cegueira dos liberais ao não perceberem que a sua decantada liReprodução
mo, como o liberalismo político pode conviver com sistemas econômicos considerados não-capitalistas. Dependendo da época, ser denunciado como "liberal" é ser objeto de rejeição nos Estados Unidos. "Liberal" lá pode significar anarquista no resto do mundo. O liberalismo tem-se manifestado em diferentes países e em diferentes épocas sob formas diversas, conforme seus graus de desenvolvimento e conforme os problemas específicos cuja solução acaba determinando fisionomias e definindo conteúdos. Essa constatação nada mais faz que acentuar como a história do liberalismo está intimamente ligada à história da própria democracia, ficando, portanto, difícil defini-lo univocamente. A ambigüidade ou equivocidade, e até mesmo a confusão que vez por outra se observa a respeito do termo liberalismo pode advir da tríplice dimensão da tradição liberal: a política, a econômica, a filosófica. Há quem aceite como razoável o liberalismo político e se sinta constrangido para aceitar a totalidade do que se costuma indicar como liberal no plano da teoria econômica. Será sempre difícil adotar uma atitude caracterizada pela aceitação do tudo ou nada. Quando se indaga se o liberalismo tem uma mundivisão, a resposta pode ser sintetizada através de quatro traços: individualismo, igualitarismo moral, universalismo e melhorismo. O individualismo nasce sob o amparo de garantias constitucionais e o apoio de práticas econômicas e jurídicas (ex: banimento de restrições à propriedade privada, louvação do lucro pessoal como saudável fator de crescimento, valores do trabalho, crença no dinamismo do mercado (este às vezes concebido como um Estado natural), escrupuloso cumprimento dos contratos, publicidade dos atos oficiais). Para isso é fundamental a existência do Estado de Direito, contra toda forma de democracia direta, que conduz ao caminho da servidão, bem espelhado nos "planismos econômicos", como insiste F. von Hayek (1899-1992). Mas nenhum liberal contemporâneo há de negar a dívida do indivíduo para com a sociedade, especialmente no que se refere às oportunidades que ela oferece para o desenvolvimento dos dons naturais. Os liberais estão de acordo para defender as liberdades negativas (proibição de interferências arbitrárias nos planos de vida dos indivíduos) e as liberdades positivas (que asseguram a existência de mecanismos efetivos de participação dos cidadãos na tomada de decisões políticas e econômicas que lhes concernem). Geralmente o individualismo liberal é o traço mais criticado pelos adeptos das várias correntes de solidarismo. O equilíbrio das posições foi, por vezes, encontrado pelo socialliberalismo que, ao fazer a distinção entre liberdade social e liberdade associal, redefiniu a liberdade como um bem precioso somente na medida em que seja um meio para alcançar um fim: o bem comum.
Charles Louis de Tocqueville (1805-1859), magistrado francês, estudou os riscos e vantagens da liberdade (A democracia na América, 1835 e 1840). "Na América, têm-se idéias e paixões democráticas; na França, temos ainda paixões e idéias revolucionárias."
Ségio Borges/AE
John Locke (1632-1704), estudioso da gênese, da natureza e do valor do conhecimento humano (Ensaio sobre o intelecto humano, 1690), lançou as bases do liberalismo político (Dois tratados sobre o governo, 1690). O Estado deve garantir os direitos naturais do homem. O Estado não faz nada, mas garante que se deixe o homem fazer o que ele pretende legitimamente em virtude da natureza.
Norberto Bobbio (1909-2004), uma das mais altas expressões da tradição liberal na Itália, na linha do socialliberalismo."Há nove décimos da população mundial formada de pobres e submissos. Ser de esquerda, hoje, significa estar ao lado desses "nãohomens" que vivem e morrem como ratos. Mas para esses "ratos" é suficiente a democracia?" de liberal, talvez, apenas uma caricatura do liberalismo. A queda do neoliberalismo foi tão rápida quanto a sua ascensão, em menos de uma década ele entrou na defensiva. Alguns dos seus maiores praticantes na América Latina hoje têm seus nomes enfileirados num sinistro colar de desastres econômicos, políticos e sociais. Por falar em desmoralização, quem olhar para o cenário político brasileiro atual ficará tremendamente desapontado com o grande número dos que se dizem representantes ou cultores do liberalismo. Fato análogo se deu nos tempos do Império. Os dois grandes partidos imperiais, o Conservador e o Liberal, completaram sua formação em fins da década de 1830, como agremiações políticas opostas. Vários historiadores, contudo, afirmam que não havia muita diferença ente ambos. Tanto que ficou famosa a frase do político pernambucano Antônio de Holanda Cavalcanti (1797-1863) que afirmou, com sua autoridade de dono de engenho, militar, deputado, conselheiro, senador e ministro do Império: "nada se assemelha mais a um saquarema do que um luzia no poder". Saquaremas eram os conservadores, luzias os liberais. Apesar disso, tivemos respeitável tradição liberal que engrandece o nosso patrimônio político. Recordando apenas os mortos, podemos citar figuras que vão de José Bonifácio (+1838) a Milton Campos (+1972), de Rui Barbosa (+1823) a Afonso Arinos (+1990), de Antônio Carlos R. de Andrada (+1946) a Carvalho Pinto (+1987), ou a figura singular de Joaquim Nabuco (+1910). Deste último temos um dos melhores exemplos em que a razão se une à paixão por uma grande causa (o abolicionismo) finalmente vitoriosa nos estertores da monarquia. De entranhada formação liberal, ele próprio diz que entrou para a Câmara como se fosse um liberal inglês... no Parlamento brasileiro, tão compenetradamente liberal como se estivesse às ordens de William Gladstone! O debate político atual há de nos fazer discernir quais são os verdadeiros defensores e praticantes dos autênticos ideais liberais. Reprodução
berdade não passaria de um privilégio de classe, uma conquista da burguesia quando se insurgiu contra a sociedade feudal. A inteligência arguta de Bobbio provou a falácia genética dessa acusação marxista, pois o fato é que as liberdades burguesas hoje têm um valor e alcance universais. As experiências neoliberais, no seu ímpeto de desmantelar o social-liberalismo, evidenciam um pacto do arcaísmo econômico com a insuficiência filosófica. A pregação de Hayek por um Estado mínimo, à beira do quietismo governamental no plano econômico e simples legalismo no plano político-social, fariam supor que o progresso se faz pela somatória não planejada de empreendimentos individuais. Contudo, a doutrina deste influente Nobel de economia (1974), que aliás marcou profundamente a administração do Reino Unido na década de 80, ficaria mais bem entendida se levarmos em conta o seu combate ao excesso de intervencionismo de J.M Keynes (1883-1946) e ao que ele chamou de "doença do socialismo construtivista". Em se tratando de combate, de guerra ao keynesianismo, não seria necessária muita sofisticação intelectual, bastaria uma artilharia pesada composta de algumas fórmulas-símbolos de fácil alarde. De fato, houve um tipo de burguesia que jamais apreciou a contribuição acadêmica, desejou apenas destruir o Welfare State. Mas a bibliografia de Hayek é tão vasta, urdida em complexas conexões com D. Hume, L. von Mises, M. Friedman, K.R. Popper etc. que suporia, por mais polêmica que seja, análises mais matizadas antes de qualquer juízo conclusivo. É compreensível, porém, a perplexidade de muitos estudiosos e a reação de vários políticos em face das tentativas de imposição desta corrente às nações do hemisfério sul. São muitos os estudos apontando o fracasso do neoliberalismo, o que contribuiria para o esbatimento da auréola do próprio liberalismo, neste caso chamando-se
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Como vender as idéias liberais para a sociedade Guilherme Afif Domingos
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s principais aspectos do tema central do Seminário Democracia, Liberdade e o Império da Lei foram exaustivamente examinados, demonstrando a clara superioridade dos princípios, valores e práticas liberais para promover o desenvolvimento dos países. Também as dificuldades enfrentadas na América Latina para fazer avançar o pensamento liberal e, principalmente, para que ele possa ser aplicado na solução dos problemas nacionais de cada país, foram bastante evidenciadas. Lembro-me de ter mencionado na abertura do evento, o que para muitos poderia parecer estranho, estarmos discutindo temas que parecem consensuais na maioria das nações desenvolvidas, mas que, em muitos países do continente latino-americano, são apenas aspirações de alguns grupos. A Associação Comercial de São Paulo concordou em organizar esse Seminário por uma questão de coerência com sua trajetória de 111 anos de defesa da liberdade em seu sentido amplo, e da liberdade de empreender como o meio mais eficiente para promover o progresso, considerando a Democracia como instrumento político para essa finalidade, e o Império da Lei, como condição necessária para se conciliar desenvolvimento com liberdade. Confesso, no entanto, que chegamos a pensar em realizar um evento limitado à discussão de um grupo de intelectuais, e depois divulgar suas conclusões usando o Diário do Comércio e a Revista
Presidente da Associação Comercial de São Paulo e Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo Digesto Econômico, ambos da entidade. Isso por considerar que a discussão do pensamento liberal não atrai a maioria da população, nem sequer, regra geral, os empresários, que deveriam ser seus grandes defensores. Decidimos fazer um Seminário aberto a todos interessados e a resposta foi positiva no tocante ao interesse demonstrado, embora a presença seja muito mais qualitativa do que quantitativa. Desejava especialmente atrair os jovens e, por isso, fizemos divulgação junto às universidades, mas parece que ainda não encontramos a linguagem para interessar a juventude. Nos cursos universitários, inclusive nos de economia, os jovens não são, em geral, apresentados aos grandes pensadores liberais, recebendo, no entanto, doses maciças de doutrinação anticapitalista. O importante foi que reunimos não apenas pensadores ilustres da doutrina liberal, mas pessoas engajadas na divulgação do liberalismo, embora de forma nem sempre articulada, com pequenos grupos atuando isoladamente. Esperamos que esta seja uma oportunidade para que os vários institutos ou organizações que atuam na difusão do pensamento liberal procurem formas de ação conjunta, que possam potencializar os esforços de todos. Com essa digressão chego ao tema deste painel - Políticas Liberais para a América Latina - com uma indagação, ao invés de propostas. Como podemos “vender” as idéias liberais para a população? Sem que se tenha a adesão da sociedade, não se conseguirá viabilizá-las politicamente, pois a classe política somente aceitará reduzir seu poder
Candidato do PFL ao Senado pelo Estado de São Paulo, Guilherme Afif Domingos é presidente da Indiana Seguros, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e Federação das Associações Comerciais de São Paulo (Facesp). Formado em Administração de Empresas pela Faculdade de Economia do Colégio São Luís, Afif tem uma trajetória que combina participação em cargos administrativos de governo e de entidades empresariais. Foi presidente da Associação das Companhias de Seguros do Estado de São Paulo em 1975, diretor da Associação Comercial de São Paulo em 1976 e presidente do Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo (Badesp) em 1979. De 1980 a 1982, foi secretário de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo.
A luta de Afif para mostrar ao cidadão que os serviços não são generosidade do Estado, mas contrapartida do imposto que ele paga.
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Como um dos criadores da Mobilização Empresarial, em 1982, liderou uma campanha pela criação do Estatuto da Microempresa, aprovado em 1984. Dois anos depois, foi eleito Deputado Federal Constituinte, o terceiro mais votado do País, com mais de 500 mil votos e foi o responsável pelo Artigo 179 da Constituição, que garante tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas. Em 1989, candidatouse à Presidência da República, recebendo mais de 3,2 milhões de votos. No ano seguinte, recebeu cerca de 2,5 milhões de votos na disputa para o Senado, mas não foi eleito. Em 1998, assumiu a Secretaria de Planejamento do Município de São Paulo. Além de uma longa militância em relação à conscientização popular sobre a elevada carga tributária brasileira e sua relação com os altos gastos públicos. É também um entusiasta da iniciativa privada na forma de micro e pequenas empresas e acredita que o empresariado latinoamericano ainda é muito dependente do Estado, vivendo uma contradição entre a prática e a teoria liberal que se expressa, na substituição do preceito do "regime de mercado" pelo de "reserva de mercado".
intervencionista, se houver uma forte pressão social. Os socialistas e intervencionistas de vários matizes “vendem” as ilusões da igualdade, praticando suas intervenções no presente em troca de um futuro que nunca chega ou, então, quando atingido, como ocorreu nos países comunistas, resulta na perda da liberdade. Creio que o primeiro problema a ser enfrentado é o da comunicação, em cuja batalha estamos sendo derrotados, não com relação às idéias e princípios, mas porque há uma grande penetração na mídia das idéias antiliberais. Mais do que isso, porque não estamos sabendo desmascarar a “falsificação semântica” de que os inimigos se valem para “carimbar” o liberalismo e para encobrir seus intentos intervencionistas sob o manto do “social”. Essa palavra despertava arrepios em Hayek porque ele sabia que ela sempre era usada para encobrir segundas intenções, seja a redistribuição de renda em nome da “justiça social”, os programas assistencialistas de “inclusão social”, as quotas em nome do princípio da igualdade, etc. Mais grave é que, no Brasil, o uso do termo “social” não se limitou ao discurso demagógico. Ele foi incluído na Constituição, que fala da “função social da propriedade”, o que tem servido para restrições e ataques à propriedade privada. Não bastasse esse fato, o novo Código Civil inseriu entre seus dispositivos, o da “função social do contrato”, conceito subjetivo que pode levar ao enfraquecimento das relações contratuais e, em conseqüência, da economia de mercado, que é essencialmente contratual. Nessa mesma linha, temos a tendência recente da “responsabilidade social da empresa”, levando a que algumas delas acabem, muitas vezes, dando mais importância a divulgar seus “programas sociais”, do que mostrar os benefícios da atividade empresarial para a sociedade. Embora não se possa ser contra que as empresas façam livremente ações em benefício da coletividade, e isso possa muitas vezes até reverter em seu próprio benefício, isto tem servido, muitas vezes, mais para que empresários apareçam na mídia como “progressistas”, por sua ação social, do que por seu papel relevante de empreendedor. O problema é que essa ênfase na “responsabilidade social” faz parecer que apenas essas empresas são “socialmente responsáveis”. As demais, que não pratiquem ou não divulguem ações “sociais” são, por conseqüência, “irresponsáveis” socialmente. Distorce-se a realidade de que, em uma economia de mercado, a responsabilidade das empresas é a de produzir, gerar empregos, pagar tributos, observando a legislação e contribuindo para o desenvolvimento. Infelizmente muitos empresários acabam aderindo a essa onda, para parecerem “politicamente corretos”, contribuindo com seu discurso da
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“responsabilidade social” para enfraquecer a importância da economia de mercado como o meio mais eficiente para promover a modernização e o crescimento da economia. Em decorrência das próprias manifestações empresariais, e do trabalho de grupos interessados ou beneficiários dessa ação, já existem projetos para tornar compulsória a “responsabilidade social”, embora as empresas já enfrentem uma carga tributária que pode atingir a até 60% de seu faturamento, e tenham sido criadas contribuições específicas para atender às carências sociais, como a CPMF e a COFINS. Alguns empresários não se empenham na defesa da liberdade de empreender porque pensam apenas em seus interesses de curto prazo, apoiando intervenções que favoreçam suas empresas ou setores, esquecidos de que o Estado nada pode dar que não tenha tirado de outros, e que o intervencionismo pode amanhã se voltar contra eles. Outros, talvez a maioria, e especialmente os de menor porte, parecem considerar que o importante é o seu negócio, e que eles não têm tempo para se dedicar a política. Isto é verdade porque os micros e os pequenos empresários têm uma luta diária contra a burocracia e a tributação para garantir a sobrevivência de seus empreendimentos. Assim, qualquer movimento de defesa dos princípios, ou de setores que não sejam os deles, mesmo aqueles que sejam vítimas de intervenções arbitrárias, parecem não lhes dizer respeito. Apenas quando eles são atingidos é que se lembram de procurar as entidades para reclamar que elas não fazem nada por seu negócio. Felizmente a Associação Comercial de São Paulo e a rede de 420 associações comerciais do Estado, que compõem a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, têm contado sempre em suas lutas com a participação de seus associados, como demonstra a coleta de um milhão e quinhentas mil assinaturas de apoio a um projeto de transparência dos impostos. Esse movimento, chamado De Olho no Imposto, serviu para mostrar ao cidadão comum que aqueles serviços, muitas vezes precários, que ele recebe dos governos, não é fruto da generosidade do Estado benfeitor, mas pálida contrapartida do imposto que ele paga, embora muitas vezes não saiba. Também revelou ao consumidor que, muitas vezes, o preço absurdo de algum produto não é fruto da ganância do empresário, mas da voracidade do fisco. Esclareceu, ainda, para o trabalhador, o quanto seu empregador paga de tributos sobre seu salário, e que, se a tributação fosse menor, sua remuneração poderia ser maior e a oferta de emprego também. Acredito que o De Olho no Imposto tenha contribuído para mostrar que o Estado não é a solução, mas parte do problema, e que apenas o cida-
dão, com sua ação individual, sua criatividade, coragem e trabalho pode progredir. Infelizmente, muitos que acreditam nas idéias liberais evitam o debate por medo dos “rótulos” com que seus adversários costumam adjetivá-los. Os defensores do liberalismo são apontados como sendo insensíveis aos problemas sociais, individualistas, defensores dos ricos e privilegiados, retrógrados, direitistas e outros adjetivos. As políticas fracassadas aplicadas em muitos países da América Latina são apresentadas como “neoliberais”, embora, na maioria deles, as mesmas possam receber qualquer classificação, menos as de serem liberais. No Brasil, por exemplo, acusa-se de “neoliberal” uma política que resultou no confisco de cerca de 40% do PIB pela tributação, o governo possui uma dívida superior 50% do Produto Interno Bruto, sugando o crédito disponível e encarecendo as taxas de juros, os bancos oficiais respondem por quase metade do crédito ao setor privado, e a única fonte de financiamento de médio e longo prazo é estatal. As tímidas privatizações realizadas têm sido em parte neutralizadas pelas intervenções governamentais através das agências reguladoras, e os órgãos de controle ambiental inviabilizam, ao invés de disciplinar, muitos empreendimentos. A austeridade fiscal vem sendo praticada apenas por meio de aumento da tributação, com as despesas públicas crescendo sistemática e fortemente. Assim, qualificar as políticas brasileiras de “neoliberais” é uma ofensa não aos socialistas de vários matizes que a implementaram, mas aos verdadeiros liberais que sempre a criticaram. Dizia Nélson Rodrigues que “subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos”. Quando se analisa as causas do baixo desenvolvimento da maioria dos países da América Latina, possivelmente tenhamos que recuar no tempo para encontrar algumas delas. A baixa importância dada à educação é, sem dúvida, um dos principais fatores de nosso atraso. Embora nos últimos tempos algumas nações estejam procurando corrigir essa deficiência, a importância da educação ainda não encontrou na população de muitas delas o grau de prioridade que deveria ser não apenas dos governos, mas das próprias famílias. Economistas como Douglass North e Ronald Coase têm demonstrado o relevante papel desempenhado pelas instituições para o desenvolvimento das economias. Como instituições eles consideram não apenas a Constituição, as leis e os regulamentos, como o respeito aos contratos e a adesão da sociedade aos princípios nas quais elas se baseiam. Instituições estáveis, que garantam o direito de propriedade, assegurem o cumprimento dos contratos e não imponham obstáculos à livre iniciativa, favoreçam o empreendedorismo, estimulem os investimentos e permitam que os
Creio que o primeiro problema a ser enfrentado é o da comunicação em cuja batalha estamos sendo derrotados, não com relação às idéias e princípios, mas porque há uma grande penetração na mídia das idéias anti-liberais.
Os socialistas e intervencionistas de vários matizes "vendem" as ilusões da igualdade, praticando suas intervenções no presente em troca de um futuro que nunca chega ou, então, quando atingido, como ocorreu nos países comunistas, resulta na perda da liberdade.
empresários, os verdadeiros agentes do desenvolvimento, possam criar empresas, produzir, gerar empregos e modernizar a economia. Infelizmente, as instituições de muitos países latino-americanos, inclusive o Brasil, não atendem a esses princípios e podem ser consideradas como sério entrave ao desenvolvimento do Continente. A herança cultural ibérica explica parte dessa fraqueza institucional, representada pela burocracia exagerada e o intervencionismo acentuado na economia. No caso do Brasil, no período colonial qualquer atividade econômica dependia de autorização do Rei, por meio do “alvará régio”. Como a Coroa estava longe, precisava impor controles centralizados, excessivamente detalhados e baseados na desconfiança. Como suas regras eram, muitas vezes, inaplicáveis, acabaram gerando a necessidade de adaptações locais, dando origem ao famoso “jeitinho” brasileiro, que era a flexibilização da interpretação das leis, seja para favorecer os parentes e amigos, ou para obter benefícios. Isso levou à uma cultura de pouco respeito às leis. De outro lado, a tributação elevada imposta pela Coroa levava às tentativas de reduzir o peso dos impostos, uma vez que os recursos arrecadados não beneficiavam o País. Apesar da independência, continuaram a predominar a burocracia e a necessidade de alvarás, agora dependentes não mais do Reis, mas dos governos, mantendo-se os cidadãos como súditos do Estado, uma vez que o exercício de qualquer atividade empresarial depende da concessão estatal. Apesar de não dependermos mais da Coroa, continuamos submetidos à Corte, representada pelo Estado e seus tentáculos. Um exemplo bastante claro de que essa mentalidade ainda perdura é o de que a Constituição brasileira assegura “a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização legal, salvo nos caso previstos em lei”. Ora, a burocracia regulamentou de tal forma a economia, que qualquer atividade, por mais simples que seja, depende da criação de uma empresa, com toda a demora e custos envolvidos, ou, então, de cair na informalidade. Com isso, anulou-se o sadio princípio constitucional que poderia permitir que milhões de pequenos negócios se desenvolvessem na formalidade. A burocratização no País não se limita apenas às atividades empresariais. A legislação de muitas cidades impõe severas restrições e custos elevados para a realização de loteamentos, o que leva a população mais pobre a se aglomerar de forma irregular em regiões menos favoráveis, constituindo as favelas. Quando o adensamento é grande, esses aglomerados atraem a atenção dos políticos, que passam a oferecer melhorias na região, o que, muitas vezes, valoriza as habitações. O processo para leSETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 13
galizar a posse das moradias, no entanto, é por demais burocrático e complexo, o que impede que seus proprietários possam dispor de um título de propriedade. Esse assunto tem sido muito estudado por Hernando de Soto em diversos países e seu Instituto vem desenvolvendo intenso trabalho em seu país, o Peru, para ajudar as pessoas a obterem seu título de propriedade. Esse parece um trabalho muito importante para a difusão do liberalismo junto à população, pois, à medida em que se torna legalmente proprietário, o cidadão passa a ter o que perder e a se interessar pelo que acontece em sua cidade e seu país, e a valorizar um dos pilares do sistema liberal. Além disso, como observou muito bem De Soto, o título de propriedade serve para a obtenção de crédito, o que poderia lhe permitir abrir um pequeno negócio formal, se a burocracia não fosse um obstáculo. O volume de crédito para o setor privado no Brasil é muito baixo, menos de 30% do PIB, e um dos obstáculos à sua expansão, especialmente para a população de baixa renda, é a inexistência de mecanismos que reduzam os riscos do financiamento. Multiplicar o número de proprietários e de empresários é o melhor caminho para ir conquistando a população para as idéias liberais, pois pode lhe oferecer a oportunidade de realizar o sonho de prosperar por seu próprio esforço, ao invés de apenas sobreviver com a ajuda de programas sociais que o tornam eternamente dependente do assistencialismo governamental. Na medida em que o emprego, como o conhecemos, se torna cada vez mais escasso, o grande desafio que se apresenta para maioria das nações é o de oferecer condições para a sobrevivência de grande parcela da população, que não encontra lugar na economia globalizada e informatizada. Caberá a cada indivíduo buscar as alternativas para a sua sobrevivência. Qual o caminho que o liberalismo pode oferecer para esse imenso contingente da população latino-americana? Creio que essa seja a grande indagação não apenas para os liberais, mas para todos os que se preocupam com o futuro. O risco que se corre é que os intervencionistas apresentem seus planos mirabolantes que, ao invés de resolver o problema, possa agravá-lo, como tem ocorrido com inúmeras medidas que os Estados têm adotado. Para se dar um exemplo, no Brasil se incluiu uma pesada multa para tentar conter as dispensas de trabalhadores, mas seu principal efeito foi o de inibir a geração de novos empregos, com prejuízo para aqueles, especialmente jovens, que buscam uma oportunidade no mercado de trabalho. Talvez a resposta possa ser a de liberar a criatividade do povo, reduzindo os obstáculos existentes para que o espírito empreendedor latente
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Luiz Prado/LUZ
Acredito que o De Olho no Imposto tenha contribuído para mostrar que o Estado não é a solução, mas parte do problema, e que apenas o cidadão, com sua ação individual, sua criatividade, coragem e trabalho pode progredir.
na população possa se converter em atividades produtivas dentro de um marco legal simplificado que lhe dê segurança. A luta pela desburocratização e desregulamentação da economia deve ser travada em todas as frentes para que se possa desenvolver o espírito empreendedor existente na população latinoamericana, que se revela nos milhões de cidadãos que buscam, na informalidade, desenvolver atividades informais que lhes assegurem condições de sobrevivência. Em recente Congresso Internacional de Jovens Empreendedores, realizado em São Paulo e organizado pela Associação Comercial de São Paulo, e que contava com a participação de representantes da ONU, tive a oportunidade de chamar a atenção de que a Carta dos Direitos Humanos da Organização contém direitos relativos à garantia do emprego, do salário, das férias e outros itens, e nada diz sobre o direito de empreender. Propusemos na oportunidade que fosse inserido um artigo na Carta reconhecendo o papel relevante do empreendedor, inclusive para viabilizar os benefícios reconhecidos aos trabalhadores, incluindo o direito de empreender entre aqueles contemplados na Declaração, e que nenhum governo deveria opor obstáculos à realização pessoal dos indivíduos por meio do empreendedorismo. Quanto mais aumentar o número de empreendedores, mais fácil será a tarefa de divulgar os princípios liberais. O Congresso Internacional de Jovens Empreendedores, que eu mencionei, contando com expressiva participação de empresários brasileiros e do exterior, me deu ânimo em relação ao futuro, por constatar que uma nova geração vem surgindo no mundo dos negócios, com uma mentalidade de maior independência, decidida a avançar por seus próprios méritos, ao contrário de esperar do governo qualquer apoio. É a geração da Internet, da engenharia genética, da nano tecnologia, do mundo globalizado, que não se importa com fronteiras, regras ou governos. Se nós conseguirmos conquistar essa juventude para a defesa dos ideais que, mesmo inconsciente na maioria, eles comungam, e canalizar seu entusiasmo e energia para a defesa dos princípios e valores do liberalismo, poderemos ter esperanças no futuro. Por isso precisamos aprender a falar a linguagem que eles entendem e a utilizar os meios de comunicação de que eles se utilizam. Se a mídia tradicional tem um viés antiliberal, vamos utilizar a Internet, que não tem esse viés, para transmitir nossas mensagens e procurar criar uma rede que vá penetrando cada vez mais nesse mundo virtual onde o Estado ainda não conseguiu colocar suas garras. Como fazer isso é um desafio que depende de todos, o Seminário foi um ponto de partida para isso.
O Futuro depende de Chávez.Para o Bem e para o Mal. Alejandro Peña Esclusa Ex-candidato à presidência da Venezuela, político,engenheiro.
Chávez, um homem a serviço da ideologia castrocomunista.
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Newton Santos/Hype
Alejandro Peña Esclusa é coordenador da organização Fuerza Solidaria, um dos principais grupos de oposição ao governo do presidente Hugo Chávez na Venezuela. Engenheiro mecânico graduado pela Universidade Simón Bolívar e com estudos pósgraduados em Administração Financeira pelo Instituto de Estudos Superiores de Administração (IESA) e em Segurança e Defesa Instituto de Altos Estudos da Defesa Nacional da Venezuela (IAEDEN), Peña Esclusa é também especialista no tema da subversão na América Latina e trabalhou como assessor do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Venezuela. Em 1998, se candidatou à presidência da Venezuela Partido Laboral Venezolano (PLV) - do qual é secretário geral desde 1995 - em oposição a Hugo Chávez. Naquele ano, Chávez foi eleito para seu primeiro mandato.
