Núcleo de Promoção - ACSP
CARTA AO LEITOR Mais uma vez, a revista Digesto Econômico cumpre a missão que se propôs, há mais de sessenta anos, que é a de debater com os seus leitores assuntos de impacto na economia e na sociedade brasileira, sempre com a opinião de especialistas renomados, que nos passam uma visão mais acurada e abrangente do mundo em rápida transformação. Para esta edição, o destaque é a China, atual centro dos debates, seja pela forte economia, seja pelos Jogos Olímpicos, que será a maior festa do esporte de todos os tempos, grandiosa como tudo que é made in China. Os chineses foram os responsáveis por grande parte do crescimento da economia mundial no ano passado. O seu PIB cresceu espantosos 11,9%, contra apenas 5,4% do Brasil. Com a crise imobiliária americana se espalhando pelo mundo, será o crescimento chinês que estará evitando uma catástrofe global. Sobre este tema, diretamente de Pequim e de Guangzhou, a repórter Sonaira San Pedro escreve sobre as particularidades desse país, seus costumes e explica como os empresários brasileiros podem participar de negócios na China. Para completar, o jornalista Renato Pompeu adentra pela história e pela cultura chinesa. Já o consultor Hsieh Yuan, da KPMG, mostra em quais setores o Brasil poderia se beneficiar do crescimento chinês; enquanto que o economista Antonio Barros de Castro, em um primoroso artigo, afirma que o centro de gravidade do crescimento econômico mundial vem se deslocando para a Ásia (na próxima edição, abordaremos o crescimento da Índia, país que vem se destacando em prestação de serviços e tecnologia, principalmente no desenvolvimento de softwares). Um outro tema relevante desta edição é a ameaça de aprovação da Convenção 158 da OIT Organização Internacional do Trabalho, que tramita no Congresso. Se aprovada, trará enormes problemas para o empresariado, pois para demitir um funcionário, a empresa terá de justificar por escrito as razões, e o processo envolverá os sindicatos e a Justiça do Trabalho. Falam sobre este assunto Almir Pazzianotto Pinto, que foi presidente do Tribunal Superior do Trabalho, o professor José Pastore, o tributarista Ives Gandra Martins, o advogado Ricardo Nacim Saad, entre outros. O embargo da União Européia à carne brasileira também é abordado nesta edição pelo professor Sérgio De Zen, pesquisador da Esalq. O economista Paulo Rabello de Castro afirma, em seu artigo, que há uma tendência de agravamento da crise americana, que passou para um segundo estágio de contaminação e que o mundo está perto de uma perigosa etapa, que é a do pânico. O sociólogo Oliveiros S. Ferreira opina a respeito da política externa brasileira frente ao conflito entre a Colômbia e o Equador, no episódio sobre o ataque do exército colombiano contra guerrilheiros das FARC em território equatoriano. Boa leitura!
Alencar Burti Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo
ÍNDICE
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A China, cada vez mais próxima Renato Pompeu
Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br Presidente Alencar Burti
Reprodução
Superintendente Institucional Marcel Domingos Solimeo
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Nossa repórter no ninho dos dragões Sonaira San Pedro
ISSN 0101-4218 Diretor-Responsável João de Scantimburgo
Sonaira San Pedro/DC
Diretor de Redação Moisés Rabinovici
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Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira Editores Domingos Zamagna e Carlos Ossamu
China: ameaça ou oportunidade? Hsieh Yuan
Editor de Fotografia Alex Ribeiro Editor de Arte José Coelho Projeto Gráfico Evana Clicia Lisbôa Sutilo Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo Arte Alfer Jair Soares Gerente Comercial Arthur Gebara Jr. (agebara@acsp.com.br) 3244-3122 Gerente de Operações José Gonçalves de Faria Filho (jfilho@acsp.com.br)
Paulo Pampolin/Hype
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No espelho da China Antonio Barros de Castro
Impressão Laborgraf REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055 FAX (011) 3244-3046
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Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimax fosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.
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DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2008
CAPA Ilustração: Antar Dayal/Corbis
Maurício Piffer/Folha Imagem
Masao Goto Filho/e-SIM
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Empresários em estado de alerta
O mercado de trabalho da agroindústria canavieira: desafios e oportunidades Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes
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Martin Oeser/AFP
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Convenção do retrocesso Ives Gandra da Silva Martins
A Crise passa ao 2º estágio Paulo Rabello de Castro
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O Brasil precisa da convenção 158? Almir Pazzianotto Pinto
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Os vários interessados na carne brasileira Sérgio De Zen
Risco calculado ou escolha de rota? Oliveiros S. Ferreira
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Rogério Cassimiro/Folha Imagem
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A Europa quer fechar a porteira Patrícia Büll
O que o capitalismo não é Diogo Costa
MARÇO/ABRIL 2008 DIGESTO ECONÔMICO
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Reprodução
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Renato Pompeu
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stá para fazer trinta anos que, em dezembro de 1978, dois anos depois da morte de Mao Zedong, à qual se seguiram a condenação da Gangue dos Quatro, que comandara a malfadada, violenta e ineficaz Revolução Cultural, e um expurgo de "desviacionistas de esquerda" do partido e do Estado, a Terceira Reunião Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista da China, sob a então nova liderança de Deng Xiaoping, decretou o fim do maoísmo como bandeira política e econômica, e o manteve apenas como bandeira ideológica do regime chinês, segundo artigo do pesquisador americano Gregory Albo publicado na revista Socialist Project. Foi então iniciado um esboço muito precário de abertura política, com a condenação da "luta de classes em escala de massa", mas principalmente foi introduzido o "trabalho do partido pela modernização socialista", ou seja, a combinação do "ajuste pelo plano" com o "ajuste pelo mercado". As empresas estatais e as comunas agrícolas adotaram práticas de mercado, como a demissão por falta de rentabilidade e o estabelecimento de preços segundo a fórmula custos mais lucro. A partir de 1979, foram criadas zonas econômicas especiais, em que passaram a vigorar práticas plenamente capitalistas, com empresas privadas e capitais estrangeiros, que aproveitaram os baixos salários vigentes na China, para se desenvolverem rapidamente. Essas zonas eram situadas perto de Hong Kong e Taiwan, para atrair mais facilmente seus capitais. Tudo isso deveria ocorrer sem maior liberalização política e sempre sob o comando do Partido Comunista. As fórmulas de liberalização econômica e autoritarismo político se mantêm até hoje, com um crescimento econômico de continuidade ininterrupta, em proporção sem paralelo nos países plenamente capitalistas, não se sabendo se esse caráter contínuo se deve exclusivamente à extrema liberalização econômica nos setores industrial, comercial e de serviços, inclusive nas empresas estatais (que concor-
Na economia, a China está mais perto do Ocidente; politicamente, ainda está presa ao estatismo.
Livro de Carlos Tavares de Oliveira conta o início da civilização chinesa até as relações comerciais com o Brasil.
rem entre si), liberalização que permitiu um dinamismo excepcional à economia chinesa durante décadas, ou se se deve em alguma parte, como argumenta a própria liderança chinesa, ao controle exercido pelo domínio do Estado nos setores energético e, principalmente, bancário – as crises de energia não foram totalmente evitadas, mas as crises financeiras, até agora, sim. É isso que a liderança chinesa chama de "socialismo de mercado", a rigor só diferente, como dizem muitos especialistas, do capitalismo com empresas estatais de grande porte vigente na Grã-Bretanha entre a Segunda Guerra Mundial e o governo Thatcher, pela extrema precariedade da situação dos trabalhadores na China. O grande problema é que há uma grande contradição entre a liberalização econômica e o autoritarismo político. O fato é que, economicamente, a China está cada vez mais próxima do Ocidente – politicamente ainda está presa ao seu milenar estatismo, que é muito anterior à tomada do poder pelos comunistas. Se, porém, como diz a própria doutrina oficial na China, o marxismo, os fatores econômicos sempre são mais decisivos do que os fatores políticos, não é demais esperar que, nas próximas décadas, a liberalização política torne a China ainda mais próxima dos países ocidentais. Afinal, desde a liberalização econômica de 1978, houve um forte movimento pela democracia, só esmagado pelo massacre da Praça da Paz Celestial em 1989 – e não é segredo que as novas gerações de chineses estão insatisfeitas com as condições políticas atuais. Como se aproximar dos chineses De todo modo, autoridades e empresários da China estão ansiosos para entrar em contato com seus pares de todos os outros países do mundo. Afinal, segundo Carlos Tavares
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de Oliveira, assessor da Confederação Nacional do Comércio, que lida com o comércio exterior há mais de 60 anos e desde 1971 vem chamando a atenção das autoridades e empresários do Brasil para a importância de relacionar-se com a China, o antigo Império do Meio, somado a Hong Kong e Macau, já está superando os Estados Unidos como primeiro país no comércio internacional, que no seu caso supera 3 trilhões de dólares anuais. Oliveira, ou Carlos Tavares, como prefere ser chamado, com suas décadas de experiência, dá dois conselhos importantes a quem quiser fazer negócios com empresas chinesas. O primeiro conselho é de que o caminho mais frutífero para a lida com negociantes chineses, como já descobriram mais de 400 empresas multinacionais dos Estados Unidos, Japão e União Européia, é a associação com empresas da China, sejam estatais, sejam privadas. Os chineses se sentem mais seguros nesse tipo de empreendimento, e a associação, mesmo com estatais, foi adotada em setores estratégicos, como a indústria automobilística, o campo do petróleo. A principal empresa privada brasileira, até agora, a ter feito associação com uma empresa da China, no caso estatal, foi a Embraer. O segundo conselho de Carlos Tavares é "não forçar a barra", nunca pressionar, nunca insistir, não esperar resolver as coisas logo no primeiro encontro, ou no segundo ou no terceiro – deve-se respeitar o tempo dos chineses, suas preocupações. Devem ser realizadas numerosas reuniões, no café da manhã, no almoço, no jantar, alternando-se a China e o Brasil como sede das reuniões, até que os chineses se julguem preparados para dar a resposta final. Segundo Carlos Tavares, os negociadores chineses gostam de receber presentes, como a camisa da Seleção Brasileira. Não se deve de maneira nenhuma conversar sobre política, ou sobre religião, que são assuntos tabus na China. Em contrapartida, os chineses gostam de conversar sobre futebol, esportes em geral, sobre teatro, turismo. Gostam de ser convidados para visitar o Brasil. Atenção especial deve ser dada ao comportamento nas refeições na China. Um jantar de negócios neste país consta de oito pratos seguidos, e não se deve comer muito dos primeiros
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pratos que forem oferecidos, pois senão o estrangeiro pode se encher de comida e não querer comer dos pratos principais, servidos ao final, o que é interpretado como ofensivo. Carlos Tavares recomenda prestar atenção especial ao prato chinês para ocasiões especiais, o pato laqueado. Assim que os comensais se assentam, vão sendo servidas iguarias de pato, como asas, pé, coração e outros miúdos, mas o convidado deve se conter na degustação desses pratos deliciosos, pois senão não poderá comer o prato principal, o próprio pato, que é servido ao final e deve ser comido como recheio de sanduíches com pão e temperado com molho de soja. Também é importante, para manter conversas, ter noções abrangentes sobre a milenar cultura chinesa. Para isso é útil ler livros sobre a China, como os do próprio Carlos Tavares, que incluem China – o que é preciso saber, lançado em 2004, e China, origens da humanidade, a ser lançado nos próximos meses, ambos pela Aduaneiras, de São Paulo. Neste último livro, Carlos Tavares conta como os chineses são responsáveis por mais de setenta entre as principais invenções humanas. Além das mais conhecidas, como a bússola, a pólvora, o papel e a imprensa, as invenções chinesas incluem a cerveja, o vinho, o próprio futebol, as cartas de navegação. Carlos Tavares julga que já está provado que navegantes chineses atingiram a América bem antes de Colombo. Ele sabe do que está falando: afinal, já em 1992, ele lançou, pela Foglio, do Rio de Janeiro, o livro China, superpotência do século 21 – lema que só muitos anos mais tarde se tornou um lugar comum –, com prefácio do empresário Horácio Coimbra, da Cacique, a primeira empresa brasileira a se ter estabelecido na China. Até que esses encontros se tornassem possíveis, no entanto, no decorrer de milênios houve muito desencontros entre a China e o Ocidente. As origens remotas do afastamento entre Oriente e Ocidente e a sua recente aproximação e seu futuro Durante milênios, apesar de contatos mais freqüentes e mais intensos do que se costuma imaginar, Ocidente e Oriente vive-
ram trajetórias separadas e diferenciadas. À procura da origem dessas diversidades, muitos estudiosos chegaram à conclusão de que o que caracteriza o Ocidente é o individualismo e o que caracteriza o Oriente é o coletivismo, ou, mais exatamente, o comunalismo. Isso teria uma explicação remota no tempo. As primeiras comunidades humanas se dedicaram à caça, pesca e coleta, e os seres humanos se organizavam em tribos. Em seguida, com o surgimento da agricultura, apareceram as primeiras aldeias; depois, federações de aldeias comandadas por uma cidade. Nessa fase, nas aldeias e nas cidades, surgiram os primeiros governos e forças armadas, sustentadas por tributos arrecadados primeiro em espécie. Em troca de serem sustentados pelos
O povo chinês tem mais de 7 mil anos de história e há indícios que descobriram a América.
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Ópera de Pequim: em meio à onda de modernização e influências do Ocidente, o governo luta para manter vivas as tradições.
agricultores e lavradores, administradores e soldados regulavam as relações sociais e econômicas, e protegiam a sociedade contra invasores e agressores. Pouco a pouco foram se organizando federações de cidades, em reinos e impérios, em particular para controlar a distribuição das águas dos rios e córregos entre as propriedades agrícolas familiares, que eram constituídas de posseiros livres, mas controlados, pois tinham de cumprir cotas de produção e de tributos. Não havia escravos nas propriedades agrícolas, mas sim no serviço doméstico, nas obras públicas, como canais, templos, e no serviço militar. Aliás, não se pode falar em propriedades agrícolas, pois todas as terras eram de propriedade da comunidade, na pessoa do rei ou imperador, que atribuía a posse de cada terreno e de cada empresa a verdadeiros funcionários públicos nomeados, esquema semelhante funcionando para a nomeação de arrecadadores locais de tributos e administradores, que chefiavam soldados armados. Isto prevalecia em todo o mundo então civilizado, na Mesopotâmia, Irã, Índia, China, Meso-América, Peru. Foi então que ocorreram, por volta de 2 mil ou 1.500 anos antes de Cristo, os eventos decisivos que diferenciaram Ocidente e Oriente. Invasores vindos do norte e do leste ocuparam o território que hoje constitui a Grécia e, mais tarde, a Itália, e transformaram em escravos os agricultores que lá se encontravam, em propriedades individuais outorgadas aos principais chefes invasores. Surgiam ao mesmo tempo, no Ocidente, o escravismo agrícola, a propriedade privada e o individualismo dos proprietários, enquanto nas outras partes do mundo continuavam a prevalecer a propriedade comunal, na pessoa do soberano, e o comunalismo Desde então, a história do Ocidente, segundo muitos estudiosos, passou a oscilar entre a liberdade e a igualdade. A liberdade dos proprietários individuais permitia que os mais capazes dentre eles ocupassem mais espaço social, econômico e cultural, e os proprietários menos favorecidos, baseados em que eram igualmente proprietários, exigiam igualdade de direitos, particularmente di-
reitos políticos. Surgia então, pela primeira vez na história, na Grécia antiga, a noção de democracia, ou seja, a noção de igualdade de direitos políticos entre os proprietários – já que os não proprietários, ou seja, naquela época, os escravos, estavam excluídos de qualquer direito. Fora do Ocidente, entretanto, a oscilação era entre comunidade e eficiência. Sucediam-se períodos em que prevalecia o comunitarismo, a noção de que cada um fazia parte de um todo social e cada um tinha um lugar bem definido e sempre digno dentro da sociedade, e períodos em que prevalecia a busca de eficiência, em que os mais eficientes garantiam privilégios a que os menos eficientes não tinham acesso. Dentro dessas linhas, segundo muitos pesquisadores, é que teriam ocorrido os percalços históricos subseqüentes. No Ocidente, a propriedade individual se transmutou de escravista em feudal e, depois, em empresarial. Os antigos escravos se transmutaram em servos semi-livres, que tinham de trabalhar parte do tempo nas terras do senhor feudal, mas, fora disso, trabalhavam em suas próprias terras e, além do necessário para a subsistência, tinham direito de dispor livremente do excedente, isto é, de vendê-lo a particulares. Daí em diante a história é bem conhecida, a da transição para a sociedade empresarial, em que continuou a prevalecer progressivamente a noção de democracia, a noção de igualdade de direitos políticos entre os livres proprietários, primeiro restrita aos proprietários de empresas, e depois, ao longo dos séculos 19 e 20, estendida também para os proprietários inicialmente só de si mesmos, os assalariados, capazes, ao contrário dos escravos e dos servos, de dispor livremente, em tempo integral, no mercado de trabalho, das suas aptidões de trabalho e da possibilidade de negociar seu preço. Essa seria a história da democracia ocidental. Uma contraprova indireta dessa tese é o caso excepcional do Japão. Neste, por volta da Idade Média européia, os antigos funcionários públicos nomeados para administrar cada região e arrecadar os impostos de que tinham de reservar grande parte para o gover-
Um brasileiro na China: livro do jornalista Gilberto Scofield Jr. aborda comportamento, história, cultura, economia e outros assuntos variados.
no central do imperador, se revoltaram para aumentar suas partes dos tributos e se transformaram em senhores feudais, isto é, em proprietários individuais semelhantes aos europeus da mesma época. Isso facilitou a transformação da sociedade japonesa numa sociedade empresarial semelhante às suas contrapartidas na Europa e na América. Essa seria a raiz do fato de a democracia de livres proprietários, seja de empresas, seja de suas próprias pessoas, ter triunfado também no Japão. Na Rússia, em que prevalecia uma situação intermediária entre o Ocidente e o Oriente, foi possível instalarse uma economia empresarial, mas sob a égide e o controle do Estado, primeiro do Estado tzarista, depois do Estado comunista e em seguida do Estado pós-comunista, em que a tendência maior não tem sido a oscilação entre a liberdade e a igualdade e a prevalência da democracia, mas sim a antiga oscilação entre a comunidade e a eficiência e a prevalência do autoritarismo. A China seguiu trajetória mais semelhante à da Rússia do que à do Japão, com exceção de que o Estado pós-comunista que controla a economia empresarial continua dirigido por comunistas. Resta à história no futuro decidir se, após um período de predomínio da eficiência, se sucederá na China novo período de comunitarismo, ou se, como no Japão, mas em circunstâncias diferentes, os proprietários passarão de controlados a livres, a mão-deobra passará a poder negociar livremente o seu preço no mercado e assim se constituirão as condições de instauração de uma democracia semelhante à ocidental e à japonesa. O cotidiano da China atual Mas como é, em termos mais concretos, a vida dos chineses, que constituem um quinto da população do mundo e levam adiante a economia mais dinâmica do planeta. Um dos livros
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mais importantes a ter saído no Brasil recentemente sobre a China é, sem dúvida, Um brasileiro na China – O olhar de um jornalista estrangeiro sobre o país que mais cresce no mundo, de Gilberto Scofield Jr., correspondente do jornal carioca O Globo em Pequim, editado pela Ediouro. Sua principal contribuição parece ser o desmentido à visão muito difundida de que a China seria um país parecido com o Japão. Ao contrário, segundo Scofield, o país não é nada zen e tranqüilo, nada disciplinado e organizado. Como se pode ver na foto que ilustra a capa do livro, em que pessoas que andam de bicicleta seguem diferentes direções, seja qual for o ponto da pista onde estejam, correndo o risco permanente de colisões, a paisagem urbana da China é um caos tanto no trânsito de veículos e no tráfego de pedestres, como nas novas construções que se sucedem ininterruptas praticamente em toda a cidade, em meio à poeira e ao barulho, e sob uma espessa nuvem de poluição absolutamente sem controle. Não existe, na milenar cultura chinesa, a noção de fila, que só agora o governo está fazendo campanha para implantar, por causa das Olimpíadas. A insegurança permanente se repete nos meios de transporte público, em que os que querem entrar no metrô, que sempre são uma massa de pessoas, se chocam com os que querem sair, que invariavelmente são outra massa de pessoas – e nesse entrechoque vencem os mais fortes. Pois o governo não consegue impor a noção de que os que saem do metrô têm precedência sobre os que entram, como acontece em quase todos os países. Também os motoristas de veículos não têm a noção de via preferencial nos cruzamentos, que sempre são um palco de desafios. Por trás de todo esse caos urbano, estão as enormidades demográficas da China. Afinal, nesse país se concentra um quinto de toda a população mundial. Há muitos anos já que o governo estabeleceu um pesado imposto sobre os rendimentos do casal que tenha mais de um filho e se estima que finalmente a vasta população da China vá começar a se estabilizar e em seguida vá cair, a partir de 2040. Por enquanto, os casais vão procurando meios de driblar essa "proibição de ter mais de um filho". Como os homens são considerados mais importantes
Simon Zo/Reuters
do que as mulheres, e numa prática que antigamente era mais comum, se dava "um jeito" (infanticídio) se o primeiro bebê fosse menina, e assim por diante, até que nascesse um menino – a tal ponto que, nas gerações mais jovens, há bem menos mulheres do que homens e boa parte destes estão condenados à solteirice vitalícia. Mais recentemente, se descobriu que mesmo mulheres férteis, se fizerem tratamento de fertilidade antes reservado às inférteis, aumentam as chances de terem gêmeos, caso em que não se aplica a "lei do segundo filho" – e o resultado é que há um número excepcionalmente grande de nascimentos de gêmeos nas maiores cidades chinesas. Na China, como nos países muçulmanos, os homossexuais continuam sendo malvistos, como eram no Ocidente até a segunda metade do século 20. Afinal, na Grã-Bretanha de até então, o homossexualismo era muitas vezes considerado crime. Os homossexuais chineses, até 2001, eram considerados oficialmente doentes mentais; afinal, a Associação Psiquiátrica Americana só retirou o homossexualismo da lista de doenças mentais nos anos 1950. A China alardeia que lá vigora a liberdade religiosa, mas isso só é válido para os cultos considerados leais ao regime. No caso dos católicos romanos, só se toleram os que não reconhecem o papa; no caso dos budistas tibetanos, só se toleram os que não reconhecem o Dalai Lama e sim o Panchen Lama, nomeado pelas autoridades chinesas. Seitas como a Falun Gong não são toleradas e seus membros são sistematicamente perseguidos e mesmo detidos, presos e condenados. A China não constitui um Estado-nação e sim um Estado multinacional, em que as etnias não chinesas, como os tibetanos e os uigures, são oprimidas, sem autonomia política e sempre sofrendo tentativas de desenraizamento cultural. Aliás, ao longo da história, a maior parte dos Estados, como o Império Romano, foram multinacionais mas nos últimos séculos, e com a difusão cada vez maior da economia empresarial, que precisa de mercados unificados culturalmente, tem vigorado cada vez mais a tendência a Estados nacionais, como mostram a dissolução, no começo do século 20, do Império Otomano e do Império Aus-
tro-Húngaro, e, no fim do século passado, da União Soviética e da Iugoslávia. Os recentes acontecimentos no Tibete mostram que o Estado multinacional chinês também corre riscos de dissolução. Quanto à política entre os próprios chineses dominantes, existem muito dissidentes, desde pró-ocidentais até comunistas radicais que querem eliminar a iniciativa privada. Quando adquirem alguma força, ou repercussão internacional, esses dissidentes ficam sujeitos a ser demitidos de seus empregos, destituídos de seus cargos, detidos e até mesmo condenados à prisão.
O governo estabeleceu um pesado imposto sobre os rendimentos do casal que tivesse mais de um filho.
Temas polêmicos no cinema e na literatura Até que ponto a cultura chinesa contemporânea reflete esses conflitos e até que ponto vale a pena ler a ficção chinesa e assistir a filmes chineses para conhecer melhor o país? Assuntos polêmicos – sexo, religião e política – têm presença bem menor no cinema chinês do que, por exemplo, no americano e europeu. Quando se assiste a um filme chinês, é preciso verificar se ele é originário de Hong Kong ou Taiwan, onde as regras são mais liberais, ou se é provindo da China. Neste último caso, o filme pode estar liberado
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A primeira exibição de cinema na China data de 1896, em Xangai. O primeiro filme chinês é de 1905
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para passar no exterior, em particular em festivais, mas pode não ser liberado para passar na própria China. A primeira exibição de cinema na China data de 1896, em Xangai. O primeiro filme chinês foi feito em 1905, pela Ópera de Pequim, A Batalha de Dingjunshan. Nos anos 1920, técnicos americanos ajudaram companhias chinesas a realizar filmes de entretenimento; nos anos 1930 surgiram os chamados "filmes esquerdistas". Durante a ocupação japonesa, poucos filmes foram feitos nas regiões não ocupadas, em especial em Xangai, com nacionalistas e comunistas disputando a influência sobre os cineastas. Com a ofensiva japonesa em múltiplas regiões, cineastas chineses chegaram a realizar filmes pró-Japão. Com a vitória sobre o Japão, e em meio à guerra civil em que os comunistas iam conquistando cada vez mais territórios nacionalistas, foi retomada a indústria cinematográfica, de novo em Xangai, e a obra-prima desse período, de 1948, é Primavera numa cidadezinha, do diretor Fei Mu, filme que foi considerado o melhor de todos os tempos na China, num festival em Hong Kong, em 2004. No entanto, desde a tomada do poder pelos comunistas, até a última virada de século, estava proibido como "direitista". De 1949 a 1966, isto é, entre a Revolução Comunista e a Revolução Cultural, foram feitos mais de 600 filmes de longa-metragem e mais de 8 mil rolos de curtas, documentários e desenhos, praticamente todos de propaganda política, com diretores, técnicos e atores largamente treinados em Moscou, e sempre com
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sua "ideologia" variando de acordo com os humores das autoridades dominantes. Os avanços foram principalmente técnicos, em especial nos desenhos animados, em que foram aproveitadas as milenares técnicas chinesas de pintura, recorte em papéis, teatro de sombras e de bonecos. Um desses desenhos, Confusão no Céu, dos Irmãos Wan, teve êxito internacional no começo dos anos 1960. Nessa época, ocorreu um abrandamento da censura e os filmes adquiriram um caráter mais chinês do que soviético, como o famoso Destacamento Vermelho de Mulheres, lançado pelo diretor Xie Jin, em 1961. Mas em seguida veio a longa noite da Revolução Cultural, com seus efeitos catastróficos de censura e perseguição tendo durado até o fim dos anos 1970, praticamente até 1978, quando começou a grande abertura econômica e a pequena abertura política vigentes até hoje. Poucos filmes foram realizados durante a Revolução Cultural, o único importante sendo, em 1971, uma versão musical e de balé do Destacamento, e a maioria dos filmes anteriores foi proibida. Quando houve a primeira e ainda tímida liberalização, nos anos 1980, o cinema já tinha de enfrentar a concorrência da televisão e nunca mais alcançou o pico de 4 bilhões de entradas vendidas, em 1959. Além disso, as autoridades chinesas viam como politicamente incorretas as produções mais populares, de aventuras e artes marciais, tão difundidas no mundo inteiro, mas por Hong Kong e Taiwan e não pela China Popular. De todo modo, então surgiram os chamados "filmes das cicatrizes", de descrições dos horrores das perseguições, homicídios, trabalhos forçados e delações da Revolução Cultural, como Chuva ao entardecer, de Wu Yigong, de 1980; A cidade do hibisco, de Xie Jin, de 1986. Esses filmes, no entanto, ainda seguiam, formalmente, o chamado "realismo socialista". Mas então, nos fins dos anos 1980, começou um grande período de filmes de arte, com diretores revolucionários esteticamente, como Chen Kaige e Zhang Yimou apresentando filmes como Rei das crianças (1987) e o famoso Lanternas Vermelhas (1991); e a partir daí o realismo socialista praticamente sumiu das telas, substituído até por filmes policiais e a respeito de temas sobrenaturais.
