´ ENSAIOFOTOGRAFICO
No decorrer desta edição da Digesto Econômico, o leitor poderá apreciar imagens capturadas pelo fotógrafo Masao Goto Filho em um ensaio fotográfico realizado nas ruas de São Paulo. Cada clic registra sentimentos diversos de trabalhadores em busca de emprego e o vai-e-vem de pessoas na cidade que nunca pára.
CARTA AO LEITOR O GRANDE DESAFIO DO EMPREGO A questão do emprego se constitui em um dos grandes desafios da economia brasileira, pois, apesar da melhora observada nos últimos dois anos é ainda muito grande o contingente da população que não encontra lugar no mercado de trabalho, ou, mesmo, algum tipo de ocupação que lhe permita obter uma renda mínima capaz de assegurar o sustento de sua família. Ao abordar este tema em toda sua amplitude, contando com a colaboração de especialistas do mais alto gabarito, a revista Digesto Econômico oferece importante contribuição ao debate dessa importante questão, cumprindo o objetivo para o qual foi criada pela Associação Comercial de São Paulo em 1945, de representar um canal de comunicação da entidade com a classe empresarial, o mundo acadêmico, a classe política e todos aqueles que se dedicam aos estudos dos problemas brasileiros. A entrevista exclusiva de Guilherme Afif Domingos, Secretário do Emprego e Relações do Trabalho e ex-presidente da ACSP, mostra as ações que vêm sendo desenvolvidas por sua Secretaria, com o enfoque especial na estratégia de procurar formar mão-de-obra de acordo com a necessidade do mercado em cada região, a partir de estudos e pesquisas que levam em conta as observações de cada comunidade. José Pastore coloca claramente a questão da inadequação da CLT para as atuais necessidades do mercado de trabalho, deixando sem qualquer proteção a maior parcela dos trabalhadores brasileiros, que sobrevive na informalidade; enquanto Almir Pazzianotto discute a Liberdade de Associação Sindical, a partir da Convenção nº 87 da OIT sobre liberdade sindical, à qual, após 58 anos de vigência, o Brasil ainda não aderiu. O professor Hélio Zylberstajn propõe a simplificação das relações trabalhistas, apresentando propostas viáveis para isso. A posição da mulher no mercado de trabalho é apresentada em estudo da OIT e do Dieese, mostrando que, apesar dos avanços, elas ainda continuam ganhando menos e ocupando posições menos qualificadas no mercado. Marcio Pochmann, novo presidente do Ipea, é o entrevistado em duas matérias, uma sobre a questão do futuro do trabalho, e outra a da sindicalização. Rogério Amato, Secretário Estadual da Assistência e Desenvolvimento Social, e vice presidente da ACSP, apresenta o Movimento Degrau, iniciativa da entidade para promover a integração do jovem nas empresas, mostrando o quanto avançamos, e o muito que falta fazer para oferecer à juventude oportunidades e esperanças. A História do Trabalho completa este número da revista Digesto, que deverá se tornar fonte de consulta e referência sobre o trabalho e o emprego, temas aos quais a Associação Comercial de São Paulo vem se dedicando ao longo de sua história.
Alencar Burti Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo
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IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DA CLT
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os tempos do velho Instituto de Direito Social – como o mestre supremo Cesarino Júnior preferia chamar o Direito do Trabalho –, foi adotado pelo governo ou a ele submetido pelo douto professor estudos e teses sobre o Trabalho e o Emprego na legislação social brasileira. Interessouse o governo de Getúlio Vargas em propulsionar a legislação social brasileira do trabalho como forma digna de estar num emprego que satisfaça as exigências psicológicas do cidadão. Com efeito, na Consolidação das Leis do Trabalho - (CLT) foram introduzidos todos os ensinamentos do que na época se considerava a fórmula moral e técnica do trabalhismo, a Rerum Novarum, que abarcou, também, o emprego como forma de dignidade das relações patronais e empregatícias, na edificação de um desenvolvimento tecnicamente forte. Foram esses ensinamentos que edificaram o desenvolvimento humanístico capaz de impor o surto econômico das atividades fabris e comerciais da economia brasileira, promovendo uma mentalidade favorável ao sindicalismo pleno, que englobasse o trabalho e o emprego como dados fundamentais da política social nacional. Podemos dizer que entre a Lei Eloi Chaves, de 1924, até a CLT, de 1º de maio de 1942, o Brasil deu um arranco. Nem mesmo as velhas nações da Europa e da América do Norte tinham leis como as nossas, que eram glosadas pelos institutos mais ativos dos países limítrofes e outros com os quais mantínhamos relações. A CLT teve na sua formulação e direção Getúlio Vargas, presidente da República, Alexandre Marcondes Filho, ministro do Trabalho, Lindolfo Collor, iniciador da legislação social, Segadas Viana e outros. Todos colaboraram na criação da CLT, abarcando tudo que foi possível da legislação social do Trabalho aplicada aos trabalhadores e às grandes levas de população em migração. Em suma, temos uma legislação social adiantadíssima, sujeita a reformas e a atualizações que, certamente, serão postas em prática.
João de Scantimburgo é membro da Academia Brasileira de Letras E-mail: jscantimburgo@acsp.com.br
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ÍNDICE Agliberto Lima/DC
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Contra o apagão profissional Entrevista
Consolidação das Leis do Trabalho ou do Emprego? José Pastore
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Masao Goto Filho/e-SIM
Tendências globais de emprego para mulheres Tradução: Rodrigo Garcia
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Masao Goto Filho/e-SIM
Metamorfose do sindicalismo nacional Fernando Porto
Simplificando as relações trabalhistas Hélio Zylberstajn
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Movimento Degrau: a importância do trabalho em rede Rogério Amato Marcos Fernandes/LUZ
A via-crúcis do emprego Patrícia Büll
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Apocalipse trabalhista Fernando Porto
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Liberdade de associação sindical Almir Pazzianotto Pinto Paulo Liebert/AE
72 Reprodução
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História do trabalho Renato Pompeu
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Um clássico de filosofia econômica brasileira sobre o trabalho Domingos Zamagna
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ENTREVISTA
Contra o apagão profissional Guilherme Afif Domingos, ex-presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), atualmente está no comando da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho (Sert). Em entrevista exclusiva para a revista Digesto Econômico, o secretário revela como vem conduzindo um importante projeto, que é o de criar uma rede inteligente de empregos, com sistemas cruzando dados entre candidatos com seus currículos e ofertas de empregos. A primeira fase deste projeto está em andamento e vem sendo realizado um amplo diagnóstico. O próprio secretário colocou o pé na estrada com a sua "Caravana do Trabalho", que estará cobrindo 645 municípios. O objetivo é entrar em contato direto com os prefeitos em 21 regiões para saber sobre as necessidades locais de emprego. Enquanto este projeto vem sendo lapidado, a Sert já vem conquistando bons resultados: de abril a junho os Postos de Atendimento ao Trabalhador (PAT) intermediaram 35 mil empregos, 12 mil somente em junho.
Digesto Econômico - Como o senhor analisa o atual cenário brasileiro? Guilherme Afif - O Brasil passa hoje por um grande apagão, esta que é a verdade. DE - Qual tipo de apagão? Apagão aéreo... apagão de energia, de infra-estrutura... GA - Recentemente, o presidente da GM, Ray Young, em uma palestra na Associação Comercial de São Paulo, fez um alerta: o mercado brasileiro tem uma capacidade de reação bem mais rápida do que o governo, que tentou se adaptar e acompanhar o ritmo. O crescimento do Brasil é incompatível, absolutamente incompatível, com a demanda do mercado. Não tem estrada de ferro, não tem rodovia, não tem aeroporto, é tudo precário, o País está no limite. Daí você vai olhando os outros setores... não tem mão-de-obra. DE - Falta emprego ou mão-de-obra especializada? GA - O que temos observado nos nossos postos de atendimento é que emprego tem, só que exige qualificação; desemprego tem, mas desqualificado. E o investimento em qualificação? Só aconteceu como gasto social e não como investimento social. Gasto social seria: vou gastar tanto em qualificação. Aí aparece um monte de gente fazendo qualificação, mas só que é qualificação desqualificada, ela não está conectada com a real necessidade do mercado. O investimento correu solto, como está correndo solto a maioria dos gastos públicos no Brasil voltados para a área social. Isto gera um problema sé-
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rio: a falta de investimento em infra-estrutura há muitos anos provocou, por exemplo, uma fuga de profissionais na área de engenharia. Hoje, os nossos melhores engenheiros estão fora do País, porque não tinham oportunidade aqui. Quando eu falo que existe um apagão profissional, acompanhando um apagão de infra-estrutura, é verdade, é completamente verdade! DE - O presidente Lula vai ficar com estigma de "apagador", porque está tudo acontecendo no governo dele... GA - É uma seqüência de processos, que levaram o Brasil, a estar muito atrasado no seu governo, para acompanhar o ciclo que a própria sociedade está seguindo. Você pega o setor de agricultura: tem produção, mas não tem estrada.
À esq., relógio de ponto antigo, uma raridade que faz parte do acervo da Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho. À dir., o secretário Guilherme Afif Domingos, que até outubro estará percorrendo 645 municípios do Estado, de forma a fazer um amplo diagnóstico sobre a demanda de emprego.
Fotos: Agliberto Lima/DC
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ENTREVISTA DE - E quando tem estrada, não tem porto. GA – O processo não foi conectado e hoje a própria agricultura brasileira tem dificuldade e não consegue competir. Na fazenda é a maior produtividade do mundo, até a porta. A partir de lá já começa a perder a competitividade, as perdas começam no transporte rodoviário até chegar no porto. A agricultura precisa enfrentar todos os gargalos ou todos os nós que prendem o sistema. E assim mesmo ela concorre, apesar de ter de pagar mais e mais impostos. DE – A falta de investimento em infra-estrutura é um fato que vem de muito tempo, o senhor concorda? GA – Sim, não estou falando que é deste governo, eu estou dizendo que é dos últimos governos. Até porque, antes você tinha um processo inflacionário corrosivo. Veja você, a prioridade de um deles era a de combater a inflação, para ter a verdade na mão. A verdade na mão apareceu, ela estava escondida com a inflação, ela apareceu primeiro nas empresas. As empresas tinham uma fórmula infalível para formar preços, que era "preço = custo + lucro". Apura o custo, põe-se a margem de lucro, faz-se o preço, põe no mercado. Inflação 50% ao mês, ninguém tem memória de preço, então compre agora senão você perde no futuro. Neste cenário você vive escondendo a falta de produtividade da empresa. E no governo é a mesma coisa. No governo, a inflação escondia, camuflava a ineficiência, porque com uma inflação de 50% ao mês, você fazia um orçamento de mentira, programava um gasto de mão-de-obra que era corroído e você ajustava menos e no fim, ainda sobrava, então você ia jogando a sujeira para debaixo do tapete. DE - Com a inflação controlada, o que passou a valer foi a eficiência. GA - Com o processo inflacionário caindo drasticamente, criou-se a memória de preços; o consumidor sabia que custava isso, ele vai pesquisar no outro e depois no outro. Aquela fórmula mudou. Agora é: "lucro = preço de mercado – custo". As empresas foram buscando eficiência para poder concorrer. E o setor público deveria também fazer a mesma coisa, agora que apareceu a verdade. A atitude deveria ser "vamos cortar os gastos para poder controlar a carga tributária, que saltou de 23% para 40% de hoje". Como o setor privado e os cidadãos resolveram o problema da ineficiência? Cortando despesas. Como é que o governo fez para resolver o problema da sua ineficiência? Aumentando a carga tributária, que é o retrato que está ai hoje. DE - Marcio Pochmann, pesquisador da Unicamp e presidente do Ipea, diz que o baixo crescimento está por trás também da dificuldade de os jovens encontrarem espaço no mercado de trabalho. Essa opinião também coincide com os dados da Organização Mundial do Trabalho – o desemprego entre os jovens tem crescido. Isso tudo está ligado à desqualificação? GA – São três pontos convergentes: primeiro, a questão do jovem no mercado de trabalho. Para poder absorver o volume de jovens e adolescentes que chegam ao mercado de trabalho, nós tínhamos que estar crescendo no mínimo 5% ao ano. O bai-
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Para absorver o volume de jovens e adolescentes que chegam ao mercado de trabalho, nós tínhamos que estar crescendo no mínimo 5% ao ano. xo crescimento da economia fez com que você tenha um crescimento da procura de emprego maior do que a capacidade de oferta. Soma-se a isso as políticas de combate ao trabalho infantil, mas que na verdade esticava essa idade até os 18 anos – diz-se que o lugar do jovem é na escola e não no trabalho. Num país desenvolvido, perfeitamente, mas num país como o nosso, que a partir dos 14 nos ele tem que ajudar na renda familiar, este combate e a proibição da idade mínima do trabalho para 16 anos foi fatal para isso; porque como num mercado de trabalho sem oferta de emprego, entre contratar um jovem despreparado, sem nenhuma experiência – e os sindicatos forçando que o salário piso tinha de ser igual para todo mundo, o empregador tinha de pagar todos os encargos salariais e todos os custos para contratar um jovem sem experiência – ou contratar alguém com mais experiência, advinhe quem tem mais chances de ser contratado? Daí jogou-se esses jovens na marginalidade. Então, você tem o fator da estagnação do desemprego, o fator da discriminação do jovem no mercado de trabalho, e você tem o problema do não investimento em qualificação. Estes três fatores se cruzaram. Agora, o principal fator é, sem dúvida, a oferta de oportunidades. Tem mais pessoas procurando emprego do que oferta de emprego e hoje com o crescimento, a oferta de emprego é qualificada e quem não está qualificado não tem oportunidade. DE - O crescimento social não vem acompanhando o crescimento da economia? GA - O nosso modelo de desenvolvimento está trazendo hoje uma balança comercial extremamente favorável. Apesar de o real estar supervalorizado perante o dólar, a nossa balança comercial está positiva. O Brasil é um exportador de commodities e se transformou em um importador de manufaturas. É isso que está consumindo as oportunidades de emprego, especialmente no setor industrial. Você pode ver que o crescimento industrial não acompanha o próprio crescimento, os indicadores ai estão, e isso significa que a balança econômica positiva gera uma balança social negativa e isso são fatores que agravam o processo. DE - Há opiniões de que o Brasil deveria escolher alguns setores para direcionar investimentos e qualificar mão-de-obra. Ser bom em alguns setores. Qual a sua opinião?
GA – Não concordo! Você tem que qualificar tudo, isso é aquela idéia do planejamento central. Você tem que qualificar o que tiver demandando no mercado. Eu estou fazendo, frente à Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho, um megadiagnóstico da necessidade de qualificação no Estado de São Paulo. Estou no meio da Caravana do Trabalho, que está cobrindo 645 municípios. Eu estou em contato direto com os prefeitos em 21 regiões. Faço a aplicação do diagnóstico junto com a Fundação Seade para nós identificarmos nos municípios o que está acontecendo de demanda. Estamos juntando os dados empíricos da Fundação Seade, mais os dados objetivos das prefeituras. DE – Que histórias o senhor conta das suas 'andanças' pelo interior do Estado? GA – Eu cheguei numa cidade lá nas barrancas do Rio Grande, perto de Votuporanga, e o prefeito me falou, que a necessidade dele era curso de amansador de cavalos. Eu perguntei quantos, e ele me disse uns 30; o mercado demanda 30. Um amansador de cavalos é um cara que vai viver daquela profissão. O que eu quero dizer é que você tem de ouvir, sentir o que está acontecendo em cada município, de acordo com a realidade. Isso nunca foi feito, nem em São Paulo, nem no Brasil. Não existe esse diagnóstico. O plano de qualificação era feito pelo interesse do aplicador, não do interessado. Existem várias entidades, ONGs; dinheiro para qualificar tem. Mas nunca alguém mediu a eficiência daquele plano. DE - Se o senhor ficasse trancado em seu gabinete, não teria essa visão. GA - Por isso que eu te falo: se você fizer esse trabalho no gabinete, irá comer pela mão de setores organizados. Daí o usineiro vai vir aqui falar que precisa de tal coisa, o empresário vai reclamar por recursos. E o resto? A Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho se sustenta hoje em um tripé – qualificação, que eu chamo de educação voltada ao trabalho, empreendedorismo e desburocratização. Empreendedorismo porque a grande maioria da população hoje está na informalidade e dentro da informalidade está o auto-emprego. Não é um empreendedorismo de vocação, é um empreendedorismo de necessidade. Tem muita vocação que pode ser aproveitada, que brota daí, então este é o manancial fundamental para esta carência do emprego formal, ou do emprego em carteira tradicional, você ter ocupações e permitir a liberdade do indivíduo de ir buscando caminhos naquilo que você não está enxergando. Depois a desburocratização, que tem tudo a ver com o empreendedorismo. Então, na seqüência: o primeiro passo é a qualificação do trabalhador, que é um fator-chave. O mercado de trabalho precisa do diagnóstico, que é o que estamos fazendo. Para fazer esse diagnóstico, eu tenho que perguntar quais as ocupações, em que quantidade e onde. Por que saber a quantidade? Para não formar mais profissionais do que o mercado precisa. Eu tenho que ter
a idéia de quantidade, para eu poder dosar o curso, para eu formar até um pouco a menos da própria demanda, exatamente para valorizar quem está sendo formado. DE - Explique melhor como esse processo vem ocorrendo. GA - Para poder fazer esse diagnóstico, o primeiro passo nosso foi convocar a Fundação Seade. Ela tem a habilidade de transformar dados em informações. Em uma analogia, ela toca com partitura, não de ouvido. Eu não estou atrás de dados, eu estou atrás de informações que os dados possam me trazer, para me dar a conclusão. Agora, não é suficiente, por isso que nós estamos fazendo a Caravana do Trabalho, um questionário para ouvir quem toca de ouvido. A Fundação Seade toca com partitura, o prefeito toca de ouvido. Esse caso do amansador de cavalos, a Seade nunca iria descobrir, mas o prefeito sabe, então eu estou juntando os dois lados, eu tenho condição de ter bem próximo um diagnóstico da realidade para organizar os planos. Além disso, nós vamos trabalhar em cima de tendências, o diagnóstico vai dar tendências também. Hoje, você tem fatos no interior que estão sendo frontalmente agredidos pela revolução do biocombustível. O Brasil está no centro do mundo nesta questão e São Paulo está no centro do Brasil. Só que essa pressão da produção do biocombustível é gerada em função do meio ambiente, por causa do aquecimento global, a necessidade de fontes alternativas. Essa questão do meio ambiente também vai forçar uma mudança no processo de produção tradicional, que é o problema da queima da cana, que embora o governo do Estado tenha protocolos firmados com os usineiros, isso vai ser atropelado, porque há exigências externas. Quando alguém de fora for comprar o nosso etanol, ele quer selo de produção não poluente, selo de não exploração de mão-de-obra infantil. Se você não tiver esse selo, não vende o produto. Então haverá um processo abrupto de meca-
Eu não estou atrás de dados, eu estou atrás de informações que os dados possam me trazer, para me dar a conclusão.
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nização. Só para ter uma idéia, uma colheitadeira libera 80 pessoas. Se você não se preocupar agora em preparar e requalificar essa gente, elas vão engrossar o cordão de sem-terras e de semtetos no cinturão e na periferia das cidades do interior. DE - Por outro lado, o aproveitamento do bagaço da cana gera outros empregos. GA - Toda esta produção será absolutamente incorporada com tecnologia, ela será economizadora com mais mão-deobra, ela vai ter escala de produção, esse é o processo. Então fica aqui o alerta, você tem que fazer isso antes, porque os atuais planos de qualificação, sem dúvida, vão ter muito dinheiro para poder treinar o operador da colheitadeira, mas treinar o cara que está sendo marginalizado, aí ninguém se preocupou e essa é a nossa preocupação. Nós estamos fazendo esse trabalho já incorporando as possibilidades de mudança e trazendo os prefeitos para essa preocupação, para que a gente possa, juntos, encontrar soluções. DE - Esta é uma visão inteiramente nova de abordar a questão do desemprego, não é mesmo? GA - Estamos elaborando o diagnóstico da situação atual e o diagnóstico com as perspectivas de mudanças, e isto vai encerrar o plano plurianual de qualificação. Esse plano será uma somatória de recursos do FAT, do orçamento do Estado e de outros recursos. É dinheiro público, então nós temos que começar a atirar na mesma direção, trabalhar em conjunto, não que eu vá perder a autonomia do que eu esteja fazendo, mas não fazer a mesma coisa do que já se está fazendo no mesmo município é um desperdício. Temos que procurar ocupar os espaços, só que com a missão de reduzir custos, porque a qualificação tem que ser gratuita, pois ela é uma extensão da escola. DE - Havia a preocupação de aplicar os recursos do FAT neste tipo de demanda? GA - O que eu estou vendo é que o dinheiro do FAT se preocupava com gastos e depois anotar: gastamos tanto em qualificação. DE - Não tinha comprovação? GA – Não! E nos planos setoriais tinha, por exemplo, a Petrobras. Agora eu pergunto: a Petrobras, com lucro de R$ 14 bilhões, precisava recorrer a recursos básicos para fazer treinamento na sua mão-de-obra? Ou esse treinamento de mão-de-obra é para aqueles que hoje não têm condições, não têm acesso a nenhum plano de qualificação efetivo? DE - Além da Fundação Seade, quem mais participa desse projeto? GA - Um outro grande aliado é o Centro Paula Souza, que tem 134 escolas e 30 Fatecs, é uma rede espalhada pelo Estado, e ela vai ter a missão de aplicar cursos de qualificação básica; é
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diferente do que ela faz hoje, com ensino técnico, que é o segundo grau profissionalizante. Aqui é qualificação básica, curso rápido pois o desempregado não tem tempo para fazer curso. Serão cursos de carga horária de 100 a 200 horas. Um Mobral profissional mesmo! São cursos rápidos, porque quem está desempregado tem pressa de qualificação. Ela poderá também credenciar outras entidades para trabalhar dentro do mesmo padrão. Então, o Centro Paula Souza terá essa função estratégica, é uma instituição do Estado. A terceira instituição do Estado que nós estamos convocando é a Fundação Padre Anchieta, que vai criar a metodologia, que junto com a Paula Souza vai desenvolver a visualização, a didática. Nós detectamos que a carência do ensino básico faz com que as pessoas, hoje, tenham dificuldades em entender o que lêem, elas podem até ler, mas têm dificuldade de entender o que estão lendo. Então, você precisa usar um recurso para que ela possa entender melhor o que está sendo transmitido por escrito. A visualização e a simplificação são importantes e a Fundação Padre Anchieta tem know-how, porque "papagaio come o milho e o periquito leva a fama". A Globo e a Fundação Roberto Marinho levaram a fama do Telecurso, mas quem sempre fez o Telecurso foi a Fundação Padre Anchieta, aqui em São Paulo. Então, é feito o diagnóstico, você aplica, usa as metodologias mais modernas, mas falta a ultima parte, que é a mais importante, que é a avaliação. Neste ponto entra a Fundap avaliando aquilo que foi feito nos cursos, o que aconteceu, se foi bem ministrado, se a pessoa conseguiu um emprego, se conseguiu uma colocação, se tem algo errado, ou foi a escolha do curso que não foi boa, ou foi a forma do curso. É preciso medir para saber o que aconteceu, para saber se teve eficácia.