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stou um pouco mais relaxado do que o normal, porque aqui, no Brasil, suponho que a polícia política não me persegue e que posso caminhar livremente, porque a Venezuela já se converteu em uma ditadura. Em uma ditadura de terceira geração. Não há fuzilamentos, não há, digamos, proibição de liberdade de imprensa explícita, mas há uma série de procedimentos implícitos, como muito bem descreveu Hector de Paola na minha apresentação, citando a dificuldade para poder se sair do país, como no meu caso. Tenho três processos policiais, forjados os três, e os três são por rebelião, por promover a rebelião e, por um desses, estou proibido de sair do país. Assim, se eles quiserem me prender, não têm que inventar nada, a não ser atualizar qualquer desses processos e então me prender. Não têm que inventar algo novo. Assim, a mensagem do terror permanente e constante é a seguinte: se passas do limite, se enfrentas ainda mais o governo, então, podemos te levar preso, a qualquer momento. Eu falo não só do meu caso, mas falo também pela população venezuelana. Toda a população, de alguma maneira, sofre esse tipo de ameaça. Como muito bem disse Aleksander Boyd, as autoridades eleitorais solicitaram ao partido oficial os nomes de todos os cidadãos venezuelanos que assinaram o pedido de um referendo para revogar o mandato de Hugo Chávez. E com os nomes fizeram uma lista. A lista circula abertamente e quem a assinou tem os seus direitos de cidadão desvalorizados e correm o perigo de perder o emprego. Todos estamos fichados na Venezuela. Vou descrever, como me compete, sobre o futuro da democracia na América Latina. Vou dividir esse assunto em três partes. A primeira parte é uma avaliação breve da situação interna da Venezuela, porque creio que o futuro da América Latina está estreitamente vinculado à permanência de Chávez no poder, se ele vai continuar exportando a revolução cubana, que nem sequer é venezuelana, mas cubana, para o resto da América. Ainda que esteja num ambiente acadêmico, não esperem de mim neutralidade e nem objetividade. Vou realmente atuar como um operador político, cujo principal objetivo na vida - independente da minha motivação de caráter transcendental -, é tirar Chávez da presidência da Venezuela. Logo, não posso ser objetivo. Portanto, contarei como está se expandindo o projeto castro-comunista com o apoio de Chávez em várias regiões. Com informações que me chegam pessoalmente, embora considere essas informações insuficientes justamente porque provêm da arrecadação pessoal da informação. E assim não deve ser. Deve haver uma estrutura profissional que se
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encarregue de recolher, reunir e sistematizar a informação porque estamos falamos do futuro da América Latina. Estamos entre a sobrevivência como continente, quer dizer, escolher entre a africanização total, ou converter-nos no Continente da Esperança, que é o que deveria ser nosso destino, se fizéssemos as coisas corretamente. O modelo de Chávez é importante. O que eu vou expor sobre a Venezuela, por favor levem em conta para a Bolívia, porque a Bolívia vai repetir o modelo venezuelano ou o modelo cubano-venezuelano, mas simplesmente irá mais rápido. De um lado está a subordinação a Fidel Castro e a uma invasão cubana. Essa foi a primeira coisa que Chávez fez. Então eu vi que Chávez não era autônomo, mas um títere a serviço de Fidel Castro. Agora, já nem tanto, porque ele desenvolveu sua própria capacidade e aprendeu, mas continua um homem a serviço da ideologia castro-comunista. Ele abriu as portas a pelo menos 20 mil cubanos na área de esportes, na área da educação, na área da medicina que são realmente agentes de propaganda, de espionagem, de supervisão, inclusive, da repressão. Isso já está começando a acontecer na Bolívia. O segundo ponto, também muito importante, foi a conformação, a criação, a promoção de uma Assembléia Constituinte. Mas, para quê? Isso já está acontecendo na Bolívia também. Mas por quê? Por que querem a Assembléia Constituinte? Porque se exigiu uma nova Constituição, bem, sim, mas não é o mais importante. Ao criar uma nova Constituição os poderes anteriores caducam. Eles querem mudar o Senado, transformar o Congresso numa Assembléia. O Tribunal, que antes se chamava Corte Suprema Eleitoral, agora muda de nome e se chama Tribunal e, ao mudar o poder eleitoral, põe outro nome na instituição. Era Conselho Supremo Eleitoral é Conselho Nacional Eleitoral. Ao trocar o nome, tem que trocar também as pessoas que tinham sido legitimamente eleitas anteriormente, isso antes de Chávez chegar ao poder. Chávez necessitava de um Congresso próprio, um Tribunal Supremo de Justiça próprio. um Tribunal Eleitoral próprio, um Poder Judiciário completo tudo próprio. Então era necessário fazer uma Assembléia Constituinte, criar-se uma nova Constituição e, quando o regime tinha popularidade, porque agora já não tem mais, era só votar essa nova Constituição e, necessariamente, mudar as autoridades e colocar umas autoridades totalmente controladas pelo chavismo, com a nova Constituição. Por isso a Assembléia Nacional Constituinte. Logo vem o terror, como mecanismo de dominação. Um terror, que não é generalizado, é seletivo. Quer dizer, não preciso perseguir a todos os
militares, apenas três ou quatro emblemáticos. Não preciso perseguir todos os empresários, levo preso ou faço algo que leve ao exílio o presidente da Federação da Câmara Industrial mais importante. Onde está Carlos Fernandez? Está no exílio. Onde está o presidente do Sindicato mais importante da Venezuela, Carlos Ortega, do CTB? Na prisão. Onde está uma jornalista insigne como Patrícia Poleo? Prêmio Rei da Espanha? Exilada. Basta escolher três, quatro ou cinco de cada setor, persegui-los e, por meio deles, transmitir o terror ao resto da população. Então, vêm as execuções extrajudiciais, que, num país onde há tantos assassinatos, um a mais que morrer parecerá um assalto à meia-noite, quando, na realidade, é um assassinato político. Esse é o tipo de terror. Depois vem o modelo comunista tradicional de utilizar a propaganda para fazer uma quantidade de coisas que não existem na realidade. Por exemplo, existe a idéia, em muitos países, inclusive, nos países que são contra as idéias de Chávez de que Chávez é popular. Acredita-se que tem respaldo dos setores mais humildes. Acredita-se nisso. É absolutamente falso. Tampouco tem respaldo nos setores populares. Tinha. Mas, à medida que se passaram sete anos de governo e depois do ingresso dos maiores recursos petroleiros da história do nosso país, a situação de fome, de pobreza, de insegurança continuam. Os governos anteriores duravam cinco anos. Este já está há sete e não conseguiu nenhum benefício para as zonas mais pobres. Assim, eles também não querem Chávez. E a prova é o sistema eletrônico automatizado de votação. Se Chávez tem tanto respaldo popular, como ele diz ter, por que não se faz a contagem manual dos votos que pede a oposição? Como fez Bachelet, no Chile, como fez Evo Morales, na Bolívia. Contagem manual dos votos como fez o Peru. Não. Um sistema eletrônico, onde há muitas suspeitas e até provas de que o governo meteu a mão. Finalmente, um problema muito grave que não se refere ao governo, mas à oposição. Talvez essa postura da oposição política, que atua como se se tratasse de um regime democrático, sirva de exemplo aos amigos de outras nações e aos que vivem aqui. Querem tirar um ditador com mecanismos, digamos, democráticos, convencionais, de diálogo, quando estamos diante de um criminoso, não me importa falar publicamente, falo em meu país, trata-se de uma pessoa que cometeu crime de lesa-humanidade, mas, em vez de tratá-lo como criminoso, tratam-no como senhor presidente, com diálogo, e procuram utilizar mecanismos que, digamos, são mecanismos civilizados, mas não correspondem à situação que vive a Venezuela.
Vamos lembrar o dia 11 de abril, que até aqui no Brasil os meios de comunicação chamaram de golpe de Estado. (No dia 11 de abril de 2002 houve uma tentativade derrubada do presidente venezuelano Hugo Chávez. Em meio a fortes protestos e uma greve geral, que durou mais de três dias, o alto comando militar anunciou a renúncia de Chávez. Logo, a oposição colocou na presidência o empresário Pedro Carmona Estanga. Após manifestações de simpatizantes leais a Chávez, e algumas pressões internacionais que indicavam um golpe de Estado, os militares fiéis ao governo, retomaram o poder e Chávez reasumiu a presidência na madrugada de 14 de abril de 2002. A oposição e os meios de comunicação venezuelanos argumentaram que não houve um golpe de Estado, mas sim um vazio de poder, provocado pela renúncia de Chávez e de seu vice-presidente Diosdado Cabello. O Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela lhes deu razão, considerando como vazio de poder o que ocorreu no dia 11 de abril de 2002.) Não houve golpe de Estado, o que houve foi a maior marcha da história da Venezuela com quase dois milhões de pessoas e um pequeno grupo de facínoras, que agora são chamados de heróis da revolução, disparando contra a marcha e, então, mataram sete, quinze ou vinte pessoas que estavam com bandeiras em atitude pacífica. E gente armada, ainda que sejam poucas, podem controlar a multidão, quando a multidão estava desarmada em uma atitude cidadã e pacífica. Porém, não há saída eleitoral na Venezuela. Queremos a saída eleitoral, mas ela não existe. Em dezembro, quando há eleições presidenciais, Hugo Chávez pretende reeleger-se. E vai ser eleito se houver eleição, aconteça o que acontecer, porque conta com as máquinas eletrônicas para legitimar isso. Não importa o que ocorra com a votação. Chávez não se preocupa com o problema interno, consegue se legitimar por mais seis anos, e passa a se ocupar ainda mais com dos problemas externo e a reprimir ainda mais dentro do país, ou seja, para nós dezembro é fundamental. Em outras palavras, se no ano que vem um novo seminário como este for convocado, e Chávez chegar a legitimar-se em dezembro, não sei se poderei vir participar. O meu campo de ação diminui. Dessa forma, a única solução que vemos democrática, constitucional, mas extra-eleitoral, está no artigo 350 da Constituição da Venezuela, que diz assim: "O povo da Venezuela, fiel à sua tradição republicana, à sua luta pela independência, pela paz e pela liberdade, desconhecerá qualquer regime, legislação ou autoridade que contrarie os valores, princípios e garantias democráticas ou menospreze os direitos humanos". Esse é o último artigo da Constituição. Isso legitima a desobediência civil que é o desconhecimento do regime, quer dizer, uma série de
Em seu segundo livro, lançado este ano, El Continente de la Esperanza (Fuerza Solidaria), Peña Esclusa defende que a ideologia comunista, segundo o modelo adotado por Fidel Castro em Cuba, é a principal influência da política de Hugo Chávez para a Venezuela e a América Latina. No livro, ele se propõe também a explicar também como desenvolver um modelo produtivo para seu países e recuperar a identidade história venezuelana. Uma das polêmicas em torno das idéias de Peña Esclusa é sua defesa de uma saída política nãoeleitoral para a crise, que ele detalhou em seu primeiro livro, intitulado 350 - Cómo salvar a Venezuela del castrocomunismo (editado pela Fuerza Solidaria).
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manifestações pacíficas em toda Venezuela, mas não uma marcha, porque uma marcha pode ser dissolvida da maneira que já lhes expliquei. Estamos falando de milhares de núcleos, focos de desobediência para impedir ou escapar da repressão do regime. Nós manejamos um pouco essa teoria e escrevi um livro e pode-se lê-lo em português na nossa página na internet - www.fuerçasolidaria.one. Além do esforço intelectual, tenho viajado toda a Venezuela promovendo o artigo 350 da Constituição. Temos grupos de trabalho pelo menos em dez cidades, distribuímos cerca de 13 mil livros, 600 mil volantes, com o resumo do livro, reforçando uma ação política antigoverno. Vamos à segunda parte a expansão mundial e continental do chavismo. Em minha opinião, o Fórum de São Paulo foi superado. O Fórum de São Paulo é importante, mas ficou para trás. Chávez já não necessita do Fórum de São Paulo porque tem a chancelaria, tem Rodriguez, o ministro das Relações Exteriores, que foi chefe guerrilheiro, membro fundador do Fórum de São Paulo, junto com o também fundador do Fórum de São Paulo, Manuel Marulanda, que é o chefe das Farc, e também junto com o senhor Lula da Silva, que foi o principal promotor da seção do Fórum, aqui, nesta cidade, em 3 e 4 de julho de 1990, com o apoio do Partido dos Trabalhadores. Então, Rodriguez agora tem embaixadores, agora tem todo o sistema diplomático e conta com uma boa estrutura do Estado. O mesmo ocorre com o governante, que já não necessita de uma ferramenta extragovernamental, pois agora conta com o governo. Do Fórum Social Mundial, posso dizer que ele é o irmão mais velho do Fórum de São Paulo, tem uma concepção similar, mas estende-se aos cinco continentes e é preciso vê-lo com muito discernimento. As primeiras três partes do livro Continente da Esperança são dedicadas a denunciar o Fórum de São Paulo e o Fórum Social Mundial. No México, não só apoiou a candidatura de Lopez Obrador, como também trabalhou diretamente com os líderes regionais do Partido PRD, o partido de Obrador. Recrutou pessoas nas principais cidades do México, porque se Obrador ou o Comitê Central de PRD, de alguma forma não funcionasse, ele teria uma alternativa. Sempre vai às regiões que lhe são importantes politicamente. A inteligência e a estrutura cubana, com o financiamento poderoso dos petrodólares venezuelanos, é uma combinação de poder imenso, com a experiência, a capacidade, e a inteligência de 47 anos do castro-comunismo. Estamos falando de bilhões de dólares semanais que entram na Venezuela, dos quais muito pouco ou quase nada se voltam ao desenvolvimento nacional. Em El Salvador, Chávez apóia a Frente Fara-
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Segundo ele, o sistema eleitoral do país permite manipulação dos resultados e a solução seria, então, buscar mecanismos democráticos e constitucionais para sair da crise. Um desses mecanismos, na sua opinião, seria a desobediência civil, garantida pelo artigo 350 da Constituição venezuelana, que permite o não-reconhecimento de um regime político que viola os direitos humanos e as regras democráticas. OBSERVAÇÃO INTERNA - Suspeito de vinculação com o narcotráfico!!! Notícias em 1997 apontavam isso. http://www.fuerzasolidaria.org
bundo Martin de Libertação Nacional (FMLN). Não somente uma ajuda pública (prefeituras controladas pela FMLN recebem petróleo venezuelano a preço subsidiado), como informam os meios de comunicação. O apoio privado, secreto, se faz com o envio efetivo de dinheiro. Conheço, inclusive, o mecanismo usado para que o dinheiro chegue à FMLN e promova, por exemplo, a primeira campanha de Jorge Schafik Handal, um ex-guerrilheiro, comunista, que foi derrota por Antonio Saca Gonzáleza. Tudo financiado por Chávez, com dinheiro efetivo. Na Nicarágua, faz a mesma coisa. Apóia Daniel Ortega, patrocina as prefeituras controladas pelo sandinismo com petróleo subsidiado, e apoio clandestino, ou não declarado efetivamente, à Frente Sandinista. Na Guatemala, o que Chávez está fazendo, sem dúvida dirigido pela inteligência cubana, é repetir um movimento indigenista, que não é indígena, não se trata de movimento em favor dos direitos dos índios. São movimentos subversivos, que utilizam muito mal o nome dos indígenas para promover outra coisa que é o castro-comunismo. E então, na Guatemala, está promovendo a constituição de um movimento indigenista, do qual possa sair como candidato a uma pessoa tipo Evo Morales, porque candidato da esquerda moderada não o satisfaz. Apóiam também, mas preferem um mais radical. Em Cuba, bom, já vimos como se recuperou a economia cubana com o total apoio, não somente público, que aparece nos meios de comunicação, mas com os barris de petróleo. Realmente, Cuba tem uma simbiose com o governo venezuelano tremenda. Eu digo com vergonha e tenho que reconhecer que, durante todos os dias aqui senti, como venezuelano, um sentimento muito desagradável de ver como minha Pátria, cujo principal orgulho foi historicamente a participação na libertação dos povos na América, está exportando a escravidão para todo o Continente. É duro. Mas vejam a influência cubana em meu país, uma influência tremenda em todos os setores. São os verdadeiros chefes dos serviços, departamentos de edificação etc., etc., ocupadas, supervisadas e às vezes controladas por cubanos. Nós não temos na Colômbia, não somente apoio político às Farc, apoio mútuo, isso é público, podem procurar na internet colocando farcs.chavez, no Google, e vão ler declarações dele de apoio às Farc, mas também o apoio aos candidatos contrário a Uribe. Quer dizer, não somente dá apoio à subversão, mas dá apoio por meio de políticas formais, tratando de desestabilizar os adversários de Uribe. No Equador, apoio à Confederação Nacional Indígena "El Conaye" e estou convencido que,
neste momento, a possibilidade de vitória do candidato chavista, com financiamento de Chavez, nas eleições de outubro no Equador é enorme. Quer dizer, temos intervenção, ingerência direta e até tomada de decisões nos partidos de esquerda que atuam nesses países. Na Bolívia, autoridade sobre Evo Morales. No Peru, apoio a Ollanta Humala (líder nacionalista derrotado por Alan Garcia nas eleições presidenciais de abril desde ano no Peru). NoUruguai, pelo que me consta, na primeira campanha eleitoral da frente (INAUDÍVEL), houve um importante financiamento direto de Chávez. Não me consta como foi na segunda campanha, a que elegeu o atual presidente, mas eu posso supor que foi maior do que a primeira. Caso Lúcio Gutierrez, muito importante. Lúcio Gutierrez foi levado ao poder com o apoio de Chavez, mas, como não era suficientemente radical, como não era suficientemente entregue, subordinado aos planos de Fidel Castro foi desestabilizado pelo próprio Chavez. E, Lúcio Gutierrez renunciou. Dessa forma, para Chavez e Fidel Castro governos de esquerda moderada, como o do Brasil. Ou que chamam governo de esquerda moderada, que não são diretamente castrista, são para eles governos de transição. Vamos deixá-los ali, vamos aproveitar-nos desses governos de esquerda supostamente moderados, vamos ser amigos deles, mas assim que puderem Fidel Castro e Chávez quebram-lhes a cabeça. E apóiam a outros mais radicais. De tal maneira que esses governos moderados servem de inocentes úteis, por razões ideológicas de outro tipo, para o avanço do castrochavismo. Nos países, onde existem governos de esquerda moderada, o governo de Cháves tem relações internas com grupos mais radicais. Como se fosse no futebol, se o jogador titular não está bem, tenho outro de reserva e substituo o titular. Essa é a visão. Estou completamente convencido de que, neste momento, há uma forte operação de apoio a setores radicais no Brasil por parte do castro-chavismo. Não posso demonstrar se há alguma coisa na visita de D. Ivo Casaldaliga à Venezuela. Mas a maneira como eles operam é standard em cada nação. Fala-se em cortina da esquerda. Diga-me como vamos dizer com "donetos"? Como vamos dizer? Governo? Sim? A ver, há três Operhaimer(?), Oto Haich(?), pessoas que são, evidentemente, democráticas e que se opõem ao comunismo para mencionar somente duas, insistem publicamente em que existem duas esquerdas: uma esquerda radical, autoritária, não-democrática, que ignora os direitos humanos e não compartilham o preceito do vil metal. Então, esses colocam aí gente como Cháves, Biercamp(?), mas existem, dizem eles,
A democracia na América Latina está vinculada à permanência de Chávez no poder Então, temos que escolher entre a africanização total ou converter-nos no Continente da Esperança, que é o que deveria ser o nosso destino.
uma esquerda moderada que, digamos, evoluiu, que é democrata, trabalha com uma certa economia de mercado, que não é autoritária, que permite o caminho eleitoral e mencionam, eles dizem, o caso de Lula, o recente caso de Bachelet, mas de Lagos, um pouco de Kirchner, mas qual é nossa experiência como venezuelanos? Nossa experiência é que a esquerda moderada, que se diz democrática, nunca faz nada para denunciar e atacar a outra esquerda radical e autoritária. Quer dizer, é como um teu vizinho entra em sua casa, rouba tudo, destrói, faz coisas inimagináveis e o outro vizinho diz: bom, eu não sou como ele, mas não o denuncia, não se coloca ao seu lado. Então, o que você pensa? Que os dois vizinhos estão combinados ou de alguma maneira trabalham juntos. Ora, eu quis colocar três exemplos concretos de como isso me afeta, como venezuelano, e a 25 milhões de venezuelanos. Temos feito um esforço tremendo, heróico, de colocar Chávez contra a parede em três oportunidades: em 11 de abril do ano de 2002, na greve nacional, não somente dos petroleiros, mas nacional, de dezembro do ano de 2002 e no referendo revogatório de 3 de agosto do ano de 2004. E, nas três oportunidades, quando Chávez estava contra a parede, Lula, como candidato ou mesmo como presidente, deu respaldo total a Chávez. Totalmente, inclusive, quando da greve dos petroleiros e na greve nacional nos perguntamos: mas como? Lula não é um sindicalista? Líder sindical? Mas está furando uma greve nacional? Isso em espanhol se diz: está atuando como estirol Como é isso? E então enviou aquele barco que pediu a Fernando Henrique Cardoso, creio, Lula era presidente eleito, enviou aquele barco de gasolina, a partir do qual começou, de novo, o refluxo da crise venezuelana, depois que Chávez já estava contra a parede. Não vou culpar a esquerda moderada. Está bem aí, isso é problema dos venezuelanos, nós teremos que derrubar, nós os venezuelanos, mas quero lhes dizer que temos que ter muito cuidado com essa esquerda moderada, que é moderada em algumas coisas, mas, na prática, dão respaldo a esses ditadores. Objetivo continental imediato: destruir o sistema democrático da região até acabar com ele. O que vai fazer na Bolívia? Chávez quer acabar com as instituições, já, e criar outras à imagem e semelhança do governo castro-comunista. Ele quer se apoderar de todas as nações como um câncer, que vai se espalhando e vai afetando as células sadias. Logo, destruirá as instituições internacionais existentes, como está fazendo com a Comunidade Nacional do Salitre ou o ruído que produzirá no Mercosul. Ouço ameaças de sair do G-3 - México, Colômbia, Venezuela. É deliberado, tem que acabar com essas instituições e substituí-las por ouSETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 19
tras de ideologia castro-comunista. Não se conformam com uma parte do pastel, isso é como o câncer, é tudo ou nada. Essa é a situação em que nos colocam. Finalmente, depois de invadir o continente, exportar a revolução ao resto do mundo. Há indícios disso. Por isso, asá alianças com setores fundamentalistas muçulmanos, por isso o financiamento do grupo (muçulmano?) na França, por isso o apoio às nações do Fórum Social Mundial contra o G-7, eles estão expandindo com o dinheiro que lhes dá o regime venezuelano. Mas é preciso uma aliança continental pela defesa da democracia, uma disposição de agir em conjunto, de empenho para mostrar o que acontece na Venezuela. Acrescento que devemos ter muito cuidado em ser bastante amplos e procurar incorporar a maior quantidade de correntes ideológicas, filosóficas e políticas em uma aliança contra o castro-comunismo. Porque às vezes, na oposição, temos a tendência a fazer pequenos nichos ideológicos. Não pode ser assim. Quero dar um exemplo que não gosto, mas devemos sempre lembrar que Franklin Delano Roosevelt se aliou a Stalin para lutar contra Hitler, e Stalin foi um dos piores homens que a humanidade já teve, em toda a sua história. Não digo que cheguemos a esse extremo, mas será preciso formar uma corrente. Entender que o nosso inimigo agora é o castro-comunismo e temos que agrupar quantas correntes for possível, que sejam diferentes mas contrárias ao castro-comunismo. Finalmente, na luta para derrotar essa mesma Venezuela, o que estamos fazendo? Eu levo 11 anos lutando contra Chávez, muito antes dele ser candidato a presidente. O primeiro artigo, no qual digoque ele estava vinculado a Fidel Castro, escrevi em setembro de 1995, numa coluna diária que eu tinha no Diário Popular da Venezuela. Seu título era Última Notícia , que me foi tiraram quando Chávez chegou ao poder. Então, eu o denunciei desde há 11 anos todos os dias. E nossa equipe de trabalho descobriu que não é suficiente uma receita política para derrubar o regime. Estudar esse artigo 350 e sabê-lo de cor. E fazer uma operação de oposição e denunciar o chavismo em qualquer parte onde se vá, dentro e fora do país, não é suficiente. É bom saber disso. Porque o dilema em que nos coloca essa ameaça é que coloca em risco a nossa vida. Lutar contra castro-comunismo é arriscar-se a morrer, a ser preso ou, inclusive, a arriscar-se a que algo de mal aconteça à sua família. Estamos lutando contra os criminosos mais perversos que temos agora na América Latina. São os aliados das Farc. Imaginem o que podem fazer. São pessoas, realmente, perigosas, dispostas a tudo. Se chego com boas intenções digo,
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Acredita-se que Chávez é popular. É absolutamente falso. (Após) sete anos de governo e os maiores recursos petroleiros da história do nosso país, a situação de fome, de pobreza, e de insegurança continuam.
Tenho três processos, forjados os três, e os três são por rebelião, por promover a rebelião e, por um desses, estou proibido de sair do país. Se quiserem me prender, não têm que inventar nada, a não ser atualizar um desses processos.
bom, para lutar contra isso, tenho que tomar uma decisão. Estou disposto a deixar minha vida ou não? Porque isso é tudo por todos. Para todos nós, ainda que não saibamos hoje, porque à medida que eles avançam, cada um de nós vai colocá-los contra a parede. Eles estão avançando, assim como estão os cubanos, mas não podemos chegar a essa situação. Para lutar agorinha, temos que tomar uma decisão de definir até que ponto alguém está disposto a brigar. Essa decisão tem que ser tomada tomá-la porque a única linguagem que entende o castro-comunismo, a única linguagem para poder derrotá-lo, é essa disposição a tudo. É como quando um assaltante, um criminoso, um bandido quer te machucar e o encontra também disposto a lutar. Veja, não te quero machucar, poderia ser dito ao assaltante, mas é você quem está me atacando. Pois vou me defender. E se você é bravo, eu também sou. Essa é a única atitude que eles entendem. E para chegar a esse nível de compromisso temos que fazer-te uma série de pergunta de tipo existencial: Quem somos como pessoas e como país? Quais os objetivos da vida? Porque todos vamos morrer. Todos. No máximo viveremos 110 anos, 120 e morremos. A pergunta é: a que dedicamos esses anos de vida que temos em momentos tão transcendentais como esses? Nos dedicamos a comer, a dormir, a acumular dinheiro, fama, bens materiais ou vivendo essa situação histórica que não é culpa nossa? Vivemos esse momento de história, vamos fazer o possível para salvar as futuras gerações de uma ameaça que pode destruir você e seu continente. Esse tipo de projeto existencial é fundamental, para mim é um combustível absolutamente necessário e, depois de muito trabalho, decidi escrever este livro, porque esse livro desenvolve esse assunto. Por que somos o Continente da Esperança? Porque João Paulo II dizia isso: para nos sentirmos bem. Ou teria algo mais em mente? Veria algo em nosso continente? E que somos? É certo que por ser descendente de espanhol então não servimos para nada ou a península ibérica não serviu. Não é verdade. Porque, sendo o primeiro reservatório de água, de minerais e de bosques, somos um continente de pobrezinhos? Mas, especialmente, e o que digo no livro é que foi escrito para um público latino-americano ou ibero-americano, também teive a intenção concreta de elevar a auto-estima da gente da Venezuela. Ele tem por objetivo, então, apresentar uma reflexão, para ver se essa reflexão nos dá força interna para lutar contra esse inimigo tão terrível. E, para finalizar,quero ler-lhes a dedicatória que coloquei no livro: "A todos os povos da América, o desagravo pelos males que o regime de Hugo Chávez tenha podido lhes causar."
Porque os liberais venceram
Divulgação/Editora Sorman
Guy Sorman
N
o mundo real, hoje, não há alternativa à combinação entre o livre mercado com democracia. Para deixar isso mais claro, chamarei essa associação de liberalismo. O que é liberalismo? Isso precisa ficar claro desde logo, já que a palavra liberal assume conotações diversas em diferentes idiomas. Na França, é um conceito econômico. Nos Estados Unidos, significa esquerdista. Na América Latina é atribuída à direita. No México, algumas vezes, anti-clerical. Minha definição pessoal enraíza-se na filosofia iluminista do século 18: liberalismo como liberdade individual+democracia+livre mercado. Como Fukuyama, considero que o liberalismo - ou liberalismo clássico, se preferirem - é o fim da história. Por isso, pretendemos dizer que não há alternativa válida ao liberalismo clássico. O fim da história Todos estão conscientes disso, inclusive os inimigos do liberalismo. Hoje, eles não propõem mais nada em seu lugar; apenas fazem oposição ao liberalismo sem oferecer outras opções. Alguns vêem com agrado esse fim da história, outros não. Alguns sentem nostalgia do socialismo, mas não sabem como reformulá-lo: há o caminho da ecologia, mas talvez isso fosse uma volta à interferência do Estado em nome da natureza. Mas não chega a ser uma ideologia, como o socialismo realmente foi. É verdade que alguns empreendedores preferem um livre mercado sem democracia; na outra ponta, os chamados empreendedores políticos tendem em favor de uma democracia com menos mercado, sendo a política mais compensadora para eles que o mercado. E cada corrente segue sua própria lógica. Para além desses interesses pessoais dentro do liberalismo, é menos fundamental hoje discutir a legitimidade e os méritos do sistema, do que ad-
Cientista político e escritor ministrar simultaneamente o mercado e democracia. Por que os norte-americanos fazem isso mais facilmente que os franceses e os brasileiros? Democracia nos Estados Unidos, França e Brasil A administração do liberalismo, por razões históricas e culturais, é relativamente mais fácil nos Estados Unidos. Nos EUA, democracia e mercado existiam antes mesmo da criação do Estado: a legitimidade do liberalismo ali, então, está acima de qualquer suspeita. Entre alguns círculos marginais, a imensa maioria sabe que liberalismo funciona. No Brasil, como na França, o Estado chegou antes. Quando a democracia emergiu, não foi tanto para dar poder ao povo, mas para substituir uma elite por outra, supostamente mais eficaz. Democracia, em ambos os casos, foi uma forma de se livrar de uma antiga monarquia e construir em seu lugar um despotismo esclarecido; o povo foi mantido à parte e, em sua maioria, não teve direito ao voto até a metade do século 20. A tentação do despotismo esclarecido Por razões que você não encontra nos Estados Unidos, a Igreja Católica e a tradição aristocrática foram reticentes à democracia. Na França e no Brasil, os representantes da Igreja, assim como a aristocracia, não eram simpáticos à democracia - o que ocorreu até os anos 1960. Aliando-se ou competindo, as elites religiosas e seculares (na tradição de Auguste Comte) sabiam ou imaginavam saber o que era bom para o povo. Na França, perdemos as elites clericais e aristocráticas há muito tempo, mas elas foram substituídas pela tecnocracia. Na França, os tecnocratas sabem ou pensam que sabem mais que o povo: no tempo de De Gaulle, éramos governados por uma tecnocracia com apoio popular - o que parecia o melhor dos mundos -, até que este sistema ruiu em 1968, quando as pessoas se cansaram desse regime autoritário. No entanto, ainda hoje muitos an-
O jornalista, escritor e professor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Paris Guy Sorman é considerado um dos mais influentes e controversos intelectuais contemporâneos que se dedicam a destrinchar os postulados do liberalismo clássico e os altos e baixos do capitalismo no mundo. Sorman escreveu mais de uma dezena de livros sobre as soluções práticas propostas pelo pensamento liberal aos problemas econômicos e sociais não apenas no contexto francês, mas em vários países como Estados Unidos, Índia e China. Seu mais recente livro, por exemplo, é um mergulho no fenômeno econômico chinês e em suas contradições políticas internas: L'Année du Coq. Outras obras de destaque são Made in USA (2005), Le Progrès et ses ennemis (2001), L'État minimum (1985) e, com edição brasileira, A Solução Liberal (1989) e A Nova Riqueza das Nações (1989).