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No entanto, desde os anos 1990, com a intensificação da repressão política a partir do Massacre da Praça da Paz Celestial em 1989, os filmes mais interessantes do cinema chinês passaram a ser feitos, semiclandestinamente, por amadores, com tomadas longas e som local, num estilo documentarista. Filmes menos ambiciosos artisticamente e documentalmente, mas com grandes recursos de produção, têm sido feitos em co-produções com empresas estrangeiras, em geral de aventuras, como Herói, de 2002, ou Botão de Jasmim, mais recente. Fica claro, de todo modo, que assistir a filmes chineses, embora permita conhecer a cultura chinesa e os costumes dos chineses, não permite ter uma idéia muito nítida sobre o cotidiano chinês contemporâneo, suas agruras e suas bonanças. Isso é muito mais tarefa da literatura, em especial da literatura dos autores exilados. Do clássico ao contemporâneo Textos em chinês existem pelo menos desde o século 14 antes de Cristo, mas o primeiro auge da literatura clássica, como os livros de
Confúcio e Lao Tzu, além do I Ching, ocorreu a partir de 600 anos antes de Cristo. Embora tenham sido proscritos no auge do comunismo, quando se queria criar uma sociedade nova a partir do zero, o confucionismo, com sua meta de bem-estar social e o estabelecimento dos deveres recíprocos de governantes e governados, e o taoísmo, com seu cultivo da vida íntima e pessoal, são até hoje influentes na China, como também os textos budistas posteriores. O I Ching goza de fama mundial. Sucederam-se ao longo dos séculos obrasprimas da poesia, como O livro dos cantares (da mesma época de Confúcio), e da prosa, como O Romance dos Três Reinos, que se refere a acontecimentos do século 3 d.C., mas deve ter sido escrito mil anos depois. Do século 18 é o romance considerado mais importante da literatura chinesa, Sonho da Câmara Vermelha, do autor Tsao Hsueh Chin, sobre as aventuras amorosas de um cortesão. A partir da instauração do regime republicano em 1911, começaram a aparecer traduções de obras de autores ocidentais, o que influenciou a literatura que se seguiu, em que os grandes nomes da prosa foram, até a tomada do poder pelos comunistas, Guo Moruo e Mao Tun. Logo após 1949, impôs-se o realismo socialista, mas num curto período, chamado das Cem Flores, nos meados 1950, foram autorizados outros estilos. Isso porém foi uma verdadeira armadilha, pois os que se atreveram a publicar obras não realistas-socialistas logo passaram a ser perseguidos como "direitistas", ainda antes da tristemente famosa Revolução Cultural de 1966-1976, dez anos em que milhares de pessoas com formação superior foram condenadas a se "reeducar" trabalhando na lavoura. Com a morte de Mao em 1976 e a ascensão de Deng em 1979, começaram as primeiras li-
À esq., cartaz do filme Lanternas Vermelhas, que recebeu prêmio no Festival de Veneza. Abaixo, capa do livro A Montanha e o Rio, de Da Chen.
Antonio Milena
Mark Ralston/AFP
Apesar da proximidade, a China não é parecida com o Japão. O país não é nada zen, como afirma o jornalista Gilberto Scofield Jr. em seu livro.
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beralizações também na literatura. Surgiram a "literatura dos machucados", relatando os desmandos da Revolução Cultural, e a literatura feminista, pela primeira vez na história da China, com nomes como Zhang Jie. Mas, depois do Massacre da Paz Celestial em 1989, os melhores autores passaram a publicar ou em Taiwan ou em países como os Estados Unidos. Em 2000, Gao Xingjian se tornou o primeiro chinês a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Nascido em 1940, foi denunciado pela própria esposa durante a Revolução Cultural, que o condenou a trabalhar como lavrador. Reabilitado, passou a poder viajar para o exterior a partir de
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1979, publicando obras de um realismo pessimista que sempre incomodou as autoridades chinesas. Sua peça Ponto de ônibus foi proibida em 1983; o ônibus levava dez anos para chegar, como o fim da Revolução Cultural. Desde 1987, vive em Paris. O autor chinês não exilado mais importante é Su Tong, autor dos livros que deram origem aos filmes Lanternas Vermelhas, sobre as relações familiares anteriores ao comunismo, em que o homem podia ter várias esposas, e Botão de Jasmim, sobre a tragédia das vidas de avó, filha e neta em meio aos tumultos da história moderna da China. Mas uma visão da literatura da China não estaria completa sem a menção a outros autores exilados, como Da Chen, radicado nos Estados Unidos desde os anos 1980, do qual foi publicado no Brasil o romance A montanha e o rio, editado pela Nova Fronteira. Trata-se de uma obra de grande arte, que apresenta um imenso painel da vida chinesa desde depois da Revolução Cultural até tempos mais recentes. É a história de dois irmãos que não se conhecem, um deles filho legítimo de um alto oficial militar, filho que é criado em meio ao luxo e ao requinte cultural das mais altas rodas de Pequim, e o outro seu filho ilegítimo, criado em meio à miséria de uma aldeia da fronteira com o Vietnã e à violência de reformatórios. O filho legítimo e rico se torna dissidente pró-democracia e o filho ilegítimo e pobre se torna agente do governo comunista. Ambos alternam períodos de prisão e de poder – como mostra a história chinesa recente, lá um dos caminhos mais fáceis para o poder é a passagem pela prisão e um dos caminhos mais fáceis para a prisão é a passagem pelo poder. Estatal, mas não estática Como mostram os livros de Da Chen, de Carlos Tavares e Scofield, a sociedade chinesa pode ser ainda largamente estatal, mas es-
tá longe de ser estática. Outro livro importante, para conhecer a China, foi publicado em inglês, The China Fantasy, em que o autor, o pesquisador americano James Mann, conta como os dirigentes dos Estados Unidos buscam ignorar a repressão na China e mantêm boas relações com o governo repressor chinês, embora em outras partes do mundo procurem combater governos como os de Cuba, Venezuela e mesmo Rússia, em nome dos direitos humanos. A situação descrita por Mann, entretanto, passou recentemente por algumas mudanças – o governo americano apoiou os rebeldes tibetanos em março último num grau bem maior em relação à ajuda que vinha prestando aos dissidentes chineses pró-ocidentais. De todo modo, fica bem claro que uma sociedade industrial e empresarial só pode ter a sua economia planejada, como na antiga União Soviética e na China Popular de antes de 1978, se se mantiver num único patamar tecnológico. Ou se for possível, o que nunca foi o caso, fazer todas as empresas do mesmo ramo mudarem ao mesmo tempo o seu patamar tecnológico. É a concorrência que faz desenvolver a tecnologia, pois pode ser possí-
vel a um país, dentro de determinados limites, planejar a indústria e, menos, a agricultura, o comércio e os serviços – mas não é possível planejar o desenvolvimento tecnológico, já que nunca se sabe qual vai ser o resultado de cada pesquisa. A concorrência é que desenvolve a tecnologia. Por isso as antigas economias planejadas da União Soviética e da China Popular se tornaram defasadas t e c no l o g i ca m e nte, como ainda são Cuba e a Coréia do Norte, e por isso a nova China, com concorrência inclusive entre as estatais do mesmo ramo, se tornou a nação mais dinâmica e mais tumultuada do mundo contemporâneo. Resta ver se seu regime político poderá sobreviver a eventuais problemas econômicos maiores.
Acima, capa do livro de James Mann, que mostra como os EUA ignoram a repressão na China. Ao lado, o trânsito sempre caótico de Pequim.
Claro Cortes/Reuters
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Nossa repórter no ninho dos dragões Sonaira San Pedro enviada especial à China
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a China, é preciso deixar de lado todo aquele papo zen. Ao desembarcar no país, a primeira coisa que se observa é o superlativo. A começar pelo aeroporto, recém-inaugurado Terminal 3, maior do mundo e que impressiona pela arquitetura. Além dos muros do aeroporto, tem gente demais, obras demais, bicicletas demais, carros demais e uma própria lógica chinesa no meio desse caos que somente eles entendem. Tudo parece exagerado e grandioso. Também pudera: estamos falando de um país que abriga um quinto da população mundial, ou 1,3 bilhão de habitantes, e de uma economia que cresce a taxa de 10% ao ano há mais de uma década. E que, além disso, passa por uma transformação acelerada a tempo de ser apresentada oficialmente ao mundo em três meses, nos Jogos Olímpicos de Pequim, quando 1,7 milhão de estrangeiros devem desembarcar no país e bilhões de pessoas assistirão os jogos de algum outro lugar do mundo. É tamanho o interesse do mundo no país, que a Olimpíada de 2008 já é considerada um sucesso antes mesmo de o relógio marcar 8 horas, 8 minutos e 8 segundos, no dia 8 de agosto, quando a pira do National Stadium será acesa. Além dos investimentos do governo chinês de US$ 34,6 bilhões para a preparação do evento, os patrocinadores desembolsam US$ 1,5 bilhão de dólares, ou o triplo do valor arrecadado nos Jogos de Atenas, há quatro anos. Os chineses continuam supersticiosos e acreditam que o número 8 (diz-se
Sonaira San Pedro/DC
Sonaira
San Ped
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Na China, tudo parece exagerado e grandioso, o trânsito caótico, as filas de bicicletas, a aglomeração em frente à Cidade Proibida em Pequim. No destaque e abaixo, Estádio Nacional, palco dos Jogos Olímpicos.
Antônio
Milena
ba e tem som parecido com o equivalente a rico) traga boa sorte. Para um país que, por muitos anos aceitou apenas o esporte como manifestação coletiva possível, já há expectativas de grandes investimentos estrangeiros também por conta dos Jogos Asiáticos, que acontecem na região industrial do Cantão em 2010, e que deverão consumir mais US$ 27 bilhões em investimentos de infra-estrutura. E é na região do Cantão, mais especificamente nos arredores de Guangzhou – capital da província de Guandong – e Shenzhen – colada à Hong Kong – que está a grande maioria das fábricas chinesas. Montadoras de carro, indústrias de aparelhos eletrônicos em geral e siderúrgicas se espalham pela região. Ali, baixos custos de produção são financiados, principalmente, pela mão-de-obra local barata e muito produtiva, por impostos e custos de infra-estrutura relativamente baixos e a desvalorização do renmibi, a moeda local, em relação ao dólar. "Todas as empresas do mundo estariam na China, se pudessem", afirmou a sócia da empresa Win Business, Ling Wang, que há cinco anos assessora empreendedores brasileiros que
Liu Jin/
AFP
Sonaira San Pedro/DC
Canton Fair: feira de negócios, que ocorre duas vezes por ano em Guangzhou. Uma das principais portas de entrada para empresários que desejam participar do mercado chinês.
planejam fazer negócios com chineses. Ela contou o caso curioso da companhia alemã Thyssenkrupp, que foi literalmente desmontada e se mudou fisicamente de Dortmund para a cidade chinesa de Jingfeng, em 2002. Cerca de 250 mil toneladas de equipamentos foram enviados para o oriente, além de 40 mil quilos de documentos que explicavam onde deveria ser colocado cada parafuso da empresa na hora da remontagem. "A fábrica foi reconstruída exatamente como era na Alemanha e esse caso ilustra bem o que é a competitividade entre os mercados", disse a especialista. Negócios da China "A China é tão interessante para empreendedores que querem se mudar para lá como para quem quer importar mercadorias. Mas, muitas vezes, eles não têm noção de como se dá o primeiro passo para isso", diz Ling Wang, que mostra o caminho. O primeiro passo é procurar câmaras de comércio, empresas especializadas neste tipo de assessoria e associações de empresários. "Eles darão toda a assistência que você precisar: desde como agir baseado nas diferenças culturais, a ajuda com intérpretes, os melhores lugares para visitar, as missões comerciais, assistência jurídica", disse. Mas antes de contatar qualquer empresário chinês, entender a diferença cultural na área de negócios é essencial. Longe da ansiedade dos brasileiros, que preferem resolver os negócios no primeiro encontro, os chineses gostam de aprofundar relações e não economizam tempo em reuniões ou jantares para conhecer
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melhor a pessoa com quem eles querem tratar. Por isso, ir à China com agenda apertada é perda de tempo. As melhores entradas para o mercado chinês são as feiras de negócios. A mais disputada delas, por abrigar novidades de diferentes setores de produção, é a Canton Fair, que acontece em Guangzhou duas vezes por ano e acaba de fechar sua primeira edição de 2008. Mas, antes de embarcar em uma das diversas missões comerciais para o evento, que partem do Brasil levando empresários brasileiros, é melhor fazer contato com os empreendedores chineses que você deseja visitar. "Porque não adianta chegar lá e pegar panfleto para mandar e-mail depois que voltar ao Brasil", afirmou o encarregado das missões comerciais da China Trade Center, Adalberto Almeida. "É preciso contatá-los antes pois, já no início das conversas, você verá que as mensagens eletrônicas e os telefonemas não serão respondidos prontamente. Os chineses são cautelosos no começo de um relacionamento." Ao final de um encontro de negócios, é esperada a troca de presentes entre os futuros parceiros comerciais. Convites para novos encontros mostram que a reunião foi bem sucedida e aceitá-los é uma maneira de demonstrar que você também tem interesse em estreitar o relacionamento – e fechar negócios, claro. Nas primeiras vezes que esteve na China, há oito anos, o empresário catarinense Zany Leite sentiu um pouco de dificuldade para se entrosar com os "chinos", mas adaptar-se à cultura local foi questão de tempo. "No começo, eles são fechados, mas depois que sentem confiança em você, podem se tornar seus melhores amigos", disse, enquanto esperava um vôo de Pequim para Guangzhou, para participar da Canton Fair. "E sem amizade não tem negócio". Hábito peculiar dos chineses, lembrado pelo empresário, é a dificuldade que este povo tem em dizer "não". Em uma negociação, se eles discordam dos caminhos que estão sendo tomados, simplesmente mudam de assunto ou tentam desviar a atenção para outro ponto da conversa de forma sutil. "É preciso sensibilidade para pegar essas coisas no ar", afirmou Leite. "O melhor é não forçar a situação e deixar as coisas acontecerem no tempo certo". Ou melhor, no tempo dos chineses. A arte da pechincha Longe das mesas de negociações e da intenção de estreitar relacionamentos para se manterem negócios duradouros, nos mercados populares chineses a regra é barganhar antes de fechar qualquer compra. E isso vale até para os preços mais atrativos. Não se preocupe
se você não fala chinês. O chinglês (mistura do idioma local com o inglês) praticado pelos vendedores ajuda na negociação. Os comerciantes locais aprendem palavras-chave em inglês para discutir com os estrangeiros. "Luka, Guda!", costumam gritar os vendedores para chamar a atenção de quem passa pelos estandes do Silk Street Market, mercado onde se vende de tudo e é o terceiro destino mais visitado de Pequim, atrás apenas das Muralhas e da Cidade Proibida. Eles pedem para olhar o produto e, em bom chinglês adiantam que é de boa qualidade. Se o visitante não der a mínima para o vendedor, ele lhe puxa pelo braço para avisar que vai dar desconto: "Chipa, Frenda!", ou barato para o novo amigo. Vale a pena negociar antes de fechar qualquer negócio e o comerciante já vem com a calculadora em mãos para o momento da barganha. Se você não aceitar o preço sugerido, ele vai lhe pedir para digitar quanto você quer pagar. A dica é oferecer um valor baixíssimo, apenas 20% do preço originalmente oferecido. E, aí, começa a guerra dos preços. Mas não se contente com a primeira redução que conseguir. Conquistado o primeiro desconto, peça ainda mais barato três, quatro, cinco vezes e economize mais da metade dos seus reminbis para as próximas compras. "Os comerciantes colocam os preços lá no teto porque sabem que todo mundo vai pedir desconto e a gente põe o preço lá embaixo porque também quer tirar vantagem. Faz parte da cultura e é quase uma arte chinesa a negociação", disse a estudante universitária Xiao Zheng. "Muitos ocidentais que chegam aqui se empolgam porque acham que os preços são muito baixos. Mas, se eles pechincharem, ainda podem pagar menos".
lhores grifes mundiais, são inaugurados no lugar de antigas lojas de departamento soviético. E as marcas estão de olho nos chineses que não se importam em colocar a mão no bolso para ostentar grifes. A segunda maior loja do mundo da Louis Vuitton, por exemplo, fica em Xangai (a primeira está em Paris). Na onda deste consumo enlouquecido, a marca mineira Arezzo inaugura sua primeira loja na cosmopolitana Xangai. "O foco é o mercado de luxo e o plano é abrirmos 207 pontos-de-venda da marca em território chinês até 2016", disse o diretor de expansão e franquias da Arezzo, Mário Goldberg. "As lojas serão exatamente iguais às do Brasil e venderemos não somente os produtos, mas o conceito da marca neste novo mercado." Ainda em 2008, as cidades de Pequim, Guangzhou e Shenzhen abrigarão lojas da grife brasileira. O master franqueado e parceiro da Arezzo na China é o grupo Prime SuReinhard Krause/Reuters cess, representante de marcas como Adidas e detentor da rede de lojas de calçados populares Shoe Box. Enquanto no Brasil, um produto da marca mineira custa o equivalente a US$ 90, na China ultrapassará os US$ 150. Todos os modelos serão exportados do Brasil para o país asiático, com detalhes dos calçados e acessórios mais refinados que os brasileiros e adaptados ao gosto da consumidora chinesa.
Explosão do consumo A classe média emergente chinesa e um mercado com 1,3 bilhão de consumidores potenciais chamam cada vez mais a atenção de grandes marcas mundiais. O aumento da renda dos chineses, somado à vontade que eles têm de tirar o atraso de anos de demanda reprimida de consumo, são a grande justificativa para que quase todas as grifes do mundo estejam na China e, ainda, com projetos ambiciosos de expansão no país. O crescimento das vendas de varejo cresce 20% a cada ano, o que ajuda a explicar a inflação de 8% somente no primeiro trimestre de 2008. Os carros, hoje o bem mais desejado pela classe média chinesa, vão tomando o lugar das bicicletas nas ruas das grandes cidades. Os donos de telefones celulares já ultrapassaram os de aparelhos fixos. Nos mercados chineses, shoppings centers que cheiram à tinta fresca, recheados de artigos das me-
Nas feiras livres, pechinche para economizar seus reminbis, pois os vendedores sempre colocam o preço inicial muito acima do real. Abaixo, estande da Nissan na feira Beijing AutoShow 2008.
Frederic J. Brown/AFP
China: ameaça
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Hsieh Yuan Diretor do China Desk da KPMG no Brasil
Paulo Pampolin/Hype
China, conhecida nos anos 70 como "Dragão Adormecido", despertou e, ao longo das últimas duas décadas, apresentou atividade econômica intensa, acumulando resultados positivos e conquistando gradativamente posições políticoeconômicas antes limitadas aos países do G7. Vivendo o momento mais favorável em toda sua história, a China, apesar de ainda preservar valores originados do sistema comunista, segue em direção à convergência de ações com a iniciativa privada nas esferas internacional, Estado Central, província e município. Sendo assim, verifica-se o desenvolvimento do setor de matéria-prima bruta e processada, além da aquisição de marcas globais de alta tecnologia – um exemplo é a compra da divisão de PCs da IBM pela Lenovo, aquisição das empresas RCA Norte Americana e Thomson Francesa pela gigante de eletrônicos chinesa TCL.
ou oportunidade? O sistema financeiro chinês, focado no desenvolvimento econômico do país, adota medidas sólidas, visando resultados a médio e longo prazo. O mesmo pode-se dizer a respeito da política de comércio internacional, que mesmo mantendo alguns valores protecionistas, apresenta uma equipe experiente de negociadores e defensores da quebra de barreiras comerciais. Outro ponto a favor da economia chinesa é o crescimento constante de investimentos estrangeiros no país, considerado um dos principais alvos das multinacionais. Entretanto, saciar o apetite do "gigante" demanda ainda o desenvolvimento de determinados setores, como Agricultura e Energia. Neste cenário, encontra-se uma grande oportunidade para o Brasil se firmar como player importante no mercado global. O setor com maior potencial de crescimento é o de Petróleo e Gás, localizado, principalmente, nas áreas de Tarim, Turpan e Hami, no centrooeste do país. O desenvolvimento da plataforma submarina é outro foco de interesse dos países, uma vez que a China não apresenta conhecimento tecnológico suficiente para exploração em águas profundas. A área de Agricultura, até então muito concentrada na região Sul, tende a se expandir rumo às áreas mais ao norte, gerando a necessidade por expressivos investimentos. O crescimento continuo da renda dos trabalhadores nas províncias litorâneas possibilita o aumento do "apetite" do consumidor chinês por proteínas de maior qualidade e diversidade. Este cenário beneficia os produtores brasileiros de commodities, e abre espaço para produtos com maior valor agregado e abertura de itens ainda
restritos como ovinos e bovinos. Hoje, cerca de 70% da energia consumida no país é proveniente do carvão, localizado em reservas estimadas em mais de 700 bilhões toneladas. Na tentativa de identificar novas fontes, a construção de hidrelétricas ganha destaque, uma vez que o potencial hídrico é estimado em 600 milhões kilowatts. Os biocombustíveis também são vistos como alternativa energética favorável à redução da poluição ambiental. Além disso, cerca de três dezenas de usinas termonucleares estão sendo planejadas. As diretrizes do governo central sobre metas de melhoria da eficiência energética, assim como os percentuais para diversificação são grandes desafios para o país. Sob o aspecto do desenvolvimento industrial, é preciso focar na melhoria de eficiência das empresas estatais por meio dos processos continuados de governança corporativa, de desenvolvimento de novos negócios de alta tecnologia e de migração das companhias baseadas na região costeira para o centro-oeste do país. Outra demanda que também deve ser saciada rapidamente nas províncias do interior da China é a continuidade da renovação da infraestrutura, por meio de construção de estradas, portos, ferrovias e aeroportos. O cenário chinês atual apresenta, cada vez mais, oportunidades reais de negócios ao Brasil. Principalmente nas áreas de agronegócios, mineração e de energia, com fornecimento de soja, minério de ferro e petróleo, respectivamente. Além disso, o País participou com os chineses na construção da maior hidrelétrica do mundo e no primeiro jato comercial sino-brasileiro.
NO ESP ELHO DA CHI NA
Antonio Barros de Castro Assessor da Presidência do BNDES e Professor Emérito da UFRJ
"Strategic thinking helps us take positions in a world that is confusing and uncertain. … speculative judgements … are the essence of strategic thinking, and they can be the starting points for taking a position".(1)
Divulgação
Stringer/Reuters
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Preliminar sobre o atual deslocamento do centro de gravidade do crescimento mundial.
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oucos questionam hoje a idéia de que o centro de gravidade do crescimento econômico no mundo vem se deslocando para a Ásia, e mais concretamente para a China. Esta última economia, com o PIB expresso em PPP, já equivale a quase 50% do PIB norte americano e o seu crescimento, no período 2002 a 2006, explicou 29% do crescimento da economia mundial. Aliás, se a China e os Estados Unidos mantiverem o crescimento dos últimos 10 anos – uma hipótese otimista, em ambos os casos –, os dois países passariam a ter tamanho semelhante no curto intervalo de 10 anos. Não é a primeira vez que o centro de gravidade do crescimento da economia mundial se desloca. É bastante conhecido o fato de que nas primeiras décadas do século 20 completou-se o deslocamento do centro do capitalismo da Inglaterra para os Estados Unidos – e os historiadores acrescentam que entre os séculos XVII e XVIII uma mudança desta natureza transferiu da Holanda para a Inglaterra a liderança do nascente capitalismo. De acordo com Raul Prebish, ao negar, na prática, a clássica divisão internacional do trabalho, entre um centro provedor de manufaturas e a periferia, provedora de alimentos e matérias primas, a ascensão da economia norte-americana mudou radicalmente as oportunidades da América Latina - e muito particularmente de seu país, a Argentina. Este marcante episódio chama a atenção para um dos pontos tratados neste trabalho: deslocamentos deste tipo, raros na história, têm enormes implicações. A Argentina, por exemplo - que como a Austrália e a Nova Zelândia havia sido beneficiada pela divisão internacional do trabalho centrada na Inglaterra – frente ao declínio relativo inglês, teve que buscar outras soluções para voltar a crescer. Por outro lado, a ascensão dos Estados Unidos beneficiou inequivocamente o Canadá - mas não parece em absoluto ter aumentado as chances da Espanha e de Portugal. Alguns países estão tendo, nos mais recentes anos, as suas oportunidades mais que multiplicadas, revolucionadas, pela ascensão chinesa. Entre as economias mais claramente alavancadas encontram-se algumas integrantes do continente africano. Em outros casos, contudo, a China pode ter trazido mais problemas que oportunidades, sendo de se destacar, a este respeito, o ocorrido com algumas economias da América Central e, possivelmente, com o México. No próprio continente europeu, as conseqüências da ascensão chinesa parecem ser enormes e, mais uma vez, diferenciadas. Assim, por exemplo, a economia italia-
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na (e a indústria muito particularmente) parece haver perdido posições e rumo, enquanto a Espanha (que poderia, em princípio, ter um destino semelhante ao da Itália), mediante combinação de políticas públicas e criatividade empresarial, parece estar desenvolvendo, paulatinamente, novas e amplas oportunidades de negócios. A sumária referência a estas duas economias sugere dois ensinamentos. Primeiramente, o resultado das translações de que estamos falando não está predeterminado, podendo mostrar-se de uma importância decisiva as escolhas feitas (aí incluída a inanição e a paralisia) pelas políticas públicas, em associação com as empresas. Além disto, fica também sugerido que o possível proveito tirado por uma economia de uma mudança sistêmica do tipo aqui focalizado pode não surgir direta e imediatamente. Tende, na realidade, a depender da sua capacidade de desenvolver novas oportunidades – inclusive em outros espaços, estes, sim, é de presumir-se, diretamente afetados pelo deslocamento do centro de gravidade do crescimento mundial. Concretamente: a Espanha está explorando oportunidades de investimento em infra-estrutura na América Latina – que vêm sendo nitidamente ampliadas por pressões de demanda procedentes, direta ou indiretamente, da China. A redistribuição das oportunidades bem como dos entraves ao crescimento depende, numa primeira instância, das características dominantes no centro ascendente – sobretudo na medida em que elas se revelem originais ou mesmo inéditas. No que segue apontaremos sumariamente algumas das características da economia chinesa, destinadas a balizar decisões mundo afora. A ênfase no peculiar não provém apenas do excepcionalismo chinês. Decorre também, decisivamente, de que estamos aqui beirando a história, campo em que as diferenças contam decisivamente. Afinal, como já foi elegantemente dito, "a história constitui uma amostra de tamanho um" (2). 1) Com uma Formação Bruta de Capital superior a 40% do PIB, a economia chinesa se tornou um sorvedouro dos materiais e insumos que corporificam os investimentos. Isto contribuiu decisivamente para a explosão da demanda de máquinas, metais e energia, estando na base dos desequilíbrios verificados nos respectivos mercados. Não
(1) Strategy`s strategist: An interview with Richard Rumelt.
Mckinsey Quarterly 2007/Number 4 Pant, P.N., e Starbuck, W. H. "Review of Forecasting and Research Methods", Journal of Management, junho de 1990, citado em Mintzberg, Henry, The Rise and fall of Strategic Planning, The Free Press, 1994.
(2)
Com uma Formação Bruta de Capital superior a 40% do PIB, a economia chinesa se tornou um sorvedouro dos materiais e insumos (...)
