Digesto Econômico nº 450

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CARTA AO LEITOR Agliberto Lima

H

á um ano, na edição 445 da revista Digesto Econômico, que circulou em dezembro de 2007, escrevi nesta mesma seção que, apesar do crescimento de 5% no PIB, o Brasil não soube aproveitar a boa onda da economia mundial para crescer ainda mais, a exemplo de países como a China e a Índia, e que era preocupante a inércia em que nos encontrávamos em relação às reformas necessárias, a começar pelas reformas política e fiscal, com o objetivo de preparar o País para enfrentar períodos de "vacas magras", que inevitavelmente viriam. Expliquei, na ocasião, que os ajustes das finanças públicas imporiam menos sacrifícios à sociedade se fossem realizados durante um ciclo de expansão econômica, do que se tivermos de fazê-los em uma situação de desaceleração ou recessão. Pois as minhas previsões ocorreram mais cedo e com mais rigor do que esperávamos. O mundo vive hoje uma crise somente comparável à de 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York, que teve reflexos perversos em todo o mundo, incluindo o Brasil, cuja economia na época era calcada na exportação do café. Como conseqüência, no início dos anos de 1930, muitos cafeicultores foram à falência. A crise atual estará levando o mundo a uma forte desaceleração, com algumas economias entrando efetivamente em recessão, como é o caso do Japão, a segunda maior economia do mundo, que já anunciou um encolhimento em seu PIB. Nos Estados Unidos, a atividade econômica vem caindo e o desemprego aumentando num ritmo muito forte. Notícias similares chegam a toda hora da China, que vinha puxando fortemente o crescimento mundial nos últimos anos, e também de países europeus. O presidente Lula e o ministro Guido Mantega, que inicialmente falavam que o "tsunami" da crise financeira chegaria ao Brasil como uma "marola", já mudaram seus discursos e admitem que os reflexos aqui serão mais graves. As empresas, principalmente as pequenas e médias, já sentem dificuldades em conseguir crédito. Enquanto isso, o governo bate recorde atrás de recorde em arrecadação de impostos. Diante do panorama atual, o governo e os parlamentares precisam urgentemente tomar atitudes corajosas e eficazes. O governo precisa reduzir os seus gastos, com racionalização e planejamento. Também se faz urgente aliviar a carga tributária do setor produtivo, diminuir a burocracia para estimular o empreendedorismo e reduzir a taxa de juros para estimular o consumo. Somente desta forma poderemos enfrentar a crise internacional e sairmos fortalecidos dela.

Alencar Burti Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

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ÍNDICE Spencer Platt/AFP

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Reflexões sobre a crise financeira global Roberto Fendt Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br Presidente Alencar Burti

ALFER

Superintendente institucional Marcel Domingos Solimeo

Reprodução

ISSN 0101-4218 Diretor-Responsável João de Scantimburgo

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Instabilidade financeira, conflito de interesses e deflação da dívida Ulisses Ruiz de Gamboa

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1929: a crise que abalou o mundo Renato Pompeu

Diretor de Redação Moisés Rabinovici

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Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira Editores Carlos Ossamu e Domingos Zamagna Editor de Fotografia Alex Ribeiro Pesquisa de Imagem Mirian Pimentel

1929: Ensaio fotográfico Lee Jae-Won/Reuters

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Editor de Arte José Coelho Projeto Gráfico e Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo

Crise financeira ou do sistema? Henrique Rattner

Infográficos Alfer Jair Soares Gerente Comercial Arthur Gebara Jr. (agebara@acsp.com.br) 3244-3122 Gerente de Operações José Gonçalves de Faria Filho (jfilho@acsp.com.br)

AFP

Impressão Lene Gráfica REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055 FAX (011) 3244-3046 www.dcomercio.com.

Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimax fosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.

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CAPA Foto: Agliberto Lima. Arte: Alfer.


Kim Kyung-Hoom/Reuters

Leonardo Rodrigues/e-SIM

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Japão: esgotamento de modelo e necessidade de mudanças estratégicas Alcides Domingues Leite Júnior Newton Santos/Hype

Sérgio Lima/Folha Imagem

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Tempos de vacas magras Almir Pazzianotto Pinto

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Os índios e a Constituição Ives Gandra da Silva Martins

Imóvel: um investimento seguro Fábio Rossi Filho

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70 Spencer Platt/AFP

Gabriel Bouys/AFP

O que Obama vai fazer? Olavo de Carvalho

2008: Ensaio fotográfico

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Campanha de 2008 e o culto à presidência Gene Healy

Em 2009, o futuro do mundo em xeque Heci Regina Candiani ALFER

Stan Honda/AFP

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Ambiente mal assombrado João Luiz Mauad

A economia não mente Marcel Domingos Solimeo

Bay Ismoyo/AFP Reprodução

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Fábulas chinesas e lições para o Brasil Silvério Zebral

Antônio Milena

Maurício Lima/AFP

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A importância da comunicação Marcos Sawaya Jank

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Spencer Platt/AFP

Reflexões sobre a crise financeira global Divulgação

Roberto Fendt Economista e vice-presidente do Instituto Liberal

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assados já alguns meses de forte instabilidade nos mercados financeiros externo e interno, talvez já seja possível fazer algumas reflexões sobre a crise atual – e sobre suas diferenças com relação às crises passadas. 1. A extensão e natureza da crise "A primeira data é outubro de 1929, o mês do desastre da bolsa. Embora os preços das ações tenham atingido o seu pico em 7 de setembro, quando o índice Standard and Poor atingiu 254 pontos, a queda nas quatro sema-

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nas seguintes se deu de forma ordenada e não gerou pânico. De fato, depois de cair para 228 em 4 de outubro, o índice subiu para 245 em 10 de outubro. A queda que se seguiu levou a um pânico em 23 de outubro. No dia seguinte, grandes blocos de ações foram vendidos no mercado e quase 13 milhões de ações foram negociadas. No dia 29 de outubro, quando o índice caiu para 162, cerca de 16,5 milhões de ações foram negociadas, comparado com uma média diária em setembro de pouco mais de 4 milhões de ações". Assim nos relataram Milton Friedman e Anna Schwartz (The Great Contraction, 1929-


O Lehman Brothers Holdings, Inc. quebrou no último dia 15 de setembro, precipitando a fase mais aguda da atual crise do sistema financeiro internacional. Na sexta-feira, 19 de setembro, o índice Dow Jones fechou em 11.388 pontos; na sexta-feira, 10 de outubro, o índice fechou em 8.451 pontos. Em 3 semanas caiu 26%.

1933, p. 20) o impacto inicial da crise de 1929. Em 1929, o índice Dow Industrials DJI (DJI) da Bolsa de Valores de Nova York atingiu o pico em 25 de agosto. Nas sete semanas após o início da queda, o índice perdeu 25%. E continuou caindo até que, 10 semanas após o pico, atingiu o fundo do poço. A queda acumulada foi de quase 50%. Na crise de 1987, a perda foi inicialmente similar à de 1929, com o índice caindo 25% nas primeiras sete semanas. Diferentemente da crise de 1929, contudo, o fundo do poço se deu logo a seguir, com o mercado se recuperando a partir de então. Também diferentemente da

crise de 1929, em 1987 a amplitude foi menor, com uma queda acumulada de 35%. O Lehman Brothers Holdings, Inc. quebrou no último dia 15 de setembro, precipitando a fase mais aguda da atual crise do sistema financeiro internacional. Na sexta-feira, 19 de setembro, o índice Dow Jones fechou em 11.388 pontos; na sexta-feira, 10 de outubro, o índice fechou em 8.451 pontos. No curto lapso de três semanas o índice caiu 26%. Na crise atual, os números não são muito diferentes. Se tomarmos como pico prévio do índice Dow Jones o dia 8 de outubro de 2007, quando o DJI atingiu 14.043 pontos, a queda

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até o dia 10 de outubro terá sido de 40%. Se tomarmos como pico prévio o índice de dois de maio último (13.058 pontos), a queda acumulada foi de 35%. Pelos padrões das crises de 1929 e 1987, portanto, talvez o preço das ações esteja próximo do fundo do poço. A grande questão, obviamente, é saber se os padrões passados servem de orientação para o presente, para não falar no futuro. Afinal, todas as instituições financeiras, ao oferecer seus produtos, costumam colocar uma nota de rodapé nos prospectos dizendo que "o desempenho passado não é garantia de desempenho futuro". A conferir. 2. A crise atinge o "lado real" da economia Em 1929, a produção industrial americana já vinha em leve queda quando se deu o crash da bolsa. "A contração (da atividade econômica) entre 1929 e 1933 foi de longe a mais severa na história econômica americana dos 50 anos que antecederam 1929 – e pode ter sido a mais severa de toda a história americana. Embora tenha sido mais aguda e mais prolongada nos Estados Unidos do que na maioria dos demais países, ela teve amplitude mundial e está entre as mais severas contrações internacionais dos tempos modernos. O PIB americano, medido em termos reais, caiu mais de 30% entre 1929 e 1933; e os preços no atacado caíram mais de um terço", relatam-nos Friedman e Schwartz, na obra citada anteriormente (pág. 11 do livro). Em 1987, contudo, embora a queda tenha sido semelhante à de 1929, a queda no PIB não teve a mesma severidade. Até agora, a presente crise também não mostrou ainda seu impacto sobre o "lado real" das economias – embora haja sinais preocupantes nos mercados de construção civil e automobilístico dos EUA. Contudo, o contágio tem características similares à crise de 1929. A Alemanha está, pelos critérios usualmente aceitos, em recessão. O Japão encontra-se em situação semelhante. E o mesmo logo poderá estar ocorrendo com a União Européia como um todo. 3. A crise nos mundos desenvolvido e emergente Há um erro conceitual daqueles que, mirando o que está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa, acham que devemos macaquear aqui as políticas postas em prática no mundo desenvolvido. Nos Estados Unidos, Inglaterra e nos países

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Há um erro conceitual daqueles que, mirando o que está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa, acham que devemos macaquear aqui as políticas postas em prática no mundo desenvolvido.

da União Européia, o problema é o da solvência do sistema financeiro. Quando estamos diante de uma crise de solvência, a medicação adequada é capitalizar as instituições e simultaneamente reduzir a sua alavancagem, de múltiplos entre 20 e 40, para múltiplos mais consistentes com os prescritos pelos Acordos de Basiléia. Por esse caminho, longo e tortuoso, vai se restaurando progressivamente a confiança, cuja quebra deu origem à própria crise. Nesse quadro, é indispensável que o banco central americano, o Federal Reserve, e o Tesouro dos EUA expandam os gastos para restaurar a saúde do sistema financeiro. Não para proteger os banqueiros, mas para proteger os depositantes e preservar os meios de pagamentos e o crédito do país – absolutamente indispensáveis em uma economia desenvolvida que levou a divisão do trabalho a níveis nunca antes vistos na história. O ponto central a enfatizar, portanto, é que o principal problema dos países desenvolvidos é de solvência de seu sistema financeiro. A solução é reduzir a alavancagem do sistema financeiro, de um lado, pelo aumento do capital das instituições e, de outro, pela redução gradual dos ativos criados. Para isso é necessário expandir os gastos, retirando-se o excesso desses gastos posteriormente com a colocação de títulos do Tesouro junto às instituições financeiras e ao público. O problema do Brasil e dos demais países emergentes é diferente. Aqui o problema é de liquidez das instituições. A firme aderência das autoridades monetárias brasileiras às regras dos Acordos de Basiléia evitou que a alavancagem se expandisse aqui nos padrões dos países desenvolvidos. Mas sofremos de um "empoçamento" da liquidez e de dificuldades de captação de linhas externas de financiamento, especialmente pelos bancos de pequeno e médio portes. Daí para a redução do capital de giro das empresas no lado "real" da economia, foi um passo. 4. O que fazer? Para minimizar os efeitos da crise é necessário restabelecer a liquidez, desvalorizar o câmbio e reduzir o excesso de demanda na economia. Boa parte do que fazer quanto à liquidez, já foi feito. O Banco Central reduziu o compulsório e reativou o redesconto. O câmbio flutuou para cima, mudando do patamar de R$ 1,60 para R$ 2,20. O ajuste foi automático, já que no regime de câmbio flutuante, por definição, ele flutua e se desvaloriza quando há um refluxo


Reprodução

líquido de recursos externos, como está atualmente ocorrendo. É bem verdade que o BC tem procurado minimizar as flutuações do câmbio, mas a direção está correta, já que se torna necessário reduzir as importações e incentivar, via câmbio, as exportações. O grande nó está na dificuldade de reduzirem-se os gastos na economia. Primeiro, porque sequer há consenso entre as autoridades a esse respeito. O BC é favorável à redução, até porque com menores gastos seria possível se começar a reduzir as taxas de juros, e o Ministério da Fazenda é contra. É surpreendente que aqui alguns sugiram que deveríamos imitar os países desenvolvidos e também praticar políticas "keynesianas" de expansão do gasto público para contra-restar a crise. Essa alternativa, contudo, confunde os dois tipos de crise – e quem a defende tem sua cabeça no mundo desenvolvido, não no nosso. No nosso mundo, no Brasil real, a demanda interna está crescendo a 8% ao ano, muito acima do crescimento da capacidade de produção da economia. Até aqui, com o câmbio ba-

rato, foi possível complementar a oferta doméstica com importações correspondentes a uma parcela expressiva do PIB. Por essa razão, as pressões inflacionárias se mantiveram contidas em um patamar consistente com as metas de inflação estabelecidas. Um quadro completamente diferente começa a se desenhar à nossa frente. O índice de preços da Commodity Research Bureau voltou aos níveis de 2002, quando se iniciou a grande escalada dos preços desses produtos. Com a queda dos preços das commodities inevitavelmente cairão nossas exportações e com a desvalorização do real, cairão também as importações. Se a demanda interna não se ajustar ao crescimento da oferta interna, é inevitável trazermos de volta a inflação. Em vista desse quadro, seria oportuno ajustar o orçamento de 2009 à nova realidade, cortando despesas de custeio e aumentando a eficiência do gasto público. O que não podemos ter, em nenhuma circunstância, é um aumento da despesa pública, como alguns, inadvertidamente, estão sugerindo.

Escritório de compra e venda de ações na década de 1920, em que os negócios eram fechados por telefone.

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Instabilidade financeira, conflito de interesses e deflação da dívida


Paulo Pompolin/Hype

Ulisses Ruiz de Gamboa Economista do Instituto Gastão Vidigal, Associação Comercial de São Paulo.

As abordagens de Minsky, Simons e Fisher e a crise financeira global atual

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1. Introdução

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crise financeira internacional atual, iniciada a partir do estouro da "bolha financeira" dos subprimes na economia norte-americana, trouxe novamente ao debate as idéias de um dos mais ilustres seguidores do pensamento de John Maynard Keynes (1883-1946), Hyman Minsky (1919-1996). No presente trabalho, analisaremos a chamada hipótese da instabilidade financeira de Minsky e sua aplicabilidade para explicar a origem da crise financeira internacional atual. Também discutiremos as abordagens de dois economistas neoclássicos contemporâneos de Keynes, que, escrevendo em meio à Grande Depressão, geraram contribuições essenciais para a compreensão das crises f i n a n c e i r a s : H e n r y S imons (1899-1946) e Irving Fisher (1867-1947). 2. A Hipótese da Instabilidade Financeira de Minsky

Para Minsky, a economia capitalista possui uma tendência ao desequilíbrio, com o surgimento cíclico de crises econômicas.