DE - Até quando o senhor estará na estrada com a Caravana? GA – Eu encerro o giro em setembro, em outubro já devo ter os primeiros dados do diagnóstico, para que eu já possa inserir no orçamento do ano que vem a aplicação desse projeto. Logicamente, vamos iniciar em velocidade reduzida, porque eu chamo isso de primeira, segunda, terceira e quarta marchas. A primeira é reduzida, é o arranque, depois a gente vai resolvendo os problemas, mudando as marchas e a velocidade. Agora eu estou arrancando, mas a formatação do processo segue rigorosamente essa linha. DE - Mesmo sem esse plano estar ainda em operação, a Sert obteve bons resultados este ano. De abril a junho, vocês intermediaram 35 mil empregos, dos quais 12 mil somente em junho. Estes são números respeitáveis. GA - Nós temos 204 Postos de Atendimento ao Trabalhador (PAT). Esses postos têm um convênio com o Sistema Nacional de Emprego, do Ministério do Trabalho. Assim, temos um cadastro de quem está procurando emprego e de quem está oferecendo vaga. Daí eu bato tambor, solto fumaça, aviso as partes interessadas e faço a intermediação, comunicando a área de estatística. É ainda um sistema primário, quando, na verdade, eu entendo que um sistema desses tem que aproveitar melhor os recursos do mundo digital e da internet, tem que botar a boca no mundo para dizer que tem um cara aqui procurando emprego. Na outra ponta estarão as empresas entrando no sistema e oferecendo vagas; faremos então um cruzamento. Isso ainda não tem! Com a fortuna que tem o FAT, não temos um sistema assim. Eu quero ver se até o final do ano eu vou ter isso aqui. Juntos, empresas, universidades, PATs e outras fontes. A universidade, por exemplo, está formando os mais novos de-
sempregados no Brasil. O sistema tem que ser alimentado, o universitário que está saindo da escola e está procurando emprego, ele já viria automaticamente para o sistema. E a escola informaria as suas notas, os cursos, o curriculum etc. Dessa forma eu estou passando a informação para o mercado. Com este sistema eu não vou usar somente o computador, eu vou usar inteligência. Qualquer computador em rede poderá entrar no sistema, basta ter a senha. Se hoje eu tenho 204 PATs, eu posso ter 645 no sistema. E ai eu já "viajei na maionese" e já apelidei isso de "Google do Emprego", um sistema de busca do emprego. Aqui você tem um termômetro imediato, porque através do sistema, na mesma hora em que você tem oferta de emprego, está tendo procura. Se inicialmente fiz um diagnóstico, agora eu posso aferir esse diagnóstico todo dia e regular oferta e procura imediatamente e detectar a procura de um tipo de vaga que eu não estou conseguindo suprir, que está faltando qualificação. Isso passa a ser um termômetro ao vivo do dia-a-dia. DE - Em relação aos jovens, principalmente os mais carentes, como o senhor vê esta situação? GA - Nunca em nossa história tivemos um contingente tão significativo, tanto potencial, quanto desses jovens; só que eles estão chegando no mercado de trabalho quando este está encolhendo. Além disso, pela comunicação de massa, esse contingente está sendo bombardeado por uma sociedade de consumo, que o convida a possuir os bens e serviços, mas sem lhe dar perspectivas de como ganhá-los. Os jovens, de todos os níveis sociais, sabem tudo sobre consumir e quase nada de como ganhar, pois não têm perspectivas; cria-se a frustração. A frustração é matéria-prima para a violência. Como a expectativa de emprego nos setores organizados é nula, há um desemprego de 50% nesse segmento.
Divulgação
Caravana do Trabalho: prefeitos de 645 municípios preenchem um formulário, onde explicam as suas necessidades locais de mão-de-obra e qualificação. Esses dados serão cruzados com os da Fundação Sead.
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Quem está ensinando o adolescente a abrir o seu caminho? O quarto setor, o crime organizado. Esse fato é ainda mais agravado por equívocos do setor público, que gera muita confusão e dúvidas, não só para as entidades assistenciais, como também para os empreendedores e empregadores. Uma emenda constitucional elevou a idade mínima para 16 anos, permitiu também o aprendizado para 14 anos. DE - O que o governo do Estado vem fazendo em favor da juventude? GA - Esse processo do adolescente está merecendo, da nossa parte, uma atenção especial. Quando falo nossa parte é a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho e a Secretaria do Desenvolvimento Social. Estamos nos preparando para investir pesado em um programa. Eu vou fazer o que chamam de pré-qualificação desse jovem. Pré-qualificação é para o jovem de 14 anos, que está numa entidade assistencial. Ele tem que sofrer um processo de pré-qualificação de cinco a seis meses para receber uma preparação, por exemplo, noção de computação e outras coisas. Ele é preparado para ser colocado no mercado de trabalho. Nós temos que cooperar com essas entidades para fazer a pré-qualificação. Hoje, várias já fazem isso, mas elas acabam colocando o custo da qualificação no preço da contratação do serviço com as
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empresas, que acabam pagando esse custo. Isso não é um incentivo para contratação. Acho que o nosso papel é ajudar na pré-qualificação. Na hora em que o jovem é colocado numa empresa, a entidade tem que assisti-lo, porque a lei é assim, a entidade tem que assisti-lo pelo menos por dois anos. Quando ele for trabalhar, quatro dias por semana ele tem aulas práticas e um dia terá aulas teóricas na entidade. Nós vamos sustentar essas entidades para fazer isso: aí entra o link do programa com a Secretaria do Desenvolvimento Social. Todo jovem da escola pública da rede estadual recebe 60 reais por mês, para ele não sair da escola. Se ele tiver freqüência de 100%, pode chegar até 80 reais por mês. O que nós vamos fazer se ele entrar no programa e for contratado? Ele já vai receber 325 ou 330 reais, que é o salário; então aqueles 60 reais pagos para ele passarão automaticamente para a entidade, para separar do custo de contratação desse jovem. Para a empresa fazer o aprendizado a gente acelerou muito o programa aqui no Estado. É o Movimento Degrau (veja na pág. 72), subindo mais um degrau. DE - Qual a sua opinião sobre a atual CLT? É uma lei que precisa ser reformulada? GA - É uma lei fascista, feita pelo social nacionalismo de Hitler e Mussolini, de quem Getúlio e Perón eram discípu-
los. O social nacionalismo foi a matriz de geração da nossa legislação trabalhista. Ela já serviu e era importante para sua época, mas hoje ela é totalmente ultrapassada, totalmente inadequada para a nova geração de emprego e de trabalho. Por exemplo: lá no Japão tem estabilidade no emprego, mas em contrapartida, o salário flutua de acordo com a maré, ou seja, eu tenho um salário-base, o mínimo, e o resto vem em forma de produtividade. Se a empresa teve um encolhimento no mercado, o rendimento do empregado encolhe, mas ele não vai para a rua. Esta é uma das formas que alguns países que estão crescendo encontraram para enfrentar as oscilações violentas do mercado. Nós temos que buscar as formas mais flexíveis para podermos enfrentar a nossa realidade. Os países que têm terremotos constroem alicerces de borracha , pois sabem que não adianta endurecer, você têm que se adaptar, ser flexível. A Constituinte de 1988 foi feita um ano antes da queda do muro de Berlim, ela consagrou uma visão ultrapassada, e o pior, colocou-se na letra constitucional o "dissídio coletivo", o que seria um "acordo coletivo", por exemplo, entre Petrobras e seus funcionários e outras grandes multinacionais. O que servia para esse pessoal foi colocado na letra constitucional como um princípio básico, só que isso não se adapta à realidade, ao restante dos trabalhadores. Aliás, com muito orgulho (pode até destacar isso) eu fui deputado constituinte nota zero, nota dada pelo DIAP; com orgulho, porque eu me insurgi contra a pressão. E o DIAP fazia esta pressão. Dizia-se que quem não votasse pelo direito do trabalhador iria contra o direito da maioria, mas a maioria ficou sem direito nenhum, isto daqui é para uma minoria e o resultado está aí. Hoje, quando reúno aqui na Secretaria centrais sindicais, eu falo "bem-vindos os líderes da minoria", pois a maioria está sem o controle de vocês e a nossa missão é alcançar essa maioria. Mas como alcançar? Eu, como deputado constituinte, fui o autor do artigo 179 da Constituição, que manda dar um tratamento diferenciado à micro e pequena empresa nos campos tributários, e lá eu coloquei tratamento diferenciado nos campos tributários, previdenciário, creditício, administrativo e, no meu projeto original, coloquei também o trabalhista. Você tem a lei e os direitos, só que no campo trabalhista, é preciso tratar os desiguais, desigualmente, de acordo com as suas desigualdades. Fui massacrado! Mas deixa passar uns anos para ver o que vai acontecer... DE - Como seria essa reforma trabalhista? GA – Hoje, mais do que nunca, nós temos que reproduzir a palavra trabalhista que está no artigo 179, que é o comando constitucional, e aí fazer o Simples Trabalhista, que é para poder formalizar. Porque hoje quem está gerando emprego é a microempresa, só que está gerando emprego na informalidade. Como é que ela vai seguir as regras e os direitos "imexíveis" do processo trabalhista? Eu acho que é aí
que começa a grande reforma trabalhista no Brasil. Não quero mexer com os direitos trabalhistas já acertados das elites, mas quero incorporar direitos às massas, que estão sempre na mesma. Eu acho que é aí que começa a grande reforma. Uma palavrinha introduzida na Constituição nos dá condição de começar a mexer e não acredito que hoje tenha uma oposição tão cerrada, porque eu não estou querendo tirar o direito de ninguém, eu estou querendo dar. Quero simplificar o contrato trabalhista. Na minha campanha presidencial, eu tentei explicar didaticamente como se faz a lei no Brasil. Gravei um programa na porta da Volkswagem, num dia frio, e eu vestindo uma malha dizia: vocês estão me vendo aqui com uma malha, estou na porta de uma grande empresa multinacional e toda legislação que se faz é em função dessa grande empresa, e querem que o Brasil inteiro se equipare a ela. Vocês estão me vendo aqui de malha, está frio aqui. Então, vamos fazer uma lei que todo mundo vai usar malha no Brasil inteiro, porque eu estou passando frio aqui. Outro dia, eu encontrei um italiano consertando uma romiseta. Eu disse: escuta seu fulano, como é a sua vida? Ele respondeu: é difícil parar em emprego, é muita burocracia, a legislação não dá e a minha oficina é pequena, consertando romisetas." Eu disse: aqui no Brasil é assim, você faz lei para jamanta e quer que a romiseta siga. Na minha campanha fui jogando este tipo de informação e hoje essa realidade está ai. DE - E qual a sua opinião sobre estabilidade no funcionalismo público? O senhor é contra ou a favor? GA - As funções do Estado têm que ter estabilidade, têm que ter segurança. Até na educação, ela tem que ter uma carreira com estabilidade; a mesma coisa na saúde e em outros setores. Em compensação, funções de Estado não podem ter greve, você não pode usar a população como refém do seu interesse pessoal. Vamos definir a função de Estado, dar estabilidade. Mas greve não, você não pode parar, pois atenta contra o direito do cidadão. Não se pode ficar sem polícia, a população não pode ficar sem segurança.
Com muito orgulho eu fui deputado constituinte nota zero, nota dada pelo Diap; com muito orgulho porque eu me insurgi contra a pressão.
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Corbis
Consolidação das Leis do
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Trabalho ou do Emprego?
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Renata Jubran/AE
José Pastore é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. www.josepastore.com.br
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C
om o avanço das tecnologias e com a globalização dos negócios e do próprio mercado de trabalho, tornou-se mais fácil fazer crescer o PIB do que expandir o emprego. Muitos falam na agonia do emprego. Outros antecipam a sua morte. São expressões fortes, que provocam uma profunda angústia. No entanto, são propaladas com uma inusitada frieza. É verdade que os tempos mudaram. Há 50 anos, predominavam empresas gigantescas, verticalizadas e que abrigavam dezenas de milhares de empregados. Hoje, as novas tecnologias permitem às unidades menores produzirem com eficiência e de forma descentralizada. Em torno das empresas, circulam como satélites outras empresas e profissionais de todos os tipos. Muitas das atuais formas de trabalhar eram inexistentes há 50 anos – os autônomos, os prestadores de serviços na condição de pessoa jurídica (PJs), os associados de uma cooperativa de trabalho, os que executam projetos, os que trabalham a distância (teletrabalhadores) e tantas outras. A produção de hoje é realizada por uma constelação de empresas e profissionais muito bem articulados entre si e que formam redes de colaboradores. São as redes – e não as empresas – que competem no mercado. Vence a melhor rede. Nessa nova divisão do trabalho, não se pode querer enquadrar todos os trabalhadores como empregados. Já foi o tempo em que o mundo do trabalho se dividia entre empregados e empregadores. Hoje, as novas modalidades de trabalho crescem numa velocidade meteórica. Infelizmente, para tais modalidades não há proteções, porque a nossa CLT protege apenas os empregados. A Constituição Federal, no seu artigo 7º, pretende proteger a todos ao dizer: "São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais..." – ao que segue uma lista de 34 incisos (direitos). A CLT, com seus 922 artigos, é mais realista e promete proteção apenas aos empregados. No frigir dos ovos, a Constituição e a CLT acabam protegendo uma minoria (35 milhões de empregados) e desprotegendo a
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maioria (46,5 milhões de trabalhadores) que estão no mercado informal. A informalidade tornou-se sistêmica. Embora a Constituição Federal se refira a trabalhadores (como gênero), como aplicar os direitos trabalhistas aos trabalhadores que não têm vínculo empregatício? Como garantir o FGTS para quem trabalha por conta própria e não tem empregador? Como cumprir a jornada de 44 horas por semana por quem não tem patrão? A velha CLT, que foi feita para proteger os empregados, deveria se chamar Consolidação das Leis do Emprego - CLE. É por isso que se vê essa confusão em torno dos PJs, da Emenda 3, das cooperativas de trabalho, dos que trabalham para várias pessoas – todos sem vínculo empregatício. Sobre a questão da Emenda 3, vale uma digressão. Na discussão do veto do presidente Lula à Emenda 3 da Lei da Super Receita, abordou-se pouco a razão do grande aumento dos profissionais especializados, que trabalham como pessoa jurídica. No mundo inteiro, as empresas que mais crescem são as que não têm empregados. Nos Estados Unidos, por exemplo, entre 2003 e 2004, houve um aumento de quase um milhão de empresas desse tipo. Das 27 milhões de empresas existentes, 19,5 milhões (72%) são sem empregados. No Brasil, segundo os dados do Cadastro Central de Empresas (IBGE, 2003), das 4,9 milhões de empresas existentes, 3,4 milhões (69%) estão nessa categoria (em 1997 era 65%). Cerca de 17% do pessoal ocupado do Brasil trabalham em empresas sem empregados. As áreas de atuação são as mais variadas, desde a lanchonete até o consultor. Segundo os dados da Pesquisa Anual de Serviços (IBGE, 2002), cerca de 22% dessas empresas dedicam-se à prestação de serviços a outras empresas. Tais empresas respondem por 34% dos postos de trabalho do setor. Dentre elas, as que prestam serviços técnico-profissionais respondem por 50% dos estabelecimentos e 52% da receita líquida (Pesquisa Anual de Serviços, IBGE, 2002). Uma parcela crescente estão nas atividades técnico-profissionais. Todas elas contribuem de forma expressiva
para o trabalho e para a receita de impostos e contribuições sociais. Os serviços que mais se expandem por meio de pessoas jurídicas – no mundo inteiro – são os que se relacionam com a chamada economia intangível e que dependem muito mais do talento intelectual do que da força física. Nos Estados Unidos, das 19,5 milhões de empresas sem empregados, 14% são de profissões liberais, técnicos e cientistas; 8,2% de serviços de saúde; 7% de apoio administrativo; 4,8% do campo das artes, entretenimento e recreação; 3,6% dos seguros e finanças; 2,1% dos serviços educacionais; 1,4% dos serviços de informação e comunicação. Ou seja, 41% caem na área dos intangíveis. No Brasil dá-se o mesmo em termos de distribuição: quase a metade é constituída de empresas cujos profissionais desempenham atividades especializadas como pessoas jurídicas da economia intangível. A tendência de crescimento desse tipo de atividade é mundial e reflete uma nova divisão do trabalho. Nos dias atuais, são muitas as formas de trabalhar: tempo parcial; por projeto (que tem começo, meio e fim); trabalho a distância; trabalho casual, intermitente, cooperado, compartilhado etc. No passado, era tecnologicamente avançada apenas a grande empresa. Hoje, um pequeno escritório de contabilidade é moderníssimo por estar ligado a todas as informações do mundo por meio da internet e por processar as contas com base em softwares pré-montados. Há 50 anos, as empresas eram eficientes quando faziam tudo. Hoje são eficientes as que fazem o que sabem e compram o que é feito com mais eficiência e no tempo certo por outra pessoa ou empresa, otimizando os recursos humanos dentro das mencionadas redes de produção, onde cada um entra com sua especialidade, no tempo certo e pelo preço adequado. Já foi o tempo em que as empresas contratavam pelo menor preço. Hoje, elas buscam o melhor preço, onde a qualidade dos serviços contratados é absolutamente crucial. Juntamente com esse aumento de profissionais que trabalham como pessoa
Há 50 anos, as empresas eram eficientes quando faziam tudo. Hoje, são eficientes as que fazem o que sabem e compram o que é feito com mais eficiência e no tempo certo por outra pessoa ou empresa, otimizando os recursos humanos dentro das mencionadas redes de produção.
Fiscalizar é necessário. Punir os que burlam a lei é essencial. Mas não se pode punir um profissional que trabalha por conta própria só porque não é empregado. E nem se pode admitir que esse profissional trabalhe sem proteção.
jurídica, nota-se um incremento do trabalho em horários variados, combinando-se, muitas vezes, a tarefa realizada na empresa com o trabalho feito em casa, no transporte, no hotel e outros locais. Tais mudanças vêm ocorrendo de forma acelerada e até mesmo nos países de maior rigidez trabalhista, como é o caso dos Estados membros da União Européia. Não adianta gritar "parem o mundo porque eu quero descer". Essa tendência é irreversível. O mundo do trabalho é outro. Há muitas formas de trabalhar além da exercida pelos empregados e empregadores. A sociedade moderna precisa aperfeiçoar suas leis e instituições para proteger os que trabalham e não apenas os empregados e parar de perseguir os que contribuem legalmente como pessoas jurídicas. Pior para o Brasil é a brutal informalidade que atinge quase 60% dos que trabalham. Em suma, precisamos de uma verdadeira Consolidação das Leis do Trabalho. Longe de mim advogar a elaboração de um cipoal tão complexo quanto a CLT atual para o trabalho sem vínculo empregatício. Mas, parece urgente estabelecer-se de modo claro que esses dois mundos – o do emprego e o do trabalho – precisam ser protegidos por leis diferentes. O que não pode continuar é a tentativa infrutífera de muitas autoridades que tentam enquadrar todas as modalidades de trabalho na situação de emprego. Isso é irreal. Fiscalizar é necessário. Punir os que burlam a lei é essencial. Mas não se pode punir um profissional que trabalha por conta própria só porque não é empregado. E nem se pode admitir que esse profissional trabalhe sem proteções. Em muitos casos, esse profissional foi empregado até ontem. Se ele for penalizado por não ser empregado ou se a empresa for punida pelo fiscal por utilizá-lo como prestador de serviços na forma de PJ, esse profissional será forçado a entrar no pior dos mundos. Não podendo ser empregado e não sendo aceito como PJ, ele vai trabalhar na informalidade, sem nenhuma proteção e com grandes prejuízos às finanças públicas, em especial, à Previdência Social.