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Sorman anunciou recentemente que, em seu próximo livro, buscará analisar quais podem ser as propostas liberais para a América Latina. Além de intelectual, é também um empreendedor: em 1979 ajudou a fundar e hoje é presidente de honra da ONG Action contre la Faim (www.action contrelafaim.org) que atua no combate à miséria em vários países africanos e na Índia. Em 1975, criou a Éditions Sorman, que publica semanalmente newsletters temáticas sobre finanças públicas, pequenas empresas, planejamento urbano e outros temas ligados a administração e economia. É também colunista das publicações Le Figaro, European Wall Street Journal, La Nación (Argentina) Joogang ibo (Coréia do Sul), La Tercera (Chile) e Diário do Comércio (Brasil). Desde 2002, é membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos da França. Sorman mantém também um blog com artigos quase diários sobre questões políticas e econômicas da atualidade: Le futur, c'est tout de suite (http://gsorman. typepad.com).
seiam por um líder iluminado. E é claro que ele não existe. No caso do Brasil e da América Latina, não preciso explicar muito: caudilhismo é o outro nome para despotismo esclarecido. Tudo isso é impossível de se imaginar nos Estados Unidos: os americanos, de fato, não esperam muito de seus líderes. Eles percebem a democracia como uma forma de limitar o despotismo, não como uma forma de resolver seus problemas: a prioridade é o equilíbrio de poder nos EUA, não a eficiência. O povo americano sabe que seu governo não é tão eficiente. Além dessa história diferente, resta ainda alguma razão para despotismo esclarecido, um governo forte em vez de um governo democrático? Não: despotismo esclarecido foi tentado muitas vezes no Brasil (Vargas, regime militar), mas não funcionou, por quatro razões: Déspotas raramente são esclarecidos. Se o são, não permanecem assim por muito tempo. Onde encontramos um déspota esclarecido? Como nos livramos deles? A democracia, ao contrário, é uma solução para esses dilemas: não escolhe os melhores líderes (o que quer que isso seja), mas limita o despotismo e o alcance da violência política. Karl Popper diz que a virtude seminal da democracia é a possibilidade de se livrar dos dirigentes sem derramamento de sangue. A regra do jogo: democracia de massa. Hoje vivemos em um irreversível regime de democracia de massa: é baseada em comunicação de massa e votos. Temos que defender ambos. Também irreversíveis são os anseios de crescimento e redistribuição. As pessoas querem ambas as coisas e já. Empreendedores políticos não têm escolha; eles têm de prometer ambas as coisas e tentar realizálas. Se você cumpre a parte de crescimento sem re-
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distribuição, como Menem (Carlos Menem, expresidente da Argentina) ou Toledo (presidente do Peru), você perde. Esta é a regra do jogo e perseguir um debate ideológico com essas premissas não leva a nada. Em vez de debate ideológico, devemos focar na administração e na comunicação. Como se convence as pessoas, os meios de comunicação e os empreendedores políticos de que o livre mercado cria riqueza e permite sua redistribuição? Como superar o ceticismo a respeito? Para além da crise do liberalismo, três propostas para o Brasil: 1 - Em uma sociedade não-igualitária como o Brasil, crescimento não é o suficiente. É necessário acelerar o processo de redistribuição. Isso pode ser implementado pela desregulamentação e o micro-crédito que aumentem o número de empreendedores e até gere um “capitalismo descalço”. Esta é a forma de reduzir a dependência e a desigualdade em torno das oligarquias e em direção ao estado de bem-estar social. Capitalismo descalço é a resposta à maré ascendente do populismo; 2 - Liberalismo não deve ser confundido com direitismo. Por causa da vitória das idéias liberais, governos esquerdistas não recorrem mais às soluções socialistas: é o caso do Chile. No Brasil, Lula não aplicou seu programa de governo: os conceitos de nacionalização e manipulação da moeda foram abandonados. O inimigo não é a esquerda, é o populismo, uma variante do fascismo como a de Chávez e Castro (Fidel, presidente de Cuba) ou o presidente boliviano. 3 - É melhor defender sua causa. Liberais não são membros da classe parlamentar, mas devem unir-se a ela. É um dever ético defender o liberalismo, é ético tornar-se um militante da causa. Fundações podem ter um papel seminal em reunir acadêmicos e empreendedores. Este é o foro para se trazer uma nova visão de liberalismo e vendê-la.
Timothy Goegline Assistente especial do presidente George W. Bush e diretor do Departamento de Relações Públicas da Casa Branca
A
O que é Liberalismo no estilo dos Estados Unidos
Justine Lane/EFE
o chegar ao Brasil, descobri que liberalismo é conservadorismo e conservadorismo é monarquia e monarquia não existe. E o liberalismo sobre o qual conversamos é, na verdade, o liberalismo europeu, apesar de estarmos na América Latina. Richard Weaver, um estudioso conservador que morreu prematuramente, escreveu um livro chamado Idéias Têm Conseqüências. Esse é provavelmente um dos livros mais apreciados na história dos Estados Unidos. Que Deus abençoe Richard Weaver. Ele pode ter se enganado em alguns pontos, mas estava certo no sentido mais geral de que há benefício no livre comércio, nas regras incluídas nas leis, no poder limitado do governo e, claro, naquilo que ele chamava de sua especialidade - os valores e instituições que compreendem a superior civilização ocidental, ou a nossa tradição judaico-cristã. George W. Bush, mesmo que não houvesse nenhuma guerra no Afeganistão, mesmo que não houvesse nenhuma guerra no Iraque, seria transformado em vilão por seus críticos por aquela que é considerada a doutrina mais controversa dos últimos cinqüenta anos, e, ao mesmo tempo, orgulhosamente chamada de Doutrina Bush. Essa é uma doutrina de prevenção, defensiva, enraizada no que achamos que seja a abordagem mais razoável diante da ameaça do século XXI. Eu ainda acho que a raiz da Doutrina Bush está na presença, nesta parte do mundo, de pessoas que se juntam em uma conferência para falar e ouvir sobre os valores e princípios que acabam compondo o significado do que é ser de fato uma pessoa. Neste mundo incrível, eu diria que Bush passa por vilão porque tem a coragem de enfrentar palanques, como os desse seminário, para falar sobre aquilo em que ele acredita ser o caminho da liberdade. Isso o presidente aprendeu com sua própria família, com sua própria vida. Seu pai, como sabem, foi um heSETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 23
Paulo Pampolin/Hype
A liberdade não vem de graça. Bush sabe como é o caminho da liberdade. Aprendeu com sua vida e com sua família. Aprendeu o quanto é perigoso ficar no lado errado de um sonho.
Jornalista, assistente especial do presidente norte-americano, George W. Bush, e diretor-assistente do escritório de relações públicas da Casa Branca, Tim Goeglein é graduado em jornalismo pela Universidade de Indiana e trabalhou durante dez anos como assessor do Partido Republicano. Em 2000, passou a integrar a equipe da campanha Bush-Cheney e, com a eleição do presidente e do vice-presidente, passou a integrar a equipe de transição de governo para, depois, se tornar um membro da equipe da Casa Branca. Além disso, ele é também vice-diretor do Office of Public Liaison, um dos quatro departamentos políticos da Casa Branca.
rói da Segunda Guerra Mundial. Aprendeu o quanto é perigoso ficar do lado errado de um sonho. Acho que trabalhar para esse homem bom e decente torna uma honra e um privilégio vir a São Paulo para esse encontro. A liberdade não vem de graça. A liberdade é dura de ser conquistada, mas pode ser facilmente perdida. Apesar dessas serem palavras simples, mas, nesse nosso mundo muito perigoso, elas representam a dura realidade. Atualmente, nos encontramos no processo de fornecer cultura a uma geração emergente de jovens, ensinando-os sobre a essência e sobre a educação voltada para a liberdade. Apesar de todas as palestras, todas as conferências, todos os livros e todas as viagens, se não conseguirmos acertar com essa geração que vem ascendendo, os herdeiros do manto da liberdade desse novo tempo, perderemos a democracia constitucional como nós a conhecemos. Isso porque o liberalismo, não no sentido europeu ou latino-americano, mas no sentido norteamericano, é uma ideologia que nada inicia. Uma das grandes realidades do liberalismo, novamente não no sentido latino-americano mas no sentido norte-americano, é que o liberalismo está em guerra com a história e em guerra com a memória. Isso provoca divisões e subdivisões entre os jovens na discussão sobre o que representa viver dentro de um regime de liberdade democrática, sob uma constituição e dentro da lei. Bush disse com muita eloqüência, e eu acredito, que a liberdade não é o presidente americano para o mundo. Para dar eco aos excelentes comentários de Clifford May, o presidente enxerga isso em um contexto muito maior. Suas palavras: “Não é que a liberdade seja um presente dos Estados Unidos para o mundo, mas sim um presente de Deus para a humanidade”. A meu ver, essa é uma definição magnífica do que representa a marcha da liberdade em nosso tempo. Os Estados Unidos completaram 230 anos no dia 4 de julho deste ano. Quando nosso país foi fundado, em 1776, havia exatamente uma democracia no mundo. Hoje, dependendo como se de-
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fine uma democracia, há em torno de 120 delas. Porém, temos nos Estados Unidos a constituição mais velha existente no mundo. Duzentos e trinta anos não representam tanto tempo na história do homem. Mesmo assim, tivemos capítulos e reações importantes na nossa história quando a liberdade constitucional esteve diretamente sob ataque. Que acontecimentos foram esses? A nossa Guerra Civil, e como lembrou Clifford May, a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial e certamente as guerras do Vietnã e da Coréia. Faço agora uma constatação importante: desde 1947 não houve uma época tão perigosa para os Estados Unidos como agora. Nós todos estamos vivendo o momento mais tenso desde a Segunda Guerra Mundial. Em 1947, o presidente Harry Truman percebeu que os comunistas falavam sério. Achou também que nós deveríamos levar a ameaça a sério. Os comunistas estavam de olho na Grécia e na Turquia e, mais do que isso, dispostos a alcançar essas metas. O presidente Truman começou então a manobrar o navio do Estado norteamericano, levando-o a um novo rumo; durante os 75 anos seguintes conduziu-o diante de sérias ameaças para as liberdades constitucionais como as entendemos desde a Guerra Civil que dividiu o Norte e o Sul dos Estados Unidos. Creio que vivemos uma situação semelhante nos dias de hoje. Bush está manobrando o mesmo navio agora numa nova direção, para um novo século. Seria fácil que essa providência surgiu com os ataques de 11 de setembro de 2001 às torres do World Trade Center em Nova York. O fato é que desde 1979, quando norte-americanos viveram 444 dias de cativeiro na Embaixada norte-americana em Teerã, no Irã, o terrorismo tem andado na direção dos Estados Unidos. John Adams já havia nos avisado sobre a natureza de fatos como esse e, apesar de todos os críticos, que têm direito às suas opiniões, mas não têm o direito de estabelecer fatos, é também um fato que hoje nos encontramos numa guerra calamitosa contra o fascismo radical islâmico. Acrescento que se nós não levarmos essa situação tão a sério como Truman,
Nós estamos vivendo o momento mais tenso desde a II Guerra. Como líderes do mundo livre, os EUA, aos 230 anos, compreende seu papel na defesa do liberalismo no mundo.
em 1947, durante a guerra fria, que pelo menos façamos de tal maneira que principalmente comprometa o liberalismo e os valores constitucionais que compõem o principal tema deste seminário. Sei que se perdermos o espírito da constituição norteamericana jamais conseguiremos recobrá-lo. Quero, agora, recuar no tempo. Um dos primeiros colonizadores dos Estados Unidos, um homem chamado John Withrop escreveu uma carta muito conhecida e sobre a qual a maioria dos norte-americanos, liberais ou conservadores, têm a mesma opinião. Ambos os lados concordam com os termos da carta de Withrop. É uma espécie de visão providencial dos Estados Unidos. Withrop diz em sua carta que a intenção dos primeiros colonizadores é que a América fosse uma cidade brilhante sobre o morro, idéia claramente retirada das Escrituras. É impossível entender os Estados Unidos separados daquilo que os norte-americanos ainda acreditam ser o destino providencial e singular do seu país. E essa não é uma afirmação de arrogância. Na verdade, é uma afirmação de humildade. Amamos todos os nossos amigos e aliados assim como também amamos e respeitamos suas tradições. Os Estados Unidos, porém, como líderes do mundo livre, continuam adeptos dos princípios de sua história e conscientes de seu papel na defesa da liberdade e do liberalismo no mundo. Admito que sou um otimista conservador e tenho que admitir também que muita gente considera isso uma incongruência, mas acredito de fato que esse é o destino daqueles fiéis às suas próprias definições. Os que, como nós, admitem com orgulho serem chamados de conservadores, seja no sentido europeu ou no sentido latino-americano, somos liberais com todos os motivos para se sentirem otimistas. Afinal, citando de novo Richard Weaver, as idéias têm conseqüências, e é importante se defender e não se desculpar por ter as idéias certas. É preciso permanecer intelectualmente sérios ao se opor às idéias que minam a história da liberdade. Os Estados Unidos são edificados sobre um
conceito de liberdade. Nossos alicerces foram cimentados sobre uma revolução que levou para frente essa nova idéia de liberdade em vez do que era largamente entendido como o sangue e a terra da velha Europa. Esse sangue e essa terra foram realmente sentidos na experiência vivida pelos primeiros colonizadores. Eles vieram da Europa, haviam vivenciado as guerras e compreenderam que a cidade luminosa no alto de um morro não era apenas algo diferente mas também algo novo. Minha frase favorita, entre tantas proferidas por presidentes norte-americanos, foi dita pelo grande presidente Franklin Delano Roosevelt, o único presidente a ser eleito quatro vezes na história de nossa república. Roosevelt disse que os Estados Unidos tinham um encontro marcado com o destino. O que ele quis dizer com isso? Acredito que estivesse repercutindo a mesma impressão de Withrop quando disse que a América era uma cidade luminosa sobre um morro. Acredito também que outro grande presidente, o primeiro presidente republicano e um dos maiores dos Estados Unidos, Abraham Lincoln também ecoava a frase de Withrop quando disse que os Estados Unidos, em sua decência, era a última esperança da Terra. Mas em que essa esperança estava enraizada? Aquela esperança, esperança de Lincoln, durante a pior guerra da história americana, estava enraizada na marcha para a liberdade e o ideal constitucional que emanava diretamente do milagre da Filadélfia que ordenou o modo de vida americano. Aos que dedicaram suas vidas à defesa da liberdade e da democracia, como se expôs nesse seminário, quero deixar claro que estão do lado correto da história. São os marchadores da liberdade, defensores de idéias que têm conseqüências, sim. Concordo com as palavras de Lincoln que o poder é que tem razão. Isso é uma coisa que terroristas e antiliberais, aqueles que desprezam o ser humano, jamais poderão entender. Que Deus abençoe os Estados Unidos e nossos amigos da América Latina, e vamos seguir, como o grande Winston Churchill, sem nunca desistir.
Goeglein define seu próprio trabalho como "levar a mensagem do presidente aos conservadores, católicos, protestantes e evangélicos", o que o tornou o principal representante do governo norte-americano no diálogo com as diversas religiões cristãs. Além disso, seu trabalho também inclui o diálogo com a comunidade sobre questões de segurança nacional, instituições culturais, conselhos de família e principais articuladores do pensamento político norte-americano. Uma de suas principais funções é ouvir essas comunidades e assegurar que seus interesses sejam analisados e contemplados na definição das políticas internas e externas adotadas pela administração Bush. Em seus discursos, uma das principais preocupações de Goeglein tem sido destacar a importância da "sociedade civil" no fortalecimento das instituições, do desenvolvimento econômico e da democracia, entendida como o respeito às leis e à liberdade individual. Goeglein defende que as políticas adotadas pelo presidente Bush representam uma luta pela expansão da democracia e que os governos dos países islâmicos, legitimados pela religião, não adotam processos eleitorais claros, desrespeitam os direitos civis e representam uma força de resistência à democracia.
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Democracia, Liberdade e Estado de Direito. E também ajuda e solidariedade. Maggie Petito Especialista em relações governamentais e internacionais, preside a Friends of Rule of Law e o Cultural Partnership of the Americas.
Taxas de pobreza, acima de 40% da população, é desgraça nacional e reflete que não apenas a igreja ou o governo, mas a sociedade (na América Latina) falhou na proteção a seus cidadãos.
Ilustração Roberto Alvarenga
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O
fracasso das promessas de um futuro melhor para a América Latina costuma ser atribuído à democracia. A democracia, no entanto, desperta um estado de crescimento constante e é capaz de ser adaptar aos desafios do mundo de hoje. Atualmente, políticos persuasivos dizem que a democracia tem abandonado os pobres. Isso também não é verdade. A democracia nunca se omitiu do cuidado do trabalho ou da comida de alguém. A democracia é simplesmente uma forma de governo eleito pelo povo, que, assim, exerce a sua soberania. Caridade é uma obrigação para com os pobres. Caridade, que sempre começa em casa, em nossa vizinhança e em nossas comunidades, é cinicamente negligenciada por toda a América Latina. Na América do Norte, a ajuda humanitária, como um hábito de vida, está enraizada quase desde o nascimento, como parte integrante do que faz nossas sociedades funcionarem. Na América do Norte, como na Europa, governos nacionais oferecem várias redes de segurança de âmbito federal para ajudar no que é considerado essencialmente um papel não governamental. Várias nações européias têm incrementado programas federais quase socialistas, mas que são ineficientes e, pior, dispendiosos e, às vezes, inoperantes. Entretanto, a assistência manifestada livremente aos desfavorecidos é tida na mais alta consideração na América do Norte, enquanto é mantida em baixa na América Latina. As nações latino-americanas têm reduzida transparência nas suas chamadas “instituições de caridade”. Cada grande cidade na América do Sul tem uma enorme e multiplicadora parcela da sua força de trabalho empregada em ONGs e entidades sem fins lucrativos. Deduções de impostos para instituições de auxílio aos desprotegidos, baseadas em seu desempenho, praticamente não existem. Nenhum dos países da América Latina exige auditorias, relatórios ou classificações baseadas no desempenho. Essa exigência é uma ferramenta muito usada nos Estados Unidos para medir a ajuda pela porcentagem dos recursos financeiros verdadeiramente gastos em causas beneficentes diretas. Isso faz uma enorme diferença. Afinal, a luz do sol é sempre o melhor desinfetante. Todas as instituições de ajuda nos Estados Unidos devem apresentar ao governo relatórios anuais, com orçamentos e descrição de suas atividades. Esses relatórios são totalmente acessíveis ao publico. Isso removeu o apelo à fraude e ao enriquecimento à custa de esquema fiscais e manipulações que podem freqüentemente desgastar a generosidade.
Divulgação
A instituição de prestação de serviços humanitários, sem vinculação política, combina com educação séria para tirar o pobre da miséria. Qualquer nação com índice de pobreza acima de 25% que é o caso de toda nação ao sul do Rio Grande deixa claro sinais de negligência com seu próprio povo. Com uma aversão histórica ao desenvolvimento da coletividade, obstinadamente ainda instalados na era colonial, gerações e gerações de sul-americanos demonstram nenhum interesse em dar assistência a quem vive sem proteção nas comunidades locais e regionais de cada país. As elites educadas e abastadas da América Latina, que muitos chamam de oligarquia, têm dado as costas para suas próprias comunidades, constantemente preferindo transferir a culpa para os outros. Essas elites têm um terrível histórico de não retornar para os menos favorecidos da sociedade os benefícios que elas próprias conseguiram ao surgir, a partir dos anos 90, como os novos ricos. E, nesse caso, seria bom qualquer esforço caridoso para reparar e construir relacionamentos econômicos, que é a espinha dorsal de qualquer lugar próspero ou em crescimento. Seria errado continuar culpando a Igreja Católica por vários problemas ao longo do tempo. A igreja de Roma hoje é uma grande entusiasta dos esforços de ajuda sustentados e de promoção da educação. E isso é motivo de admiração. Nenhuma igreja pode prover todos os pobres da América Latina. Claramente, autoridades governamentais também não têm colaborado muito. Inflexíveis taxas de pobreza, acima de 40% da população, é uma desgraça nacional e reflete que não apenas a igreja ou o governo, mas a sociedade, como um todo, falhou na proteção a seus cidadãos. Isso não é falha da democracia. Democracia, assim como a diplomacia, não lida muito bem com a corrupção maciça. A ação egoísta também leva à perda da dignidade. Um grande líder em Washington recentemente comentou que certos líderes na América Latina são agora conhecidos como desonestos, embora eleitos democraticamente. Para isso, ele adicionou um comentário “venenoso”: agora, existem alguns lideres eleitos que não são somente desonestos. São também desonrados. A democracia sozinha pode somente oferecer um sistema de votação. Este pode ser livre, justo, regular e honesto. Mas nenhum voto é sempre livre e honesto quando a propaganda e a mídia marrom interferem. Estimativas indicam que além de 60% de toda mídia latino-americana trabalha atrelada financeiramente ou sob o domínio direto do Estado. Por isso, a mídia latino-americana é hoje tenden-
A senhora Margaret L. Petito é presidente da Friends of Rule of Law no Equador, uma organização com base em Washington e que é voltada para a defesa dos direitos intelectuais, de reformas anticorrupção no país e da modernização do sistema legal equatoriano. É também chairman do Cultural Partnership of the Americas, instituição que oferece apoio a pesquisas históricas e culturais ligadas à conscientização sobre assuntos de interesse das Américas. Ela também foi fundadora e participou do conselho de diretores do Nyumbani Orphanage, o primeiro orfanato para crianças órfãs e portadoras de HIV/Aids em Nairobi, no Quênia.
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Além de pós-graduação em relações internacionais pela Georgetown University, Margaret Petito tem bacharelado em Ciências Sociais pela Southern Methodist University, onde foi uma das líderes do serviço social voluntário. Desde 1992, Maggie Petito, como também é conhecida, tem atuado junto à organização Drug Watch International, na qual integra uma de suas divisões, o International Drug Strategy Institute, e atua como membro do conselho de diretores. Especialista em relações governamentais, Maggie Petito também conta em seu currículo com passagens por diversos cargos ligados ao relacionamento com agências federais do governo norte-americano, como o Congresso, a Casa Branca. Nesta área, merecem especial destaque suas atuações como coordenadora de desenvolvimento do projeto Action-Vista e como diretora de relações internacionais da embaixada do Equador em Washington e da International Cancer Alliance. Ela também atuou na defesa de interesses intergovernamentais nas áreas de comércio, defesa e relações de fronteira entre o Peru e o Equador. Ao longo de sua carreira, ela tem se dedicado especialmente a temas como combate à corrupção, regulação do comércio nacional e internacional nas áreas farmacêutica e de biotecnologia, propriedade intelectual e meio ambiente.
ciosa e se torna cada vez mais uma ferramenta da máquina de propaganda do Estado. Isso deveria preocupar todo e qualquer cidadão. Democracia não assegura o capitalismo e o capitalismo não assegura adesão ou a prática de apoio aos necessitados ou a garantia de emprego e benefícios para sempre. O capitalismo promete que qualquer um com uma boa idéia ou um bom produto pode transformar suas mercadorias e serviços em lucro, um lucro com o qual ele possa prover suas necessidades de vida. Isso descortina um novo espectro de liberdade - liberdade para crescer e competir. Sem isso, definha a liberdade financeira. Socialismo não tem nada a ver com a gerência de novas oportunidades, mas na verdade é o regime que sabe como lidar com os vários aspectos da sobrevivência às custas do Estado. Os latino-americanos precisam expulsar livremente dos gabinetes qualquer um que não preserve as leis de seus países ou tenham pouco respeito pelos princípios da democracia. Expulsem os vagabundos, conforme diz o ditado, e trabalhem decididamente para encontrar representantes mais instruídos e com maior preocupação com a ecologia. Esse trabalho, é claro, nunca termina. O Estado de Direito, colocando em prática as boas leis, deveria ser uma coisa nata. Com poucas ou quase nenhuma escola de Direito na América do Sul, ensina corretamente os direitos do cidadão, não é de se admirar que os sul-americanos sejam deficientes nas premissas básicas de um dos aspectos-chave da democracia? Hoje, dizem repetidamente que o Estado de Direito é demasiadamente duro. É muito duro, então nós, estes críticos nos advertem, temos que resolver esses problemas politicamente. Isso quer dizer - fora de quaisquer regras normativas, fora do Estado de Direito. É quase como trilhar um caminho com um mapa que está repleto de informações incorretas, mentiras e desvios - ruas sem saída, e caminhos que levam ao abismo, por mais politicamente corretos que possa ser apresentado. O resultado final é certamente a morte ou, na melhor das hipóteses, uma estrada cheia de buracos que não leva a lugar algum. Assim é como a vida é para muitos latino-americanos, sem mapa e sem nenhuma direção. A ausência do Estado de Direito significa o caos. Hoje em dia, certos especuladores internacionais tiram proveito do caos e se enriquecem ao apostar contra a estabilidade social ou contra economias sustentáveis. Alguns políticos tiram votos de situações caóticas. Muitos seres humanos simplesmente querem um negócio honesto na vida, educação, trabalho e uma chance de futuro. Com o Estado de Direito - um guia geren-
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ciável, um mapa sustentável para o progresso pode estar a caminho. Alguns na América Latina riem da expressão “negócios e não esmola”. Brasileiros e chilenos e muitos executivos irão testemunhar que isso não é caso de riso. Ajuda, quer de doações estrangeiras ou socialismo estatal, não é nunca tão recompensadora como sociedades vibrantes e multifacetadas. Comércio, o negócio dos negócios é uma chave para as comunidades sustentáveis. Quando as nações se isolam e suspendem o comércio livre e honesto, elas estão sentenciando suas comunidades por todas as gerações. O procedimento não deveria ser esse. Apenas os políticos não podem sustentar o apoio nacional ao livre comércio. Os cidadãos podem e devem sustentar promessas de comércio aberto e praticas de negócios éticos. Vocês ouviram o antigo ministro das Relações Exteriores do Equador e ex-embaixador equatoriano em Washington, Edgar Terán. Ele é um orador poderoso. Quando Edgar e eu criamos duas organizações irmãs para promover o Estado de Direito há mais de seis anos, nunca imaginaríamos que o império da lei enfrentaria o desprezo político que experimenta hoje. A atual moda populista, politicamente bem apoiada, é varrer o Estado de Direito ao invés de conter as manipulações políticas - um desvio quase nunca conhecido,mas poderoso na sua sedução ao estilo dos tablóides sensacionalistas. O Estado de Direito é especialmente atraente como uma ferramenta para nos ajudar a alcançar o que almejamos. O inverso é a rota não mapeada da instabilidade política e do populismo "mobocracy". Nós sabemos que essa estrada leva ao enriquecimento dos próprios políticos que prometem ajuda para os oprimidos mas, no lugar disso, paparicam os banqueiros suíços. Todas as nações deveriam pleitear total transparência e auditorias do patrimônio estatal. Sem isso, a Democracia não sabe o que ela representa. Sem o Estado de Direito, os cidadãos estão sob uma bolha amorfa e ilícita. Nosso trabalho está longe de terminar. Crime e medo de represálias motivadas politicamente tem aumentado muito na América Latina. Podemos providenciar até mesmo justiça para nossas comunidades com diminuição da corrupção e melhora na educação. Podemos rejeitar a mobocracy. Para parafrasear uma boa citação, "Segurança e estabilidade podem não ser tudo, mas sem elas, tudo é nada." Podemos nos beneficiar ao estabilizar e por em pratica regras não explícitas justas. Com o apoio à Democracia e ao Estado de Direito, todas os países ganham estabilidade e os temores são reduzidos. Eu desejo isso a todos os nossos vizinhos.
O Brasil precisa votar em IDÉIAS Ubiratan Jorge Iorio de Souza
mente e mais parecemos mais aquelas danaides (qualquer uma das 50 filhas de Dânaos, rei de Argos, que, com exceção de uma, mataram seus maridos na noite de núpcias, sendo depois condenadas, conforme reza a mitologia, a encher eternamente um tonel sem fundo, no inferno). Podemos dar nomes a esses barris, são 77 ou 78 tributos no Brasil, entre impostos, taxas e contribuições - 112 desmembrados. Trabalhamos de graça para o governo até o dia 25 de maio deste ano, trabalhamos aqui e na Argentina. Na Argentina, é um dia nacional; no Brasil, é o Dia Nacional da Libertação do Contribuinte. Mas não é bem assim. Vamos ver. Se reunirmos todos os serviços que temos que pagar, como a previdência privada, porque a previdência pública não funciona, com planos de saúde privados, porque a saúde pública não funciona, com escolas privadas, porque a educação pública não funciona, e se adicionarmos ainda o que Irish chama de carga legal, decorrente, por exemplo, de inadimplência e da corrupção, da segurança privada, essa carga toda chega, segundo o próprio Irish, que é uma autoridade em tributação, a um valor entre 65% e 75% de tudo o que País produz. Isso é um absurdo. Falar em neoliberalismo em uma sociedade desse tipo é não saber o que é neoliberalismo. Para se abrir uma empresa no Brasil leva-se em média 152 dias. Segundo um estudo de uma organização internacional, a média na América Latina é 71 dias. Então, nós gastamos mais do que o dobro da média latino-americana para se obter autorização para abrir uma empresa. Na Austrália, abre-se em três dias, na Europa em 20 dias ou, no máximo em um mês. Segundo esse estudo, o cidadão, vítima da burocratização, é tratado como suspeito. Ele tem que provar que é honesto e, para provar que é honesto, tem que enfrentar de novo a burocracia que complica-
Antonio Calvalcanti/Ag. O Globo
E
u posso dizer que sou um otimista. Há muitos anos venho lidando com jovens em universidades, em cursos de graduação e pós-graduação e sempre me vem à mente uma frase do professor Volnizes, o grande economista austríaco, que é mais ou menos assim: “Basta um ou dois professores, com as idéias no lugar e argumentos lógicos em um departamento, para colocar as coisas em ordem”. E eu posso assegurar que isso é verdadeiro, não tanto nas universidades privadas de ensino, mas nas oficiais (a Fundação Getúlio Vargas é uma delas) e na própria Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde eu e mais colegas vivemos cercados por marxistas, leninistas, comunistas, socialistas, petistas e outros vigaristas. Recordo as palavras do presidente Lacalle (Luiz Alberto Lacallle, ex-presidente do Uruguai), quando se referiu à receptividade às nossas idéias que ele vem sentindo entre os jovens uruguaios. A América Latina, nesse momento, sugere uma visita a uma biblioteca, onde pegaríamos um livro bem antigo, amarelecido pelo tempo e todo empoeirado. E desse livro saltariam algumas traças, traças todas elas com nomes - uma delas poderíamos chamar de Evo o Primeiro; a outra seria Chaves, el Chapolin del Petróleo; Fidel, o Cruel e, aqui no Brasil, o nosso grande pastor, o nosso grande condutor, aquele que nada ouviu, de nada sabe, colocaram cinco milhões de reais na conta de seu filho, e ele nada sabe. O mínimo que se pode dizer é que ele é um pai ausente. Fazem um mensalão, que é uma vergonha, um escândalo, e ele não ouviu nada, de nada sabe, parece viver num mundo mitológico cercado por sílfides vaporosas dançando, - no caso dele um bom xote ou um xaxado lá de sua terra natal, Pernambuco. Enquanto isso, nós, brasileiros dançamos literal-
Doutor em Economia, presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista no Rio de Janeiro, ex-diretor da Faculdade de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Ubiratan Jorge Iorio de Souza, economista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas, Ubiratan Jorge Iorio de Souza é professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), presidenteexecutivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP) e diretor-presidente da Iorio Treinamento e Consultoria (ITC) e Conselheiro do Instituto Federalista.