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Ao contrário da teoria econômica tradicional, que postula que os mercados, incluindo o mercado financeiro, apresentam invariavelmente uma tendência ao equilíbrio, Minsky (1992) parte da premissa de que a economia capitalista possui uma tendência inerente ao desequilíbrio, que culminaria com o surgimento cíclico de severas crises econômicas. O canal transmissor dessa instabilidade, tal como postula Keynes (1936), é o investimento produtivo, embora para Minsky seja crucial a forma de financiamento desse investimento. Em sua hipótese da instabilidade financeira, o autor parte da premissa de que o investimento somente será realizado se o risco de crédito do investidor for menor que o risco da instituição financeira que oferta esse crédito, incluindo juros adicionais, a título de "margem de segurança". Essa última variável é afetada diretamente pelas expectativas sobre resultados futuros, e assim, no começo de uma recuperação econô-

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mica, após uma severa recessão, a "margem" é grande, pois as expectativas são pessimistas. Por outro lado, se uma expansão gera retornos econômicos acima das projeções, então os intermediários financeiros tendem a diminuir dita "margem", na medida em que os riscos percebidos diminuem, possibilitando maior financiamento externo para as empresas, o que redundará em aumento do investimento e, como conseqüência, maior PIB, menor desemprego e maiores lucros efetivos. Esses maiores lucros atrairão outros empreendedores, o que implicará maior alavancagem, ou seja, maior nível de endividamento das empresas. Do ponto de vista dos intermediários financeiros, a expansão econômica e a sólida situação financeira do sistema produtivo reduzirão a aversão ao risco, aumentando o "apetite" por oferecer crédito aos produtores e por transpassar essa dívida a outros investidores. Assim, durante a fase expansiva, intermediários financeiros (que Minsky denominou de "mercadores de crédito") tentam convencer os investidores a comprar a dívida dos produtores a partir de inovações sofisticadas, levando ao investimento em "pacotes financeiros" de pouco lastro e altas taxas de retorno (1). Com o passar do tempo, a taxa de acumulação de dívida começa a crescer a maior velocidade do que a capacidade de pagamento dos tomadores, gerando-se a partir desse estágio as condições para o surgimento de uma nova crise financeira e econômica, repetindose todo o ciclo anterior. Dentro desse modelo, Minsky realizou uma taxonomia das unidades produtivas que demandam crédito para viabilizar investimentos produtivos: as "unidades cobertas", que podem cumprir com seus compromissos a partir da geração do seu próprio fluxo de caixa; as "unidades especulativas", que podem pagar os encargos financeiros da dívida, embora necessitem sempre "rolar" o principal, a partir de emissão de nova dívida; e as "unidades Ponzi" (2), que não conseguem gerar recursos suficientes nem para pagar os juros, nem para cumprir com o principal da dívida, dependendo exclusivamente da valorização dos seus ativos para financiar-se. Ainda, de acordo com o autor, durante o ciclo de prosperidade, a economia capitalista torna-se

(1) De fato, é bem interessante notar que Minsky

num artigo escrito em 1987, denominado "Securitization" (republicado em 2008) anteviu a explosão da securitização no mercado financeiro mundial.


Vivek Prakash/Reuters

cada vez mais frágil, pois, "...tende a se afastar de uma estrutura financeira dominada por unidades financeiras de "unidades cobertas" para uma estrutura na qual grande proporção das unidades está empenhada em financiamento especulativo ou de tipo Ponzi (3)." À medida que a economia começa a desacelerar, os intermediários financeiros reduzem a oferta de crédito e os demandantes de crédito, sem conseguir renovar suas linhas de crédito, começam a falir, instalando-se uma crise financeira, que pode dar passo a uma severa crise econômica, tal como ocorreu na Grande Depressão ou como estaria ocorrendo agora. Assim, para Minsky, à diferença de Keynes, que acreditava nos efeitos de uma política fiscal contracíclica, a única forma de estabilizar a economia capitalista seria aumentar de forma permanente a interferência do Governo e do Banco Central na economia, construindo o chamado "capitalismo amigável". 3. Avaliação Crítica da Hipótese de Instabilidade Financeira Apesar de aparentemente adequada para explicar as origens da atual crise financeira internacional, a hipótese de instabilidade financeira merece algumas apreciações. Em primeiro lugar, como é assinalado por Shostak (2007), a premissa básica de tendência à instabilidade do capitalismo encampada por Minsky não é sujeita a nenhum método de verificação, incorporando a hipótese Kaleckiana, tampouco nunca verificada e bastante discutível, de que os lucros da empresa dependem inteiramente da decisão discricionária de outros agentes (!) (4). Ainda segundo o mesmo Shostak (op. cit.), a explicação de Minsky negligencia o papel fundamental do Banco Central na gênese das crises financeiras. Justamente como o mercado financeiro se caracteriza por possuir assimetria de informação, ou seja, uma das partes detém mais

(2) O termo faz referência ao financista italiano

Charles Ponzi, que criou em 1919 nos Estados Unidos um sistema de venda de notas promissórias, que garantia ao comprador juros de 40% em 90 dias. Ponzi usava o que captava com cada novo investidor para pagar os juros devidos, ficando com o restante da aplicação. Apesar do sucesso inicial, o sistema ruiu com a intervenção das autoridades e com a falta de adesões suficientes que garantissem seu funcionamento. (3) Minsky (Op. Cit.), p. 8. A tradução é nossa. (4) Kalecki (1971: 78-79).

informação que a outra, a autoridade monetária não é capaz de monitorar totalmente o comportamento dos bancos comerciais e instituições financeiras. Sendo assim, à medida que o Banco Central emita sinais de que continuaria sendo o "emprestador de última instância" na ocorrência de uma crise, indiretamente estaria alentando o comportamento especulativo e até Ponzi dos intermediários financeiros, que passam a vê-lo como um "sócio oculto", que pode compartilhar os riscos. Esse é o fenômeno chamado de "risco moral", que invariavelmente está presente na gestação de crises financeiras. Além disso, também devemos considerar o papel dos possíveis erros de política monetária. Assim, na crise atual, a manutenção por parte do ex-presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan, de uma taxa básica de juros excessivamente baixa entre dezembro de 2000 e junho de 2004 (1%) é apontada como uma das causas básicas da crise financeira americana atual. Como posteriormente houve uma reversão da política monetária, aumentando a taxa básica a 5,25% a partir de então, atividades não produtivas, associadas às "bolhas", provavelmente começaram a enfrentar dificuldades, deflagrando a crise. Por outro lado, a análise de Minsky não considera a existência de outro efeito da informação assimétrica no mercado financeiro, o chamado "problema da agência", ou seja, o conflito de interesses entre acionistas e executivos do

A manutenção de uma taxa básica de juros excessivamente baixa entre dezembro de 2000 e junho de 2004 (1%) é uma das causas da crise financeira.

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Scott Olson/AFP

mercado financeiro, que também esteve presente na gestação da crise econômica atual. Kashyap, Rajan e Stein (2008) argumentam que existiu uma separação entre o desempenho dos executivos e funcionários dos bancos e os sistemas de controle de risco. Nesse sentido, como a remuneração dos altos executivos estava atrelada a seu desempenho relativo a outros executivos do mesmo setor, a superação das metas implicou na tomada de posições excessivamente arriscadas, sem que os acionistas dos bancos fossem capazes de monitorar essa situação. Além disso, devido à complexidade das operações com novos instrumentos de securitização, esses altos executivos enfrentaram dificuldades em controlar as ações de seus subordinados, pois não eram capazes de diferenciar se os maiores retornos eram fruto de sua maior habilidade ou se consistiam apenas numa compensação pelo maior risco assumido. Ainda segundo os autores anteriores, esse du-

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A remuneração dos altos executivos estava atrelada a seu desempenho relativo a outros executivos, a superação das metas implicou na tomada de posições muito arriscadas (...)

plo conflito de interesses terminou reduzindo o incentivo para que os bancos financiassem suas operações com emissão de ações, posto que o aumento do número de acionistas era associado a uma dificuldade ainda maior de monitorar o comportamento dos executivos. Sendo assim, o endividamento de curto prazo, geralmente assegurado por algum ativo, foi a alternativa de financiamento privilegiada pelos bancos. Também é importante notar que a abordagem desenvolvida por Minsky se distancia do próprio modelo keynesiano original, pois em sua "Teoria Geral" Keynes (Op. Cit.) nunca vaticinou nenhuma tendência auto-destrutiva do capitalismo, sendo a recessão apenas uma possibilidade e não um resultado inexorável. Nesse sentido, a intervenção do Estado na economia a partir da política fiscal se realizaria de acordo com o contexto: aumento de gastos públicos durante a recessão e redução de gastos públicos (ou aumento de impostos) se, ao contrário, a economia estiver operando próxima a sua capacidade instalada e persistirem pressões inflacionárias. De fato, num livro praticamente ignorado, escrito durante a Segunda Guerra Mundial, Keynes (1940) aconselha uma política fiscal contracionista via aumento de impostos para conter a acelaração do crescimento da demanda agregada na Inglaterra, devido ao esforço de guerra, que implicava em vultosas despesas por parte do governo. Sendo assim, uma análise mais detalhada do Modelo de Minsky nos revela várias omissões importantes, sendo necessária a consideração de modelos alternativos para explicar mais adequadamente a crise financeira global atual, e, ao mesmo tempo, conceber medidas e políticas econômicas que permitam mitigar seus efeitos. 4. De Volta ao Modelo Neoclássico: as Contribuições de Fisher e Simons A "Teoria Geral" de Keynes não foi o único modelo surgido durante a Grande Depressão que buscava dar uma explicação para as origens da crise econômica que se vivia. De fato, à diferença do modelo keynesiano, que baseava sua explicação na volatilidade das expectativas dos empresários, as abordagens surgidas a partir da obra de dois economistas neoclássicos contemporâneos do próprio Keynes colocaram o próprio mercado financeiro no centro da origem das flutuações econômicas, sem necessidade de supor nenhuma tendência auto-destrutiva. Uma dessas abordagens surgiu a partir da obra de Henry Simons, professor da Universidade de Chicago durante a Grande Depressão,


Philippe Desmazes/AFP

que publica no mesmo ano da "Teoria Geral" o artigo "Rules Versus Authorities in Monetary Policy" (5). Nesse artigo seminal, que, ademais, foi o precursor da idéia da conveniência do estabelecimento de regras na condução da política monetária, pedra angular do sistema de metas de inflação, Simons já chamava a atenção para os problemas que uma estrutura de ativos e passivos bancários concentrados no curto prazo pode gerar. Segundo ele, o fato do sistema bancário funcionar com reservas que são uma fração dos depósitos enseja uma instabilidade intrínseca: o banco possui passivos (os depósitos), não sujeitos a contingências, e ativos (as aplicações e os papéis financeiros), sujeitos a contingências. Desse modo, uma redução inicial do valor dos papéis financeiros, ao reduzir os ativos bancários, aumentaria o risco de insolMichael Dalter/Reuters

vência bancária, provocando novas reduções na medida em que os proprietários desses papéis começam a liquidá-los no mercado, o que novamente reduz o valor dos ativos bancários, realimentando o processo. Como forma de solucionar a instabilidade gerada pela estrutura patrimonial dos intermediários financeiros, o autor recomenda uma reforma no sistema financeiro, que minimize o endividamento de curto prazo, deixando nas mãos da autoridade monetária a capacidade de aumentar ou diminuir a liquidez de curto prazo. Contudo, a política monetária deveria ser realizada de acordo com uma regra e

(5) Simons (1936). (6) Simons (Op. Cit.), p. 30. A tradução é nossa.

A elevação da dívida em termos reais, associada à perda de valor dos ativos, reduziria a lucratividade das empresas e geraria uma situação de falências crescentes.

não depender da discricionariedade dos ocupantes de turno do Banco Central: "...Uma regra monetária baseada na estabilidade de algum índice de preços, preferivelmente um índice de preços de commodities produzidas de forma competitiva, parece oferecer a única promessa de solução para o presente caos monetário e as incertezas..." (6). Em termos da crise financeira mundial atual, a abordagem de Simons torna-se bastante adequada se atentarmos para o fato de que um número importante de bancos de investimento nos Estados Unidos e na Europa durante o período do boom econômico optaram por financiar suas operações a curto prazo, enquanto realizaram investimentos em setores, tais como o imobiliário entre outros, cujo retorno é naturalmente de longo prazo. Esse desbalanço patrimonial se agravou com o conflito de interesses entre acionistas das instituições financeiras, executivos financeiros e seus subordinados, como foi mencionado anteriormente. Além disso, provavelmente, as mudanças na regulação financeira que se seguirão à primeira etapa da atual crise deverão caminhar na direção proposta pelo referido autor, limitando-se as possibilidades de uma excessiva alavancagem das instituições financeiras no curto prazo, sem que se abandone a preocupação com a manutenção de reduzidas taxas de inflação a partir do começo da recuperação econômica. Por sua vez, a abordagem de Irving Fisher (1933), um dos maiores expoentes do pensamento neoclássico, chamada de teoria da deflação da dívida, anterior à própria "Teoria Geral" identifica as raízes da crise econômica numa situação que mistura excesso de endi-

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vidamento e deflação. Ainda que Minsky também tenha adotado em desenvolvimentos posteriores a teoria da deflação da dívida, o que faz com que erroneamente alguns autores lhe atribuam a autoria, ele a insere em seu arcabouço de instabilidade intrínseca do capitalismo, que como se verá, é muito diferente da exposição original de Fisher. Segundo esse autor, o "dinheiro fácil" é a grande causa do excesso de endividamento, e pode decorrer de novas oportunidades de investimento com grandes perspectivas de ganho, destacando-se as invenções e os avanços tecnológicos, dívidas de guerra, política monetária demasiado expansionista, sem descartar a existência de fraudes. Como pode ser notado, o paralelismo com a atual crise é muito grande, especialmente se consideramos, tanto a política monetária norte-americana praticada durante o período 2000-2004 mencionada anteriormente, quanto a política fiscal excessivamente expansionista da administração Bush, gerada a partir da Guerra do Iraque. A necessidade de financiamento dessa guerra e da permanência do exército norte-americano em solo iraquiano produziu um endividamento público sem precedentes, que contribuiu para o aumento da liquidez financeira mundial, na medida em que o resto do mundo – especialmente a China – funcionou como financiador indireto, a partir da aplicação de reservas internacionais em dívidas do Tesouro Norte-Americano. Além disso, na gênese de toda a crise financeira atual também não poderia ser descartado o papel das fraudes financeiras e da falta de ética, que começam recém a aparecer, na excessiva alavancagem do sistema financeiro. A análise de Fisher prossegue a partir do excesso de endividamento, onde um choque de confiança poderia gerar uma liquidação de dívidas em cadeia, que implicaria na venda acelerada de ativos (financeiros e reais), reduzindo seu valor. Essa liquidação de dívidas em cadeia reduziria a liquidez do sistema financeiro, diminuindo o consumo e, portanto, provocando queda dos preços. A deflação provocada realimentaria a crise, pois aumentaria a taxa de juros real, elevando paradoxalmente o endividamento, enquanto os agentes econômicos continuariam na tentativa de reduzi-lo. Essa elevação da dívida em termos reais, associada à perda de valor dos ativos, reduziria a lucratividade das empresas e geraria uma situação de falências crescentes, o que terminaria redundando em redução da produção, da renda e do emprego. Tudo isso,

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Win McNamee/AFP

O próprio presidente do Banco Central norte-americano, Ben Bernanke, em vários discursos e artigos acadêmicos, tem se referido à teoria da deflação da dívida de Fisher, inclusive estendendo-a para o caso de choques macroeconômicos.

ainda segundo o autor, geraria pessimismo e perda de confiança na sociedade, o que provocaria nova queda no consumo, iniciando todo o processo novamente. Fisher acreditava que num contexto assim caberia ao governo, via Banco Central ou Secretaria do Tesouro, produzir uma "reflação" da economia, ou seja, injetar liquidez na economia, contrabalançando, assim, essa tendência deflacionária: "... sempre é possível, do ponto de vista econômico, parar ou prevenir uma situação de depressão como essa simplesmente a partir da reflação do nível de preços, levando-os ao nível existente no momento da contratação das dívidas existentes... (Sendo assim), as autoridades econômicas – O Comitê do Banco Central e o Secretário do Tesouro ou, esperemos, uma Comissão Especial de Estabilização..." (7). Com relação à crise atual, vários analistas, tomando por base a abordagem de Fisher, alertaram para os perigos de um processo de deflação nos Estados Unidos e na Europa, que se materializaria após a instauração da recessão, conseqüência natural da contração de crédito e do reconhecimento das importantes perdas patrimoniais ocorridas. Além disso, toda a política de injeção de liquidez e de recapitalização das instituições financeiras levadas a cabo pelos Banco Centrais e Secretarias do Tesouro nos Estados Unidos e Europa guardam uma relação muito estreita com a abordagem e "terapêutica" propostas por Fisher. O próprio presidente do Banco Central norte-americano, Ben Bernanke, em vários discursos e artigos acadêmicos, tem se referido à teoria da deflação da dívida de Fisher, inclusive estendendo-a para o caso de grandes choques macroeconômicos (8). 5. Conclusões Uma análise mais detalhada da crise financeira atual, tanto em termos de suas causas, quanto em relação às medidas e políticas econômicas já realizadas pelos governos dos Estados Unidos e da Europa, permitirá concluir que a hipótese da fragilidade financeira de Minsky não é a abordagem mais adequada. Isso é assim, posto que tal hipótese se baseia na premissa não verificada de instabilidade intrínseca do capitalismo, contra a qual pouco ou quase nada pode fazer uma política econômi-

(7)

Fisher (Op. Cit.), p. 346 e 347. A tradução é nossa. (8) Bernanke (1983).