AFP
apresentaremos aqui cifras – amplamente disponíveis – sobre o deslocamento do patamar de preços das commodities daí derivado. Cabe apenas lembrar que esta é uma mudança crítica, que na realidade quebra uma tendência (ao declínio dos preços das commodities) datado, pelo menos, do pós-guerra da Coréia. Também não é preciso insistir em que esta reviravolta se encontra na base do rápido crescimento de numerosas economias, que em última análise passaram a ser membros do mundo sinocêntrico (3). A esse propósito cabe acrescentar que, desde que fartamente dotada de recursos naturais inexplorados, quanto menos desenvolvida – ou mais destruída – se encontrar uma economia, às vésperas de sua inserção no mercado sino-cêntrico, mais rápido crescerá: seja por óbvios efeitos base (parte-se de muito pouco); seja porque não há que promover a reconversão/adaptação de importantes atividades anteriores. O caso de Angola, economia que cresce presentemente a 20% ao ano, tragicamente ilustra o que acaba de ser dito. Em suma, para o crescimento destas economias, o fato bruto de dispor de matérias primas não só é mais importante do que a constituição de sólidos fundamentos, como (numa inusitada inversão de ordem) permite que eles sejam rapidamente gerados, a partir do boom de commodities. 2) Em segundo lugar parece-nos adequado chamar a atenção para o seguinte fato: o atual candidato a uma posição central tem, entre suas características maiores, a de transformar-se a uma velocidade historicamente desco-
(3)
Castro, Antonio Barros, "From semi-stagnation to growth in a sino-centric market", Revista de Economia Política, janeiro-março de 2008 (4) Cui, Li & Hussain, Syed, Is China changing its stripes? The shifting structure of China’s External Trade and its Implications. Fundo Monetario Internacional, abril de 2007.
nhecida – o que não deve surpreender, tido em conta o ritmo avassalador a que nele avança a Formação Bruta de Capital. A intensidade das mudanças a que estamos nos referindo permitiu que a China rapidamente passasse da exportação de pequenas manufaturas de baixo valor e reduzido conteúdo tecnológico, à exportadora de eletrônicos (inicialmente apenas montados na China), e a um amplo esforço recente de substituição de importações (4), acompanhado de adensamento das cadeias de valor. Aliás, no estágio já alcançado de desenvolvimento, as próprias autoridades chinesas admitem, ao que parece, que a economia deixou de ser competitiva – frente ao Vietnã e a Bengladesh - em determinadas manufaturas de baixo valor unitário. Por outro lado, e saltando para o pólo oposto, países mais sofisticados industrialmente do que a China têm que ter em conta que suas vantagens construídas podem durar muito pouco. Como ilustração da rapidez das mudanças, e das dificuldades que daí podem derivar, faremos uma breve referência ao setor máquinas e equipamentos. Em diversos segmentos, os equipamentos chineses do tipo standard que começavam a chegar ao Brasil por volta de 2004/5 apresentavam preços imbatíveis. Por não oferecer assistência técnica pós-venda para os comparadores, no entanto, os equipamentos ficavam muitas vezes em desvantagem competitiva. Mas a resposta chinesa em alguns casos mostrou-se rápida e, possivelmente, contundente, mediante a colocação no mercado de produtos supostamente concebidos como "descartáveis" – o que praticamente elimina a questão da assistência técnica! A segunda característica significa que as empresas e economias que buscam reposicionar-se, tendo em vista a erupção da China, devem entender de partida, que as oportunidades e ameaças serão freqüentemente redefinidas, havendo neste sentido que atirar sobre alvos mó-
veis. Alternativamente, podem, claro, tentar desenvolver especializações que não sejam facilmente colocadas em cheque pelo avanço chinês. Voltaremos a este tema, mas fica desde já registrado que tanto a dinâmica empresarial, quanto a natureza das políticas públicas de apoio às empresas até agora vigentes, devem ser seriamente repensadas, em decorrência da mutação em curso no meio ambiente econômico. 3) Certas soluções que vêem sendo desenvolvidas na China – assim como certas soluções norte-americanas no passado – parecem fadadas a ter imensas repercussões. Uma ilustração parece aqui cabível. Como é bem sabido, o modelo T da Ford e o salário de U$ 5,00 ao dia a ele associado, encontram-se na base da revolução do consumo de massas, ocorrida pioneiramente nos Estados Unidos, e difundida no pós II Guerra Mundial para a Europa e em outras regiões. Pois bem, existe um fenômeno análogo na atual experiência chinesa. Trata-se de uma nova e dramática onda de barateamento dos bens de consumo eletroeletrônicos, cujo caso emblemático parece ser a evolução verificada, desde o VCR (videocassette recorder) até o atual DVD. O produto tinha, ao começar a ser montado na China, preços que o mantinham fora do alcance dos trabalhadores chineses. No que possivelmente constitui a primeira grande contribuição moderna chinesa, em matéria de inovação redutora de custos, o preço do produto foi rapidamente reduzido (até cerca de US$ 30 por unidade). Conseqüentemente, entre 1994 e 1999, as marcas chinesas saltaram de 34% para 93% do mercado local (5). Atenção: os baixos salários chineses contribuíram para a redução inicial dos custos e preços – mas não explicam a drástica redução verificada nesta notável experiência. Existe aqui, sem dúvida, uma interessante analogia com o caso Ford T – sendo que no caso chinês foi o poder aquisitivo dos salários que subiu fortemente, via queda de preços do produto final. Lembremo-nos, a propósito, que a solução Ford influenciou fortemente outras empresas e indústrias. Algo semelhante reproduziu-se na China, através da multiplicação dos produtos (eletro-eletrônicos de consumo, equipamentos de transporte tipo duas rodas e certas máquinas) que vêm sendo levados a mercado a preços por vezes referidos como "chineses". Como não poderia deixar de ser, os impactos daí derivados (vantagens, perda de espaço de produtos tradicionais etc) são múltiplos. Exemplificando: motocicletas chinesas, vendidas por um quarto dos preços até recentemen-
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te praticados, difundem-se hoje, aceleradamente, no sudeste asiático, revolucionando o transporte naquelas regiões (6). Repercussões da característica que estamos comentando certamente já estão presentes na América Latina e são parte integrante da revolução do consumo de massas presentemente em curso no Brasil. Não faltam aliás evidências de que a mutação em foco está se alastrando – inclusive pela marcante presença da Índia (7) no grupo de países que está promovendo a drástica redução de custos e preços de certos tipos de manufaturas. É difícil exagerar a importância deste último fenômeno, originariamente evidenciada no moderno padrão chinês de crescimento. Curiosamente, se no caso norteamericano a difusão entre os trabalhadores dos modernos gadgets de consumo surge associada à notória riqueza do país, a réplica chinesa significa, inicialmente pelo menos, um grande esforço para difundir um kit moderno de consumo, numa população cujos salários ainda se encontravam entre os mais baixos do mundo. A versão chinesa da revolução do consumo de massas é, portanto, profundamente diversa. Justamente por isso, no entanto, pode atingir o consumo dos pobres do mundo, vindo a revelar-se ainda mais influente que a versão norte-americana da revolução do consumo de massas. O anterior também significa, que se até recentemente a voracidade chinesa no tocante ao consumo de metais e energéticos tinha em boa medida por base o brutal ritmo chinês de investimento, presentemente, uma crescente contribuição provém dos ex-pobres, que passam a também consumir, exemplificando, eletricidade, alumínio e cobre. Advirta-se a propósito, que ainda quando a versão chinesa (ou mesmo, possivelmente, indiana) das modernas manufaturas seja, por unidade, muito menos consumidora de energia e metais do que os produtos típicos norte-americanos (e ainda quando o consumo de metais e energia por unidade de PIB seja, também, significativamente menor), a pressão sobre os recursos na-
(5) Feng, Lu e Ling, Mu, Learning by Innovating – Lessons
from the Development of the Chinese Digital Video Player, citado em Zonenschein, Claudia Nessi, O Caso Chinês na Perspectiva do "Catch-Up" e das Instituições Substitutas. Tese de Doutorado, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2006 (6) Fuller, Thomas, Produtos Baratos da China Facilitam a Vida de Vizinhos, O Estado de São Paulo, 30 de dezembro de 2007. (7) Prahalad, C. K., A Riqueza na Base da Pirâmide, Bookman, 2006.
Existe aqui, sem dúvida, uma interessante analogia com o caso Ford T – sendo que no caso chinês foi o poder aquisitivo dos salários que subiu fortemente, via queda de preços do produto final.
Reuters
turais da terra tende a aumentar, dada a espetacular expansão do contingente de consumidores "modernos". Dado tudo o que precede, não deve surpreender o fato de que esteja ocorrendo no mundo, surda, e, em certos casos, inconscientemente (em particular entre as economias emergentes), algo a que poderíamos nos referir como uma corrida de reposicionamentos. Esta corrida, que teve início nas economias vizinhas da China, tem necessariamente por referência as tendências pesadas derivadas da ascensão chinesa – bem como as respostas a ela dadas por outras economias (8). Seus resultados, seguramente, não amadurecem rapidamente, mas delas derivam conseqüências que podem desde já ser pensadas, debatidas e transformadas em insumos das estratégias de empresas e Estados. Como reação às novas tendências, tendem a multiplicar-se as demandas por inovações e soluções de toda ordem. O estresse daí derivado, por sua vez, influencia as relações Estado-mercado. Afinal, deve haver mais espaço para políticas públicas, num mundo submetido a um estresse de soluções – o que parece ter sido demonstrado durante as guerras mundiais do século passado. Além disto, a convergência tecnológica presentemente existente na fronteira das técnicas indica que as soluções a serem buscadas requerem mais cooperação do que no passado, entre as empresas, entre estas e os poderes públicos, bem como com os Institutos de Pesquisa e as Universidades. A valorização das políticas industriais e tecnológicas centradas na inovação surge, pois, como um corolário de tudo isto.
(8) Tais tendências foram sumariamente apontadas em "From
semi-stagnation to growth in a sino-centric market", ob cit, e estão sendo tentativamente especificadas num trabalho em coautoria com Francisco Eduardo Pires de Souza.
Políticas públicas e estratégias frente a uma forte e duradoura mudança das ameaças e oportunidades. Faremos no que segue alguns comentários a propósito das políticas públicas e estratégias em princípio cabíveis, frente a uma ampla redistribuição das oportunidades e ameaças, em decorrência do deslocamento do centro de gravidade do crescimento mundial. O texto se limita à família das economias complexas, mas não maduras. A primeira restrição elimina economias, que antes da emergência da China já haviam aceito uma forte redução do grau de diversificação/complexidade. Quanto à não maturidade, referimo-nos ao fato de que as economias em questão não se encontram ainda navegando no que já foi referido como a interminável fronteira do conhecimento. Isto não significa, contudo, que elas não disponham de competências específicas que lhe permitam, em determinados campos, realizar incursões para além do estado nas economias maduras. Para facilitar a comunicação recorreremos a um esquema no qual estão presentes três tipos de políticas públicas: a "proteção" a atividades ameaçadas; o "apoio ao reposicionamento", visando uma maior sintonia com as alterações verificadas no meio ambiente econômico; e a "busca do futuro", ou seja, o apoio à construção/exploração de oportunidades até o presente apenas vislumbradas. É importante frisar que as mesmas políticas estão presentes nas três estratégias esboçadas, residindo a diferença nos graus: "dominante", com uma "presença significativa", ou meramente "residual". ` Finalmente, e quanto às estratégias propriamente ditas (que compreendem, em
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diferentes graus, os três tipos de políticas públicas) teremos em conta três espécies: o Entrincheiramento ( ); a Estratégia Adaptativa ( ), e a Estratégia Transformadora ( ). No que segue comentaremos, sumariamente, cada uma das estratégias. A estratégia , de entrincheiramento, busca proteger a industria como ela é, frente a mudanças recentemente surgidas, que a prejudiquem ou ameacem. Assinale-se, a esse respeito, um contraste entre a proteção do tipo que acaba de ser referido, e aquela concedida quando a indústria ainda está sendo implantada. Neste último caso as empresas (não raro principiantes) tratam de adquirir e dominar capacitações de que raramente o país dispõe – mas que já são tradicionais em outras economias. Elas se movem por interesses próprios, mas têm, também, a missão histórica de incorporar novas competências ao acervo de que o país dispõe. No caso em foco, porém, a proteção (demandada, possivelmente, pelas próprias empresas), tenta, quando muito, preservar competências, que além de amplamente dominadas, podem já estar se tornando arcaicas. Mas há ainda alguns sérios riscos. Por exemplo, os proprietários dos ativos podem (justificadamente, talvez, havendo a este respeito grande assimetria de informações) considerar a sua posição já seriamente ameaçada, ou mesmo definitivamente perdida. Em tais casos, a proteção por eles pleiteada trará alívio apenas momentâneo, o patrimônio particular
dos donos terá sido beneficiado - e os órgãos públicos terão funcionado como balcão de atendimento a reclamos. Além disso, não é demais acrescentar, nos próprios segmentos ameaçados, empresas particularmente criativas já estarão possivelmente desenvolvendo soluções inovadoras – que correm o risco de serem desestimuladas pela proteção oferecida ao "entrincheiramento". A proteção pode no entanto se revelar proveitosa – para a empresa e para o país – desde que combinada com efetivas mudanças, que tragam consigo o reposicionamento de empresas. Mas isto requer que ao invés de se proteger o passado, assumam-se firmes compromissos de mudança: as empresas, bem como as políticas públicas, deverão apoiar ativamente o reposicionamento. Nestes casos, porém, já estaríamos ingressando na próxima estratégia – em que se privilegiam saídas, pelo menos, adaptativas. Convém advertir que a proteção (ou medidas ad hoc tomadas nesta direção), pode surgir como o tipo de resposta a que, espontaneamente ou a curto prazo, se tende. Primeiramente, porque a profundidade das mudanças que vêm pela frente não terá sido percebida – sendo as dificuldades atribuídas a circunstâncias passageiras ou a erros de política. Confirma esta predisposição o fato de que o sistema de representação das atividades tradicionais encontra-se já montado, e não costuma ser difícil mobilizar trabalhadores e autoridades locais para a defesa de posições ameaçadas. Por contraste, respostas criativas ao novo quadro requerem políticas públicas que, não raro, ainda têm de ser concebidas e aprovadas
exigindo, possivelmente, a revisão de normas e costumes, e o aprendizado de novas práticas. O anterior não significa, seguramente, que a defesa jamais tenha mérito. Mas deve constituir, rigorosamente, a exceção. Aliás, como mostra o quadro I, em caráter residual, ela está presente nas duas outras estratégias. Mas a proteção surge, nas outras estratégias, acompanhada de outras iniciativas, que por contraste com o entrincheiramento, buscam combinar defesa com avanço. A bem dizer, nelas a proteção não significa recusa a entrar no (novo) jogo. Recorde-se, a propósito, que nos tempos heróicos da industrialização a proteção era concedida para que se pudesse, justamente, entrar no jogo! A proteção de posições ameaçadas, enfim, gera benefícios imediatos – sendo por isto mesmo politicamente atraente. O entrincheiramento como solução maior, no entanto, frente a mudanças de grande magnitude, e vista a questão do ponto de vista do País, traz em si um grave erro de diagnóstico. Não é uma resposta à altura do desafio e, sobretudo, não gera futuro. A bem dizer, a proposta nem deveria ser referida como estratégia. Afinal, um comportamento adequadamente referido como estratégico deve possuir visão de futuro, para o que é indispensável ter em conta a conduta, os objetivos e os planos de ação dos atores que estão entrando em cena. Duas considerações devem ser feitas, antes de se focalizar a segunda e a terceira estratégias. Primeiramente, a agenda das políticas públicas está se movendo, em direção a posturas pró-ativas, num grau impensável nas últimas décadas do século XX. Não caberia tentar sequer explicar este importantíssimo deslocamento – que pode certamente ser abordado de diferentes pontos de vista. Cabe apenas registrá-lo e, na perspectiva deste trabalho, sugerir que entre as suas razões de ser figure, destacadamente, o retorno de questões relativas à alocação de recursos – ou genericamente, de oferta – praticamente banidas da agenda de po-
(9) Em seu último livro, Dani Rodrik afirma, na introdução e
peremptoriamente: "A marca do desenvolvimento é a mudança estrutural – o processo pelo qual se retira recursos das atividades tradicionais, de baixa produtividade, para atividades modernas, de alta produtividade.Vide One Economics Many Recipes. Princeton University Press, 2007, p. 7. (10) Sobre o tema do fortalecimento das políticas pró-ativas nos Estados Unidos, veja-se o estimulante artigo State Activism in an Age of Globalization: Bringing Development Strategy Back in, de Linda Weiss, apresentado no seminário da Ford Foundation sobre The role of the State in a Global Era, São Paulo, novembro de 2007.
A emergência da China e as transformações por ela induzidas, porém, caracterizam uma autêntica ruptura da normalidade e o surgimento de novas tendências.
líticas públicas (especialmente na América Latina) nas últimas décadas do século XX (9). É claro que esta importante mudança foi reforçada pelo prestígio das experiências asiáticas, em que a próatividade das políticas constitui uma característica maior. Presentemente, a insegurança energética levou os Estados Unidos a um ostensivo intervencionismo no campo energético. Não é menos evidente que os espaços de atuação das políticas públicas pró-ativas estão também sendo ampliados e reforçados pela tomada de consciência dos problemas ecológicos. Através dela uma lente de aumento foi dramaticamente colocada sobre certos limites físicos do mundo econômico, fazendo com que questões de oferta deixem de ser tratadas (ou, melhor dito, ignoradas) de acordo com abordagem econômica típica do final do século passado. Por fim, o próprio deslocamento do centro de gravidade do crescimento para a China, ao atrair e/ou empurrar as economias em várias direções – desejados, ou não pelas respectivas sociedades e governos – vem dando a sua contribuição para a restauração das questões alocativas como uma temática (também) de governo (10). As empresas podem ser concebidas como um portfólio de recursos, o que inclui, com destaque, capacitações. A partir deste acervo as mudanças nelas se dão, em condições normais, por aprendizado e, digamos, evolução. A emergência da China e as transformações por ela induzidas, porém, caracterizam uma autêntica ruptura da normalidade e o surgimento de novas tendências. Em outras palavras estamos, no caso, diante de um fenômeno essencialmente histórico e único. Face a uma ruptura deste tipo, as empresas devem indagarse sobre as suas chances no novo contexto, tendo assim início os trabalhos para a elaboração de uma estratégia de segundo tipo, dita adaptativa. Cabe, neste caso,
preliminarmente, um trabalho de reavaliação dos recursos, visando definir como a empresa se vê diante das novas circunstâncias. Esta operação nada tem de simples. Seu ponto de partida é, necessariamente, um esforço para distinguir, na poeira dos fatos, o que deve ser efetivamente tido como reflexo das novas "tendências pesadas", devendo portanto perdurar. Segue-se, mudando o prisma de análise, o delicado balanço daquilo que pode ser tratado com as competências já existentes, versus o que requer o desenvolvimento de novas competências. Além disto, há a questão do timing: como distribuir os esforços entre as oportunidades (e ameaças) imediatamente percebidas, vis à vis os objetivos presumivelmente alcançáveis somente a médio ou longo prazo? As possibilidades de resposta a estas indagações foram seguramente multiplicadas pelas tecnologias da informação – ampliando-se com isto as possibilidades de reposicionamento adaptativo. Mas a maior maleabilidade assim adquirida pode também introduzir elementos de uma crise de identidade nas empresas. E esta crise de identidade rebate nas políticas públicas, que devem decidir em que medida fomentar, preferencialmente, este ou aquele tipo de reposicionamento e, indo mais longe, tentar afetar os resultados para a economia, em termos de um novo perfil produtivo e tecnológico. Mas, neste caso, já estaríamos no limiar da terceira estratégia. Voltando à segunda, parece plausível considerar que as mudanças integrantes da estratégia adaptativa requerem o seu tempo de maturação – bem como o apoio de terceiros. No que toca ao tempo, é importante - e caracteriza a estratégia adaptativa, por contraposição ao entrincheiramento - uma certa presteza no reconhecimento de que certas mudanças vieram para ficar, e têm que ser efetivamente enfrentadas. No que tange ao apoio de terceiros, referimo-nos sobretudo à importância decisiva para o reposicionamente substantivo das empresas, de colaboração, parcerias, bem como o recurso a instituições integrantes do Sistema Nacional de Inovação. Isto implica dizer que a adoção de uma estratégia adaptativa requer a existência - pelo menos em estágio embrionário - de um Sistema Nacional de Inovação. Enquanto a estratégia de entrincheiramento tende a amarrar as empresas no passado, a estratégia adaptativa visa liberar possibilidades contidas, mas não ainda (devidamente) aproveitadas, nas empresas. Torna-se, assim, de grande importância saber até que ponto o estado da economia foi, nos mais recentes anos, propício à exploração do potencial das empresas. Assim, se a economia está emergindo de um longo e conturbado período em que diversas vezes as empresas foram capazes de vislumbrar possibilidades, mas o contexto dificultou a
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sua exploração, é de presumir-se que há muito a fazer numa perspectiva "adaptativa": há, presumivelmente, diversas soluções "na gaveta". Além do que acaba de ser dito, a estratégia adaptativa deve ter criteriosamente em conta o fato de que, como conseqüência da emergência chinesa, algumas competências se desvalorizam, enquanto outras, até então pouco utilizadas, podem adquirir grande importância. É bastante plausível, no entanto, que o efetivo reposicionamento, característica maior desta estratégia, requeira, também, novas regras e novos atores. Em suma, políticas públicas, que vão do estímulo ao esforço tecnológico a, digamos, mudanças de regulação, se fazem necessárias, atuando no mais das vezes como catalizadores das decisões privadas. Mas, apesar de apoiar ativamente a evolução dos negócios, a estratégia adaptativa só residualmente tem em conta transformações da economia. Este tipo de mudança, como já foi anunciado, é prerrogativa da terceira estratégia, daqui por diante comentada. As trajetórias e prevêem ambas, além de um mínimo residual de proteção, o ativo apoio a reposicionamentos das empresas, num grau que varia entre dominante e significativo. A grande diferença entre elas reside, portanto, na busca de um futuro diferente. Trata-se, como vimos, do objetivo dominante em (daí o nome estratégia de transformação), e ausente em . Insistindo: na terceira estratégia o tom não é dado por esforços que pretendam a adaptação evolutiva às novas circunstâncias e, quanto ao futuro, não se espera que ele seja espontaneamente engendrado por decisões tomadas, uma a uma, pelas empresas, com ou sem apoio de políticas públicas. Na realidade uma estratégia de transformação faz diferença, na medida em que vislumbre possibilidades que só podem ser alcançadas mediante esforços cooperativos e concentrados, em busca de uma certa visão de futuro. Observe-se que em se tratando de economias que continuam enfrentando condições iguais ou, pelo menos, semelhantes, àquelas com que se deparavam no passado recente (podendo, assim, ser vistas como rolando sobre trilhos), a hipótese de que as decisões atomisticamente definidas sejam capazes de gerar resultados satisfatórios para a economia como um todo tem a seu favor fortes argumentos. Afinal, na ausência de mudanças estruturais e quebras de tendência, é bastante razoável supor que os atores dispõem de experiência acumulada sobre o que se pode esperar das (discretas) mudanças com que se defrontam. Em última análise, trata-se de reajustar quantidades produzidas e preços - que se movem, ambos, dentro de intervalos razoáveis, e tendem a repetir reações conhecidas. Na medida, porém, em que tendências sejam quebradas ou postas sob suspeição, há uma falência ou esvaziamento
Pela ótica da dotação do fator terra, não parece absurda a idéia de que o Brasil deveria assumir-se como "fazenda do mundo", em contraposição à "fábrica do mundo" em que a China veio a converterse (97% das exportações chinesas são de produtos industrializados). Tadeu Vilani/Folha Imagem
do conhecimento, e surge uma carência de coordenação. Vale dizer, os atores não mais podem se guiar por um conjunto de saberes aos quais cabia, em última análise, coordenar as suas decisões. O novo quadro é, a rigor, qualitativamente diverso, havendo nele um déficit de referências, que leva os atores a se sentir como se pertencessem a um sistema que deixou de existir. Diante deste déficit de referências, estratégias de transformação fazem a diferença. Adaptações ocorrerão, devendo, no âmbito de uma estratégia transformadora, ter o futuro como importante referência. A blindagem de certas posições pode também ser, excepcionalmente, acolhida. Mas o que deve dar o tom, se é verdade que estamos diante de um grande deslocamento (como, por exemplo, a redefinição do centro de gravidade do crescimento da economia mundial), são as transformações. Para este efeito, as tendências pesadas não deveriam ser tomadas apenas como alterações profundas e duradouras das condições com que se depara no mercado. Elas devem ser vistas – e tratadas – como mudanças que guardam diversas possibilidades, não plenamente reveladas. Desde que percebidas, eleitas como prioridades, e amparadas por medidas de apoio, tais possibilidades podem incitar respostas criativas, o desenvolvimento de novas soluções, o redesenho da geografia econômica, e, mesmo, a re-configuração do tecido econômico e social. A escolha das transformações a serem priorizadas requer a elaboração de visões do futuro. Estas, ainda quando abertas a correções e aperfeiçoamentos, e desde que acompanhadas de propostas consistentes, persuasivas, privilegiadas por políticas eficazes, e amparadas por revisões da regulação, tendem a coordenar, potenciar e dar rumo às transformações. Cabe por fim insistir em que, dada a complexidade e crescente convergência das tecnologias contemporâneas, ao se atingir e mesmo ultrapassar a fronteira das soluções conhecidas, a conjugação de esforços públicos e privados adquire elevado grau de importância. Mas isto
(11) Cohen, Jorge, "Futuro presidente precisa olhar para o
sul". O Estado de São Paulo, 7 de janeiro de 2008.