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Com vários livros publicados, entre eles Economia e Liberdade: a Escola Austríaca e a Economia Brasileira (Forense Universitária, 1997), Uma Análise Econômica do Problema do Cheque sem Fundos no Brasil (Banco Central/IBMEC, 1985) e Macroeconomia e Política Macroeconômica (IBMEC, 1984), foi economista do Banco Central do Brasil e do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV-RJ, além de ter sido pesquisador do Instituto Brasileiro de Mercados e Capitais (IBMEC). Ubiratan Iorio é também articulista do Jornal do Brasil. Em suas análises econômicas, uma preocupação constante do economista é aprofundar o debate sobre os teóricos da escola austríaca do liberalismo e analisar as conseqüências negativas do crescimento e da falta de controle do "Estado Máximo" brasileiro, termo que usa em contraposição à idéia do Estado Mínimo da teoria liberal.
lhe a vida a tal ponto que o leva a recorrer a propinas para se livrar dos fiscais. Sem contar que um empregado, um empregado que receba uma salário de digamos por volta de CR$ 1 mil, custa à essa empresa mais do que o dobro do salário com 103% de encargos. Eu acredito que isso não seja liberalismo. Certos países da América do Sul estão na do Brasil. Aqui, na América Latina, existe uma crença generalizada, uma fé cega, quase uma seita, que leva todos a acreditar que João é pobre porque Paulo é rico.Eles não conseguem entender que essa é uma possibilidade, mas existem outras. É claro que João pode ser pobre. Uma das possibilidades, vamos admitir, é que ele seja explorado, mas ele pode ser pobre até porque seja preguiçoso, ou então porque ele seja burro (pouco ou não inteligente), porque ele seja azarado. Nós, com essa influência marxista de centro e periferia, o Brasil é pobre, a Argentina é pobre, o Uruguai é pobre, porque os Estados Unidos são ricos. Isso, além de denotar inveja, um sentimento que Adam Smith, antes de escrever a Riqueza das Nações, já analisava no livro Teoria dos Sentimentos Morais, demonstra uma ignorância absoluta em economia. Essa idéia, no entanto, é tida como verdade. Na minha avaliação, e claro que não é só isso, acho que podemos sintetizar o atraso da América Latina nessa proposição: nós somos pobres porque eles lá são ricos. Ora bolas, há duzentos anos eles eram pobres também Quem era o rico? A Inglaterra. Há dois mil anos, quem era rico? O Império Romano, e a Inglaterra nem existia como país. Há cinco mil anos quem era o ricaço que mandava no mundo? Sei lá, Nabucodonosor? A história é uma coisa dinâmica. E nós somos pobres porque queremos continuar pobres, porque ainda não aprendemos que o crescimento e o desenvolvimento é uma questão de criatividade. É uma questão de liberar as energias necessárias, e individuais, que podem levar a sociedade a andar para a frente. Ou para trás. As sociedades podem ser divididas, segundo diversos autores, um deles Michael Novack, de quem gosto muito, em três grandes sistemas: o sistema político, o sistema econômico e o sistema ético-moral-cultural. Os três sistemas funcionam, ao mesmo tempo, independentemente. Existem as leis da economia, as leis de mercado, o sistema político funciona do seu jeito, assim como o sistema ético-moral-cultural, mas na sociedade o que funciona são as inter-relações entre os três sistemas. Quando o sistema moral está apodrecido, isso acaba envenenando o organismo econômico e o organismo político, e essa é a crise que estamos vivendo no Brasil e eu acredito que também no resto do mundo. De volta à América Latina, eu considero uma das frases mais infelizes de todos
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os tempos foi construída por Lord Canage quando disse que a longo prazo todos estaremos mortos. Ora, é óbvio que longo prazo estaremos mortos, mas nossos filhos, netos e bisnetos vão estar aqui. Será uma grande irresponsabilidade de nossa parte se não começarmos hoje a fazer algo para melhorar a vida dos nossos descendentes. É claro que nós temos que ter objetivos de longo prazo e objetivos de curto prazo. Os adversários, usando o que Gramsci ensinou nos seus Cadernos do Cárcere, vêm há mais ou menos 30 anos, no Brasil e em outros países da América Latina, envenenando a sociedade lentamente com a idéia de ocupação não-violenta de todos os espaços. Ocuparam a universidade pública, a universidade privada também já foi invadida em parte, embora parte, a imprensa e a mídia em geral, os meios de comunicação, o caderno cultural de qualquer jornal parece mais o hino da Internacional Socialista. E só exaltam bobagens. Liga-se a televisão e só se vê bobagens. E é claro que isso afeta a economia política. Quando as coisas vão mal sobre o ponto de vista moral, elas não podem ir bem de maneira geral. A economia, por exemplo, não sabe o que é bom, o que é mau, o mercado pode funcionar para o bem ou para o mal. Existe mercado de mamadeiras, existe mercado de cocaína: os dois funcionam do mesmo jeito - quando há um excesso de produção de cocaína, o preço da cocaína diminui. Isso é o mercado. Quando há um aumento no número de bebês, o preço da mamadeira vai subir. É o mercado funcionando. Então, qualquer ato econômico, qualquer ato político pode ser moralmente bom, mau, neutro. Cabe então, me parece correto, fortalecer os valores morais dos nossos avós: trabalha, acorda cedo, dá duro na vida, as coisas não vão cair do céu - e essa é a tradição judaico-cristã, do Ocidente, da qual estamos nos afastando progressivamente. Um dos objetivos do CIEEP, que eu tenho a honra de presidir atualmente, é tentar mostrar as ligações da moral com a economia de mercado e também com o processo político. Vamos fazer com eles o que eles vêm fazendo conosco, fazer o que a esquerda vem fazendo há tanto tempo? A Itália que gerou grandes personalidades - a minha mãe era italiana, então a Itália gerou uma santa, que foi minha mãe - mas a Itália gerou também Antonio Gramsci. Então, vamos fazer o seguinte, vamos rezar a oração de São Bento, especialmente aquele trecho que diz assim: Ibses venenus bibas, ibses venena bibas, bebe tu mesmo do teu veneno, Gramsci neles, vamos usar contra eles o que eles vem usando, digamos, com bastante eficiência tomaram conta de todos os espaços possíveis. Acredito que nós teremos de traçar objetivos de longo prazo e táticas de curto prazo, e confesso que ficaria muito triste de sair de São Paulo e voltar para o Rio de Janeiro, ou seja,
depois de escapar das bombas aqui (referência aos ataques promovidos pela organização criminosa PCC) e, no Rio, ter que me esconder das balas perdidas naquela cidade cor-de-rosa, governada por um casal infantil. Gostei muito da idéia sugerida pelo Afif, que a chamou de Fascículos da Liberdade. Vamos ocupar espaços, vamos ser otimistas. Na universidade, em cada departamento com uns 15 professores, basta ter uns três com as nossas idéias que os outros vão virar pó, como se diz no mercado financeiro, porque nós temos o que eles não têm: argumentos. Contra argumentos não há argumentos, como dizia Roberto Campos. Eles vivem à base de chavões, de palavras de ordem, nós, ao contrário, termos argumentos, nós temos a lógica do nosso lado, nós temos a história para mirarmos nela como num retrovisor e poder dizer olha lá o que aconteceu. Só que a mídia impede que isso aconteça. Então, nós temos que ter uma estratégia de longo prazo, eu penso em reformas políticas profundas que contemplem, por exemplo, partidos programáticos, fidelidade partidária para acabar com esse carnaval de trocas de partido. No início do último período legislativo, houve duzentas e tantas trocas de partidos, deputados e senadores mudando de partido. Onde já se viu isso? Precisamos reformar, embora saibamos que essa providência não faz parte da cultura brasileira nem da latino-americana por influência ibérica. No Brasil não se vota em idéias, vota-se em pessoas. Isso não é democrático, temos que votar em idéias. Eu sou um liberal, mas vou votar em quem? Confesso que não sei. A última vez em que votei, sabendo em quem ia votar, foi no Afif em 1989 (Guilherme Afif Domingos foi candidato à presidência da República pelo....). Já se completou 17 anos. Em todos os outros anos foi assim, no escuro, vou votar em fulano para beltrano não ganhar, já cansei disso. Nós temos que nos organizar, precisamos de candidatos a governador, a prefeito, a senador. Depois que o Roberto Campos morreu, fiquei órfão, vou votar em quem? Benedita da Silva (petista, ex-governadora do Rio de Janeiro, ex-senadora e ex-ministra do governo Lula)? Não dá. Saturnino Braga (petista, senador pelo Rio de Janeiro)? É impossível. Para eles, João é pobre porque Pedro é rico. Nossa missão é ensinar ao povo porque João é pobre e porque Pedro é rico. Quer dizer: a riqueza de A não explica a pobreza de B, e vice-versa. É importante convencer as pessoas sobre a necessidade de um federalismo mais amplo nos campos da política, economia e administração. Hoje, todos esses impostos, toda essa carga tributária brutal vai quase toda para Brasília. Vai com
Nós somos pobres porque queremos continuar pobres. Ainda não aprendemos que o crescimento e o desenvolvimento são uma questão de criatividade,de liberar as energias individuais que podem levar a sociedade a andar para frente.
passagem de ida garantida, mas só volta para o município onde foi gerada se o município tiver alguém que seja amigo do José Dirceu que estiver mandando na ocasião. No mínimo, essa volta está sujeita à lista de espera. É preciso mudar, mas como? Primeiro temos que respeitar o nome desse País (República Federativa do Brasil), porque sabemos que a descentralização significa mais eficiência em todos os sentidos. É preciso discutir também a representatividade, voto distrital, mostrar ao cidadão que o Estado não é o patrão dele, que o Estado, a verdade, é o empregado dele, o Estado é o servo e não o senhor. Eu pago imposto para o Estado me servir e não para se servir de mim. Mas no Brasil costumamos pensar o contrário. A Constituição de 1988, como bem ressaltou Afif, é um verdadeiro hino ao atraso. Está escrito lá, por exemplo, que todo brasileiro com menos de 14 anos e mais de 65 anos tem direito à vida. Eu tenho mais de 14 anos e menos de 65. Constitucionalmente, portanto, eu estaria falecido e, no entanto,m todos os dias morrem crianças e velhos por falta de assistência. Nos precisamos lutar por uma economia de mercado verdadeira, por um sistema político representativo e tentar resgatar os a valores éticos e morais tradicionais dos quais viemos nos afastando. Como fazer isso? Há o que pode ser feito no curto prazo. Uma delas é trabalhar de forma articulada com várias instituições, think tanks e institutos, e ONGs com pensamentos semelhantes ao nosso. Podemos trab, o que nos permitirá saber o que estão fazendo e tentar determinar uma estratégia comum, porque os problemas também são muito semelhantes aos nossos. Além da idéia já citada do Afif (Fascículos da Liberdade) e porque não criar na Internet, que é um instrumento moderno, uma Universidade Virtual da Democracia Liberal. Ou Universidade da Liberdade.Está na hora da ação. Temos de perder a vergonha de nos apresentarmos como realmente somos. Temos a convicção de que nossas idéias são bem melhores do que as idéias dos adversários que vêm tornando a América Latina uma região pobre quando ela poderia ser potencialmente muito mais rica. Chega de jogarmos o futuro para frente! Não podemos mais continuar sendo o País do Futuro! Chega! Um grande homem (quem?) do século passado, que foi canonizado em 1992 por João Paulo II, é autor de uma frase que acho lapidar: “Amanhã algumas vezes é prudência, mas muitas vezes é o advérbio dos vencidos”. Nós vamos ganhar esse jogo. SETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 31
Paulo Pampolin/Hype
O islamismo apela à identidade religiosa e age como os totalitários do século XX
A ilusão da maioria Clifford May
A
s pessoas que não vivem numa sociedade democrática liberal provavelmente não sabem muita coisa sobre a democracia liberal - afinal, como poderiam? Nos estados totalitários, é proibido divulgar informações sobre a natureza das sociedades livres. Discussões e debates sobre democracia, liberdades, direitos humanos - tudo isso foi abafado, como se sabe, na Alemanha sob o Terceiro Reich e na União Soviética até os dias da glasnost. Anos atrás, quando eu ainda era um aluno estrangeiro na União Soviética, interrogavam meus colegas sobre o que haviam discutido comigo. Eles insistiam "Oh, nós estávamos apenas educando o americano sobre o sistema soviético, sobre os valores do socialismo" e, muitas vezes, era exatamente o que vinham fazendo. Informações sobre governos democráticos são proibidas hoje na Coréia do Norte e em grande parte da China e em Cuba. O mesmo se aplica aos estados autocráticos dos países árabes e muçulmanos, tal como a Líbia, onde o dissidente mais proeminente, Fathi Al Jami, se encontra atual-
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Mestre em Jornalismo, preside The Foundation for the Defense of Democracies (FDD) mente numa cela talvez prestes a ser sentenciado à morte e provavelmente morrendo de qualquer jeito. Os Estados Unidos anunciaram que estão prestes a reatar relações com a Líbia. Eu gostaria que a liberação de Fathi Al Jami tivesse sido obtida antes dessa decisão ter sido anunciada. Acho que isso seria mais adequado ao compromisso feito pelo presidente Bush de apoio às liberdades e democracias pelo mundo. Com Fathi Al Jami ainda encarcerado isso não soa bem para nós (norte-americanos). Mesmo nos estados árabes razoavelmente moderados, como o Egito e a Tunísia, há a pressão da dissidência pró-muçulmana. Um outro problema surge quando alguém entende apenas árabe ou persa, e sem proficiência em outras línguas, informações e textos não são traduzidos nem para o árabe e nem para o persa. Então, não há nada para se ler sobre esse assunto, sobre liberdade e democracia. Portanto, mesmo que a opressão seja removida, é difícil obter acesso a outras idéias. Por outro lado, acontece de uma pessoa, mesmo vivendo num país democrático, não saber
muita coisa sobre democracia. Isso acontece, na verdade, pelo fato de pessoas que vivem em países democráticos aceitarem a democracia como algo normal. A última coisa sobre a qual um peixe teria consciência seria sobre a água. A confusão mais freqüente é feita entre a democracia e a vontade de maioria. O desejo da maioria é a noção de que a democracia significa que a maioria governa sem limites. Essa noção não se sustenta nem sob o escrutínio mais elementar. De acordo com o estudioso James Vovard, as democracias têm que significar algo mais do que dois lobos e um carneiro votando sobre o que vão jantar". As eleições isoladamente não fazem uma democracia. Se eleições fossem o único quesito para uma qualificação de democracia, a União Soviética poderia ter sido classificada como um país democrático, porque os cidadãos soviéticos iam regularmente às urnas e podiam eleger os candidatos que o Partido Comunista escolhia para eles. No Irã também se permite que as pessoas votem. Só que os mulás islâmicos decidem quem pode concorrer e também decidem quem irá vencer. O Hamas, uma organização islâmica palestina, venceu a Fatah e ganhou as eleições na Palestina. Isso significa que os territórios palestinos têm um sistema democrático de governo? Eu diria que não. Qualquer um que subir num caixote em algum lugar da Faixa de Gaza e começar a pregar que está criando um partido de paz não vai permanecer em pé durante muito tempo. Na melhor das hipóteses,
esses são exemplos do que os cientistas políticos chamam de regimes eleitorais autoritários. Agora, o que torna essas formas de governo uma democracia? A liberdade pode ser dada ou precisa ser conquistada? Será que a dissidência consegue espalhar valores democráticos até em estados opressivos? Ou será que requer instituições democráticas para criarem democracias? Contrário à crença popular, o presidente Bush e seus apoiadores neoconservadores não foram os primeiros fazerem essas perguntas. Tampouco foram eles os primeiros a envolveram os Estados Unidos na tentativa de promover e encorajar a democracia além das fronteiras de seu próprio país. Podemos lembrar que o presidente Wilson lutou corajosamente na Europa durante o que agora chamamos de Primeira Guerra Mundial com o objetivo de tornar o mundo mais seguro para a democracia. Hoje em dia, conservadores e republicanos que apoiam plenamente a democracia são rotulados por alguns direitistas como os neowilsonianos. No início de 1983, nos Estados Unidos, um congresso democrata apoiado pelo presidente republicano Ronald Reagan, começou a recolher fundos para constituir o Legado Nacional para as Democracias (NED, a sigla em inglês), uma organização privada, sem fins lucrativos, e guiada pela crença de que a liberdade é uma aspiração humana universal, que pode ser realizada por meio do desenvolvimento de instituições, procedimentos e valores democráticos. A NED nos ofereceu, mesmo que nada além disso, um bom ensinamento sobre a democracia e a democratização ou, mais precisamente, democracia liberal: em geral requer a criação e manutenção de instituições da sociedade civil. Especificamente, tem que haver um comando exercido por meio da lei, um sistema jurídico independente, imprensa livre, liberdade de expressão, liberdade de congregação e de reunião, garantia de direitos das minorias e eleições freqüentes e justas. James Madison, um dos principais autores da constituição norte-americana, também escreveu sobre um desafio encarado pelos governos democráticos. "Ao formar um governo", nos diz, "no qual a administração deve ser feita por homens sobre outros homens, a grande dificuldade está bem aí - primeiro precisa-se capacitar o governo para controlar os governados para em seguida obrigar-se a c se controlar". Em outras palavras, o governo deverá se sujeitar à lei de maneira idêntica que os que estão fora do governo também devem se sujeitar à lei. Uma maneira para alcançar isso é definir e limitar os poderes do governo freqüentemente sob uma constituição que é a lei básica e abrangedora de um país. A constituição estabelece regras que os cidadãos concordam em seguir para serem governados. A constituição enumera os poderes que as pessoas delegam ao governo e procedimentos as a serem usados para expandir ou reduzir esses poderes. Enumera
Paulo Pampolin/Hype
Clifford D. May, Mestre em Jornalismo e Relações Públicas e Internacionais pela Columbia University, é atualmente o presidente de The Foundation for the Defense of Democracies (FDD), organização criada dois dias após os atentados de 11 de setembro de 2001 com o objetivo de servir como centro de investigação sobre as ideologias que sustentam as práticas terroristas no mundo e as melhores políticas para combatê-las. May é também o principal executivo do Committee on the Present Danger (CPD), organização internacional nãopartidária com sede em Washington e voltada para a análise de políticas de segurança das nações.
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os direitos do cidadão, direitos que não podem ser assumidos pelo governo sem um devido processo legal. Uma constituição eficaz serve de contrato entre o governo e os governados. Não deve ser apenas o que maioria deseja, mas deverá ser aquilo que os cidadãos poderão razoavelmente aceitar. Adicionada à constituição norte-americana há uma declaração de direitos e garantias. Essa declaração é uma lista de liberdades pétreas e específicas sobre as quais o governo não tem nenhum poder. Se lerem essa declaração cuidadosamente, poderão notar que cada liberdade é de fato uma restrição ao poder do governo. O Congresso, por exemplo, não poderá aprovar nenhuma lei que proíba alguma religião ou restrinja a liberdade de imprensa e o direito de expressão. O direito das pessoas de possuírem e portarem armas também não será infringido. O governo fica proibido de efetuar buscas e apreensões sem motivo razoável. Nos Estados Unidos, e em outros países do mundo livre, não se permite que o mesmo poder faça as leis, administre e julgue com base nas leis. Em vez disso, os poderes são divididos, separados e independentes. Nos Estados Unidos, a intenção que os poderes do executivo, do legislativo e do judiciário sejam iguais. Winston Churchill se referia à democracia como o pior dos sistemas, exceto pelos outros que haviam sido tentados de tempos em tempos. Em outras palavras, a democracia não é utópica, não é uma tentativa para acabar com os conflitos. Fornece, sim, formas para que conflitos possam ser discutidos e resolvidos dentro de limites não-violentos. O estudioso Robert Dahl resumiu os motivos pelos quais a democracia, com todas as suas falhas, ainda é o melhor sistema de governo disponível. Previne autocratas cruéis e impiedosos. Garante os direitos fundamentais dos cidadãos. Garante um leque de liberdades pessoais, fornecendo um máximo de oportunidades e autodeterminação. Gera mais prosperidade do que qualquer outro sistema, além de promover a paz. Caso as democracias modernas discordem entre si, não irão freqüentemente á guerra umas contra as outras. No século XX, um sério desafio à experiência da democracia foi montado por um modelo governamental alternativo - o totalitarismo que assumiu as mais diversas formas desde o nazismo, o fascismo, comunismo ou o militarismo japonês. Esses movimentos foram sendo derrotados um após os outros. Ou morriam ou se enfraqueciam substancialmente. Após o colapso da União Soviética, parecia que a democracia era a única maneira racional de se organizar um governo. Não é o que se vê. Há regimes não democráticos ou ainda não democráticos, como alega a Rússia, ou então como a China que diz estar galgando passo a passo em direção à democracia. Até a Coréia do Norte se autodenomina Democracia Popular da República da Coréia. O que ninguém esperava era a emergência de outra va-
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É ainda co-diretor do projeto Alliance for Research and National Security, desenvolvido pelas duas instituições que preside, que tem como foco de pesquisa o terrorismo e o contra-terrorismo mo Oriente Médio, especialmente o conflito árabe-israelense. Com uma longa carreira como repórter e editor, tendo atuado em veículos como o jornal norteamericano The New York Times, a revista Newsweek e a emissora CNN, Clifford May trabalhou como correspondente internacional norteamericano em países como Irã, Paquistão, Sudão, Etiópia, China e Rússia, tendo se especializado em cobrir questões relacionadas a defesa e segurança. Ligado ao Partido Republicano, foi editor, nos anos 90, da revista oficial do partido, Rising Tide e atualmente escreve uma coluna semanal distribuída para vários jornais pela agência Scripps Howard News Service, além de colaborar para a National Review Online. Em seus mais recentes artigos, tem se dedicado a analisar o conflito político-religioso no Oriente Médio e a comentários sobre a guerra do Iraque. http:// www.defenddemocracy.org
riante do totalitarismo, o islamismo militante, uma alternativa transnacional não liberal e antidemocrática em relação à democracia liberal. Essa ideologia vem em várias formas, mas seria justo afirmar que é baseada nas teorias de dois intelectuais egípcios radicais, Hassan Al Bannah e Sayid Utaybe. Essas teorias combinavam com os ensinamentos mais antigos do wahabismo da Arábia Saudita, uma variação do Islã que já havia preocupado Winston Churchill. Em 1921, Churchill já havia observado que "os Wahabis têm entre seus artigos, como um dever de fé, matar todos aqueles que não repartem suas opiniões e escravizar suas mulheres e filhos". Além disso, quanto o Islamismo deriva sua legitimidade citando a doutrina e apelado à identidade religiosa, ainda incorpora elementos chave dos movimentos totalitários do século vinte. Os nazistas acreditavam na superioridade de sua raça. Os comunistas acreditavam na supremacia de uma classe, pois, para os comunistas, era o proletariado que deveria governar. O islamismo militante acredita na supremacia de sua religião. Os muçulmanos devem, portanto, governar. Assim como os nazistas ou comunistas, os militantes islâmicos, membros da Al Qaeda ou a classe dominante de clérigos em Teerã, se opõem totalmente à noção de uma governança democrática. Eles rejeitam a democracia. Eles insistem, conforme descreve McCall, em "uma política alternativa baseada em valores que eles vêm como superior a qualquer modo ocidental e o único modo apropriado de se viver uma vida muçulmana apropriada". O reformista tunisino Lafif Laftar simplesmente disse: "Os islamitas são contra a democracia. Para eles, a legitimidade de um governo deriva da lei religiosa islâmica e não das eleições". Isso ficou claramente demonstrado na carta do presidente iraniano Mahmud Akmarinajad endereçada ao presidente Bush. Escreve, por exemplo, que o liberalismo e o estilo de democracia ocidental não ajudaram em nada a humanidade a atingir seus ideais e que hoje esses dois conceitos falharam. Não dá para ser mais claro. Os militantes islâmicos acreditam que a lei lhes foi passada por Deus, por Alá, e que essa lei, a sharea, é perfeita. Ainda creditam que apenas os membros do Umah, a comunidade muçulmana, estão qualificados para governar ou para ter participação plena na sociedade Autoridade cedida por Deus não pode ser emprestada aos não-crentes, aos infiéis, aos apóstatas. Os militantes islâmicos não acreditam e não aceitam, como fazem os democratas liberais, que pessoas e cidadanias sejam soberanas e que essas pessoas podem delegar um pouco de seu poder soberano à autoridade governamental. Os militantes islâmicos não acreditam na igualdade entre aqueles que crêem e os não-crentes. Não acreditam na liberdade religiosa, não acreditam na separação entre Igreja e Estado.
Vão ainda mais fundo do que isso. Em 2002, por exemplo, o Afeganistão foi liberado do domínio do Talibã. Antes disso, não havia liberdade de escolha de religião. O regime chegou a ponto de destruir estátuas de 1.500 anos de Buda em Bamayan, um lugar histórico e venerado pelos budistas. Essas antiguidades eram, para eles, uma lembrança ofensiva de uma religião que já havia sido erradicada do Afeganistão. Um decreto dos clérigos islâmicos previa que todas as estátuas budistas do país deveriam ser destruídas. O líder do Talibã, mula Mohamed Omar, disse que os “muçulmanos deveriam sentir orgulho em destruir esses ídolos”. Até hoje, no Afeganistão liberado, a tolerância ainda não é um valor assumido por todos. No começo deste ano, um afegão chamado Abdul Rahman, durante o processo de seu divórcio, tentou obter a custódia de suas filhas em Cabul. A família de sua esposa contou para o tribunal que ele não se encontrava em condições de cuidar de suas filhas porque havia se convertido do Islã para o Cristianismo. Algumas semanas antes, um promotor que soube do caso acusou Rahman de apostasia, crime punível com a morte de acordo com algumas interpretações da lei islâmica. Dentro da nova constituição do Afeganistão existe uma tensão, se não mesmo uma contradição, - de um lado, diz que os seguidores de outra fé são livres para exercitar sua fé e praticar seus ritos dentro dos limites da lei, conforme a Declaração Universal dos Direito Humanos que protege a liberdade de consciência e o direito de um indivíduo para mudar de religião, se quiser. Por outro lado, a constituição declara explicitamente que nenhuma lei será contrária às crenças e prescrições do Islã. No fim, as autoridades judiciais se encontraram diante de um dilema de grandes proporções: permitir que Rahman seja condenado à morte e se expor a uma condenação internacional, talvez até a perda de apoios e fundos, ou então antagonizar o clero afegão, o que poderia resultar em violência ou até numa rebelião. A solução, é claro, foi secretamente remover Rahman do Afeganistão e levá-lo para a Itália, onde ele poderia viver e professar sua religião em paz entre os infiéis. Se o mesmo irá ocorrer com seus filhos no Afeganistão, é muito cedo para dizer. É bom dizer que alguns muçulmanos moderados e reformistas vieram com soluções criativas para tais dilemas. No Egito, por exemplo, o Centro de Pesquisas Islâmicas decidiu que, apesar da apostasia ser realmente um crime, o período para sua redenção é ilimitado. Quer dizer, fica por conta do indivíduo, e não do Estado, aderir à vontade divina. A dificuldade é que os muçulmanos moderados e reformistas, de qualquer lugar, vivem sob a mais intensa pressão. São ameaçados, intimidados, atacados e até mortos por militantes islâmicos no mundo inteiro. Concordo com Alexandre Ferreira, estudioso de Harvard, quando diz que é de nosso interesse
A confusão mais freqüente é entre democracia e vontade da maioria. Isso leva à noção de que democracia significa que a maioria governa sem limites. O governo deve se sujeitar à lei, assim como os governados devem se sujeitar à lei.
A democracia previne autocratas. Garante liberdade, oportunidade e auto-determinação. Gera prosperidade e promove a paz. Ao contrário do nazismo, fascismo, comunismo, militarismo japonês. E do emergente islamismo militante.
entrar em parceria com os cidadãos das democracias incipientes, particularmente as que existem em países islâmicos que se esforçam para entender a teoria e a prática da governança democrática. Os que alegam que há poucos exemplos de democracia sendo exportada para os outros países não deixam de ter razão. Porém, há muitos exemplos de democratas contando com apoio em outros países. No século XX, os Estados Unidos e outras países deslocaram enormes somas de recursos em nome da dissidência pró-democracia no leste europeu. Ao contrário, até recentemente não se tem notícia de nenhum apoio para a dissidência democrática no Oriente Médio.Até hoje, a assistência que providenciamos para que pessoas no Oriente Médio possam compartilhar de nossos valores é um fio perto dos rios de fundos que fluem do Irã e da Arábia Saudita para seus aliados espalhados pelo mundo. Os governantes iranianos e sauditas esperam grande retorno desses investimentos. Não era inevitável que o nazismo, o fascismo e comunismo falhassem em suas tentativas de destruir a experiência democrática. Assim como não podemos ter certeza de que mundo hoje sobreviverá à guerra que está sendo travada pela militância islâmica. A não ser que os Estados Unidos e seus aliados mostrem maior resolução e unidade do que têm mostrado até agora, O regime mais radical do Oriente Médio logo possuirá armamentos nucleares. A Casa Real Saudita continua enriquecendo como nunca. É pouco provável que o ataque terrorista mais devastador do século XXI esteja acabado e enterrado. A longo prazo, a liberdade irá avançar ou se retrair dependendo principalmente de quem é mais determinado - seus inimigos ou seus defensores. Concordo com o presidente Bush quando afirma que a defesa da liberdade requer o avanço da liberdade. A manutenção do status quo internacional, liberdade para aqueles c que consomem gasolina e repressão para aqueles que a bombardeiam, pode ser a opção menos realista de todas. Avançar a democracia é um esforço nacional de doação, como escreveu o presidente Carl Gershwin, não um processo de reengenharia efetuado por burocratas, requerendo mais do que uma eleição ocasional num lugar onde a mídia, controlada pelo governo, mesquitas e escolas vêm há vários anos glorificando o ódio e celebrando homens-bomba. Não estou discutindo se a democracia é um antídoto para o terrorismo e para ideologias antidemocráticas da militância islâmica. O que discuto é que o apoio aos democratas e à dissidência pró-liberdade é uma política que, apesar de ter sido tentada, falhou de maneira meio espetacular. Essa mudança acontecerá para melhor ou para pior. Quem participa de um movimento global pela liberdade, democracia e direitos humanos detém o poder para decidir que tipo de mudança será essa. SETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 35
Estados Unidos
Nossa democracia nasceu nos
Reprodução de Two Flags (1980), Jasper Johns
Edgard Terán Terán Presidente da Organización Hacia la Seguridad - Império de la Ley, ex-Ministro das Relações Exteriores do Equador.