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TendĂŞncias globais de
emprego para mulheres
Tradução: Rodrigo Garcia 1. Visão geral
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urante os anos 80 e 90, a participação das mulheres no mercado de trabalho cresceu substancialmente no mundo todo. Isso cria expectativas que mais oportunidades de trabalho e autonomia econômica para as mulheres pudessem levar a uma maior igualdade entre os gêneros. Para ajudar a determinar o quanto essas esperanças estão sendo realizadas, é necessário analisar a força das tendências do mercado de trabalho para mulheres com mais detalhe. Com esse objetivo, o estudo "Tendências Globais de Emprego para Mulheres", da OIT, questiona se a tendência de uma participação maior das mulheres no mercado de trabalho permanece e se elas encontraram bons e produtivos empregos, capazes de capacitá-las de fato a usar seu potencial e conquistar a independência econômica. A abordagem é baseada em atualizações e análises de números dos principais indicadores dos mercados de trabalho. Eles incluem: participação na força de trabalho, desemprego, setor e status do emprego, salário/vencimentos e nível de educação e habilidades. Considerados juntos, eles mostram se quem quer trabalhar o faz de fato, se para uma mulher encontrar um emprego é mais difícil do que para um homem, as diferenças do tipo de trabalho feito por mulheres e por homens e a igualdade de tratamento em setores que vão de salários a educação e treinamento. As principais conclusões são: - Em números absolutos, mais mulheres do que nunca estão participando do mercado de trabalho no mundo todo. Elas estão tanto empregadas quanto ativamente procurando por um emprego. - Esse retrato geral, porém, conta apenas parte da história. Nos últimos dez anos, a taxa de participação na força de trabalho (a proporção de mulheres em idade de trabalhar que têm emprego ou estão procurando) parou de crescer, com muitas regiões registrando quedas. A inversão é marcante, mesmo que ela reflita, em parte, a maior participação das mulheres jovens na educação. - Mais mulheres do que nunca estão de fato trabalhando. A proporção feminina do total de empregos permaneceu praticamente inal-
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Masao Goto Filho/e-SIM
As diferenças salariais persistem. Na grande maioria das regiões e em muitos empregos, as mulheres ganham menos pelo mesmo trabalho.
terada em 40% no ano passado (de 39,7% há dez anos). A expressão “trabalhando” resume todas as pessoas empregadas, de acordo com a definição da OIT, que inclui autônomos, empregado, empregadores, bem como membros da família que não são pagos. - Ao mesmo tempo, mais mulheres do que nunca estão desempregadas, com o índice de desemprego das mulheres (6,6%) maior do que o dos homens (6,1%). - As mulheres têm mais probabilidade de trabalhar em empregos com pouca produtividade na agricultura e nos serviços. A participação das mulheres nos empregos industriais é muito menor do que a dos homens e diminuiu nos últimos dez anos. - Quanto mais pobre a região, maior a probabilidade de que as mulheres trabalhem como membro colaborador da família sem pagamento ou autônomas com baixa renda. As mulheres que trabalham ajudando a família, em particular, provavelmente não serão independentes economicamente. A passagem de membro colaborador da família sem pagamento ou de autônoma de baixa renda para um emprego com salário é um grande passo rumo à liberdade e a autodeterminação para muitas mulheres. A participação de mulheres com trabalho assalariado cresceu nos últimos dez anos de 42,9% em 1996 para 47,9% em 2006. Porém, especialmente nas regiões mais pobres do mundo, essa participação ainda é menor para as mulheres do que para os homens. - Há evidências de que as diferenças salariais persistem. Na grande maioria das regiões e em muitos empregos, as mulheres ganham menos pelo mesmo trabalho. Mas também há algumas evidências de que a globalização pode ajudar a diminuir as diferenças salariais em diversas profissões. - As mulheres jovens têm mais probabilidade de aprender a ler e escrever do que há dez anos. Mas ainda há uma diferença entre os níveis de educação das mulheres e dos homens. E há uma grande incerteza se as mulheres têm a mesma chance dos homens em desenvolver suas habilidades durante a vida profissional. Essas tendências mostram que, apesar de algum progresso, não há motivos para tranqüilidade. Políticas para aumentar as chances de uma participação igualitária nos mercados de trabalho estão começando a dar resultados, mas o ritmo no qual as diferenças estão sendo diminuídas é muito lenta. Como resultado, as mulheres têm mais probabilidade do que os homens em ficarem desencorajadas e desistirem de serem economicamente ativas. E para as mu-
lheres que trabalham há uma grande possibilidade de estarem entre os trabalhadores pobres – elas trabalham, mas não ganham o suficiente para tirá-las, e suas famílias, da pobreza. Considerando por fim a persistente falta de uma responsabilidade sócio-econômica para as mulheres e uma distribuição desigual das responsabilidades do lar, ainda há algumas formas para se obter a igualdade entre homens e mulheres. No momento em que o mundo cada vez mais percebe que um trabalho bom e produtivo é a única forma sustentável de sair da pobreza, analisar o papel da mulher no mundo do trabalho é particularmente importante. Progresso completo, emprego decente e produtivo, um novo alvo dentre os dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, só serão possíveis se as necessidades específicas das mulheres no mercado de trabalho sejam discutidas. Participação feminina nos mercados de trabalho A crescente proporção de mulheres na força de trabalho e a diminuição cada vez mais intensa das diferenças entre os índices de participação dos homens e mulheres têm sido uma das tendências do mercado de trabalho mais destacadas nos tempos recentes. Nos últimos dez anos, porém, surgiu um retrato mais detalhado em relação à participação feminina, com consideráveis diferenças entre as faixas etárias e regiões. No geral, nunca houve tantas mulheres economicamente ativas. O total da força de trabalho feminina, formada tanto por mulheres em-
pregadas quanto desempregadas, era de 1,2 bilhão em 2006, acima de 1,1 bilhão em 1996. A diferença entre os índices de participação na força de trabalho de homens e mulheres (força de trabalho como parte da população com idade de trabalhar) diminuiu um pouco durante o período de dez anos. Já que nesta época havia 66 mulheres na ativa para cada 100 homens na ativa. Em 2006, esse número estava quase no mesmo nível, com 67 mulheres para cada 100 homens. No mesmo período, o índice de participação na força de trabalho feminina caiu ligeiramente para 52,4%, frente a 53% em 1996. Porém, mais do que ser um sinal de estagnação, é o resultado de duas tendências positivas que se neutralizam. À medida que a educação entre as mulheres jovens se espalha mais rapidamente, a participação das mulheres jovens na força de trabalho diminui. Ao mesmo tempo, o índice de participação das mulheres adultas era um pouco maior em 2006 do que há dez anos. Enquanto isso, as tendências em níveis regionais variam muito. Aumentos nas atividades econômicas das mulheres foram particularmente altos na América Latina, Oriente Médio e Norte da África, e nas economias desenvolvidas e na União Européia (UE). Nos três casos, isso levou a uma diferença um pouco menor entre os índices de participação feminina e masculina na força de trabalho. Por outro lado, também há regiões onde a diferença aumentou. Na África Subsaariana era 0,3 ponto percentual maior em 2006 do que dez anos antes, e no Leste da Ásia, ela aumentou quase um ponto percentual (veja gráfico 1).
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Porém, apesar dessas variações regionais, as diferenças entre atividades econômicas dos homens e mulheres continuam visíveis em todo o mundo. Nas economias desenvolvidas e na UE, na Europa Central, na do Leste (que não fazem parte da UE) e na Comunidade de Estados Independentes (CEI) e no Leste da Ásia, cerca de 80 mulheres para 100 homens estão economicamente ativas. Na África Subsaariana, a proporção é 75 mulheres para 100 homens; no Sudeste Asiático e Pacífico é de 73 para 100; e na América Latina e Caribe, 69 para 100. As maiores diferenças são encontradas no Sul da Ásia, com 42 para 100, e no Oriente Médio e Norte da África, com 37 para 100. Por si só, os índices, altos ou crescentes, de participação na força de trabalho não significam necessariamente que os mercados de trabalho estão se desenvolvendo de forma positiva para as mulheres. O índice de participação na força de trabalho não fornece informações sobre a probabilidade de ser empregado nem indica a qualidade dos empregos. Ele também não mostra quantas pessoas estão indo à escola, o que é uma boa razão para ficar fora do mercado de trabalho. 3. Desemprego entre as mulheres Em 2006, globalmente, as mulheres ainda tinham uma probabilidade maior de estarem desempregadas em comparação aos homens. A taxa de desemprego feminino ficou em 6,6% e a dos homens, 6,1% (veja gráfico 2a). Além disso, a taxa de desemprego das mulheres cresceu no período de dez anos, era 6,3% em 1996. No total, 81,8 milhões de mulheres que desejavam trabalhar e procuravam ativamen-
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te um emprego estavam sem trabalho. Esse número era 22,7% maior do que há dez anos. A dificuldade em encontrar emprego é ainda mais pronunciada para as mulheres jovens (de 15 a 24 anos), como 35,6 milhões de mulheres jovens procurando uma oportunidade de trabalho em 2006. As taxas de desemprego entre os jovens, tanto homens quanto mulheres, são mais altas do que as taxas de desemprego entre adultos em todas as regiões. Em cinco, o taxa de desemprego das mulheres jovens ultrapassa a dos homens. Não é o caso no Leste da Ásia, economias desenvolvidas e UE e África Subsaariana (veja gráfico 2b). Os indicadores de desemprego fornecem um retrato limitado das condições dos mercados de trabalho. Para uma imagem mais nítida, eles devem ser vistos com índices de emprego da população, dados sobre empregos com status e setor, bem como indicadores de salários e vencimentos. No ideal, eles também deveriam ser interpretados juntos com os números dos trabalhadores pobres, já que isso daria uma boa indicação se esses empregos criados são bons o suficiente para dar às mulheres uma possibilidade tirarem elas mesmas e suas famílias da pobreza. Porém, como é discutido no box 1, ainda não é possível calcular a pobreza das mulheres trabalhadoras em nível regional. Por fim, as pesquisas de desemprego excluem as pessoas que desejam trabalhar, mas talvez não estejam “procurando” emprego ativamente, porque sentem que não há nenhum disponível, têm mobilidade de trabalho restrita ou enfrentam discriminação ou barreiras culturais, sociais ou estruturais. Elas são conhecidas como trabalhadores desencorajados.
As mulheres e a pobreza
A
pobreza é um fenômeno multidimensional. Os pobres podem sofrer com privação material, falta de dinheiro, dependência de benefícios, exclusão social ou desigualdade. Apesar desses muitos aspectos, a maioria dos cálculos comuns de pobreza se foca na renda monetária. Geralmente a pobreza é medida como a proporção de pessoas num país vivendo com menos de US$ 1 ou US$ 2 por dia. As principais fontes para as estatísticas de pobreza são informações sobre renda e gastos coletados em pesquisas feitas em residências por todo o país. Infelizmente, esses dados são inadequados para medir as diferenças entre os gêneros, porque consideram as residências como um todo mais do que os indivíduos. Além disso, o resultado dá uma fotografia da pobreza da casa em um determinado momento e não captura as mudanças com o tempo. Como resultado, os dados sobre a pobreza não são separados por sexo, tornando impossível calcular a pobreza entre as mulheres que trabalham. Porém, evidências por meio de estatísticas e de análises de casos levam a uma percepção crescente que a pobreza está se tornando feminina, com as mulheres tendo uma presença cada vez maior entre os pobres e os trabalhadores pobres no mundo. As conclusões deste estudo embasam essa idéia. Enquanto houver desigualdades nos mercados de trabalho, será mais difícil para as mulheres do que para os homens escapar da pobreza.
BOX 1 Leonardo Rodrigues/Digna Imagem
Fonte: Spicker, Paul, “The idea of poverty (A idéia da pobreza), Bristol, 2007; UNIFEM, “Reporter on Progress of the Word's Women, 2005” (Relatório sobre o Avanço das Mulheres no Mundo, 2005), Nova York, 2005, http://www.un-ngls.org/women-2005.pdf; UNIFEM, “The Word's Women 2005: Progress in Statistics” (As Mulheres no Mundo em 2005: Avanços nas Estatísticas), Nova York, 2005, http://unstats. un.org/unsd/demographic/ products/indwm/ wwpub.htm
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Apesar de haver uma falta de informações sobre trabalhadores desencorajados, uma análise dos dados disponíveis sobre as economias industrializadas revelou que as mulheres representam aproximadamente dois terços dos trabalhadores desencorajados na Austrália, Áustria, Bélgica, Alemanha, Grécia, Holanda, Noruega e Portugal, com a participação feminina no total dos trabalhadores desencorajados perto dos 90% na Suíça. Como as mulheres enfrentam taxas de desemprego maiores, possuem bem menos oportunidades no mercado de trabalho do que os homens e freqüentemente enfrentarem barreiras sociais para entrar no mercado de trabalho. É bastante provável que o desencorajamento entre as mulheres seja maior do que entre os homens na maioria dos países do mundo em desenvolvimento. Uma observação mais atenta da situação do emprego para as mulheres também não é animadora. As relações emprego-população – que indicam o quanto de eficiência com que as economias estão usando o potencial produtivo da população em idade de trabalhar – são em todas as regiões do mundo menores para as mulheres do que para os homens. Só metade das mulheres com idade de trabalhar (mais de 15 anos) de fato trabalham. Para os homens, a proporção é mais do que 7 em 10. A situação é apenas ligeiramente melhor na Sul da Ásia. A diferença entre as taxas de população-emprego de homens e as de mulheres caiu no mundo como um todo na última década, Porém, no Leste da Ásia ela aumentou e na África Subsaariana não se modificou. Enquanto nem todas as mulheres em idade de trabalhar talvez desejem trabalhar, a existência de um desemprego significativo indica que há muitas mulheres que querem um emprego, mas são incapazes de encontrar um. Parte das diferenças no emprego continuam nas economias industrializadas podem ser atribuídas ao fato que algumas mulheres escolhem ficar em casa, porque têm condições para não entrar no mercado de trabalho. Mas em outras regiões do mundo, é mais provável que as mulheres prefiram trabalhar se tiverem essa oportunidade. Atrair mais mulheres para a força de trabalho também exige como primeiro passo acesso à educação e oportunidades iguais para obter a capacitação necessária para competir no mercado de trabalho. Como é discutido no box 2, essa igualdade na educação ainda está bem longe do alcance na maioria das regiões.
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Agência Brasil
As mulheres e a educação
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Como as mulheres enfrentam taxas de desemprego maiores, têm bem menos oportunidades no mercado de trabalho do que os homens (...)
BOX 2
educação é um direito básico. Ela é essencial para o desenvolvimento, já que a educação pode ajudar as pessoas a encontrarem soluções para seus problemas e fornecer novas oportunidades. Ela amplia a chance de participar dos mercados de trabalho ou de procurar melhores possibilidades de emprego. Porém quase 800 milhões de adultos não tiveram a oportunidade de aprender a ler e escrever, dos quais cerca de dois terços são mulheres. Além disso, 60% da evasão escolar é de garotas, pois muitas vezes têm de deixar a escola ainda bem jovens para ajudar no serviço de casa ou trabalhar. E também há freqüentes restrições culturais que evitam que as garotas concluam até a educação básica, limitando bastante suas possibilidades de determinar o próprio futuro. Os índices mais baixos de alfabetismo podem ser encontrados no Sul e no Oeste da Ásia, na África Subsaariana e nos países árabes. Ainda que eles tenham aumentando nos últimos tempos, os níveis comparativamente baixos refletem as dificuldades enfrentadas pelas mulheres nessas regiões. Infelizmente, a educação básica nem sempre se traduz em melhores oportunidades de emprego. Essa é a razão pela qual é importante que as mulheres continuem a obter conhecimento e habilidades além das que são adquiridas na juventude. Um causa fundamental para a discrepância entre homens e mulheres em relação a boas oportunidades de trabalho pode bem ser a falta de oportunidades de aprendizado continuado para muitas mulheres.
Mulheres na agricultura
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BOX 3
s trabalhadoras do setor agrícola são responsáveis por metade da produção mundial de alimentos. Elas são as principais produtoras das safras de gênero de primeira necessidade, como arroz, milho e trigo, que representam de 60% a 80% do alimento consumido na maioria dos países em desenvolvimento. É quase sempre as mulheres que são as responsáveis por garantir que as crianças tenham comida suficiente. Elas são primordiais nas tarefas agrícolas diárias, as incentivadoras de atividades que geram renda agrícola e não-agrícola e as guardiãs das fontes produtivas e naturais. Apesar de sua importância, as trabalhadoras agrícolas continuam a ser um grupo marginalizado. Quais os problemas específicos que elas têm de enfrentar? - As agricultoras geralmente não têm instrução, poder de decisão nem direitos trabalhistas. - As mulheres freqüentemente têm mais dificuldades do que os homens em conseguir boas terras, crédito, treinamento e acesso aos mercados. - Elas enfrentam mais dificuldades em conseguir os equipamentos para a produção de alimentos em larga escala. - As agricultoras nos países em desenvolvimento também enfrentam grandes desafios com o avanço da Aids. Cerca de 95% das pessoas com HIV estão nos países em desenvolvimento. A maioria é de pobres nas zonas rurais, com as mulheres ultrapassando os homens. - Guerras, êxodo de homens para empregos com salário maiores e uma crescente taxa de mortalidade por causa do Aids têm levado a um aumento das mulheres como chefes de casa, especialmente nas zonas rurais do mundo em desenvolvimento. Isso deixas as mulheres ainda com mais obrigações. - Um número crescente de mulheres trabalha informalmente no setor agrícola, em grande parte como vendedoras de ruas em mercados de comida locais. - Muitas mulheres possuem um segundo emprego para sobreviver. São geralmente empregos em indústrias fora do campo, incluindo serviços que podem ser feitos em casa, mas ganham por peça produzida, que geram um ganho adicional muito pequeno.
José Maria Tomazela/AE
4. Condições de trabalho das mulheres Não há um único indicador definido para avaliar as condições de um trabalho bom e produtivo. Porém algumas conclusões podem ser obtidas ao se analisar três indicadores: empregos por setor, status do emprego (ver box 3) e salários/vencimentos. 4.1 Setores do emprego Pela primeira vez, em 2005, a agricultura não foi mais o principal setor de emprego para mulheres. E essa tendência continuou em 2006. O setor de serviços agora fornece o maioria dos empregos femininos. Do total de mulheres empregadas em 2006, 40,4% trabalhavam na agricultura e 42,4% nos serviços. Enquanto isso, 17,2% das mulheres trabalhando estavam na indústria. (Os mesmos índices para os homens eram 37,5% na agricultura, 38,4% nos serviços e 24% na indústria). As mulheres têm uma participação maior nos empregos agrícolas do que os homens no Leste da Ásia, no Sul da Ásia, na África Subsaariana e no Oriente Médio e no Norte da África. Nas outras regiões, são geralmente os países mais pobres que mostram uma fatia maior dos empregos femininos na agricultura. Em todas as regiões, a participação das mulheres nos empregos nas indústrias é menor do que a dos homens. A diferença é particularmente notada nas economias desenvolvidas e na UE, onde apenas 12,4% das trabalhadoras estão nesse setor, comparadas com 33,6% dos homens empregados. Dentro das regiões em desenvolvimento, as diferenças são consideráveis na Europa Central e na do Leste (que não fazem parte da UE) e a CEI, bem como no Oriente Médio e Norte da África e, numa extensão menor, na América Latina e África Subsaariana. Nas regiões asiáticas, as divisões são mais equilibradas entre homens e mulheres. O setor de serviços ultrapassou a agricultura no trabalho para mulheres em quatro das oito regiões: economias desenvolvidas e UE, Europa Central e a do Leste (que não fazem parte da UE) e a CEI, América Latina e Caribe e Oriente Médio e Norte da África. Por outro lado, no Leste e no Sul da Ásia e na África Subsaariana, a agricultura é de longe o setor mais importante para o trabalho das mulheres. Dentro dos serviços, as mulheres ainda estão concentradas nas áreas tradicionalmente associadas ao papéis relacionados ao gênero, em particular nos serviços públicos, sociais e pessoais. Os homens predominam nos empregos
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mais bem pagos dos serviços financeiros, empresariais e imobiliários. A segregação por sexo nas ocupações está mudando, mas o avanço é lento. Os estereótipos de empregos femininos, como babás/enfermeiras e empregadas domésticas, ainda são reforçados. Eles podem ser perpetuados para a próxima geração se as oportunidades de trabalho feminino, que são restritas e inferiores, continuarem a levar poucos investimentos na educação, capacitação e experiências das mulheres. É notável que essas tendências permaneçam mesmo quando as mulheres migram. No país anfitrião, elas ocupam os mesmos tipos de emprego que tinham em sua terra natal e freqüentemente enfrentam os mesmos modelos de discriminação. 4.2 Status da atividade econômica das mulheres Apesar de ter havido um avanço rumo à divisão das responsabilidades familiares em alguns países economicamente desenvolvidos, elas ainda são muito atribuídas às mulheres. Quando as mulheres trabalham, é comum que encontrem soluções para equilibrar a educação dos filhos com o emprego. Provavelmente isso é um desafio maior para mulheres assalariadas mais do que para as autônomas e menos ainda para as que trabalham ajudando a família e que não recebem (mas ainda são consideradas com emprego, de acordo com a definição padrão de emprego). Ao mesmo tempo, a independência econômica, ou pelo menos a co-participação na distribuição de renda dentro da família, é maior entre as mulheres que recebem salários, menor quando são autônomas e menor ainda quando trabalham para a família. A mudança de ser uma trabalhadora familiar sem pagamento ou de ser uma autônoma com baixa renda para um emprego com salários é um grande passo rumo à liberdade e autodeterminação para muitas mulheres, mesmo que nem sempre isso acarrete conseguir um bom emprego imediatamente. A importância desse passo para se conseguir a igualdade entre os sexos é reconhecida pelos Objetivo 3 da ONU para o Desenvolvimento do Milênio, “Promover a igualdade entre os sexos e fortalecer as mulheres”. Um dos indicadores para medir o progresso é a participação das mulheres em empregos assalariados em setores não-agrícolas. Esse indicador foi desenvolvido pela OIT e mostra claramente que quanto mais os países ou regiões forem pobres, menor é a participação.
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A segregação por sexo nas ocupações está mudando, mas o avanço é lento. Os estereótipos de empregos femininos, como babás/enfermeiras e empregadas domésticas ainda são reforçados.
Quando se avalia os avanços das mulheres no mundo do trabalho, as tendências sobre o status do emprego ajudam a fornecer mais informações detalhadas. Pela primeira vez, a OIT divulgou análises a nível regional sobre o status dos empregos de homens e mulheres, registrando mudanças no decorrer dos anos. Elas mostram que a proporção de mulheres assalariadas aumentou nos últimos dez anos. Em 2006, 47,9% das mulheres que trabalhavam estavam em empregos com salário, frente os 42,9% de dez anos antes. A proporção de autônomas cresceu de 22,4% em 1996 para 25,7% em 2006, e a de mulheres que trabalham para a família sem receber caiu de 33,2% para 25,1% no mesmo período. Porém, nas regiões mais pobres do mundo, a proporção de mulheres que trabalham para a família sem receber no total de empregadas ainda é muito maior do que a dos homens, com elas tendo menos probabilidades de serem assalariadas. Na África Subsaariana, bem como no Sudeste Asiático, quatro entre dez trabalhadoras são classificadas como colaboradoras da família, enquanto que entre os homens a relação é de dois para dez. No Sul da Ásia, seis em dez trabalhadoras são consideradas colaboradoras, mas entre os homens só dois entre dez têm esse status. No Oriente Médio e no Norte da África, a proporção é três em dez mulheres e um entre dez homens.
Quando as mulheres trabalham, é comum que encontrem soluções para equilibrar a educação dos filhos com o emprego. Reprodução
Masao Goto Filho/e-SIM
Ainda que a flexibilidade que têm quando são autônomas permita às mulheres combinarem o trabalho e as obrigações familiares, a proporção delas no total dos empregos femininos é menor do que a proporção dos homens em todas as regiões. Mas em duas das áreas mais pobres do mundo, mais mulheres trabalham como autônomas do que como assalariadas. Na África Subsaariana, em dez trabalhadoras quatro são autônomas e apenas duas são assalariadas. No Sul da Ásia, duas em dez são autônomas em 1,5 em dez pertence ao grupo de assalariadas. Em todas as outras regiões, mais mulheres trabalham como assalariadas do que como autônomas. Um resultado esperado do desenvolvimento econômico para as pessoas poderia ser elas passaram de trabalhadores que ajudam a família sem receber e de autônomos para empregados assalariados. Teoricamente, as mulheres deveriam aproveitar essa tendência tanto quanto os homens. Uma olhada em uma das regiões que se desenvolvem mais rapidamente – o Leste da Ásia, mostra que as mulheres estão aproveitando, com a proporção de mulheres trabalhando como colaboradoras de família caindo 18 pontos percentuais, de 38,8% em 1996 a 20,9% em 2006. Aos mesmo tempo, a participação no emprego assalariado cresceu 9,5 pontos percentuais e a fatia das autônomas aumentou 8,7 pontos percentuais. Em paralelo, houve uma queda substancial na proporção de mulheres empregadas na agricultura e um aumento no percentual nos empregos industriais e de serviços. Os homens seguiram o mesmo modelo, mas o aumento dos empregos assalariados foi menor, como também foi o de autônomos. Enquanto o status por si só não necessariamente lança luz sobre a qualidade dos empregos, colaboradores familiares e autônomos têm menos probabilidades de trabalhar em boas condições. Pesquisas comparando dados sobre os trabalhadores pobres e o status dos empregos mostraram uma correlação muito forte entre o número total de pessoas considerada como colaboradores familiares e autônomos e o número de trabalhadores pobres com menos de US$ 2 por dia. Quanto mais pobre era a região, mais era essa correlação. Isso ressalta as condições de trabalho inadequadas desses grupos de status nos países pobres. Em resumo, o status das mulheres no mundo do trabalho melhorou, mas os ganhos tem sido poucos. Enquanto elas diminuíram um pouco as diferenças de status com os homens,
o ritmo lento das mudanças significa que as disparidades continuam significantes. 4.3 A contínua diferença salarial
O status das mulheres no mundo do trabalho melhorou, mas os ganhos têm sido poucos.