também sugere ser inexeqüível (e indesejável), tentar sequer conceber, uma só estratégia para a economia como um todo. Faz sentido conceber "frentes estratégicas", reunindo conjuntos articulados de propostas, ali onde se vislumbre grandes possibilidades. Este método de trabalho poderia ter início com dois ou três casos, onde se daria um valioso aprendizado quanto ao tratamento estratégico de blocos de questões. Nos comentários finais, a seguir apresentados, será feita sumária referência a possíveis frentes estratégicas para a economia brasileira, hoje. Sobre a crise de identidade da economia brasileira. A crise de identidade a que nos referimos nada tem de esotérica. Hong Kong e Taiwan a enfrentaram há algo como duas décadas, e outras experiências de acomodação se seguiram, mais ou menos exitosas ou problemáticas. O Brasil está, pois, neste sentido, apenas ingressando num processo de transformação por que outros já passaram. Já circulam, na imprensa, opiniões sobre os novos rumos que a economia brasileira deveria, supostamente, tomar. Para muitos, especialmente no exterior, o Brasil estaria fadado a assumir a sua condição de superdotado em recursos naturais. E desta forma viria complementar um novo, diferente e rico mundo, que teria a China por eixo industrial, onde a Índia seria a principal fonte fornecedora de serviços, e o Brasil seria o grande provedor de alimentos (11). A simplicidade radical desta fórmula – que parece ecoar a referência do hino nacional ao "gigante pela própria natureza" – tem tudo para provocar, no Brasil, as mais iradas reações. Mas há nela um elemento de verdade que poderá se fazer sentir no futuro, ou, melhor dito, que já está se fazendo sentir – e pode, daqui por diante, ganhar crescente importância. Para entendê-lo cabe lembrar dois fatos. Primeiramente, o planeta terra tornou-se pequeno para as necessidades dos consumidores modernos – que estão sendo rapidamente multiplicados na Ásia, na América Latina e na África. É fácil constatar este fato, que combinado às tecnologias comercialmente em uso, e aos recursos na-
turais efetivamente à disposição das economias, não poderia senão gerar uma forte mudança de preços relativos, em benefício das commodities tornadas escassas. O segundo grande fato consiste em que , se por um lado esta situação acarreta o stress tecnológico já anteriormente referido, por outro, e a curto prazo, só parece haver uma solução: ampliar o mapa de recursos naturais exploráveis. E é aqui que entra o Brasil, com uma posição verdadeiramente avantajada. O país, dispõe, sem ter em conta a Amazônia e o Pantanal, de cerca de 80 milhões de hectares agriculturáveis. Mais que isto, usa como pastagem algo como 200 milhões de hectares – valendo-se para tanto de uma relação cabeça de gado/hectare que pode ser progressivamente reduzida, de forma a liberar enormes quantidades de terra, inclusive para a exploração combinada pecuária/agricultura. Combinados, os dois fatos, feitas as ressalvas cabíveis, e acrescentados as ponderações que se queira justificadamente fazer, sobra certamente muito espaço (literalmente) para tomar a sério a divisão internacional do trabalho acima apontada. É claro que o Brasil não é o único país a dispor de recursos naturais que podem ser utilizados para saciar a voraz demanda da indústria mundial, e a fome das populações que estão emergindo da mera subsistência. A África também dispõe, e Angola, em particular, possui 88 milhões de hectares de terras aptas, das quais presentemente só utiliza cerca de 3,6 milhões (12). Mas esta é uma grande exceção, e os demais países, em regra, não chegam sequer perto destas cifras, no tocante à disponibilidade de terras aproveitáveis. O anterior significa que pela ótica da dotação do fator terra, não parece absurda a idéia de que o Brasil deveria assumir-se como "fazenda do mundo", em contraposição à "fábrica do mundo" em que a China veio a converter-se (97% das exportações chinesas são de produtos industrializados). E, no entanto, esta proposta não faz sentido. E isto por diversas razões. Vejamos algumas. Uma elevada proporção da agricultura neste país constitui uma atividade alta e crescentemente sofisticada, caracterizada pelo conhecimento técnico e o manejo criterioso das condições de produção. Sua eficiência é potenciada por insumos, máquinas e equipamentos, não raro concebidos e desenvolvidos para as condições peculiares ao país. Em resumo, a terra, em si, é apenas um suporte da produção – e a agricultura (especialmente o agronegócio) tem múltiplos engates, a montante e a jusante com a indústria. (13) Vista a questão por este prisma, entende-se que o Brasil, na medida em que venha a acentuar a sua condição de potência agrícola, deve também ser considerado candidato a uma posição de peso no conjunto de atividades industriais (e de serviços) que, no nível de sofisticação em
que a agricultura vem sendo praticada no país, acompanha a produção agrícola. Voltaremos brevemente ao tema mais adiante, mas fica desde já sugerido que a contraposição fazenda x fábrica, contida na proposta anterior, não tem sentido nas condições contemporâneas, e, muito particularmente, no Brasil. Retomando a questão, agora pelo prisma manufatureiro, deve-se reconhecer, de partida, que a economia brasileira dispõe de um sistema industrial cuja diversidade só tem paralelo, entre as economias emergentes, na China e na Índia. Este sistema foi em boa medida montado muito antes da emergência chinesa. Seguiuse, do ponto de vista industrial, um longo e tenebroso inverno, que manteve praticamente congelada a estrutura industrial – mas não impediu que as empresas se renovassem, intensamente e sob vários pontos de vista. Em diversos ramos isto permitiu que pelo menos as maiores e melhores empresas reconhecidamente atingissem o estado das artes internacional. Além disto, grandes, médias e pequenas empresas – as que sobreviveram, claro – têm dado provas de grande maleabilidade, o que dá testemunho do rico patrimônio de capacitações de que dispõe o país, no plano manufatureiro. É, em suma, com este patrimônio de capacitações que o País conta para enfrentar as condições que estão sendo geradas pelo deslocamento tectônico por que presentemente passa a geografia econômica mundial. O desafio é grande: de um momento para o outro deixamos de ser uma economia de baixos salários – que dispõe, no entanto, de um amplo e variado leque de atividades industriais. A esta complexa questão se combina, sempre na perspectiva da alocação de recursos, uma infra-estrutura, na melhor das hipóteses, sofrível. A China, que investe em infra-estrutura 11,5% do PIB, encontra-se numa posição muito melhor, enquanto a Índia está seguramente pior. Estamos, no entanto, genérica e comparativamente, bem colocados no que toca ao patrimônio de competências. E demos a sorte de que a invasão das importações chinesas chega ao Brasil quando, finalmente, foi superada a fragilidade macroeconômica – que durante um quarto de século impediu as empresas de ir além da reatividade frente às condições imediatamente percebidas no mercado, e
(12) Biofuels "superpower" Angola soon to be self-sufficient in food production. FAO, Biopact web block, Janeiro de 2007. (13) Mendonça de Barros, José Roberto e Mendonça de Barros, Alexandre Lajóz, "A revolução do agronegócio/agroindústria com base na economia do conhecimento" em Velloso, João Paulo dos Reis (Org), O desafio da China e da India e a resposta do Brasil.José Olympio, 2005.
A China, que investe em seu setor de infra-estrutura nada menos do que 11,5% do Produto Interno Bruto, encontra-se numa posição muito melhor, enquanto que a Índia está numa posição seguramente bem pior. Aly Song/Reuters
ao governo de apoiar, sustentadamente, o crescimento. Ajuda, também, o fato de que a revolução informática já se encontra amplamente difundida no país. Em tais circunstâncias torna-se possível, com a presteza e a eficácia permitidas pelas competências e a informatização, fazer planos para o futuro – condição mínima para que uma nova identidade seja conscientemente perseguida. Há indícios de que na esfera das empresas um intenso reposicionamento já teve início. Do segundo trimestre de 2006 ao terceiro trimestre de 2007, a Formação Bruta de Capital tem crescido ao ritmo anualizado de 14,9%. No nosso entender, diversas medidas de política em favor da indústria e da retomada do crédito, estão contribuindo para este desempenho. Além disto, o PAC, ao colocar como foco de diversas políticas públicas o investimento (referimo-nos, inclusive, aos PACs setoriais), e ao introduzir uma sistemática de metas e de acompanhamento das metas, está nitidamente mudando a cultura de governo – que passa a dar grande atenção à alocação de recursos. A avaliação das perspectivas de crescimento desta economia não é, porém, a temática deste trabalho. Registremos, apenas, adicionalmente, que vista a questão pela ótica aqui adotada, o possível atraso de diversos investimentos é de se lamentar; mas é, também, pouco relevante. Afinal, o que está em questão – aqui, como em diversos outros países – é a redefinição da economia frente ao novo contexto mundial. Em outro trabalho pretendemos discutir o conteúdo das "frentes estratégicas" que caberia, no nosso entender, privilegiar, numa estratégia transformadora (a, na tipologia anteriormente apresentada). E, para finalizar, voltaremos por um momento às razões pelas quais não faz sentido, para a economia brasileira, um esquema de mera complementaridade com as regiões famintas de matérias primas e alimentos. O Brasil vem sendo referido como um dos integrantes do quarteto BRIC. Contam para colocá-lo nesta categoria, não apenas a farta dotação de recursos naturais de grande valor, como o fato de que aqui se encontra a quinta massa populacional do mundo. O primeiro fato nos aproxima da Rússia, enquanto a população introduz um toque quase asiático. Mas esta última característica, que no passado teria um sentido pejorativo, hoje adquire um
outro significado. A geografia conta, mas a demografia, também, no mundo em que estamos entrando. Com efeito, parece cada vez mais funcionar algo que começou a ficar evidente, pioneiramente, na China, há mais de dez anos. Referimo-nos ao fato de que as empresas líderes da indústria mundial se deram conta de que estabelecer-se naquele país, praticamente deixara de ser uma escolha - passando a ser uma necessidade. Explicase: sendo o mercado chinês enorme (por influência da população e dos preços chineses), dinâmico, e bastante idiossincrático, vantagens ali adquiridas poderiam definir o futuro das empresas. Surgia com isto uma nova forma de profecia auto-cumprida. Uma grande população leva à expectativa de um grande potencial de crescimento, o que provoca uma corrida para assumir posições, que confirma e acentua a atratividade da economia. No limite, e generalizando o raciocínio, o anterior significa que o crescimento industrial passa a ser uma prerrogativa das nações dotadas de grandes contingentes populacionais. Evidentemente, os preços "chineses" têm aqui uma função crítica. A eles cabe acionar o círculo virtuoso em foco. Algo semelhante pode estar começando a ocorrer no Brasil, onde os baixos preços das manufaturas procedentes da China, que de início (digamos em 2005) ameaçavam moer e canibalizar a indústria brasileira, estão, somados à revolução do crédito e às políticas sociais do governo, contribuindo para ampliar as escalas nos mercados de consumo popular. Mais concretamente, estão dando a sua contribuição para a incorporação das classes C e D, excitando com isto o apetite investidor dos capitais, forâneos ou não. Dado o conjunto de poderosos motivos aqui listados, a economia brasileira não se encontra fora do jogo industrial. Isto não significa que não deverá especializarse. Mas esta especialização não deve se dar, nem à moda das economias recém conduzidas ao modelo primário exportador, nem na forma como tradicionalmente se especializam as economias maduras: por produtos. Às "frentes estratégicas" caberia, no nosso entender, definir amplos campos de especialização, próximos à fronteira das técnicas: os biocombustíveis, e sua cadeia constituem um bom exemplo.
Empresários em estado de alerta A possibilidade de aprovação no Congresso Nacional da Convenção 158 da Organização Mundial do Trabalho (OIT) exige mobilização da classe patronal de todo o País
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m novembro de 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso denunciou e vetou a Convenção 158 da OIT, ao ser alertado dos resultados desfavoráveis que ela traria. Agora, ela está novamente tramitando no Congresso Nacional, com recomendação da Presidência da República. Esta Convenção cria uma pesada burocracia para o desligamento dos empregados, obrigando o empregador a justificar por escrito as razões do desligamento, e se o empregado não concordar com as razões, inicia-se uma contenda, que poderá ter a participação dos sindicatos. E se o impasse não for resolvido rapidamente, o assunto irá para a Justiça do Trabalho e caberá a um juiz julgar se há ou não motivos para a demissão. A possibilidade de aprovação desta Convenção preocupa toda a classe empresarial. Para discutir o assunto, a Associação Comercial de São Paulo realizou uma reunião-plenária no dia 3 de março, comandada por Alencar Burti, presidente da ACSP e FACESP, e que contou com a presença de especialistas e lideranças empresariais, entre eles o advogado Ricardo Nacim Saad, o professor José Pastore, o economista Marcel Solimeo, entre outros. Reproduzimos a seguir os trechos mais importantes do debate. Masao Goto Filho/e-SIM
Da esquerda para a direita, José Maria Chapina Alcazar, Alencar Burti, Ricardo Nacim Saad e José Pastore.
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Alencar Burti Vamos abordar um assunto urgente, que já está no Congresso Nacional, com recomendação da Presidência da República. Trata-se da Convenção aprovada na OIT, que tem nuances técnicas extremamente delicadas, que implicam em grande ônus para as empresas se não houver uma mobilização do empresariado, pois a seu favor conta um grande apoio das centrais sindicais. O assunto é simpático para os empregados, mas não se observa que na seqüência criará uma impossibilidade das empresas
em contratar funcionários, que no futuro não poderão demitir, ou se o fizer, haverá um custo imprevisível, porque não sabemos quanto custará essa ação. Para discutir esse tema, contamos com a honrosa presença do dr. Ricardo Nacim Saad, que tem uma grande vivência nessa especialidade da área jurídica.
Ricardo Nacim Saad
quitetou uma forma de garantia para o empregado despedido sem ou por justa causa. Assim foi concebido o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, FGTS, para que se afastassem de vez aquelas normas da CLT, que geravam problemas para a atividade empresarial. A primeira versão desse projeto foi considerada inconstitucional, porque o projeto simplesmente eliminava a estabilidade. Então, foi preciso uma nova versão. O caminho encontrado foi o seguinte: o empregado fica com o direito de optar entre as regras da CLT ou as do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Essa lei foi aprovada em 1966 e entrou em vigor em 1967. É escusado dizer que a médio prazo, a estabilidade foi extinta quase que completamente, porque a partir daí a admissão dos empregados era feita mediante a opção pelo novo sistema. Um sistema que apresentava algumas vantagens, como por exemplo, se o empregado fosse despedido por justa causa, continuava tendo na sua conta vinculada do Fundo de Garantia os depósitos feitos pelo empregador. Essa era uma das vantagens acenadas pelo sistema. Além disso, se cogitou de usar o Fundo de Garantia para a aquisição de casa própria pelo trabalhador, levantamento do depósito em caso de matrimônio da empregada , e assim por diante.
Aqui estamos para falar sobre a Convenção nº 158, da Organização Internacional do Trabalho, relativa ao término da relação de emprego por iniciativa do empregador. Antes, porém, acredito que é necessário fazermos um retrospecto das garantias que a nossa legislação confere aos empregados, lembrando, primeiro, que a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, assegurava ao trabalhador despedido, sem justa causa, uma indenização calculada na base da maior remuneração percebida na empresa, pelo número de anos de serviço prestado. Portanto, uma dispensa imotivada resultava no pagamento de uma indenização ao trabalhador. Além disso, a CLT garantia a estabilidade no emprego para aqueles que alcançassem dez anos de serviços prestados ao mesmo empregador. Embora a CLT seja de 1943, a Constituição Federal de 1946 Rafael Hupsel/Luz acolheu essas garantias, incluindo-as no artigo 165, entre aquelas asseguradas ao trabalhador. Essa indenização e estabilidade acabaram por criar para as empresas em geral um passivo trabalhista considerável, que impedia uma mobilidade, uma flexibilização, que essas empresas pudessem operar uma fusão ou incorporação, tal o volume desse passivo trabalhista – algumas empresas chegaram até a encerrar as suas atividades. Mas o fato é que nenhum governo até o momento se atreveu – se é que posso usar essa expressão – a interferir na estabilidade e nessa garantia reservada aos trabalhadores. Isso gerou muitos conflitos entre empregados e empregadores. Muitas empresas passaram a despedir o A Constituição de 1988 eliminou de vez a garantia da estabilidade, trabalhador quando chegava a nove fazendo incluir no artigo 7º tão somente a garantia do FGTS (...) anos e seis meses de atividade. Essa forma de dispensa de empregados acabou levando o problema para a Justiça do Trabalho, que por sua vez passou a decidir reiteradamenApós a aprovação da lei, tivemos a Constituição de te, formando assim uma jurisprudência, que esse tipo de 1967, que incorporou esse princípio da opção entre um dispensa era considerado obstáculo à garantia do direito sistema e outro, o que foi mantido também na Emenda do trabalhador. Depois, as empresas começaram a despeConstitucional nº 1, de 1969. dir empregados com nove anos de atividade. A jurispruA Constituição de 1988 eliminou de vez a garantia da esdência também se movimentou no sentido de também tabilidade, fazendo incluir no artigo 7º tão somente a gaconsiderar como obstáculo à garantia de trabalho. rantia do FGTS, porém, no item primeiro do artigo 7º, está No primeiro governo militar após a Revolução de dito o seguinte: entre as garantias asseguradas ao trabalha1964, na presidência do Marechal Castelo Branco, se ardor – relação de emprego protegida contra despedida ar-
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bitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória dentre outros direitos. Isso é o que diz o inciso I do artigo 7º da Constituição atual. Nas disposições transitórias, artigo 10, consta o seguinte: até que seja promulgada a lei complementar referida no inciso I, fica limitada a proteção citada, com aumento de quatro vezes a multa do FGTS. Até então, na dispensa imotivada do trabalhador, o empregador ficava obrigado a depositar uma multa de 10% calculada sobre o montante da conta vinculada do empregado. Nas disposições transitórias ficou estabelecido o seguinte: até que a lei complementar venha a ser editada, essa multa passará a ser de 40%. E agora mais 10%. Já se passaram quase 20 anos de vigência dessa Constituição e até hoje não se cuidou de elaborar um projeto que se convertesse em lei essa proteção do inciso I do artigo 7º. Esse é o quadro atual da nossa Constituição. Vamos retornar a 1982. A Organização Internacional do Trabalho é uma entidade pública, criada pelo Tratado de Paz em 1919. O chamado Tratado de Versalhes aprovou, na sua Conferência Internacional do Trabalho, a Assembléia Geral da OIT, uma convenção que recebeu o número 158, que se refere ao término do contrato de trabalho por iniciativa do empregador. A aprovação e a conseqüente vigência da Convenção no país do Estado membro é um tanto quanto complexa. Embora aprovada em 1982, somente em 1992 é que o Congresso Nacional brasileiro aprovou um Decreto Legislativo tornando efetiva a vigência dessa convenção coletiva no Brasil, que é membro da OIT. Mas não termina aqui o processo que torna essa Convenção vigente. Uma vez aprovada a Convenção, deve ser levada a depósito na Diretoria Geral da OIT. E o governo brasileiro, embora tenha aprovado essa convenção em 1992, só levou a depósito em 1995, ou seja, três anos depois. Uma vez feito o depósito, entra em vigor somente um ano depois. Então, tivemos que aguardar o espaço de um ano para ter validade interna. Mas ainda assim, o processo não terminou, é preciso que o presidente da República baixe um decreto, colocando em vigência aquela convenção aprovada. Estávamos em abril de 1996. Pouco tempo depois, o governo brasileiro resolveu denunciar essa convenção. O então Ministro do Trabalho, Paulo Paiva, preparou uma mensagem para o presidente da República, visando a denúncia dessa Convenção. Vejam alguns trechos dessa mensagem, que no meu modo de ver são absolutamente válidos ainda hoje. Diz o seguinte: Tornou-se a Convenção 158 um problema que supera o âmbito das lides trabalhistas para alcançar inegável repercussão no quadro das relações econômicas nacionais e internacionais. Essa talvez é a principal razão do reduzido número de adesões, sendo que poucos Estados membros aderiram a essa convenção. No plano internacional, o visível desconforto de Estados soberanos inseridos ou determinados a agir com con-
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vicção em prol de sua inserção no quadro das relações econômicas mundiais, em admitir que a sua legislação nacional, ou sua ordem jurídica, mesmo que não legislada, sofra tamanhas limitações na órbita trabalhista, quer no que diz respeito ao direito patronal de dispensar, quer no que atinge o direito do trabalhador às reparações daí advindas. Ante o empenho de modernizar a legislação trabalhista situado no objetivo maior do governo federal de otimizar a produtividade e qualidade no âmbito das empresas, e a negociação entre essas e seus empregados, a Convenção 158, da OIT, tem inspirado movimento oposto, que fomenta a intervenção estatal e reduz o círculo de mobilidade dos interlocutores. Além disso, no momento em que estudos voltados para a administração pública trazem conclusões acerca do desestímulo à produtividade, que se apresenta na estabilidade conferida a muitas categorias profissionais, seria contraditório estendê-la sem quaisquer critérios aos trabalhadores do setor privado. A reação do setor produtivo privado seria inevitável e encontraria plena justificativa na quebra de um princípio de incongruência entre políticas públicas. Ressalte-se que no Mercosul somente o Brasil aderiu a esta Convenção, procedimento ocorrido em toda a América pela Venezuela, que ainda não tinha como presidente Hugo Chávez, e tal análise, porém, não deve ser única, mas reiterada periodicamente, para que a constante alteração das circunstâncias não isole ou escravize a nação, por conta de compromissos assumidos no passado, os quais, se puderam ter algum apelo positivo no momento de sua assunção, representam depois obstáculos ao bom desenvolvimento das diretrizes governamentais. Então, foram estas as razões que levaram o Ministro do Trabalho da época a sugerir ao presidente da República a denúncia dessa Convenção. E quero ainda me referir ao seguinte: o jornal O Estado de S.Paulo (de 2 de março), faz a seguinte indagação – acabar com a demissão sem justa causa é uma boa idéia? Não, 71%; sim, 29%. E temos aqui dois artigos de dois especialistas, um criticando a convenção e outro apoiando. O que apóia, o título do artigo diz bem do seu espírito: A garantia do emprego nunca teve a simpatia dos capitalistas. É essa convenção que agora querem ressuscitar. A mensagem que foi para o Congresso Nacional é visando aprová-la novamente e há um movimento nos dois sentidos, aqueles mais à esquerda querendo que ela volte a vigorar no País, e o empresariado de um modo geral, os empregadores, que se posicionam contrariamente. Portanto, é preciso uma ação junto ao Congresso Nacional visando a impedir que um novo decreto legislativo coloque essa convenção em vigor. Acredito que isso não poderá ser resolvido em curto prazo. A experiência da aprovação da vez anterior demorou alguns anos. Até o Congresso Nacional aprovar o decreto legislativo, a matéria ser levada a depósito na diretoria geral da OIT, e finalmente vigorar internamente, acredito que teremos pela frente uns dois ou três anos. Esta é a minha avaliação.
José Pastore
um custo alto e talvez até outros problemas. Quero dizer que dentre esses outros problemas, devemos considerar que essa situação eleva o nível de conflito entre empregado e empregador. Se a empresa apresenta uma razão para o empregado ser demitido e ele não aceitar, estará instalado o conflito. Então, estará elevado o nível de conflito dentro da empresa. Isso ficará se arrastando. E nos países que ratificaram essa Convenção, demora de 6 a 12 meses para se despedir um empregado. Nesses países não existe Justiça do Trabalho com poder normativo, como temos no Brasil. Elevar o nível de conflito dentro de uma empresa gera também um custo, porque isso contagia os demais empregados. Não haverá um ambiente propício para as boas relações de trabalho. Esses fatos precisam ser bem explicados para a sociedade, principalmente para os parlamentares que votarão a matéria, porque para eles é muito tentador apoiar essas medidas, que renderão votos, ainda mais se juntarmos esse problema com as propostas de redução da jornada de trabalho, sem a redução de salários: será uma usina de votos, no meu entendimento. Basta um cidadão vir na Praça da Sé e pedir voto, dizendo que é do partido do presidente Lula, e que acabou de ser mandada para o Congresso Nacional uma medida pela qual o patrão não poderá mais
Esta Convenção cria uma burocracia bem mais pesada para o desligamento dos empregados, porque o empregador é obrigado a apresentar por escrito as razões do desligamento. E se o empregado não concordar com as razões, entra numa contenda, que poderá ter a participação dos sindicatos. E se o impasse não for resolvido rapidamente, o assunto irá para a Justiça do Trabalho e o juiz resolverá, avaliando o motivo alegado pela empresa. Se o juiz não avalizar, não concordar com o motivo, o empregado terá que continuar no posto de trabalho. Tudo isso acrescenta uma grande burocracia para as empresas, como também acrescenta um custo extraordinário, porque a empresa terá que manter o empregado que desejaria desligar e terá que manter uma relação interna intensa de conversas, reuniões com sindicatos, que eleva em muito o custo do fator trabalho, que causará problemas futuros, ou seja, as firmas que puderem, repassarão os custos para os preços dos serviços e mercadorias, mas outras empresas terão que absorver esses custos, o que afetará a competitividade dessas empresas. Então, é um problema muito sério. Dentre os motivos que podem ser alegados pela empresa para despedir o empregado legalmente, de acordo com a Convenção, destaca-se a dificuldade ecoPatrícia Cruz/Luz nômica. Mas acontece que a empresa terá que demonstrar essa dificuldade econômica. Imaginem uma empresa ter que demonstrar em juízo, ou para o sindicato, que não está bem, que está com dificuldades de gestão. Essas dificuldades podem ser passageiras. Todos passam por dificuldades momentâneas, mas quando isso tem que ser exposto publicamente, todos sabem que isso afeta a credibilidade da empresa, afeta o valor da ação na Bolsa de Valores, dificulta a captação de créditos, afeta sua imagem, o seu relacionamento com os fornecedores, com os consumidores etc. Então, é um problema realmente complicado, razão pela qual apenas cinco países desenvolvidos assinaram essa Convenção, que são Finlândia, França, Espanha, Portugal e Suécia. E dos outros 29 países que assinaram temos o O empresário pensará muitas vezes para admitir um novo empregado, Gabão, Iêmen, República Central Africana, pois terá dificuldade no momento da dispensa. Santa Lúcia, Mali, tantos outros países não desenvolvidos, países onde não existem empregos, que podem se dar ao luxo de assinar essa convenção. Os outros países desenvolvidos não despedi-lo, que trabalhará menos e ganhará o mesmo saquiseram nem saber dessa Convenção, porque isso cria lário. Não temos dúvida que todos concordarão. uma complicação muito grande, um custo enorme e para Então, é um sério problema, porque existe esse compopiorar a situação, acabará acarretando prejuízos para o prónente político que o presidente Alencar Burti ressaltou, prio trabalhador, porque se fecharmos a porta de saída, locomo também é um problema sério do ponto de vista ecogicamente será fechada a porta de entrada. nômico, porque acabará afetando o próprio incentivo ao Portanto, o empresário pensará muitas vezes, relutará investimento. Se complicarmos a vida do trabalho das muito para admitir um novo empregado, porque ele sabe empresas, vamos desestimular os investimentos e a próque no momento da dispensa, enfrentará uma burocracia, pria geração de empregos.
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Esse problema está no Congresso Nacional, acho que já foram ressaltadas algumas linhas de ação da sociedade. A primeira linha, na minha sugestão, é informar bem as pessoas, para que o assunto seja levado a todas as empresas. De minha parte, produzi um material didático que explica bem o que é a Convenção, para que serve, se o Brasil precisa assinar ou não, quais as conseqüências disso tudo, de forma a informar os empresários. A segunda linha é uma atuação junto aos parlamentares, para também informá-los. E a terceira linha é uma atuação mais direta na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, que é aonde chegou a mensagem. É a primeira comissão da Câmara a examinar a matéria. Parece que o presidente Arlindo Chináglia pediu urgência para a apreciação da matéria. Acho que é importante que todos aqueles que querem o bem do Brasil, se aproximem desses parlamentares para explicar as conseqüências da matéria na vida dos empregadores e empregados. O presidente dessa comissão é o deputado Marcondes Gadelha. Essa comissão tem 15 membros que poderão ser contatados. Se aceitarmos mais essa complicação advinda dessa convenção, poderemos travar o mercado de trabalho.
País, porque no setor industrial, grandes empresas já estão se estabelecendo em outros países, por exemplo, a Gerdau. Outro dia, ouvi o Secretário da Fazenda falando a esse respeito e achando que seria ótimo para o País. Acho que dessa maneira estaremos gerando empregos para a população dos países vizinhos, ou até para outros países do mundo, onde a burocracia é menor, onde a legislação e o relacionamento com os trabalhadores é mais simples, onde a carga tributária é mais animadora. No Brasil, com esses incentivos que são liderados pelas classes trabalhadoras, pelas centrais sindicais, parece que estão pensando em 1940, tentando engessar a nossa legislação, que já está paralisada. Sobre isso pouca coisa tem sido comentado. Portanto, nós como lideranças te-
Ao terminar a construção de um prédio, o que fazer com todos esses trabalhadores? Não poderá dispensá-los?
Ricardo Nacim Saad Quero aproveitar a oportunidade, depois do comentário do professor José Pastore, para dizer que a construção civil teve um incremento enorme em 2007 – na cidade de São Paulo cresceu 153% o emprego formal, e esperamos para o ano de 2008, a criação de 1 milhão e 250 mil empregos formais no setor da construção civil. Agora, só com a notícia dessa Convenção 158, os construtores já estão pensando o que fazer com toda essa mãode-obra, porque, quando é construído um prédio, quando termina essa construção, o que fazer com todos esses trabalhadores? Não poderá dispensá-los? Essa Convenção afetará o setor da construção civil.