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Leonardo Rodrigues/Hype
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unca pensei que chegaria à velhice na pior luta de minha vida contra o totalitarismo e é isto o que acredito que estamos vivendo. Porém, como isso parece uma contradição - falar do que parece perdido - como nada na vida, historicamente, se perde verdadeiramente, é fundamental recuperar os valores do liberalismo, a democracia verdadeira e o império da lei. E é por isso que esta ocasião é histórica Ainda mais uma ocasião que chega, como uma coincidência providencial, na mesma cidade de São Paulo, onde, em 1991, a grande coalizão da esquerda latino-americana traçou seu inteligentíssimo e maquiavélico plano. Parece-me que está coberto de razão o sr. Guilherme Afif Domingos quando, em comentário feito durante o seminário, dizia “da mesma cidade de onde saiu o Foro de São Paulo deve sair o Grande Foro da Democracia, a recuperação dos valores”. Concebo a liberdade como a individualidade do ser humano, a capacidade de se expressar verbalmente e se comunicar com seus semelhantes. Como o amor, a compaixão e outros sentimentos, como valores universais, ou seja, como objetivos que os indivíduos e a sociedade possuem e que são superiores e precedem, inclusive, os direitos humanos. Não coloco jamais liberdade e a democracia em um mesmo patamar. A liberdade é o valor. Aquilo que ninguém, nenhuma instituição, nenhuma organização, nenhuma pessoa pode disputar contra outra pessoa. E a democracia é, muito mais modestamente, um sistema de governo que alguém qualificou (e muito bem) como “o menos pior dos sistemas de governo”. Entre o que é a realização dos valores humanos e o que é sistema de governo, entra o que considero “o império das leis”, que não é simplesmente o fato de que a lei deve ser cumprida, mas o império da justiça. O valor justiça tem que estar incorporado na lei. E este é o império das leis que queremos. Não de qualquer lei. Não da lei que é simplesmente um ato de autoridade ou de abuso de um órgão competente ou incompetente para legislar. Mas aquela lei que põe em prática o estado de direito. Ou seja, que impõe limites à organização política para preservar os valores da sociedade e os direitos dos indivíduos. O verdadeiro objetivo de uma democracia não é organizar simplesmente o poder, que é o que deve fazer e tomara que o faça bem, e corpos independentes que o exercem. O objetivo da democra-
cia deve ser obter o respeito ao direito individual. Que não é oposto aos direitos coletivos. E que os direitos coletivos não podem arrasar moralmente, pois não podem destruir a liberdade humana. Essa escala de valores que tão bem fundamentou a introdução da constituição dos Estados Unidos: “Nós, o povo, em busca da justiça, de uma organização melhor, da paz”. Nunca li uma valorização melhor de uma sociedade como a que se encontra no prefácio da constituição dos Estados Unidos. E esta é a inspiração de nosso sistema democrático, do sistema democrático da América Latina. Ferido, vilipendiado, distorcido, porém originado nesta formidável escala de valores da revolução americana. Não somos filhos da Revolução Francesa. Não defendemos nem viemos do que dizia muito bem nosso colega Armando Ribas do “obscurantismo da razão”. O sistema de valores de nosso hemisfério latino-americano provém dos conceitos da Revolução Americana e da constituição dos Estados Unidos. Assim, o império da lei que devemos buscar é o império de uma norma justa que impõe limites, sobretudo ao poder, e limites também de um indivíduo face a outro. Em minha experiência, não apenas como advogado ou professor universitário mas como diplomata, cuja carreira exerci por mais de 12 anos, coube-me representar o Equador nos Estados Unidos durante quatro anos. E percebi durante esse período como, lamentavelmente, na união americana, não são muitos os que se interessam pela realidade, sobrevivência, futuro, realidades da América Latina. Ocorre na América Latina algo semelhante com relação aos Estados Unidos. A noção que temos na América Latina sobre os Estados Unidos é realmente pobre. Começando pelo fato de que não percebemos a riqueza e a multiplicidade desse país. Parece-nos que os Estados Unidos se resumem a Nova York, Miami ou Los Angeles, e não esta imensidão de culturas que se unificaram naquilo que eles vivem e denominam de “American way of life”. Trata-se de um continente cheio de valores, de interesses, de riquezas, de pontos de estudo e análise. Não nos preocupamos suficientemente em entender isso. E eles, lamentavelmente, se preocupam menos ainda em nos entender. Essa falta de compenetração, de entendimento, foi fatal para a América Latina nos últimos anos, principalmente a partir do Foro de São Paulo. Nesse momento, nosso continente estava vivendo uma conspiração real, dirigida por mentalidades de grosso calibre. Eu menciono Fidel Castro.
Presidente da organização nãogovernamental (ONG) Hacia la Seguridad Imperio de la Ley, com sede em Quito, Edgar Terán Terán foi exembaixador do Equador nos Estados Unidos entre 1992 e 1996 e Ministro das Relações Internacionais de seu país entre 1984 e 1987, além de ter exercido outros cargos de destaque na administração equatoriana. Atualmente, é professor da Universidad de las Américas e também membro de instituições como o Colegio de Abogados de Quito, a National Federation of Attorneys e Academy of Lawyers.
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Uma de suas motivações para criar a fundação Hacia La Securidad foi o sistema jurídico do Equador, que ele considera caótico e caracterizado por 70% de leis e normas obsoletas ou contraditórias entre si. Segundo Edgar Terán Terán, no Equador existem 2.000 leis ou decretos com força de lei vigentes e pelo menos 40.000 normas desnecessárias, uma confusão instituída no país a partir dos anos 60, com a ditadura militar. Esses dados são importantes porque, segundo ele, quanto maior a confusão em relação ao sistema jurídico, maior a desvalorização da lei como garantia de direitos e segurança. Para ele, a reorganização das leis é fundamental para o retorno ao Estado de Direito. Atualmente, ele se dedica a um trabalho de pesquisa e análise para apontar os problemas do sistema legal ecuatoriano. Além disso, coordena as ações de vigilância das sentenças emitidas pelos tribunais do país e projetos de educação pública sobre temas legais. Todos esses trabalhos são desenvolvidos pela fundação. http://www.hls.org.ec
Fidel Castro não é uma pessoa qualquer. Castro tem uma inteligência privilegiada. Não quero bancar o psicólogo e classificar Q.I.s. Mas o de Castro é seguramente altíssimo. Chávez, em sua aparente maldade ignorante, mas que de ignorante não tem nada, é uma pessoa de Q.I. altíssimo. Esse homem engendra e esteve por muitos anos na prisão, quando seu golpe de Estado de 1992 fracassou, para adquirir conhecimentos. Professores de uma universidade venezuelana iam diariamente à prisão para ministrarlhe aulas particulares. Não estamos falando de ilusões, de coisas irreais, nem de coincidências. Falamos de um plano organizado, real, enormemente inteligente, que começou com uma negação histórica extraordinariamente estúpida. A negação da presença européia na América Latina. A negação de que o descobrimento da América foi o fato histórico mais transcendente na história de nosso continente. E conseguiram. Convenceram muitas pessoas de nosso continente de que a Europa descobridora, talvez não os primeiros habitantes europeus que pisaram neste hemisfério, mas a Europa que descobriu a América, ainda que pensasse que havia chegado à Índia, que esta era a parte inevitável, fundamental, a parte compilada não apenas pela tradição, mas também pelos documentos e pela história, do que é nossa América Latina. Por isso, não estranhem que, comungando dessa idéia fundamental, desse alicerce, conseguiram igualmente mobilizar todas as correntes indígenas de nosso hemisfério, do Canadá à Terra do Fogo, para convertê-las em instrumento de luta política. No meu país, Equador, 7% da população se identificam como índios, 75% se identificam como mestiços, 18% se identificam como brancos. Esses 7% da população estão se impondo a um governo ruim e devem pressionar para que meu país se abstenha de negociar o tratado de livre comércio com os Estados Unidos. A despeito de, no primeiro trimestre, 56% de nossas exportações foram feitas para os Estados Unidos. Isso não é um suicídio real? Utilizando um etnicismo perverso, que tergiversa as normais racionais mais elementares, conseguiram isso. Após maldizer o descobrimento, usar os movimentos indígenas pagos por Chávez, inclusive os de meu país. Pagos por Chávez para obter o absurdo. Não estranhem tampouco que o Foro de São Paulo tenha resgatado todo o nasserismo dos piores regimes ditatoriais da América Latina, começando por Velasco Alvarado, que acabou com o Peru. Para nos referirmos a esses autores, Humala é um “seguidor cego” de Velasco Alvarado. Um ex-ditador que caiu no Equador, foi eleito presidente, porém se tornou um ditador e caiu, era um seguidor do ditador correspondente a Velasco Al-
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varado que tivemos no Equador, e que se chamava Rodriguez Lara. O uso dos militares, pessoas que em nossos países, pelo menos na costa do Pacífico, pertencem à classe média, têm atavismos de ressentimentos e informações lineares equivocadas, era outro dos elementos do Foro de São Paulo. Usemos os militares e já temos Chávez. Como militar, não deve ter sido um sucesso, mas sim como ditador. Tentou uma vez e conseguiu agora. E também não devem estranhar que nossa política externa, a de apaziguamento e tranqüilidade perante o FMI, pareça uma controvérsia. Porém o FMI contribuía eficientemente para o que eu defino em meu país, e digo em público, para criar a classe dos “escravos pagadores de impostos”, classe esta à qual tenho orgulho de pertencer. De modo que é possível conviver muito bem com o FMI ao mesmo tempo em que ocorre a revolução etnicista, socialista e totalitária. E muitas pessoas nos Estados Unidos suavizam suas atitudes porque, no fim das contas, essa política ajuda a pagar a dívida externa. Realmente é um dos planos políticos e históricos de maior profundidade, de maior astúcia, que jamais vi em minhas análises históricas. Olavo de Carvalho reclamava e com razão. “A análise acadêmica é muito importante. Porém, qual é a práxis?” Como solucionaremos o fato de ter que morrer (no meu caso) submetidos a um estado totalitário? Lamentavelmente, as tendências liberais não se manifestam politicamente. Outra das habilidades desse pessoal da extrema esquerda foi satanizar o termo liberal, adicionando-lhe um sócio - o FMI, e juntando um prefixo - neo, e assim mataram o liberalismo. E, nesse momento, não existe um único líder na América Latina que eu conheça, exceto Uribe, que se não for assassinado voltará a ser presidente da Colômbia (que, mesmo ameaçado de assassinato, voltou a ser presidente da Colômbia, exceto ele, não conheço outro líder na América Latina que defenda o liberalismo político, o liberalismo econômico, o liberalismo porque não devemos atribuir-lhe adjetivos. O liberalismo. No Peru acabamos de presenciar um embate eleitoral entre uma mulher inteligente, mas que não era o modelo dos valores liberais. Um homem que foi destituído do poder por ter causado uma destruição quase comparável à de Velasco Alvarado. E o outro, o chavista, claramente financiado, alimentado, mantido por Chávez. O tipo quer leva o discurso chavista ao extremo, até elabora a lista dos que serão condenados à morte. (O Peru preferiu Alan Garcia, o que foi destituído do poder por ter causado uma destruição no país.) No Equador teremos uma decisão semelhante em outubro. Também ali temos um candidato chavista.
Um indivíduo jovem, muito carismático, economista, formado em uma universidade americana, com estudos de pós-graduação realizados em Louvain, na Bélgica. O perfil completo. Não sabemos quem ganhará essa eleição no Equador. O que sabemos é que existe um movimento brutal de oposição para que não se assine o tratado de livre comércio com os Estados Unidos, o que implica um suicídio econômico para o Equador. E sabemos, adicionalmente, que o que desejam e no que estão empenhados é em expulsar previamente, tão logo se instale o novo governo, as empresas petrolíferas privadas. O plano, que talvez não tenha sido traçado há tanto tempo atrás, como há 15 anos, mas que é um plano real, é o uso dos recursos naturais. Petróleo e minerais e o controle desses recursos para uma dominância relativa frente ao mercado dos Estados Unidos. O sonho de Chávez é controlar o petróleo, controlar os minerais e assim controlar a América Latina. E, além disso, claro, sua política pró-Irã, que tem outras perspectivas que eu não compreendo inteiramente. E o que fazemos contra isto? Deve haver algum partido político liberal na América Latina (no meu país, não existe nenhum). Um partido que defenda os valores liberais. É necessário se coligar a esses partidos políticos que realmente defendam valores liberais. Existem entidades de produção em todos os países. E, em todos eles, essas entidades estão extremamente ocupadas com sua função econômica. No entanto, essas entidades tendem a ignorar quase por completo o que é o entorno mais sério, mais complexo, do que vivemos e das notícias que nos chegam. Existem, no entanto, pessoas inteligentes e preparadas com muita coesão. Existem meios de comunicação que não estão sob o controle da extrema-esquerda. Obviamente, temos que contar com eles. E temos que contar com o único país onde a escala de valores do liberalismo não morreu. Neste momento, o único país da Terra são os Estados Unidos. É necessário um entendimento com os Estados Unidos em termos de abertura, por um lado, e de clareza quase de cowboy. Uma das coisas penosas que um latino-americano sente quando conversa com um norte-americano é que se coloca em um plano distinto. E com freqüência, pelo menos na costa do Pacífico, alguns países fazem isso, colocam-se no papel de “pobrezinhos”: “Ah, vocês são ricos e nós somos pobres”. E não há forma de se entender e nem de negociar com os Estados Unidos com base nesses parâmetros. É preciso apresentar idéias, ser pró-ativos, transmitir as idéias com clareza e precisão. E, então, se recebe da outra parte um respeito profundo e se inicia o diálogo. “Eles são os cowboys!” Claro! Não se pode retirar a epopéia do oeste da história dos
Não somos filhos da Revolução Francesa. O sistema de valores de nosso hemisfério latinoamericano provém dos conceitos da revolução americana e da constituição dos Estados Unidos.
Reprodução de Flag on Orange Field (1957), Jasper Johns
Nosso continente vive uma conspiração real, dirigida por mentalidades de grosso calibre. Fidel Castro não é uma pessoa qualquer. Chávez tem um Q.I. altíssimo.
Estados Unidos e é bom que seja assim. Sabendo isso, temos que nos entender com os Estados Unidos. E é bom conhecer a diversidade do governo dos Estados Unidos para tomar uma decisão. Às vezes nós, países pequenos, pensamos com a simplicidade do nosso país, onde o presidente da República decide e basta. O presidente do Federal Reserve (o Banco Central norte-americano) talvez tenha mais poder do que o presidente dos Estados Unidos. E para tomar uma decisão, é necessário combinar quatro ou cinco ou dez ou vinte agências, como eles chamam, e depuram, e analisam, e pesam e contam. Com esse país temos que rever nossos valores liberais. Na última etapa profissional que vivi, pude perceber nos Estados Unidos uma extrema desorientação. Não sabem o que se passa na América Latina. Ou sabem de forma limitada. Ou não comentam aquilo que sabem. Entretanto, não existe essa clareza de pensamento que se esperaria do poder máximo do mundo. Será que compreendem ou não? “Feelings are facts” para os latino-americanos: o que sentimos consideramos como realidade. O que nossos índios fazem no Equador, esse 7%, e nem todos esses 7% politizados, é gritar contra os Estados Unidos, é se opor ao tratado de livre comércio porque é com os Estados Unidos. Se fosse com a China não se oporiam. Isso são “feelings” e esses se opõem aos fatos. Lamentavelmente a vida vai sendo contada por fatos e não por sentimentos. Se conseguíssemos, em nossos países latinoamericanos, como fruto dessa reunião providencial, da qual me sinto honrado em participar, se conseguíssemos realizar uma rápida coalizão de pessoas e esforços na maior parte dos países da América Latina, e se dessa rapidíssima coalizão obtivéssemos os interlocutores adequados nos Estados Unidos, o que não é difícil, acredito que a vida se complicaria muito para o sr. Chávez. Se não for assim, o caminho do sr. Chávez, ainda que tenha espinhos, está pavimentado por rosas. É um caminho largo e próprio, e não largo e alheio, como dizia o sr. Ribas. Que Deus tenha piedade de todos nós. SETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 39
Outra visão do Brasil Percival Puggina
Paulo Pampolin/Hype
Percival Puggina é graduado em arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e atuou durante 17 anos como técnico e coordenador de projetos de engenharia e arquitetura. Desde 1985 entrou para a vida pública e em 1996 passou a presidir a Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública, órgão criado por ele e que é ligado ao Partido Progressista do Rio Grande do Sul (PP/RS). Em sua militância política, Puggina integra o diretório e a executiva estadual do PP, é 1º vicepresidente do partido no Estado e também faz parte do diretório nacional, atuando em oposição ao atual comando do PP. É também conselheiro da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas de Porto Alegre e conferencista.
O
Instituidor e Presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e de Administração Pública. Conselheiro da Associação dos Dirigentes Cristãos de Empresas de Porto Alegre.
Ouvi falar várias vezes de um triângulo: Fidel Castro, Chávez e Evo Morales, e eu fiquei perguntando onde estava o Lula. Porque, na verdade, não é um triângulo. Trata-se de uma quadrilha. E no horizonte mais próximo, pelo que ouvi de alguns visitantes estrangeiros, caminhamos para uma pandilha. Por que excluir Lula? Alguém conhece algum petista que tenha tecido críticas a Fidel Castro, Chávez e Morales? Alguém ouviu de Lula alguma crítica a qualquer dos três? Nem a Fidel Castro. No início de maio deste ano, fiquei sabendo que uma querida amiga, cubana e economista, com quem muito aprendi para escrever o livro que fiz sobre aquele país, Cuba: Tragédia da Utopia, foi solta depois de passar três anos na cadeia. E vem sofrendo constantes assédios dos moradores do quarteirão, mobilizados pelo CDR do local onde ela mora. E, quando sai à rua, sofre cusparadas, bofetadas e ofensas. Ela saiu da cadeia e não tem liberdade. Eu não duvido que lhe passe pela cabeça que talvez a prisão seja melhor do que estar fora dela. E não se ouve crítica do PT ao que acontece lá. Portanto, por que excluir Lula? Talvez os surpreenda agora, mas nós fomos salvos de algo muito parecido. Não pela sorte de Deus ou pelo despreparo do Presidente - que põe qualquer coisa na cabeça, seja chapéu, seja idéia nós fomos salvos pelo miserável Congresso Nacional que temos. Porque, quando o governo tentou criar o Conselho Nacional de Justiça, percebeu que não teria maioria no Congresso para fazêlo. Quando tentou controlar os meios culturais, percebeu que não teria a maioria no Congresso para fazê-lo. Quando tentou criar a Lei da Mordaça, percebeu que não teria a maioria no Congresso para fazê-lo, e quando conseguiu maioria no Congresso para aprovar a Lei do Desarmamento, a sociedade lhe disse não. Porque, se pudesse, teria feito. Teria lançado as bases para avanços posteriores. E se puder, o fará. Não é esse mesmo governo e esse mesmo par-
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tido que nutre financeiramente o MST e suas tropelias há muitos anos? A via campesina? A CUT? Não são esses grupos políticos que nutrem idéias contra qualquer coisa que possa significar o progresso e o avanço econômico? Que são contra a integração comercial? Que são contra o livre mercado? Que, no ano 2000, quando festejávamos o quinto século do descobrimento, promoveram protestos contra o descobrimento do Brasil? Porque, na sua notável geopolítica, se pudéssemos, brancos deveriam ser mandados para a Europa, os negros de volta para a África e entregávamos o Brasil, com as malfeitorias aqui feitas, de volta aos seus primitivos habitantes. E eles não enxergam racismo presente nessas idéias. E é isso que nos é contado pelos desistoriadores do PT. Eles são contra qualquer coisa que possa gerar progresso. Querem que se plantem com as mãos e que se coma aquilo que se planta. Acho que são contra até o nomadismo, que deve ter sido o primeiro passo no sentido da globalização. Volta às cavernas. E não se dão conta que mais um passo atrás e viramos amebas. São as idéias que estão aí fazendo a cabeça das pessoas. Vou contar-lhes uma anedota. Um sujeito embarcou num avião para um país distante. E o avião era de uma companhia aérea desse país distante. Sentado ao lado dele, estava um papagaio. E tão logo o avião subiu, alcançou a altura adequada e nivelou, o papagaio começou a chamar a aeromoça exigindo-lhe a prestação de serviços com os maiores desaforos. Dizia horrores em cada evocativo à aeromoça, ora para lhe ajeitar o travesseiro, ora para lhe trazer um uísque ou salgadinho. O senhor, sentado ao lado, achou que aquele fosse o comportamento natural no país que ia visitar e, portanto, não seria nada demais fazer a mesma coisa no avião da companhia aérea que, claro, respeitava esse costume. Mas aí a aeromoça não agüentou tanto insulto e chamou os homens do serviço de bordo. Os homens pegaram os dois, o papagaio e o que estava sentado ao lado dele, e jogaram os dois porta afora do avião. O sujeito caiu
feito uma pedra e o papagaio de repente passou por ele voando e disse: “Olha, para quem não tem asa, você até que é metidinho...” Após ouvir tudo que ouvi, no meio de tantas celebridades, sinto-me como o sujeito que caiu do avião quando me meto a falar um pouco sobre como vejo a política brasileira . Uma coisa muito importante em qualquer sociedade é o conhecimento dos seus consensos. Aquilo que a sociedade pensa a respeito de coisas significativas, e que pensa bem, é muito importante para que a sociedade avance. Quando uma sociedade pensa errado sobre coisas importantes, dificilmente essa sociedade poderá constituir uma nação que dê certo. Eu não duvido, e não hesito em afirmar que um dos mais prejudiciais consensos que se estabeleceram entre nós é a idéia que nossas instituições não funcionam. E é provável que por ser um consenso isso os surpreenda. Mas o fato é que nossas instituições funcionam. O problema é que funcionam. Para produzir o resultado que temos. Não poderiam produzir resultado diferente, porque esperar delas outra coisa seria como esperar que de uma pimenteira se pudesse colher laranjas. Não dá. Querem um exemplo? Darei vários, mas começo com o da impunidade. Tem-se falado muito no Brasil sobre impunidade. Mas será que alguma das imunidades que temos notícia se deu fora dos quadros institucionais? Os Juízos Especiais, os direitos concedidos a depoentes a permanecerem calados com ampla possibilidade de mentir, além da recusa de comparecer para prestar depoimento - está certo? Os Juízos e os Foros privilegiados estabelecidos não são institucionais? Os labirintos por onde caminhou durante quinze anos o processo da dona Zélia Cardoso de Melo. Quinze anos! As execuções penais misericordiosas que permitem o cumprimento de um sexto da pena, e o sujeito já pode estar com as portas abertas para a liberdade, cometa o crime que cometer, inclusive o hediondo e os mais hediondos. E por decisão do Supremo Tribunal Federal? Será que não são as nossas instituições funcionando? Nosso Brasil ocupa, no ranking da transparência internacional, a condição de o 62º país mais corrupto do mundo. E eu espero que alguém me aponte um homem pú-
blico que tenha pisado sobre tapetes espessos e que esteja cumprindo alguma pena. A revista Veja publicou uma matéria que relata um fato ligado ao episódio do valerioduto (esquema de corrupção que atingiu a Câmara dos Deputados): foi identificado o valor de R$ 1.150.000,00, enviado para o PT do Rio Grande do Sul. O presidente estadual do partido, ouvido sobre a denúncia, disse: “Quero que me cortem o pescoço e que me deixem maneta se entrou um pila (pila é a unidade monetária no Rio Grande do Sul), se entrou um pila na nossa conta”. Dois dias depois, fato provado e comprovado, o político petista foi forçado a admitir que de fato tinha entrado os tais R$ 1.150.000,00. Em seguida, a Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul encerrou o processo dos três envolvidos nessa remessa de dinheiro, os três que levavam o dinheiro em malas apanhadas no mesmo banco, na mesma agência, na mesma fonte para influenciar, com um volume significativo de recursos, uma eleição em Porto Alegre. A Justiça Eleitoral suspendeu o processo em troca, sabem do quê? De cinco cestas básicas. O advogado dos três recorreu, porque achou que era muito pagar tudo de uma vez, e foi parcelado em cinco meses. São as instituições funcionando. O juiz não fez isso fora da lei, o promotor não fez isso fora da lei. As nossas instituições lamentavelmente funcionam. A democracia que amamos tem dois aspectos: o aspecto formal e o aspecto quase espiritual, valorativo. Sobre os valores, Clifford May falou muito bem. Eu quero falar sobre os aspectos formais. Aqui no Brasil, desde 1950, de todos os presidentes da República eleitos pelo voto direto majoritário da sociedade, apenas um não pode, a rigor, ser classificado como populista ou demagogo. O que se elegeu em função do Plano Real. Todos os outros, de Getúlio a Lula, foram demagogos e populistas em suas campanhas eleitorais. As esquerdas, locais e continentais, durante décadas discutiam entre si se a revolução devia começar nos campos ou começar com o operariado, e terminaram por fundar partidos com correntes distintas. Outros, que queriam o foco revolucionário em toda a parte, perceberam na estupidez de nossas instituições que estava
Puggina aponta como fatores determinantes para seu ingresso na vida pública a doutrina social católica. É autor dos livros Cuba – A Tragédia da Utopia, em que analisa o autoritarismo do regime cubano sob os mais variados aspectos, e de Crônicas Contra o Totalitarismo (ambos da Ed. Fundação Tarso Dutra), uma coletânea de artigos sobre política e questões sociais. Colaborador de jornais, como Zero Hora, Correio do Povo e Jornal do Comércio, Percival Puggina tem se concentrado em elaborar análises críticas sobre a administração petista no Rio Grande do Sul e sobre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também defende uma revisão do sistema jurídico brasileiro, pois considera que a incorreta aplicação das leis resulta em impunidade e em injustiças sociais. Site: http://www.puggina.org
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Criam-se os instrumentos para o fisiologismo (...). Corrompe-se o sistema (...). É a regra do jogo (...). A estrutura do governo serve como fonte de renda para os partidos (para fazer caixa). Sempre serviu. E no governo o poder é uma festa.
aberta a porta para se chegar ao poder por um processo não-revolucionário, por meio do voto, que não machuca ninguém. E é o que estamos assistindo agora. Por que? Porque temos um sistema político que sempre fornece imensa vantagem a quem mais mentir, a quem mais usa a demagogia e a quem consegue ser mais populista, especialmente numa sociedade de massa culturalmente atrasada. No regime monárquico, a sucessão é hereditária e o chefe de governo é eleito pela maioria parlamentar. E são democracias mais qualificadas do que as nossas. Mas se não gostamos de cabeças coroadas, vemos outras democracias na França, Itália, Alemanha ou Portugal, onde o chefe de Estado, que não governa, é eleito pelo voto majoritário da sociedade, mas o chefe de governo é eleito pela maioria parlamentar. Mas nós achamos que a boa democracia é a que temos no Brasil, na Colômbia, na Venezuela, no Peru, na Bolívia e, se não for assim, não é democracia. Mas de onde nós tiramos essa idéia? Quem nos vendeu semelhante disparate? Porque, além disso, há um parlamento. E, no Brasil, um parlamento que se divide em duas casas. E como estupidamente não é a maioria parlamentar que faz o governo, é o governo que tem que buscar a maioria parlamentar. E não basta montá-la no dia 1º de janeiro, tem que mantê-la no dia 2, no dia 3, no dia 4, no dia 5 de janeiro e a cada votação significativa do Congresso Nacional. A que preço? O preço pode ser a partidarização da administração. O eleito dessa forma, segundo essas regras, é, ao mesmo tempo, o chefe de Estado, o chefe de Governo e da Administração, coisa que nenhum país sensato adota. O resultado também é a ideologização da administração e se substitui a carreira por mérito pela filiação partidária. Além de prejudicar o mérito, multiplicam-se os cargos de confiança e a conta vai para a sociedade. Criam-se instrumentos para o fisiologismo. Corrompe-se o sistema, porque os agentes políticos, colocados nessas instituições, confundem administração com governo e servem aos partidos po-
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líticos para fazer caixas de campanha. Ou não é verdade? É a regra do jogo. E depois queremos fidelidade partidária. A estrutura do governo serve como fonte de renda para os partidos. Sempre serviu. O poder é uma festa. Lula criou 32 ministérios no começo da festa, 32 para compor a sua base de apoio. Oferecia ministérios como se oferecesse salgadinho em coquetel. Trinta e dois ministros de quem ninguém no País sabe o nome. O sistema eleitoral estabelece um abismo entre as qualidades que se exige para ter o voto e as qualidades que se exige para governar. Como botar tudo isso na mesma pessoa? Depois, nos queixamos que não temos estadistas. Por que isso acontece? Por que somos burros? Por que não há ninguém aqui que conheça a história? Ou que tenha visão correta da política? Simplesmente porque, com visão correta da história, com visão correta da política, com visão correta da economia, não se elege presidente. Para se eleger presidente é preciso distribuir quindim na vila e prometer que vai continuar distribuindo quindim na vila. Quem não fizer isso não se elege. Mas que diabo de democracia é essa? Quando se poderá colher bons frutos nessa estrutura? No parlamento, a coisa se agrava, porque as instituições quando funcionam, e funcionam, elas não só permitem como estimulam a representação política dos grupos de interesse. Como se resolve isso? Responsabilidade das elites. De todos aqueles que têm um pouco de capacidade de análise. As elites não têm o direito de querer solução se sequer conhecem o problema. Qualquer cidadão brasileiro faz uma excelente análise de qualquer partida de futebol. Conhece a história de seu clube, seus melhores atletas, seus bons presidentes, comenta a escalação das equipes, mas não sabe porcaria nenhum da história de seu País, não conhece os que foram seus estadistas, o pai da Pátria, e é incapaz de fazer uma análise política com conseqüência, causa e relação. Por que? Porque a imprensa esportiva é muito mais competente do que a imprensa política brasileira. Não é diferente da sua elite.