No último Tendências Globais de Empregos para Mulheres, em 2004, argumentou-se que os dados inadequados sobre os salários de homens e mulheres dificultava chegar-se a conclusões sobre desigualdades. Não era fácil fazer comparações entre países e regiões, porque os indicadores de salários tendiam a ser baseados em critérios específicos do país que nem sempre eram comparáveis. Por exemplo, havia diferenças referentes sobre a definição de taxa salarial, métodos de paga-
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As mulheres têm mais dificuldades não apenas em participar nos mercados de trabalho, mas também em encontrar empregos bons e produtivos. Elas ainda têm menos probabilidade de ser assalariadas.
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mento, unidades de tempo (por hora, por semana), fontes de dados e métodos de coleta. Infelizmente, essa situação não mudou. Apesar de tudo, as poucas evidências que existem mostram que as diferenças salarias persistem. Uma análise dos dados disponíveis para seis grupos de profissões revela que na maioria das economias as mulheres ainda ganham 90% ou menos do que seus colegas recebem. Até em profissões “tipicamente femininas”, como enfermagem e magistério, não há igualdade salarial entre os sexos. Historicamente, havia uma isonomia salarial maior nas economias planejadas da Europa Central e do Leste e da CEI do que nas economias industrializadas ou em desenvolvimento. Isso permaneceu nos último anos. Por exemplo, os salários das contadoras, programadoras de computadores, professoras e enfermeiras nas economias em transição eram até maiores do que os dos homens nessas profissões nos últimos anos com dados disponíveis. Será interessante ver se essa tendência continua ou se reflete o fato de que umas poucas mulheres conseguiram administrar com êxito o processo de transição, mas após a aposentadoria delas, a diferença salarial reflete as tendências das economias industrializadas. A Comissão Européia recentemente publicou conclusões mostrando que a diferença salarial entre homens e mulheres permaneceu praticamente sem mudanças em 15% em todos os setores nos últimos anos. O fraco desempenho dos salários femininos tem sido atribuído ao lento crescimento econômico na UE e, em particular, à deterioração das condições de trabalho do mercado de trabalho nos novos países membros. Além disso, até em muitos países europeus, as mulheres ainda são desproporcionalmente empregadas em setores nos quais os salários são mais baixos e têm caído. Por exemplo, no Reino Unido, 60% das trabalhadoras estão em dez profissões, com a maioria concentrada em enfermagem, comércio, alimentação, faxina e serviço de escritório. Muitos desses empregos estão em pequenas empresas não formalizadas, onde as mulheres têm menos poder de negociação e menos possibilidades de melhorar sua situação econômica em comparação a seus colegas. Corley (2005, op. cit.) descobriu que a desigualdade salarial é encontrada até em profissões de grandes habilidades, mesmo que os candidatos em áreas como programação de computadores e contabilidade tenham formação e capacitação supostamente iguais. Até nessas profissões, a média do salário feminino ain-
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da é apenas 88% do masculino. Foi demonstrado que os países com uma diferença de salário entre os sexos relativamente maior em profissões que exigem pouca habilidade também tinham uma alta diferença nas profissões com muito habilidade. Não obstante, na maioria dos países a diferença salarial era maior nos profissões de pouca competência do que nas de grandes habilidades. Além disso, em um número de países a diferenças revelou-se estar aumentando. Essa pesquisa foi baseada principalmente em dados dos países industrializados. Um estudo de Oostendorp focaliza o impacto da globalização nos salários sob uma perspectiva dos sexos. Usando o banco de dados de outubro da OIT, ele descobriu que as profissões com pouca habilidade, nas quais as mulheres estão geralmente mais presentes, a globalização ajudou a melhorar os salários em comparação aos de seus colegas. Ao mesmo tempo, como há diferenças de sexo significativas no capital humanos nas profissões mais especializadas nos países em desenvolvimento, a crescente demanda por tais habilidades por causa da globalização favorece desproporcionalmente os trabalhadores homens, levando a um aumento das diferenças salariais nessa categoria de trabalhadores. Em resumo, as diferenças salariais entre os sexos ainda existem em todas as profissões e não há uma tendência clara de que elas estejam diminuindo. 5. Conclusões As descobertas do Tendências Globais de Empregos para Mulheres deste ano são apenas parcialmente animadoras. A hipótese de que, durante o processo de desenvolvimento econômico, as mulheres encontram cada vez mais empregos modernos, assalariados e de período integral não se sustenta, pelo menos não em todas as regiões. O aumento da participação na força de trabalho até agora não tem sido acompanhado por melhorias na qualidade do emprego e as condições de trabalho das mulheres não estão levaram a verdadeiros fortalecimentos econômicos e sociais, especialmente nas regiões mais pobres do mundo. As mulheres têm mais dificuldades não apenas em participar nos mercados de trabalho, mas também em encontrar empregos bons e produtivos. Elas ainda têm menos probabilidade de ser assalariadas. Além disso, a participação de mulheres que trabalham como colaboradoras de famílias ultrapassa a dos homens em todas as regiões do mundo. Em eco-
nomias com grande setor agrícola, as mulheres trabalham com mais freqüência nesse setor do que os homens. A porção feminina nos empregos no setor de serviços também é maior do que a masculina. Adicionalmente, elas têm mais chances de ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho, mesmo em profissões tradicionalmente femininas. Todas essas conclusões apontam para uma vulnerabilidade maior das mulheres no mundo do trabalho. Portanto é muito provável que as mulheres sejam afetadas desproporcionalmente pela pobreza no trabalho – trabalham, mas não ganham o suficiente para sair e tirar suas famílias da linha de pobreza de menos de US$ 1 por dia. Os resultados são consistentes com as avaliações feitas pelo último Tendências Globais de Empregos para Mulheres (2004) de que as mulheres representam pelo menos 60% dos trabalhadores pobres do mun-
do. Não há nenhuma razão para acreditar que essa situação mudou consideravelmente. Criar empregos produtivos, bons e adequados para as mulheres é possível, como foi demonstrado por alguns dos avanços já detalhados. Mas os governantes não apenas precisam pôr o emprego no centro das políticas econômicas e sociais, mas também têm de reconhecer que os desafios enfrentados pelas mulheres no mundo do trabalho exigem intervenções projetadas para necessidades específicas. Devem ser dadas às mulheres a possibilidade de trabalharem para tirar da pobreza elas mesmas e suas famílias com a criação de oportunidades de bons empregos que as ajudem a conseguir trabalho renumerado e produtivo em condições de liberdade, segurança e dignidade humana. Caso contrário, o processo de feminização da pobreza vai continuar e será transferido à próxima geração.
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Paulo Pampolin/Digna Imagem 17/05/05
Oportunidades ainda são menores
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o Brasil, um estudo recente divulgado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), entitulado "As Mulheres e o Salário Mínimo nos Mercados de Trabalho Metropolitanos", revela um quadro muito parecido com o estudo realizado pela Organização Mundial do Trabalho. O Dieese afirma que a situação das trabalhadoras brasileiras apresentou um pequeno avanço, mas elas continuam recebendo salários menores do que os homens e enfrentam uma nítida desigualdade de oportunidades ocupacionais. O estudo se baseou nos dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) divulgado mensalmente pela entidade e abrangeu o Distrito Federal e mais cinco regiões metropolitanas (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador).
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Entre 1999 e 2006, as mulheres das regiões pesquisadas pelo sistema PED continuaram a se destacar pela intensa entrada no mercado de trabalho, chegando a representar quase a metade da PEA (População Economicamente Ativa) metropolitana (46,7%). No total, a força de trabalho feminina contabilizou, no último ano, 8,878 milhões de mulheres. Embora tenham presença cada vez mais expressiva no mundo produtivo e venham se deparando com uma conjuntura mais favorável à geração de empregos, as trabalhadoras ainda enfrentam uma nítida desigualdade de oportunidades ocupacionais em relação aos homens: o desemprego continua sendo maior para o segmento feminino e seus rendimentos não superam o patamar de 81,8% dos ganhos masculinos. Neste estudo, viu-se que as mulheres concentram-se em ocupações fundamentais para a organização social que, no entanto, são pouco valorizadas e têm seu padrão de remuneração regulado pelo poder estatal. Tal situação fez com que as mulheres fossem relativamente mais beneficiadas com a política de valorização do salário mínimo, o que, por sua vez, explica a melhor sustentação das remunerações femininas diante do ajuste de renda empreendido no âmbito do mercado de trabalho nos últimos anos. Entre as mulheres que recebem as menores remunerações, destaca-se a escassez de alternativas, denunciadas pelo perfil etário mais elevado, pelas grandes responsabilidades familiares enfrentadas pelas chefes e cônjuges que contribuem com o orçamento doméstico e pelo estigma da baixa escolarização. Nos primeiros anos desta década, acompanhando a queda das taxas de desemprego, os rendimentos recebidos pela população metropolitana ocupada tiveram trajetória declinante, independentemente do sexo. Este movimento, no entanto, diferente do ocorrido em relação ao desemprego, foi mais ameno para as mulheres. Essa situação fez com que a histórica diferença nas remunerações do trabalho de homens e mulheres fosse diminuída. Assim, a proporção dos rendimentos reais auferidos por hora pelas mulheres alcançou, em 2006, o melhor desempenho em Porto Alegre (81,7%) e em Recife (81,8%). No Distrito Federal, onde foram registrados os mais elevados patamares das remunerações do trabalho entre as áreas pesquisadas, este percentual ficou limitado a apenas 75,4% (Tabela 1). De modo geral, sabe-se que a simultaneidade entre a melhora das condições de emprego e queda nos rendimentos dos trabalhadores em curso no mercado de trabalho metropolitano nacional está relacionada, de algum modo, ao uso de estratégias empresariais que associam queda dos custos laborais à rotatividade da força de trabalho. A melhor sustentação dos rendimentos femininos neste cenário, entretanto, necessita de outras hipóteses explicativas. Entre estas, por sua vez, ganha cada vez mais espaço a análise da política de valorização do salário mínimo nacional, remuneração visivelmente mais freqüente entre as mulheres. Salário mínimo Em 2006, o número de trabalhadoras que receberam remunerações equivalentes até um salário mínimo somava 2,208 milhões de mulheres, correspondendo a 31,0% das ocupadas no
mercado de trabalho metropolitano. Este percentual, contudo, deve ser interpretado com cautela, pois encobre a disparidade no padrão distributivo dos rendimentos do trabalho entre as regiões estudadas. Enquanto que, em Porto Alegre, 20,9% das ocupadas alcançavam ganhos que se limitavam ao salário mínimo, na região metropolitana de Recife, esta era a situação de mais da metade das mulheres (53,9%). Proporção igualmente elevada foi identificada em Salvador, 49,2%. São também acentuadamente distintas as proporções de homens e mulheres que vivem do salário mínimo. Ainda que, também para eles, haja grande diferenciação regional, a proporção de homens remunerados em níveis mínimos se limitava a 34,9% em Recife e 9,2% em Porto Alegre (Gráfico 1). É comum afirmar-se que as trabalhadoras recebem menos do que os ho-
mens porque se inserem profissionalmente em ocupações de menor qualificação, produtividade e prestígio social. Estas reflexões são verdadeiras, porém permanecerão incompletas se a elas não se agregar a evidência de que os chamados guetos ocupacionais femininos resultam de uma construção cultural, que designa o lugar das mulheres no mundo produtivo. A inserção setorial das mulheres remete à dinâmica ocupacional do segmento dos serviços, no qual se encontram os subsetores de saúde e educação, além dos serviços pessoais, e, principalmente, do emprego doméstico. Embora fundamentais para a organização social e, portanto, garantidores dos processos de transformação produtiva e de circulação da riqueza, os segmentos que mais absorvem força de trabalho feminina são os mais desvalorizados no mercado de trabalho e os que tendem a propiciar remunerações mínimas reguladas pelo poder estatal.
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Ângela Oliveira de Jesus 31 anos I Casada I 2 filhos I Ensino médio completo I Desempregada há quatro meses I Cargo que procura: auxiliar de produção
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Fotos: Masao Goto Filho/e-SIM
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A via-crúcis do Ângela se prepara para sair de casa em busca de emprego. Despedese do filho Douglas, caminha até o ponto de ônibus. São duas conduções até a primeira tentativa do dia: uma fábrica de cintos de segurança. É preciso pegar mais dois ônibus para chegar a Santo Amaro para um nova tentativa...
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ngela Oliveira de Jesus, 31 anos, casada, dois filhos, faz parte do contingente de mulheres que nos últimos anos ingressou no mercado de trabalho. Desempregada há quatro meses, atualmente ela repete a mesma rotina: acorda cedo e elege uma região da cidade para entregar currículos. Desconfiada da eficácia das agências de emprego, prefere ir pessoalmente até as firmas onde gostaria de trabalhar. Com ensino médio completo, a única experiência que ela tem é como vendedora, profissão que quer deixar de lado "por trabalhar muito, especialmente no final de semana, e depender de comissões".
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São 6h30 de uma quarta-feira de agosto. Ângela se prepara para sair. Toma banho e coloca a roupa, separada na noite anterior. Depois de passar um creme de pentear, ela prende os cabelos crespos em um rabo de cavalo, toma seu café da manhã, que se resume a um copo de leite com chocolate, despede-se de Douglas, o caçula de dez anos, e sai em direção ao ponto de ônibus com a pasta, onde leva sua esperança em formato de folhas A4 com seu perfil profissional, pelas quais pagou 2 reais a digitação na papelaria e mais 20 centavos por cópia. Do bairro Nakamura, no Jardim que leva seu nome, toma um ônibus em direção ao Largo do Socorro. Cerca de 45 minutos depois, faz uma baldeação para a Avenida Robert Kennedy, destino da primeira tentativa de emprego do dia: uma fábrica de cintos de segurança. Pelo interfone é orientada a colo-
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EMPREGO Por Patrícia Büll
car uma das dez folhas que leva na pasta verde através da abertura do vidro com insulfilme, que, de tão escuro, a impede de ver se do outro lado há um homem ou uma mulher. Mais dois ônibus e chega em Santo Amaro para uma nova tentativa. A caixinha de correio da fábrica de embalagens de metal recebe mais um de seus currículos. Dali, Ângela resolve andar um pouco em busca de outras empresas. Encontra uma, de alimentos, e deixa seu perfil nas mãos do segurança. Nova caminhada, mais um ônibus e volta para o bairro do Socorro, onde o marido, cobrador de ônibus, disse haver muitas firmas. Lá, nas proximidades do Shopping Fiesta, decide caminhar sem rumo, na tentativa de encontrar o lugar onde finalmente será contratada. Acredita que a sorte está a seu lado: diversas metalúrgicas alinham-se uma após a
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outra. Mas em três delas, sequer consegue ser atendida. A resposta: "não estamos ajustando". Ela agradece com um sorriso tímido. Em outras, tem um pouco mais de sorte e consegue entregar a folha impressa com o resumo de sua experiência profissional: três lojas onde foi registrada, um curso inacabado de informática e sua ambição atual: trabalhar na produção. Após quatro horas andando e com três currículos que sobraram, a mãe de Cristian e Douglas decide que já é hora de voltar para casa. São cinqüenta minutos no ônibus e outros dez de caminhada para chegar à sua inacabada construção no Nakamura e sentar por alguns segundos em frente à TV, ao lado do caçula, que faltou à aula porque se machucou nas obras da casa. Tira o casaco de lã, lava as mãos e se dirige ao fogão para aquecer a refeição que deixou pronta no dia anterior. Depois, vai cuidar da pequena casa, que um dia terá as divisórias de dois quartos, sala e cozinha. Vai lavar e passar as roupas. Amanhã será outro dia e, quem sabe, com Ângela finalmente empregada.
... Ângela caminha sem rumo na região do bairro do Socorro, que concentra muitas fábricas. Diversas metalúrgicas alinham-se uma após a outra. Ela deixa seu currículo em algumas delas. Após quatro horas andando, ela decide voltar para casa, o que demora mais uma hora. Senta-se no sofá ao lado do filho, descansa um pouco e dirige-se para o fogão para esquentar a refeição, que deixou pronta na noite anterior.
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Paulo Liebert/AE
Profissionais já aposentados disputam emprego com aqueles que já estão no mercado.
APOCALIPSE TRABALHISTA Por Fernando Porto
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posentados trabalhando quando deveriam estar usufruindo de seu merecido descanso. Crianças e adolescentes no mercado de trabalho ilegalmente e sem tempo ou oportunidade para o estudo. Trabalhadores adultos com jornadas acima de 44 horas semanais. Esse é o Brasil do século 21, marcado pelo desemprego em massa, mesmo com uma economia estável e sem grandes sustos de instabilidade. Um país que necessita urgentemente de reformas econômica e política caso não queira agravar seu quadro social nos próximos anos. A análise e a previsão é de um dos nomes mais respeitados da atualidade no estudo do trabalho: o economista Marcio Pochmann, que assumiu a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Seu histórico ligado ao governo petista – foi secretário de Desenvolvimento da prefei-
Celso Junior/AE
Futuro incerto: crianças e adolescentes trabalham ao invés de estudar.
tura paulistana na gestão de Marta Suplicy – não impede que suas teses sejam respeitadas por outros partidos políticos e que também seja assediado por empresários e economistas para palestras sobre o futuro do trabalho no País. E qual seria esse futuro, na ótica de Pochmann? No mínimo sombrio, incerto. Na sua ótica, se não houver uma reforma tributária e outra política consistentes, o País continuará com índices de crescimento econômicos pífios. Consequentemente, emprego de carteira assinada e estudo serão privilégios de menos brasileiros ainda. Como um profeta do apocalipse trabalhista, o economista prega a urgência de investimentos em áreas de infra-estrutura, como a construção civil – que pode gerar milhares de novos empregos. Ele também lamenta o grande contingente de doutores que se formam a cada ano e que estão fadados ao ensino pelo
resto da vida, diante da falta de investimentos em pesquisa tecnológica, ou migrando para outros países. "Nove em cada dez doutores – dos 10 mil que formamos anualmente – estão ensinando e não atuando. Hoje, exporta-se mão-de-obra qualificada, com 2,5 milhões fora do País. É um paradoxo", explica o economista, antes de setenciar: "Estamos construindo um país pior que o de hoje." Cultura das horas extras Fazendo um comparativo histórico de 100 anos de trabalho no País, Pochmann observa que, diante dos avanços tecnológicos, mudou-se o conceito de produtividade. "Os ganhos não são mais físicos, mas sim financeiros. Portanto, não há razão para se trabalhar hoje mais que quatro horas diárias." Ele enfatiza também que, assim como a expectati-
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va de vida no século 21 é de 70 anos – enquanto em 1907 o homem vivia em média 34 anos – não há justificativa para se entrar no mercado de trabalho antes dos 25 anos. Para ele, é inconcebível que se trabalhe muito mais hoje no Brasil do que no início do século 20. "O trabalho hoje é insustentável em termos de natureza humana – 16 a 17 horas por dia. O homem do século 19 tinha, pelo menos, o controle sobre o trabalho, porque sua produção agrícola era para garantir apenas sua sobrevivência." A preocupação de Pochmann é também com os menores de idade, que são obrigados a largar os estudos para trabalhar e ajudar a família a obter mais renda. "Temos 4,5 milhões de jovens com menos de 16 anos de idade trabalhando, mesmo sendo algo ilegal." Segundo o economista, esse problema também contribui para que se ocupe postos de trabalho de adultos. "Temos hoje muitas pessoas que deveriam estar no mercado de trabalho e outras que não deveriam estar. Um terço dos aposentados e pensionistas, por exemplo, estão nesse mercado de trabalho. Ora, aposentadoria e pensão é uma conquista para justamente tirar essas pessoas do mercado de trabalho! Se eles se aposentam e precisam continuar trabalhando é porque alguma coisa está errada", enfatiza. Outro fator que contribui para comprometer ainda mais a escassa oferta de trabalho é a chamada "cultura de horas extras" do trabalhador brasileiro. "Temos 32 milhões de pessoas com jornada de trabalho acima de 44 horas semanais. Pelos meus cálculos, essas jornadas extras equivalem a 4,5 milhões de empregos que não são gerados", explica. O presidente do Ipea conclui que há uma má divisão do tempo de trabalho. "Tem alguns que trabalham muito, jornadas em torno de 70 a 80 horas por semana. E outros com jornada zero, desempregados. É preciso uma regulação pública que dê um controle adequado para essa discrepância", salienta o economista. Desemprego vs Crescimento Pochmann acha que houve avanços sociais a partir da Constituição de 1988, mas adverte que o País está atualmente longe do modelo idealizado, principalmente por causa dos baixos índices de crescimento econômico, que geram desemprego em massa. "O País está hoje com quase 19 milhões de desempregados – que representam cerca de 20% da População Economicamente Ativa (PEA)." Para ele, a
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questão se torna mais ampla ao se constatar que os ocupados brasileiros representam em torno de 3,5% da PEA mundial. "Logo, representamos quase 6% do desemprego do mundo", calcula o presidente do Ipea. Para o economista, algumas questões precisam ser consideradas para se entender o atual período recessivo. Em primeiro lugar, o País não registra crescimento econômico significativo há mais de um quarto de século. "Até 1980, havia um crescimento de 6% a 7% por ano. Nos últimos seis anos, passamos a conviver com um crescimento anual medíocre, abaixo de 3%. E, sem esse crescimento, não tem milagre, porque ainda somos um país em construção", lamenta o economista. "São apagões simultâneos, tudo é resultado da ausência de investimentos." Sem educação, sem trabalho Prosseguindo com seu raciocínio sobre escassez de empregos, Pochmann toca fundo na ferida mais profunda do País: a precariedade da educação. Para poucas vagas de mercado, estão sendo formados profissionais mal preparados ou até mesmo sem estudos. Em relação à falta de escolas para a população jovem, o economista cita o exemplo do Chile, onde 85% de seus adolescentes de 15 a 17 anos estudam no ensino médio, enquanto o Brasil apenas um terço dessa faixa etária está em salas de aula. "E sem escolas, não há retorno futuro. Para seguirmos o exemplo chileno, precisaríamos incorporar 5 milhões de jovens – que representam 50 mil salas de aula e 500 mil professores a mais. Não existe orçamento para isso e, portanto, não haverá essa inclusão no mercado", pondera o presidente do Ipea. Para o jovem indeciso sobre seu estudo para uma carreira, Pochmann aconselha, em primeiro lugar, que ele lute por uma educação para a vida, utilitarista, e não pensar necessariamente no mercado de trabalho atual, em processo de mutação. "Não adianta se preparar para uma situação que hoje está relativamente favorável e amanhã muda de sentido. É fundamental que o jovem considere a educação como um elemento-chave de sua cidadania, uma opção de vida", filosofa o economista. "Em segundo lugar, o jovem deve compreender que os problemas que estamos vivendo hoje, no caso do desemprego ou da falta de oportunidades, não são de ordem individual. Temos de olhar nossos problemas presentes como uma decorrência de decisões to-
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O País está hoje com quase 19 milhões de desempregados – que juntos representam cerca de 20% da População Economicamente Ativa (PEA). A questão se torna mais ampla se colocada no âmbito internacional: representamos quase 6% do desemprego no mundo.