José Maria Chapina Alcazar É estarrecedor o que vem pela frente. O nosso País está passando por uma migração de mão-de-obra, saindo do setor industrial e indo para o setor de serviços, e o Dr. Ricardo Nacim Saad lembrou muito bem que a construção civil começa a sentir o impacto da proposta dessa Convenção. Portanto, quero dizer para reflexão, ficou claro que em termos de legislação devemos continuar com a mobilização. As entidades e todas as suas lideranças, não devemos deixar de trabalhar, procurando defender o que é melhor para o nosso Brasil. Juntamente, teremos a reforma tributária que também será outro problema a ser tratado, que está pegando os empresários despreparados e com muitas dificuldades. Um fato que o governo provavelmente não está contando, com a apresentação dessa Convenção, é realmente o incentivo para que as empresas nacionais deixem o nosso
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Andrei Bonamin/Luz
mos que trabalhar, porque está dependendo dos parlamentares na Câmara dos Deputados e do Senado. Vamos montar uma vigília para que isso não seja aprovado, do contrário será um desastre para o País. O setor de serviços, que vem gerando mais empregos no momento, é o que será mais atingido, assim como o setor da construção civil, mas todo o setor de serviços está em crescimento, inclusive, com a geração de empregos. Portanto, essa medida é desestimuladora e só nos resta trabalhar procurando elucidar os parlamentares na Câmara dos Deputados e no Senado. Não temos outra alternativa.
Gastão Alves de Toledo Toda essa matéria acabará de alguma maneira sendo decidida pelo Supremo Tribunal Federal. Digo isto porque o decreto do presidente da República, de 1996, que denunciou a convenção, foi contestado pela CONTAG com uma ADIN, que ainda não recebeu decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Mas o que pretende a CONTAG? Pretende dizer que o presidente da República sozinho não pode denunciar uma convenção internacional, ou seja, da mesma forma que foi aprovada pelo Congresso e promulgada pelo presidente, para que saísse do ordenamento brasileiro, também teria que ser revogada pelo Congresso e pelo presidente da República. Essa tese é muito controvertida. Existem aqueles que pensam desta maneira e os que dizem o contrário, ou seja, que o presidente sozinho poderá denunciar uma convenção. E suponhamos que o STF diga que o presidente não poderia denunciar a convenção. Nesse caso, ela não teria sido efetivamente denunciada, ou seja, passaria a viger no Brasil, porque o decreto seria nulo, e sendo nulo, os efeitos da declaração retroagem à data do decreto. Então, a convenção que foi denunciada em 1997, estaria vigendo no Brasil. Isso, evidentemente, viria prejudicar o projeto do governo de fazer aprovar novamente a convenção, porque o STF diria que ela nunca saiu do ordenamento brasileiro. Mas, vamos supor que o STF diga que realmente o presidente pode denunciar uma convenção, e, portanto, ela não existe hoje, e o Congresso Nacional, de alguma maneira poderá aprovar a Convenção. Dessa maneira caberia uma ação de inconstitucionalidade junto ao STF para discutir os termos e a forma de aprovação da Convenção, porque a Constituição Federal diz no artigo 7º, que cabe à lei complementar dispor sobre esse assunto. O STF teria que dizer se a Convenção internacional faz as vezes de uma lei complementar ou não. Ou seja, se seria necessário, a despeito da aprovação da Convenção, que houvesse uma lei complementar regulando a matéria, ou se ela seria ou não auto-aplicável no Brasil. Se o STF disser que ela é auto-aplicável, e não precisa de nenhuma lei complementar, teremos outro questionamento, ou seja, os termos da Convenção são integralmente aplicáveis ao Brasil, porque o artigo 7º da Constituição fala em indenização compensatória. Então, caberia ao STF dizer se em
face da Convenção a indenização compensatória foi ou não excluída do ordenamento brasileiro. Portanto, parece que há um extenso caminho a ser trilhado. Em primeiro lugar, em relação à ADIN que existe; em segundo lugar, em relação ao projeto que existe; e, ainda, um terceiro projeto que existe no Congresso Nacional, este sim propondo uma lei complementar, que copia praticamente a Convenção 158. A meu ver, há três questões a serem acompanhadas de perto: a questão da ADIN, que foi proposta pela CONTAG em 1996 e ainda não foi julgada, o projeto do governo enviado no mês passado pelo presidente da República ao Congresso Nacional, e o projeto de lei que diz respeito à regulamentação do artigo 7º por lei complementar, que repete a Convenção 158. Todos esses assuntos, como disse inicialmente, tenderão de uma maneira ou de outra, a parar no Supremo Tribunal Federal, que dará a última palavra em relação à constitucionalidade ou não, quer da forma de aprovação da convenção, quer do aspecto substantivo dela, ou seja, se poderia retirar do ordenamento brasileiro o princípio da compensação ou da indenização.
José Pastore Acho que foi muito oportuna a explicação dada pelo Dr. Gastão Alves de Toledo, porque o lado jurídico acontece dessa maneira mesmo, é um capítulo jurídico à parte, extenso como foi dito, porque entrar com uma ADIN e esperar não sei mais quanto tempo, entrar com outra ADIN, é uma questão que precisamos seguir de perto. No meu entendimento, o presidente Lula, ao mandar para o Congresso Nacional a Mensagem 59, não é das coisas piores, é a minha opinião. Não sou advogado, mas entendo, por exemplo, que o presidente Fernando Henrique, através de um decreto, denunciou a Convenção, ou seja, não permitiu a vigência dessa convenção, porque isso afronta o nosso ordenamento jurídico. Acho que seria pior se o presidente Lula tivesse apresentado um outro decreto anulando o decreto anterior e fazendo entrar em vigor a Convenção desde já. Então, o presidente Lula mandou uma medida para o Congresso ratificar a Convenção. Essa questão jurídica precisa ser equacionada, porque o lado político, no que diz respeito às eleições, precisa ser trabalhado, mesmo que mais tarde precisemos entrar com uma ADIN para anular essa convenção. Na Câmara Federal o governo tem ampla maioria, mas temos cerca de 220 deputados que querem ser prefeitos em suas cidades. Ora, para quem quer ser prefeito é uma ação importantíssima. E o deputado pouco se importa se a medida é constitucional ou não, mas ele quer mostrar o que ele fez, para angariar votos, e, muito depois é que eles vão refletir sobre a questão da constitucionalidade. Embora não devamos descuidar da parte jurídica, acho que esse assunto será resolvido no STF. No meu entender, o problema deveria abortar no aspecto político, ou que as comissões que examinarem a mensagem, que abram audiências públicas, aumente os pra-
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CUT pressiona Congresso pela aprovação
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e acordo com dados do Ministério do Trabalho, cerca de 1,3 milhão de trabalhadores foram contratados no País no ano passado. Mas quase 1,6 milhão perderam o emprego no mesmo período. Só no Estado de São Paulo, foram 434 mil contratações e 369 mil demissões. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) vai usar esses indicadores para tentar convencer o Congresso a aprovar a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Desde que uma mensagem presidencial pedindo a aprovação das normas chegou ao Congresso, em fevereiro, entidades empresariais acompanham com preocupação o andamento da proposta e vislumbram um cenário nada animador caso seja aprovada. A Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) já iniciaram um movimento para mostrar que a Convenção nº 158 é um retrocesso numa economia globalizada, afeta a competitividade das empresas, abre brechas para acirrar conflitos entre patrões e empregados e pode reverter os bons índices de contratações. No último levantamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a oferta de empregos com carteira assinada bateu novo recorde em março, com a abertura de 206,5 mil novas vagas. De janeiro a março, foram criados 554,4 mil empregos formais. "Com uma trava na saída, fecha-se a porta de entrada. As empresas vão pensar duas vezes antes de contratar", prevê o especialista em relações no trabalho, professor José Pastore. Do outro lado, dirigentes sindicais defendem que os procedimentos a serem seguidos pelo empregador antes do desligamento de um trabalhador tornarão mais transparente a relação entre as partes, além de coibir as dispensas imotivadas, que são uma realidade do país. "Por falta de regras, as demissões, hoje, são uma farra,
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Valter Campanato/Abr
um desrespeito ao trabalhador", diz o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e Sindicatos dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah. De acordo com o sindicalista, chamam a atenção as homologações de contratos de trabalho no comércio paulista em janeiro deste ano, na comparação com o mesmo mês de 2007: passaram de 3.613 para 6.214. "A aprovação de regras restritivas vai inibir as dispensas no setor, já que os empregadores serão obrigados a justificá-las". Para o ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Vantuil Abdala, o mais antigo no tribunal, antes de se discutir os efeitos da Convenção nº 158 no mercado de trabalho, o País precisa de uma reforma em seu sistema sindical que, na sua visão, é "viciado" em decorrência da cobrança obrigatória de impostos e contribuições. "Como recebem uma arrecadação cativa, os sindicatos no Brasil não lutam para bem representar os trabalhadores. Em outras palavras, se fossem autênticos e atuantes, sequer precisaríamos dessa Convenção", resume. De acordo com o ministro, a Convenção, caso seja realmente aprovada, não vai produzir efeito sobre o número de ações trabalhistas. Isso porque os trabalhadores, de modo geral, não recorrem ao Judiciário para reclamar direitos enquanto vigora o contrato de trabalho. "Pelo menos 90% dos processos que recebemos são ajuizados por ex-empregados", calcula. Polêmico, o assunto será discutido em audiência pública no próximo dia 14 de maio na Comissão de Relações Exteriores, com a participação de sindicalistas, ministros e representantes de entidades empresariais. Antes de ir a plenário para votação da Câmara dos Deputados, o texto terá um longo caminho a percorrer, já que será analisado pelas Comissões do Trabalho e Constituição e Justiça. Depois, será levado ao Senado, onde passará por diversas comissões. (Silvia Pimentel)
zos. Se conseguirmos adiar essa votação até o mês de julho, teremos o recesso, e depois em agosto os deputados não querem votar as matérias. Portanto, há uma estratégia política de pelo menos postergar essa votação. Isso depende da atuação da sociedade junto aos parlamentares no Congresso, principalmente, junto aos presidentes e relatores das comissões.
Ricardo Nacim Saad Quero lembrar que, quando o ministro Paulo Paiva elaborou a mensagem para a denúncia da Convenção 158, concomitantemente ele apresentou um anteprojeto de lei complementar para regular o inciso I do artigo 7º. E por outro lado, é preciso lembrar que a própria Convenção 158, no seu artigo 17, disciplina a denúncia pelo Estado membro. A única exigência diz: que todo membro que tiver ratificado a Convenção poderá denunciar, no período de dez anos, a partir da data inicial de entrada em vigor, mediante um ato comunicado para ser registrado ao Diretor Geral da Repartição Internacional do Trabalho. Isso parece que o Brasil fez. Foi registrado esse ato.
Carlos Alberto Nicolini
Existem outros problemas sérios como, por exemplo, não podermos contratar cooperativas, muito embora tenham CNPJ, sejam legais em todo o País, pois o INSS entende que as empresas não podem contratar a mão-deobra das cooperativas. Isso tem sido um transtorno na empresa, apesar de as cooperativas serem formadas por trabalhadores regularmente registrados, todos eles, pagam INSS, pagam todos os tributos, mas o Ministério Público entende que são ilegais, que são fraude. Então, o governo permite que as empresas sejam abertas, mas o Ministério Público entende que seja uma forma ilegal de serviço. Assim, não podemos contratar as cooperativas. Portanto, existe esse fator de contarmos com funcionários ineficientes, que atualmente podemos demitir. Fica, portanto, a pergunta: existe o contrato por prazo determinado? Com a adoção da Convenção, não seria o caso de contratarmos os empregados com menores encargos sociais, ou isso seria também suprimido?
José Pastore Esse problema demonstrado pelo companheiro estará se multiplicando, porque no seu setor de serviço há uma grande rotatividade de mão-de-obra. Mas existem outros
Patrícia Cruz/Luz Quero relatar um problema e fazer a pergunta em seguida. Pertenço à área de telecomunicações, que tem uma quantidade de funcionários empregados muito grande. A minha empresa, especificamente, tem 6 mil funcionários, dos quais sou responsável por 1.600 empregados. Dentre esses funcionários o turnover é muito alto, temos 7% a 8% ao mês. Então, queria que os senhores imaginassem se não pudéssemos mais mudar esses funcionários. E por que mudamos os funcionários? Porque são funcionários que hoje estão envolvidos com alta ineficiência e também com fraudes, roubos, que são os famosos roubos de cabos de energia e de telecomunicações, como vemos todos os dias nos jornais. Fora isso, ainda temos outros empecilhos na troca de funcionários. Citamos o fato de que o funcionário sinCom a adoção da Convenção, não seria o caso de contratar dicalista tem estabilidade de cinco anos dentro empregados com menores encargos sociais? das empresas. A pessoa pode fazer o que quiser na empresa que não pode ser demitida, a não ser que se indenize o funcionário pelo período que falta desse mandato. setores com intensa rotatividade em virtude da própria Existe um fato curioso, se um funcionário é preso por natureza do serviço. Há setores que dependem mais da um delito grave, como roubo de cabos, ele não pode ser mão-de-obra terceirizada do que do quadro fixo de funmandado embora por justa causa, tem que se declarar cocionários. Agora, o terceiro também será atingido pela mo abandono de emprego. Então, se ficar preso 29 dias e Convenção 158. Dessa maneira, será elevado o custo. Se voltar no trigésimo dia, tem que ser readmitido, mas se for contratar esse serviço, será por um custo maior, porficar preso 31 dias, podemos demiti-lo por abandono de que estará fornecendo uma mão-de-obra que custa muito emprego. E só isso, porque não posso julgá-lo como mau mais, porque sobre esse custo incidirão todos os encargos elemento se ficar apenas 29 dias preso, mesmo que ele teque incidem sobre o contratante – e contratado e contranha furtado os cabos. tante terão os mesmos encargos sociais.
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Andre Porto/Folha Imagem
tando as Federações das Associações Comerciais dos Estados, para que atuem junto às lideranças políticas, para sensibilizá-las e demonstrar as conseqüências que poderão advir de uma ação impensada no mundo globalizado, onde a competição é muito grande. Se não tivermos a capacidade de competir em todos os setores, as conseqüências serão muito mais graves do que apenas a relação de emprego.
Ricardo Nacim Saad Quero ainda lembrar que essa questão de entenderem que essa convenção coletiva já está em vigor, isso ocorreu em 1992, e muitos juízes já aplicaram a convenção coletiva mesmo antes de entrar em vigor internamente. Vamos assistir a esse fato Os sindicalistas estão se antecipando à Convenção, propondo que só novamente, porque "cada cabeça, uma poderá ser permitida a demissão com a autorização do sindicato. sentença". Tivemos naquela época uma série de artigos doutrinários em ambos os sentidos, e o ex-Ministro Arnaldo Sussekind, que foi preEntão, se está sendo onerado no fator trabalho, passidente do TST e um dos autores da Consolidação das sará isso para o contratante. Realmente, as complicaLeis do Trabalho, e o único ainda vivo, demonstrou atrações são grandes. Há um outro problema com relação vés de artigo publicado na Revista LTr, que haveria plena ao conflito trabalhista. Há pouco tempo o STF aprovou compatibilidade entre a convenção e o inciso I, do artigo a substituição processual, que permite ao sindicato 7º da CLT. Então, foi uma grande autoridade pensando acionar a empresa por qualquer motivo sem nenhuma dessa forma e externando o seu ponto de vista. De modo procuração do representado, ou até contra a vontade que vamos ter problemas também na área jurídica. do representado. Num caso desses, a empresa despede o empregado, alega um motivo, o empregado não conMarcel Domingos Solimeo corda, mas para o empregado ficar brigando com a empresa não tem condições, ou prefere ser anônimo. O O grande problema é que vivemos uma república sindisindicato, usando o meio do substituto processual, pocalista. Qual seria a necessidade do governo mandar agora derá fazer a defesa de muitos trabalhadores que estão para o Congresso a ratificação dessa Convenção? Em breve na rotatividade, elevando ainda mais o nível de confliestará enviando o projeto de reforma tributária, que tem to que já temos. Então, essa Convenção é muito preouma série de temas pendentes para discussão no Congresso cupante. Não há dúvida. Nacional. Será que tudo isso não será apenas para agradar os setores sindicais? Por outro lado, o governo está repasCarlos Alberto Nicolini sando cem milhões de reais para as centrais sindicais. Até as centrais sindicais que antes estavam divididas, agora estão Na verdade, os sindicatos já estão se reunindo e reivintodas unidas. Mas isso passou de uma vez no Congresso. dicando esse direito de poder demitir ou não. Os sindiEntão, essa perspectiva que pode demorar dois ou três calistas estão se antecipando à Convenção, propondo anos, a ratificação dessa Convenção, a realidade hoje é que só poderá ser permitida a demissão com a autorizaoutra, não só no Congresso como no Executivo. Precisação do sindicato. É uma antecipação da Convenção. mos ficar muito atentos ao fato. Seria interessante depois distribuirmos para todos os diretores e conselheiros, a reAlencar Burti lação dos deputados da Comissão de Relações Exteriores, e quem tiver contato com esses parlamentares, mesEsse é o grande problema que estamos vendo, por isso mo individualmente, tentar pressioná-los. E cabe tamque nos apressamos em discutir essa situação, porque há bém às entidades empresariais procurarem atuar em um movimento muito grande das centrais sindicais, de conjunto, porque os favoráveis à Convenção estão unise unirem em torno dessa medida. E como o processo de dos nessa questão, como também estão unidos na conmobilização para eles é muito mais fácil do que para nós quista das 40 horas de trabalho semanais. empresários, é por isso que estamos nos reunindo. Precisamos também esclarecer os trabalhadores, porPortanto, através da CACB (Confederação das Associaque é claro que se fecharmos a porta de saída, conseções Comerciais e Empresariais do Brasil) estarei movimen-
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Fotos: Masao Goto Filho
qüentemente ficará estreita a porta de entrada. Já vimos esse filme em outras oportunidades. Mas existe um ponto adicional: enquanto isso não for aprovado e entrar em vigor, as empresas farão uma limpeza, ou seja, despedirão muitos empregados. Portanto, haverá conseqüências contra o próprio trabalhador. O risco é sempre o Judiciário querer aplicar antecipadamente a questão, mas mesmo assim, acho que o risco para o empregado é muito sério. Então, acho que precisamos trabalhar nas várias frentes. O fato de esclarecer aos empregados é muito importante, porque devemos demonstrar que o patrão não tem nenhum interesse em demitir o bom empregado, porque isso gera custo. Todo trabalhador consciente sabe que é bom empregado, por isso não tem nenhuma razão para temer essa relação.
Ricardo Nacim Saad Quero lembrar que a OIT tem uma estrutura tripartite, ou seja, tem três representantes, um do governo do Estado-membro, um dos empregadores e um dos empregados. Os delegados governamentais e os patronais, na OIT, não votaram pela aprovação da Convenção 158, e mesmo assim foi ao Congresso Nacional, que a aprovou. Eles não levaram em consideração nem o governo – é verdade que se tratava de um governo militar – e nem as entidades patronais, mas acolheram o que os trabalhadores votaram naquela assembléia.
É preciso uma ação junto ao Congresso Nacional visando a impedir que um novo decreto legislativo coloque essa convenção em vigor. Acredito que isso não poderá ser resolvido em curto prazo. Ricardo Nacim Saad
Alencar Burti Caros amigos, nestas breves reflexões que realizamos, embora com grande substância, pela presença de ilustres especialistas que expuseram as conseqüências que advirão com a adoção dessa Convenção 158 da OIT, é importante que todos nós tenhamos consciência dessa realidade. Não adianta transferir aos deputados ou a quem quer que seja a responsabilidade. Nós, individualmente, como cidadãos brasileiros, como empresários, como empreendedores, devemos assumir uma grande parcela dessa responsabilidade. Uma conseqüência terrível poderá acontecer se não atuarmos de maneira eficiente. Precisamos ser competitivos no mundo. As grandes corporações estão competindo entre si e podem afetar a saúde econômica do País. Devemos entender que além da inovação, da evolução e da tecnologia, precisamos de uma legislação tributária e econômica competitiva, que facilite o ingresso da nossa economia no mercado mundial. Se não entendermos esse processo, ficaremos para trás. É importante que o debate desse assunto (assim como a reforma tributária que está em discussão, e a outra reforma importante que é a reforma política) aconteça, porque temos um Congresso submetido à vontade do Executivo. É importante que comecemos a trabalhar para uma mudança da estrutura jurídica do processo político do nosso País.
Nos países que ratificaram essa Convenção, demora de 6 a 12 meses para se despedir um empregado. Nesses países não existe Justiça do Trabalho com poder normativo, como temos no Brasil. José Pastore MARÇO/ABRIL 2008 DIGESTO ECONÔMICO
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É
legítima a preocupação que assalta as classes empresariais, a propósito da mensagem do presidente da República ao Congresso Nacional, solicitando a ratificação do Convênio 158 da OIT, aprovado em 1982. O polêmico documento, cujas raízes encontram-se na Recomendação 119/1963, fixa, no artigo 4, que "Não se determinará o término do contrato de trabalho a menos que para isso ocorra uma causa justificada relacionada à capacidade ou conduta do trabalhador ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, do estabelecimento, ou do serviço". Seguem-se 22 dispositivos destinados a disciplinar o princípio geral. Passaram-se 20 anos entre a mera Recomendação e o imperativo Convênio, durante os quais o mundo, as relações econômicas, os métodos deprodução e os sistemas de trabalho, experimentaram profundas mudanças, que continuaram a ocorrer como fruto da globali-
se, ainda, limitado rol das faltas graves do empregado no art. 482 e, no 483, estão inscritas as hipóteses em que o empregado poderá considerar-se injustamente demitido. A CLT prescreve normas gerais de tutela do trabalho, iniciadas com dispositivos relativos à identificação profissional, à duração do trabalho, aos períodos de descanso, salário mínimo, férias anuais, segurança e medicina do trabalho. Em seguida vêm normas especiais sobre bancários, ferroviários, músicos, serviços de estiva, jornalistas, químicos. A Consolidação cuida, ainda, da nacionalização do trabalho, da proteção ao trabalho da mulher e do menor. Não bastassem as prescrições acerca do contrato individual, a CLT cuida das convenções e acordos coletivos de trabalho, da estrutura sindical, do Ministério Público e da Justiça do Trabalho. Não há ângulo das relações de emprego e de trabalho que tenha desprezado pelo legisla-
O BRASIL PRECISA DA Ichiro Guerra/Folha Imagem
Almir Pazzianotto Pinto Advogado, foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (www.pazzianotto.com.br).
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zação e das facilidades trazidas pela engenharia da informática. Em 1985 o Convênio 158 obteve as ratificações exigidas para entrar em vigor, mas, ainda hoje apenas 34 dos 184 países membros da OIT a incorporaram à legislação interna. O debate sobre o controvertido tratado internacional não deverá reduzir-se à questão do direito do empregador dispensar empregado, ou da eliminação dessa garantia fundamental. É obrigatório refletir acerca dos reflexos que a ratificação trará à legislação trabalhista brasileira, onde, a começar pela CLT, são numerosas as garantias oferecidas aos empregados, sob quaisquer ângulos que sejam examinados os contratos de trabalho. O aviso prévio, tratado no Convênio sob o título "prazo de pré-aviso", está disciplinado na CLT do art. 487 ao art. 491. O valor da indenização, em caso de demissão sem justa causa, é fixado pelo art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A estabilidade protege dirigentes sindicais, trabalhadores acidentados, empregadas gestantes e integrantes efetivos e suplentes das CIPAs. Tem-
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dor, ou que não se encontre elucidado pela jurisprudência. Sobre o Brasil não recai a pecha de omisso no terreno da legislação social. Pelo contrário, possui avançado conjunto legislativo, cuja aplicação é fiscalizada pelo Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho. A conversão do documento internacional, em lei ordinária interna, oferece o perigo de retomada de discussões em torno de problemas resolvidos, com soluções sedimentadas em Súmulas e Orientações do TST, ou do STF. Pense-se, a título de exemplo, no empregado dispensado por empresas do porte do Banco do Brasil, Volkswagen, Petrobras, ou nos programas de reestruturação com demissões incentivadas. Pergunta-se: ao Judiciário Trabalhista ficaria atribuída competência jurisdicional para intervir, impedir ou anular os desligamentos, depois de indenizados, sob o fundamento de que a causa determinante das dispensas não ficou demonstrada? Lembra-se que o Judiciário Trabalhista possui 1.327 Varas devidamente preenchidas, e
269 criadas, à espera de instalação. Dispõe de 24 Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho. A cada Juiz, Desembargador ou Ministro é assegurado o direito de julgar de acordo com a sua livre convicção. Diante do conflito entre o Convênio 158 e a legislação vigente, quantos anos, ações, debates, artigos, livros, congressos e seminários seriam necessários até a consolidação da Jurisprudência? O projeto que resultou na Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi recebido, em 1966, com hostilidade por dirigentes de sindicatos profissionais da época, eis que tinha por objetivo o término da estabilidade após 10 anos de serviço à mesma empresa (art. 492 da CLT), e a substituição da indenização prevista no art. 477, caput, por depósitos compulsórios no FGTS. Com o passar dos anos, o Fundo revelou-se benéfico e útil, sendo incorporado, na Constituição, ao rol dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Hoje é tido como conquista, da qual não renunciam organizações sindi-
A omissão do legislador federal deve ser interpretada como reconhecimento da complexidade da matéria alusiva à garantia legal de emprego, o que torna obrigatória a preservação do art. 10, I, do ADCT. A prudência exige que nada seja feito, nesse terreno, de maneira precipitada, pois o risco que se corre é o da multiplicação de conflitos e ações judiciais, com forte desestímulo aos investimentos em setores produtivos. Melhor seria dar-se início à reforma da envelhecida legislação trabalhista, providência aguardada por milhões de jovens e adultos, que estão à espera de oport u n i d a d e e m e s t re i t o mercado de trabalho. Normas obscuras, como a do artigo 4 da Convenção 158, acabam por se converter em fontes
CONVENÇÃO 158 cais e assalariados. Uma das dúvidas que aflora é se a ratificação do Convênio 158 provocaria o desaparecimento do sistema Fundo de Garantia, com a liberação dos empregadores do recolhimento dos depósitos mensais, ou se haveria sobreposição dos benefícios da norma internacional e das normas internas. A Constituição da República, no art. 7º, I, garante aos trabalhadores urbanos e rurais "relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória dentre outros direitos". A lei complementar que daria efetividade ao dispositivo constitucional não existe, e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), prescreve que, até ser promulgada a lei complementar exigida, "fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966". Até este momento, passados vinte anos, o Poder Legislativo manteve-se omisso em relação à lei complementar exigida.
de conflitos ao serem incorporadas, de maneira forçada, a realidades específicas. A lei jamais foi boa garantia de manutenção do emprego. Ademais, quando a folha de pagamento torna-se por demais onerosa sempre restará a possibilidade de encerrar o negócio, ou transferi-lo para ambientes juridicamente mais acolhedores. O presidente Fernando Henrique Cardoso ratificou o Convênio 158 em janeiro de 1995. Ao se dar conta dos efeitos, rapidamente voltou atrás. Ao invés de críticas, a atitude corajosa do ex-presidente merece aplausos, pois teve o condão de evitar que novos problemas continuassem a se multiplicar, tumultuando, ainda mais, o litigioso terreno das relações de trabalho. Talvez o presidente Lula aceite permutar a ratificação da Convenção 158 pela aprovação da Convenção 87. Sem dúvida alguma, o País ser-lhe-á eternamente agradecido.