Brendan McDermid/Reuters

ca mais ativa, inclusive uma de tipo keynesiana. Além disso, segundo essa abordagem o Banco Central não teria nenhum papel na gênese da crise, o que contraria as evidências existentes com relação à crise atual. Por último, outro problema com o modelo de Minsky é a não consideração dos possíveis conflitos de interesses ao interior das instituições financeiras que, na prática, contribuíram para uma exposição excessiva ao risco. Por outro lado, as abordagens de dois proeminentes economistas neoclássicos contemporâneos do próprio Keynes, Fisher e Simons parecem ser muito mais adequadas para realizar uma análise da crise financeira atual, tanto em termos de suas origens, como também de seus possíveis desdobramentos e ações de política econômica recomendadas. Sua maior adequação se deve à ênfase do mercado financeiro como motor gerador da atual crise, sem necessidade de realizar nenhuma premissa arbitrária sobre instabilidade intrínseca do sistema. Além disso, os dois autores colocam na gênese da "bolha financeira" uma mistura de erros de política econômica, falta de ética e conflitos de interesses decorrentes da assimetria de informação natural dos mercados financeiros, fatores que reconhecidamente estiveram presentes na atual crise financeira global. No caso do Brasil, à diferença dos Estados Unidos e Europa, que parecem seguir na prática as abordagens de Fisher e Simons na análise da crise e no desenho de medidas e políticas para mitigá-la, nossas autoridades parecem comportar-se mais de acordo com Minsky, vendo na solução de seus efeitos internos o aumento permanente da participação do Estado no mercado financeiro.

Na gênese da crise estão erros de política econômica e falta de ética.

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Reprodução

A crise que abalou

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as várias obras disponíveis nas livrarias que se referem à crise econômica mundial desencadeada em 1929, apenas duas têm essa crise como tema específico; as demais, como veremos ao longo deste artigo, inserem a crise num contexto mais amplo, ou a referem de passagem. O primeiro trabalho a ser considerado pode ser visto como uma interessante introdução ao assunto para quem não tem maiores informações a respeito de 1929, já que é um livreto paradidático: "1929: A crise que mudou o mundo", do jornalista, sociólogo e professor paulista Jayme Brener (Editora Ática). A segunda obra específica sobre 1929, que será discutida em seguida ao livro de Brener, também é um livreto, "24 de Outubro de 1929 – a quebra da Bolsa de Nova York e a Grande Depressão", do historiador Wagner Pinheiro Pereira, pesquisador da Universidade de São Paulo e de universidades dos Estados Unidos e da Europa, publicado pela Companhia Editora Nacional e que teve a primeira edição es-

o mundo Por Renato Pompeu gotada em outubro último. Curiosamente, o livro do sociólogo Brener é mais histórico e factual, enquanto o trabalho do historiador Pereira é mais analítico e mais teorizante. Numa obra bem ilustrada com fotos da época e gráficos, Brener começa descrevendo a manhã de terça-feira, 29 de outubro de 1929, nas proximidades da Wall Street, a rua em que fica até hoje a Bolsa de Nova York. Mais de dez mil pessoas se amontoam nas vizinhanças, depois de vários dias de queda na cotação das ações em geral, em especial das ações das empresas mais importantes, como a General Motors, RCA, US Steel. A partir das 10 horas, quando começa o pregão, as ações continuam despencando, e são vendidas a qualquer preço. "Entre 11h15 e 12h15, ninguém compra nada, seja qual for o preço. O ticker, a barulhenta maquininha que permite aos investidores acompanharem de seus próprios escritórios as cotações, está 48 minutos atrasado. Assim, muita gente vende suas ações por muito menos do que imagina e só no dia seguinte terá idéia de quanto perdeu.

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"Fim da tarde. O desespero tornou-se agoEUA; isto é, eram proibidas a produção, venda nia. Cerca de 15 bilhões de dólares em papéis e consumação de bebidas alcoólicas. Um milhão de tinham virado fumaça. Junto ao prédio da BolA crise logo teve efeito global: "Em crise propessoas vagavam de sa, a multidão está atônita. Dezenas de polifunda, os norte-americanos perderam grande cidade em cidade, em ciais a cavalo estão a postos para evitar qualparte da sua capacidade de importar produtos busca de qualquer quer quebra-quebra". (café brasileiro, por exemplo). Os outros paítarefa, um bico, às vezes É ou não é uma boa introdução? Na imagises, de sua parte, deixaram de receber dólares, nação popular, a última semana de outubro de moeda forte que permitiria a importação, prinem troca de um simples 1929 ficou marcada como uma semana de suicipalmente, dos Estados Unidos. (...) Um caso prato de comida. cídios em massa, com executivos saltando de grave foi o da Grã-Bretanha, tradicional parO gângster Al Capone, janelas dos arranha-céus mais altos das proxiceiro econômico dos Estados Unidos. Antes da aliás, financiava um midades da Wall Street. Mas Brener adverte: crise, havia dois milhões de desempregados ‘sopão’ gratuito em "Os suicídios, na verdade, não foram tantos. E no país. Nos anos 30, a recessão e a resposta do o método mais usado não era o salto no vazio, governo inglês – que tentou enfrentar a falta de Chicago, que forneceu e sim a asfixia por gás". recursos cortando pela raiz os gastos com 120 mil refeições A crise ocorria ao fim de mais de uma décaobras públicas, empresas estatais, educação, apenas nas seis da de prosperidade crescente sem precedentes saúde e aposentadorias – elevaram a seis miprimeiras semanas. nos Estados Unidos, ou na história do planeta. lhões o número dos sem-trabalho". Na AlemaDe maior devedor do mundo antes da Primeinha, "no começo dos anos 30, quatro em cada ra Guerra Mundial (1914-1918), o país tinha ao dez trabalhadores alemães estavam sem emfinal do conflito passado a ser o maior credor. Apenas cerca de prego". Adolf Hitler, até então "um obscuro político de extrema três décadas após o nascimento da indústria automobilística, direita", estaria no poder em 1933. havia nas ruas e estradas americanas em 1929 um automóvel E o nosso país? "A queda da Bolsa de Nova York bloqueou para cada seis habitantes; na Europa, a proporção era de um por um bom tempo o maior mercado do café brasileiro, os Escarro para cada 84 habitantes. Prossegue Brener: "Entre 1899 e tados Unidos. Uma das conseqüências foi o enfraquecimento 1927, a produção de derivados crescera 780% no país; a indúsda oligarquia cafeeira, que abriu espaço para a Revolução de tria de máquinas, 562%. A gigantesca siderúrgica US Steel ope1930, liderada pelo gaúcho Getúlio Vargas. O novo governo orrava a 100% de capacidade; a Standard Oil (Esso, no Brasil) fesdenaria a destruição de 14,4 milhões de sacas de café entre tejou, em 1928, lucros três vezes superiores aos do ano anterior. maio de 1931 e fevereiro de 1933, para reduzir a oferta e assim Um operário metalúrgico ganhava em média US$ 3,28 por dia. elevar os preços no exterior". Na Grã-Bretanha, o salário médio no setor era de US$ 1,62 por Não foi por falta de aviso que a crise eclodiu. Um documendia e na Alemanha, de US$ 1,50". to do Fed, o banco central americano, avisa no início de 1929: "Os Estados Unidos não tardarão a ver o fim da pobreza", "Durante o último ano, o sistema Fed enfrentou problemas por havia dito, pouco antes da deflagração da crise, o presidente conta do excessivo volume de crédito do país que vem sendo americano, Herbert Hoover. Mas assinala Brener: "Apenas absorvido por empréstimos especulativos". Na mesma época, trinta dias após a ‘terça-feira negra’ de 29 de outubro, as a Associação Nacional dos Industriais dos EUA anotava: "Leações da Bolsa de Nova York haviam perdido 40% de seu vavando em conta praticamente todos os bens que a América polor. Milhares de especuladores estavam na miséria. Mas era de fabricar, ela está produzindo entre 15% e 30% a mais do que só o começo. Em 1932, um em cada quatro americanos não sua capacidade de consumo, aliada aos mercados disponíveis teria trabalho e as fábricas de automóveis de Detroit – que em no exterior. É razoável dizer que, em geral, uns 40% de todas as 1929 não davam conta dos pedidos – estariam operando com fábricas estão operando com prejuízo". menos de 20% de sua capacidade. Nas siderúrgicas, a proConclui Brener: "Os norte-americanos perceberam, após o dução cairia 88%". crash, que a febre do dinheiro fácil não tinha bases sólidas, já Em 1933, o desemprego nos EUA atingia 13,5 milhões de que a economia de verdade – as fábricas, as fazendas – comepessoas, das quais 1 milhão só na área urbana de Nova York. Os çava a patinar. Assim, a quebra das Bolsas funcionou como que continuavam empregados nas indústrias ganhavam em um gigantesco acelerador para a recessão que já vinha se média metade dos seus salários de outubro de 1929. Relata Breaproximando". ner: "Um milhão de pessoas vagavam de cidade em cidade, em É então que, em 1932, é eleito presidente da República "o busca de qualquer tarefa, um bico, às vezes em troca de um aristocrata dos trabalhadores", Franklin Delano Roosevelt, simples prato de comida. O gângster Al Capone, aliás, finandemocrata, ex-governador de Nova York. Conta Brener que ciava um ‘sopão’ gratuito em Chicago, que forneceu 120 mil esse descendente das primeiras famílias que colonizaram refeições apenas nas seis primeiras semanas de funcionamenNova York no século 17, de origem holandesa, "teve forças to. Em 1932, no auge da crise, uma média de quarenta bancos para executar o trabalho de construção de um capitalismo faliam por dia em todo o país. A cada Natal, a polícia nova-iormais ‘popular’. Deu início ao mais importante programa de quina prendia dezenas de pessoas, que arrebentavam vidraobras públicas da história dos Estados Unidos, reaqueceu a ças das delegacias em busca de uma cama quentinha no xamáquina da economia e acertou um golpe mortal nos dogdrez". Cumpre notar que, na época, vigorava a Lei Seca nos mas do ultraliberalismo". Observa Brener que "o economista

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britânico John Maynard Keynes (18831946) – que, apesar de anticomunista, era um crítico áspero do ultraliberalismo – forneceu a base teórica para o New Deal ("Novo Acordo") de Roosevelt e terminou dando origem a uma importante corrente de análise econômica: o keynesianismo. Assessor do governo britânico nos anos 30, ele defendia maciços investimentos estatais para tirar o país da crise pós-1929". Roosevelt, logo após ter tomado posse em março de 1933, ressuscitou uma lei dos tempos de guerra que lhe dava "autoridade absoluta sobre os bancos privados" e criou a Administração Nacional de Recuperação, que fomentou até 1941 oito milhões de novos empregos, com os trabalhadores nesse período construindo ou reformando "2.500 hospitais, 5.900 escolas, 13 mil locais de lazer, mil aeroportos e uma infinidade de pontes e barragens". Já a Administração Nacional para o Ajuste Agrícola "dava estímulos em dinheiro aos fazendeiros que reduzissem sua produção", para aumentar os preços que haviam sofrido queda brusca. "Só em 1933 foram destruídos quatro milhões de fardos de algodão e 20% da colheita de trigo e abatidos seis milhões de porcos, entregues em seguida às famílias pobre". Pela nova Lei de Reconstrução Industrial, foi liberada a associação das grandes empresas para partilhar o mercado, o que antes era considerado anátema: "As empresas estabeleceram cotas de produção, reduzindo assim a selvageria da concorrência. Isso deteve o tombo dos preços de produtos industrializados e também a queda dos salários". Por tudo isso, e pelo estímulo que deu à sindicalização de trabalhadores – um de seus esteios políticos (nos quatro anos de seu primeiro governo o número de sindicalizados passou de três milhões para sete milhões) – Roosevelt foi acusado de "socialista" pelos liberais. Mas em todo o mundo a resposta à crise e à depressão foi o intervencionismo estatal, nem sempre democrático como nos EUA. Para não falar na Alemanha Nazista, na América Latina ocorreu "uma temporada de rebeliões e golpes militares em quase todos os países. Os novos chefes de Estado adotaram um

estilo autoritário e ampliaram a participação do Estado na economia, suprindo as lacunas deixadas pela crise das exportações e dos investimentos externos. Foi assim com Getúlio Vargas no Brasil, Victor Haya de La Torre no Peru, Germán Busch na Bolívia, López Contreras na Venezuela e, nos anos 40, Juan Domingo Perón, na Argentina. Esses governantes constituíram poderosas estruturas econômicas estatais, criando ainda leis sociais modernizantes (como o salário mínimo e a reforma agrária), às quais as velhas oligarquias agroexportadoras se opunham". Brener fala em "outras saídas para a crise": na Itália, o regime fascista se tornou ainda mais autoritário e intensificou seu estatismo militarista; na Grã-Bretanha houve uma hesitação entre os cortes nos gastos públicos e um modelo de New Deal, mas se manteve a democracia; na Alemanha, os nazistas tomaram o poder e adotaram suas próprias soluções estatistas para a crise, que asseguraram uma recuperação para a combalida economia alemã, tanto por um programa ambicioso de obras públicas, como as famosas auto-estradas do país, como por um programa não menos ambicioso de rearmamento. Como desenlace, conclui Brener, tivemos a Segunda Guerra Mundial. Já o livreto de Wagner Pinheiro Pereira, "24 de Outubro de 1929", conta a mesma história de um ponto de vista mais teórico. Diz Pereira: "Em 1929 irrompeu nos Estados Unidos mais uma das crises periódicas que vinham ocorrendo nos países industrializados desde o século 19. Como as anteriores, a crise iniciada em 1929 foi marcada pela superprodução e pelo subconsumo, propagando-se dos países centrais para a periferia do mundo capitalista". E, mais adiante: "As causas das crises periódicas do capitalismo têm sido objeto de estudo de várias escolas de ciência econômica. Uma das explicações mais correntes destaca que as crises teriam