madas no passado que, de certa maneira, não são de responsabilidade do próprio desempregado", acrescenta. Para ter uma idéia da dimensão do problema da preparação desses jovens candidatos ao mercado de trabalho, ele lembra que se trata da quinta maior juventude do mundo, com 35 milhões de brasileiros na faixa etária de 15 a 24 anos de idade. "Somente a metade desses jovens, 17,5 milhões, estudam. E destes, quase dois terços estão atrasados no ensino. E toda vez que a gente perde alguém na escola é muito mais difícil de recuperar", afirma o economista, ao lembrar também que 6 milhões de jovens brasileiros não estudam e nem trabalham. "Quem estiver concluindo o ensino médio, ingressando na universidade, deve reconhecer isso como um privilégio." Na questão de estágio dos que estudam, ele cita também a ausência de condições adequadas para se poder trabalhar e estudar. "Falar de estágio é algo a se considerar nesse País. Basta constatar que um jovem que trabalha oito horas por dia, deve cumprir mais quatro horas de freqüência escolar, além de duas a três horas de deslocamento diário. Estamos falando de um jovem submetido a 16 horas de atividade por dia, o que é
muito difícil de se obter um bom resultado nessas condições", lamenta. Sem crescimento econômico Pochmann disse que um passo fundamental foi a reforma social, a partir da Constituição de 88, que propôs uma série de avanços. "Se o Brasil tivesse crescido uma média de 5 a 6% dos anos 80 aos dias de hoje, poderíamos ter a mesma carga tributária dos anos 80, de 22% do PIB, e não 35%, 36% atuais. E o recurso manipulado pelo governo seria três vezes maior do que é hoje. Evidentemente daria para sustentar a Previdência e um plano social muito mais avantajado do que temos hoje", diz. Seguindo esse raciocínio, o economista conclui que tal situação sonhada manteria pensões justas aos aposentados e, consequentemente, um mercado de trabalho com mais empregos, além de jornadas menores e mais justas para quem realmente necessitasse trabalhar. Reestatização? Apesar de sua análise global, apartidária, Pochmann deixa escapar alguns vestígios ideológicos, ao atacar as políticas "neo-libe-
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rais" dos governos passados que, segundo ele, ajudaram a enfraquecer a força de trabalho no País, principalmente a partir do processo de privatização, que ocasionou "a perda de 500 mil empregos nas estatais". Para o professor da Unicamp, há hoje um déficit de mão-de-obra no setor público, que necessita ser reposto, mesmo após a constatação de inoperância ou incompetência de alguns gestores, como no recente caso da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Sobre esse caso específico, das trapalhadas do setor aéreo, ele diz ser "fundamental ter gente com capacidade técnica, se queremos fazer uma sociedade com um mínimo de planejamento." E acrescenta: "Precisamos realmente ter uma valorização do ponto de vista do setor público. Não tenho dúvida que é necessário recuperar a capacidade de intervenção do Estado. E isso passa necessariamente por pessoas que tenham condições, com preparação para o setor público." O economista nega que defenda uma reestatização pura e simples, como pregam algumas teses mais retrógradas de socialismo . E rechaça o execrável "cabidão" de empregos. "Quando ocorrem esses problemas (Anac), fica a visão de que o governo está inchado, com muitos funcionários públicos – o que não é verdade. Em 1980, o Brasil tinha 12% do total de ocupados como funcionários públicos. Em 2005, eles representam menos de 8% da população ocupada. O País perdeu 2,5 milhões de funcionários públicos nos últimos 25 anos", defende Pochmann. O presidente do Ipea acrescenta que, nos Estados Unidos, quase 18% dos empregos são do setor público, e que esse número chega a 25% nos países europeus. "Até nos países escandinavos, exemplos de democracia social e competição econômica, 40% dos ocupados são funcionários públicos", completa. Pochmann acredita que o problema do funcionalismo público não é o perigo do inchaço da máquina estatal, mas sim a falta de gente capacitada para fazer o processo de licitação. "O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que é importantíssimo para organizar a convergência de investimentos, tem grande dificuldade de comprometer o recurso por causa do processo licitatório. Essa é uma realidade que está plugada à baixa capacitação e à reduzida quantidade de funcionários para operar. É nosso desafio atual pois nunca, como hoje, a capacidade de planejamento foi tão fundamental em respeito à reorganização do País", analisa.
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Desafios a serem enfrentados
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m uma entrevista exclusiva para a revista Digesto Econômico, o economista Marcio Pochmann fala sobre como o Brasil deve enfrentar o desemprego, o futuro do trabalho, investimento em qualificação e flexibilização do trabalho. Acompanhe.
O Brasil tem melhores condições de enfrentar o desemprego
Exporta-se mão-de-obra qualificada, com 2,5 milhões fora do País. (...) Estamos construindo um país pior que o de hoje.
Digesto Econômico - Como o senhor vê o futuro do mercado de trabalho no Brasil nos próximos anos? Marcio Pochmann: O mercado de trabalho é algo determinado pela forma como o Brasil se coloca na divisão internacional de trabalho. Somos um país em construção, falta muita coisa aqui. Temos, do ponto de vista técnico, melhores condições de enfrentar as mazelas do desemprego do que os países desenvolvidos – porque são países que já têm tudo praticamente. Imagine um plano habitacional de grandes proporções. Segundo os especialistas, temos um déficit de sete milhões de moradias. Logo, um programa habitacional abriria muitos empregos, principalmente para pessoas de baixa escolaridade. DE - Então há esperança de um futuro melhor? MP - Por ser um país em construção, o Brasil tem melhores condições de enfrentar o problema do desemprego. Agora, isso é uma possibilidade técnica, não necessariamente política. Essa possibilidade política precisa ser construída em nome de uma convergência diferente da que temos hoje. DE - O senhor mostra uma visão semelhante a do ativista norte-americano Jeremy Rifkin, que alertou, em sua obra O Fim dos Empregos, para um caminho inverso ao que o mundo tecnológico proporcionaria ao trabalhador moderno. Ao invés da lógica de redução de jornadas de trabalho e mais tempo de lazer para as pessoas, os empregos de fábrica estão acabando sem uma
contrapartida benéfica, como a ocupação no terceiro setor. Trabalhadores do mundo inteiro não conseguem controlar seu tempo e trabalham bem mais. Afinal o que deu errado na lógica tecnológica de um futuro melhor para todos? MP - Não acredito que estejamos condenados ao determinismo tecnológico. Inclusive nos países desenvolvidos, o desemprego é importante, mas não vem crescendo como o próprio Rifkin vem chamando atenção, sobre um desemprego estrutural, com mais pessoas desempregadas. Percebe-se hoje que o desemprego é um fenômeno dos países pobres. O Brasil tem mais desempregados que os Estados Unidos – um país mais populoso do que o nosso. Eu pergunto: onde está hoje o desemprego no mundo? Nos países pobres, América Latina, África e parte da Ásia. A Europa tem desemprego, mas a taxa atual não é maior do que foi nos anos 80, nos anos 90. DE - O senhor cita que temos um grande número de doutores no País, mas a maior parte está em salas de aula e não em projetos de desenvolvimento. Essa é uma das áreas subestimadas? A tecnologia ajudou o desenvolvimento da Índia, da China... MP - Sim, e também da Coréia, da Irlanda... A tecnologia dá uma oportunidade de se dar um salto de qualidade. Acho que esse é o caminho para o Brasil. Ou seja, o Brasil tem escolhas, como outros países. Tem oportunidades.
rização do ponto de vista do setor público. DE - O trabalhador assalariado, de carteira assinada, está fadado a deixar de existir? MP - O PJ (trabalhador como pessoa jurídica) representa ainda muito pouco para o índice total de ocupação. Pode ser um sentido de onde vão evoluir as relações de trabalho. Por essa razão, particularmente defendo uma reforma trabalhista inclusiva, que vislumbre todas as formas de ocupação que temos hoje. Não é justificativa que somente os assalariados tenham a CLT, como proteção que garanta férias, 13º salário. Por que os 37% dos ocupados hoje, que não são assalariados, não têm praticamente nada? Deve haver um ponto de vista mais amplo, uma vez que para as empresas é fundamental que haja uma regulação pública. DE - Por que? MP- Quandonãotemosisso,porexemplona questão do álcool, há condições isonômicas não competitivas. Uma empresa que contrata alguém com trabalho assalariado, está submetida a um determinado custo, que uma outra empresa que venha a funcionar porventura só com estagiários não têm. Então isso gera uma competição desigual, a regulação pública é necessária para isso. Assim, a competição será em função da inovação, da reorganização do trabalho, com relação aos fornecedores.
DE - Qual o grau de importância da corrupção nesses desvios de focos e de escolhas certas? MP - A corrupção é questão de ordem estrutural. Ela se tornou mais visível justamente pela transparência que a democracia opera. Em um governo autoritário, a corrupção existe, mas não a conhecemos do ponto de vista público. Não me parece ser esse o elemento que constrange as melhores opções que poderiam ser feitas.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia (IE) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Foi eleito recentemente presidente do Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
DE - Está faltando então foco de investimento no setor produtivo, na qualificação, nos segmentos que deveriam ser incentivados? No próprio governo, o senhor diz que falta investimento para criar oportunidades à mão-de-obra qualificada. MP - Certamente. Uma parte importante do orçamento é executado hoje por Estados e municípios. Com a Constituição de 88, tentamos uma descentralização do gasto com saúde e assistência social. Começamos a olhar os municípios brasileiros e ver quais têm capacidade de gestão. Precisamos realmente ter uma valoPaulo Pampolin/Digna Imagem
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J. Freitas/Agência Senado
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ogo após o encerramento da Segunda Guerra Mundial, em 1945, além de medidas destinadas à recuperação de regiões devastadas pelo conflito, como a criação do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD e do Fundo Monetário Internacional – FMI, cuidaram os países aliados de eliminar o que restara da doutrina nazi-fascista. As assembléias anuais da OIT, tradicionalmente convocadas para se reunirem em Genebra, haviam sido temporariamente transferidas para os Estados Unidos da América. Em junho de 1948, no decorrer da 30ª reunião realizada em São Francisco, atendendo à solicitação formulada pela Organização das Nações Unidas – ONU, a OIT aprovou a Convenção nº 87 sobre a liberdade sindical e proteção do direito de sindicalização, destinada a impedir o domínio exclusivo de associações sindicais de trabalhadores e empregadores por regimes ditatoriais, pelo crime organizado, pela corrupção e partidos políticos. O núcleo da Convenção nº 87 localiza-se nos artigos 2 e 3, os quais determinam, respectiva-
Exceção feita ao PT, que criou a CUT como braço sindical, os partidos políticos não se ocupam, salvo esporádica e superficialmente, dos problemas atinentes às relações de trabalho.
Ichiro Guerra/Folha Imagem
Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
mente, que "Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que julguem convenientes, assim como o de se filiarem a essas organizações, sob a única condição de respeitarem os respectivos estatutos", e que "As organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de redigir seus estatutos e regulamentos administrativos, o de eleger livremente os representantes, o de organizar sua administração e suas atividades, e de formular seu programa de ação. As autoridades públicas deverão abster-se de toda intervenção que procure limitar este direito ou impedir seus exercício legal". O primeiro país a ratificar a Convenção foi o Reino Unido, em junho de 1949. Seguiram-se Noruega e Suécia, no mesmo ano; Finlândia, Holanda, México, Islândia, Áustria, em 1950; Paquistão, Dinamarca, França, Bélgica, Guatemala e Cuba, em 1951. A Itália em 1958. Portugal e Espanha, depois de redemocratizados, em 1977. Atualmente, 147 dos 180 países filiados à Organização aderiram à Convenção 87. Os últimos a adotarem essa salutar providência foram Armênia, em 2 de janeiro de 2006, El Salvador, em 6 de setembro, e Vanuatu, ilha de 12.189 km², com 186 mil habitantes, localizada na Polinésia, em 28 de agosto do mesmo ano. Entre os poucos países que não a adotam, quatro têm destaque mundial: Estados Unidos da América, China, Índia e Brasil. O caso norteamericano explica-se pelo fato de a União não interferir na prerrogativa assegurada aos Estados, pela Constituição de 1787, de aprovarem legislações próprias. A liberdade sindical é, contudo, preservada, e as relações individuais de trabalho são disciplinadas em contratos coletivos periodicamente renovados. As situações chinesa e indiana são atípicas, pois permaneceram séculos à margem do desenvolvimento, presos ao passado e vítimas de regimes totalitários e somente há pouco descobriram a rota do crescimento econômico. Participando da minoria, lembro, além dos quatro mencionados, Guiné-Bissau, Quênia, Afeganistão, Qatar, República Islâmica do Irã e Venezuela. A posição do Brasil na OIT é injustificável e vexatória. Passaram-se 58 anos desde a remessa, pelo presidente Gaspar Dutra, da Mensagem 256, de 1949, em que solicitava ao Congresso Nacional a autorização para ratificar a Convenção nº 87, e até agora o Poder Legislativo não se decidiu. Como disse o senador Eduardo Dutra, no parecer que ofereceu à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, na sessão do dia 11 de dezembro de 2002, o Congresso permanece "dividido entre o cons-
trangimento de rejeitá-la por inconstitucionalidade, cedendo a pressões de entidades constituídas sob a égide do modelo corporativista, e as cobranças internas e externas pela adoção de uma das diretrizes fundamentais da Organização Internacional do Trabalho". Não há como desconhecer que a estrutura sindical conserva traços característicos e inconfundíveis do corporativismo-fascista, que os redatores da Carta Constitucional de 1937 e os autores da Consolidação das Leis do Trabalho foram buscar na desaparecida Carta del Lavoro da Itália de Mussolini. Representação exclusiva de categoria profissional ou econômica e pagamentos obrigatórios de associados e não associados, são privilégios incompatíveis com o Estado democrático de direito, que tem, como pressupostos essenciais, a autonomia de organização e liberdade de associação civil, sindical, partidária e religiosa. Os adversários da Convenção nº 87 acusamna de estimular a pluralidade sindical. Não é verdade. Pluralidade ou pulverização é o que hoje temos, conforme demonstram dados do Ministério do Trabalho e Emprego. A Convenção assegura autonomia de organização aos trabalhadores e empregadores perante o Estado. A eles caberá decidir se possuirão entidades diversas, à semelhança das centrais sindicais, ou se optarão por número mínimo de sindicatos legítimos e representativos, como acontece, por exemplo, na Alemanha, onde são ao todo onze. A Convenção garante, também, que não serão impostas contribuições compulsórias. As entidades passarão a depender de pagamentos voluntários, e representarão os associados, com o desaparecimento da artificial divisão em categorias profissionais e econômicas pré-estabelecidas, compartimentadas e estanques. Exceção feita ao PT, que criou a CUT como braço sindical, os partidos políticos não se ocupam, salvo esporádica e superficialmente, dos problemas atinentes às relações de trabalho. Após conquistar o poder, o PT esqueceu-se dos compromissos de campanha, abandonou a promessa da criação de 10 milhões de empregos e partiu para medidas assistencialistas, que tentam esconder a miséria. Em meio a partidos à procura de programas de ação e de perfil doutrinário, aquele que souber apresentar, com objetividade e clareza, proposta de reforma sindical, fundada na ratificação da Convenção 87, e de modernização das leis trabalhistas baseada no respeito aos contratos individuais e coletivos, certamente terá chance de angariar o apoio da população e ser bem-sucedido nas eleições de 2010.
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Metamorfose Masao Goto Filho/e-SIM
Por Fernando Porto
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chamado Novo Sindicalismo no Brasil está com seus dias contados? À primeira vista, uma análise do atual cenário mundial comprova que sim. Pelo menos em seu formato tradicional, da massa assalariada em grandes corporações, liderada por sindicatos influentes e de grande adesão. Essa fase sindicalista, que teve seu auge nas décadas de 70 e 80, está em queda vertiginosa desde o final do século 20 até início deste século, como aponta o estudo mais recente do economista e professor da Unicamp e do Instituto de Economia (IE), Marcio Pochmann. A pesquisa foi encomendada pelo Sindeepres (Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros) e baseada a partir do cruzamento de dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Pochmann avaliou a trajetória de longo prazo da sindicalização no Brasil, durante os 100 anos da institucionalização das relações trabalhistas (da década de 1900 a 2000). A pesquisa não mostra apenas a retração da taxa de sindicalização brasileira de 17,8% entre 1992 e 2002 – a maior entre 12 países analisados –, mas revela também a emergente transmutação do perfil sindicalista para um novo modelo híbrido, no qual impera o associativismo do inevitável trabalho terceirizado, assim como outras formas de contratação – cooperativas e autônomos etc. Em uma visão mais sintetizada, o emprego terceirizado tende a ganhar maior espaço no total de empregos formais. No outro extremo, os sindicatos de empregados de carteira assinada se esvaziaram de filiações diante da queda no nível das ocupações e remunerações. "Nesse contexto desfavorável à atuação sindical, percebe-se que a recuperação da sindicalização, a partir de 1999, já não mais parece ocorrer na base tradicional do novo sindicalismo", analisa Pochmann. Ele lembra que o novo sindicalismo se iniciou no Brasil na década de 50, mas teve seu auge entre os anos 70 e 80, em pleno regime militar. "Até o final dos anos 80, somente três países tiveram efervescência sindical, porque foi um movimento tardio: a África do Sul com Nelson Mandela, o Brasil, com Lula, e a Polônia, com Lech Walesa. No final dos anos 80, houve um esgotamento do processo por causa da privatização, com o comprometimento de 500 mil empregos, além de fortes políticas anti-sindicais", avalia. Outra constatação importante é que um declínio maior do sindicalismo brasileiro do século 21 foi evitado por haver maior filiação de mulheres e de trabalhadores ocupados em atividades rurais. "No caso das mulheres, a sindicalização pode estar associada ao maior crescimento do emprego feminino, especialmente nas atividades terciárias. Em relação ao campo, talvez tenha importância redobrada a política de apoio à agricultura familiar", acredita o economista.
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Se em âmbito nacional não há expansão do sindicalismo, o regionalismo é ainda dominado pelo Estado de São Paulo que, entre 1993 e 2006, teve a quantidade de trabalhadores sindicalizados multiplicada por 9,6 vezes. Ressalva-se que a baixa histórica na taxa de sindicalização do emprego formal não significou inexistência de recuperação na última década. Entre 1999 e 2005, constatou-se uma elevação de 14% no número de brasileiros empregados sindicalizados – 4,2 milhões a mais de filiados para um contingente de 13,7 milhões de pessoas ocupadas. É um alento, mas longe do ideal, já que os 17,8% na taxa, entre 1992 e 2002, colocaram o País em último lugar entre os 12 países pesquisados, abaixo de Japão (-14,6%) e Coréia do Sul (9,6%). No sentido inverso, Cingapura foi o país que registrou a maior elevação na taxa de sindicalização (77%), seguida de China (29,8%) e Turquia (20,8%) e Noruega (13,8%).
do sindicalismo nacional Estudo mostra que, mesmo com a recuperação da sindicalização nos últimos anos, o setor no Brasil está bem abaixo do auge do novo sindicalismo da década de 70.
Enquanto a sindicalização do trabalho na indústria caiu 11,6% de 1999 a 2004, o setor terciário apresentou um salto, principalmente no setor de comércio e reparação (69,8%).
Perfil em transformação O economista lembra que a taxa atual de sindicalização (18,4%) não chega a dois terços do final da década de 80, período de prosperidade econômica. Entre as oscilações, o sindicalismo vai mudando seu perfil a cada ano. Pochmann acredita que não foram apenas as mudanças na economia mundial que impactaram no movimento, mas também as políticas recessivas dos últimos governos. "Ademais desses eventos desfavoráveis à ação sindical, transcorreu também a implementação de políticas governamentais anti-labor sobre o novo sindicalismo." Mais especificamente no cenário nacional, o economista atribui essa mudança ao avanço da privatização do setor produtivo estatal e da terceirização no interior do setor público, principalmente no período de 1992 e 2002 – fatores que, segundo ele, terminaram por abalar uma das bases da sindicalização dos ocu-
pados no País". Já no setor privado, exemplifica, a estabilidade no emprego dos envolvidos em ações sindicais passou a ser ameaçada diante do enxugamento da grande empresa e da expansão dos micro e pequenos negócios. Aliado a esses fatores, cresceu o movimento de internacionalização de parcela significativa das atividades produtivas – estatais e privadas. Serviços em evolução Enquanto a sindicalização do trabalho na indústria entrou em declínio (11,6% de decréscimo entre 1999 e 2004), o setor terciário apresentou um salto significativo, principalmente no setor de comércio e reparação (69,8%), na administração pública (1,6%), entre outros. "Apesar da boa participação do setor de serviços sindicalizado, com quase 70% dos postos de trabalho, está ainda aquém de outros países, como os Estados Unidos,
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onde o terciário chega a 85% dos sindicalizados", ressalva. Para Pochmann, vários fatores contribuíram para o quadro de declínio da sindicalização nas grandes metrópoles: o forte crescimento do desemprego, as novas formas de gestão da mão-de-obra pelas empresas, o deslocamento geográfico de empresas, a perda de importância relativa no emprego da indústria e o avanço da terceirização. Apesar disso, as entidades sindicais voltaram a recuperar parcialmente a taxa de sindicalização a partir do começo da década de
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2000. Entre 1999 e 2005, por exemplo, a taxa geral no Brasil cresceu 14,3%. "Isso permite considerar, entre outros aspectos já mencionados, que a força dos associados não mais se sustenta no que outrora se fundamentou como sendo novo sindicalismo", observa. Força no campo Enquanto a sindicalização dos trabalhadores urbanos se recuperou timidamente em 2005 (3,1% maior que em 1999), o sin-
dicalismo rural ganhou espaço – especificamente no segmento agrícola – com a proporção de um sindicalizado para cada quatro postos ocupados. A taxa de sincalização no campo saltou de 13,9% em 1995 para 24,7% em 2005. Terceirizados e sindicalizados O estudo focou também a relação dos trabalhadores terceirizados de São Paulo com os sindicatos. No período entre 1993 e 2006, houve redução no número de empregados terceirizados – de 155 mil para 148,5 mil. Entretanto, Pochmann observa
que, nos últimos três anos, cerca de 27 mil trabalhadores se sindicalizam anualmente no Sindeepres e, no ano passado, a entidade constatou que um em cada três trabalhadores terceirizados era sindicalizado. No País, os terceirizados sindicalizados representam 19% do total, enquanto o Estado de São Paulo é responsável por quase 32% desse segmento. "O terceirizado tem permitido constituir as bases de uma nova fase de atuação no sindicalismo brasileiro", explica Pochmann. "Mas falta estabilidade nesse setor, porque a taxa de rotatividade fica acima de 80%. De cada dez trabalhadores, oito mudam de emprego", conclui.