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Al fer
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Ives Gandra da Silva Martins, Professor Emérito da Universidade Mackenzie (em cuja Faculdade de Direito foi Titular de Direito Econômico e de Direito Constitucional).
A
Suprema Corte já decidiu quanto aos tratados internacionais, se deveriam ingressar na ordem jurídica com o nível de norma superior, de legislação complementar ou se ingressariam com "status" apenas de lei ordinária. Adotou, o Pretório Excelso, a tese de que o tratado internacional, quando ratificado, ingressa no direito brasileiro como se lei ordinária especial fosse. Outra não foi a decisão do STF, em bem colocado voto do relator da ADIN 1480-3-DF, Ministro José Celso de Mello. Ao examinar a possibilidade de a Convenção 158 da OIT compor a ordem jurídica nacional, inviabilizou tal desiderato, por entender que matéria constitucionalmente reservada à lei complementar não pode ser objeto de ratificação, nem mesmo por força do artigo 49, inciso I, da C.F. Transcrevo a ementa desse julgado: "Ação Direta de Inconstitucionalidade – Convenção n. 158/ OIT – Proteção do Trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa – Arg6uição de ilegitimidade constitucional dos atos que incorporaram essa convenção internacional ao direito positivo interno do Brasil (Decreto Legislativo n. 68/92 e Decreto n. 1.855/96) – Possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade de tratados ou convenções internacionais em face da Constituição da República – Alegada transgressão ao art. 7º, I, da Constituição da República e ao art. 10, I do ADCT/88 – Regulamentação Normativa da proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, posta sob reserva constitucional de lei complementar – conseqüente impossibilidade jurídica de tratado ou convenção internacional atuar como sucedâneo da Lei complementar exigida pela constituição
(CF, Art. 7º, I) – Consagração constitucional da garantia de indenização compensatória como expressão da reação estatal à demissão arbitrária do trabalhador (CF, Art. 7º, I, C/C o Art. 10, I do ADCT/88) – Conteúdo Programático da Convenção n.158/OIT, cuja aplicabilidade depende da ação normativa do legislador interno de cada país – possibilidade de adequação das diretrizes constantes da Convenção n. 158/OIT às exigências formais e materiais do estatuto constitucional brasileiro – pedido de medida cautelar deferido, em parte, mediante interpretação conforme a Constituição". De rigor, refere-se, o eminente magistrado, ao artigo 7º, inciso I, da lei suprema, do seguinte teor: "I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos". Como se percebe, a matéria objeto da Convenção OIT 158 teve tratamento constitucional posterior a sua formulação, implicando aprovação mediante o veículo especial da lei complementar. Vale dizer, a Convenção é de impossível ratificação e se seus fundamentos tiverem que ser levados ao Congresso Nacional, terá que ser sob a forma de projeto de lei complementar, que exige maioria absoluta nas duas Casas, para aprovação. Parece-me, pois, que, se pretender o Governo – neste fantástico "avanço do retrocesso", abraçando teses superadíssimas, já nos fins do século XX e começo do século XXI – aprovar novo pedido de ratificação do tratado, incorrerá na mesma violação da tentativa anterior. Vale dizer, a ratificação nascerá – se nascer – maculada pelo vício de manifesta inconstitucionalidade.
Convenção do retrocesso
Luiz Prado/LUZ
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Sérgio De Zen Professor da Esalq/USP e pesquisador do Cepea/Esalq/USP
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que significam, para a Europa, as exportações de carne brasileira? E para o Brasil? O que queremos como produtores de carne? Estas duas perguntas são fundamentais para nortear o futuro da pecuária, seja ela bovina, suína e avícola. Para responder, é preciso saber as verdades econômicas de cada segmento da cadeia produtiva, incluindo o governo. O que está ocorrendo hoje com a carne bovina, seguramente, pode ocorrer com a carne de frango, além do que dificulta também a abertura do mercado europeu
Yuri Cortez/AFP
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O produtor brasileiro foi forçado a buscar eficiência para poder se manter na atividade.
à carne suína brasileira. O Brasil é um país que pode suprir a Europa; tem condições de atender às mais diferentes demandas da Europa, seja dos 12 países mais ricos, dos 15 países da zona do Euro ou mesmo dos 27 da União Européia ampliada. Isso implica em ofertar animais terminados em confinamentos, ou a carne "commodity", ou mesmo a carne de baixo valor. Para os brasileiros, as exportações de carne bovina para a Europa têm um efeito muito mais monetário que de volume. Em valor, as exportações de carne bovina representam cerca de 32% da receita total; em volume, 15,2% do total exportado e 3% do total de abate brasileiro. Dentro da porteira, fica fácil entender a vantagem competitiva do Brasil quando se comparam os custos de produção nacional com o de países europeus. Aqui, em 2006, produzir 100 kg de carne bovina custava entre US$ 180 e US$ 200, sendo que o produtor apurava com a venda cerca de US$ 190. O produtor brasileiro, portanto, foi forçado a buscar mais eficiência e produtividade para se manter na atividade. Na Irlanda, que atualmente é o país europeu que mais luta contra as importações de carne brasileira, o rebanho é por volta de 3 milhões de cabeças, e o produtor despende cerca de US$ 430 por 100 kg de carne produzida, recebendo cerca de US$ 300 pela venda da carne e mais US$ 7 de subsídio direto. Portanto, esses produtores também estão se descapitalizando. Em 2003, porém, os irlandeses gastavam cerca de US$ 380 para produzir os 100 kg de carne, recebiam US$ 280 com a venda do produto e mais US$ 130 de subsídio do governo. Como se vê, nos últimos anos, ocorreu uma mudança da política agrícola comum da Europa que gerou descontentamento dos produtores daquele bloco. Como eles não conseguiram sensibilizar a Comissão Européia de agricultura para evitar tais mudanças, passaram a investir contra as importações do Brasil. O subsídio é o motivo fundamental pelo qual a rastreabilidade funciona bem na Europa, pois cada produtor declara os animais e recebe um pagamento do governo. Lembrando que nos momentos de crise aguda, tanto da vaca louca quanto da febre aftosa, o sistema expôs muitas falhas. A indústria européia também não tem muita vantagem em relação à indústria brasileira. A indústria brasileira, por raízes históricas, tem um padrão de funcionamento e controle que atende à demanda do mercado europeu. Por isso, sempre teve facilidades em atender à demanda desse mercado. No custo operacio-
Xando P./Folha Imagem
nal padrão, um frigorífico brasileiro gasta cerca de US$ 180 por carcaça, enquanto um francês, US$ 400 e um holandês, US$ 550. Esses números mostram, portanto, que, do ponto de vista econômico, as exportações para Europa têm uma razão muito viável. O terceiro grande interessado nessa história é o consumidor brasileiro que, em uma análise simplista, poderia ser beneficiado com a maior oferta de carne devido à suspensão das vendas para a Europa e redução de preços. Mas os números mostram que isso não ocorreu. E por que não? Neste ponto, é preciso entender a dinâmica das exportações para a Europa. O boi pode ser fracionado em cerca de 420 produtos diferentes, entre carnes e subprodutos - em geral, são 12 cortes na parte traseira do boi, 5 na dianteira mais a chamada de "ponta de agulha", que é a costela. O mercado europeu concentra suas compras nos cortes traseiros: filé mignon, alcatra, contrafilé, coxão mole e coxão duro; os demais ficam para o mercado interno.
Um frigorífico brasileiro gasta US$ 180 por carcaça; já um holandês, US$ 550.
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Os preços dos cortes exportados para o mercado europeu são elevados e isso explica a razão pela qual pequenos volumes representam grandes receitas. Por exemplo, o quilo de filé mignon é vendido para a Europa por cerca de R$ 52,00; a alcatra, por R$ 14,00 e o contrafilé, por R$ 17,00. No mercado atacadista interno, esses cortes são comercializados em torno de R$ 14,00/kg, R$ 8,00/kg e R$ 9,00/kg respectivamente. Como o frigorífico não pode tirar apenas esses cortes da carcaça, é obrigado a comercializar a picanha, maminha e outros cortes no mercado interno a preços que, por vezes, é inferior ao valor que precisaria ter para cobrir seus custos e manter suas margens. A diferença vem das exportações para a Europa. O consumidor brasileiro é beneficiado pelas promoções do varejo dos cortes não exportados. Um exercício com uma planta padrão de um frigorífico que abate 1.000 cabeças por dia, supondo uma margem líquida de 5%, mostra que tal unidade industrial teria dois caminhos para manter essa margem sem as exportações para a Europa. Um deles é manter os preços pagos pe-
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O consumidor brasileiro é beneficiado pelas promoções do varejo dos cortes não exportados.
lo boi gordo e reajustar os preços da carne ao consumidor com vistas a manter a margem de comercialização, isto supondo que fosse possível o repasse de preços dos frigoríficos para o varejo. Outro é reduzir os preços do boi para manter os preços da carne, neste caso supondo que fosse possível repassar aos produtores as reduções de preços. Neste exemplo, no caso de reajustar a carne ao consumidor, o aumento deveria ser da ordem de 20%; doutra forma, o valor da arroba do boi teria de cair por volta de 17%. Isso é apenas um exercício hipotético, uma vez que o frigorífico não tem capacidade de repassar integralmente esses valores ao atacado/consumidor e tampouco de reduzir o preço do boi. Além disso, a elevação dos preços da carne causa redução de consumo e, por conseqüência, novos preços de equilíbrio da carne e do boi. O quarto interessado é o consumidor europeu. Ele precisa saber, entre outros aspectos, que toda a exigência à carne brasileira não é feita, por exemplo, para a carne proveniente de Botsuana, país africano onde ocorreu um foco de febre aftosa em 2006, mas que comercializa
com carne bovina com a Europa sem cotas ou sobretaxas. Ainda no aspecto de qualidade, merece destaque o fato de que a Irlanda teve os primeiros casos de vaca louca. Além disso, tem a questão do preço. O italiano paga cerca de R$ 70,00 por quilo de filé mignon e o inglês, R$ 80,00/kg de contrafilé. Até que ponto esse consumidor está informado dessas questões? Por fim, vale citar ainda que produtores, frigoríficos e consumidores precisam ficar atentos para as falsas promessas, acusações e especulações. O agente fundamental deste jogo é o governo, que tem a função de regulamentar e fiscalizar os procedimentos ao longo da cadeia. Para isso, o Governo Federal recolhe impostos de todos os elos da cadeia. Do abate até a desossa, por exemplo, a indústria paga 29% de impostos.
Esses valores entram nos cofres do governo e deveriam pagar, por exemplo, os gastos com a regulamentação e fiscalização do setor. A questão da rastreabilidade foi estabelecida para atender a uma demanda dos europeus, sendo que o governo brasileiro assumiu as tarefas de regulamentação e fiscalização. Vale lembrar que nenhuma carne sai do Brasil sem o aval do Serviço de Inspeção Federal (SIF). Portanto, é muito difícil para qualquer pessoa do governo atribuir ao produtor ou ao frigorífico a culpa pelo não funcionamento do sistema. Estes podem ter suas parcelas de culpa, mas dificilmente agiriam sem que o governo tivesse conhecimento. A questão é saber se o Brasil está disposto a manter o mercado, conquistado com grandes dificuldades e, se estiver, quais serão as ações efetivas neste sentido? A questão de rastreabilidade necessita de muito investimento com vistas a se criar um produto confiável não apenas para a carne bovina que vai para o mercado europeu, mas para todos os produtos alimentícios ofertados para os brasileiros ou estrangeiros. Para a indústria, o benefício é ter um produto confiável e, para o produtor, a rastreabilidade pode ajudar na gestão do seu negócio. Enfim, das exigências da Europa, é possível tirar proveito para melhorar as condições de todos os elos da cadeia produtiva.
O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, serve um churrasco de picanha ao ministro russo Serguey Dankvert.
Ed Ferreira/AE
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Rogério Cassimiro/Folha Imagem
Patrícia Büll
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Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo, e o segundo maior produtor. De cada três quilos de carne exportada, um quilo possui a marca brasileira. Mas todos esses atributos não impediram que a União Européia (UE) suspendesse a importação de carne brasileira in natura, sob a alegação de insu-
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ficiência de garantias sanitárias e de qualidade na cadeia produtiva de gado no País. O embargo foi anunciado no dia 30 de janeiro, passou a valer em 1º de fevereiro e já mostra reflexos na balança comercial - pelo menos no quesito volume. De acordo com estatísticas da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), no primeiro bimestre deste ano, o Brasil exportou 362 mil toneladas de carne bovina, uma queda de 16,6% em comparação com o mesmo período do ano passado. Especificamente para o bloco
FECHAR A PORTEIRA
europeu, os embarques totalizaram 76,7 mil toneladas, uma queda de 19% entre os períodos analisados. Em contrapartida, houve um crescimento de 17% em valores, totalizando US$ 806,9 milhões. "Esses números mostram que a suspensão temporária da importação de carne brasileira pela União Européia causou pouco impacto, pois o que perdemos em tonelada, conseguimos recuperar em preço", afirma o presidente da Abiec, Marcus Vinícius Pratini de Moraes. Segundo Pratini de Moraes, a carne brasileira in natura comer-
cializada no exterior teve reajuste médio de 65% em janeiro sobre o preço praticado no mesmo período de 2007. O motivo foi o crescimento da demanda pela própria UE, que pressionou os preços. "Acredito que essa demanda extra se deu para que a União Européia pudesse estocar o produto antes de iniciar o embargo", afirmou Pratini de Moraes. Os impactos foram sentidos principalmente na categoria in natura, que teve retração de 24,7% na quantidade embarcada para o exterior no primeiro bimestre deste ano sobre igual período de 2007. Já a exportação de carne bovina in-
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dustrializada ficou estável, com pequena alta de 0,71%, enquanto miúdos tiveram expansão de 49%. Apesar da recuperação dos preços no primeiro bimestre, e da liberação de 106 fazendas para exportação no final do mês de fevereiro, no longo prazo o embargo poderá trazer mais danos à balança comercial brasileira. Afinal, a União Européia é um importante parceiro comercial para o setor, pois segundo a Abiec, responde por aproximadamente 11% das exportações nacionais de carne e por 25% das receitas totais. "A União Européia compra para 27 países, além de ser um mercado referencial para outros 160 para os quais o Brasil vende. Portanto, é um mercado importante tanto do ponto de vista econômico quanto da credibilidade", afirma Cesário Ramalho da Silva, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). E para ele, o Brasil perdeu credibilidade na questão da defesa sanitária. "A discussão para o atual embargo passa principalmente pela rastreabilidade. Mas rastreabilidade e sanidade andam juntas e nós ainda estamos trabalhando para melhorar as condições para controle de febre aftosa, por exemplo", diz Ramalho. Segundo ele, os produtores não têm sequer a confirmação da eficiência da vacina contra a doença. "Nós ainda estamos fazendo a lição de casa. Quando tudo isso estiver perfeito, aí sim teremos que ir à Europa para negociar as regras impostos pela União Européia e tentar minimizar seus efeitos sobre o Brasil." Desastre anunciado Embora o embargo tenha efetivamente começado em 31 de janeiro, Brasília tinha sido avisada em dezembro de 2007 de que a importação de carne bovina seria suspensa, caso não fosse exclusivamente proveniente de pastos selecionados que respeitassem as regras sanitárias em vigor na UE. Por exigência do próprio bloco europeu, o Brasil utiliza o Sistema Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (Sisbov). Apesar disso, a UE colocou em dúvida o sistema, utilizando esse argu-
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mento para suspender as importações, que foram parcialmente retomadas no dia 27 de fevereiro. Apesar de autoridades brasileiras reconhecerem algumas falhas no Sisbov - que passará por mudanças nos próximos meses elas salientam que não foi apenas isso que motivou o embargo. Por ocasião da suspensão das importações, o próprio ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, (MAPA) Reinhold Stephanes, disse que o custo de produção brasileira é cerca de um
terço do custo europeu, o que atrapalha a concorrência local. A Standard & Poor's do Brasil apontou essa mesma questão em relatório divulgado na segunda quinzena de março. "Embora o foco das discussões seja a questão sanitária, é amplamente sabido que a posição de baixo custo dos produtores brasileiros atrelada à crescente presença deles no mercado global criam dificuldades para os processadores internacionais de carne, que apresentam custos mais elevados, produzirem e exportarem seus produtos a preços competitivos para os grandes mercados consumidores como, por exemplo, Europa", aponta o relatório.
Próximos passos Em resposta às exigências da UE para encerrar o embargo às exportações de carne brasileira, o Ministério da Agricultura anunciou que o Sisbov passará por uma reformulação significativa em um prazo de 30 a 60 dias. Embora não tenha detalhado que mudanças serão essas, representantes do ministério afirmam que haverá participação de representantes de toda a cadeia produtiva de carne e de especialistas internacionais para a reformulação do sistema de rastreabilidade.
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O mercado de trabalho da agroindústria canavieira: desafios e oportunidades A proibição da queima da cana-de-açúcar como método de despalha faz acelerar a mecanização da colheita, com impactos negativos sobre o número de empregados da lavoura canavieira. Joel Silva/Folha Imagem
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Joel Silva/Folha Imagem
Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes Profa. Dra. do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ/USP. O artigo foi originalmente publicado na Revista Economia Aplicada
O
crescimento da produção de açúcar e álcool, devido ao aumento do uso de álcool combustível, tanto no Brasil quanto para atender a demanda externa, bem como por causa do crescimento das exportações de açúcar, traz ótimas perspectivas para o setor. Contudo, a proibição da queima da cana-de-açúcar como método de despalha faz acelerar a mecanização da colheita, com impactos negativos sobre o número de empregados da lavoura canavieira, visto que serão criados empregos na indústria do açúcar e do álcool, mas haverá redução dos mesmos na área agrícola. Ademais, haverá mudança no perfil requerido do trabalhador agrícola, atualmente de baixa escolaridade. Em 2005, segundo a PNAD, havia 519.197 empregados na cultura da cana-de-açúcar do Brasil, cuja escolaridade média era de 3,9 anos de estudo; 70% tinham até quatro anos de estudo e, destes, 154.598 podem ser considerados analfabetos funcionais (até 1 ano de estudo). Considerando-se que muitos são migrantes dos Estados mais pobres do Brasil, evidencia-se a necessidade de política pública nos locais de origem, dado o cenário de redução de demanda pelos trabalhadores de baixa escolaridade.
Divulgação
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1 - INTRODUÇÃO
M
udanças institucionais importantes, tanto no Brasil como em outros países, resultaram numa nova fase de crescimento da agroindústria canavieira nacional, impulsionada por perspectivas de aumento da demanda tanto por açúcar como por álcool. No âmbito internacional, uma maior consciência sobre a relação entre o uso de combustíveis fósseis e as mudanças climáticas incentivaram a procura pelo álcool combustível, dados os efeitos líquidos positivos na absorção de CO2. Internamente, o aumento das vendas de carros bicombustível, impulsionou a demanda pelo álcool hidratado, ocasionando reversão da tendência declinante do uso deste produto, que se verificou até meados de 2003. Quanto ao mercado de açúcar, a vitória do Brasil, Austrália e Tailândia, importantes países produtores de açúcar, no painel aberto pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre subsídios às exportações de açúcar branco praticados pela União Européia, sinalizou expansão da produção nos países competitivos, dentre os quais se destaca o Brasil. Este novo crescimento da agroindústria canavieira tem impactos – positivos e negativos – em toda a cadeia produtiva do açúcar e do álcool, e sua sustentabilidade tem sido amplamente analisada. No que se refere aos impactos sobre o meio ambiente, citam-se os efeitos sobre a qualidade do ar nas áreas urbanas e rurais, sobre o clima global, sobre a oferta de água, ocupação e preservação do solo, emprego de agrotóxicos e fertilizantes. Sob a ótica social, a despeito dos praticamente um milhão de empregos formais gerados somente nos três setores – cana-deaçúcar, açúcar e álcool – e apesar das perspectivas de geração de novos postos de trabalho nas indústrias do açúcar e do álcool devido à expansão do setor, muito se tem escrito sobre os empregos agrícolas – especificamente dos cortadores de canade-açúcar – principalmente sobre as condições de trabalho, ao pagamento por produtividade, ao uso da terceirização na contratação dos cortadores e da migração de trabalhadores de outros Estados, que vêm principalmente para São Paulo para trabalhar no corte da cana-de-açúcar. Além destes temas, duas mudanças institucionais internas relevantes sinalizam redução da colheita manual com conseqüente redução e mudança de perfil do empregado agrícola, visto que ambas aceleram o processo de mecanização da colheita: a primeira é a antecipação da proibição da queima no Estado de São Paulo e a outra é o efetivo cumprimento das normas regulamentadoras do mercado de trabalho agrícola no Brasil, por exemplo, a Norma Regulamentadora 31 (NR 31). Segundo estimativas da União da Agroindústria do Açúcar (UNICA), haverá redução de aproximadamente 114 mil empregados na lavoura canavieira até safra 2020/2021. Portanto, dados a importante expansão deste setor, as mudanças institucionais recentes e os conseqüentes impactos sobre o mercado de trabalho, propõe-se neste artigo uma reflexão sobre o mercado de trabalho do setor de cana-de-açúcar, açúcar e álcool.
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Neste trabalho, objetiva-se apresentar a evolução dos indicadores sociais deste setor e discutir os impactos das principais mudanças institucionais sobre mercado de trabalho, priorizando a discussão sobre o setor agrícola. 2 - FONTE DE DADOS Os dados socioeconômicos foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) (1), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (diversos anos) e dos Registros Administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS) (2), do Ministério do Trabalho. Os dados da PNAD foram extraídos para empregados da atividade cana-de-açúcar (código de atividade 01105). Para se analisar a evolução dos dados dos três setores (cana-deaçúcar, açúcar e álcool), utilizou-se como fonte de dados primários os Registros Administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS), do Ministério do Trabalho, cujo alcance é de 90% deste setor organizado da economia e apresenta somente o emprego formal. Os dados foram extraídos para as classes 01139 (cultivo de cana-de-açúcar), 15610 (usinas de açúcar), 15628 (refino e moagem de açúcar) e 23400 (produção de álcool). É importante observar que os dados de PNAD e dos RAIS não são comparáveis, visto que as metodologias da coleta dos dados de ambas diferem completamente: os RAIS constituem-se de censo do mercado formal de trabalho, sendo o questionário respondido pelo empregador, enquanto na PNAD a entrevista ocorre no domicílio do trabalhador. Neste caso, a unidade de análise é o estabelecimento, sendo que a resposta do entrevistado refere-se ao emprego na atividade principal do estabelecimento (ou seja, se na unidade agrícola existirem outras culturas, se a cana-de-açúcar for considerada pelo empregado a atividade principal, entende-se que é empregado do setor de cana-de-açúcar). Contudo, usualmente observam-se as mesmas tendências dos dados de ambas as bases. 3 - REVISÃO DE LITERATURA Nesta seção, procurou-se abordar as principais questões que influenciam o mercado de trabalho da agroindústria canavieira: a proibição da queima da cana-de-açúcar e o pagamento por produtividade.
(1) A PNAD fornece um panorama da ocupação formal e informal do
Brasil, sendo elaborada desde 1967 (de forma descontínua). Possui caráter amostral, sendo que seu desenho é estabelecido a partir do censo populacional de 1991 e de 2000, e permite a expansão dos resultados para todas as áreas do País. (2) A RAIS possui informações de caráter sociodemográfico e profissional, podendo ser agregada/desagregada ao longo dos eixos temporais (1986 a 2000) espaciais (nacional regional, estadual, municipal), econômico, natureza jurídica dos estabelecimentos empregadores e portes dos estabelecimentos.
Edson Silva/Folha Imagem
3.1 - Proibição da queima da cana-de-açúcar como método de despalha Conforme Paes (2007), a queima da palha da cana-de-açúcar como método de despalha (eliminação da palha e folhas secas) é prática usual em quase todos os 97 países que a produzem. No Brasil, ainda é uma prática comumente usada na colheita manual da cana, que é realizada após o emprego do fogo para despalha, com posterior corte e transporte. A queima prévia da cana-de-açúcar aumenta a produtividade do trabalhador, porque evita a retirada da palha da cana. 3.2 - Legislação sobre a queima da cana-de-açúcar As normas que regem a questão das queimadas são de âmbito federal, estadual e municipal. O Decreto Federal nº 2.661, de 8/7/98, estabelece a eliminação gradual da queima da cana-deaçúcar. Conforme Paes (2007), são estabelecidas também as áreas de proibição de queima, como faixas de proteção nas proximidades de perímetros urbanos, rodovias, ferrovias, aeroportos, reservas florestais e unidades de conservação, entre outros. Alguns Estados produtores estabeleceram normas específicas para tratar a eliminação da queimada, dentre eles Mato
São Paulo responde por 63% de toda cana-de-açúcar produzida no País. Na foto, moagem de cana na usina Santo Antônio, em Sertãozinho.