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origem no fato de a taxa de lucros ser invercas, aspiradores de pó e rádios". Anota Pereira: samente proporcional à taxa de salários. À "Os rádios, praticamente inexistentes em 1920, Os industriais medida que a taxa de lucros aumenta de foratingiram 13 milhões de unidades em 1929". O compreenderam a ma contínua, cria-se a seguinte situação: os cinema também se desenvolveu rapidamente, necessidade de empresários detentores dos capitais abrem os filmes "estabeleciam a moda dos trajes, dos reduzir a produção, novas fábricas, utilizam novas técnicas, promóveis da casa, dos jogos e até mesmo da vida ampliaram o duzem mais e lançam novos produtos no conjugal e familiar, e a natureza humana pasmercado. Contudo, o crescimento do mercasou cada vez mais a adaptar-se à arte comerdesemprego, do consumidor não acompanha, nem no mescial". Mais particularmente, a Bolsa de Nova restringindo ainda mo ritmo, nem na mesma proporção, o cresYork, "transformada em cassino e coqueluche mais o consumo. cimento da oferta, visto que a apropriação de da época, vivia dias de euforia". Entrava-se num lucro pelo capitalista se dá, precisamente, em Nesse cenário tão luminoso, havia, porém, círculo vicioso e não detrimento do trabalhador assalariado. Essa sombras, assinala Pereira. A agricultura, que contradição básica do capitalismo manifestacrescera rapidamente com a mecanização, a irse encontravam se, imediatamente, na forma de crise de surigação intensiva, e o uso de defensivos, já coalternativas reais, perprodução. É preciso destacar, todavia, que meçou a enfrentar problemas em 1925, com a pois a crise, no superprodução não significa produção de queda nos preços e a concorrência de países fundo, era estrutural bens de consumo além da capacidade de conmenos desenvolvidos, como a Argentina, sumo de uma determinada sociedade. Ao Uruguai, Austrália, Nova Zelândia. Os fazencontrário, tem um sentido bem especial no cadeiros americanos passaram a estocar grãos pitalismo: trata-se do momento em que o capitalista não conem silos, passando a depender do setor financeiro, o que gerou segue vender o seu produto com o mesmo lucro. Superproespeculação. Fazendeiros ficaram endividados com os bancos, dução significa, pois, o declínio da taxa de lucro do capitalishipotecaram suas propriedades; com os preços de seus produta, que então é obrigado a reduzir o investimento e dispensar tos continuando a cair, muitos ficaram arruinados. mão-de-obra, quebrando-se assim o ciclo da auto-reproduParalelamente, o empresariado americano, que havia inção do sistema, o que, fatalmente, desorganiza o mercado". vestido maciçamente na reconstrução da Europa, afetada Essa explicação é, no mínimo, controvertida. Em todo caso, pela Primeira Guerra Mundial, passou a se assustar com o Pereira prossegue ilustrando a primeira fase do ciclo, a de excrescimento dos movimentos de esquerda e de direita em dipansão, detendo-se na figura de Henry Ford em particular e na ferentes países europeus, e passou a repatriar seus capitais indústria automobilística americana em geral: para os Estados Unidos. Com isso, a Europa passou a com"Indubitavelmente, o maior símbolo de prosperidade da prar menos dos EUA. Diz Pereira: "Os industriais compredécada de 1920 foi o automóvel. O empresário norte-americaenderam, então, a necessidade de reduzir a produção. Ao fano Henry Ford, de Detroit, tomara consciência, no início do sézê-la, ampliaram o desemprego, restringindo ainda mais o culo 20, da importância ilimitada que teria o automóvel num consumo. Entrava-se num círculo vicioso e não se encontrapaís tão extenso como os Estados Unidos. A sua idéia era simvam alternativas reais, pois a crise, no fundo, era estrutural". ples: produzir veículos em série, potentes e baratos, para os Pereira distingue a crise estrutural da crise financeira, que norte-americanos. Assim apareceu no mercado seu modelo T eclodiu em outubro de 1929: – o Tin Lizzy –, inspirado no princípio, cada vez mais difun"A crise de Wall Street, embora estimule mais as imaginadido entre a população, de que time is money ("tempo é dinheições devido aos relatos de banqueiros suicidas, constitui ro"), isto é, que tudo devia marchar a grande velocidade, a fim apenas um episódio: tocou um número relatividade limitade se obterem os maiores lucros. do de pessoas e acabou um mês depois de começar, ou seja, "Ford adaptou à indústria automobilística o sistema utilizaem novembro do mesmo ano. A crise econômica e produtiva do nos matadouros de Chicago, tendo construído a primeira empobreceu e fez sofrer dezenas de milhões de pessoas, prolinha de montagem e produzido uma quantidade apreciável longou-se por mais de um decênio e resolveu-se somente de carros populares. Afinal, o novo modelo T havia sido calgraças à ofensiva sobre a produção, possibilitada por um reculado de maneira a poder ser adquirido, a preço acessível, pemédio pior que a doença: a guerra". (Aqui, Pereira se refere à lo maior número possível de compradores. A fabricação em séSegunda Guerra Mundial.) rie diminuía o custo do automóvel e, além disso, utilizando toPereira se detém sobre a especulação financeira, ao ponto de do o seu talento para os negócios, Ford despertou o interesse entrar em detalhes técnicos. Em todo caso, assinala que, desde de uma nova e poderosa categoria de clientes, constituída por 1924, "em quatro anos, portanto, as ações aumentaram seu vaoperários e empregados, através de medidas revolucionárias, lor em mais de 300%". E pondera que, em meio à febre especomo elevar a remuneração horária de seus operários de 2,5 culativa que, segundo o escritor F. Scott Fitzgerald, atingia até para 5 dólares. Em 1909, já produzia 10 mil carros por ano, a 950 garçons, "poucos pararam para pensar que a produção indusdólares cada um; em 1920, a produção anual era de 2 milhões trial norte-americana não crescera proporcionalmente e que as de carros, a 295 dólares por unidade". ações, portanto, estavam tendo um aumento artificial; que, em Esse boom se repetiu com outros produtos lançados na éposubstância, alguma coisa deixará de funcionar e Wall Street ca: "geladeiras, fogões, máquinas de lavar, torradeiras elétrisoltara os pés da terra".

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Houve várias advertências de que as coisas não iriam continuar como estavam, mas o jornal The New York Times foi "o único jornal que se manifestava havia vários meses com advertências sobre a banalização do mercado financeiro. No dia anterior à quebra da bolsa de valores fez a seguinte constatação: ‘Jogar no mercado de ações se tornou o maior passatempo norte-americano’". Continua Pereira: "Um caso curioso ilustra a banalização do mercado financeiro. Contase que, uma semana antes da ‘quinta-feira negra’, o milionário John D. Rockefeller ouviu uma dica ‘quente’ sobre o sobe-e-desce das ações de ninguém menos que seu engraxate. No mesmo dia, Rockefeller ordenou a venda de boa parte de seus papéis, dizendo que ‘se o garoto que lustra seus sapatos está sabendo tudo sobre o mercado, então há algo muito errado acontecendo’". No dia 21 de outubro, uma segunda-feira, "foram vendidos 6 milhões de ações, uma cifra muito elevada, mas, em si, não dramática. Só que as vendas aconteceram em baixa contínua" e "ao término das operações, os valores estavam todos em baixa". No dia seguinte, terça-feira, os preços não subiram e, "na quarta-feira, a situação não se corrigiu: fizeram-se milhões de vendas, a preços sempre declinantes". Até que veio a "quintafeira negra", 24 de outubro de 1929: "Wall Street estava tomada pela loucura. A multidão fazia fila no setor reservado ao público e densos aglomerados se reuniam do lado de fora do edifício". Uma massa de títulos "passavam freneticamente de mão em mão". Foi a derrocada: "Ao meio-dia veio a ordem de suspender os contratos. Naquela hora, os homens mais poderosos das finanças norte-americanas (presidentes de bancos, dirigentes de bolsa, financistas e grandes acionistas) reuniram-se em caráter de emergência nos escritórios de J.P. Morgan & Co. A reunião durou aproximadamente duas horas. No final, decidiu-se assentar 30 milhões de dólares para um ‘sustento organizado’. Dissolvida a reunião, Richard Whitney, vice-presidente da bolsa, entrou na sala de transações de Wall Street e, lentamente, para que todos o notassem, aproximou-se

da banca onde se viam os títulos metalúrgicos. Pediu 10 mil ações da Steel Corporation (a maior indústria norte-americana do aço), que abrira a 205,5 dólares de manhã e estava, naquele momento a 193,5, e ofereceu 255 dólares por ação. Continuou, depois o seu giro, adquirindo vistosamente grandes quantidade de uma quinzena de açõeschave. Os resultados foram positivos: entre o público espalhou-se a convicção de que ‘os banqueiros salvam a bolsa’ e isso trouxe um pouco de confiança. No fechamento, os valores haviam, no geral, subido até os mínimos, embora houvessem perdido, em média, 12 pontos no índice industrial. Entre sexta-feira e sábado houve pequenas quedas. No domingo, apareceram artigos tranqüilizadores nos jornais e severos sermões foram proferidos nas igrejas: o crash da bolsa era a ‘punição divina’ para os que haviam perdido de vista os valores espirituais". Assinala Pereira: "Na segunda-feira, 28 de outubro, à abertura da bolsa, os agentes foram obrigados a lançar no mercado quantidades não habituais de ações postas à venda, (...) com perdas ainda mais graves". No dia seguinte, a "terça-feira negra", 29 de outubro, "desabaram também as ações de negócios estáveis. A explicação para esse fato aparentemente anômalo é fácil, embora um pouco complexa. Tentemos esclarecê-la. No mercado, em substância, estão ações que continuam correspondendo a alguma coisa de concreto – ou seja, a uma fração da indústria, casas ou terrenos. Essas ações continuam tendo um valor, embora diminuído. Mas há também ações que não correspondem praticamente a nada. O caso mais típico é constituído pelas sociedades administradoras de capitais (investments trusts), que entraram em moda entre 1928 e 1929. As ações desses trustes correspondiam a particulares de uma sociedade, cuja finalidade era administrar, presumivelmente no interesse dos clientes, ações de terceiros. Tudo seria claro e honesto se cada um dos

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membros desses trustes tivesse ações de valor Essa era de ouro entrou em colapso a partir da proporcional ao dos títulos em seu próprio noPrimeira Guerra Mundial, mas o pior ainda esEconomias que se me. Na realidade, porém, a quantidade de tava por vir. A Grande Guerra, como era chamafascinam a um ponto ações que levavam seu nome era muitas e muida, foi considerada "a guerra para acabar com toextremado com a tas vezes superior à reserva que os trustes realdas as guerras" e havia outras esperanças no ar: possibilidade de obter mente possuíam". novas indústrias e novas corporações se translucros trocando papéis Prossegue Pereira: "Entre essas ações estaformaram em novas empresas multinacionais. vam aquelas que, logicamente, perderiam Nos Estados Unidos, por exemplo, as grandes vivem numa quimera mais; às vezes até 99% do valor. Bancos e granmontadoras de automóveis deixaram de ser perigosa. Se tornam uma des financeiras, que precisavam recuperar o líapenas montadoras de peças fornecidas por oubomba-relógio quando quido, não podiam, portanto, revender as ações tras empresas menores; passaram a comprar os se esquece a verdadeira das sociedades administradoras de capitais refornecedores e a reuni-los em gigantescos conrazão das bolsas de duzidas a zero; e foram obrigadas a liquidar do glomerados (por exemplo, a GM comprou a fápróprio bolso as únicas ações que ainda ‘resisbrica de baterias Delco), controlando todo o provalores e passam a ver tiam’", de empresas sólidas, como a General cesso produtivo e mesmo comercial, desde a minelas uma impossível Electric, Steel Corporation, Westinghouse – asneração e o cultivo de seringueiras para borracha máquina de fazer sim, os "títulos sérios", em meio à "grande oferta até as vendas a varejo. Além disso, seus grandes dinheiro o tempo todo. e pouca procura", também despencaram. Reacionistas passaram também a deter grande parsultado: "só em 1937, o volume material da prote das ações de outros ramos, em outros países. dução voltou às quantidades de 1929, e o valor Esse boom terminou em 1929, que signifidessa produção, em dólares, permaneceu inferior ao de 1929 até cou também o abandono do padrão ouro, a começar de seus 1941", ano em que os Estados Unidos entraram na guerra. sustentáculos, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos; o capiEm seguida, por páginas e mais páginas, Pereira retraça, talismo global também entrou em colapso, pois os diferentes com detalhes mais vívidos, a trajetória da Grande Depressão e países passaram, para se proteger da crise, a rumar "em dido New Deal, esboçada acima a partir do relato mais sucinto de reção à autarquia". Nos capítulos "Schacht e os nazistas reBrener, e analisa diferentes explicações, sem tornar nenhuma constroem a Alemanha", "As políticas econômicas autárquicomo definitiva. Ao final, diz: "Cabe concluir, portanto, que a cas" e "A Europa se volta para a direita", Frieden, depois de crise deixou uma lição significativa: economias que se fasciassinalar que a crise foi atribuída largamente ao que se julnam a um ponto extremado com a possibilidade de obter lugava um descontrole provocado pelas práticas liberais cláscros trocando papéis vivem numa quimera perigosa. Os mersicas, mostra que a solução encontrada, na Europa Central, cados financeiros, certamente, são instituições úteis, fazem Mediterrânea e Leste, foram regimes autoritários de direita, parte da própria estrutura do capitalismo e desempenham ou mesmo plenamente fascistas e nazistas, com a intervenfunções indispensáveis na canalização de recursos para ativição do Estado ocorrendo sem a manutenção das instituições dades produtivas. Tornam-se uma bomba-relógio, porém, democráticas. Na Alemanha, o grande introdutor desses quando pessoas, empresas e governos se esquecem da verdacontroles estatais foi o grande empresário e grande econodeira razão de ser das bolsas de valores e passam a ver nelas mista Hjalmar Schacht, que se aliou a Hitler uma impossível máquina de fazer dinheiro o tempo todo ou E Frieden demonstra como, ao contrário, em outros países imum instrumento destinado prioritariamente à especulação". portantes, em particular na Suécia e nos Estados Unidos, triunOs outros livros disponíveis nas livrarias que se referem à crifou a social-democracia inspirada no economista inglês Keynes, se de 1929 se diferenciam dos livretos de Brener e de Pereira por nos governos de Roosevelt nos EUA e do Partido Social-Demoserem muito maiores, por não se referirem especificamente à cricrata na Suécia. Ou seja, enquanto nos regimes de direita as sose de 1929 e à Grande Depressão, mas as mencionarem de pasluções de intervenção estatal para garantir encomendas de sagem, e por serem de leitura muito mais exigente, já que são obras públicas e de armamentos de guerra, para garantir empreobras muito mais teóricas do que factuais. Deles, o mais encorgos, salários e preços, implicaram na restrição das liberdades pado e talvez o mais informativo é "Capitalismo Global – Hispúblicas, com tanto os setores empresariais quanto os trabalhatória Econômica e Política do Século XX", do economista da Unidores sob rígido controle estatal, na Suécia e nos Estados Unidos versidade de Harvard Jeffry A. Frieden, publicado no Brasil pela as intervenções estatais nas mesmas esferas, com menor ênfase Zahar – Jorge Zahar Editor. Basicamente, Frieden analisa o pronas encomendas bélicas, se deram com a manutenção e ampliacesso de globalização do capitalismo, iniciado em fins do século ção das liberdades democráticas. (Na União Soviética, se con19, até chegar aos dias atuais. Ele mostra como a chamada Era de cretizava uma terceira versão do estatismo, mais radical, com Ouro do capitalismo, em especial de 1896 a 1914, merece o nome praticamente a eliminação da iniciativa privada na economia). por duas razões: de um lado, "o capitalismo global triunfante", No horizonte, já se vislumbrava a Segunda Guerra Mundial. de outro, o "fortalecimento do padrão ouro". Então houve uma Outro livro que aborda a crise de 1929 num contexto mais amfase de grande e rápido desenvolvimento econômico, segundo plo é "História dos Estados Unidos – das Origens ao Século XXI", os padrões do liberalismo clássico: o livre comércio e a livre condos autores brasileiros Leandro Karnal, Luiz Estevam Fernandes, corrência em termos internacionais, com o Estado praticamente Marcus Vinícius de Morais, e do canadense Sean Purdy, radicado só intervindo como guardião do ouro e da moeda. no Brasil, todos historiadores de universidades do País, publica-

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do pela Editora Contexto. Purdy é que trata da "crise econômica" e dos "tempos duros"; descreve o New Deal e dá ênfase à chamada "resposta de baixo", ou seja, à cultura de protesto dos anos 1930, numa fase em que escritores e artistas em geral eram muito influenciados pelo Partido Comunista dos Estados Unidos. Do historiador americano John Lukacs é o livro "Uma Nova República – História dos Estados Unidos no século XX", também publicado por Jorge Zahar Editor. Lukacs classifica o século 20 como "o século do automóvel", o grande símbolo do desenvolvimento material dos Estados Unidos. Sobre a crise de 1929, sua principal constatação é de que "a Depressão, em seu pior momento, significou uma crise de confiança nas instituições financeiras da nação. Não significou um crise de confianças nas instituições políticas da República", apesar da "tensão sobre o tecido social do povo norte-americano". Finalmente, o tema da crise de 1929 é abordado de passagem numa obra clássica, originalmente publicada em 1939 e que deu origem à disciplina de Relações Internacionais nas

universidades de todo o mundo – "Vinte anos de crise – 1919-1939", do historiador inglês E.H. Carr, lançada pela Editora Universidade de Brasília-Instituto de Pesquisas Internacionais. Carr compara a realidade factual do conflito entre os interesses dos vários governos e dos vários Estados com a doutrina vigente na diplomacia e na teoria econômica sobre a "harmonia de interesses", mais exatamente a doutrina de que, como na teoria do livre mercado, na arena internacional podem ser criados mecanismos que fomentem ao mesmo tempo os interesses de cada Estado e o interesse geral de todos eles, por meio de ajustes automáticos, do mesmo modo que ocorreria no mercado. Julgava-se que a guerra ocorria por falta de informação e de consciência ocasionada pela ausência de livre curso das idéias, que levara à Primeira Guerra Mundial por causa de uma visão estreita. A doutrina da "harmonia de interesses" dizia que, findo esse conflito, a paz seria assegurada pelo livre fluxo de bens e idéias. O livro de Carr e a história mostraram que não era bem assim.