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Simplificando as re 1. AS IMPERFEIÇÕES DO MERCADO DE TRABALHO
Renata Jubran/AE
H Hélio Zylberstajn Economista e professor da Faculdade de Economia e Administração da USP
á basicamente duas visões opostas sobre o mercado de trabalho. Uma delas, defendida por muitos empresários, argumenta que o mercado deveria ser "livre" e desregulado. Para seus defensores mais extremados, não deveria haver legislação trabalhista nem sindicatos. Os salários deveriam ser determinados diretamente pelo jogo da oferta e da demanda de trabalho. Decorre desta visão a idéia da "flexibilização" das regras trabalhis-
tas e, mais recentemente, a proposta da prevalência do negociado sobre o legislado. Decorre também desta visão a idéia de que excessos de regulamentação no mercado de trabalho inibem a criação de empregos. A outra visão defende uma posição exatamente oposta: deve sim haver muita proteção ao trabalhador na forma de direitos garantidos em lei e também na forma de fortalecimento dos sindicatos. Para seus defensores, sem intervenção, o mercado de trabalho é favorável à demanda (ou seja, às empresas). O trabalhador precisa ser protegido da exploração inerente ao jogo do mercado. Nesta visão, o emprego depende muito mais do nível de
Este artigo faz parte do estudo "Simplificando o Brasil: Propostas de Reforma na Relação Econômica do Governo com o Setor Privado" patrocinado pela Fecomércio
lações trabalhistas atividade econômica do que do custo do trabalho. Sendo assim, a regulação do mercado de trabalho não tem maiores implicações sobre o nível de emprego. Talvez seja uma forma simplista de colocar o debate, mas, em linhas gerais, estes são os dois argumentos extremos. E é dentro deste debate que se insere a discussão da Reforma Trabalhista no Brasil. Neste trabalho é defendida uma idéia eqüidistante das duas posições extremas. O argumento é simples: o mercado de trabalho precisa de regulação, porque não é perfeito. Mas, a regulação deve ser inteligente e criativa, para que o mercado possa funcionar e sinalizar corretamente para os agentes econômicos. Quando se diz que o mercado de trabalho não é perfeito, remete-se à existência de pelo menos quatro imperfeições em qualquer
mercado de trabalho, que são: (a) assimetrias de informação; (b) tendência à competição predatória da mão-de-obra; (c) insuficiência de representação coletiva dos interesses dos trabalhadores; e (d) tributação. As três primeiras surgem do próprio funcionamento do mercado, enquanto a quarta, a tributação, decorre da intervenção governamental ao tributar o trabalho. Nos itens seguintes mostra-se a manifestação concreta dessas imperfeições e indica-se como o Brasil tem tentado corrigi-las. 1.1 ASSIMETRIAS INFORMACIONAIS Um dos pressupostos para o funcionamento de qualquer mercado é a "livre informação", ou seja, os agentes que participam do mercado precisam ter acesso completo à
O mercado de trabalho precisa de regulação, porque não é perfeito. Mas, a regulação deve ser inteligente e criativa.
informação sobre os preços e as condições das trocas, a custo zero. Este pressuposto é necessário para garantir que as decisões dos agentes econômicos sejam tomadas com conhecimento completo das condições do mercado e conduzam cada agente a maximizar seus benefícios. Trata-se de um pressuposto muito forte, que evidentemente não ocorre em nenhum mercado. O fato de o pressuposto da informação completa não se verificar implica que os mercados operam aquém do seu ponto ótimo. No caso do mercado de trabalho, nem os trabalhadores conhecem todas as ofertas de vagas, nem as empresas conhecem todos os candidatos a emprego. Para reduzir essa deficiência, os governos criam serviços de emprego, que têm a finalidade de facilitar os processos de busca de emprego e de procura de candidatos. Mas a assimetria informacional não se limita à fase anterior à contratação. Pelo contrário, continua mesmo depois que a empresa já contratou o novo empregado. Quando o empregado começa a trabalhar na empresa, esta ainda desconhece seu verdadeiro potencial, ou para ficar na linguagem econômica, a empresa não conhece a verdadeira produtividade do trabalhador. E este vai resistir e dificultar que a empresa conheça sua verdadeira produtividade, para não ser exigido no seu limite de esforço. A empresa precisa de algum tempo para conhecer seu novo colaborador. Por sua vez, o novo empregado não conhece a empresa onde está começando a trabalhar e também precisa de algum tempo para saber se vai se adaptar ao novo ambiente. Para mitigar essa deficiência informacional, os sistemas de regulação prevêem o assim chamado período de experiência, durante o qual algumas normas e exigências são relaxadas. Por exemplo, tanto a empresa quanto o trabalhador podem desfazer o vínculo sem incorrer em custos de rescisão: no Brasil, o contrato de experiência pode se estender por até 90 dias. A assimetria informacional prossegue mesmo depois do período de experiência. Quando o vínculo de emprego se torna permanente, persiste uma incerteza: o trabalhador nunca sabe se ou quando vai ser demitido. A empresa também não sabe se o trabalhador vai deixar o emprego e trocar de empregador. Evidentemente, em geral essa nova assimetria é muito mais ameaçadora para o trabalhador do que para a empresa. Por essa razão, os sistemas de regulação tendem a restringir o poder da empresa na demissão, ou então tendem a impor custos para a demissão. A regulação da demis-
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Em muitos países, as empresas não podem demitir, a não ser que justifiquem a demissão. Curiosamente, o Brasil é um país extremamente liberal na regulação da demissão. As empresas brasileiras são livres para demitir, mesmo sem justa causa.
são é talvez a questão mais delicada da regulação do mercado de trabalho. Se as restrições forem muito severas, podem afetar até a decisão de investir. Se não houver nenhuma restrição à demissão, o mercado de trabalho pode se tornar muito conflituoso. Nos dois casos, o nível de atividade e a produtividade são negativamente afetados. Em muitos países, as empresas não podem demitir, a não ser que justifiquem a demissão. Curiosamente, o Brasil é um país extremamente liberal na regulação da demissão. As empresas brasileiras são livres para demitir, mesmo sem uma justa causa. A demissão sem justa causa implica, porém, em dois tipos de indenização: (a) o aviso prévio de 30 dias, e (b) a multa do FGTS. O aviso prévio pode ser cumprido, mas as empresas brasileiras preferem indenizar o funcionário, ou seja, preferem pagar um salário e antecipar a demissão em um mês. A multa do FGTS corresponde a 50% do valor acumulado dos depósitos feitos na conta do empregado durante a existência do respectivo vínculo de emprego. A cada mês, a empresa deposita o equivalente a 8,5% do salário na conta vinculada do empregado no FGTS. Ao demiti-lo, vai pagar uma multa equivalente 4,25% de cada salário pago ao mesmo empregado. Essa multa é, portanto, proporcional ao valor do salário e à duração do vínculo. Quanto maior o salário e quanto mais antigo o vínculo, tanto maior o valor da multa. Cada ano de vínculo implica em uma multa de 51% do salário na demissão (desconsiderando os depósitos referentes ao décimo terceiro salário). Se a iniciativa da demissão for do empregado, não há multa para a empresa. Se a demissão ocorrer durante o período de experiência, a empresa não precisa dar o aviso prévio nem pagar a multa do FGTS. Muitos empresários se queixam do custo da demissão no Brasil. Eles gostariam de continuar a ter a liberdade de demitir e de não ter que pagar as duas indenizações. Afinal, a demissão é cara ou é barata no Brasil? Como este aspecto é polêmico, vale a pena analisá-lo com mais detalhe. Para examinar a questão, imagine-se uma empresa que contrata um empregado por um salário igual a 100 e o demite depois de cinco anos. A indenização total será a soma de um salário de aviso prévio e 2,55 salários referentes à multa do FGTS. No total, a empresa terá que desembolsar 3,55 salários para demitir. Se esta empresa tivesse contratado cinco empregados sucessivamente e cada
um deles tivesse permanecido no emprego durante um ano, ela teria que desembolsar 1,51 salários em cada demissão, totalizando 7,55 salários. Se contratasse sucessivamente 10 empregados e cada um permanecesse seis meses no emprego, teria que fazer dez demissões ao custo de 1,255 salários cada vez, totalizando 12,55 salários. O exemplo hipotético mostra que a legislação brasileira penaliza as empresas que demitem com freqüência. Curiosamente, se fosse possível para a empresa reter seus empregados apenas durante 90 dias, as 20 sucessivas demissões não custariam nada, pois estariam ocorrendo ao final dos respectivos períodos de experiência. Este exemplo hipotético está representado na tabela 1. Diversas são as mensagens desse exemplo hipotético. Primeiro, a legislação brasileira produz incentivos na direção desejada, pois aumenta o custo da demissão para empresas que demitem com freqüência. Admitindo-se que as grandes empresas retêm seus empregados por mais tempo e as menores por menos tempo, a conclusão é que o custo das demissões é maior nas pequenas empresas. Provavelmente os empresários que mais se queixam do custo da demissão são os pequenos. É isso mesmo que o mercado de trabalho precisa? Há algumas empresas que precisam que seus empregados fiquem muito tempo, porque o aprendizado das funções assim exige. Para estas empresas, a legislação produz um incentivo, pois quanto mais tempo o empregado ficar, menor o custo relativo do aviso prévio. Em outras empresas, o aprendizado é rápido, e nestes casos, a permanência da mãode-obra não é uma necessidade importante. Elas podem reter a mão-de-obra e podem não reter, sem que isso signifique alguma vantagem ou desvantagem no seu mercado. Para estas empresas, a legislação também está produzindo incentivos na direção correta, pois as incentiva a reter para reduzir os custos das
demissões. Mas existem alguns casos em que a duração do vínculo é curta e isso independe da vontade das empresas, pois é uma característica da própria atividade. Exemplos típicos são: agricultura e construção civil. A legislação brasileira não leva em conta as diferenças entre atividades e impõe a mesma regra para todas as empresas. Esse defeito precisaria ser corrigido. Quando um trabalhador é demitido, pode ficar desempregado. O desemprego afeta não apenas o indivíduo privadamente, mas também é um custo social. Desempregados não produzem e deixam de contribuir para a sociedade. Por essa razão são impostos custos e restrições para empresas que demitem. Além disso, o Estado procura proteger o desempregado, amenizando os efeitos do desemprego. Isso é feito por meio de apoio à procura de novo emprego, de programas de reciclagem e treinamento profissional e principalmente por meio de programas de manutenção da renda, o chamado Seguro-Desemprego. Na ótica do Seguro-Desemprego, o evento desemprego é um risco e precisa ser "segurado". Uma vez desempregado, o trabalhador recebe uma renda durante certo número de meses. A renda assegurada guarda alguma proporção com o salário do trabalhador quando estava empregado. O custo do "sinistro" depende de duas coisas: do salário do trabalhador e da probabilidade de ficar desempregado. O "prêmio de seguro" é uma proporção da folha de pagamento da empresa. Empresas com taxas pequenas de rotatividade pagam "prêmios" menores; empresas com taxas grandes pagam "prêmios" maiores. Esta é a lógica do Seguro-Desemprego em todo o mundo. No Brasil, porém, a lógica não é seguida: o Seguro-Desemprego no Brasil é financiado por um imposto, o PISPASEP, que até recentemente incidia sobre o faturamento. Hoje incide sobre o valor adicionado nas empresas industriais, mas con-
O desemprego afeta não apenas o indivíduo privadamente, mas também é um custo social. Desempregados não produzem e deixam de contribuir para a sociedade.
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tinua incidindo sobre o faturamento nas empresas prestadoras de serviços. Portanto, o Brasil é um caso raro em que o Seguro-Desemprego é financiado por um tributo que não tem nada a ver com o risco que o seguro cobre. Empresas que demitem com freqüência pagam a mesma taxa de empresas que raramente demitem. Enfim, a questão da demissão é delicada e sua regulação deve ser feita com muito cuidado. Haveria muito a aperfeiçoar nesta área no Brasil.
equilíbrio do mercado, torna-se inócuo, pois as empresas já pagam mais. Quando fixado em níveis acima do ponto de equilíbrio, produz desemprego. No Brasil estamos numa situação muito curiosa. De um lado, a legislação trabalhista é extensa, detalhada e generosa. De outro lado, o Salário Mínimo é muito pequeno. Para completar, o alcance da regulação do mercado de trabalho é muito pequeno, pois nada menos que 60% dos trabalhadores estão no chamado mercado informal. Há muito a aperfeiçoar nesta área da regulação.
1.2 TENDÊNCIA À COMPETIÇÃO PREDATÓRIA
1.3 INSUFICIÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO COLETIVA DOS TRABALHADORES
Para reduzir custos, as empresas tendem a depreciar os preços dos insumos e dos fatores de produção, quando os respectivos mercados permitem. Quando a empresa tem mais poder econômico do que seu fornecedor de insumos ou de fatores, tentará impor preços e condições vantajosos para ela, em detrimento dos interesses do seu fornecedor. Isso é particularmente verdadeiro para o fator trabalho. O trabalhador individual tem menos poder que a empresa e é por essa razão que algumas normas regulando as condições de trabalho são necessárias. Exemplos das normas mais comuns são: legislação sobre a segurança e a saúde nos locais de trabalho; limitações para a jornada de trabalho e imposição de adicionais para horas extraordinárias e para regimes de trabalho contínuo e/ou noturno; limitações e/ou proibição de trabalho infantil e juvenil; proteção especial ao trabalho da mulher etc. Na ausência dessa legislação, a competição criaria condições de trabalho degradantes. O mercado criaria o que os economistas chamam de "externalidades negativas". As empresas operariam com custos reduzidos, transferindo para a sociedade os custos criados com a exploração excessiva da força de trabalho. Um fenômeno semelhante ocorre com as questões ambientais: se não houver regulação, as empresas destruiriam e/ou poluiriam o meio ambiente. A regulação ambiental, assim como a regulação trabalhista, tenta privatizar os custos da atividade econômica. Assim como a regulação é necessária e socialmente desejável para evitar a tendência à competição predatória, é também inegável que é muito difícil calibrar com exatidão até onde deve ir uma regulação. O exemplo mais claro para este ponto é o do Salário Mínimo. Quando fixado em níveis abaixo do ponto de
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Além de direitos individuais básicos, a legislação costuma oferecer outro recurso para a proteção dos trabalhadores: a representação coletiva expressa no direito de organizar sindicatos e de negociar coletivamente com as empresas. Nos países onde é reconhecida e protegida, a representação coletiva de interesses produz dois tipos de resultados. Um deles é a regulação por meio da negociação coletiva. Este resultado é muito interessante, pois tende a produzir regras mais flexíveis que a legislação. Ninguém melhor que trabalhadores e empresas para construir soluções para seus próprios problemas. Uma lei nunca pode descer aos detalhes da realidade de cada local de trabalho e de cada tipo de situação. O outro resultado interessante é que a representação coletiva, quando reconhecida no próprio local de trabalho, produz mecanismos autônomos e negociados de administração de conflitos e solução de impasses. O formato desses mecanismos varia de país para país e varia até mesmo segundo o tipo de atividade. O importante é que a representação coletiva coloca a empresa e os seus trabalhadores em contacto permanente, e essa relação contínua acaba produzindo uma ética na atitude recíproca. Os problemas são encarados com responsabilidade e reconhecimento de parte a parte e a qualidade da relação de trabalho se aprimora. No Brasil, infelizmente, ainda não se atingiu este estágio. A legislação sindical brasileira, extremamente atrasada, cristalizou interesses das burocracias sem representatividade, extremamente dependentes da continuidade do atual modelo. Os sindicatos são únicos nas suas respectivas bases territoriais. Recebem receitas compulsoriamente recolhidas do conjunto de trabalhadores, cujos inte-
resses supostamente deveriam representar. O resultado é um incentivo à criação de sindicatos, mas não à representação coletiva dos interesses. A atual tentativa do governo de produzir uma proposta de reforma sindical mostra como será difícil desalojar os interesses das burocracias sindicais e substituí-las por organizações mais legítimas. Mas é preciso avançar nesta área, porque a negociação coletiva pode ser uma fonte muito interessante de regulação do mercado de trabalho. Para isso, porém, é preciso que os interesses sejam representados legitimamente e os sindicatos atuais são incapazes dessa tarefa. A legítima representação coletiva dos interesses dos trabalhadores e dos empregadores é desejável e necessária. Pode contribuir para aprimorar as instituições do mercado de trabalho, desde que os sindicatos sejam realmente representativos. Para tanto, é preciso que seja apoiada pela regulamentação. A representação coletiva é uma espécie de bem público. Quando uma empresa negocia um aumento salarial com um sindicato, não pode aplicar o aumento apenas para
os empregados que são filiados ao sindicato. Para manter a coesão interna, o aumento obtido pelo sindicato precisa ser estendido a todos os empregados, mesmo para os que não são filiados. Se os que não são filiados conseguissem o benefício da representação coletiva sem ter que pagar por isso, haveria um incentivo ao "caronismo". É uma situação muito parecida com os bens públicos produzidos pelo Estado, como a segurança pública e a justiça. Se os cidadãos não forem compelidos a pagar os impostos, tentarão pegar "carona" e se beneficiar sem pagar. Por essa razão, a idéia de compelir os trabalhadores a contribuírem para os sindicatos é defensável, desde que a maioria dos trabalhadores queira ser representada por sindicatos. Essa manifestação de vontade coletiva deveria ser garantida e até incentivada pela regulação. A obrigatoriedade de pagar pelos serviços prestados pelos sindicatos seria conseqüência dessa manifestação. A representação coletiva dos interesses dos trabalhadores deveria ter os seguintes elementos: (a) liberdade de manifestação da vontade
A legítima representação coletiva dos interesses dos trabalhadores e dos empregadores é desejável e necessária.
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O Brasil tributa excessivamente o trabalho. De cada R$ 100 de custo do trabalho para a empresa, o trabalhador leva para casa apenas R$ 65,30. O resto vai para o governo, na forma de diversos impostos e principalmente de contribuições.
para os trabalhadores poderem se manifestar se desejam ou não ter um sindicato; (b) garantia do direito de ser representado e de negociar coletivamente; (c) garantia do direito de algum tipo de representação no local de trabalho. Estes três pontos parecem simples e até banais, mas para transformá-los em lei, o Brasil precisaria alterar sua Constituição e revogar muitos dispositivos legais. O processo político necessário para promover estas mudanças não é uma manobra trivial. Feitas as mudanças aqui sugeridas, o país poderia finalmente ratificar a Convenção 87 da OIT. O Brasil é um dos poucos países do mundo que não ratificou esta que é considerada por muitos como a mais importante das Convenções da OIT. Um subproduto dessa mudança seria a emergência de sistemas de solução de conflitos dentro das empresas e/ou de conjuntos de empresas, que tornariam a Justiça do Trabalho simplesmente desnecessária. A corte trabalhista poderia ser incorporada à Justiça Comum, aumentando a capacidade da sociedade de solucionar seus conflitos. Os conflitos trabalhistas teriam mecanismos próprios e avançados para serem tratados e a Justiça Comum poderia aumentar sua capacidade praticamente sem custo adicional. 1.4 TRIBUTAÇÃO O Brasil tributa excessivamente o trabalho. De cada R$ 100 de custo do trabalho para a empresa, o trabalhador leva para casa apenas R$ 65,30. O resto vai para o governo, na forma de diversos impostos e principalmente de contribuições. A tributação sobre a folha de salários representa um adicional no custo do trabalho
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de 53%. Nestes cálculos não está incluído o Imposto sobre a Renda, que incide a partir de R$ 1.058. Também não estão incluídos outros encargos compulsórios, como Vale Transporte, e benefícios não compulsórios, como cesta básica e seguro saúde. Se é verdade que os salários no Brasil são baixos, não é menos verdade que a existência de tantos encargos sobre a folha comprime para baixo os salários nominais. Segundo, é preciso reconhecer que não é apenas a tributação que causa a informalidade. Entre 1992 e 2003, a carga tributária no Brasil aumentou de 23% para 36% do PIB. Se a informalidade no mercado de trabalho fosse causada exclusivamente pela tributação, deveria ter havido um aumento apreciável na proporção de empregos informais. No entanto, neste período, a estrutura do emprego – vista segundo a posição na ocupação – permaneceu praticamente a mesma. Considerando-se como empregos formais apenas os que são ocupados por assalariados com carteira assinada e por funcionários públicos, conclui-se que o número de trabalhadores informais aumentou em termos absolutos, mas o tamanho do setor informal como proporção do mercado total de trabalho permaneceu o mesmo. Isso significa que a tributação não é suficiente para explicar a informalidade. Deve haver outras causas associadas a este fenômeno perverso e estas causas também precisam ser atacadas. Acesso à tecnologia, tamanho da operação, e principalmente dificuldades institucionais e burocráticas devem ter uma relação muito direta e importante com a informalidade. Provavelmente não basta simplificar a regulação e reduzir impostos so-
bre o trabalho e o capital: é preciso simplificar as exigências legais sobre as empresas para reduzir a informalidade do trabalho. 2. PROPOSTAS PARA A REFORMA TRABALHISTA Do que foi exposto, talvez o mais importante seja a idéia de que desregular completamente o mercado de trabalho seria um engano. Não há nenhum país ocidental onde o mercado de trabalho seja desregulado, simplesmente porque ele é imperfeito e precisa de alguma intervenção para ser corrigido. Há três fontes de regulação: a lei, a negociação e a auto-regulação (quando a própria empresa estabelece algumas regras). No Brasil, a regulação pela lei é exagerada e a negociação coletiva é pouco explorada. A direção da reforma trabalhista deve ser, portanto, a de reduzir a legislação e aumentar o espaço da negociação. A legislação teria que ser não apenas reduzida, mas precisaria ter como objetivo criar os incentivos nas direções mais desejáveis. A seguir está apresentada a lista de sugestões para compor uma reforma trabalhista: (a) Eliminar todos os impostos e contribuições sobre a folha de salário, deixando apenas o Imposto sobre a Renda com uma única alíquota sobre todos os rendimentos. (b) Manter o FGTS transformando-o em Seguro-Desemprego e Fundo de Aposentadoria capitalizado. O FGTS seria estendido para os funcionários públicos e constituiria uma pou-
pança individual de cada trabalhador. Haveria apenas duas situações em que o trabalhador poderia sacar: desemprego e aposentadoria. No desemprego, o trabalhador poderia sacar até seis parcelas mensais, cada uma limitada a 5/6 da RPC (renda per capita). Na aposentadoria, o montante acumulado se transformaria em um pecúlio, cujo valor mensal seria determinado em função da expectativa de vida do depositante e do cônjuge. (c) Garantir a representação coletiva de interesses dos trabalhadores. Para tanto, seria necessário garantir a manifestação da vontade de ser representado por um sindicato. Em cada empresa poderia haver uma espécie de plebiscito periódico para aferir a vontade dos trabalhadores. Os sindicatos teriam direito de fazer suas campanhas em todas as empresas. Se a maioria dos trabalhadores quisesse ser representada por sindicatos, a empresa não poderia impedir e teria que negociar com tantos sindicatos quantos os trabalhadores desejassem. Os sindicatos escolhidos poderiam cobrar taxas de todos os trabalhadores cobertos pelas negociações das quais participassem. Os sindicatos atuais perderiam a exclusividade e teriam que competir pela preferência dos trabalhadores. (d) Substituir a extensa legislação de direitos individuais por uma lista enxuta de direitos básicos. Estes direitos básicos teriam como objetivo evitar a imperfeição que aqui se denominou de "tendência à competição predatória no mercado de trabalho". Incluiriam limites à extensão da jornada, segurança e saúde no local de trabalho, proteção à mulher e ao menor,
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proibição de discriminação e de trabalho infantil, e salário mínimo. (e) Regras para a demissão. Além dos direitos básicos, haveria regras para regular a questão da demissão. Estas regras procurariam reduzir as imperfeições causadas pelo que aqui se denominou "assimetria informacional". As empresas poderiam optar pelo conjunto de regras mais conveniente para o seu negócio. 2.1 OFERECER OPÇÕES PARA DEMITIR Um estratégia criativa e democrática para a reforma trabalhista seria a de oferecer às empresas opções – regulamentadas - para a demissão de funcionários. O mercado de trabalho está longe de ser um espaço homogêneo. Quer do ponto de vista da demanda (as empresas), quer do ponto de vista da oferta (os trabalhadores), há uma variedade muito grande de situações. Há microempresas, há empresas pequenas, médias e grandes. Há empresas que usam tecnologias intensivas em capital e demandam trabalhadores muito qualificados. Há empresas que usam ainda basicamente trabalho de pouca qualificação. Há empresas pré-fordistas, empresas fordistas, empresas "lean production", e empresas virtuais. Há a agricultura, a construção civil, a indústria, o comércio e os serviços. Há trabalhadores de todos os tipos: jovens, maduros e idosos, homens e mulheres, analfabetos e pós-graduados. Apesar de tanta heterogeneidade, a legislação trabalhista brasileira é uma só. A maioria dos dispositivos da CLT e das demais leis trabalhistas se aplica indistintamente a todas as situações. As situações concretas são muito heterogêneas, mas as regras são sempre as mesmas. Isso cria dificuldades e ineficiências, pois não há flexibilidade na aplicação das regras. Para reformar a legislação trabalhista, é preciso levar em conta essa questão. Não é o caso de simplificar toda a legislação. Mas também não é o caso de deixá-la como está, exageradamente detalhista e impossível de ser cumprida em muitas situações. Por essas razões, propõese a seguinte estratégia para reformar a legislação trabalhista: - Direitos básicos: em qualquer situação, os direitos básicos dos trabalhadores estariam assegurados (jornada, salário mínimo, saúde e segurança no ambiente de trabalho, proibição de discriminação, proteção à mulher e à criança, salário mínimo). - Representação coletiva de interesses: em
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As situações concretas são muito heterogêneas, mas as regras são sempre as mesmas. Isso cria dificuldades e ineficiência, pois não há flexibilidade na aplicação das regras.