Os fundamentos cristãos da liberdade
Leonardo Rodrigues/Hype
Alejandro Chafuén
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ou falar um pouco como recomendava Francisco de Victória. Ele, assim como Sócrates e Jesus, nunca escreveu. Seus discípulos escreviam seus livros. E ele dizia que é necessário ensinar e falar com uma velocidade que permita que as pessoas tomem notas. A essência da tese do meu trabalho, que venho realizando há mais de quarto de século, é a análise das raízes escolásticas da economia de mercado. Meu livro foi publicado inicialmente em inglês, por uma editora jesuíta chamada Christian for Freedom. Depois foi lançado na Polônia, Itália e Alemanha. A última edição se denomina Faith and Liberty (Fé e Liberdade), e é um tratado no qual incluo, citação após citação, todas as contribuições dos autores da Escolástica tardia, que é a última etapa da época medieval, sobre temas de ec0nomia de mercado. Autores, como Schumpeter, reconheciam-nos como os Pais da Economia, porém houve uma campanha de silêncio sobre as contribuições desses autores e eu me dediquei um pouco a trazer essas obras novamente à luz. Mas as Economia não existe no abstrato. Ela precisa de um marco de direito, que surge através da atividade política. Atualmente comecei a estudar também qual a contribuição desses autores escolásticos para as instituições políticas que tanto queremos e que tanto nos fazem falta e, especialmente, para a tradição democrática. Para tornar essa apresentação um pouco mais pessoal, vou me concentrar um pouco mais nos escritos de um autor chamado Roberto Bellarmino, que foi canonizado bem mais tarde, mais de três séculos após sua morte. Talvez possamos discutir o por quê disso. Na verdade, ele teve grande influência. Pouco a pouco, autores renomados e não-católicos foram reconhecendo a influência desses autores. De Harold Berman, em temas de Direito. Um novo livro escrito por Rodney Stark, com o título The Victory of Reason (A Vitória da Razão), dá a esses autores todo o crédito. Autores de Cambridge, Quentin Skinner, Bernice Ha-
CEO e Pesidente da Atlas Economic Research Foundation e do Hispanic American Center foi Economic Rersearch milton, Carlos Tezter, da Fordham , Dan Roover, Greg Hutchinson e outros, Rothbard falando da contribuição econômica. Livro após livro que estuda esses autores estão dizendo que essa foi uma mudança radical na forma de considerar os limites do poder, não apenas a economia de mercado. Existe uma obra de um sacerdote chamado Rager, John Rager, cujo título é C at h o li c Sources of the Declaration of the Independence (Fontes Católicas da Declaração da Independência), publicado em 1930. Vou mencionar alguns parágrafos (desse texto) que mostram a semelhança entre os trabalhos de Santo Tomás, Roberto Belarmino e também da Declaração da Independência (dos Estados Unidos). Roberto Bellarmino nasceu em 1542 em uma cidadezinha chamada Montepulciano, que fica a 60 quilômetros da cidade de Siena, na Itália. Desta cidade surgiu também um grande economista franciscano chamado São Bernardino de Siena, que trouxe grandes contribuições à teoria do valor, além de San Antonino de Florença, que muito contribuiu em outros campos da economia der mercado. Bellarmino se criou nesse campo. Sua mãe se casou aos 12 anos e, aos 15, deu à luz. Bellarmino ingressou na ordem jesuíta, uma ordem que fazia dumping: o colégio onde estudou era gratuito e, por isso, irritou todas as escolas concorrentes. Quando entrou na Universidade mais famosa, que era a Harvard de Public Policy (Políticas Públicas) da época, ou seja, o Colégio de Roma, que também nada cobrava. O anúncio da universidade dizia "Ensinam-se Ciências, Literatura e Matemática grátis". Essa é uma boa forma de disseminar idéias. Francisco de Victoria, fundador da Escola de Salamanca, partilhou muitas idéias de San Antonino de Florença, cuja obra traduziu quando estava na Sorbonne. Atualmente, na sede das Nações Unidas, em Nova York, há uma grande estátua de Francisco de Victoria, grande defensor dos direitos humanos. Não foi apenas um grande defensor dos direitos humanos políticos, mas tam-
O argentino Alejandro Chafuén é, desde 1991, o presidente e o CEO da Atlas Economic Research Foundation, uma organização dedicada aos estudos do liberalismo, e também presidente e fundador do Hispanic American Center of Economic Research (Hacer) além de atuar como consultor e membro de conselhos diretivos de diversos institutos europeus e latino-americanos, Acton de Religión y Libertad (Michigan), Fraser Institute (Canadá), la Fundación Internacional por la Libertad (Madrid). Graduado pela Universidad Católica Argentina e obteve PhD em Economia pelo International College. Atualmente, ele ocupa posições como professor assistente na Universidad Católica Argentina, Universidad de Buenos Aires e Hispanic American University. É autor dos livros Faith and Liberty: The Economic Thought of the Late Scholastics (Lexington Books, 2003) e Economía y Ética (RIALP, 1991), publicados em diversos países.
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Como analista de questões econômicas, de segurança e estratégia relativas à América Latina, Chafuén também tem coladorado para diversos jornais como La Nación (Argentina), El Mercurio (Chile) e Wall Street Journal (EUA), sempre destacando as relações entre economia e ética e a importância da responsabilidade social, bem como os efeitos nocivos da corrupção difusa para o desenvolvimento econômico e para a garantia das liberdades. Chafuén, que se declara católico romano, também tem destacado em seus artigos e palestras a ligação dos católicos desde a origem, a partir das reflexões dos autores escoláticos, do pensamento cristão da Idade Média, com a defesa da liberdade, a compreensão da pobreza, das instituições jurídicas e da democracia. "Para esses autores, o ser humano não é visto somente como indivíduo, mas como um centro de inteligência, espírito e sentido social", disse Chafuén em sua palestra durante o Seminário Democracia Liberal e o Império das Leis. "A essência do cristianismo se mostra no livre arbítrio". http://pws.prserv.net/ usinet.chafuen/ Chafuenweb.htm
bém grande defensor dos direitos econômicos, grande defensor da propriedade privada e do livre comércio. Outro grande autor foi Juan de Mariana. Um pouco mais velho do que Bellarmino, os dois estudaram e lecionaram no Colégio de Roma na mesma época, na segunda metade do século XVI. Todos esses autores criticaram fortemente o direito dos reis ao poder absoluto. Foram os primeiros a fazer esse tipo de crítica. Juan de Mariana, inclusive, alcançou a fama com o livro e a menção ao tiranicídio. O interessante é que seu livro sobre o rei e o poder real, no qual trata do tiranicídio, foi dedicado ao rei e por ele autorizado E Juan de Mariana nunca foi preso por isso. Mas esteve preso por um tempo, e teve seus livros no Índex, quando criticou o rei por emitir moeda e desviar dinheiro falsificando a moeda. Esse livro o levou à prisão. No entanto, paradoxalmente, quando proclamava o direito à denúncia e a própria denúncia do tiranicídio, não foi mandado para a prisão. Por que é tão importante esse tema? Por que esses autores, não era apenas um, ainda que Bellarmino tenha alcançado a fama por esse assunto, porém Lugo ou Escobar, na França, foram uma ponte para os grandes pensadores anglo-saxões posteriores. Vou citar John Locke, que dedicou os últimos dez anos de sua vida a estudar e escrever livros sobre religião. Comentários sobre as epístolas de São Paulo e um livro sobre a Razão do Cristianismo. No entanto, muitos dos meus amigos libertários omitem esses escritos de Locke. É muito difícil provar que James Madison ou Thomas Jefferson tivessem alguns desses livros de Bellarmino. Madison estudou em Princeton e lá se encontravam as obras de Bellarmino, especialmente o livro Um Tratado de Governo Civil, que pode ser encontrado por meio da Internet.. A organização norte-americana Liberty Fund está trazendo as obras de Bellarmino de volta ao prelo. Porém se é certo que não havia livros de Bellarmino na biblioteca de Jefferson, havia livros não só de Juan de Mariana como de todos os que se opunham a Bellarmino e defendiam o direito divino dos reis. Em especial, o livro de Robert Filmer, que era teólogo do rei , defendia o direito divino dos reis e mencionava as opiniões de Bellarmino. Jefferson, quando teve que escolher livros para presentear Madison, escolhe A História da Espanha, de Juan de Mariana. Então, ele conhecia a obra de Juan de Mariana. Aliás, o contato com toda essa obra permite perceber os princípios republicanos que permeavam o pensamento de Juan de Mariana. Os princípios desses autores repousavam nas pessoas, e eu acredito que aí está o salto mais importante da civilização. E quando se atingiu isso? Quando o ser humano se enxergou não apenas como indivíduo, mas como um ser com inteligência, com espírito, com alma e com um sentido social.
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Quando liberalismo defende, quando os liberais clássicos da Antropologia, de Locke a Bastial, de Hume a Smith, por mais distintas que fossem suas religiões, era a mesma visão do ser humano, não era a visão individualista, não era o ser humano como um simples número, porque, caso se tratasse de um simples jogo de números, a maioria sempre acabaria violando os direitos das minorias. Vamos ler agora frases da Declaração de Independência dos Estados e compará-las com o que disse Bellarmino. O pensamento é o mesmo. Declaração da Independência: "All men are created equal. They are endowed by their Creator with certain inalienable rights" (Todos os homens são criados iguais. Eles são agraciados por seu Criador com determinados direitos inalienáveis.) Bellarmino: "Al men are equal, not wisdom or grace, but in the essence and nature of mankind." (Todos os homens são iguais, não em sabedoria ou graça, mas na essência da natureza de sua humanidade.) A função do governo, segundo a Declaração da Independência: "To secure these rights, governments are instituted amon men". (Para assegurar esses direitos, são instituídos governos entre os homens.) Bellarmino: It is impossible for men to live together without someonde to care for the common good. Men must be governed by someonde lest they b willing to perish." (É impossível aos homens viverem em sociedade sem alguém que zele pelo bem comum. Os homens devem ser governados se não quiserem perecer.) Eu poderia seguir citando parágrafo por parágrafo. E algo importantíssimo, que não cheguei a mencionar ainda é que Francisco de Victoria foi quem nos deu a visão de que os direitos que temos, nós os temos por sermos pessoas e não por graça de Deus. Porque se fosse por graça de Deus, os pecadores não teriam direitos. Por mais pecadores que sejamos, não perdemos o direito de propriedade, o direito de voto e outros direitos. Foi a primeira vez que essa mudança radical de pensamento foi registrada no Ocidente. Essas boas idéias às vezes podem perder seu efeito, porque não ocorrem por um passe de mágica. Necessita de trabalho duro. Na verdade, os fatos concretos da História dependem de quatro coisas: Idéias; Interesses; Liderança; Providência. Com a Providência é muito difícil trabalhar. Podemos rezar e ser melhores, porém os outras três passos dependem de trabalho duro. Tudo depende disso.
A palavra é Liberdade
Miguel Rojo/AFP Photo
Luís Alberto Lacalle
V
ocês sabem que os ex-presidentes são como os dragões de porcelana: todos gostam mas ninguém sabe onde colocálos. (risos) Então uma ocupação que têm os ex-presidentes, que não é dizer o que nós todos sabemos, é que temos uma coisa que não se compra nos mercados, que é experiência. Não vejam nestas minhas palavras uma pretensão acadêmica, mas simplesmente uma reflexão acerca dos conquistas atuais com as experiências que cada um de nós viveu. Dizem que a História é a mestra da vida, mas creio que a História é como o espelho retrovisor dos automóveis: para avançar se olha para trás, para ver o trânsito que passou. Então, sem outra pretensão, vamos tratar desse tema, um tema difícil, porque pedir idéias acerca da implementação de políticas liberais ou políticas de qualquer tipo é ingressar em um campo muito difícil, já que nos tenta o voluntarismo de não ter de chamar a realidade tal como é. Creio que é necessário fazer uma análise dos últimos anos da história da região para ter uma noção de onde estamos situados. A pessoa negativamente mais importante na história do século XX, em nossa região, é o comandante Fidel Castro. Essa figura, essa pessoa, dotada de uma enorme quantidade de dons, mal usados, mas com o dom da persistência, de uma vontade tremenda, converteuse no fator mais negativo da história ibero-americana. Ninguém teve mais influência do que ele na história ibero-americana. Recordemos que a independência dessas nações (não a do Brasil, que
Advogado e Jornalista, ex-presidente do Uruguai entre 1990 e 1995 pelo Partido Nacional – conhecido como Blanco – de tendência liberal, do qual é, atualmente, um dos dirigentes. praticamente teve seu nascimento como nação independente, como todas as coisas dessa grande nação tão peculiar), as do lado da América hispânica, a guerra da independência, transferiu para a América o pior da Revolução Francesa: a desqualificação do adversário, a concepção de serem donos da verdade e, como conseqüência, a de serem donos da morte. Foi o pior da Revolução Francesa transferido a uma realidade que estava em formação, uma série de solavancos no ritmo dos países, com a metrópole tomada em seu pior momento de políticas econômicas, formando uma mistura muito explosiva e que nos deu essa sangrenta história de revoluções e de achar que somente alguém teria a verdade. Tudo isso voltou na revolução cubana. A revolução cubana não somente se limitou a fazer em seu país essa revolução, mas teve uma função messiânica e tratou, por todos os meios, de difundir a revolução ao resto dos países da América do Sul, da América Latina (eu gosto mais de Ibero-América). Esses países encontravam-se em diferentes estágios de aperfeiçoamento de suas democracias, mas todos caminhando para isso. Nós sabemos que a democracia não é uma planta facilmente tratável, os conceitos genéricos são universais, mas sua aplicação é planta nativa, local. Não é a mesma democracia no Chile, no Paraguai, nem no Peru ou no Uruguai. Ela se aclimata às instituições locais. Mas todos os países iam mais ou menos aperfeiçoando-a com a sabedoria que dá o tempo e com o ritmo da História, que é relativamente acelerável, pois não se pode
Membro de uma tradicional família de políticos, Luís Alberto Lacalle foi presidente do Uruguai entre 1990 e 1995 pelo Partido Nacional – conhecido como Blanco – de tendência liberal, do qual é, atualmente, um dos dirigentes. Advogado e Jornalista, é doutor honoris causa pelas Universidades Complutense de Madrid, Hebraica de Jerusalém, Autônoma de Guadalajara e Nacional do Paraguai. Antes de assumir a presidência, Luís Alberto Lacalle foi eleito para a Câmara dos Deputados e, no início da década de 80, participou ativamente do processo de recondução do Uruguai à democracia, defendendo o fim do regime militar no país em artigos e em debates políticos. Nas eleições de 1984, foi eleito senador da República.
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Durante seu mandato como presidente, Lacallle envolveu-se no projeto de consolidação do Mercosul e promoveu reformas na administração como o saneamento das finanças públicas, privatizações e a redução da participação estatal na economia. No comando do Estado uruguaio, sentiu na pele as dificuldades de implementar os preceitos liberais num país latinoamericano e, em alguns momentos, enfrentou forte resistência da opinião pública contra seus projetos. Um exemplo disso foi a aprovação da Lei de Modernização, que permitia a privatização de serviços públicos e a entrada de capital estrangeiro em estatais. Para Lacalle, que tentou na prática implantar a teoria de governo liberal num país latinoamericano, uma liberalização política e econômica plena na região é impossível, principalmente porque os estados latino-americanos têm uma longa tradição de intervenção e forte participação na economia. Ainda assim, Lacalle acredita na adoção de medidas liberais eficazes, para a solução de problemas maiores como elevados gastos públicos estatais e elevada carga tributária.
acelerar a História. É nesse contexto que aparece esse horrível conceito dos marxistas, que diziam que o pior era o melhor, que havia que destruir, que havia que se terminar com o que existia, que nada era bom, ou que a partir disso se ia construir o homem novo, a sociedade nova, ou seja, a tábula rasa, o momento sério da História. Eu falo por experiência, eu que sou oriental (uruguaio, da República Oriental do Uruguai) e vivo em um país no qual meu partido, o Partido Nacional, vai completar 170 anos de idade, é o partido político mais antigo do mundo. Seu companheiro dialético, o Partido Colorado, é similar em antigüidade. No Uruguai, nos anos 60, se vivia a mais ampla liberdade de expressão, de cultura, se podia votar no partido trotskista, no partido anarquista, no partido comunista, na União Cívica, na União Popular, no Partido Colorado e no Partido Nacional. Podia-se fundar partidos com 200 assinaturas, havia representação absoluta e total, proporcional, integral, nenhum ponto ficava sem representação. E é nesse país, que podia ter conjunturalmente problemas econômicos e um Estado excessivamente crescido, que irrompe um grupo de jovens que diz: "Não, isso está mal, nós sabemos mais que todos". Pecado de soberba, o primeiro pecado que se comete politicamente em nosso país e naquela nação onde se convivia, se respeitava, se escutava, onde o respeito florescia, começaram a matar com bombas, a seqüestrar e a roubar. Esse novo jacobinismo destruiu um alto nível de funcionamento democrático. Não podemos esquecer esses episódios, que são o pano-de-fundo do que estamos vivendo agora. Era o Uruguai um país democrático a ponto do próprio Che Guevara, na Universidade de Montevidéu, antes desses episódios, dizer: "Ao Uruguai não faz falta a revolução, terá que ser pelo caminho do voto". Che Guevara, que era um republicano destemido. Ou seja, para falar das políticas que queremos promover temos
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que ter em conta o entorno, e para mim o entorno começa ali. Dirão os jovens: faz muito tempo. Sim. Mas por que estamos falando hoje desse tempo de Fidel Castro? Porque houve uma renovação desse tipo de idéias nos acontecimentos que estamos vivendo agora. Castro é um homem de sorte, teve a Guerra Fria para poder viver nela, teve o padrinho soviético e, quando acabou o padrinho soviético e a coisa parecia ter acabado apareceu a União Européia com alguma política tíbia e agora aparece outro padrinho, vizinho e próximo, que é o presidente Chávez. Com isso, se reedita então, já não com bombas, já não com a agressão direta, essa política de radicalização, que é a que estamos vivendo e a qual tememos. Eu temo toda política que diga: você não tem razão porque pertence a outro partido. Me parece que aí está o germe das piores coisas, a desqualificação do outro, os argumentos ad hominem; não tem razão porque é do partido tal ou não tem razão porque é sindicalista. Essas são as sementes: eu era universitário nos anos 60 e vimos nascer esse monstro de totalitarismo e da intolerância nas pequenas coisas, mas não se pode falar numa universidade porque é de direita ou de cima ou de abaixo. O que quer dizer ser liberal em nossa América nos tempos atuais? Comecemos por dizer que, se a palavra liberal está acompanhada de neoliberal, se acentua esse caráter negativo. Houve aí um triunfo midiático, há uma grande vitória semântica. Portanto, remontar um conceito em que não se acredita, que tem más relações públicas, que tem um nome ruim, é uma tarefa muito difícil. Algum fundamento há nesse nome ruim porque, lamentavelmente, em muitos países da nossa região, quando se aplicaram políticas que não eram políticas, que eram simplesmente impulsos, elas já foram taxadas de liberais ou neoliberais. E muitas vezes essas políticas não foram liberais, foram simplesmente oportunidades de liquidação de
patrimônios e bens públicos, sem utilização desse dinheiro para, convertido em outra forma de capital, fazer obras, investir e pagar dívidas. Foi uma liquidação econômica, contrária a toda idéia liberal. Um liberal sabe que se move com liberdade nessa visão dos patrimônios estatais, mas não os destrói. Não é um arremate, um leilão, como se diz nesta terra. Eu creio que produziu-se um dano tremendo ao conceito liberal e neoliberal nessas circunstâncias. Hoje estamos diante desse ataque, que dizíamos renovado mas vestido de outra maneira. O presidente Chávez tem uma legitimidade de origem, eu estive presente na eleição como observador, quando ele triunfou nas eleições, mas o que acontece é que faz falta ou não é suficiente a legitimidade de origem, pois o sistema democrático requer legitimidade de exercício, é uma continuada tensão da vontade no cumprimento da lei. A democracia não é um espasmo, não é um momento, é viver debaixo de regras. E quem primeiro deve viver debaixo das regras é o primeiro cidadão, o que exerce o poder. Por isso estamos notoriamente frente ao muito poderoso, porque ele usa o galardão de ter sido democraticamente eleito e todo dia recorda isso. Mas sabemos que isso não se cumpre no caso dessa pessoa. O senhor Chávez tem todo o direito de governar o seu país, mas o que não podemos e nem vamos tolerar é a sua intervenção nos demais países. Se não gostamos da intervenção norte-americana, tampouco gostamos quando é venezuelana e nem quando é cubana. Nós não queremos nenhum tipo de intervenção em nossos países. E junto com esse estilo de governo de um fanático, como eu chamo, há um ataque mais sutil, mas não menos eficaz, à democracia direta, à democracia representativa, por meio da democracia direta. Está começando de novo a se promover a idéia de que o povo sabe melhor que ninguém, coisa que está no embasamento de nossa teoria. Mas a democracia repre-
A independência transferiu para a América o pior da Revolução Francesa: a desqualificação do adversário, a concepção de serem donos da verdade e, como conseqüência, a de serem donos da morte. E que nos deu essa sangrenta história de revoluções.
sentativa não existe nem pelo número de cidadãos e nem pela complexidade dos assuntos de governo, a possibilidade da democracia da praça, da assembléia. No entanto, o populismo exerce para certo tipo de governante um especial atrativo, o que faz é gritar homologando a palavra do líder máximo. Estamos vivendo esse tipo de manifestações, algumas mais sutis, como em meu país, onde se propugna que o povo faça a nova lei da educação. Vai sair o governo de praça em praça para escutar as opiniões do povo sobre educação, um tema técnico, difícil e complicado? Há quem queira e diz que a partir disso vai se edificar uma peça de legislação, um projeto de lei. Vemos então que não é fácil a tarefa de promover as idéias liberais. Eu creio que a primeira noção que temos que ter é jogar também com a parte terminológica, não falar mais de liberalismo, falar de liberdade, nos apropriarmos da palavra liberdade, que é essencial. Penso em três campos de luta: o acadêmico, o dos jovens e o dos dirigentes políticos. Estamos diante de uma tarefa que é abrir as mentes, contrapor-se a uma cultura, contrapor-se a uma informação errônea. Me parece que no campo acadêmico é onde é mais notória a luta porque aí é frontal. Há que se fazer esse tipo de conferência em todas as capitais de nossos países e aí convidar para à reflexão e chamar ao debate público, porque no campo acadêmico temos que alcançar uma vitória, que é a de retomar o prestígio e a força das idéias liberais frente a todas as manifestações de totalitarismo. Com os jovens a tarefa é, quiçá, mais difícil, mas essa terra está mais fértil. Eu noto que há um retorno do pêndulo ao centro em matéria de gente jovem. Digo isto porque tenho pesquisas de opinião e me dei conta que nos diversos segmentos etários encontramos uma faixa de 22, 23 e 25 anos que não está comprometida com ninguém, uma massa pronta a ser cultivada, mas que também se afastou daquele clichê SETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 47
que tiveram seus pais. Creio que aí há um enorme tesouro de possibilidades. Essa geração não lê, eles não são muito afeitos à leitura, lhes assusta um livro grande. Meus professores todo fim de semana nos davam 200, 300 páginas para ler, mas para eles é uma tarefa impossível. Então estão receptivos, têm a mente, quem sabe, sem dados demasiados, porque a educação pública, pelo menos em meu país, vai numa decadência cada vez maior enquanto conteúdo, ela se reduz a uma mera repetição de dados. Não há formação, há informação. Mas creio que poderíamos instrumentalizá-los com os meios modernos, com os vídeos, com resumos das grandes obras, com instrumentos audiovisuais. Acredito que é preciso que preparemos um arsenal de argumentos para convencer e assim teremos coberto todo o espectro de nossas necessidades. Também há o grupo dos meus colegas. Vejam que não retirei da vida política, para a alegria dos meus correligionários e do meu país. Mas meus companheiros da atividade política são aqueles que mais urgentemente requerem um salva-vidas, uma corda de salvação. Os dirigentes políticos de nossos países se dividem entre aqueles que pertencem a ideologias fechadas, geralmente socialistas, comunistas, e aqueles que estão em estado de graça, estão prontos para serem cultivados por quem os convença. Como entramos na mente dessa gente? Repito, não falo de liberalismo, é sinal de má sorte quando se fala em liberalismo. Mas levemos à mente dessa gente exemplos - creio que o pragmatismo vai ser o caminho -, com os casos concretos, com os fatos. Como dizia Deng Xiao Ping (vamos citar um comunista), não lhe preocupava que o gato fosse uma manobra, o que lhe importava é que o gato pegasse o rato. A mim me parece que isso é uma lição de pragmatismo político que não se pode esquecer. O dirigente político que está diante dos problemas tem que saber que os problemas polí-
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Em muitos países da nossa região, políticas que eram simplesmente impulsos foram taxadas de neoliberais. E não foram liberais, foram liquidação de patrimônios e bens públicos, sem utilização desse dinheiro para, fazer obras, investir e pagar dívidas.
ticos se soluciona com liberdade, que as nações que conseguiram superar a pobreza, que conseguiram emprego, que conseguiram pagar sua dívida, que conseguiram prosperar através do comércio, só o que põem em prática é liberdade. E não há melhor demonstração do que a das ações. Pode ser que apareça um caso em que esta lógica não é uma norma, mas quase norma é que os países que aplicam o princípio de liberdade são os que progridem e aqueles onde as pessoas conseguem emprego e onde pode haver justiça social através da prosperidade. Assinalando o que se passa no Chile, por exemplo, me interessou muito o documento de Armando Ribas sobre o socialista moderado em comparação ao que acontece na França e Inglaterra: a regulação faz com que não aumente o emprego e que não aumente a prosperidade, enquanto que do outro lado do canal as políticas liberais da França e da Inglaterra fazem com que haja menos desemprego e assim mais prosperidade. É uma prova palpável de que os países que se abrem e praticam a liberdade vão adiante. Os dirigentes políticos então são o objetivo preferido que devemos ter, podemos convencê-los por esse lado. Além disso, ter uma espécie de centro de informação, de idéias, conceitos e publicações. Sei que existem, mas que tenhamos uma rede onde possamos encontrar a última novidade. Porexemplo,aBloombergpublicaascartas diárias de um senhor Walter Bolano, um excelente analista político geral. É esse tipo de argumento curto, jornalístico, devemos ter um clearing house de tudo isso. Temos que saber onde estão as cadeias de informação e as páginas para podermos estar no contexto. Essas não são receitas, é o que eu penso que se pode fazer. E evidentemente participar da vida política, porque a democracia é como a bicicleta se não pedala cai -, e cada um tem a responsabilidade. Não ponham a culpa nos políticos, votem melhor ou senão tornem-se políticos.
Obstáculos à liberdade na América Latina Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas não me deixarei escravizar por coisa alguma". São Paulo Primeira Epístola aos Coríntios (1 Cor. 6, 12)
Nada é mais rico em privilégios do que a arte de ser livre; mas nada é mais árduo que o aprendizado da liberdade" Alexis de Tocqueville
Reprodução
Declaração de Independência dos Estados Unidos: o reinado do liberalismo.
Heitor de Paola Organizador Técnico e Coordenador do Seminário sobre Democracia Liberal: Liberdade, Democracia e o Império das Leis
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Paulo Pampolin/Hype
Heitor de Paola é médico formado pela Universidade federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, tendo se especializado em psiquiatria, com passagem por vários hospitais psiquiátricos e atuado no tratamento de dependentes de drogas. Desde 1974, De Paola tem atuado no atendimento clínico psiquiátrico e psicanalítico e publicou mais de 30 papers em sua área de especialização. Atualmente, além de psiquiatra, é também psicanalista no Rio de Janeiro. Membro da International Psychoanalytical Association e consultor clínico da Boyer House Foundation, de Berkeley, na Califórnia. Além disso, ele é delegado internacional no Brasil do Drug Watch International. Ele foi o coordenador técnico do Seminário Democracia Liberal e o Império das Leis. Ex-militante da organização clandestina de esquerda Ação Popular (AP) na década de 60, De Paola é, desde 2001, comentarista político e, em 2003, passou a integrar o corpo de colunistas do site liberal conservador Mídia sem Máscara, no qual
A
liberdade individual é uma conquista relativamente recente da Humanidade e corre o risco de ser uma experiência efêmera, tantos são os óbices que se acumulam contra sua universalização. Mesmo nas sociedades em que ela existe em maior grau a tentação totalitária está sempre presente, fazendo com que seja permanentemente atual a advertência de Thomas Jefferson "O preço da liberdade é a eterna vigilância". É de sua lavra também a frase "Jurei, no altar de Deus, eterna hostilidade contra todas as formas de tirania sobre a mente humana". Conhecido como o "membro silencioso" do Congresso Continental, Jefferson falou através de sua pena, rascunhando a Declaração de Independência aprovada quase sem emendas em 4 de julho de 1776, na qual pela primeira vez declarava-se que "Acreditamos serem verdades evidentes por si mesmas que todos os homens nascem iguais; que são dotados pelo Criador com alguns direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade". Tomava corpo a institucionalização das condições políticas para que o homem pudesse exercer a liberdade interior preconizada por São Paulo na Epístola em epígrafe. A procura de um regime político que permita a grandeza de escolhermos nosso próprio destino, baseados unicamente na nossa consciência, é muito antiga. Começa pela tradição bíblica do livre arbítrio, passa pela busca incessante de Sócrates e seus discípulos e pela pregação cristã e se espraia pela tradição anglo-saxônica. Quando os barões e os prelados ingleses extraíram quase a fórceps, em 15 de junho de 1215, a Magna Carta do Rei João Sem Terra, não imaginavam que, pensando apenas em si mesmos e nos seus interesses imediatos, estavam estabelecendo as bases dos modernos Parlamentos e daquele Congresso Continental mil e quinhentos anos mais tarde em que Jefferson se pronunciaria. Documento infelizmente pouco conhecido na atualidade a Magna Carta foi a primeira tentativa anglo-saxônica de limitar o poder de um tirano mediante o império da lei. Foi responsável, entre outras coisas, pelo estabelecimento do que hoje se chama devido processo legal (due process of law) ao estatuir na sua cláusula 39 que:
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"Nenhum homem livre será preso, encarcerado, despojado de seus bens, colocado fora da lei, banido, ou ferido de qualquer maneira - nem o perseguiremos ou faremos perseguir - a não ser pelo julgamento legal de seus pares ou pela lei da terra". Igualmente estabeleceu pela primeira vez o direito de livre comércio. A cláusula 41 rezava: "Todos os mercadores poderão, de maneira certa e segura, sair ou entrar da Inglaterra e aqui permanecer, ou por aqui passar, tanto por terra como por água, para comprar ou vender sem que lhes sejam cobrados impostos odiosos (evil taxes) (...)". Na mesma cláusula ainda defende o princípio da reciprocidade diplomática e da simetria em caso de guerra: "(...) deverá ser do nosso conhecimento, ou de nossos magistrados, como nossos mercadores que estiverem em terras em guerra conosco serão tratados. Se os nossos estiverem a salvo lá, os de lá estarão a salvo em nossas terras". (A moderna guerra assimétrica é justamente o oposto do disposto nesta cláusula). Também inaugurou o direito inalienável de livre trânsito, hoje negado em várias "democracias". Na cláusula 42 estabeleceu que: "A partir de hoje qualquer pessoa, salvo por crime de deslealdade, pode sair do nosso reino e a ele retornar, são e salvo, por terra ou água, exceto talvez por breves períodos em tempo de guerra, e os prisioneiros e foras da lei, para o bem comum do reino (...)". Outra lição que se pode tirar da história deste documento, fundamental para o individualismo, é que interesses à primeira vista exclusivamente egoístas revelam-se ao longo do tempo benéficos para o assim chamado bem comum. Desde que os indivíduos sejam deixados em paz e fora das garras dos "engenheiros sociais", os quais pensam que conhecem melhor que os indivíduos livres, o melhor para o "bem comum", agora chamado "social". Se os barões e prelados não tivessem lutado em causa própria não gozaríamos hoje os benefícios de suas exigências. Hoje, os barões e prelados são exatamente os "engenheiros sociais" que também atuam exclusivamente em causa própria, para aumentar o seu poder, mas alegam ser os representantes das causas da sociedade como um todo. Não se fazem mais barões e prelados como na Idade Média! As diferenças cruciais entre as revoluções
Francesa e Americana residem nestes dois pontos: a importância da liberdade individual e a delimitação do poder dos governantes. Enquanto na primeira simplesmente se substituiu um tirano coroado pela tirania da maioria, gerando governantes jacobinos ainda mais tirânicos, na segunda o tirano foi substituído pela Carta dos Direitos e pela limitação do poder dos governantes, isto é, pelo Império da Lei e não dos homens. Todo o texto enxuto e claro da Constituição Americana é uma seqüência de limitações do poder dos governantes sobre os governados. Na verdade, a Constituição se refere sempre a estas limitações, obrigando o respeito a elas por parte do governo; os indivíduos e as entidades privadas não estão a elas obrigados. É o reinado do individualismo, da liberdade do homem embora limitada pelos valores cristãos. Ama o próximo como a ti mesmo, é o que coloca os limites do "nem tudo convém", diferenciando-o do simples egoísmo que não leva os demais em consideração. Esta liberdade individual inclui as liberdades de querer, optar, pensar, falar, escrever, opinar e publicar. De trabalhar em qualquer ocupação à sua escolha, de ter posses e dispor livremente delas, sem constrangimentos, inclusive testar, de escolher seu cônjuge livremente e assim criar seus filhos educando-os dentro dos seus princípios. Liberdade de consciência e de culto, de estabelecer-se onde melhor lhe pareça, sair ou entrar livremente de seu país. De definir seu próprio conceito de existência, de sentido da vida e do universo. Toda a cooperação do governo deveria ser no sentido de assegurar e defender estas garantias protetoras da vida, das pessoas e da propriedade privada. Não foi outra coisa que levou o Ocidente, principalmente os Estados Unidos da América e a Inglaterra, ao impressionante surto de descobertas e invenções do final do século XIX e início do XX. Na esteira da Revolução Industrial que datava já de um século houve um incremento monumental do acúmulo de capital que permitiu uma imensa expansão em todos os setores da economia. Certamente o fim da Guerra Civil Americana e a expansão para o Oeste levada a efeito por indivíduos livres, cada vez mais distantes dos centros do poder,
tiveram um papel relevante na evolução do próprio conceito de liberdade. Nem mesmo na época dos Grandes Descobrimentos ocorreu esta evolução, pois ou eram projetos estatais ou dependeram enormemente da mão gorda do Estado. Vasco da Gama, Colombo, Cortez e Cabral estavam mais para funcionários da Coroa do que para campeões da liberdade. Muito diferente foi a Conquista do Oeste Americano realizada sob a égide de homens livres que corriam para ganhar suas vidas e de suas famílias e a tudo estavam dispostos para defender o que iam conquistando. Remember the Alamo, Davy Crockett, Sam Houston, Stephen Austin, Lewis & Clark. Por que não "Doc" Holiday e Wyatt Earp e seus irmãos. É o espírito dos cowboys, da liberdade das pradarias - tão desprezados pelos intelectuais de gabinete que não se arriscam nem em ir até a esquina - que constituiu a saga formadora dos Estados Unidos da América. Armando Ribas coloca a questão em seus devidos termos: "Onde estaríamos se os cowboys não tivessem ganho dos Sioux, Apaches, Comanches e outros? Poderíamos pensar que os caçadores de búfalos que dançam com lobos seriam capazes de destronar o Kaiser, vencer a Hitler, Mussolini e Hiroíto e conter o Império Soviético e a China de Mao? Certamente não, a vitória nesta luta pela liberdade que se iniciara em Filadélfia foi e seguirá sendo a dos cowboys que acreditaram nos direitos individuais e lutaram por eles, e não dos que chegaram ao Terceiro Milênio pela mão da Razão do Estado, sublimada pelo voto universal na Social Democracia" (Entre Cowboys y Jacobinos). A TRISTE HISTÓRIA DA LIBERDADE DA AMÉRICA LATINA Os Founding Fathers antes de chegarem ao texto constitucional discutiram longamente as relações entre liberdade, justiça, democracia e o significado da expressão todos os homens nascem iguais. Os Federalist Papers são uma mostra eloqüente desta discussão. Isto nunca ocorreu na Europa e, conseqüentemente, no nosso Continente. Herdamos de forma crua os princípios igualitários da democracia franco-germânica e, inevitavelmente, herdamos também a propensão européia às tiranias. Ironicamente a obra mais conhecida de Hayek não se aplica aqui: não estamos e nunca estivemos no Caminho da Servidão, vivemos nela
apresenta periodicamente análises sobre política brasileira e internacional. Em muitos de seus artigos, De Paola se dedica a analisar e esclarecer as políticas públicas voltadas para dependentes de drogas. De Paola defende uma ampliação do debate na mídia e na universidade sobre os fundamentos morais e éticos da doutrina liberal, como forma de aprofundar as análises sobre os rumos da democracia, principalmente nos países latino-americanos onde, segundo ele, os espaços de debate estão doutrinados pelo pensamento de esquerda. "Há uma grande confusão sobre os conceitos-chave do liberalismo, como democracia, individualismo e império das leis e até mesmo sobre o que é o liberalismo. Outra confusão é sobre o princípio liberal do individualismo que, na doutrina, não tem a conotação pejorativa que se tornou senso comum hoje. Tal desorientação é articulada e resulta num desconhecimento sobre as propostas sociais da doutrina liberal, que não são poucas. Basta dizer que nos países mais liberais, a distribuição de renda entre a população é mais equilibrada", defende De Paola.