Os norte-americanos não tardaram a perceber, após o crash, que a febre do dinheiro fácil não tinha base sólida, já que a economia de verdade começava a patinar.

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O Crash, a quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929, teve reflexo no mundo todo. O desemprego nos EUA atingiu 13,5 milhões de trabalhadores. A crise ocorria ao fim de mais de uma década de prosperidade crescente sem precedentes nos EUA ou mesmo no mundo.

No fim da tarde da terça-feira negra, o desespero chegou ao ápice: mais de 15 bilhões de dólares em papéis tinham virado fumaça em questão de horas. A polícia toma conta da cidade para evitar a ação de depredadores.

Manhã de 29 de outubro de 1929, que ficou conhecida como terça-feira negra: uma multidão se aglomera nas proximidades de Wall Street para acompanhar as cotações de grandes empresas, que despencam. Era a fase mais aguda da crise.

AFP

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AFP


A produção industrial norte-americana não cresceu proporcionalmente ao valor das ações, infladas artificialmente.

AFP

Apenas 30 dias após a terça-feira negra, as ações da Bolsa de Nova York haviam perdido 40% de seu valor. Milhares de especuladores estavam na miséria, mas isso era apenas o começo da crise, que durou décadas.

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Jogar no mercado de ações se tornou o maior passatempo dos norte-americanos. Até engraxates aconselhavam clientes.


Reprodução

AFP

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Bolsa de Valores de Nova York, outubro de 1987: registrada a maior queda do índice Dow Jones em apenas um dia, impressionantes 22,6%.

AFP

Bolsa de Valores de Nova York em outubro de 1929: Wall Street enfrentou sua primeira grande crise. Investidores faziam fila no setor reservado e do lado de fora, milhares de pessoas se aglomeravam. Bolsa de Valores de Nova York, outubro de 2008: ninguém sabe a extensão da crise atual, mas há semelhanças com as crises anteriores.

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Fotos: AFP

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Lee Jae-Won/Reuters

Crise financeira ou do sistema? Karl Marx e John Maynard Keynes mandam lembranças...

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Henrique Rattner Professor titular (aposentado) da FEA/USP e da EAESP/FGV, foi fundador da ABDL e diretor do Programa LEAD no Brasil. Atualmente é consultor na Divisão de Economia e Engenharia de Sistemas do IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas.


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pânico que tomou conta do mercado financeiro norte-americano contagiou em todos os países do mundo, causando angústia e desespero a centenas de milhões de pessoas, que observam atônitos o derretimento de suas economias e, nos Estados Unidos, a perda de seus lares. O sistema financeiro mundial está destroçado e leva a economia "real", produtiva, a uma depressão comparável apenas à da década dos anos vinte. Dos Estados Unidos, a crise atravessou o Atlântico, atingindo os países da União Européia, a Rússia e prossegue em sua onda avassaladora até a Índia e os países do Extremo Oriente. Assusta não somente a extensão geográfica do desastre, mas sobretudo seus profundos impactos no sistema econômico. Devido a suas raízes nos mercados financeiros, a crise penetra e perverte os negócios, as empresas e o precário equilíbrio entre a oferta e a demanda de bens e serviços. A perda de liquidez de vários bancos americanos, da maior seguradora do mundo e de duas grandes empresas imobiliárias – Fannie Mae e Freddie Mac – obrigou o Tesouro norte americano a tentar estancar a crise do sistema, injetando um "pacote" de 700 bilhões de dólares para acalmar a população e restaurar a credibilidade dos bancos. Ademais, o Banco Central e os governos dos países europeus baixaram as taxas de juros e abriram seus cofres para socorrer as instituições financeiras falidas. Em vão, pois a crise continua a se alastrar como um "tsunami", deixando em seu rastro os destroços do até então orgulhoso "livre mercado", de joelhos, implorando pela ajuda do Estado. Caiu por terra a doutrina do neoliberalismo e os arautos do "Fim da História" logo após o desmoronamento da ex-União Soviética, emudeceram, perplexos e confusos diante da extensão dos estragos. A falta de crédito impacta as atividades produtivas, causando desemprego e queda de consumo, o que, num círculo vicioso retroalimentador, diminui ainda mais as atividades produtivas, apesar da queda vertiginosa dos preços de petróleo e das commodities. Inevitavelmente e apesar das declarações patéticas do presidente e do ministro da Fazenda do Brasil sobre a imunidade do País frente à tormenta que assola o mundo, a crise afeta os planos de crescimento do Brasil, que venderá menos a seus parceiros comerciais e receberá menos pelos produtos exportados, já que o real perde valor em relação ao dólar, afe-

Fotos: Jason Reed/Reuters

tando a balança comercial e, em seguida, o balanço de pagamentos, o que reduzirá rapidamente as reservas em moeda forte do País. Acrescentando a diminuição drástica do crédito às empresas, o nível de atividades econômicas tende a cair e assim, também, o nível de emprego e de renda dos trabalhadores. O "Keynesianismo" tardio, ou seja, a expectativa generalizada para que o Estado venha a socorrer o sistema financeiro em frangalhos, embora possa resultar em um alívio passageiro dos efeitos da crise, não parece mais em condições de assumir esse papel de "deus ex machina", de salvador, como foi o "New Deal" de Roosevelt, nos anos trinta do século passado. Após trezentos anos, durante os quais o Estado decidia, regulava, mandava e desmandava nos destinos dos povos, ele perdeu sua força frente ao capital transnacional, concen-

A perda de liquidez de vários bancos de duas grandes empresas imobiliárias – Fannie Mae e Freddie Mac – obrigou o Tesouro americano a injetar um pacote de 700 bilhões de dólares.

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José Cruz/ABr

Kevin Lamarque/Reuters

Os governos não se atrevem a apontar os responsáveis pela calamidade; permanecendo passivos, perdem a credibilidade perante suas populações.

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trado nas mãos de algumas centenas de conglomerados industriais e financeiros, que manipulam os mercados, especulam e realizam suas operações via redes eletrônicas e satélites, muito mais ágeis e eficientes do que a lenta burocracia das administrações públicas. A doutrina neoliberal exigiu o "encolhimento" do Estado, a privatização de suas empresas e a liberdade ilimitada para a iniciativa privada, incluindo a especulação com o câmbio e os "novos produtos", os derivativos e fundos de investimento, que não tinham lastro real para cobrir a expansão vertiginosa do sistema financeiro. O resultado dessa "liberdade" que permitiu aos executivos das instituições financeiras falidas o recebimento de prêmios no valor de centenas de milhões de dólares pela eficiência com que souberam burlar a confiança da população e apropriar-se de verdadeiras fortunas bancadas, em última análise, pelo contribuinte, está a exigir um procedimento jurídico que sancione adequadamente esses atos de delinqüência. Enganam-se aqueles que procuram mini-

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mizar os efeitos da crise financeira que varre o mundo. A tão aclamada globalização da economia tem derrubado as fronteiras geográficas e políticas para que o capital possa realizar suas operações financeiras em escala global, por meio de tecnologias modernas, multiplicando seus lucros de forma inédita na história. O total do PMB – Produto Mundial Bruto é estimado em 45 trilhões de dólares. Mas, a ciranda financeira, alavancada pela especulação, por derivativos e outros produtos de criar "passivos" financeiros atualmente circulando pelos mercados, ultrapassa 450 trilhões de US dólares. Bastava o estouro da "bolha" do mercado imobiliário norte americano para detonar uma reação em cadeia de quebras , falências e inadimplências, que arrastaram em seu séquito todo o sistema financeiro no mundo. É ilusória a hipótese de que os estragos ficarão restritos somente ao sistema bancário. Inevitavelmente, a economia real, a produção e o emprego, o comércio exterior e as taxas cambiais já estão sendo atingidos pela avalanche que pôs fim a uma era delirante de desenvolvimento e "progresso" ilimitados. A crise revela a face cruel do sistema, que causa a perda de empregos, casas, poupanças e esperanças de um futuro melhor para a maioria da humanidade. Enquanto a onda de especulação contribui para concentrar ainda mais riquezas nas mãos de uma minoria ínfima, a metade da população mundial vive na pobreza e um quinto subsiste com menos de US$ 1 por dia. As organizações internacionais – FMI, BM., BIRD, OMC – se revelam inoperantes e impotentes para estancar as perdas de centenas de bilhões de dólares das diferentes economias nacionais. Os governos não se atrevem a apontar os responsáveis pela calamidade e, permanecendo passivos, perdem a credibilidade perante suas populações. Em vão, os chefes de Estado lançam apelos à união e adoção de medidas de socorro ao sistema financeiro, pelo menos nos espaços integrados como a União Européia, a NAFTA, o Mercosul e outros – a crise é sistêmica e afeta a todos com impacto redobrado. Nem o dólar, nem o euro, nem o yen e as demais moedas das economias consideradas mais fortes têm dado sinais de maior solidez. Bancos e instituições financeiras faliram e foram adquiridos pelo Estado, para evitar uma corrida generalizada da população para retirar suas poupanças, pelos governos da Grã Bretanha e dos Estados Unidos, pondo fim ao mito de "livre empre-


sa", do empresário inovador e da superioridade dos mercados, premidos pela necessidade de intervenção salvadora do Estado, com profundas implicações para as estruturas políticas e sociais nos anos vindouros. A problemática, contudo, transcende as dimensões econômicas e financeiras e coloca a questão fundamental sobre a natureza da sociedade e os padrões éticos que devem reger o convívio social. O fracasso do socialismo "real", que foi a primeira experiência histórica de construir um sistema político e econômico alternativo ao capitalismo selvagem, não redime este de suas mazelas, ou seja, a desigualdade gritante e a miséria de centenas de milhões de pessoas, exploradas e alienadas, vítimas de crises econômicas recorrentes e das duas hecatombes das guerras mundiais, no século passado. Por outro lado, o socialismo democrático não pode ser a obra de uma minoria – o partido "revolucionário" que se transforma em oligarquia autoritária, excluindo as massas da participação nas decisões que afetem seu destino. As lições extraídas da experiência fracassada da ex-URSS, de seus países satélites e das tentativas tardias de repetir o exemplo nos países do Extremo Oriente – Coréia do Norte, Camboja, Vietnã, e mesmo a China, ensinam que um regime socialista não pode ser construído com base na pobreza e escassez generalizada de bens e serviços, cuja distribuição exigirá a formação de filas, as quais, para manter a ordem e os privilégios dos governantes, apelarão ao aparelho de segurança do Estado e de suas burocracias, opressores e autoritários. A inadequação da democracia formal e representativa, incapaz de atender aos anseios e expectativas da população, sobretudo da massa de carentes e marginalizados, leva à formulação de propostas e experiências de organização da produção e distribuição de bens e serviços mais compatíveis com a integração

Newton Santos/Hype

Lourenço Furtado/ Futura Press

A falta de crédito impacta as atividades produtivas, causando desemprego e queda de consumo, o que, num círculo vicioso, diminui ainda mais as atividades produtivas. A crise alcançou até mesmo a poderosa China.

Byun Yeong-Wook/AFP

social e participação comunitária, no exercício pleno da cidadania. Foi a partir da organização crescente da sociedade civil que o Fórum Social Mundial lançou o desafio que reverberou por todos os continentes – "Um outro mundo é possível". Em lugar do Estado, ou melhor, dentro do Estado, surge um poder alternativo – as milhões de organizações não governamentais, por enquanto difusas, atomizadas e não conectadas, que representam um novo ator social, a sociedade civil que, desde o fim do século 20, começou a despontar no cenário histórico como poder alternativo. Seus membros recusam o papel de meros objetos passivos do aparelho burocrático e autoritário, controlado pelas elites econômicas e políticas. Aspiram a participar nas decisões em um regime democrático, hoje dominado, usurpado em mãos de oligarquias incrustadas no aparelho do Estado. A proposta alternativa almeja uma democracia participativa, um regime de "accountability", de responsabilização daqueles que detêm um mandato público e que pode ser revogado quando os representantes eleitos se mostram indignos do mandato popular. Os padrões políticos e culturais impostos e disseminados pelas elites dominantes, tanto no regime neoliberal quanto no socialismo "real", recusam os direitos de cidadania efetiva aos pobres e discriminam os subalternos, aos quais é vedado o acesso à representação pública. Para superar o impasse em que se encontra a sociedade neste limiar de século, postulamos a primazia da cooperação em lugar da competição como valor fundamental do convívio social. Na construção de uma nova ordem social mundial, caberá ao Estado a função de orientar e coordenar as atividades econômicas, enquanto a população procurará conquistar sua autonomia e emancipação, até chegar à autogestão, com o pleno desenvolvimento de suas potencialidades criativas.

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Kim Kyung-Hoom/Reuters

Japão: esgo necessidade

Alcides Domingues Leite Júnior Professor de Economia da Trevisan Escola de Negócios. alcides.leite@ trevisan.edu.br

O Japão precisa passar de fornecedor de produtos de alta tecnologia para indutor do crescimento dos países em desenvolvimento.

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tamento de modelo e de mudanças estratégicas

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Japão foi o país que mais cresceu no mundo, em termos econômicos, nas décadas de 1960 a 1980. Tal crescimento, conhecido como milagre econômico japonês, ocorreu, sobretudo, graças à sinergia entre o setor privado e o setor público. Os melhores alunos das universidades japonesas eram recrutados para trabalhar nos principais órgãos públicos do país, com destaque para o Ministério da Indústria e Comércio. Após a aposentadoria, os funcionários públicos mais destacados passavam a trabalhar nas grandes corporações privadas. Além disso, as pesquisas desenvolvidas pelos órgãos públicos eram compartilhadas com o setor privado. Como indutor da inovação do setor industrial, o Estado japonês financiava parte das pesquisas realizadas pelas indústrias, sobretudo no desenvolvimento de novos produtos na área de ciência e tecnologia. O país também protegia o mercado interno da entrada de produtos estrangeiros que pudessem concorrer com a produção nacional. De uma forma geral, o Japão realizou, no período pós-guerra, uma política industrial afirmativa, com objetivo de desenvolver um parque industrial Toshifumi Kitamura/AFP competitivo no âmbito mundial. Fruto da política industrial japonesa e do desenvolvimento de modernas técnicas de administração da produção, a indústria automobilística e a eletroeletrônica japonesa se tornaram as mais importantes do mundo. Tudo isto alavancou o crescimento econômico do país, a ponto de fazer do Japão a segunda maior

economia do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos. Nos anos de 1990, a economia japonesa começou a dar sinais de esgotamento. A supervalorização dos ativos, principalmente dos imóveis, e o excesso de alavancagem do setor financeiro, geraram uma crise no setor financeiro. Para sanear o sistema financeiro e equacionar o valor dos ativos, o governo do Japão aplicou medidas que colocaram a economia do país em situação de semi-estagnação durante toda a década de 1990. Neste período o Produto Interno Bruto (PIB) japonês praticamente parou de crescer. Mesmo com juros reais negativos, as famílias japonesas não se dispunham a aumentar seu nível de consumo. O Estado, por sua vez, não possui folga fiscal para impulsionar a economia. A recuperação da economia mundial, fruto do estímulo ao consumo nos Estados Unidos e Europa e do crescimento dos países emergentes, ajudou o Japão a recobrar sua atividade econômica. Entre 2000 e 2007, o PIB japonês se expandiu em ritmo não observado desde a primeira metade dos anos 1980. No entanto, a alegria durou pouco. A crise de crédito nos Estados Unidos e sua conseqüência para a economia mundial trouxe de volta o gosto amargo da recessão. Em 2008, a economia japonesa expandirá menos de 1% e, em 2009, o crescimento deverá ser negativo, ou seja, deverá ocorrer uma retração do PIB. A recuperação da economia japonesa já não depende apenas da ação do governo local. Praticamente todos os instrumentos de política mo-

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Chang-Ran Kim/Reuters

BLEIBEL/Al-Mustaqbai - Beirut, Lebanon

netária e fiscal já foram se considerar o mercado utilizados. Somente externo como alvo para uma mudança no cenáa venda de produtos jario internacional pode poneses e a estratégia de reanimar o mercado jainvasão desses mercaponês no curto prazo. dos via qualidade e preA eleição de Barack ços dos produtos ofertaObama, por outro lado, dos, deve ser substituípode trazer esperanças da pela visão de integrapara o Japão. É possível ção e cooperação no que o novo presidente desenvolvimento de noamericano aponte para vos negócios, com comuma política econômica partilhamento dos inmais integrada, com vestimentos em pesquiparticipação ativa dos sa e tecnologia com oupaíses europeus, asiátitros países. O Japão cos e latino-americanos. precisa passar de forneA expansão dos limites cedor de produtos de aldecisórios para além dos ta tecnologia para induEm 2008, a economia japonesa expandirá menos de 1% e, em 2009, sete países mais ricos tor do crescimento dos o crescimento deverá ser negativo, com uma retração do PIB. (Estados Unidos, Japão, países em desenvolviAlemanha, Inglaterra, mento. É necessária, França, Itália e Canadá), portanto, uma política com inclusão de China, Índia, Rússia e Brasil, os BRIC, pode externa mais ativa por parte do governo japonês. abrir novos horizontes para a economia japonesa. A fase de industrialização e crescimento econômico interno foi Uma maior integração entre o Japão e os países em desenrealizada com êxito pelo povo japonês. A fase de integração involvimento pode ser uma saída para o estado de estagnação ternacional ainda não foi conduzida com a intensidade necessáem que se encontra a economia nipônica. Para tanto, há neria para um país que tem a segunda maior economia do mundo. O cessidade de mudanças estratégicas na condução dos asJapão não depende mais de melhorar o que já vinha sendo feito e suntos políticos pelo governo do país. A visão histórica de sim de mudar o rumo estratégico de sua política econômica.