todas as relações de emprego, os trabalhadores teriam assegurados o direito à representação dos seus interesses coletivos, a partir do próprio local de trabalho. - Trabalhadores auto-suficientes: Há trabalhadores que, em função de sua situação no mercado, prescindem da proteção da lei e também prescindem da defesa coletiva de seus interesses. Fazem parte deste grupo, entre outros, os executivos e gerentes de alto nível, os artistas e esportistas mais famosos, assim como os trabalhadores altamente qualificados em geral. Estes trabalhadores ocupam uma posição privilegiada no mercado de trabalho e podem abrir mão da proteção excessiva da CLT. Eles talvez prefiram negociar as condições de trabalho diretamente com a empresa. As empresas poderiam escolher essa possibilidade mas, neste caso, teriam que escolher também uma das outras regras de demissão para os demais trabalhadores. Nas empresas que assim escolhessem, a relação com um trabalhador auto-suficiente seria considerada como um contrato comercial, não sendo regulado pela legislação trabalhista. - Regras de demissão. Para os trabalhadores que não podem ser considerados como auto-suficientes, a empresa teria que escolher a regra que regularia a demissão. Essa estratégia (criar opções regulamentadas para a demissão) teria muitas vantagens. Primeiro criaria uma correspondência entre a regulamentação e a situação concreta do mercado de trabalho, pois reconheceria a heterogeneidade das situações e abriria espaços para abrigar todas elas. Segundo, não abandonaria os trabalhadores menos capazes de defender seus interesses e de sobreviver com dignidade. Para estes, garantiria os direitos básicos trabalhistas, fazendo-os equivaler a direitos humanos. Claro que essa lista de direitos básicos não pode conter muitos itens, mas apenas os realmente essenciais. Terceiro, a estratégia reconhece que para alguns trabalhadores a proteção legal não é necessária. Para outros, o direito coletivo é suficiente. Para muitos, o direito individual previsto em lei é indispensável. Todas essas situações seriam contempladas e legalizadas. A estratégia mudaria o enfoque da atual legislação. Ao invés de obrigar todos a cumprir uma única legislação, ela criaria opções, incentivos e espaços para escolhas individuais e coletivas. A atual CLT poderia até permanecer como uma espécie de default. A empresa que não fizesse nenhuma opção de regra de demissão continuaria sendo regulada pela CLT. As
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que não estão satisfeitas com o velho código do trabalho poderiam optar por sair da CLT, caminhando de uma regulação que enfatiza os direitos individuais para uma outra, que enfatiza o interesse coletivo e a eficiência. Sugestões para algumas regras de demissão - A reforma trabalhista poderia criar incentivos para a negociação entre trabalhadores e empresas. Essa escolha se justifica pelo fato de que ninguém melhor do que as próprias partes sabe o que é melhor para elas. Mas não é simples estabelecer uma relação de negociação e, conseqüentemente, é muito difícil que o livre jogo das forças de mercado produza os resultados mais eficientes no mercado de trabalho. A reforma trabalhista optaria então por um caminho que reduzisse o custo da negociação. Isso significa de um lado, reduzir o custo da organização dos trabalhadores e da representação de seus interesses. De outro, significa abrir para a empresa a possibilidade de chegar a um conjunto de regras diferentes do status quo, que
é o conjunto CLT-Justiça do Trabalho. A reforma trabalhista criaria então algumas regras de demissão e as empresas poderiam escolher aquela de sua preferência. Ao abandonar o status quo da CLT-Justiça do Trabalho, a empresa pode ganhar flexibilidade dos direitos trabalhistas mas, ao mesmo tempo, precisa aceitar a representação coletiva dos trabalhadores. Nenhuma empresa seria obrigada a abandonar o status quo. Mas ao escolher abandonálo, a empresa voluntariamente se comprometeria a reconhecer a coletividade dos seus empregados e a legitimidade da representação coletiva de seus interesses. Esse lado da reforma trabalhista reduziria em muito o custo da organização coletiva dos interesses dos trabalhadores e, dessa forma, aumentaria a "quantidade" desse bem público. Devida e legitimamente representados, os trabalhadores poderiam então negociar com a empresa, e a negociação produziria resultados mais eficientes e
A reforma trabalhista poderia criar incentivos para a negociação entre trabalhadores e empresas.
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justos do que os produzidos no sistema atual. Essa estratégia tem uma outra qualidade muito interessante e desejável. Como o status quo é preservado e somente pode ser abandonado voluntariamente, a reforma trabalhista reduziria as incertezas jurídicas, pois ninguém seria forçado a renunciar aos atuais direitos. Para todas as regras de demissão valeria um conjunto de direitos básicos, que definiriam limites para a extensão da jornada de trabalho, as normas de saúde e segurança, a proibição de discriminação, a proibição ou limitação ao trabalho de menores de idade, entre outros. A seguir, uma sugestão preliminar de regras de demissão:
Algumas empresas gostariam que o contrato de trabalho de seus gerentes, seus diretores e seus empregados de alta qualificação não fossem regido pela CLT. Do ponto de vista social, é realmente discutível se este grupo de trabalhadores precisa efetivamente da proteção tão detalhada e abrangente da CLT.
Opção 1: O status quo (CLT, Justiça do Trabalho) Para a empresa que escolher esta regra, nada muda. Valem todos os direitos e todas as obrigações estabelecidos na velha legislação. Em particular, continuam a ser resolvidos apenas na Justiça do Trabalho os conflitos e as reclamações. A demissão por justa causa continuaria válida e sujeita aos pagamentos indenizatórios atuais. No que diz respeito à representação dos interesses dos trabalhadores, continuaria a existir apenas o sindicato da categoria, sem autorização para atividades permanentes e presença concreta no local de trabalho. Opção 2: Empregados auto-suficientes Algumas empresas gostariam que o contrato de trabalho de seus gerentes, seus diretores e seus empregados de alta qualificação não fosse regido pela CLT. Do ponto de vista social, é realmente discutível se este grupo de trabalhadores precisa efetivamente da proteção tão detalhada e tão abrangente da CLT. É até discutível se a relação de trabalho destes profissionais é semelhante à relação de trabalho dos demais trabalhadores, que a CLT se propõe proteger. Em suma, não haveria inconveniente para a sociedade se este grupo de empregados tivesse regras e contratos próprios, sem regulação de espécie alguma, a não ser a sujeição aos princípios básicos já mencionados. Eventuais conflitos resultantes desses contratos poderiam ser resolvidos por mediação, por arbitragem ou então por recurso à Justiça Comum, já que tais contratos se assemelham a contratos comerciais. Para escolher esta opção, haveria apenas
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uma restrição: a empresa não poderia escolher para os demais empregados a Opção 1, a do status quo. Teria que abandonar a situação atual e escolher mais uma opção, que se aplicaria aos demais empregados. Opção 3: Empregos de curta duração Muitas empresas, devido a especificidades da operação de seus mercados, contratam empregados para períodos curtos. Exemplos desse tipo de empresas são as que operam nas atividades da construção civil ou da agricultura. Na construção civil, os empregados são contratados para uma determinada fase da obra ou então para uma determinada tarefa. Na agricultura, as atividades têm um acentuado caráter sazonal. Em conseqüência, os empregos são caracteristicamente de curta duração. Nestas condições, não faz muito sentido encarecer ou dificultar os desligamentos, pois as demissões são inevitáveis, de qualquer maneira. Por outro lado, os trabalhadores precisam de alguma segurança. Os interesses das empresas e dos trabalhadores podem ser contemplados e conciliados por meio de um tipo de vínculo entre os empregados e um coletivo de empresas. Um embrião desse arranjo já é praticado no Brasil sob a denominação de consórcio de empregadores. As empresas que escolherem esta opção não são obrigadas a negociar garantias de emprego, mas precisam reconhecer a representação coletiva dos empregados e, além disso, devem negociar com o sindicato dos empregados um mecanismo de recrutamento, treinamento e credenciamento de mãode-obra. Dessa forma, a insegurança no emprego em uma empresa individual se transforma em maior segurança de emprego na atividade como um todo. O vínculo deixa de ser entre o empregado e a empresa e se transforma em vínculo entre o empregado e o coletivo de empresas. O coletivo de empresas é solidariamente responsável pelo "pool" de empregados. Ao terminar a tarefa em uma empresa, o empregado passa para outra e assim sucessivamente. Esta regra poderia ser aplicada numa outra situação, particularmente importante: o emprego de jovens. Seria um instrumento capaz de facilitar a inserção de jovens no mercado de trabalho. Uma das causas do elevado desemprego neste grupo de trabalhadores é a tendência à rotatividade nas primeiras experiências profissionais. O jovem não se conhece e não conhece o mercado. O processo de aprendizado somente pode ocorrer se o jovem "ex-
perimentar" diferentes situações e diferentes empresas. Mas como a cada troca de emprego a CLT se aplica integralmente, as empresas são desestimuladas a empregá-lo. Empresas poderiam formar consórcios especificamente voltados para a contratação de jovens. Não incorreriam em custos de rescisão ao desligá-los, pois os jovens se encaminhariam para outra empresa do consórcio, e assim por diante, até se fixarem em um posto de trabalho.
jornada pode resultar em arranjos capazes de conciliar o interesse das empresas e dos trabalhadores nesta questão. Outras opções Além destas cinco, poderiam ser criadas outras opções de regras de demissão capazes de atender a situações específicas que ocorram com alguma freqüência no mercado de trabalho. O importante é que em cada opção se criem incentivos suficientes para que as partes fiquem melhor do que ficariam se permanecessem no status quo. Exemplos de outras opções poderiam ser: regras específicas para empresas estatais, regras para a administração pública, regras para atividades essenciais, e assim por diante.
Opção 4: Empregos contínuos Empresas onde os vínculos de trabalho são mais duradouros e de longo prazo podem escolher essa opção, na qual a negociação de garantias de emprego é obrigatória; para este tipo de vínculo deixa de existir a demissão sem justa causa. As empresas que optarem por este arranjo têm a vantagem de poder abandonar a CLT e a Justiça do Trabalho; poderão negociar regras diferentes para suas relações trabalhistas e poderão resolver os conflitos de forma definitiva, sem o recurso à Justiça do Trabalho. Nesta opção, os trabalhadores trocariam a proteção de seus direitos individuais garantida pela CLT, pela proteção oferecida pela representação coletiva do sindicato. A este ficaria assegurada a presença no local de trabalho. Esta opção levaria à montagem de mecanismos próprios para solucionar conflitos. Enfim, nesta opção (assim como nas demais), há ganhos para os dois lados e estes ganhos podem se constituir em incentivos para que a empresa faça esta opção. Opção 5: Pequenas e microempresas O emprego nas micro e pequenas empresas também é de longa duração. Mas estas empresas não dispõem de recursos técnicos para conduzir a negociação com os sindicatos de trabalhadores. Estes, por seu lado, não dispõem de recursos materiais suficientes para atender os trabalhadores que representam e que trabalham nestes estabelecimentos. São muitos estabelecimentos e em cada um há poucos trabalhadores. As micro e pequenas empresas podem escolher serem representadas pelo sindicato patronal, que negociará regras diferentes das previstas na CLT, mas são obrigadas a negociar a garantia de emprego, sendo reconhecida a demissão sem justa acusa. Para esta opção, seria também obrigatório negociar a jornada de trabalho, especialmente para as empresas comerciais, que precisam operar à noite e nos fins de semana. A obrigatoriedade da negociação da
A maior autonomia forçará as partes a assumirem atitudes mais responsáveis e conseqüentes, desestimulando o oportunismo nas disputas trabalhistas.
2.2 RESULTADOS ESPERADOS Ao oferecer às empresas opções de regras de demissão, o governo transformaria a regulamentação do mercado de trabalho que prevaleceu no Brasil até hoje. Ao invés de privilegiar os direitos individuais e relegar a representação coletiva a segundo plano, a criação das opções inverteria essa ênfase, dando mais atenção à representação coletiva dos interesses dos trabalhadores. Outra alteração importante introduzida por essa estratégia seria a de privilegiar a negociação e não mais a legislação. A vantagem dessa mudança seria a de atender as especificidades de situações concretas, ao invés de obrigar empresas e trabalhadores a obedecer a uma legislação uniforme como a CLT, que deve se aplicar independentemente das situações concretas do mercado. Finalmente, a nova estratégia oferece a possibilidade de solucionar os conflitos trabalhistas sem a intervenção da Justiça do Trabalho, tornando as relações de trabalho mais autônomas. A maior autonomia forçará as partes a assumirem atitudes mais responsáveis e conseqüentes, desestimulando o oportunismo nas disputas trabalhistas. Com essas qualidades potenciais, a estratégia das opções poderia resolver o dilema da escolha entre legislar e negociar; adicionalmente, proporcionaria aos trabalhadores e às empresas regras mais eficientes e democráticas para governar suas relações. Naturalmente, tudo isso precisaria ser acompanhado de uma reformulação da legislação sindical, que permita a liberdade de organização, conforme preconizado na Convenção 87 da OIT.
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Marcos Fernandes/LUZ
Movimento
DEGRAU
O
Milton Mansilha/LUZ
Rogério Amato Secretário Estadual da Assistência e Desenvolvimento Social - São Paulo
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A importância do trabalho em rede
Movimento Degrau - Desenvolvimento e Geração de Redes já completou cinco anos de implantação na cidade e no Estado de São Paulo. Com grande satisfação, podemos afirmar que ele tem sido um sucesso. Constituído formalmente em 1º de dezembro de 2001 na capital paulista, o Degrau foi lançado no dia 21 de março de 2002. Muitos dos que presenciaram aquele acontecimento estão convencidos que naquela tarde deu-se um fato novo na nossa sociedade. Começou um trabalho de qualidade promissora, envolvendo os empreendedores econômicos e os empreendedores sociais, ou seja: as empresas, que obviamente precisam do lucro para prosseguir e prosperar, e as entidades assistenciais ou filantrópicas, que não têm fins lucrativos. Cada qual com a sua modalidade específica de procedimento pode completar e completar-se com a visão e atuação do outro. Não existe pai ou mãe de família, não existe empresário, não existe autoridade pública que não se impressione com a penúria de perspectivas em que vive a nossa juventude. Quando um
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adulto, um profissional perde um emprego, é claro que ele passa por muitos problemas, mas ele ao menos tem uma identidade, condições de competir por uma nova colocação, reconstituir sua vida. O adolescente e o jovem, ao contrário, têm contra si a inexperiência. E por isso, quase sempre, as portas lhes são fechadas. Eles procuram, mas dificilmente têm sua primeira chance. Os empreendedores econômicos estão cada vez mais cônscios de que devem ser agentes positivos na busca de solução para o problema do desemprego e da qualificação profissional dos jovens. Não podemos deixar tudo nas mãos do poder público. Devemos ser exigentes com o poder público, ele precisa ser fiscalizado. Ele subtrai vultosos recursos em forma de impostos exatamente para promover o bem-estar da população e criar oportunidades. Ele é quem mais tem os meios de formular uma política de formação e emprego para a juventude. Mas sejamos realistas, não estamos no primeiro mundo! Os jovens são inexperientes, sem uma profissão definida, muitos oriundos de famílias
desestruturadas, daí precisarem de atenção especial. Essa é uma resposta satisfatória à oportunidade que lhes oferecemos. uma tarefa de todos, de toda a sociedade. Mas os empreendeComeçaram a trabalhar, rapazes e moças, no dia 19 de março de dores econômicos têm uma responsabilidade especial na bus2003, na sede e nas distritais. Não tivemos nenhum fato negaca de solução para esse problema. tivo. Pelo contrário, depois destes anos de aprendizado, temos Basta que nos recordemos de nossa própria história. Quancerteza que estamos no caminho certo. tos de nós, que hoje somos empreendedores bem-sucedidos, A legislação permite que as micro e pequenas empresas connão começamos a vida profissional através de uma oportunitratem um aprendiz. Imaginemos o benefício que pode advir à dade que nos foi dada por um parente, um conhecido ou amigo juventude brasileira se cada micro e pequena empresa se dispuser da família? Quando essa oportunidade é negada, os caminhos a contratar um jovem, com o compromisso de transmitir-lhe os são imprevisíveis. Sem querer dramatizar demais, podem resvalores do trabalho! Para alguns, isso pode parecer muito simvalar até para a criminalidade. ples, até muito pequeno em face dos imensos problemas nacioNão queremos mais ver nossa juventude ser cooptada pelo nais. De minha parte, estou cada vez mais convencido que as verfantasma do quarto setor, que é o do crime organizado. Fantasdadeiras transformações se fazem sem estardalhaço. Elas depenma? Nem tanto assim: hoje ele tem nomes, sobrenomes, e se endem menos de figuras extraordinárias, e mais, muito mais, das castelou solidamente em todos os âmbitos da vida nacional: no combinações de pessoas e grupos que trabalham juntas, que saiLegislativo, no Judiciário, no Executivo, no sistema produtivo e bam trabalhar em rede, para além da competição, fazendo da coaté em ONGs e entidades filantrópicas. operação a coluna central da cidade e do país de nossos sonhos. O Movimento Degrau desde a sua criação desejou colaborar Aprendemos uma lição com muita clareza: quando a sociepara estancar essa sangria social. dade se organiza e o poder público não oferece barreiras inSabemos que o lugar das crianças é na família e na escola. transponíveis, os resultados são os melhores possíveis. No caTrabalho infantil é crime e deve ser combatido severamente. so que apresentamos, o que vimos foram os empreendedores Mas os jovens, a partir de 14 anos, além do convívio familiar e econômicos, ao lado dos empreendedores sociais, tornarem-se da escola formal, já podem se innão somente empregadores, torDivulgação serir no mundo dos valores do tranaram-se também educadores, balho. Trabalho adequado, comtransferindo para os mais jovens patível com sua condição. Trabaconhecimentos que aprenderam lho consentido pela legislação. no mundo do trabalho, de uma Trabalho que os faça amadurecer experiência advinda a partir das física e moralmente. primeiras oportunidades que O Movimento Degrau consislhes foram oferecidas. tiu, portanto, na união de três entidades (ACSP - Associação CoA Rede Social São Paulo mercial de São Paulo, FACESP Aprendizes do Degrau, no quinto aniversário, com Federação das Associações CoO Movimento Degrau tornouAlencar Burti, presidente da ACSP e Facesp. merciais do Estado de São Paulo e se conhecido e despertou a atenção REBRAF - Rede Brasileira de Endos responsáveis pelas políticas tidades Assistenciais Filantrópicas), direcionando suas sinersociais do governo paulista. O poder público desejou tornar-se gias para compartilhar conhecimentos e recursos em vista da parceiro dos empreendedores econômicos e sociais nessa luta inclusão social de adolescentes e jovens sobretudo em situação pela inclusão. Através da SEADS - Secretaria Estadual da Assisde risco pessoal ou social. A meta assumida por estas entidatência e Desenvolvimento Social, ampliou-se a rede de entidades des foi atrair 100.000 adolescentes e jovens para o mundo dos participantes (atualmente mais de 100). Para tanto, as 40 maiores valores do trabalho. Em três anos essa meta foi atingida Fundações do Estado de São Paulo aderiram ao trabalho em rede Mas, quem são esses aprendizes? e ainda o ampliaram, sem ônus para o poder público, lançandose com sua competência no diagnóstico dos principais probleA Lei dos Aprendizes mas que afetam o mundo da infância e da juventude nos municípios mais carentes do estado. Decidiu-se assim pela criação de Desde dezembro de 2000 existe a Lei Federal nº 10.097 coum sistema de aprimoramento para a garantia dos direitos de nhecida como "Lei dos Aprendizes", que obriga a contratação nossas crianças e jovens, já então com apoio das principais forças de aprendizes pelas grandes empresas. Compete ao Ministévivas dos municípios. Esse é o desafio que estamos enfrentando, rio do Trabalho fiscalizar o cumprimento da lei. com todos os recursos disponíveis de cada entidade, procurando O Movimento Degrau, entretanto, estende a sua iniciativa dar uma resposta realista e eficiente para provocar um salto quafazendo um convite às micro e pequenas empresas, que não eslitativo na inclusão social. Podemos afirmar que a Rede Social tão obrigadas por lei, mas que têm deveres de cidadania, a conSão Paulo é excelente oportunidade para, com projetos criativos tratar aprendizes e lhes dar a oportunidade que precisam para, e recursos bem aplicados, superar o improviso, o individualismo se não se efetivarem na própria empresa, ao menos poder come o desperdício que caracterizam muitas sociedades subdesenpetir no mercado de trabalho em igualdade de condições. volvidas. Articulando governo, entidades sociais e iniciativa priSó a ACSP acolheu mais de cem aprendizes. Eles têm dado vada, todos estão convocados para a ampliação dessa rede.