Grosso do Sul, Goiás, Paraná e São Paulo. Conforme Idea News (2007), no Mato Grosso do Sul, a Lei nº 3.357, de 9 de janeiro de 2007, estipula que a eliminação da queima deve acontecer num prazo de 20 anos, iniciando em 2006, num percentual de 5% ao ano. Nas áreas não mecanizáveis, a eliminação começa em 2010, na mesma proporção anual. Segundo a mesma fonte, em Goiás, a Lei nº 15.834, de 23/11/2006, estabelece a redução gradativa da queimada, com extinção total em 2028. No Estado de Minas Gerais, por meio do Decreto nº 39.792/98, que regulamenta a Lei Estadual nº 10.312/98, é permitida a queima de forma controlada, com autorização prévia do órgão competente. No Paraná, existe um projeto de lei para proibir queimada até o final de 2010, aguardando votação na Câmara Estadual. Alagoas e Pernambuco, principais Estados produtores da região Norte/Nordeste, não têm legislação específica sobre o tema. São Paulo, que na safra 2006/2007 foi responsável por 63% de toda a cana-de-açúcar produzida no País, por 63,3% da produção de álcool e por 65% da produção de açúcar, é o Estado que tem o menor prazo para a eliminação total da queima. A Lei Estadual nº 10.547, de 2 de maio de 2000, estipula os procedimentos, proibições, regras de execução e medidas de precaução a serem tomados quando do emprego do fogo em práticas agrícolas. Nos ter-
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Maurício Piffer/Folha Imagem
A produtividade do trabalhador com a colheita da cana crua manual cai em média pela metade.
mos da lei, é necessário que, antes do emprego do fogo, o interessado requeira ao poder público a expedição de "Autorização de Queima Controlada", sendo a Secretaria do Meio Ambiente responsável para expedir a referida autorização. Em setembro de 2002, foi promulgada a lei nº 11.241, que estipula um cronograma gradativo de extinção da queima da canade-açúcar, iniciado na safra 2002, e determinando que tal prática deve ser totalmente banida neste Estado até o ano de 2021 em áreas mecanizáveis, e até 2031 em áreas não mecanizáveis. Contudo, em junho de 2007, foi assinado um protocolo de cooperação entre o governo do Estado de São Paulo e a União da Agroindústria de São Paulo – UNICA – denominado Protocolo Agroambiental, que visa à antecipação da eliminação da queima no Estado de São Paulo. Apesar de o protocolo não ter força de lei, ou seja, não substituir a Lei Estadual nº 11.241, e não ser obrigatório as usinas aderirem ao mesmo, houve grande aceitação e a expectativa é que a grande maioria das usinas assine o protocolo. (3) A principal mudança advinda do protocolo refere-se ao prazo para a eliminação da queima. As usinas e produtores que aderirem ao mesmo deverão antecipar, nos terrenos com declividade até 12%, o prazo final para eliminação da queimada, de 2021 para 2014, adiantando o percentual de cana não queimada, em 2010, de 50% para 70%. Nos terrenos com declividade acima de 12%, o prazo final é de 2031 para 2017, adiantando o percentual, em 2010, de 10% para 30%. Outras medidas referem-se à não utilização da queima na área de expansão de canaviais; não permitir queima de subprodutos (por exemplo, bagaço de cana) a céu aberto; proteger as matas ciliares; proteger e reflorestar as nascentes; desenvolver plano de conservação do solo e dos recursos hídricos; adotar boas práticas para o descarte de embalagens vazias e minimizar a poluição atmosférica na indústria. Ainda no Estado de São Paulo, tem havido diversas tentativas, por meio de promulgação de leis municipais e ações civis públi-
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cas, visando à proibição imediata das queimadas. Citam-se as cidades de Americana, Ribeirão Preto, Limeira, Paulínia, São José do Rio Preto, Botucatu, São José do Rio Pardo. Embora na maioria dos casos tenham sido revogadas por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs), interpostas contra as Leis Municipais que proíbem a queima de cana, fica claro que parcela da sociedade requer que a eliminação da queima aconteça antes mesmo dos prazos estipulados pela legislação pertinente. Contudo, é importante lembrar que existe um balanço entre a redução das queimadas e o número de empregados envolvidos com a colheita manual da cana-de-açúcar: a proibição da queima induz à mecanização, processo que tende a se acelerar a partir de agora, com a antecipação dos prazos para eliminação da queima. A produtividade do trabalhador com a colheita da cana crua manual cai muito (em média de 6 toneladas por dia por empregado para 3 toneladas por dia por empregado), o que inviabiliza a adoção desta prática em ambiente de livre mercado. A colheita mecânica da cana crua é economicamente mais eficiente, dados os menores custos de produção, além do fato de as próprias convenções coletivas de trabalho estipularem que o corte manual deve ser de cana queimada, dadas as dificuldades encontradas no corte manual da cana crua. Conforme Paes (2007), a mecanização da colheita foi implantada no Brasil na década de 1980, e vem crescendo por três fatores principais: em meados da década de 1980, pela escassez de mão-de-obra ocorrida durante o Plano Cruzado e, mais recentemente, pela redução de custos e pela pressão ambiental para que a colheita da cana seja feita sem queimar. Segundo o autor, no Estado de São Paulo, em 1997, a proporção da colheita mecanizada era ao redor de 18%, tendo alcançado 42% em 2006. Na região Centro-Sul, este percentual foi de 35% em 2006 e, da mesma forma que para o Estado de São Paulo, observa-se tendência crescente de mecanização. Na região Norte-Nordeste, a proporção de colheita mecanizada é bem menor, ao redor de 10%. É interessante observar que, no Estado de São Paulo, a velocidade de adoção da colheita mecanizada varia bastante entre as principais regiões produtoras do Estado – Ribeirão Preto e Piracicaba: enquanto na região de Ribeirão Preto estima-se que a mecanização tenha atingido em torno de 60% da colheita, em Piracicaba esta proporção é ao redor de 20%. Este fato pode ser explicado por diversos fatores: (i) a região de Ribeirão Preto é plana, favorecendo a mecanização com as máquinas atualmente disponíveis, enquanto mais de 70% das terras de Piracicaba têm declividade superior a 30%; (ii) a estrutura fundiária entre ambas também é diferente – enquanto na região de Ribeirão Preto existe a predominância de grandes produtores, com escala que justifica a compra de uma colheitadeira, em Pi-
(3) O Grupo Cosan, que detém 17 usinas de açúcar e álcool, foi o
primeiro a assinar o Protocolo Agroambiental no dia 21/9/2007, na cidade de Piracicaba. Em 2007, o Grupo Cosan colhe cerca de 40% de sua cana sem o emprego do fogo. Até 2001, pretende-se chegar a 80%, com investimentos de US$100 milhões na compra de 200 colheitadeiras (Jornal de Piracicaba, 22/9/2007, p. A-7).
racicaba a grande maioria é de pequenos produtores, que não são capitalizados para adquirirem colheitadeiras mecânicas, além de não terem escala de produção eficiente para a colheita mecânica; (iii) o movimento sindical dos trabalhadores na região de Ribeirão Preto tem maior grau de organização, com elevado poder de barganha (4),, tendo incentivado a adoção da colheita mecânica bem antes da legislação entrar em vigor. A tendência de mecanização da colheita, principalmente na região Centro-Sul, é irreversível e tende a se acelerar por diversos motivos. Além dos anteriormente citados, nos anos recentes, as usinas estão investindo em co-geração de energia elétrica a partir da queima de bagaço de cana, para comercialização de energia neste mercado. Além do bagaço, a palha também pode ser utilizada como matéria-prima para a co-geração de energia elétrica, o que estimula as usinas a deixarem de queimá-la. Portanto, além dos fatores institucionais – a legislação proibindo a queima da cana-de-açúcar e a aplicação mais efetiva da legislação trabalhista – a mecanização tende a se acelerar também em função do aumento de competitividade das usinas, principalmente com o desenvolvimento de colheitadeiras menores, mais baratas e com tecnologia que permita a colheita em terrenos com maior declividade. 3.3 - Impactos sobre o emprego A questão que emerge é que a mecanização da colheita altera o perfil do empregado: cria oportunidades para tratoristas, motoristas, mecânicos, condutores de colheitadeiras, técnicos em eletrônica, dentre outros, e reduz, em maior proporção, (5) a demanda dos empregados de baixa escolaridade (grande parte dos trabalhadores da lavoura canavieira têm poucos anos de estudo), expulsando-os da atividade. Este fato
(4) Conforme Ricci et al. (1994), na região de Ribeirão Preto, a greve
dos colhedores de cana em 1984, quando 100% da cana era colhida manualmente, paralisou as usinas de açúcar e mostrou a força dos trabalhadores e a dependência das empresas. Desde então, houve incentivo para a adoção gradual da colheita mecanizada. (5) Uma colheitadeira substitui ao redor de 80 cortadores de cana.
implica a necessidade de alfabetização, qualificação e treinamento desta mão-de-obra, para estar apta a atividades que exijam maior escolaridade. Segundo estimativas da UNICA, sem se considerar os funcionários envolvidos na gestão e administração da produção, no Estado de São Paulo, entre as safras de 2006/2007 e 2020/2021, o número de empregados envolvidos com a produção de cana-de-açúcar, açúcar e álcool passará de 260,4 mil para 146,1 mil, ou seja, haverá uma redução de 114 mil empregos neste período, conforme exposto na Tabela 1. Observa-se que na indústria é esperado um aumento de 20 mil empregados, enquanto na lavoura canavieira o número passará de 205,1 mil empregados para 70,8 mil, ou seja, uma queda de 134,3 mil. A previsão é que não haja colheita manual na safra 2020/2021. Para que parte dos empregados agrícolas sejam realocados para as atividades do corte mecânico, é necessário escolaridade maior do que a da grande maioria dos empregados. Guilhoto et al. (2002) estudaram os impactos diretos e indiretos sobre o emprego, utilizando um modelo inter-regional de insumo-produto para a economia brasileira de 1997, nas cinco macrorregiões, considerando especificamente o setor de cana-de-açúcar. Os autores consideraram dois cenários possíveis: (i) mecanização de 50% da colheita na região Norte-Nordeste e 80% na região Centro-Sul, sem alteração dos níveis de produtividade; (ii) mesmas hipóteses, alterando-se a produtividade – aumento de 20% tanto para a colheita manual como mecânica. Os autores encontraram que a redução do número de empregados devido à mecanização da colheita são de aproximadamente 243 mil no cenário I e 273 mil no cenário II. Ao se considerar o nível de escolaridade, os autores encontraram que as maiores perdas serão justamente para aqueles empregados com até três anos de estudo. Tanto inovações tecnológicas quanto mudanças no ambiente institucional têm impactos importantes sobre o emprego. Ricci et al. (1994) destacam que, na área agrícola, podem ser citados três níveis de inovação tecnológica com impactos sobre o mercado de trabalho: (i) inovações mecânicas – afetam a intensidade e ritmo da jornada de trabalho; (ii) inovações físico-químicas – modificam as condições naturais do solo e elevam a produtividade do trabalho; (iii) inovações biológicas – interferem na velocidade de rotação do capital e do trabalho.
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As novas atividades, como tratoristas, motoristas, operadores de máquinas, requerem maior grau de especialização.
Os autores citam os principais impactos decorrentes das inovações mecânicas na lavoura canavieira: redução do tempo das tarefas realizadas, redução da demanda por mão-de-obra, redução da mão-de-obra residente na propriedade e mudança qualitativa na demanda por trabalhadores; já que as novas atividades – tratorista, motoristas, operadores de máquinas – requerem maior grau de especialização dos trabalhadores. Em São Paulo, conforme informação dos sindicatos patronais, atualmente o carregamento, transporte e cultivo da canade-açúcar são 100% mecanizados, sendo a colheita aproximadamente 40% mecanizada. Portanto, a colheita, que em média representa 30% do custo de produção da cana-de-açúcar, ainda utiliza um grande contingente de homens e máquinas (guinchos, caminhões). 3.4 - Pagamento por produção Outra questão que faz parte da agenda de discussões do mercado de trabalho do setor de açúcar e álcool é a forma de pagamento da colheita da cana-de-açúcar que, atualmente, é o pagamento por produção. Além da cana-de-açúcar, outras atividades agrícolas também adotam o pagamento por produtividade, tais como algodão, amendoim, café, laranja, limão e tangerina. A remuneração por produção tem ampla base legal: é prevista no artigo 457, § 10 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), bem como tem incontroversa aceitação doutrinária e jurisprudencial. Da mesma forma, é prevista em normas coletivas de trabalho, para diversas culturas. (6) Desde 1984, com a criação do "Grupo Cana", passaram a existir as convenções e
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Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem
acordos de trabalhos específicos para o setor canavieiro, cujas normas estipulam: piso salarial, remuneração do bituqueiro, reajustes salariais, valor da tonelada de cana de 18 meses, e outros cortes e cláusulas sociais específicas. A limitação existente é que deve ser garantido ao trabalhador um salário mensal nunca inferior ao mínimo, conforme o artigo 78 da CLT. Contudo, apesar de ser previsto pela legislação aplicável, e estar presente em vários acordos coletivos de trabalho, diversos autores têm questionado o pagamento por produtividade dos empregados da lavoura canavieira. Balsadi (2007) indica melhorias em diversos indicadores socioeconômicos ao longo do tempo, tais como a redução do trabalho infantil, o aumento do nível de formalidade, os ganhos reais de salário, o aumento de alguns benefícios recebidos e o aumento da escolaridade dos empregados. O autor salienta o elevado percentual de trabalhadores com carteira assinada, o que possibilita acesso à aposentadoria, e destaca que a cultura da cana-de-açúcar é uma das atividades com maior nível de formalidade do emprego. Basaldi também trata dos ganhos reais de salários entre 1992 e 2005 que, segundo o autor, considerados os dados da PNAD, foram de 34,5% para os empre-
(6) Por exemplo, a Convenção Coletiva de Trabalho "Setor
Citricultura", no Estado de São Paulo, firmada por 20 Sindicatos Profissionais Rurais e pela Federação de Agricultura do Estado de São Paulo – FAESP, para o período de 1/7/2006 a 30/6/2007.
gados permanentes com residência urbana, de 17,6% para os permanentes rurais, de 47,6% para os temporários urbanos e de 37,2% para os temporários rurais. Ainda de acordo com o autor, ao longo do tempo, aumentaram os benefícios recebidos pelos trabalhadores, tais como crescimento dos auxílios transporte e alimentação para todas as categorias, além do auxílio moradia para os residentes rurais e do auxílio saúde para os empregados permanentes com residência urbana. Porém, Balsadi (2007) destaca que, apesar das melhorias dos indicadores citados, ainda existem condições adversas principalmente para os empregados temporários ocupados na colheita manual da cana-de-açúcar, e também têm ocorrido mortes de trabalhadores nos canaviais. O autor cita diversas reportagens de jornal que associam as mortes ao sistema de pagamento por produtividade. Da mesma forma, Alves (2006) associa este sistema de pagamento às mortes nos canaviais. Até o momento não existem estudos científicos que demonstrem o nexo causal entre a forma de pagamento e as mortes anteriormente citadas. Porém, no Estado de São Paulo, o Ministério Público do Trabalho da 15ª Região, responsável por 600 municípios de São Paulo, anunciou em 2006 que pretendia entrar com uma ação civil pública para tentar eliminar na Justiça o sistema de remuneração por produção para o pagamento dos empregados da lavoura canavieira, por acreditar que o mesmo po-
de ser o causador das mortes de cortadores de cana-de-açúcar. O fim do pagamento por produção não é consensual entre os sindicatos profissionais, visto que existe parcela de trabalhadores que é a favor do mesmo. A UNICA (conforme publicado no Estado de São Paulo, 14/9/2006, caderno B-11) é contrária ao fim do pagamento por produção, porém destaca que a entidade busca nas usinas garantir o efetivo cumprimento das normas vigentes, visando ao pagamento correto dos cortadores conforme estipulado nas convenções coletivas de trabalho. 4 - RESULTADOS: EVOLUÇÃO DOS INDICADORES SOCIAIS Inicia-se a análise com a evolução do número de trabalhadores formais envolvidos na produção de cana-de-açúcar, açúcar e álcool, para as duas regiões produtoras e o total do Brasil, para os anos de 2000 a 2005. Nota-se pela Tabela 2 que, para o Brasil como um todo, entre 2000 e 2005, considerando-se os três setores (cana-de-açúcar, açúcar e álcool) conjuntamente, houve aumento expressivo de 52,9% do número de empregados, que passou de 642.848 em 2000 para 982.604 em 2005, em conformidade com o crescimento do setor. Em 2005, ao redor de 63% dos empregados formais estavam na região Centro-Sul do País. A Tabela 3 traz o número de empregados formais por região
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produtora e por setor: cana-de-açúcar, açúcar e álcool. Percebese que o crescimento dos empregados formais das usinas de açúcar (101,9%) e destilarias de álcool (88,4%) do Brasil foi maior do que o dos trabalhadores rurais (16,2%) envolvidos com a produção de cana-de-açúcar, provavelmente em decorrência do processo de mecanização da colheita de cana. É importante observar que, neste período, houve crescimento da produção de cana-de-açúcar: em 2000, a produção nacional foi de 325,33 milhões de toneladas e, no de 2005, foi de 419,56 milhões (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2005); ou seja, um crescimento da produção da ordem de 28,9%. Nota-se também que, em 2000, ao redor de 55% do total eram empregados rurais e, em 2005, sua participação caiu para 42,2%. Considerando-se a distribuição por Estado, de forma agregada para os três setores, tem-se, conforme os dados dos RAIS, que 39,2% dos empregados eram do Estado de São Paulo, seguidos por Pernambuco (15%), Alagoas (14,1%), Paraná (7%), Minas Gerais (5,6%), Goiás (3,6%), Mato Grosso (2,6%) e Mato Grosso Sul (2,4%). Os demais Estados tinham individualmente menos de 2% dos empregados. A seguir, são analisados os dados para o Estado de São Paulo, o maior produtor nacional. Os dados dos RAIS captam somente o emprego formal e, dada a alta informalidade da agricultura nacional, não trazem informações sobre grande parce-
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la dos empregados. Contudo, para o Estado de São Paulo, informações da PNAD indicam que a formalidade do setor de cana-de-açúcar era de aproximadamente 94% em 2005, razão pela qual considera-se factível o uso dos RAIS para análise dos dados dos empregados da lavoura canavieira para São Paulo. A Tabela 4 apresenta distribuição dos empregados formais para São Paulo em 2005, por setor e por idade. Observa-se que, em 2005, aproximadamente 57,2% dos 385.533 empregados eram da produção de cana-de-açúcar, seguidos pelos da indústria do açúcar (34,2%) e pelos da indústria do álcool (8,6%). Ao se considerar a faixa etária dos 220.517 empregados agrícolas, observa-se que a maior proporção (28,4%) tinha entre 30 a 39 anos, seguidos pelos empregados de 18 a 24 anos (25,3%) e 25 a 29 anos (19,3%). Nota-se proporção considerável (17,6%) de empregados na faixa de 40 a 49 anos. Para se analisar a evolução dos indicadores sociais da produção de cana-de-açúcar no Brasil, optou-se por analisar os dados da PNAD, que captam tanto o emprego formal quanto o informal. A Tabela 5 traz a evolução do número de empregados da lavoura canavieira do Brasil, por regiões e para São Paulo. Considerando-se os dados para o Brasil, observa-se uma redução de 16,9% no número total de empregados entre 1981 e 2005, a des-
peito do crescimento importante da produção de cana, que passou de aproximadamente 133 milhões de toneladas na safra 1981/1982 para 386,6 milhões de toneladas na safra 2005/06 (aumento de 190%). Este fato pode ser explicado pelo aumento da produtividade do trabalhador e principalmente pela mecanização da colheita da cana-de-açúcar, que aumenta a demanda por mão-de-obra qualificada e reduz, em maior proporção, a demanda por empregados com escolaridade menor. A análise dos dados para São Paulo indica que o número de empregados agrícolas manteve-se praticamente constante entre 1981 e 2005 (de 154.751 para 153.719), mas neste período o crescimento da produção foi de aproximadamente 245% (passou de 70,4 milhões para 242,8 milhões de toneladas de cana), indicando menor número de empregados por tonelada colhida. Quanto à formalização (empregados com carteira assinada entendidos como formais e sem carteiras como informais), nota-se que a participação dos empregados formais do setor de cana-de-açúcar no Brasil tem aumentado ao longo do tempo. Considerando-se os dados agregados para o Brasil, estes passaram de 37,2% em 1981 para 72,9% em 2005. A região NorteNordeste, em 1981, tinha 35,1% de empregados formais, em
2005, aumentou para 60,8%; na região Centro-Sul a proporção foi de 40,7% em 1981 para 85,8% em 2005. O Estado de São Paulo, o maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil, apresentou os melhores indicadores: a formalização passou de 40,5% em 1981 para 93,8% em 2005. Pode-se notar que, embora a formalidade esteja aumentando de forma geral, o número de empregados informais (aproximadamente 100 mil trabalhadores) ainda é muito elevado na região Norte-Nordeste. A evolução dos salários médios para três períodos distintos, separados por região produtora, e a escolaridade média dos empregados da cana-de-açúcar para o Estado de São Paulo encontram-se na Tabela 6. Observa-se que a escolaridade média dos trabalhadores em 2005 é de 3,5 anos de estudo, e que, apesar de ser baixa, a escolaridade tem evoluído positivamente para o Brasil e também para todas as regiões analisadas. Em São Paulo, a escolaridade média em 2005 foi de aproximadamente 5 anos. Nota-se que os salários são positivamente correlacionados com a escolaridade média. Em relação aos salários médios, verifica-se que em São Paulo eles são mais altos que as demais regiões em todos os períodos. Em 2005, o salário médio pago em São Paulo, de R$ 649,01, foi
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50% maior que o salário médio do Brasil como um todo, e mais do que o dobro do salário médio da Região Norte-Nordeste. A Tabela 7, por sua vez, apresenta a evolução do número de empregados por faixa de anos de estudo para o Brasil como um todo. Observa-se que em 1981 a grande maioria dos empregados (95,4%) tinha até 4 anos de estudo, sendo que aproximadamente 355 mil trabalhadores podiam ser considerados analfabetos funcionais, pois declararam ter até 1 ano de estudo. Constata-se importante melhora deste quadro ao longo do período analisado, visto que em 2005 os empregados analfabetos representavam 29,8%. Apesar da evolução positiva no nível de escolaridade dos trabalhadores do setor de cana-de-açúcar no Brasil entre 1981 e 2005 – a escolaridade média passou de 2,2 anos de estudo para 3,9 – ressalta-se que ainda é muito baixo: 70,1% dos empregados da lavoura de cana-de-açúcar do Brasil em 2005 tinham até 4 anos de estudo, sendo que 29,8% (ou seja, 154.598 empregados) podem ser considerados analfabetos funcionais (declararam ter até 1 ano de estudo). Em São Paulo, para o ano de 2005, a escolaridade era mais alta, mas ainda existia grande número de empregados com poucos anos de estudo. Do total de 153.719 empregados, 28.504 empregados tinham até 1 ano de estudo, que representavam 18,6% do total. Destes, 21.593 eram analfabetos. Na fai-
xa de 2 a 4 anos de estudo incompletos, existiam 29.358 empregados e, com 4 anos completos, eram 29.364. Num cenário de maior mecanização neste Estado, que requer empregados com escolaridade maior, observa-se que um grande número de pessoas não estará qualificado para as novas posições. 5 - CONCLUSÕES A expansão da agroindústria canavieira, impulsionada pelo uso do álcool combustível em substituição à gasolina no Brasil e em outros países, bem como pela expectativa de aumento das exportações de açúcar em decorrência da redução das políticas protecionistas da União Européia, colocou este setor em evidência tanto interna como externamente. Espera-se o surgimento de muitas oportunidades para profissionais qualificados e, numa análise de equilíbrio geral, haverá uma dinamização da economia em muitas indústrias de insumos e no setor de serviços, o que abre excelentes oportunidades para estes profissionais. Neste ambiente de crescimento, mais do que nunca as questões ambientais e sociais vêm à tona, e são diariamente discutidas nos meios acadêmicos, jornais, televisão e outros veículos de comunicação. No lado social, o debate foca-se principalmente nas condições de trabalho dos cortadores de cana-de-
Neste ambiente de crescimento, mais do que nunca as questões ambientais e sociais vêm à tona, e são diariamente discutidas (...)
Bruno Miranda/Folha Imagem
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açúcar e no sistema de pagamento por produção. A discussão, sob ótica ambiental, versa principalmente sobre a possibilidade de destruição da Floresta Amazônica e outros biomas, e sobre a questão das queimadas. Contudo, parece que o trade off entre a proibição da queima e o desaparecimento do emprego no corte de cana-de-açúcar foi, até o momento, pouco analisado. Não se trata de defender a volta da queima da cana-de-açúcar como método de despalha. A mudança está dada e a sociedade reclama pela sua extinção. Da mesma forma, ninguém há de ser contrário ao cumprimento da legislação e normas trabalhistas existentes pelos produtores de cana-de-açúcar, sejam eles a indústria do açúcar e do álcool ou fornecedores de cana. O que se procura trazer para reflexão neste artigo é a falta de escolaridade dos mais de cem mil empregados da cultura da cana-de-açúcar que perderão seus empregos. Ainda que esta quantidade possa estar superestimada, metade deste valor ainda é um número muito alto. Ao lado dos bons indicadores sociais – praticamente elimi-
nação do trabalho infantil, aumento da formalização – a escolaridade, apesar de ter evoluído positivamente ao longo do tempo, ainda é muito baixa. Existe um grande contingente de empregados analfabetos no corte da cana-de-açúcar. E parte destes vem de outras regiões para trabalhar em São Paulo, onde encontram trabalho na lavoura da cana. Por que um trabalhador sai de sua região de origem, muitas vezes deixando esposa e filhos, para enfrentar este trabalho que, apesar de importante e ser o sustento de sua família, é árduo e difícil? Provavelmente porque ele não encontra trabalho na sua cidade ou Estado de origem. E quais ações e políticas públicas estão sendo feitas para enfrentar este problema social de grande porte? Muitas empresas no Estado de São Paulo já implantaram programas de alfabetização e requalificação de parte da mão-de-obra, visando a adequação em outras atividades. Mas não é suficiente. É importante que se inicie a discussão sobre as políticas públicas, principalmente nas regiões de origem, necessárias para lidar com tema tão complexo.
Walter Alves/O Popular/Futura Press
Muitas empresas no Estado de São Paulo já implantaram programas de alfabetização e requalificação de parte da mão-de-obra, visando a adequação em outras atividades.
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Maurício Lima/AFP
BM&F - Bolsa Mercantil e de Futuros, em São Paulo
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Bolsa de Valores de Mumbai, na Índia
Hiroko Masuike/AFP
Bolsa de Valores de Nova York (NYSE)
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A Crise passa ao 2º estágio
A
c r i s e m u n d i a l d e c ré d i t o d á s i n a i s e v i d e n t e s de estar passando para o seu 2º estágio de contaminação. Trata-se de um ciclo, cujo quadrante de baixa começa ao final da euforia anterior, para cair, eventualmente, no pânico, após passar pela desalavancagem e, finalmente, começar a dissiparse na deflação de rendas e preços . São, portanto, pelo menos cinco estágios bem identificados. 1) dúvida (sobre a euforia sem fim) 2) desalavancagem 3) pânico 4) contratação de rendas 5) estabilização (deflação de preços) A novidade em relação aos casos clássicos de grandes especulações, seguidas de desastre financeiro, desde o inicio da era moderna (século XVIII) reside no fato de ser, pela primeira vez, uma crise "online" e "real-time", isto é, monitorada e interferida, minuto a minuto, pelas autoridades monetárias. Desde seus primeiros sintomas, em fev/07, há exatos doze meses, as autoridades envolvidas têm se desdobrado para conter o espalhamento do "vírus" da desconfiança. Foram vários os anti-histamínicos empregados: (1) a palavra; (2) a ação sobre juros (3) a injeção da liquidez (4) a ação sobre moedas (5) o socorro à solvência. A palavra é o remédio mais barato (e também o mais caro) das intervenções. Através da palavra da autoridade (o "statement" oficial) os mercados, se confiantes no declarante, tendem a aprumar-se. É o que vinha acontecendo desde o primeiro semestre/07 e, especialmente após o rápido colapso das bolsas em agosto. Declarações confiantes do FED e de vários economistas do "establishment" deram gás à recuperação de alguns mercados, por algum tempo. No caso do Brasil, retardatário no ciclo de alta, os aplicadores ainda tiveram como descobrir argumentos para ampliar significativamente sua margem de valorização dos papéis em bolsa. Na China, o fenômeno ocorreu até outubro. Mesmo em Nova York, até fins de setembro, o mercado ainda parecia imune ao que estava por acontecer que, não obstante, já acontecia no âmbito fechado da minguante liquidez interbancária. Portanto, na era internética, da quase simbiótica interação entre autoridades e agentes nos mercados, o ditame parece vir destes para
Mônica Zarattini
aquelas, ou seja, o comando do que "se quer enxergar" provém do mercado e "é lido" e interpretado pelas autoridades, as quais raramente têm força (financeira ou moral) para contraditar a opinião predominante. Tal simbiose, se de um lado facilita a vida em comum, de autoridades e mercados, manifesta pela maior suavidade dos ajustes e menor volatilidade relativa, tampouco é uma harmonia sem custos, às vezes elevados. É que o "jogar para o mercado", como segue fazendo o FED (e, aliás, como tem feito com "maestria" o BC do Brasil) – numa espécie de "escola Greenspan" de decolagens rápidas e aterrissagens suaves – as autoridades tornam uma parte de sua atuação pró-ciclica, ou seja, esticam o quadrante de alta nos EUA pelo juro baixo tanto quanto, no Brasil, tem estendido o quadrante de baixa pelo juro alto. Foi o que Bernanke fez, logo que percebeu a crise em que estava metido. Ao invés de administrar a liquidez seletivamente, como se propôs a fazer, inicialmente, através do programa MLEV – Master Liquidity Enhancement Vehicle – que jamais decolou, o FED acabou apelando para a injeção generalizada de recursos, através dos cortes de juros, como foram os quatro realizados desde agosto, em seqüência tão abrupta que não aguardou o calendário das reuniões periódicas do Board. O mercado já "leu e entendeu" as palavras e atos de Bernanke. O presidente do FED é temente à crise. Engolirá os ditames do mercado. Com isso, a desalavancagem, que é o segundo estágio, só passa a valer quando anunciada publicamente. O estágio inicial, da dúvida entre ser ou não ser uma crise, entre ser ou não ser uma recessão, entre ser ou não ser um ajuste, afinal, foi estendida de agosto até março deste ano – um recorde absoluto em matéria de procrastinação de efeitos e de suavização de solavancos. Porém, o custo da passagem muito lenta ao segundo estágio é o adiamento da desalavancagem de posições nos vários mercados, inclusive o de "commodities". Por isso, o reconhecimento oficial do estado de crise, com direito a foto de autoridades reunidas e declarações diretas da Casa Branca, só ocorreu agora, em 17 de março de 2008, data que marca o início do estágio dois, da desalavancagem. Neste estágio dois – indicado pela queda de vários preços de commodities – é esperada a parte mais dolorosa e difícil para os especuladores longos (os comprados) cujas perdas só então tendem a se generalizar. Este é o exato momento em que hoje se encontram os mercados, dançando na ponta do abismo. Por vezes, é possível reduzir ou mitigar a chance de ocorrer uma fuga em massa de um ou de vários mercados, em geral os mais alavancados e alongados. Quando tal não é possível a mitigação do ímpeto de fuga, sucede-se pânico, que nada mais é do que um ajuste abrupto dos preços de ativos, em geral da ordem de 20 a 30%, sobre o ponto mais alto da especulação anterior. Em que estágio o pânico (estágio três) tende a ocorrer? Justamente quando a liquidez monetária básica ou essencial (moeda à vista) se encontra mais afluente ou oferecida. Em outras palavras, a mesma liquidez injetada agora pelo FED, que reduz os efeitos mais dolorosos da crise é a mesma que poderá fornecer para a combustão do pânico. A política do BC americano contém esta " impropriedade" escondida: ao mitigar os efeitos colaterais da contaminação do vírus, elas aprofundam, em boa medida, seus outros efeitos danosos, deixando os mercados mais à "mercê de um "dia de cão" ("day of reckoning", na terminologia americana) no futuro próximo.