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o r u g e s o t L en E V m i t Ó es IMinv m U Newton Santos/Hype

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os dois últimos anos, o mercado imobiliário brasileiro apresentou resultados muito animadores. No ano passado, pesquisa realizada pelo Secovi-SP mostrou que em 2007 foram negociados em São Paulo 36.615 imóveis novos, representando um aumento de 29,27% sobre 2006, que foi de 28.324 unidades. Em relação aos números deste ano, de janeiro a agosto, as vendas, também de imóveis novos, atingiram 25.920 moradias, um incremento de 33,2% sobre os oito primeiros meses de 2007. Com a grave crise financeira global, o imóvel se mostrou um ótimo investimento. Algumas empresas do setor estão revendo seus planejamentos e a tendência para 2009 é de um mercado diferente, ninguém sabe ao certo como ele deverá se comportar, a única certeza é que, mesmo assim, haverá crescimento. Num momento de incertezas, a busca de investimentos seguros está aumentando e a compra de imóvel, seja residencial ou comercial, sempre se mostrou um investimento seguro Levados pelos bons ventos da economia, entre 2006 e 2007, 21 construtoras e incorporadoras abriram capital na Bovespa, com o objetivo de captar recursos e investir em novos empreendimentos. Outras já estavam na Bolsa, totalizando 32 companhias de capital aberto, dentro de um setor com mais de 3 mil construtoras no Brasil. O setor está bem, há dinheiro em caixa para a conclusão dos empreendimentos atuais e não haverá obras atrasadas ou paralisadas. O montante de R$ 3 bilhões anunciado pelo ministro Guido Mantega para o segmento da construção civil irá garantir que não falte crédito para futuros empreendimentos. É importante dizer que, para o consumidor, financiamentos

Divulgação

Fábio Rossi Filho Diretor da Itaplan e da Diretoria de Lançamentos do Secovi-SP

até R$ 350 mil continuarão a existir, pois eles utilizam recursos da caderneta de poupança e do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Neste caso, os juros não irão subir, pois seguem regras bem definidas. Acima desse valor deverá haver mudança na taxa de juros em 2009, pela escassez de crédito. Com a situação complexa, a recomendação é sempre buscar o auxílio de uma imobiliária tradicional, com vários anos de mercado, para melhor aconselhar o comprador. Ela estará verificando a situação atual e futura do comprador, o uso que se dará ao imóvel e dessa forma indicar a melhor opção. Saber quem é imobiliária e quem são os envolvidos no negócio se tornou fundamental neste cenário. O setor passou por várias crises do mercado, por diversos planos e pacotes econômicos, mas sempre conseguimos encontrar formas de continuar trabalhando. Houve época que trabalhamos com crédito zero. Mas quem é bom e profissional sempre continuará no mercado. Após uma crise, o setor saiu mais fortalecido e desta vez não será diferente. Entra crise, sai crise, o imóvel continua sendo um bom investimento, seguro e rentável.

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Kai Pfaffenbach/AFP


Boneco de um touro com o pescoço quebrado, tendo como fundo um painel com o gráfico de desempenho da Bolsa de Frankfurt no dia 16 de setembro, um dia após a quebra da Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, que pediu concordata.

No começo do ano havia uma certa preocupação com o setor imobiliário norte-americano, que após um boom nos últimos anos, sofreu com a alta da inadimplência. Mas ninguém esperava que grandes bancos começassem a quebrar, como foi o caso da Lehman Brothers em setembro. O ano de 2008 ficará marcado pela crise financeira e provavelmente 2009 será o ano em que o mundo experimentará a primeira recessão do século 21

22 00 00 89 Alex Grimm/Reuters

Operador da Bolsa de Valores de Frankfurt fala ao telefone atrás de um painel imitando uma nota de um dólar, com a figura do presidente George Washington expressando desespero. A crise afetou a Europa.

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Kai Pfaffenbach/Reuters

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AFP

A crise financeira começa a se alastrar como um gigantesco tsunami, derrubando as bolsas no mundo todo. Expressões de desespero dos operadores de Kuala Lumpur (acima) e Alemanha (abaixo).

Alex Grimm/Reuters

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Paulo Whitaker/Reuters

Brendan McDermid/Reuters

O mercado financeiro no mundo todo oscilou muito durante o mês de outubro, comportando-se como um 'louco', na opinião de muitos analistas, um dia entrando em profunda depressão, com quedas fantásticas, e logo após entrar em extrema euforia. Acima, operador da BM&F, em São Paulo, e da Bolsa de Nova York, na foto ao lado.

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Spencer Platt/AFP

Do lado de fora da Bolsa de Valores de Nova York, em Wall Street, manifestantes satirizam a crise financeira e criticam o governo pela ajuda bilionária para salvar bancos e seguradoras. Do lado de dentro, o ambiente é de tensão em dias que notícias ruins, vindas de diferentes lugares do mundo ou de balanços de empresas, fazendo os preços da ações caírem ainda mais.

Stan Honda/AFP

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Spencer Platt/AFP

Manifestantes protestam ao lado do touro, símbolo de Wall Street, contra o pacote de 700 bilhões de dólares aprovado pelo Congresso norteamericano, na tentativa de evitar que mais empresas quebrem e que a crise chegue à economia real.

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Pichi Chuang/Reuters

A Ásia tem sido duramente atingida pela crise financeira. Prejudicado por uma forte redução do investimento empresarial, o PIB japonês vem recuando durante o ano e tecnicamente o país já está em recessão. Na foto acima, Bolsa de Valores de Taipei; ao lado, Bolsa de Tóquio.

Yoshikazu Tsuno/AFP

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Em 2009, o futuro do mundo em xeque Por Heci Regina Candiani

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pior que pode acontecer em 2009, ano em que o mundo inteiro terá de lidar com as conseqüências da crise econômica que no segundo semestre de 2008 aterrorizou os Estados Unidos e balançou o mercado financeiro em todo mundo, é que os governos ocidentais optem pelos caminhos errados e adotem políticas econômicas cada vez mais intervencionistas. Esta frase resume, de modo simplificado, as idéias do cientista político e escritor francês Guy Sorman, que ao longo de toda a vida tem se dedicado, em textos acadêmicos, artigos em jornais e conferências, a esclarecer os preceitos do liberalismo e como este pode ajudar na constituição de um mundo com menos pobreza, menor desigualdade e mais liberdade. Nos últimos 30 anos, Sorman tem pesquisado exaustivamente as relações entre política e economia em países tão diferentes como Estados Unidos e China, Brasil e Índia, França e Japão e o resultado de tanto tempo de dedicação ele apresenta em uma obra lançada em outubro no Brasil: A Economia não Mente (É Realizações, R$ 45). Na obra, Sorman analisa como a competição entre os dois modelos econômicos existentes no mundo até o início da década de 1990 – o socialismo de estado e o capitalismo de mercado – culminou na hegemonia capitalista global e da economia liberal e defende que esta é a melhor saída para todos os países dispostos a combater a instabilidade econômica e a pobreza e, principalmente, interessados em promover o desenvolvimento humano. Em entrevista exclusiva à revista Digesto Econômico, Guy Sorman esclareceu alguns pontos de suas convicções. Sempre em tom moderado e equilibrado, buscando uma resposta racional a questões polêmicas, analisou a economia brasileira e o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e apresentou suas perspectivas para 2009. Acompanhe abaixo trechos da entrevista de Guy Sorman:.

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Divulgação

Guy Sorman: escritor e cientista político.



Masao Goto/e-SIM

também conhecido como "estado de direito"; e, por último, liberalismo é uma filosofia segundo a qual a liberdade individual é considerada moralmente superior e socialmente mais justa do que as regras impostas pelo Estado ou outras instituições organizadas, como religião, partidos políticos, nações, tribos etc. Por razões históricas, políticas ou culturais, o liberalismo em vários países enfatiza um ou outro desses três componentes. Se o socialismo econômico e a pobreza são as maiores preocupações de uma nação, os liberais colocarão o mercado livre como prioridade, a fim de libertar as pessoas de uma pobreza abjeta. A democracia e a liberdade individual ficariam em segundo plano. Este tem sido o caso da América do Sul. Além disso, o liberalismo não é como o socialismo: não é um sistema teórico imposto às pessoas, mas um caminho empírico para resolver os maiores dramas humanos e históricos. Não existe um liberalismo verdadeiro em contraposição a um falso liberalismo. Não existe um livro que explique o liberalismo. Não existe nenhum partido liberal que o encarne completamente. Em poucas palavras, existe um modo liberal de se comportar, de governar, de administrar, de olhar para as sociedades e a história: o liberalismo é o que os liberais fazem. Por fim, o liberalismo – em contraposição ao socialismo ou ao fascismo – deve ser julgado por seus resultados, não por suas intenções. Quando o liberalismo não atinge seus objetivos, deve ser reavaliado.

Radu Sigheti/Reuters

O liberalismo é um caminho empírico para resolver os maiores dramas humanos e históricos.

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Digesto Econômico – Ainda existe uma grande confusão sobre o que é o liberalismo e freqüentemente o desafio intelectual de compreendê-lo se dissolve nessa confusão. Como o senhor explicaria o conceito de liberalismo para os brasileiros, inclusive para que eles possam compreender os referenciais de seus livros e artigos? Guy Sorman - Apalavraliberalismotemdiferentes significados em diferentes países. Significa, simultaneamente, três coisas: economia de mercado livre, baseada no empreendedorismo privado, comércio livre e regulação natural; também significa democracia política na qual as minorias têm direitos contra a maioria – algo

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DE – Em seu novo livro, A Economia não Mente, o senhor defende que a economia é uma ciência e que seu objetivo é diferenciar as boas e as más políticas governamentais. Como uma pessoa comum – um trabalhador, um empresário, um estudante –, que tem sua vida freqüentemente transformada, às vezes para pior, pelas decisões econômicas de um governo, pode fazer a diferença entre o "bom" e o "ruim"? Ou apenas especialistas podem interpretar corretamente as políticas econômicas? GS – A economia é uma ciência no sentido de que é baseada na observação de fatos. O que funciona e o que não funciona pode ser medido por critérios quantitativos, como crescimento econômico e distribuição de renda. A complexidade e os equívocos são gerados pelas abordagens globais dos economistas. Pode-se dizer que uma política econômica é bem sucedida quando um grupo, como uma nação ou região, enriquece em termos de renda e de distribuição de renda. Mas isto pode ser falso para um indivíduo sozinho. Tente explicar pa-


Newston Santos/Hype

ra um trabalhador industrial que ele perderá seu emprego porque atua em um setor industrial obsoleto. A "destruição criativa" de seu posto de trabalho poderá incrementar a taxa global de crescimento, mas não seu próprio crescimento. Portanto, a economia é uma ciência coletiva para resolver problemas coletivos: o destino dos indivíduos dentro deste quadro depende dos próprios indivíduos, do Estado de bem-estar social ou de organizações sem fins lucrativos. Para tornar as coisas ainda mais difíceis de serem apreendidas individualmente, a economia é um processo dinâmico: um bom exemplo é a inflação. A alta de preços pode ser percebida, durante um curto período de tempo, como rentável para um lojista, mas no longo prazo, a inflação matará os investimentos e tornará todos mais pobres. Isto não significa que apenas especialistas são capazes de diferenciar se uma política econômica é boa ou ruim. Qualquer pessoa pode fazer isso com um conhecimento básico de economia. Mas, em geral, a economia não é ensinada, é insuficientemente explicada ou negada como ciência. Alguns marxistas e ideólogos que não gostam de sociedades livres – porque não são eles que as governam – também negam a legitimidade científica da economia. Entretanto, a esquerda, em todas as partes, tende a aceitar cada vez mais que as boas políticas econômicas geram desenvolvimento humano.

Uma política econômica que não seja de longo prazo é inútil: o tempo é o elemento-chave para alcançar o desenvolvimento.

DE – Muitas pessoas criticam as decisões de política econômica do presidente Lula. Algumas dizem que ele faz escolhas socialistas, outros, que ele é um político socialista que se rendeu às políticas do liberalismo. Como o senhor avalia a política econômica do governo Lula, tendo em mente que ele ainda tem dois anos de mandato durante os quais terá de enfrentar as conseqüências da atual crise econômica mundial? GS - Lula é um bom exemplo de um político de esquerda consciente da realidade. Desde a década de 1930, todas as experiências econômicas foram tentadas no Brasil. O País foi um laboratório para os especialistas, que fizeram as pessoas de cobaias. Já não é mais o caso. A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso um consenso foi construído lentamente: todos acreditam que a estabilidade de preços, o comércio livre e o empreendedorismo são os motores do desenvolvimento humano. Sem esta base consensual não há crescimento e o desenvolvimento será um processo lento. Os empresários precisam de tempo para tomar as decisões que só trarão retorno no longo prazo. Portanto, uma política econômica que não seja de longo prazo é inútil: o tempo é o elementochave para alcançar o desenvolvimento. Mas como combinar a necessidade de continuidade econômica e o desejo político de mudança de uma democracia? A resposta é o Estado de Direito: fundamentos que não podem ser mu-

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No Brasil, há mais equilíbrio entre justiça social e crescimento econômico, por isso o crescimento é mais lento.

dados, seja qual for sua inclinação política. O Brasil atingiu este patamar, no qual um novo presidente não pode mudar, do dia para a noite, as regras do jogo. Isso leva os presidentes a trabalharem pela distribuição de renda. Lula fez muito nesse sentido, sem deixar que a distribuição destrua o empreendedorismo. No Brasil, como em muitas democracias liberais, o direito favorecerá o empreendedorismo e um crescimento maior. Isso explica por que o crescimento no Brasil – e mais além, na América Latina – é mais lento do que na Ásia. Na Ásia, os Estados não estão preocupados com justiça social – como o caso da China – ou a consideram um problema familiar – como no Japão.