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História do trabalho
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história mundial do trabalho só começa com o surgimento do trabalho livre, remunerado, na Europa Ocidental, na passagem da Alta para a Baixa Idade Média, diz o juiz Gerson Lacerda Pistori, juiz titular do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas e que abrange todo o Estado de São Paulo, com exceção da capital e da Baixada Santista. Pistori é autor do livro História do direito do trabalho – um breve olhar sobre a Idade Média, recém-lançado pela LTr. Podemos presumir que antes, com a escravidão e a servidão, o que havia era a pré-história do trabalho. Antes ainda disso, nas primeiras comunidades humanas, havia o trabalho de caça e coleta, e depois as primeiras aldeias agrícolas, em que o trabalho e os produtos do trabalho eram compartilhados en-
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A escravidão e a servidão podem ser consideradas a pré-história do trabalho. Em 1844, na Inglaterra, surgiram as primeiras cooperativas de trabalhadores no ramo de tecelagem. No início do séc. 20 ocorrem as primeiras greves em massa.
Newton Santos/Hype
Renato Pompeu É jornalista e escritor, autor do romanceensaio 'O mundo como obra de arte criada pelo Brasil', Editora Casa Amarela.
tre todos os habitantes. Esse trabalho era livre, mas não remunerado. Na medida em que se foram organizando federações de aldeias, para fins de evitar conflitos referentes à irrigação e a ataques de aldeias vizinhas, foi surgindo o Estado, na forma de reinos ou impérios, arrecadando impostos para em troca administrar e proteger os habitantes. Na maior parte do mundo, o Estado, na figura do rei ou do imperador, era o proprietário de tudo, outorgando a posse de terras e de empresas nas cidades a verdadeiros funcionários públicos, que tinham de produzir segundo cotas estabelecidas pelas autoridades, as quais arrecadavam parte da produção. Só havia escravos domésticos, no Exército e na construção civil, mas os pequenos produtores agrícolas e grandes comerciantes não eram livres, pois tinham de cumprir as cotas, em particular as cotas destinadas aos tributos ao Estado, e só um pequeno excedente circulava pelo mercado. No Ocidente, no entanto, em Grécia e Roma, surgiram as propriedades privadas baseadas na escravidão agrícola, cuja produção era na sua maior parte destinada à subsistência e ao luxo dos senhores e suas famílias e agregados, com apenas um pequeno excedente destinado ao limitado mercado de então. Em todo o mundo, o trabalho praticamente não tinha história, pois o desenvolvimento tecnológico era lento e as formas de contrapartida, a garantia da posse na maior parte do mundo, e a garantia de abrigo, roupas e alimentação para os escravos, na Grécia e Roma, não mudavam. Na maior parte do mundo, ocorriam periodicamente revoltas dos pequenos produtores quando os impostos aumentavam muito, e a revolta continua-
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va até que, com ou sem mudança dos governantes, os impostos baixavam. No Ocidente greco-romano, houve revoltas de escravos, mas na melhor das hipóteses os escravos revoltosos vitoriosos só conseguiam se tornar eles próprios senhores de escravos, mas a história do trabalho não mudava. Com a dissolução do Império Romano Ocidental, a partir do século 5º, cidadãos romanos fugiram das cidades devastadas para se estabelecerem como agricultores nos confins da Europa Ocidental. Não podiam ser escravos, porque eram cidadãos. Foi surgindo o feudalismo. Diz o juiz Pistori: "O homem não é livre, mas não pertence a um senhor e sim à terra; deve vassalagem ao senhor da terra, em troca de proteção militar. A parentela do servo tem título de posse sobre a casa e uma porção de terra; trabalha durante a semana três dias para o senhor, três dias para si, e folga no domingo, além de nos feriados, de modo que não trabalha durante 150 dias ao ano" Quanto às cidades na Europa Ocidental, foram esvaziadas, do século 5º ao 9º; seus poucos habitantes, os vilões, viviam ao deus-dará; trabalhavam como lavradores "soltos", ou como artesãos, mas não recebiam pagamento em dinheiro e sim víveres e outros bens. Só havia trabalho mais organizado nos mosteiros e em seus arredores; a partir do século 9º os mosteiros lançam novidades como o aperfeiçoamento Reprodução dos vinhos e das castas de uva e os moinhos que produziam cerveja em grande quantidade. Também desde o século 9º ocorrem melhoras por causa das mudanças do clima, contato com outras civilizações, como a muçulmana – de onde chegam a ervilha, a lentilha, a cevada e outros cultivos; se intensificam a circulação de moeda e a concentração de riquezas entre os comerciantes das cidades. Com dinheiro na mão, os mercadores e a Igreja passam a construir prédios maiores, como igrejas (passa-se da pequena igreja românica para a grande igreja gótica), e surge nas cidades o trabalho livre, remunerado, para essa construção, e vão se desenvolvendo outras especializações. Surgem as corporações de cada ofício, em que o mestre, detentor dos conhecimentos artesanais, compra as matérias-primas, as entrega para o trabalho dos oficiais, ou companheiros, ou jornaleiros (que recebem por dia de trabalho), vende as peças e paga os oficiais; havia ainda os aprendizes, não remunerados, mas sustentados pelo mestre. Um oficial, que provasse num exame ter a habilidade de mestre, podia ser promovido a mestre e iniciar o seu próprio negócio.
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A partir do século 13, no entanto, os mestres passam a bloquear a ascensão de oficiais que não fossem seus filhos ou parentes, enquanto proíbem os oficiais de continuar na mesma corporação por mais de dez anos. Por outro lado, os comerciantes são autônomos, mas tanto mestres como comerciantes enriquecem muito e se tornam verdadeiros burgueses, chegando a arrendar extensas terras dos senhores feudais, mantendo porém no campo as relações de servidão, que resistirão até os séculos 17 e 18. Burguesia em ascensão Nas cidades, porém, há mudanças. A partir do século 15, o predomínio dos burgueses, ou empresários, e as tentativas da Igreja de impor seu poder temporal, levam à retomada do Direito Romano, com sua contratualidade e leis por escrito. Surgem contratos entre as cidades e as corporações de ofício, com normas sobre a qualidade e os preços dos produtos e termos de adesão dos membros. A burguesia se alia aos reis, os quais lançam éditos sobre a remuneração máxima dos oficiais. Surgem em volta das cidades e das corporações de ofício bolsões de mão-de-obra remunerada abaixo dos padrões das corporações. Nesses bolsões prevalecem condições semelhantes às atuais periferias das grandes cidades, ou aos atuais "bóias frias". Esse "esquema corporativo com periferia" se mantém nas cidades até fins do século 17, na Inglaterra, e até a Revolução de 1789, na França, quando então são proibidas as corporações e o associativismo entre os trabalhadores, para flexibilizar a contratação de mão-deobra em massa necessária para a Revolução Industrial. Ao mesmo tempo, é abolida a servidão no campo, com a introdução das pequenas propriedades autônomas, com a maior parte da produção para subsistência, e das propriedades empresariais com assalariados agrícolas, com a produção destinada ao mercado. Nas colônias americanas, se estabelece a escravidão, mas, ao contrário da escravidão antiga, a quase totalidade da produção visa o mercado e o lucro. É que nesse período os empresários das cidades foram obtendo mais ganhos, inclusive dos lucros coloniais, e tendo mais condições de investir na utilização do trabalho manual e na alteração das tecnologias. O desenvolvimento da tecnologia agrícola nas propriedades arrendadas pelos burgueses leva ao êxodo rural, tornando disponível mão-de-obra em massa para
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os empreendimentos nas cidades que já são industriais e origem remota da Organização Internacional do Trabalho, com máquinas, surgindo, pela primeira vez na história, o prevista no artigo 13 do Tratado de Versalhes em 1919, resuldesemprego em massa. tado da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa. Em 1780, na Inglaterra, um cidadão chamado Ludd, desesNessa época, nos inícios do século 20, após greves de massa, perado com as condições de trabalho, que chegam à jornada de muitas vezes com violência (a situação no comércio foi sempre 20 horas por dia, se põe a martelar as máquinas. No mais amena do que na indústria), surgem os moderinício do século 19, surgem "luddistas" em grannos direitos trabalhistas em geral, como férias rede número, que destroem as máquinas a seu muneradas, aposentadoria, assistência médialcance, com o fim de reduzir o desempreca, normalmente regulamentadas pelo Esgo, pois sem máquinas haveria necessidatado, e a limitação das horas de trabalho de de mais mão-de-obra. Uma lei ingleem particular – o juiz Pistori nota que já sa de 1810 impõe a pena de morte não em 1600, em Portugal e no Brasil, as Orsó para o luddismo, como também padenações Filipinas limitavam a oito ra o associativismo entre os trabalhahoras as jornadas diárias nas fortaledores; na Inglaterra o associativismo zas e nas casas de pólvora; enquanto só foi liberado e regulamentado em nas Missões jesuíticas do Sul do Bra1868; na França, em 1884. sil o trabalho dos índios guaranis era Para esse reconhecimento dos dilimitado a seis horas por dia. reitos dos trabalhadores contribuíNos fins do século 20 surgem tenram duas situações: de um lado, a dências para a flexibilização e a desrepreocupação dos próprios empreságulamentação pelo Estado das condirios com a situação de seus empregações de trabalho e para a sua regulação dos, de outro lado a crescente mobilizapelo mercado, por meio de contratos enção dos operários, com greves de massa e tre as partes e de esquemas privados de conflitos sangrentos, que culminou com a previdência, aposentadoria e assistência fundação em 1864 da Associação Internaciomédica. O emprego assalariado por tempo nal dos Trabalhadores, em que teve papel releindeterminado é em grande parte substituído vante o teórico comunista Karl Marx. Desde 1844, por contratos de trabalho específicos, por tempo na Inglaterra, na localidade de Rochdeterminado. Fundada em 1864 a Associação Internacional dale, surgiram as primeiras cooperatiTambém, na visão do juiz Pistori, dos Trabalhadores, cuja principal figura era vas de trabalhadores, no ramo de teceressurgem condições semelhantes Karl Marx. Em 1889 foi estabelecido o 1º de lagem. Em 1886, em Chicago, nos Esao regime corporativo medieval, maio como Dia Mundial dos Trabalhadores. tados Unidos, a partir de 1º de maio, através do controle do trabalho não houve manifestações para reduzir a mais só por relações hierárquicas enjornada de trabalho de treze para oito tre empresários, gerentes e trabalhahoras, e houve confrontos entre manidores, mas por equipes de trabalhafestantes e policiais, com mortes em dores, regime introduzido pela emambos os lados. Alguns manifestantes presa japonesa Toyota. São os próforam julgados responsáveis pelos prios trabalhadores que recebem em distúrbios e condenados ao enforcaconjunto uma tarefa e decidem livremento. Em 1889, a Associação Internamente como cumpri-la, respondencional dos Trabalhadores estabeleceu do cada um deles perante o seu próo 1° de maio como Dia Mundial dos prio coletivo. Trabalhadores, e a data só não é recoAo mesmo tempo, surgem formas nhecida nos próprios Estados Unidos, de trabalho domiciliar (com o comonde só tem sido comemorada por putador) e em tempo parcial, exataimigrantes. mente como as mulheres trabalhaDiante do descontentamento dos vam na Idade Média, por não podetrabalhadores, em 1890, na Alemarem ser integrantes das corporações. nha, surge a primeira conferência inDo mesmo modo, finaliza o juiz Pisternacional sobre Direito do Trabatori, surge agora em volta dos aglolho; no ano seguinte, o papa Leão 13 merados urbanos de empregados relança a encíclica Rerum Novarum, gulares uma periferia de gente com importante marco na instituição das condições mais irregulares de empreleis trabalhistas. Em 1890, também gabilidade, tal como acontecia na Idahavia surgido em Berna, na Suíça, a de Média, repetindo-se o "esquema Associação de Defesa do Trabalho, corporativo com periferia". Reprodução
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Um cl谩ssico de filosofia econ么mica brasileira sobre o trabalho Domingos Zamagna Jornalista e professor de Filosofia
Arte sobre foto de Masao Goto Filho/e-SIM
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este ano comemoramos o 60º aniversário do lançamento de um livro do ensaísta Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), membro da Academia Brasileira de Letras desde 1935: A questão do trabalho. Rio de Janeiro: Agir, 1947. p. 287. Tempo de transformações
Foto reproduzida da capa do livro "Um Itinerário no Século - Mudança, disciplina e ação em Alceu Amoroso Lima", de Marcelo Timótheo da Costa, editado pela Edições Loyola.
Em 23 de dezembro de 1930, liderados por Armando de Sales Oliveira, um grupo de pioneiros paulistas, na linha de seus antepassados bandeirantes, naturalmente de outro estilo, lançou em São Paulo as bases do Idort - Instituto de Organização Racional do Trabalho. O instituto foi oficializado no ano seguinte e pode ser considerado um dos frutos do choque social e psicológico representado pela Revolução de 30. Essa revolução lançou o Brasil em cheio nos grandes problemas universais do século 20. Tratados de economia política dizem que a Convenção de Taubaté em 1906 foi o primeiro fenômeno de dirigismo econômico do século 20. Se a indústria cafeeira conseguira superar a crise de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, agora pedia a proteção do Estado, mediante a manutenção dos preços altos. E o café sustentava mais da metade da economia nacional, garantidor da estabilidade material coletiva. Brasil próspero era o preço alto do café; o café de preço alto dava proteção a fazendeiros e industriais. Além de ressudar as conseqüências do craque da Bolsa de Valores de Nova York (1929), a década de 30 começou com a
inesperada vitória das forças revolucionárias do Rio Grande do Sul, do Norte e de Minas Gerais sobre São Paulo. Serviu, contudo, para despertar o gigante paulista de suas preocupações quase exclusivamente cafeeiras. Se houvesse questões sociais, e havia, eram questão de polícia. São Paulo saiu da revolução marginalizado e ultrapassado pelos acontecimentos. A economia sobrepujou a política do liberalismo agrícola e dos bacharéis. É verdade que a capital paulista fora agitada pela Semana de Arte Moderna de 1922. Mas, apesar dos textos antiburgueses da "Paulicéia Desvairada" de Mário de Andrade, a revolução estética não surtira ainda efeitos sociais. Foi exatamente em 1931 que Alceu Amoroso Lima esteve na capital paulista a fim de pronunciar uma série de conferências no Teatro Municipal, depois reunidas no volume "O problema da burguesia" (1932). Encontrou a cidade mergulhada numa atmosfera sombria, angustiante e expectante, mas ao mesmo tempo convencida que chegara o time for change, para fazer uma comparação com os republicanos norteamericanos. E, de fato, Armando Sales entendeu que o Estado não podia ficar mais à margem dos acontecimentos, razão pela qual foi um dos articuladores da Frente Única Paulista que deflagrou a Revolução de 32. A fundação do Idort trazia para o Brasil um movimento já em curso na Europa e nos Estados Unidos e consagrado, depois da guerra de 14, pelo setor social da Liga das Nações. Pena que tanto as massas quanto as elites sociais brasileiras deram pouca importância à iniciativa, preferindo dedicar o melhor de suas atenções aos movimentos extremistas da Europa, o comunismo de 1917 e o fascismo de 1921. De fato, foi entre 1922 e 1932 que se fundaram no Brasil o Partido Comunista e a Ação Integralista, reflexos tropicais do espírito revolucionário do século 20. Alceu Amoroso Lima apoiou decididamente o Idort convencido, a exemplo de Péguy, da inanidade das revoluções e dos golpes de violência. Questão de princípio: a absoluta necessidade de introduzir na relatividade cega dos acontecimentos históricos uma ordenação racional à luz dos princípios da lei natural e, acima de tudo, da justiça e solidariedade como base do bem comum. O Idort foi, na sua visão, um movimento de racionalização do
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Para o resto da vida, por mais de meio século, Alceu Amoroso Lima foi um paladino da defesa dos valores do trabalho e dos trabalhadores (...) Quando, em 1947, publica o seu livro "A questão do trabalho", é um homem maduro, inclusive com 30 anos de contato estreito com operários (...).
trabalho, uma ponta de lança orientada no melhor dos rumos. Desejava refugar tanto a demagogia improvisada como a rotina conservadora; quis enveredar por um caminho alternativo, sem o fulgor das grandes avenidas, que são sempre as da revolução ou da reação, mas que pudesse ser a percuciente renovação de um status quo, sem se perder no vazio e nem afogar-se no sangue: o discreto revigoramento das raízes, o único que redunda em benefícios reais, profundos, orgânicos e não apenas superficiais. É sabido que Dr. Alceu, quando jovem, apreciava o integralismo e chegou a pensar em suicídio durante uma visita a Veneza. Mas, a partir de 1928, aos 35 anos de idade, converteu-se ao catolicismo e adotou uma corrente de pensamento progressista, fiel discípulo de pensadores como Chesterton, Sertillanges, Jacques Maritain, Leonel Franca, Sebastien Tauzin. Foram estes que o levaram a conhecer profundamente o pensamento de Tomás de Aquino e a doutrina social cristã, expressa pelo papa Leão XIII na encíclica Rerum Novarum, de 1891, sobre a condição dos operários. Tornouse, daí em diante, ardente defensor das liberdades e do solidarismo, embora cioso de sua condição laica, sem subserviência a quem quer que seja. O problema do trabalho Para o resto da vida, por mais de meio século, Alceu Amoroso Lima foi um paladino da defesa dos valores do trabalho e dos trabalhadores. Estudou longamente a economia e a política, como se pode ver em sua obra "Introdução à economia moderna" (1930). Refletiu profundamente sobre o significado de duas conflagrações mundiais e seu séqüito de calamitosas conseqüências. Quando, em 1947, publica o seu livro "A questão do trabalho", é um homem maduro, inclusive com 30 anos de contato estreito com operários, por causa dos estudos na Universidade do Brasil e no Centro Dom Vital, no Rio de Janeiro, e através do empreendedorismo da Ação Católica, de dimensões nacionais. O momento era propício para que ele pudesse começar a elaborar uma síntese. As mortes violentas de Hitler e de Mussolini apressaram o desmoronamento dos dois regimes típicos de extremismo de direita na Alemanha e na Itália. Getúlio Vargas já tinha
sido deposto. Havia, porém, uma ingente obra a realizar, como dizia Joseph de Maistre (apesar de seu ultramontanismo: o mais difícil não é matar os monstros, é remover os seus cadáveres. Restava ainda um outro monstro a ser removido, pois a União Soviética vivia em plena era de stalinismo. Já começava a dar mostras de decomposição, mas o processo demorou ainda quase meio século. Pairava sobre todos os pensadores os temores e as incertezas acerca dos anos vindouros. Era preciso combinar realismo com ousadia. Ele o faz abordando o tema em três partes principais. A primeira parte do livro analisa o trabalho como problema, aliás, o maior problema de nosso tempo; é uma controvérsia entre dados esparsos e soluções divergentes. Em torno da sua solução giram os destinos da nova fase da civilização que se abriu para a humanidade após as duas grandes guerras. O resultado mais apreciável dessa controvérsia foi o aparecimento de uma nova classe social, o proletariado, e uma nova concepção geral da vida, o socialismo. Dr. Alceu não fez um julgamento de valor, fez uma apreciação de fato. O grande dado concreto do após-guerra foi a vitória do proletariado e do socialismo, como sucessores da burguesia e do liberalismo. Tudo passou a ser problemático, isto é, sujeito a revisão: discutível, instável, hipotético, confuso. A pergunta passa a ser – e é do que trata a segunda parte do livro – como resolver adequadamente tal problema? Ora, não há solução integralmente satisfatória para os problemas, como os sociais, em que entra como elemento essencial a liberdade humana. A solução da questão do trabalho vai depender da solução do próprio problema geral da vida e da colocação do ser humano no conjunto das forças existenciais. A terceira parte do livro propõe uma filosofia-axiologia do trabalho, considerando-o como valor em si, sua dignidade como realidade e não como mito, as contradições do trabalho como a servidão e a escravidão, os princípios para a realização do trabalho livre e em comunidade, ideais característicos, se bem que não exclusivos, da doutrina social oriunda da Rerum Novarum: o sentido geral do trabalho, seu fim último, nos dá o segredo de uma civilização. Dr. Alceu não viu a realização desse ideal na civilização primitiva (que deixava o trabalho para os mais fracos e as mulheres). Nem na
civilização estética (como a grega ou militar, com a hipertrofia do trabalho intelectual e a subestimação do trabalho manual). Nem na civilização capitalista (subordinando o trabalho ao êxito, destinado aos párias, dos quais as classes superiores se aproximam por favor ou piedade). Nem na civilização socialista (o trabalho como um fim em si mesmo, em que o ser humano passa a não ter realidade fora da comunidade). Se levarmos em conta o clima de avanço de ideologias materialistas e totalitárias e os inícios da guerra fria, é compreensível que Dr. Alceu proponha, finalmente, a civilização baseada no humanismo judeu-cristão, pois este não se limita a qualquer dos ideais elencados. E cita S. Tomás de Aquino, já superando a ética aristotélica: quem não trabalha não tem senão a vida "potencial" do homem adormecido. O trabalhador é, de modo particular, a imagem do Deus-criador. Entre todos os modos pelos quais a criatura humana procura se assemelhar a Deus, o mais alto é trabalhar, isto é, ser no mundo causa de novos efeitos. "Quod omnium divinius est Dei cooperatorem fieri?" (Que há de mais divino na terra que ser operário com Deus?). Mas a conclusão da obra não é confessional. O que significa afirmar que Deus é a medida do trabalho humano? Não é preciso ter a consciência disso para o realizar. Basta que se trabalhe com amor e alegria. Trabalhar não é uma penalidade, é uma expressão de vida. E não pode haver atividade mais nobre do que propiciar aos seres humanos que permeiem a sua vida com um trabalho feliz.
Semana de Arte Moderna de 1922: a revolução estética não surtira ainda efeitos sociais. Na foto, "Operários", de Tarsila do Amaral.
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