Paulo Rabello de Castro Doutor em Economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico, chairman da SR Rating e presidente da RC Consultores
China Daily/Reuters
Bolsa de Valores de Pequim
Martin Oeser/AFP
Bolsa de Valores de Frankfurt
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Risco calculado
A
violação da fronteira do Equador pela Colômbia deu origem a uma crise política (que por muito pouco não se transformou numa crise políticomilitar) na fronteira Norte do Brasil. A solução diplomática a que se chegou não eliminou os problemas que ocasionaram essa crise, já que o governo de Quito – justamente ofendido, e malgrado haver aprovado, da mesma forma que o de Bogotá, a resolução da OEA – insiste em que a Colômbia assuma culpa, inclusive pela morte de um cidadão equatoriano que, tudo indica, estava no acampamento das FARC bombardeado pela aviação colombiana, ou perto dele. Sobre a violação da fronteira pode-se dizer pouca coisa: a ação colombiana, de fato, violou normas do Direito Internacional. Na história das relações internacionais há um precedente: o ataque contra território da Tunísia realizado pelo Exército francês durante a guerra da Argélia (1954-1962). Na ocasião, o Comando francês disse ter agido na perseguição de guerrilheiros argelinos que se haviam refugiado na Tunísia, ao amparo da soberania territorial de que gozam os Estados. Para o Comando francês, essa ação teve base no que dizia ser o Direito de Perseguição – inovação do Direito Internacional. A Colômbia não invocou princípio novo algum, mas poderia tê-lo feito – tivesse poder para tanto – tentando resguardar sua posição perante a comunidade internacional. Ao não o fazer, preferiu aceitar a admoestação da OEA, com o que ficou no ar uma questão: pode um Estado abrigar guerrilheiros que pretendem subverter a
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Nelson Almeida/AE
Oliveiros S. Ferreira Doutor em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas/USP, escritor e jornalista
ou escolha de rota?
ordem jurídica e a ordem pública de outro Estado, dando-lhes abrigo a qualquer pretexto? Esta questão ficou sem clara resposta. O incidente fronteiriço permitiu que se conhecesse melhor a posição da diplomacia brasileira. Aliás, não apenas dela; muitos setores políticos adotaram posição semelhante – o que evidencia que está ganhando forma entre aqueles que nos governam (no Executivo e na chamada "Base aliada" no Congresso) uma política externa que tudo indica obedece à diretriz do presidente da República. A posição do Governo foi deixada clara por declarações do ministro das Relações Exteriores. Para Celso Amorim, a longa duração da ação guerrilheira e o elevado número de reféns que as FARC mantêm prisioneiros fazem que haja um "problema colombiano" que ultrapassa as fronteiras e deve ser resolvido por ação diplomática regional. O deputado Aldo Rebelo concorre nessa posição, ao mesmo tempo balizando a ação do Itamarati: "A hábil e eficaz
diplomacia brasileira pode tomar iniciativas para pôr fim ao conflito interno da Colômbia, onde não haverá solução militar. Cabe ao Brasil conduzir a reconciliação nacional, num acordo semelhante ao que foi feito em Angola [entre o MPLA e a Unita], outro país irmão que conseguiu sair, pela mediação, de uma guerra civil de quase trinta anos". O deputado Rebelo propõe, assim, que o Brasil seja mediador entre as FARC e o governo Uribe. Outra não é a sugestão do ex-presidente colombiano Samper, que vê o Brasil com condições bastantes para mediar entre um governo constitucional e uma força guerrilheira (cuja ação é sabidamente criminosa à luz do Código Penal da maioria dos países civilizados). O importante a assinalar na posição de Samper é que a mediação brasileira deve contar com, se não buscar o apoio de Chávez, pois o presidente da Venezuela é o único, segundo Samper, que mantém contatos com as FARC. Bem vistas as coisas, o "problema colombiano" ultrapassou há algum tempo as fronteiras de nosso vizinho – apenas que não no sentido regional estrito, mas internacional, na medida em que o "problema" já dera origem ao "Plano Colômbia", pelo qual os Estados Unidos prestam auxílio financeiro e assistência militar à Colômbia para combater o narcotráfico, identificado com a guerrilha. Visto desse prisma, o problema colombiano já se tornou regional – e a diferença entre a posição brasileira e a dos Estados Unidos é que o governo de Washington não busca intermediar negociações entre o governo colombiano e as FARC – antes quer aniquilar a guerrilha. Compreende-se que Samper pretenda que o Brasil seja mediador. Afinal, como colombiano,
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Álvaro Uribe: o presidente da Colômbia é acusado de ser intransigente ao negociar com os guerrilheiros das FARC a libertação dos reféns.
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deseja ardentemente que o confronto acabe. Já se compreende menos a preocupação do governo brasileiro. Afinal, essa força guerrilheira, as FARC, atua na Colômbia há muitos anos sem que governo algum se tivesse preocupado com a sorte que corriam as instituições democráticas naquele país. O "Plano Colômbia" não foi feito para defender as instituições democráticas colombianas; foi elaborado para atender interesses domésticos norte-americanos, quais fossem eliminar fornecedores de droga. O interesse brasileiro merece, assim, uma consideração mais profunda que aquela inspirada pelo desejo de "apaziguar e buscar soluções, não para se valer da radicalização dos antagonistas e ficar com as sobras" como sentenciou o deputado Aldo Rebelo no artigo que publicou na "Folha de S.Paulo" de 4 de abril. É na difícil busca de compreender os motivos que levaram o governo brasileiro a, só agora, manifestar-se como se estivesse despertando para a gravidade da situação, que devemos nos dedicar. Quais são os dados do "problema colombiano"? Em primeiro lugar, a Colômbia é um país que se situa na fronteira Norte do Brasil, em posição geográfica que merece atenção, pois os dois países comunicam-se, diríamos, pela Amazônia, que alguns consideram "res nullius" ou, mais civilizadamente, de interesse da Humanidade. Depois, tem-se, em Bogotá, um governo constitucional, consagrado pelo voto popular em eleições consideradas livres realizadas apesar das pressões das FARC. Em terceiro lugar, assiste-se há décadas a uma ação guerrilheira que não esconde sua filiação ideológica, donde os fins últimos que persegue ao
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combater o governo constitucional. Essa ação guerrilheira provocou o surgimento de forças para-militares antagônicas, cuja ação é igualmente desestabilizadora, que usam de métodos ilegais (inclusive o recurso à droga) para sustentar suas operações. Diferentemente das FARC, não almejam tomar o poder; contentarse-iam com o prolongado coma institucional que garante que sua ação, para os bem situados, seja necessária em decorrência da incapacidade de o Estado colombiano garantir de modo eficaz sua segurança. Em seguida, não se pode esquecer o fato de que houve tempo – não muito longínquo – em que para negociar com a guerrilha, o governo colombiano desmilitarizou vasta área do território, disso nada resultando. Igual exigência é feita, hoje, pelas FARC para iniciar conversações não sobre a cessação das hostilidades, mas sim sobre a libertação dos reféns. Em quinto lugar, há os reféns. É nesse ponto que convém nos determos um instante, antes de cuidarmos do último, mas não derradeiro componente da crise, a intervenção de Chávez. Os reféns. Qualquer análise que se faça do "problema colombiano" não deve esquecer que há anos as FARC mantêm reféns sem que o assunto tivesse transcendido as fronteiras, pois diz respeito aos familiares, primeiro, e depois ao governo de Bogotá. As cerca de 500 pessoas que se encontram em poder dos guerrilheiros nunca, até alguns meses atrás, mereceram atenção de qualquer governo sul-americano, dos Estados Unidos ou europeu e muito menos dos meios de comunicação não-colombianos. Quando se deu a mudança política, logo em seguida transformada em notícia nos meios de comunicação? Creio poder dizer que a partir do momento em que Chávez anunciou que alguns reféns seriam libertados e que convocara observadores de diversos governos amigos para assistir ao lance – que tinha características de show publicitário. Mesmo quando se considera, isoladamente, o caso da senhora Betancourt, não se pode ter outra visão das coisas. O que há de especial no "caso Betancourt"? Há meses, antes de Chávez anunciar a libertação próxima de alguns reféns, a senadora (cidadã colombiana e francesa, não devemos esquecer) não era notícia. Por um momento foi lembrada, quando o governo francês (Chirac se não me falha a memória) tentou resgatá-la em operação desastrada em que o espaço aéreo brasileiro foi violado numa demonstração inequívoca da atenção que Paris dá a algumas regras comezinhas de cortesia diplomática. Depois não se falou mais no assunto. Foi a partir
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Sergio Lima/Folha Imagem
da intervenção de Chávez e do gesto das FARC libertando em seguida, espontaneamente, quatro reféns sem importância política internacional, que a senhora Betancourt passou a ser notícia obrigatória, mobilizando inclusive o governo francês – em ações que as próprias FARC proclamaram ser "ingênuas". Os reféns, mas especialmente a senhora Betancourt, transformaram-se no grande trunfo político das FARC. Entenda-se: publicitário. Enquanto a senadora estiver viva, falar-se-á de seu precário estado de saúde – e as televisões mostrarão retrato seu, sentada, a fisionomia combalida e magra. Se e quando morrer, haverá quem responsabilizará as FARC por sua morte – mas outros, talvez a maioria dos que costumam ser politicamente corretos na sua análise dos fatos, irão procurar outro responsável pelo desfecho trágico desse seqüestro, que poderia ter sido resolvido, para tranqüilidade de todos e das relações franco-colombianas, não fora a alegada intransigência de Uribe em negociar. Aos poucos, lentamente, como convém para o convencimento da opinião pública, está sendo montado o "processo Uribe". Quais serão as peças de acusação? Afirmar-se-á que, em algum momento de sua vida, ele teve contato com narcotraficantes; que, como presidente, aceitou que narcotraficantes (e guerrilheiros apanhados fazendo esse tipo de negócio) fossem extraditados para ser julgados nos
Estados Unidos; que concordou e permitiu que os Estados Unidos transferissem grupos militares para o território colombiano, passando a ser um mero instrumento da administração Bush; pior ainda, foi com o auxilio da CIA, infiltrada nos serviços de inteligência do Exército equatoriano, que descobriu o local onde estava o líder das FARC morto no ataque ao acampamento guerrilheiro no Equador; que a incorporação de para-militares à vida civil é mero blefe; que recusa-se a desmilitarizar grande área do território colombiano para que nela se iniciem as conversações sobre a soltura dos reféns, inclusive, evidentemente, a senhora Betancourt. Diante dessas "evidências", ele será condenado, com tanto maior rigor se a senhora Betancourt vier a falecer. A intervenção de Chávez – único a ter contato com as FARC... – além do propósito publicitário, teve alcance político. É para ele que convém atentar, agora. Poderíamos dizer que a iniciativa do presidente venezuelano, fazendo de intermediário entre ele próprio e as FARC para conseguir a libertação de reféns decorreu da análise de alguns indícios de que sua pregação bolivariana não está tendo o êxito esperado. Preferimos deixar de lado essa hipótese, pois aceitá-la seria fazer um estrito processo de intenções. Fixemonos no que é de conhecimento público: para Chávez, as FARC nada mais são do que dissi-
A Intervenção de Hugo Chávez (acima, à esq.), além do propósito publicitário, teve alcance político. Acima, o presidente Lula e o assessor Marco Aurélio Garcia: Brasil seria um bom mediador?
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dentes políticos que recorreram às armas porque não encontraram espaço político para afirmar "democraticamente" suas posições. Não disse, mas fica claro que o reconhecimento do caráter "dissidente" da facção guerrilheira pela "Comunidade Bolivariana" – e depois pelos governos que não desejam contrariar as posições do governo de Caracas – implica reconhecer as FARC como beligerantes com todas as conseqüências disso à luz do Direito Internacional. Não nos custa voltar um instante à guerra da Argélia. A partir de fins de 1954, a Frente de Libertação Nacional (FLN) desencadeou ações terroristas (assassinando franceses e argelinos que concordavam com a presença da França no território) tendo em vista conseguir a independência do país. Ainda que não tivesse havido declarações formais nesse sentido, a FLN foi reconhecida como beligerante pela URSS e inclusive pelo Egito, com o que pôde formar um Governo argelino no exílio, fazendo de Ferhat Abbas seu presidente. Governo no exílio porque a FLN não tinha controle efetivo de parte alguma do território argelino. A situação na Colômbia não se assemelha à da Argélia em 1954 ou até 1962, quando de Gaulle concluiu a paz e consentiu em que o país se tornasse independente. Em primeiro lugar, na Colômbia não se trata de uma luta pela independência, mas para a conquista do poder e transformação de fio a pavio das relações econômicas, sociais e políticas internas, para não dizer a fixação de uma nova postura internacional; depois porque as FARC controlam parte do território ou sobre ela exercem dominação ainda que não permanente. O reconhecimento do Governo Provisório da Argélia por diferentes governos não alterou a relação da França com a FLN. Diferente será se um governo sul-americano reconhecer a beligerância da guerrilha: daí à constituição de um Governo em território ocupado será um passo, que se completará com o reconhecimento desse "governo insurgente" por outros da Comunidade Bolivariana – na qual se incluem, como é sabido, Venezuela, Cuba, Nicarágua, Bolívia e Equador. Esses são os dados do problema. Com o que podemos voltar à posição brasileira. Em Haia, o presidente Luis Inácio Lula da Silva afastou qualquer pronunciamento oficial do governo sobre a situação na Colômbia, mas deixou claro que poderá tomar uma iniciativa qualquer se para tanto for solicitado por Uribe. Em outras palavras, deixou claro que o Brasil está pronto a ser mediador, desde que para tanto seja convidado (aliás, um mediador não se oferece; é sempre convidado
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pelas partes...). Samper não pediu mais que isso, e não há dúvidas de que são mais de um os governos que desejam que o Brasil ocupe o lugar de que Chávez tomou conta. A mediação transformaria, de fato e de direito, o "problema colombiano" num problema regional, como quer o chanceler Amorim. Quais as conseqüências desse passo, que seria saudado por todos os bem pensantes como a afirmação da liderança brasileira e como um gesto para conseguir que, humanitariamente, sejam libertados os reféns? Não custa dizer, antes de tudo, que seria uma mediação difícil, na medida em que as FARC poderão exigir a libertação de todos os guerrilheiros presos e, como já o fez, também a de dois companheiros que cumprem penas de prisão nos Estados Unidos. Esse é pormenor, dirão os que ouvem estrelas. Vamos a outras considerações. Um mediador só pode exercer sua função se ele próprio reconhecer as duas partes como "interlocutores válidos", isto é, com (perdoem-se a palavra) legitimidade. A menos que aja como a Polícia quando negocia para libertar pessoas que foram feitas reféns por salteadores. Ao conversar com os criminosos, a Polícia garante sua vida em troca da libertação dos reféns, mas com a condição de que os salteadores concordem em ir passivamente para a prisão. Ao aceitar mediar entre o governo colombiano e as FARC, o Brasil estará reconhecendo a guerrilha como interlocutor válido. Em outras palavras, deixará assente para a comunidade internacional que há um impasse estratégico entre o governo e aqueles que o querem derrubar e, ipso fato, proclamando que as autoridades de Bogotá não têm mais condições políticas de combater militarmente a guerrilha. Donde se seguirá que, havendo a mediação, a presença norte-americana
será desnecessária, pois haverá o reconhecimento por parte do Brasil (e de outros governos, especialmente os da Comunidade Bolivariana) de que a droga é atividade secundária que poderá ser combatida pela polícia. Afirmado isso por todos os que desconfiam das intenções dos Estados Unidos, o Plano Colômbia não terá mais razão de ser. O presidente Lula da Silva, nessa eventualidade, dividirá os louros com o presidente coronel Hugo Chávez. Em artigos que divulguei em www.oliveiros.com.br, sustento que a tentativa de regionalizar o "problema colombiano" – e agora, os esforços para que haja a mediação brasileira – tem como objetivo não apenas fazer que as FARC sejam reconhecidas como "insurgentes" (seria melhor dizer desde já beligerantes) e afastar os Estados Unidos da Colômbia, primeiro, depois da América do Sul ou pelo me-
nos da região Norte-Noroeste. O importante a assinalar é que, como observado atrás, a mediação brasileira ou de qualquer outro governo significará a morte política do governo Uribe e o reconhecimento de que o recurso às armas para buscar impor uma política é legítimo, mesmo numa democracia, bastando, para que a ação seja legitimada, que haja um ou mais governos que a tenham não por ação guerrilheira, contrária às normas democráticas, fora da lei, mas sim como" "insurgente", vale dizer, dissidente... É possível que a intenção da diplomacia brasileira não seja reconhecer a legitimidade de um movimento guerrilheiro como as FARC. É possível – o resultado, porém, de insistir em que o problema é regional e em que o Brasil poderá ter alguma coisa a dizer se for solicitado, é o que acabamos de apontar. João Wainer/Folha Imagem
AFP
Guerrilheiro das FARC (esq.) e a ex-candidata à presidência da Colômbia, Ingrid Betancourt (acima), mantida como refém há seis anos: ao tomar o lugar de Chávez, a mediação brasileira transformaria, de fato e de direito, o 'problema colombiano' num problema regional, como quer o chanceler Celso Amorim.
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O que o capitalismo não é
F
oi Karl Marx quem cunhou o depreciativo termo "capitalismo" para identificar um sistema econômico que havia recebido de Adam Smith uma expressão mais descritiva e bonita: "sistema de liberdade natural". A origem negativa do termo é um dos motivos pelos quais a discussão sobre o capitalismo necessita de um esclarecimento. Seja para atacá-lo ou defendê-lo, é importante entendermos primeiro o que o capitalismo não significa. O capitalismo não é exclusivamente "capitalista". A acumulação de capital é um fato existente em qualquer sociedade, independentemente de sua estrutura política e econômica. Max Weber já dizia em A ética protestante e o espírito do capitalismo que "a ganância pelo ouro é tão antiga quanto a história do homem". E que onde o capitalismo era mais atrasado encontravase "o reino universal da absoluta falta de escrúpulos na busca dos próprios interesses por meio do enriquecimento". No entanto, as pessoas ainda encaram o capitalismo como um ordenamento moral, um modo de vida em que a acumulação de riqueza é o bem superior. Mas a defesa do capitalismo não significa a defesa de um homo economicus, cuja única preocupação na vida é ganhar dinheiro. Há muitas coisas mais importantes do que a acumulação de capital, como a família, a religião, a arte e a cultura. E isso realça a importância da economia de mercado. É verdade que no livre mercado há mais oportunidade para aquele que pretende enriquecer, mas nele o filósofo também tem mais oportunidade de aprender e o artista tem mais oportunidade de se expressar. E é por meio do livre mercado que o filantropo, a pessoa que deseja ajudar o próximo, dispõe de mais recursos para fazer assistência social, pois, através do sistema de preços livres, pode utilizar seus recursos de forma mais eficiente. O capitalismo não é a burocracia internacional. As pessoas de esquerda costumam
Diogo Costa Editor do site OrdemLivre.org e pesquisador do Cato Institute.
identificar pelo termo "neoliberal", tanto as reformas modernizadoras que diminuem a participação do Estado na economia, quanto as organizações inter-governamentais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Como neoliberalismo e capitalismo são termos intercambiáveis no discurso vulgar, o FMI e o Banco Mundial aparecem como braços operadores do capitalismo internacional. Essa confusão também costuma ser feita por pessoas de direita que, definindo-se por sua oposição sem reservas à esquerda, acabam defendendo instituições burocráticas como se fossem partes integrantes do sistema capitalista. Nesse caso, a esquerda tem razão em denunciar a arrogância de agências internacionais, que nada mais são do que uma forma de planejamento central de larga escala. Enquanto o liberal entende que a prosperidade depende da utilização do conhecimento e dos incentivos dispersos na sociedade, os burocratas internacionais acreditam que podem comandar o desenvolvimento econômico na Zâmbia ou em Guiné-Bissau de seus escritórios em Washington e Nova York. O resultado não tem sido animador. O jornalista Andrew Mwenda, de Uganda, continua sem resposta para sua pergunta sobre exemplos históricos de países que tenham realmente prosperado graças à ajuda externa. De 1975 a 2000, o continente africano recebeu em auxílio externo uma média de 24 dólares per capita por ano. Entretanto, o PIB africano per capita diminuiu a uma taxa média anual de 0,59%. Durante o mesmo período, o PIB per capita do sul asiático cresceu a uma média de 2,94%, apesar de ter recebido em auxílio externo uma média de apenas 5 dólares per capita a cada ano. Políticas de abertura de mercado têm um efeito mais positivo do que o planejamento internacional financiado por impostos. Na verdade, em vez de criar economias de mercado ativas e autônomas, as políticas do Banco Mundial diminuem a dependência dos governos por sua própria população, já que a receita não vem dos tributos extraídos do desenvolvimento econômico doméstico, mas das negociações com outros burocratas. O poder da população é transferido para essas organizações, criando uma cultura de dependência em que a miséria local apenas aumenta o poder de barganha dos governos que recebem auxílio externo. O resultado é a perpetuação da miséria. O capitalismo não é a política norte-americana. Apesar de os
Estados Unidos historicamente terem tido um de seus pilares no livre mercado, grandes contribuições para a compreensão do capitalismo foram feitas em outros paises. Sem contar que, ultimamente, o governo americano tem feito um ótimo trabalho de difamação do nome do livre mercado. O crescimento nos gastos da atual administração superam a de qualquer outro presidente desde o democrata Lyndon Johnson, criador do programa assistencialista da Great Society. George W. Bush foi o primeiro presidente americano a assinar um orçamento de mais de 2 trilhões de dólares. E também foi o primeiro presidente americano a assinar um orçamento de mais de 3 trilhões de dólares. Um aumento que inclui gastos significativos na previdência social e saúde pública, além dos gastos bélicos. As recentes aventuras no Oriente Médio também não podem ser consideradas políticas pró-capitalistas. A própria guerra e a permanência no Iraque são um experimento socialista de escala internacional, que já custou mais de 1 trilhão de dólares e cerca de 30 mil vidas. Liberais defensores do capitalismo não acreditam que nações são violentamente construídas por meio da política, mas que se desenvolvem espontânea e pacificamente. É o socialismo que defende a prosperidade planejada. E o que o governo americano tem feito no Iraque é um planejamento de longo alcance. O capitalismo não é a defesa irrestrita das grandes corporações. Os defensores do livre mercado entendem que os negócios podem tanto servir quanto prejudicar a população em geral. Em um sistema intervencionista, toda empresa que quer aumentar o seu lucro tem duas opções: investir em produtividade, para competir pelos consumidores, ou investir em lobby político, para competir pelos favores políticos. A competição para servir à sociedade é capitalismo, a competição para servir ao governo é mercantilismo. São os mercantilistas que defendem legislações protecionistas de corporações contra a competição estrangeira e doméstica. Os liberais defendem um mercado aberto, em que a manutenção de um negócio depende do oferecimento de serviços e produtos que satisfaçam ao consumidor. O capitalismo não é a perpetuação das elites. São os oponentes do capitalismo que, ao defender maior concentração de poder nas mãos de políticos e burocratas, constroem um sistema corrupto e estático, no qual há pouco espaço para a mobilidade social e pouca oportunidade para o desenvolvi-
mento da criatividade humana. Há doses de capitalismo em diferentes sociedades do mundo, mas não há uma sociedade onde a economia seja puramente livre, e nem o Brasil está entre as economias mais livres do mundo. Na verdade, de acordo com o ranking de liberdade econômica publicado anualmente pelo Fraser Institute, do Canadá, o Brasil encontra-se no 101º lugar entre 168 países examinados, empatado com Paquistão, Etiópia, Bangladesh e Haiti. No Brasil, há excesso de burocracia para a entrada e a permanência no mercado, uma legislação trabalhista rígida, que empurra os trabalhadores para a informalidade e uma legislação tributária que já foi considerada pelo Fórum Econômico Mundial como a mais complexa de todo o mundo. Os oponentes do livre mercado insistem no controle governamental da economia para resolver os problemas que foram criados pelo próprio governo. Defender o livre mercado é defender a estrutura de um sistema econômico dinâmico em que se estimula a produção de riquezas e se permite a mobilidade social. O capitalismo não é a defesa do tratamento desigual das pessoas. Há diversas formas de tornar as pessoas mais iguais. Os igualitários normalmente não pretendem torná-las mais iguais em conhecimento ou em beleza, mas em recursos, pelo menos em alguns recursos que consideram fundamentais. É bem verdade que o livre mercado não se baseia na igualdade de recursos. Mas isso não significa um tratamento desigual das pessoas. A igualdade liberal, da qual floresce o capitalismo, é a igualdade de direitos, a igualdade perante a lei. Isso significa que as questões de justiça e o uso da sua liberdade no mercado não dependem de quem você é, mas do que você faz. O capitalismo é um sistema econômico de cooperação mútua, apoiado em uma estrutura de direitos na qual prevalece a igualdade jurídica entre as pessoas. As pessoas no livre mercado não são iguais em "distribuição de renda", mas são iguais em liberdade. Por fim, capitalismo não é socialismo. O capitalismo não é uma imposição do governo, nem o mercado é uma ideologia em que a teoria necessariamente precede a prática. O capitalismo é simplesmente o que ocorre quando as pessoas têm liberdade para fazer trocas, apoiadas em direitos de propriedade bem definidos. É o socialismo que necessita da mobilização social para alcançar um objetivo comum entre todas as pessoas. O socialismo precisa da pregação e da concentração de poder na autoridade manipuladora. O socialismo é a politização da vida econômica, é um discurso interminável do Fidel Castro, é a transformação de tudo o que é belo e espontâneo no dirigismo rígido da política. O livre mercado é apenas o conjunto de ações de agentes humanos livres sobre a alocação de recursos escassos. Se os propósitos desses agentes são morais, a ordem gerada será igualmente moral. E é quando nós conseguimos sinceramente compreender e avaliar o capitalismo que passamos a ter o discernimento para defendê-lo ou atacá-lo.
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