Mas no Brasil a questão social ou o medo de uma revolução leva a um equilíbrio entre justiça social e crescimento econômico. Por isso, o crescimento é mais lento. Sobre o futuro, o debate em torno da escolha do novo presidente terá de lidar com questões como a definição sobre quais são os melhores investimentos para o País. Escolas, serviços de saúde, Bolsa-Família: estes são investimentos produtivos ou improdutivos? Na China, onde a democracia não existe, o Partido investe em obras de infra-estrutura para acelerar a taxa de crescimento imediato. Mas os custos humanos desta política são muito elevados. No Brasil, que é democrático e equilibrado, os candidatos terão de encontrar a sintonia fina entre investimentos econômicos e investimentos sociais; os investimentos sociais são úteis, mas implicam uma taxa mais lenta de crescimento. Pelo menos, a esquerda e a direita tendem a falar a mesma língua: chegou a hora de se entenderem. O populismo no Brasil declinou principalmente porque a continuidade entre FHC e Lula mostrou que o liberalismo, em seus três sentidos, funciona bem.

Leonardo Rodrigues/e-SIM

DE – Em seu livro, o senhor afirma que os governos que melhor garantem a economia de mercado, nos dias atuais, são os de esquerda e, como exemplo, o senhor cita o presidente Lula e sua política econômica. Onde a esquerda acerta e a direita erra? GS – Quando eu digo que, algumas vezes, a melhor combinação para um País é um líder de esquerda aplicando a política do mercado livre, não quero dizer que isso é bom, mas que é um fato: no Reino Unido, na Alemanha ou no Brasil. Os líderes de esquerda que aceitam a economia liberal dão a ela grande legitimidade, ampliam sua posição científica e removem seu estigma social.

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DE – Em A Economia não Mente, o senhor dedica grande parte da argumentação ao tema das conseqüências da globalização para o meio ambiente. Esta é uma questão muito relevante para os brasileiros, porque atualmente o País enfrenta o desafio de crescer economicamente e preservar a Floresta Amazônica. O governo tem adotado algumas medidas, como punir quem destrói a floresta e criar um fundo para receber investimentos estrangeiros em projetos de preservação da Amazônia. Na sua opinião, estas são boas escolhas para evitar a destruição ambiental e garantir o crescimento? GS– A ecologia tem dois lados, ou duas agendas. Por um lado, coloca uma questão legítima sobre a sustentabilidade de alguns recursos naturais. Por outro lado, é apenas uma ideologia


Reuters

antiliberal. Muitos ex-marxistas desapontados com o fracasso das utopias revolucionárias se transformaram em ecologistas, na esperança de desorganizar a sociedade livre em nome de um "Deus Verde" superior. Esta ideologia, aliás, é anticristã no sentido de colocar a Natureza acima do Homem. Com esses verdes ideológicos o debate é praticamente impossível: não se enfrenta uma teologia com argumentos racionais. Mas, voltando à questão do desenvolvimento sustentável, eu observo que quanto mais uma economia cresce, menos ela polui, porque usa melhor a energia. Com os elevados preços da energia, o mercado transforma a preservação ambiental em uma mercadoria valiosa. No caso da Floresta Amazônica, muitas empresas sabem como explorar a floresta, selecionando árvores mais velhas, dando o tempo necessário para ela se reconstituir novamente. A exploração sustentável das florestas tropicais é econômica e tecnicamente factível. DE – Tomando a experiência norte-americana como exemplo, o senhor analisa no livro a relação entre crime e economia. O Brasil enfrenta esta questão cotidianamente. Em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, o crime cresce

rapidamente e as políticas adotadas são, em geral, desastrosas e violentas. Para a maioria dos brasileiros, o crime é resultado da desigualdade, da falta de escolas e do desemprego. O senhor concorda com esta interpretação? Pensando em termos de crescimento econômico, como lidar com a questão? GS – O crime está parcialmente relacionado à pobreza, mas a pobreza não é sua única causa. Há a questão da destruição dos valores familiares e a migração. Mas o crime está relacionado principalmente com a deficiência do Estado de Direito. Nos Estados Unidos, uma polícia mais bem treinada e menos corrupta conseguiu reduzir os índices de violência. A chamada "teoria da janela quebrada" também se mostrou efetiva: em outras palavras, não tolerar nenhum crime, mesmo que seja uma janela quebrada, incute o sentido da lei nas mentes mais jovens e corta os crimes mais graves pela raiz. Mas é claro que não se pode deixar de mencionar o tráfico de drogas: a proibição do tráfico nos Estados Unidos, seja qual for a razão disso, transformou o tráfico de drogas em um dos negócios mais lucrativos da face da Terra. Sozinho, o Brasil não pode evitar que os jovens sejam atraídos por esta máquina de fazer dinheiro, sem discutir a questão com os Es-

Na Ásia, por exemplo a China, onde não há democracia, o Estado não está preocupado com justiça social.

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Isto nunca aconteceu antes. E acontece como uma conseqüência de uma melhor compreensão da economia: abra suas fronteiras, respeite a p ro p r ie d ad e privada, mantenha a e st ab il id ad e da moeda. A ajuda internacional não tem sido um fator de combate massivo à pobreza, veja os casos da China e da Índia. Mas a ajuda internacional precisa existir se quisermos combater pragas internacionais sem fronteiras, como a malária e a aids.

DE – Há uma afirmação muito interessante em seu livro: "O Brasil é uma civilização singular em que as maiores desigualdades sociais são ocultadas por uma grande cordialidade". É interessante porque revela que a desigualdade no País não é apenas uma questão econômica. O que há escondido por trás de nossa cordialidade? GS – A desigualdade brasileira está enraizada em seu passado colonial e em sua história de escravidão. Entretanto, a cordialidade é uma situação única, que tornou a relação senhor-escravo mais tolerável do que nas colônias espanholas e, ao mesmo tempo, mais fácil de negar. Fernando Henrique Cardoso se tornou uma exceção ao admitir que o Brasil tem preconceito contra os negros, como nos Estados Unidos. Por trás desse preconceito, como qualquer europeu, eu posso ver as desigualdades raciais do Brasil: veja os embaixadores brasileiros. Eles certamente não representam a "diversidade" da nação brasileira. As soluções para o problema não são fáceis de definir; em um longo prazo, o desenvolvimento econômico poderá elevar o status de todos. No curto prazo, as chamadas políticas de ação afirmativa, de estilo norte-americano, são impossíveis de serem definidas, porque a diversidade brasileira é muito grande. O conceito de diversidade se aplica ao Brasil: como conseguir que o serviço civil, as universidades, as forças armadas sejam tão diversificadas como o povo brasileiro? Este deveria se tornar um tópico de debate mais amplo. DE – Cerca de um terço da população mundial ainda vive na miséria e o senhor analisa esta questão no primeiro capítulo de seu livro. Esta é certamente uma preocupação de cada um de nós, independentemente de termos ideologias de direita ou de esquerda. Do ponto de vista do liberalismo, como enfrentar este problema? GS – A miséria tem sido reduzida em quase todas as nações, exceto nos casos de guerras.

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Susana Vera/Reuters

tados Unidos, até porque os Estados Unidos são os maiores consumidores de drogas do primeiro mundo.

Muitos ex-marxistas desapontados com os fracassos revolucionários se transformaram em ecologistas.

DE - 2009 é um ano muito importante para o mundo: teremos de enfrentar as conseqüências da crise econômica global, um novo presidente irá assumir o governo norte-americano e as eleições para o Parlamento Europeu irão mobilizar a Europa. Quais são as expectativas para 2009? GS – Entraremos em 2009 em um período de crescimento econômico mais lento, mas não em uma depressão. A depressão só acontecerá se for provocada por equívocos administrativos dos governos, como enxugar a oferta de crédito ou fechar as fronteiras a produtos estrangeiros, o que foi feito nos anos 1930. Atualmente, os maiores motores do crescimento ainda estão em condições de operar adequadamente: a globalização, que distribui a oferta de empregos entre todas as nações, e uma inovação técnica sem precedentes. O atual tumulto financeiro não deve ser exagerado: tem apenas dois motivos. Primeiro, a bolha especulativa no setor imobiliário, não apenas nos Estados Unidos. E bolhas sempre estouram. Tudo terminará assim que os preços do setor imobiliário retornarem ao patamar de mercado. Um segundo motivo do tumulto, que o agrava, vem de governos que não conseguem tomar decisões. Um dia, sentem-se tentados a deixar que o próprio mercado se organize. No outro dia, decidem intervir para salvar bancos falidos. Esta incapacidade de escolha, inaugurada pelo plano Paulson (o plano de recuperação idealizado pelo secretário do tesouro dos EUA,


Fred Prouser/Reuters

Saiba mais sobre o autor:

G uy Sorman nasceu

A crise terminará assim que os preços imobiliários retornarem ao patamar de mercado.

Henry Paulson, para injetar US$ 700 milhões para comprar ativos desvalorizados de companhias em risco no sistema financeiro) tornam as crises mais longas do que o necessário. A escolha é entre uma recessão curta ou uma estagnação longa: e parece que os governos ocidentais optaram pela estagnação longa, o que é politicamente mais palatável. O próximo presidente dos Estados Unidos terá de se confrontar com este dilema. Entretanto, ainda não se deve

enterrar o capitalismo norte-americano. Os motores do crescimento de longo prazo ainda são os Estados Unidos. Não podemos esquecer que o militarismo norte-americano é incontestável e o principal papel desse militarismo, para além do Iraque e do Afeganistão, é manter os canais de comércio abertos. Sem o militarismo norteamericano, seria o fim da globalização. Alguns, no Brasil, adorariam que isso acontecesse, mas a taxa de crescimento estagnaria.

Livros de Guy Sorman G L'Économie ne ment pas (2008)

G Le Monde est ma tribu (1997)

(publicado agora no Brasil, A Economia não Mente)

G Le Bonheur français (1995) (publicado no

G L'Année du Coq (2006) (publicado no

G Capital, suites et fin (1993)

Brasil em 2007, O Ano do Galo) G L'empire des mensonges (2006) G Made in USA, regards sur la civilisation

américaine (2004) G Les enfants de Rifaa, musulmans et

modernes (2003) G Le Progrès et ses ennemis (2001) G Le Génie de l'Inde (2000) G La Nouvelle solution libérale (1998) G Une belle journée en France (1998)

Brasil em 1997, Felicidade Francesa) G En attendant les barbares (1992) G Sortir du socialisme (1990) G Les Vrais Penseurs de notre temps (1989) G La Nouvelle Richesse des nations (1987) G L'Amérique dans les têtes, fascinations

et aversions (1986) G L'État minimum (1985) G La Solution libérale (1984) G La Révolution conservative

américaine (1983)

na França em 1944, é professor universitário, colunista dos jornais Le Figaro, de Paris, da revista City Journal, editada em Nova York, e do Diário do Comércio, além de manter um blog em francês (http://gsorman.type pad.com/). Ele é autor de 20 livros, a maioria deles sobre o capitalismo contemporâneo. Suas idéias expressam, além de uma aproximação com as propostas do liberalismo clássico, a preocupação com temas como a preservação ambiental, a defesa dos direitos humanos na China, o apoio ao alargamento da democracia, em particular em países como Turquia, Egito e Irã. Sorman também assumiu diversas funções públicas. Na França, foi prefeito-adjunto de Boulogne-Billancourt e conselheiro do primeiro-ministro francês Alain Juppé entre 1995 e 1997. É membro da Comissão Nacional Francesa de Direitos Humanos. Atualmente, é conselheiro do presidente da Coréia do Sul, Lee Myuongbak, que assumiu o cargo em 2008.

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A economia


não mente

O

novo livro de Guy Sorman, "A Economia não Mente" apresenta uma visão abrangente sobre "as causas da riqueza das nações ", analisando a evolução da economia de inúmeros países, comparando as políticas adotadas em cada um, os fatores determinantes do crescimento de uns, ou do desempenho insatisfatório de outros. Não se preocupa apenas com comparações estatísticas ou com os aspectos quantitativos do desenvolvimento, mas, sobretudo, com as condições políticas e culturais que propiciaram a expansão das economias ou que impediram seu crescimento. Busca identificar fatores comuns do progresso das nações, que explicam porque diferentes povos, com diferentes contextos históricos e culturais conseguiram arrancar para o desenvolvimento, contrariando as idéias do passado de que a dotação de recursos naturais, ou determinadas características associadas à cultura ou religião, eram responsáveis pelo crescimento dos países. Para realizar essa análise, Sorman faz um amplo passeio pela teoria econômica, a começar pela discussão sobre se a economia é uma ciência, o que para ele é inegável, não como uma " ciência exata, mas como uma

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Marcel Domingos Solimeo

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ão

Economista, diretor do Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação Comercial de São Paulo

ciência humana" , cujo objetivo é distinguir entre boas e más políticas. Considera que o papel do economista é propor soluções tão confiáveis quanto possíveis, de " boas políticas econômicas". Aponta que até 1990 coexistiam dois modelos de economia: o socialismo de estado e o capitalismo de mercado, mas que, desde então, apenas restou o capitalismo de mercado, ou economia liberal. A queda da União Soviética, veio a demonstrar aquilo que alguns economistas (especialmente Von Mises) diziam há muito tempo, que o sistema de economia planificada, não era viável. O liberalismo econômico, baseado no empreendedor e na ordem "espontânea", com um Estado garantidor das regras, cuja eficácia era demonstrada no mundo anglo saxão, se impôs em todas as regiões a partir dos anos 80, atingindo países como Índia, Rússia, Brasil ou China, que apresenta algumas características específicas. Isso não significa que a economia liberal esteja isenta de críticas, sendo frequentemente acusada por suas imperfeições, as quais, no entanto, decorrem, segundo o autor, da natureza humana, que também não é perfeita.

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O liv ro ident busca ificar fator es do pr comuns ogre sso das n a expl ções, que ica difer m porqu e entes p com difer ovos, entes conte x cons tos, eg arran uiram c dese ar para o nvolv imen to.

Descreve a nova economia, resultante da "desnacionalização, desestatização e desmaterialização", na qual as fronteiras deixam de ser referência para os empresários e os consumidores, limita o poder dos governos de determinar as escolhas ou o ritmo, pois "progredimos todos juntos, ou estagnamos juntos". Defende que a globalização propiciou o crescimento da economia de muitos países e permitiu que um grande contingente de pessoas superasse a pobreza, embora possa apresentar efeitos colaterais sobre alguns segmentos. Destaca que para que as nações possam se aproveitar da nova economia, contudo, é preciso que existam, ou se criem, instituições estáveis e previsíveis que favoreçam o crescimento, como uma moeda confiável, liberdade de comércio, respeito a contratos e garantia ao direito de propriedade. Do ponto de vista político, afirma que, embora não se possa dizer que o capitalismo depende da democracia, parece inegável que a democracia não pode existir sem a economia de mercado e que ela se mostra mais adequada para vencer crises, porque reduz as incertezas. Aponta que, além de instituições


Bay Ismoyo/AFP

favoráveis, outros fatores são importantes. O desenvolvimento resulta da combinação do capital, do trabalho e da produtividade, sendo que quando não aumenta, o crescimento depende de mais trabalho. Para Sorman, é a inovação, fruto da "destruição criativa" de Schumpeter, que permite saltos no crescimento dos países, mas os retardatários se beneficiam das tecnologias existentes para conseguir crescer a taxas mais elevadas nas fases iniciais de seu desenvolvimento. A vitória contra a inflação, que Sorman credita às idéias de Milton Friedman e de seus seguidores, foi fundamental para o desenvolvimento em todos os lugares, embora Kenneth Rogoff, um dos discípulos de Friedman, argumente que ela não necessite ser exatamente zero, como pregava seu mestre, e sugere uma abordagem pragmática enquanto uma leve alta dos preços não afete o desenvolvimento real. Guy Sorman aborda muitos outros temas ao longo do livro, baseando-se em depoimentos ou entrevistas com economistas de diversas partes do mundo, todos de grande projeção, cujas posições, mesmo

quando divergentes em relação aos principais fatores do crescimento de alguns países, não negam a validade dos pressupostos básicos, necessários ao desenvolvimento das nações: economia de mercado e instituições favoráveis ao empreendedorismo e à inovação. Sorman não se limita à análise das causas do desenvolvimento de um grande número de nações tão distintas como China e Índia, Rússia e Turquia, Brasil e Coréia, entre outras, mas aborda também a questão crucial do meio ambiente, apresentando opiniões que variam da previsão da catástrofe ambiental, à negação dos riscos, bem como propostas divergentes sobre o que fazer. Mais do que resenhar o livro "A Economia não Mente", é importante destacar não apenas a abrangência dos temas, a riqueza das informações e opiniões de diversas personalidades do mundo econômico, a abordagem clara e agradável dos assuntos tratados e, sobretudo, as posições de Guy Sorman, à guisa de conclusão, quando sintetiza em um "conjunto de elementos estabelecidos pouco contestáveis em dez proposições – um consenso que deveria fundamentar qualquer política racional".