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desde sempre e o que necessitamos é descobrir um Caminho para a Liberdade! A servidão nos foi transferida in natura das metrópoles ibéricas, plenamente exercidas durante o período colonial e nossas independências foram feitas por homens que nada sabiam da verdadeira liberdade por terem sido criados na Espanha ou Portugal onde a tirania era a tônica. A independência dos países não resultou em liberdade para seus povos. Já nascemos como prisioneiros que só conhecem os limites da sua cela e nem podem imaginar como o mundo pode ser fora dela. Juan Bautista Alberdi (1810-1884), conhecido como o "Pai da Constituição Argentina" de 1853, a única Constituição liberal que a ibero-américa conheceu em toda sua história, deixa claro que "A liberdade da Pátria é a independência com relação a todo país estrangeiro. A liberdade do homem é a independência do indivíduo com relação ao governo de seu país. A liberdade da Pátria é compatível com a maior tirania e ambas podem co-existir num mesmo país. A liberdade do indivíduo deixa de existir pelo próprio fato da Pátria assumir a onipotência do país" (A Onipotência do Estado é a Negação da Liberdade Individual). "Esta verdade tem sua confirmação cabal no exemplo que nos oferecem os próprios Generais tidos como 'Libertadores da América'. (...) Não bem concluída a guerra contra a Espanha, Bolívar e San Martin se colocaram à testa de movimentos da política interior com o objetivo de fundar pela espada a liberdade doméstica (...). O fracasso não tardou em mostrar-lhes seu erro (...)" (Peregrinación del Luz del Dia o Viajes y Aventuras de la Verdad en el Nuevo Mundo). Neste caso o Brasil também está em pior situação que nossos vizinhos. Nossa "independência" não passou de uma pantomima: foi proclamada por um Príncipe português de caráter duvidoso, cujos principais interesses eram os bordéis e reinar em Portugal, a mando d'El Rei, seu pai que o recomendou colocar a coroa na sua cabeça "antes que um aventureiro brasileiro o faça". A diferença com George Washington é deprimente: logo após o fim da Guerra de Independência o Coronel Lewis Nicola escreveu a Washington, como representante dos oficiais descontentes com o tratamento que lhes dispensava o Congresso, sugerindo que ele se tornasse Rei, pois contaria para isto com o apoio da maioria das "pessoas com vanta-
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Davy Crockett, Sam Houston, Doc Holiday, Wyatt Earp (...) É o espírito dos cowboys, da liberdade das pradarias - tão desprezados pelos intelectuais de gabinete que não se arriscam nem em ir até a esquina - que constituiu a saga formadora dos Estados Unidos da América.
gens materiais" do país. Sua resposta indignada foi peremptória: "Não sei qual conduta de minha parte pode ter encorajado esta sugestão, pois os senhores não podiam ter encontrado alguém para quem tais esquemas sejam mais desagradáveis e repugnantes". E acrescentou: "Se os senhores têm alguma consideração por si mesmos ou sua posteridade, ou respeito por mim, devem banir estes pensamentos de suas mentes e nunca comunicar, direta ou indiretamente a ninguém, um sentimento desta natureza". (George Washington: A Brief Biography, Mount Vernon Ladies' Association of the Union) É ainda Alberdi quem o diz: "O despotismo e a tirania freqüentes nos países da América, não residem no tirano nem no déspota mas na máquina ou construção mecânica do Estado, pela qual todo o poder de seus indivíduos, refundido e condensado, cede em proveito de seu governo e cai em mãos de sua instituição. O déspota e o tirano são o efeito e o resultado, não a causa, da onipotência dos meios e forças econômicas do país, colocadas na posse do estabelecimento de seu governo e do círculo pessoal que personifica o Estado pela maquinaria do próprio Estado". "Nos Países Anglo-Saxônicos (Estados Unidos e Inglaterra) liberdade nunca significou independência de uma potência estrangeira, mas independência de cada indivíduo em relação ao Governo da Nação (...) a liberdade da Nação tem como limite sagrado a liberdade individual". (A Onipotência do...) A natureza do que é chamado de democracia no nosso Continente não inclui a noção de liberdade individual. A maioria possui uma visão populista da relação entre Estado e Sociedade. As pessoas esperam que o Estado resolva seus problemas básicos: emprego, moradia, comida, saúde, educação e aposentadoria o mais cedo possível. Estes fatores são descritos em nossas Constituições como "direitos dos cidadãos". A Constituição Brasileira de 1988 - a "Constituição-cidadã" - chega a prever absurdos como a taxa máxima de juros - que, se fosse respeitada impediria todas as transações econômicas do País - e a ridícula cláusula que define saúde como "direito de todos e obrigação do Estado"! Numa sociedade que respeita seriamente sua Constituição, qualquer indivíduo poderia acionar juridicamente o Governo por um reles resfriado! Mas é aí que está o ponto: enquanto os AngloSaxões fazem constituições enxutas para serem
obedecidas principalmente pelos governantes - a da Inglaterra nem tem uma redação unificada mas leis esparsas somadas ao direito consuetudinário - nós herdamos o furor de regulamentação das monarquias ibéricas produzindo Constituições intermináveis onde todos os detalhes das vidas dos cidadãos são previstos. Faltou prever alguma coisa? Providencia-se uma lei ou emenda para incluí-la. Nenhuma profissão pode deixar de ser regulamentada, nos moldes das guildas medievais, nos mínimos detalhes. É decepcionante que os próprios cidadãos peçam para ser regulamentados porque acreditam que assim estarão protegidos, e não se dão conta de que, de regulamentação em regulamentação, tornam cada vez mais forte o Estado e mais fracos os indivíduos! Como conseqüência, os movimentos contrários à liberdade e à propriedade privada se aproveitam exatamente do regime democrático para assumir o poder e liquidar o próprio sistema que os elegeu. É de se notar a sutil modificação introduzida no Estado de Direito: ao acrescentar a palavra Democrático, liquida-se com o próprio Estado de Direito e coloca-se em seu lugar a tirania das maiorias e o aniquilamento progressivo das minorias. Jamais passou pela cabeça dos framers da Constituição Americana ou dos legisladores britânicos a expressão democratic rule of law. HÁ ESPERANÇA? O meu otimismo me obriga a pensar que sim embora o exame da realidade me leve a crer que não, pois cada vez mais nos enterramos na tirania e a perspectiva é de que passemos da cela às masmorras. A população cada vez mais exige direitos inconquistáveis e os governantes prometem cada vez mais sabendo plenamente que são promessas vãs. Tinha plena razão Alexander Tyler quando dizia que "[a democracia] Só pode existir até que os eleitores descubram que podem votar por mais dinheiro do tesouro público para si mesmos. Deste momento em diante a maioria sempre votará nos candidatos que prometem a distribuição de mais dinheiro do tesouro público, tendo como resultado que uma democracia sempre acaba em razão de políticas fiscais frouxas, liberais e irresponsáveis e são seguidas por uma ditadura". Os candidatos sabem que as promessas não poderão ser cumpridas, mas as fazem porque seu
objetivo é bem outro: provar que o regime democrático não funciona e que é preciso cada vez mais restringir as liberdades individuais para o "bem social" - na verdade para o bem deles mesmos. Atacam as liberdades mais invejadas e cobiçadas, a da propriedade privada e a da individualidade, pois sabem que contarão com o apoio dos que nada ou pouco possuem e dos que são incapazes de exercer plenamente sua individualidade. A primeira é "a fonte mais comum e duradoura da formação de partidos (fractions). Aqueles que possuem e aqueles que não possuem propriedades sempre formam distintos interesses na sociedade". (James Madison, The Federalist n 10). O que os invejosos não desconfiam é que, depois desta, todas as demais liberdades virão de roldão, inclusive as suas. Já a espontaneidade individual não faz parte "do ideal da maioria dos reformadores sociais e morais mas, pelo contrário, é olhada ciumentamente como um problema e talvez como uma obstrução rebelde à aceitação geral dos que estes reformadores, em seu próprio julgamento, pensam ser o melhor para a humanidade". (John Stuart Mill, On Liberty) É claro que a ânsia de liberdade existe nos nossos povos como em quaisquer outros mas para isto seria necessário abandonar esses falsos "privilégios" e aí entram as dificuldades em aprender a ser livre: é, como dizia Tocqueville, um trabalho árduo. Mas que deve ser começado antes que não haja mais tempo. O Seminário que me coube organizar e coordenar, sob a inspiração de Armando Ribas, é uma primeira tentativa: reunir intelectuais para, tal como na Argentina da década de 30 do século XIX, em condições muito semelhantes às atuais, "refletir como deve ser a república (...) a geração de 1837 atuou para dar vida à Constituição, às instituições republicanas e as formas de vida de uma sociedade moderna", como nos diz na apresentação de seu livro Los Fundadores de la Republica, outro participante do Seminário, Ricardo López Göttig. Mas esta é a mais assimétrica das batalhas já que os defensores da liberdade são ciosos do que defendem, e lutam como indivíduos, enquanto os inimigos coletivistas da liberdade lutam como um exército de formigas obedecendo a ordens pavlovianas.
As diferenças cruciais entre as revoluções Francesa e Americana: a primeira substituiu um tirano coroado pela tirania da maioria; na segunda, o tirano foi substituído pela Carta dos Direitos e pela limitação do poder dos governantes, isto é, pelo Império da Lei e não dos homens.
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A ideologia do Schmoo Olavo de Carvalho
Aristóteles (384-322 aC), gênio da filosofia grega, na juventude freqüentou a Academia de Platão. Aos 49 anos fundou sua escola, o Liceu. O rigor e a robustez de seu realismo moderado até hoje influenciam os pensadores mais exigentes.
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Arte: Abê
Jornalista e professor de Filosofia
as virtudes que o adversário julga possuir. Temos aí então duas auto-imagens grupais com suas respectivas projeções inversas. Por baixo delas, existem duas realidades objetivas que elas em parte expressam, em parte camuflam, sendo também duplas por sua vez a expressão e a camuflagem, de vez que podem refletir a auto-imagem idealizada do próprio grupo ou a simples inversão retórica dos vícios atribuídos ao adversário. Essas realidades podem ser conhecidas, em parte, pela análise dos discursos de auto-idealização e de depreciação do adversário, em parte por dados obtidos de fora desses discursos. Mas é claro que os discursos, tanto o positivo quanto o negativo, retroagem sobre as realidades subjacentes, modificando-as no decurso do tempo. A qualquer momento, o membro de um dos grupos pode exigir que algum item do cardápio auto-idealizante, usado inicialmente como pura efusão retórica para obter vantagem sobre o adversário, se incorpore nos planos e objetivos reais do grupo, ou que, ao contrário, uma parte objetiva do plano seja abandonada na prática e se torne puro instrumento de auto-idealização. A equação pode ainda complicar-se pelo fato de que os conflitos entre grupos políticos não são estáticos, mas evoluem no tempo, incorporando e rejeitando pontos de divergência – por sua vez reais ou puramente retóricos – conforme a situação do momento. Não usei a palavra “equação” à toa. Montar a equação completa desses vários fatores, chegando à descrição objetiva dos conflitos e do sistema inteiro de artifícios e subterfúgios usados no combate, tal é a obrigação inicial do estudioso, do analista, do cientista político. A definição de cada grupo receberá então uma formulação descritiva diferente daquela que tinha nos discursos dos dois (ou três, ou quatro, ou n) agentes políticos. Com base nessa descrição e na sua confrontação com outros dados da realidade em torno, é possível então arriscar análises e previsões quanto ao desenrolar do conflito. Descrição, análise e previsões constituem então o terceiro discurso, o discurso analítico do cientista político. Com a distinção das três acepções da definição dos grupos, Aristóteles lançou as bases para o estudo científico da atividade política. A idéia corrente de que esse estudo foi inaugurado por Maquiavel é apenas fruto da ignorância. As bases da ciência política antiga continuam válidas até hoje, e a obra inteira de Maquiavel não é senão a aplicação parcial e caricatural de alguns elementos dela. Talvez a única coisa a acrescentar ao método descritivo de Aristóteles seja um fato característi-
Sérgio Tomisaki/Ag. O Globo
O
termo “liberalismo” serve para designar a esquerda, nos EUA, e a direita, no Brasil. Maior elasticidade, só a do Schmoo, o bicho-panacéia da revista Li’l Abner (“Família Buscapé”), que uma vez assado e servido podia ser frango, pato, ganso, peixe, vaca, porco, pizza ou o que você bem desejasse no momento. “Neoliberalismo” pode parecer um pouco mais específico, mas, no auge da campanha esquerdista contra ele na América Latina, em 2000, seus representantes reunidos em Berlim no encontro de chefes de Estado eram Bill Clinton, Felipe Gonzales, Gerhard Schroeder e outros que tais – a fina flor dos advogados da esquerda pobre no mundo rico (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/berlim.htm). A dificuldade de definir as correntes políticas leva por vezes à tentação de declará-las inexistentes. “Não há esquerda ou direita” é um lugar-comum que desde os anos 50 ressurge periodicamente, sem impedir que as facções assim denominadas continuem disputando eleições, xingandose e não raro tentando liquidar fisicamente uma à outra, como se existissem. A solução desse problema já foi enunciada 2.400 anos atrás, quando Aristóteles explicou a diferença entre o discurso dos agentes do processo político e o do cientista que descreve e analisa esse processo. O nome de uma ideologia ou grupo político tem sempre três acepções diversas. Ele veicula, em primeiro lugar, a autodefinição desse grupo, o conjunto das virtudes e esperanças que ele pretende representar. Essa definição não precisa expressar claramente algum plano político efetivo. Com freqüência, serve antes para camuflar a substância do plano por baixo de uma camada de belas qualidades morais que o grupo desejaria personificar, de modo a concentrar as atenções da platéia nessas qualidades, sempre inatacáveis e atraentes em si mesmas, saltando sobre a discussão do plano concreto, que sempre inclui algum detalhe estratégico e tático constrangedor. A autodefinição deve, no entanto, marcar muito nitidamente a fronteira entre o grupo e seus concorrentes ou inimigos. A auto-imagem do grupo não depende de que ele se conheça a si mesmo positivamente, mas sim negativamente, como inversão dos vícios e pecados atribuídos ao antípoda, ao estranho, ao “outro”. Em segundo lugar, existe a definição que esse outro dá ao grupo, a definição adversa ou hostil. Esta também não precisa descrever objetivamente o grupo, mas apenas projetar sobre ele, invertidas,
O Schmoo liberal brasileiro tem de decidir se é pato ou ganso. É uma loucura esperar para fazêlo quando for levado ao forno.
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co da modernidade: com freqüência o discurso descritivo e analítico dos cientistas é incorporado, com maior ou menor sinceridade e realismo, nos próprios discursos dos agentes ou grupos políticos. Um discurso de autolegitimação política grupal que traga em seu bojo elementos de ciência política ora mais, ora menos valiosos intelectualmente, é aquilo que hoje em dia se chama uma ideologia. É usual que esse discurso incorpore também elementos de outras ciências, como por exemplo o socialismo, o nazismo e até a apologia do livre mercado acabaram incorporando a teoria da evolução de Darwin. O que define uma ideologia é precisamente a presença de fortes elementos científicos, mas articulados não segundo uma estratégia de conhecimento da realidade e sim de acordo com as necessidades da auto-imagem grupal e da estratégia política. O surgimento das ideologias é um subproduto do prestígio social da ciência moderna; aplicar o termo a qualquer discurso político anterior à modernidade é um abuso letal da linguagem e um erro de método, quando não ele próprio um artifício de retórica ideológica. Usando a distinção de Aristóteles, veremos que o termo “liberalismo” é tão repleto de sentidos diferentes porque ao longo do tempo foi usado, com intenções diversas, para a autodefinição de grupos distintos, heterogêneos, inconexos ou até opostos. Algumas dessas autodefinições acabaram incorporando, retoricamente ou substantivamente, vários elementos das anteriores, complicando bastante o quadro para além da confusão normal nascida do jogo de autodefinições idealizadas e definições adversas. Um conceito objetivamente válido do liberalismo só pode portanto ser obtido pela reconstituição da sua equação originária e pelo rastreamento das sucessivas mutações que ela veio sofrendo ao longo dos tempos. Só assim é possível compreender a unidade por trás de formulações opostas nascidas mais ou menos da mesma origem. Algumas das fontes melhores para esse estudo ainda são o clássico de Guido de Ruggiero, The History of European Liberalism (transl. R. G. Collingwood, Oxford University Press, 1927) e o ensaio de Eric Voegelin, “Liberalism and its History”, datado de 1960 e reproduzido no vol. 11 das Collected Works (Published Essays, 1953-1965, ed. Ellis Sandoz, The University of Missouri Press, 2000). Seria preciso atualizá-los, mas não conheço nenhum estudo posterior que alcance o nível de rigor analítico desses dois trabalhos notáveis. Nas dimensões do presente artigo, não é possí-
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Nos EUA, liberalism deriva da tradição liberalrevolucionária, ao passo que o movimento conservative é o herdeiro consciente do liberalismo clássico. No Brasil, o movimento "liberal" inclui, numa pasta indistinta, autênticos conservatives e liberaisrevolucionários.
vel nem necessário resumir a seqüência de transformações do liberalismo. Podemos nos contentar com mencionar duas formulações históricas opostas da idéia liberal, cuja mistura confusa e nebulosa compõe hoje em dia o sentido que a palavra tem na autodefinição do liberalismo brasileiro. O mais antigo liberalismo não se denominava expressamente como tal. Recebeu a denominação de seus sucessores no momento em que o incorporaram a si próprios. Refiro-me àquilo que hoje se chama “liberalismo econômico clássico” – a escola de Adam Smith. Sua essência é a defesa da economia de livre mercado. Os argumentos que apresenta são de ordem prático-técnica, psicológica e moral, mas é importante entender que, nessa sua primeira versão, o liberalismo não era uma proposta de ação nem uma autodefinição de grupo. Adam Smith não traçou um programa político, mas descreveu processos econômicos que já existiam desde a Idade Média, explicando as razões da sua eficácia, enaltecendo a sua moralidade intrínseca e explicando algumas condições políticas e culturais requeridas para a continuidade do seu sucesso. Essas condições podem resumirse na fórmula da democracia constitucional anglo-americana. Smith não era um ideólogo de grupo político, mas um filósofo e cientista social. Uma segunda vertente liberal origina-se da Revolução Francesa, mas deve seu nome à formulação que obteve mais tarde na Espanha. O movimento liberal espanhol do século XIX não se compunha de capitalistas, mas de intelectuais e estudantes. Seu objetivo não era a liberdade de mercado, mas a destruição da monarquia e da Igreja, as quais não constituíam obstáculo ao capitalismo emergente mas sim à ascensão social e política de indivíduos de classe média que não encontravam oportunidade numa hierarquia estatal preenchida basicamente por membros da classe nobre. Autodenominados “liberales” em oposição pejorativa aos “serviles”, os militantes desse movimento viam-se a si próprios como promotores das liberdades civis e das idéias racionalistas do iluminismo contra a fé e a tradição. Essas propostas tinham pouca relevância econômica, já que o centro do progresso industrial e comercial na época era justamente o país que mais categoricamente rejeitara as idéias da Revolução Francesa e permanecera mais apegado às suas tradições monárquicas e eclesiásticas: a Inglaterra. O liberalismo econômico clássico de Adam Smith e o liberalismo ateístico e anticlerical dos franceses e espanhóis eram não somente independentes um do outro, mas opostos. Smith insistia que a economia
de mercado só progrediria num ambiente de moralidade e legalidade que ela própria não poderia criar mas tinha de encontrar pronto. O tradicionalismo inglês, e não o liberalismo revolucionário franco-espanhol, foi o berço da democracia liberal-capitalista. Na França e na Espanha, a ascensão dos liberal-revolucionários veio acompanhada, ao contrário, de uma expansão da autoridade estatal, indispensável como instrumento para a implantação de políticas anticlericais, especialmente de um sistema de educação baseado no ateísmo. Quando, no seio do movimento revolucionário, o socialismo adquiriu força bastante para tornar-se um movimento independente, alguns dos liberais (no sentido espanhol do termo) aderiram a ele, abandonando o rótulo de liberalismo. Outros preferiram apegar-se às liberdades já conquistadas e, embora permanecendo aliados dos socialistas no que diz respeito a antitradicionalismo, anticlericalismo e mesmo ateísmo militante, criaram um foco de resistência anticomunista ambígua cuja importância veio crescendo ao longo dos tempos até expandir-se numa multiplicidade de movimentos diversos como o “liberalism” americano de nossos dias e a própria social-democracia européia, se bem que esta teve origem independente, como dissidência interna do movimento comunista. Foi no curso da oposição movida ao comunismo que o liberalismo revolucionário assimilou, retroativamente, a argumentação econômica do liberalismo clássico em favor da liberdade de mercado, a qual não fazia parte da sua formulação originária e que na verdade era contraditória com a idéia revolucionária de criar uma sociedade ateística por meio da ação estatal. Daí provém a ambigüidade do “liberalism” americano, que permanecendo pró-capitalista da boca para fora é estatista e socializante no fundo enquanto a defesa da liberdade de mercado incumbe essencialmente aos autodenominados “conservatives”. O quadro complica-se um pouco mais nas últimas décadas, quando a expansão da atividade capitalista no mundo assume o rótulo de “globalização”. Globalização é, por um lado, a abertura dos mercados. Corresponde, nesse sentido, ao ideário do liberalismo clássico. Mas é, por outro lado, a gestação de uma administração planetária que, corroendo a autoridade dos Estados nacionais, coloca em lugar deles uma macro-burocracia mundial, o Leviatã dos leviatãs. As discussões pró e contra a globalização, no Brasil, tornam-se apenas uma logomaquia psicoticamente confusa na me-
Para os liberaisrevolucionários a defesa da liberdade de mercado é apenas o excipiente necessário para tornar mais assimiláveis as mutações revolucionárias de ordem social (abortismo, casamento gay, anticristianismo etc.)
A globalização corresponde aos ideais do liberalismo clássico. Mas é também a gestação de uma administração planetária. Corroendo a autoridade dos Estados nacionais, coloca em lugar deles uma macroburocracia mundial, o Leviatã dos leviatãs.
dida em que os inimigos esquerdistas do livre mercado internacional são servidores e agentes da administração planetária (suas conexões com a ONU e com as fundações globalistas bilionárias são mais que conhecidas), ao passo que os autodenominados “liberais”, combatendo tenazmente toda forma de estatismo local e portanto de nacionalismo, contribuem também para o sucesso da burocracia global que sustenta seus inimigos esquerdistas. Nesse contexto, a apologia de ideais abstratos torna-se não raro ação política concreta em favor dos ideais opostos. Nos EUA, o sentido presente do termo “liberalism” deriva diretamente da tradição liberal-revolucionária (“espanhola”), ao passo que o movimento “conservative”, autodefinido com clareza só a partir dos anos 40 do século XX, é o herdeiro consciente do liberalismo clássico. No Brasil, o movimento “liberal” inclui, numa pasta indistinta, autênticos “conservatives”, no sentido americano do termo, e liberais revolucionários para os quais a defesa da liberdade de mercado é apenas o excipiente necessário para tornar mais assimiláveis as mutações revolucionárias da ordem social (abortismo, casamento gay, anticristianismo, etc.). A coexistência pacífica deles com autênticos “conservatives” resulta apenas da fraqueza desses últimos que, esvaziados ideologicamente e reduzidos à luta pela manutenção de um mínimo de liberdade econômica, cedem tudo e mais alguma coisa para conservar esses seus aliados parasitas, numa promiscuidade letal. A coisa mais urgente, para os adeptos brasileiros da liberdade de mercado, é compreender que a rigor ela é incompatível, na prática, com as mutações radicais da ordem civilizacional propugnadas pelos liberais revolucionários. Uma dificuldade a ser vencida é que, no contexto brasileiro, a “direita” está historicamente associada ao nacionalismo fascista que, no horizonte microscópico da política local, tem uma relação masoquista de amor-ódio com a esquerda. No anseio de diferenciar-se dessa “direita”, os defensores do mercado livre preferem associar-se aos liberais revolucionários, fugindo ao rótulo de “conservadores” e contribuindo assim para a dissolução do seu ideário em projetos políticos que só servem à implantação da nova ordem global socialista. Um pouco de clareza na delimitação das várias correntes não é hoje em dia uma simples obrigação acadêmica: é uma questão de sobrevivência. O Schmoo liberal brasileiro tem de decidir, afinal, se é pato ou ganso. É uma loucura esperar para fazê-lo quando for levado ao forno. SETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 57
Os americanos continuam fazendo com Cuba o que eu chamei de "a guerra sem batalha". E, nessa guerra sem batalha, vence Fidel Castro, que se converteu no Davi que vence os Estados Unidos. Pensem com que liberdade se vive no regime de Fidel Castro: as pessoas preferem enfrentar os tubarões do que ficar em Cuba.
O que há é mais demagogia e menos democracia 58 DIGESTO ECONÔMICO SETEMBRO/OUTUBRO 2006
Paulo Pampolin/Hype
Armando Ribas
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rimeiro, desejo prestar homenagem e admiração à valentia de Alejandro Peña Esclusa, porque eu sei o que é viver num regime totalitário. Não nasci em Buenos Aires, nasci em Cuba. Vou usar umas palavras de Martí (filho de pai espanhol e mãe natural das Ilhas Canárias, José Martí foi o grande mártir da Independência de Cuba em relação à Espanha), que soam assim: "Eu sei o que é, eu conheço o monstro, porque vivi em suas entranhas". Quero falar de alguns problemas que acontecem na América Latina. Eu não acredito em determinismo histórico. Eu creio que, em grande parte, os homens é que fazem a história. É por isso que estamos aqui. Somos todos atores: por isso vocês estão aqui, por isso eu estou aqui. Quero lhes dizer que na América Latina confundiram-se muitas coisas, ultimamente, por trás da palavra liberalismo, lamentavelmente. Eu não estou procurando um bode expiatório. Eu procuro causas para ver se encontro soluções. O neoliberalismo tem sido o terror latino-americano. Quero afirmar que, apesar de toda a admiração que tenho pelos Estados Unidos, eles achincalharam a política latino-americana. Não creio e não digo que de má-fé, porque faz muito tempo que cheguei à conclusão que a estupidez humana não é a falta de inteligência, é a diferença entre a inteligência que uns têm e outros acreditam ter, e o dogmatismo é falar sempre. E todo o monetarismo que se confundiu com o liberalismo na América Latina, durante muitos anos, criou esta idéia de que todo mal que acontece à América Latina deve ser debitado ao liberalismo. Além disso, sem dúvida, que coisa má que acontece neste mundo que não sejam os ianques que têm a culpa? Creio que não apreendemos a essência do tema da democracia; falamos em democracia, mas, no fundo, é mais um juízo de valor do que um conceito jurídico-político. Parece que democracia é tudo o que é bom e o antidemocrático é tudo o que é ruim; com isso confundimos democracia com sufrágio universal. E nisso os Estados Unidos, que têm um
Escritor e professor de Filosofia Política. sistema totalmente diferente - por isso tiveram êxito - concordaram com essa avaliação; chegaram a pensar, inclusive, como parece que aconteceu ao senhor Carter (Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos), que na Venezuela havia democracia, porque ele foi um dos que apoiaram o referendo que manteve Chávez no poder. Acredito que somos responsáveis pelos nossos destinos, mas creio também que as ditaduras totalitárias no mundo existiriam mesmo se os Estados Unidos não entrassem em guerra. Em outras palavras, creio que temos responsabilidade, mas os Estados Unidos também têm responsabilidade, por eles e por nós, porque não se pode continuar fazendo uma política falaz que acredita que na América Latina é suficiente que não haja militares e ignorar, como está se fazendo, o que também foi mencionado pelo meu amigo Luís Alberto Lacalle, de que os militares apareceram porque primeiro apareceu a guerrilha e se esquecem que tivemos que escolher (lamentavelmente, ninguém escolhe as alternativas, escolhe-se dentro das alternativas). Todos queremos ser democratas, mas a democracia estava ameaçada, colocaram bombas... e hoje chegaram ao poder, como foi na Argentina, pelo voto. Mas isso não os faz democrat a s , e m a b s o l u t o . O p re s i d e n t e K i rc h n e r transgrediu todas as normas que constam da Constituição Argentina, todos os direitos de propriedade e há medo. . .O Exército, parece que não existe, porque, claro, tem o complexo de inferioridade que lhe causa todo o sistema, isto é, de que foram os criminosos do mundo; por isso não querem intervir em nada. Mas eu quero que saibam que, em Cuba, houve Fidel Castro, porque os militares lhe deram o poder. A idéia de uma revolução em Cuba, e que os militares ganharam, é uma mentira. O que destruiu o Exército de Cuba se chamou Batista e os sargentos foram generais e quando os generais se deram conta que o povo já não queria Batista, disseram: bom, como Cuba vivia sobre a idéia de que se exis-
Cubano radicado na Argentina desde 1960, Armando Ribas é professor de Filosofia Política da Escuela de Economía y Administración de Empresas (ESEADE) e membro do conselho acadêmico da Atlas Economic Research Foundation. Graduado em Direito pela Universidade de Santo Tomás de Villanueva, em Havana, é também em Direito Comparado pela Southern Methodist University em Dallas e mestre em Economia pela Columbia University. Entre 1972 e 1976, Armando Ribas atuou como economista do Fundo Monetário Internacional em Washington. No ano seguinte, iniciou sua carreira política, com forte atuação na administração argentina: foi assessor do Ministério da Economia e da Secretaria da Agricultura do país entre 1983 e 1990; deputado nacional da Unión del Centro Democrático (UceDé) por Buenos Aires entre 1989 e 1990 e conselheiro do Ministério das Relações Exteriores entre 1997 e 1999.
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Ribas é autor de 15 livros, entre eles Teoría monetaria, inflación y tasa de interés e El rol del empresario (amboes editador pela Editorial El Ateneo), El príncipe y el principio (Editorial El Cronista Comercial), Entre la libertad y la servidumbre (Editorial Sudaméricana), Cuba entre la independencia y la libertad (Ediciones Universal) e Propiedad, fuente de libertad (Atlas Economic Research Foundation). Em seus livros, Armando Ribas - que é também apresentador do programa argentino de TV Sin Fronteras, sobre economia e política e articulista colaborador de vários jornais na Argentina e nos Estados Unidos - defende que o capitalismo, sob os preceitos da propriedade, cumprimento da lei, liberdade de empreendimento, é a forma de organização econômica que maior crescimento promoveu na história da humanidade. Suas investigações tentam aprofundar a relação entre o crescimento econômico dos países e a limitação dos direitos políticos dos governantes. http://www.atlasusa.org
O monetarismo, que se confundiu com o liberalismo, criou esta idéia de que todo mal que acontece à América Latina deve ser debitado ao liberalismo (...) Creio que não apreendemos a essência do tema da democracia. Falamos em democracia, mas, no fundo, é mais um juízo de valor do que um conceito jurídico-político.
te para não morrer: que venha quem venha... e entregaram o poder a Fidel Castro. Mas depois Fidel os matou, porque isso está escrito por Lênin, é o que tem que feito, tem que dominar o Exército, porque as armas continuam sendo importantes. Então, eu creio que é necessário fazer uma campanha para se obter uma compreensão por parte dos Estados Unidos do que está acontecendo e que tão bem explicou, hoje, Alejandro Peña Esclusa, para que saibam que não podem continuar fazendo demagogia porque, em última instância, a democracia na América Latina cada vez é mais demagógica e menos democrática. Outro dia, vimos em Buenos Aires um representante do Departamento de Estado dizendo: não importa se o populismo é democrático. Essa democracia populista me fez dizer: claro, ele vive nos Estados Unidos, não vive aqui... Então, há que se fazer uma campanha, creio, nos Estados Unidos para que se compreenda que o maior fator de demagogia que existe na América Latina é o antiianquismo e o antiianquismo não tem preço, o preço é o povo quem paga, porque é o meio de chegar ao poder político absoluto nesses países. Se formos responsáveis, existe a necessidade de conhecer a realidade do problema. Creio que a Venezuela está sendo o exemplo mais característico do que exponho, porque Fidel Castro está aí, primeiro porque nós o colocamos, disso não tenho a menor dúvida, mas ele ficou porque o senhor Kennedy o deixou ficar e traiu os cubanos que foram à Baía dos Porcos. T-r-a-i-u. Porque lhes disse que os ampararia e os deixou depois desamparados na praia. E depois também com a crise dos mísseis fez algo parecido. Cuba foi a que fez toda a guerrilha da América Latina com financiamento da Rússia. Depois, o assunto deixou de ser moda, de sorte que agora aos americanos pouco lhes importa, pois continuam fazendo com Cuba o que eu chamei de "a guerra sem batalha". E, nessa guerra sem batalha vence Fidel Castro, que se converteu no Davi que vence os Estados Unidos. Enquanto nos Estados Unidos mudam de presi-
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dente, em Cuba está só Fidel Castro, destruindo tudo. Pensem com que liberdade se vive nesse regime: as pessoas preferem enfrentar os tubarões do que ficar em Cuba. Temos que compreender, além do mais, que a problemática da corrupção em nossos países é a corrupção do sistema, onde quer que haja um sistema como o que nós temos, onde cada vez há mais leis e mais regulamentações, o corrupto aparece. É como o conto, não sei se vocês leram, espero que sim, da Enron... como se chama o livro? Público - Aftershock... -Afterschock... bom, aí há uma discussão entre dois legisladores e um legislador diz ao outro, vamos colocar tal lei. Mas, o outro diz: mas essa lei ninguém vai cumprir. O outro respondeu: ninguém quer que a cumpra. Onde não há criminosos, temos de inventá-los. É isso o que temos e padecemos permanentemente. A burocracia é a única coisa que Marx, dentro de toda estupidez e criminalidade que escreveu, a única em que teve razão, foi quando contestou a Hegel sobre o horror da burocracia; Hegel dizia que representava uma necessidade da sociedade, porque representava os interesses gerais... Ele respondeu: não senhor, os burocratas acabam por converter em interesses gerais o que não são mais do que seus interesses particulares. Creio, pois, que temos que fazer uma campanha interna de esclarecimentos; creio que este seminário tenha sido muito esclarecedor e acredito que o Brasil, justamente por causa de sua importância, tem uma grande co-responsabilidade. Façamos uma campanha nos Estados Unidos, para que compreendam que na América Latina não há democracia, há somente demagogia. E vocês sabem que demagogia foi o que trouxe Hitler, e Hitler só foi derrubado pelos tanques Sherman. Por isso eu espero que, algum dia, como já está evidente que o petróleo é muito mais importante do que o açúcar, que os americanos se dêem conta que têm que tirar Chávez em favor do povo da Venezuela.
Vamos nos informar. Para mostrar a realidade. Soube que Chávez foi convidado pela Universidade de Oxford para falar sobre direitos humanos e pobreza. Disse: ele vai ensinar aos ingleses como aumentar a pobreza e violar os direitos humanos...
Andres Leighton/AP Photo
Há uma absoluta falta de informação, do nosso ponto de vista, nos meios de comunicação internacionais. A internet tem muita relevância nestes tempos.
A oposição protesta e pede a renúncia de Chávez em marcha nas ruas de Caracas, na Venezuela. SETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 61
Paulo Pampolin/Hype
Chávez virou moda. Agora Chávez é um ditador ou um déspota, mas há três anos e meio, quando eu comecei a escrever, ninguém dizia que Chávez era um déspota. Nós que falávamos que Chávez era um déspota, é que éramos tachados de déspotas. Aleksander Boyd é diplomado em Geologia pela Universidade de Londres e é fundador e diretor da Pro Venezuela Organization (PROVEO), instituição que promove os princípios de democracia, responsabilidade, império da lei e liberdade individual. A organização, com mais de 1900 membros em 55 países, realiza eventos e debates para contestar a propaganda do governo do presidente Hugo Chávez sobre a Venezuela. Boyd é fundador e editor do Vcrisis.com, um site em inglês, francês, espanhol e alemão sobre a crise venezuelana. O site recebe entre 100 mil e 200 mil visitantes por mês e escrito em colaboração com outros intelectuais e jornalistas. Em seus artigos, Boyd afirma que as crises política, financeira e social da Venezuela podem ser superadas pela democracia e denuncia a "apatia" dos líderes latinoamericanos em relação ao poder de Hugo Chávez. http://www.proveo.org http://www.vcrisis.com
Aleksander Boyd Geólogo pela Universidade de Londres, fundador e diretor da Pro Venezuela Organization (PROVEO), fundador e editor do Vcrisis.com
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ou retomar a pergunta existencial que fazemos a muitos venezuelanos sobre como atuar nesses momentos que temos vivido. E quero também dizer que falarei sobre a possibilidade de utilizar a internet como ferramenta de disseminação da informação. No meu caso pessoal, de ativismo político contra Chávez, comecei a usá-la em outubro de 2002, quando soube que Chávez foi convidado pela Universidade de Oxford para fazer uma conferência sobre direitos humanos e pobreza. Naquela ocasião, essa foi a pergunta que me fiz. Disse: ele vai ensinar aos ingleses como aumentar a pobreza e violar os direitos humanos... Depois soube que a fala de Chávez, em Oxford, havia custado aos venezuelanos US$ 137 mil, quer dizer, Chávez comprou seu púlpito, ali, em Oxford, para fazer sua palestra e isso custou recursos do povo. E, a importância disso está nas revelações de quantos foram à internet. É uma das razões pela qual eu também me converti em inimigo dele. Não tão abertamente como Alejandro Peña Esclusa. No meu caso, vi, por exemplo, que me acusam de um comunicado de duas páginas no maior jornal de circulação na Venezuela, como líder da conexão anglo-venezuelana. Eu não sei que conexão é essa porque eu trabalho só, mas me acusam disso. Os esbirros de Chávez, inclusive, chegaram a solicitar nas comissões especiais da Assembléia Nacional que abram investigações contra mim, me acusem nos tribunais internacionais como conspirador e traidor da pátria. Assim como Alejandro é acusado também. A internet tem, sim, muita relevância nestes tempos. A internet é uma ferramenta muito poderosa para propagar informação. Devo lhes dizer que há uma absoluta falta de informação, do nosso ponto de vista, nos meios de comunicação internacionais. Agora, neste momento, estão começando a despertar certas suspeitas nos meios muito poderosos de comunicação sobre aquilo que Chávez representa para a região. Chávez virou moda. Agora Chávez é um ditador ou um déspota, mas há três anos e meio, quando eu comecei a
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escrever, ninguém dizia que Chávez era um déspota. Nós que falávamos que Chávez era um déspota, é que éramos tachados de déspotas. Por isso, é muito importante organizar, eu diria, um fórum virtual. Não precisa ser um fórum onde cada uma das pessoas, como os participantes aqui, diariamente, tenham que se deslocar até um lugar determinado e aí trocar idéias. Tudo isso podemos fazer através da internet. Quero também mencionar Oppenhaimer e outros, que fizeram comentários sobre a boa esquerda. Eu não acredito que haja duas esquerdas, creio que haja uma esquerda; os moderados de esquerda não são de esquerda. Temos como exemplo Felipe González, que de esquerda não tem nada. Temos Tony Blair, mais conservador que os conservadores, foi por isso que os conservadores não puderam ganhar dele. De maneira que não há divórcio entre a esquerda moderada e a esquerda radical. Há uma só esquerda que é radical e não é sequer radical: é fundamentalista. Parece muito com o que comentava Clifford May neste seminário, eles começam jogando bombas e os homensbombas acabam definindo os seus regimes. Nós fazemos outra coisa. Retomando o tema da comunicação, penso que é importante estabelecermos um fluxo constante de informações entre nós sobre o que está acontecendo, na realidade, em cada um dos nossos países, para que, nós que trabalhamos em jornais, possamos distribuir a informação. Podemos fazê-lo com conhecimento de causa. Sabemos que Lula ainda continua sendo considerado um moderado em muitos lugares da Europa. Com conhecimento e cumplicidade podemos dizer que ele não o é. Da mesma maneira que ocorre com Kirchner, na Argentina. Divulgando assim a nossa causa, através do fornecimento de informações, verão que nossa causa pode ser sustentada e bem documentada. Queria terminar dizendo-lhes que, também, como venezuelano, me sinto profundamente ofendido pelo que nosso presidente faz na região e, sumamente comprometido com todos vocês, a fazer o máximo para tirar Chávez de onde está.
Lições de Liberalismo Roberto Fendt
O
economista Roberto Fendt, vicepresidente do Instituto Liberal e sócio diretor da Adef Associados, é o coordenador do primeiro curso de extensão sobre Liberalismo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe-USP). O curso, que acontecerá no primeiro semestre de 2007, abordará desde os conceitos do liberalismo clássico até a transição para o liberalismo contemporâneo e o impacto das idéias liberais na teoria econômica atual. À Digesto Econômico, Fendt falou sobre os caminhos para o aprendizado do liberalismo pelos países da América Latina.
Os EUA são sempre citados como modelo ideal de implantação das idéias liberais tanto na política como na economia. Mas ali o liberalismo é também herdeiro de uma tradição histórica com a qual os países latino-americanos não contam. Qual seria o caminho liberal específico para a América Latina, levando em consideração o passado da região? A democracia americana tem, de fato, a especificidade da história do povo americano e de suas instituições. Não é copiável. As idéias liberais são um guia, um farol, não um manual de engenharia social. Cada sociedade tem sua própria história e seu próprio caminho, que não determina, mas antes influencia, a sua trajetória no tempo. Dito isso, apontaria que necessitamos primeiro entender que a liberdade pressupõe responsabilidade; que da propriedade inalienável de cada indivíduo sobre sua vida decorre o direito de propriedade sobre os frutos de seu esforço; que ao Estado cabe o importante papel de manter o Estado de Direito, a ordem interna e a defesa contra a agressão externa. Enquanto esperarmos do Estado esmolas; a abulia com relação à manutenção da ordem; e recebermos, em troca dos tributos que nos são extorquidos, a corrupção e a injustiça, estaremos seguramente trilhando um caminho que nos levará ao destino oposto do sonho liberal. Como o sr. avalia a democracia na América Latina hoje? Vejo com preocupação os rumos que vem tomando a democracia no continente. Depois de um período autoritário na maioria dos países latino-
Economista americanos tivemos uma retomada democrática que abarcou a quase totalidade desses países (Cuba foi sempre uma exceção, já que desde 1959 é uma ditadura familiar). A "fadiga" da democracia, que veio junto com pseudo-reformas liberais na maioria dos países, leva agora a profundas divisões das sociedades (muitos países estão divididos quase que igualmente entre facções políticas opostas, como é o caso do México, Venezuela, Peru e Bolívia). Somente o Chile foi capaz de realizar reformas liberais completas e emergir para uma democracia estável. Quais são as diferenças que o sr. apontaria entre a teoria liberal do Estado e a implementação prática dessa teoria, especialmente nos países latino-americanos? O pensamento liberal pressupõe o controle do Estado pela sociedade através da divisão dos poderes. Na América Latina, o Estado percorreu o caminho inverso: tornou-se hipertrófico na maioria dos países, como Cuba e Venezuela, notadamente. Mas nos demais países o mesmo fenômeno ocorre em menor extensão, como entre nós. Como o sr. avalia as relações políticas entre governos mais e menos alinhados ao liberalismo? O diálogo existe? E o consenso, é possível, quando se trata de relações internacionais? Não há governos liberais. Há sociedades que optaram por um caminho mais próximo do projeto liberal, outras que optaram por sua antítese -- e outras ainda que foram vítimas de grupos autoritários que lhe impuseram seus valores. A despeito disso, o relacionamento entre Estados com graus distintos de instituições liberais é possível e desejável, sempre que os autoritários não façam de sua política externa um instrumento de agressão à liberdade no relacionamento entre as nações. Porque é um direito inalienável do indivíduo e das sociedades o direito à vida; portanto, da mesma forma que podem e devem conviver pacificamente todos os tipos de nações, é também direito inalienável das sociedades abertas (democráticas, livres, liberais) de defender-se de qualquer agressão que parta de um Estado totalitário ou de grupos terroristas patrocinados por esses Estados.
Bel Pedrosa
A "fadiga" da democracia, que veio junto com pseudo-reformas liberais na maioria dos países, leva agora a profundas divisões das sociedade (...).Somente o Chile foi capaz de realizar reformas liberais completas.
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WEB
@ http://www.atlasusa.org A Atlas Economic Research Foundation foi fundada em 1981 com o objetivo de reunir instituições e pensadores que se dedicam a promover idéias liberais como os direitos individuais de propriedade, império da lei e regime de mercado. A fundação apóia projetos e estudos na área de políticas públicas e mantém em seu site uma série de informações relativas a oportunidades de financiamento de projetos, calendário de eventos, artigos e análises, além de uma extensa relação de instituições identificadas com a causa liberal em todo o mundo. http://www.liberaux.org/wiki/ Wikibéral é um site francês que se propõe a criar uma enciclopédia construída pelos usuários cadastrados sobre temas relativos ao liberalismo. De livre acesso, o site faz parte de um fórum dedicado exclusivamente à filosofia, ao pensamento e à doutrina liberal (www.liberaux.org), do qual qualquer pessoa pode participar com mensagens em francês. http://www.causaliberal.net O site português Causa Liberal reúne artigos sobre economia e política além de textos de debate sobre a teoria liberal clássica e resenhas de livros. A teoria da Escola Austríaca do liberalismo, globalização, capitalismo, história do pensamento liberal e sua relação com os fundamentos cristãos são alguns dos temas em debate. http://www.ffn-brasil.org.br Site do Instituto Friedrich Naumann no Brasil, voltado ao debate de temas como democracia e estado de direito; direitos humanos e proteção de minorias; abertura de mercados; liberalismo e responsabilidade social;
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federalismo e descentralização. No site é possível acessar o conteúdo online de periódicos da instituição e ter acesso a uma mini-enciclopédia com verbetes relativos aos principais preceitos do liberalismo e biografias dos principais pensadores das diversas escolas liberais. http://www.institutoliberal.org.br O Instituto Liberal se propõe a oferecer um site que sirva de referência sobre o pensamento liberal no Brasil e no mundo e reúne em sua página informações sobre publicações, seminários sobre liberalismo e links para instituições liberais no Brasil ou no exterior. Tem também uma área de debates com artigos exclusivos, além de textos traduzidos ou reproduzidos de outras publicações. http://www.braudel.org.br O Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, assim batizado em homenagem ao historiador francês que participou da criação da Universidade de São Paulo (USP), realiza pesquisas e debates públicos sobre temas como governabilidade, crises políticas, política fiscal e monetária, segurança pública, federalismo, mobilidade social, ética econômica e política e a inserção do Brasil e da América Latina na economia mundial. No site, é possível acessar artigos dos pesquisadores do instituto. http://fr.liberpedia.org Liberpedia é uma enciclopédia online em francês construída pelos próprios internautas e que traz definições dos principais conceitos liberais e libertários, reunindo em um só portal tanto informações sobre o liberalismo como sobre o anarquismo, com evidente prevalência da primeira linha de pensamento.
VISÃO 20:21, Bill Emmott Record, 2006, R$ 51,90
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século 20 foi marcado por crises e percalços econômicos que, se causaram traumas, também podem servir de lição para um século 21 menos turbulento. Esta é a proposta da análise que Bill Emmott faz das questões econômicas e políticas da atualidade. Sem limitar sua análise a um só país ou região, o autor - que por 13 anos foi editor-chefe do semanário liberal britânico The Economist defende que a saída para um século 21 menos tumultuado está nos preceitos econômicos do liberalismo e que uma das principais ameaças para o futuro é mesmo o terrorismo. (Ele fala do ponto de vista de um cidadão de do Reino Unido, recentemente vitimado por ataques terroristas e que participa da operação militar no Iraque). Mas, ao contrário do que muitos analistas afirmam, Emmott reconhece um fortalecimento global do liberalismo no mundo e afirma que este vai se fortalecer ainda mais no século 21. Com um texto de tom jornalístico, ágil e atualíssimo, Emmott cita os pensadores clássicos com parcimônia e se concentra em questões mais práticas do que teóricas. Na primeira parte do livro, A Paz Desafiada, o autor se debruça principalmente sobre a questão da supremacia militar e econômica dos Estados Unidos no mundo contemporâneo. Quais seriam as ameaças ao "império" norte-americano? O declínio tão anunciado e esperado está próximo? A resposta de Emmott a tais questões é uma análise de prós e contras. De um lado, ele enxerga a vulnerabilidade econômica do Japão, país aliado norte-americano na Ásia, e a ambição de crescimento desmedida da China, na mesma região. Estes dois fatores tornariam a liderança norte-americana mais frágil na região. Além disso, os Estados Unidos lutam contra um opositor político e econômico de peso no cenário global, a União Européia. Apesar de uma abstração geográfica, a Europa, para Emmott se alimenta de uma inveja dos Estados Unidos que pode mobilizá-la para um processo de construção de hegemonia paralela com força considerável. Além de tudo isso, os norte-americanos enfrentam o terror e as turbulências regionais que, se não chegam a ameaçar sua predominância econômica e política, questionam o tempo todo os ideais defendidos pelos norte-americanos, como a paz, a democracia e a liberdade. Mas o império tem na manga alguns trunfos: o poderio militar, a capacidade de construir coalizões internacionais poderosas, o discurso de defesa da democracia e do desenvolvimento econômico para além de suas fronteiras. Além disso, seus opositores também têm suas fragilidades. A China, por exemplo, com seu sistema político totalitário pode sucumbir a uma eventual virada democrática. A Europa está concentrada em construir sua unidade geopolítica. Colocados na balança os itens positivos e negativos, Emmott conclui que é pouco provável que o século 21 assista ao declínio do império americano, ainda que algumas crises sejam inevitáveis. Para Emmott, "o mundo seria ainda mais intrincado e desordenado sem a liderança americana" e é por isso que, na sua opinião, o século 21 já começa um passo à frente do século 20. "Com a liderança americana, especialmente em questões de segurança, mas igualmente na economia, há uma boa chan-
Liberalismo, uma receita contra o terror. Divulgação
Emmott aponta o liberalismo como a saída deste século. E o terrorismo é a ameaça. ce de que as ameaças de terrorismo e armas de destruição em massa possam ser subjugadas - embora nunca eliminadas - e a crescente prosperidade do processo de globalização continue". Na segunda parte do livro, o jornalista analisa especialmente o capitalismo e os questionamentos em torno desse sistema tão impopular e pesadamente criticado. Ele não nega que o capitalismo tenha suas instabilidades e crises, nem que tenha em sua base desigualdades sociais cruéis e que tenha causado irreversíveis danos ao meio ambiente. Mas aponta que tudo isso será, se não totalmente superado, com certeza amenizado durante o próximo século. Emmott não deixa de defender o capitalismo, mas também não deixa de apontar fatos concretos inquestionáveis e, como ele mesmo diz, "desoladores", como o aumento da desigualdade entre países e, na África subsaariana, o aumento da desigualdade interna. Mesmo assim, ele aponta que os ideais clássicos do liberalismo podem, num contexto menos turbulento como o que ele traçou na primeira parte do livro, ampliar as áreas de influência dos benefícios do desenvolvimento econômico. Um dos pontos altos do livro é mesmo essa freqüente contraposição de teses e antíteses, para demonstrar que nem tudo pode ser linear e simplificado quando se trata de analisar a atualidade e as perspectivas para o futuro. Essa referência às contradições é, segundo o autor, uma demonstração da humildade intelectual que deve acompanhar a premissa liberal e, sobretudo, uma ressalva sobre a concentração ilimitada de poder. "Liberalismo envolve, ou deveria envolver, a consciência de que a ciência não tem todas as respostas, e que o progresso tecnológico não irá inevitavelmente tornar as coisas melhores. Humildemente, ele deve entender que não há um único modo certo de administrar uma organização, e um único modo certo de organizar as relações sociais, seja lá o que um sociólogo ou um psicólogo possa dizer. Acima de tudo, o liberal humilde tem que estar ciente de um paradoxo: que quando pensamos que trazemos uma série de soluções para problemas políticos ou práticos, a coisa que mais deve nos assustar é a idéia de que alguém pode ser capaz de reunir poder bastante para realmente implementar todas elas." SETEMBRO/OUTUBRO 2006 DIGESTO ECONÔMICO 65
ESTANTE
R OS INTELECTUAIS E O LIBERALISMO Raymond Boudon GRADIVA, 2005, R$ 49,90 (edição portuguesa)
aymond Boudon, professor emérito da Universidade Sorbonne, mostra neste livro o que é o antiliberalismo: por que esta doutrina política que defende ideais universais como liberdade, autonomia e o estado de direito é rejeitada e criticada? Para ele, as mais comuns críticas feitas ao liberalismo são mal-informadas e pode ser sanado com uma detalhada revisão das idéias clássicas do pensamento político.
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A SOCIEDADE CONTRA O SOCIAL Renato Janine Ribeiro Companhia das Letras, 2000, R$ 42,50
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COMO SAIR DO LIBERALISMO? Alain Touraine EDUSC, 1999, R$ 26,30
sociólogo e histor i a d o r f ra n c ê s Alain Touraine não é exatamente o que se pode chamar de um pensador liberal. Entretanto, o professor da École Normale Supérieure de Paris é um dos acadêmicos europeus contemporâneos que mais tem se dedicado a compreender a América Latina. Neste livro em especial, ele se dedica da compilar e comentar as principais críticas dos acadêmicos não-liberais às práticas e teorias do liberalismo. Pensador bem articulado, Touraine analisa o liberalismo e a globalização sob um ponto de vista de seus efeitos econômicos mais destacados, como a ampliação do fluxo de capitais e a proliferação de políticas de abertura comercial.
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rofessor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP), Renato Janine Ribeiro tem se dedicado a estudar a democracia e a cultura brasileira e, neste livro faz uma análise do "alto custo da vida pública no Brasil", como anuncia no subtítulo da obra. São doze densos ensaios filosóficos em que, em síntese, tentam mostrar por que o Brasil não consegue atingir os resultados econômicos, políticos e, sobretudo, sociais, dos países desenvolvidos. Para sua análise, o filósofo se utiliza das idéias dos pensadores liberais clássicos.
O LIBERALISMO E DEMOCRACIA Norberto Bobbio Brasiliense, 2000, R$ 17,80
C LIBERALISMO POLÍTICO John Rawls Ática, 2000, R$ 46,90
onsiderado um dos filósofos políticos mais importantes do século 20 por seu livro A Teoria da Justiça (edição original de 1971), o norte-americano John Rawls (19212002), que foi professor da Universidade de Harvard, aborda a questão: é possível aplicar as idéias liberais em países com características culturais diversas? Rawls analisa a teoria clássica do Estado Liberal, os principais conceitos do liberalismo e como suas idéias podem ser aplicadas em diferentes contextos.
DICIONÁRIO DE POLÍTICA Norberto Bobbio e Nicola Metteucci (org.) IMESP, 2004, R$ 95,00
italiano Norberto Bobbio (19092004), filósofo e historiador político, foi um dos mais importantes pensadores sobre os conflitos entre as principais ideologias políticas do século 20, o fascismo, o comunismo e o liberalismo. Neste livro, Bobbio analisa as origens das idéias liberais e dos ideais democráticos e aponta que a relação entre os dois conceitos é complexa, passando ora pela interdependência ora pela contradição. Bobbio também analisa o Estado Liberal e os limites de um projeto liberal democrata no mundo contemporâneo.
O AS FUNDAÇÕES DO PENSAMENTO POLÍTICO MODERNO Quentin Skinner Companhia das Letras, 1996, R$ 82,50
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inglês Quentin Skinner é diplomado por Cambridge, onde também se tornou professor de ciência política. Em um livro extenso e de análise acurada, ele faz uma revisão de todas as teorias, correntes e processos ligados à teoria política moderna. Busca nas origens - entre os séculos 12 e 16 - e em intelectuais marcantes como Adam Smith e Thomas Hobbes os detalhes das principais idéias que alimentam o pensamento político até hoje.
ivro de referência em dois volumes, este é o Dicionário de Política mais completo e popular entre os pensadores, intelectuais e analistas. Além de cobrir as diversas interpretações de cada verbete, traz indicações bibliográficas de apoio.
O maior crescimento da história trabalhando com as melhores taxas. O primeiro banco do Novo Mercado. O que o banco ganha em São Paulo reinveste em São Paulo.
Só a Nossa Caixa dá esse retorno.
Em 2005, a Nossa Caixa registrou o maior crescimento no lucro entre os grandes bancos de varejo brasileiros: 113,4% sobre o resultado do ano anterior. E fez isso praticando as menores taxas do mercado*. Para alcançar esse desempenho, a Nossa Caixa trabalhou bastante. Inaugurou novas agências, investiu em modernização, melhorou ainda mais a qualidade do atendimento aos clientes. Também foi quem mais evoluiu na Governança Corporativa ao se tornar o primeiro banco a negociar suas ações no Novo Mercado. O resultado de tudo isso a Nossa Caixa reinvestiu aqui mesmo em São Paulo, em várias áreas e projetos diferentes. Só em educação, cultura, meio ambiente e saúde, foram quase R$ 20 milhões apenas nos dois últimos anos. O trabalho continua e, agora, em novo ritmo, para fazer a Nossa Caixa crescer ainda mais em 2006 e dividir o retorno disso com parceiros e clientes. *Fonte Procon - A menor taxa de empréstimo pessoal desde janeiro de 2004.