Para Sorman, a globalização propiciou o crescimento da economia de muitos países e permitiu que um grande contingente de pessoas superasse a pobreza.

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Fábulas chinesas e lições para o Brasil Diretor do Programa de Estudos Interamericanos (associado ao CEPPAC/Unb).

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cabo de terminar a leitura do excelente livro "The Empire of Lies" (creio que ainda não traduzido para português), do cientista político e jornalista libertário francês Guy Sorman. Ao modo dos melhores relatos de viajantes ocidentais que singraram terras e mares do Oriente em meados do século 19, o volume é resultado de dois anos de trabalho em ambiente muito diverso do formigueiro humano entremeado de arranha-céus que marca a paisagem urbana de metrópoles como Pequim e Xangai. Sorman buscou desvendar a China profunda: mergulhou no cotidiano interiorano, visitou líderes comunitários e religiosos, ouviu camponeses e todo tipo de gente comum. Descobriu uma história de exclusão social, inércia econômica, corrupção sistêmica, violência política e endemias mortais. Tudo marcado pela obediência que resulta do medo que os regimes totalitários são capazes de produzir. Não é surpresa: tomado como paradigma empírico para a formulação teórica de políticas "alternativas" de desenvolvimento no cemitério das idéias latino-americano, o modelo chinês é, na melhor das hipóteses, um grande engano.

A superação da pobreza para 200 milhões de chineses através da inclusão no mercado de trabalho urbano e o crescimento da produção ao ritmo de dois dígitos ao ano é uma empresa que impressiona pelos números absolutos. Todavia, quando olhada de perto, a revolução industrial chinesa e seu exército de reserva de mão-de-obra semi-escrava instrumentalizado por um Estado autoritário – assim com seu similar inglês do século 17 – é desigual, parcial, incompleta e especialmente adversa para os mais pobres, para as mulheres e para as minorias étnicas. Já se escreveu, mas cabe lembrar novamente: crescimento não é desenvolvimento. Se o modelo chinês é um arranjo excelente para cumprimento da tarefa da acumulação e da formação bruta de capital, o mesmo não se pode dizer sobre sua eficiência para a transformação do capital em renda e sua utilidade para uma distribuição equitativa dos ganhos. A tarefa da acumulação primitiva consiste na arregimentação inicial de poupança. Na ausência de disponibilidades domésticas faz-se necessário capturálas além mar. O câmbio super-desvalorizado chinês turbina a acumulação, capturando poupanças externas pela via do comércio internacional. A estratégia é clara: como indica a teoria, quando a vantagem com-

Antônio Milena

Silvério Zebral


AFP

Goh Chai Hin/AFP

petitiva dá-se em torno do preço final e está fortemente baseada em custos, o alvo principal do esforço produtivo deve ser a obtenção continuada de ganhos de escala. A "escala" é o que há de sobra. Todavia, quando tal vantagem é contestada por outro competidor, impõe-se a obtenção de ganhos de escala adicionais, sempre decrescentes. Inicia-se uma corrida de custos para baixo ("race to the bottom") que resulta na redução acentuada dos salários dos empregados e do salário de reserva dos excluídos em segmentos cuja produção é intensiva em trabalho. Preserva-se a vantagem útil a acumulação ao custo da compressão da renda proveniente do trabalho. Poupanças arregimentadas, é preciso canalizá-las para que financiem a tarefa do crescimento, através do investimento – que tem no retorno esperado seu indicador decisório crítico. As taxas de juros domésticas artificialmente baixas incentivam a busca de retornos mais atrativos pelos detentores de recursos disponíveis, direcionando-os preferencialmente para o setor produtivo em detrimento dos ganhos "rentistas"; evitando o empoçamento da poupança. Interferindo nos preços relativos e nas regras de um mercado ainda incipiente, o Politburo vermelho conduz o processo de alocação cumprindo a tarefa: converte poupança em formação bruta de capital fixo. Todavia, o assombroso crescimento do estoque de capital na China globalizada não vem viabilizando o escalar contínuo dos degraus da produtividade. Era da se esperar: poupanças alocadas pela via da decisão discricionária estatal ou por um mecanismo de preços relativos artificial alcançam investimentos de baixa produtividade e não maximizam a geração de renda. Ademais, quando o retorno é alto, mas a produtividade é baixa, o investimento (im)produtivo não se traduz em oferta ampliada (preços mais baixos e quantidades mais altas), não havendo transferência de excedentes para o consumidor. A ausência do mercado livre produz perda de eficiência e bem-estar. Se o colosso chinês não alcança os primeiros degraus da escada da produtividade de tão pesado, seu destino com relação à distribuição é mesmo o fundo do poço. No papel de mecanismos distributivos alternativos, mercado e Estado funcionam de maneiras distintas. Em tese, enquanto o mercado assigna rendas de acordo com as capacidades produtivas ofertadas pelos indivíduos ativos (em geral, oferecendo prêmios elevados por anos adicionais de escolaridade), o Estado assigna recursos de modo a assegurar necessidades básicas dos inativos, assistir prioridades dos excluídos e equalizar condições iniciais entre os retardatários, além de prover bens públicos e meritórios de utilidade geral. Na prática – como revelou-nos Mancur Olson em sua análise da lógica da ação coletiva – a discricionariedade estatal é refém de uma escolha pública pretensamente coletiva capturada pela agenda de interesses específicos de minorias sociais que vencem o jogo político (utilizando-se do poder de barganha para converter-se em maiorias políticas no âmbito do processo decisório dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário).

Na China não há lições para o Brasil; exceto a de como produzir a maior desigualdade social do planeta. Acima, Congresso do Partido Comunista Chinês; ao lado, linha de produção de guarda-chuvas.

O Estado autoritário chinês capturado pela oligarquia política e social formada pelos membros do partido comunista é o modelo acabado deste seqüestro. Ademais, ainda que um dia reste liberto, a miopia estatal – seja chinesa ou de qualquer nacionalidade – nunca poderá dar conta a contento de uma tarefa cujo fator crítico é a focalização dos recursos e que opera-se através de um pacto federativo fundado no princípio da subsidiariedade. Enfim, um Estado repressor e oligárquico, manipulador de um simulacro de mercado alocador ineficiente de poupanças e patrocinador de uma estratégia de crescimento baseado na semi-escravização dos incluídos e no abandono dos excluídos não pode servir de desenvolvimento para nenhuma nação que pretenda ser tratada como tal. Na China não há lições para o Brasil; exceto a de como produzir a maior desigualdade social do planeta. Mas para esta tarefa, não necessitamos de professor.

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No caso de a economia estancar, a classe média ficará pobre e a classe pobre miserável.

no tempo de "vacas gordas" (Gênesis, 41.9), a economia apresenta dados positivos, a cabine de comando da aeronave do Estado tende a ser deixada em mãos irresponsáveis na direção da Fazenda Nacional. Recursos são dilapidados em obras faraônicas, viagens, comitivas, especulações, empresas temerárias. Inflacionam-se nomeações para cargos públicos, multiplicam-se ministérios, secretarias, diretorias, e todo o País é levado a acreditar na vida farta sem cuidados e limites. Como sempre acontece, faltam verbas para saúde, educação, transporte, segurança, pesquisa, reaparelhamento de portos, ferrovias e aeroportos, reequipamento das Forças Armadas. São os anos dourados das futricas palacianas, interceptações telefônicas, compra e venda de votos, marqueteiros e campanhas publicitárias, infidelidades partidárias, denúncias anônimas, tudo com o propósito obscuro de ganhar prestígio e dinheiro no governo. Ao se avizinharem, porém, notícias sobre iminente desastre econômico, e a chegada de anos de "vacas magras" (Gênesis, 41.17), o governo se agita e procura fazer acreditar que os problemas encontram-se controlados. Remexe o baú das idéias desacreditadas, baixa medidas provisórias, atribui a culpa a inimigos externos e adversários internos, e empenhase em tentar transmitir a idéia de que a crise é fruto de imaginação doentia.

Ichiro Guerra/Folha Imagem

Tempos de vacas magras

N

ão há necessidade de ser profeta, astrólogo ou vidente para antever a situação deste Estado, e do País, no ano que se aproxima. Os fatos são conhecidos, e amplo material informativo encontra-se à disposição dos interessados em pesquisá-lo. São Paulo continuará tendo à frente o cauteloso governador José Serra, do PSDB. A capital, por sua vez, permanecerá sob a gerência do reeleito Gilberto Kassab, que trará a tiracolo uma Câmara Municipal fragmentada em várias legendas, das quais deverá extrair a base de apoio. As alterações de chefia do poder executivo darse-ão em janeiro, nos municípios cujos alcaides não foram reeleitos. No plano federal, o presidente Luiz Inácio ingressará na última metade do segundo mandato. Sustentam analistas bem informados que o PT lutará para lhe assegurar o terceiro, ainda que ao elevado preço de mais uma ferida no texto mutilado da Constituição. Para outros, o partido lançará a candidatura de integrante do ministério, embora os líderes saibam que não existe outro nome à altura do antigo metalúrgico no requisito popularidade. Habituado a tirar proveito das habilidades desenvolvidas pelo ex-líder sindical, na arte de manipulação das massas, o PT teme a derrota e, com isso, perder acesso ao tesouro, e a prerrogativa das nomeações, sem concurso, para cargos federais, estaduais, municipais, autárquicos e diretorias bem remuneradas de estatais, fórmula que adotou para recompensar o apoio dos companheiros militantes. A oposição, concentrada na sonhada coligação PSDB-DEM-PMDB-PV, unir-se-ia em torno de um único e bom candidato, sem o que estará fadada à derrota, que manterá a CUT no poder ao longo de mais quatro anos, com direito a disputa de reeleição. É sabido que as condições reais da economia determinam os rumos das atividades políticas. Quando,

Almir Pazzianotto Pinto Almir Pazzianotto Pinto foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

Masao Goto Filho/e-SIM


Dida Sampaio/AE

prolixidade vazia, pois os constituintes ignoravam como trabalhar com textos límpidos, claros e objetivos. Nesta fase de "vacas magras", três enormes perigos já rodeiam as classes trabalhadoras: a aceleração da taxa de desemprego, o retorno da inflação, a alta de preços. Sobre os próximos anos, entretanto, de algo estamos certos: a população continuará em crescimento descontrolado, para felicidade da Igreja e tristeza daqueles que avaliam os riscos do profuso aumento da população entre as camadas pobres e carentes. Na passagem do século, o Brasil possuía 169,7 milhões de habitantes. Hoje, segundo estimativas do IBGE, somos 190,1 milhões de brasileiros. A economia, após a explosão da bolha de crescimento, encontra-se em fase de retração. Isto significa queda no Produto Interno Bruto, com maior rebaixamento do recalcado mercado de trabalho. Ao invés de 20 milhões de novos postos de trabalho, preenchidos por pessoas saudáveis, profissionalmente qualificadas e bem remuneradas, recebemos quantidade semelhante de novas almas. Ocorre, contudo, que as almas têm cérebro, corpo, boca, estômagos, sentem fome, frio e calor, e necessidades outras que o desenvolvimento tardio e insustentável não oferece condições de prover. No caso de a economia estancar, o que significa recessão, a classe média ficará pobre e a classe pobre miserável. O futuro presidente governará algo em torno de 200 milhões, embora o PIB nacional líquido e o PIB per capita corram risco de permanecerem imobilizados, se debitado, a cada ano, o avanço populacional. Registre-se que a cautelosa Organização Internacional do Trabalho (OIT) emite, desde a década de 1980, sinais de alerta acerca do desemprego e anuncia, agora, que podemos esperar pela multiplicação dos trabalhadores na ociosidade. Creio que as eleições de 2010 virão a ocorrer com o mundo e o Brasil em crise. Como reagirão os eleitores, se até lá o maremoto não houver amainado? Oferecerão nova carta de crédito à CUT-PT, ou buscarão saídas adequadas à crise? Essas as perguntas que deixo no ar, à espera dos especialistas em economia, política e futurologia.

Parceria entre Gilberto Kassab e José Serra pode gerar frutos para 2010.

Leonardo Rodrigues/e-SIM

Como estará a economia em 2009 e 2010? Esta interrogação martela o cérebro de empresários, investidores, consumidores, trabalhadores e donas de casa. Em cada qual acumulam-se preocupações nunca "vistas antes neste País", não se encontrando pessoa sensata que duvide da possibilidade de encararmos período amargo e imprevisível de recessão. Há algumas Delúbio Soares, exsemanas, todavia, ninguém tesoureiro do PT, pivô do acreditava em dificuldades. A escândalo do Mensalão. revista Veja, por exemplo, na edição 2.070, de 23 de julho do corrente ano, escrevia sobre o "Show dos Bilhões – As Vitórias do Brasil na Globalização". Descrevia os "oito motores do desenvolvimento sustentável que estão revolucionando o Brasil longe dos grandes centros". Passados 90 dias, porém a revista Época indagava, na matéria de capa, se "O Brasil agüenta a crise?". A Exame, por sua vez, exclamava: "A crise já está entre nós". E a mesma Veja, em reportagem sobre o presidente do Banco Central, Francisco Meirelles, informava que S. Exa. "ganha mais poder para tentar impedir que a crise mundial devore a economia brasileira". Oscilação e quedas nas bolsas de valores, mudanças de patamar do dólar, especulações sobre recessão, refletem a delicada situação da economia mundial, com fortes reflexos no Brasil e na América do Sul. Resta tentar descobrir a linha de ação do governo federal, e imaginar os instrumentos de que dispõe para nos proteger. A má notícia é que a taxa média de desemprego estacionou em 14%. A péssima é que a alta porcentagem fatalmente voltará a crescer. A "Constituição Cidadã", promulgada há 20 anos, ao invés do que se esperava, não chegou como solução. Pelo contrário. Sem embargo das conquistas democráticas, infundiu no povo esperanças não concretizadas e suscitou problemas de regulamentação, por lei complementar ou ordinária, que permanecem à espera de quem consiga decifrá-los. Note-se o art. 7º, I, que trata da garantia do emprego contra demissões imotivadas, o 37, VI, que exige a disciplina do direito de greve do servidor público, e a inconclusa reforma do Poder Judiciário. Apesar das 62 emendas constitucionais e da banalização das medidas provisórias, as reformas tributária e trabalhista, cobradas pela necessidade de desenvolvimento sustentável, continuam abandonadas. A Lei Orgânica da Nação, como a denominava Ruy Barbosa, é multicolorida colcha de retalhos, produto de


OS ÍNDIOS E

Ed Ferreira/AE

A CONSTITUIÇÃO. Divulgação

Ives Gandra da Silva Martins Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP, do CIEE/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado Maior do Exércio-ECEME e Superior de Guerra-ESG e Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e do Centro de Extensão Universitária-CEU.

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polêmica, cada vez mais acentuada, sobre o direito ou não de 380 mil índios possuírem 13% do território nacional (em torno de 100 milhões de hectares, ou seja, 4 Estados de São Paulo) levou-me a tecer, neste número do Digesto Econômico dedicado às perspectivas de 2009, perfunctórios comentários ao capítulo "Dos Índios" inserto na Constituição, que, a meu ver, está sendo desfigurado pela FUNAI, na sua interpretação alargada. O artigo 231 consolida o tratamento da lei maior à etnia indígena. Está assim redigido: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".


Dissociando os índios do povo brasileiro e suas terras do Estado, pretendem, tais organizações, tornar o problema indígena do Brasil em problema de preservação dos costumes primitivos, que é dever da humanidade.

O Capítulo VIII do Título 8 oferta quase 15% do território nacional, aproximadamente, a 380 mil brasileiros, deixando os outros 85% para os demais 185 milhões de cidadãos e residentes no País. O artigo 231 reconhece aos índios o direito de manter suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (presente do indicativo). Não ocuparam, como o governo tem interpretado para demarcação de suas terras. Os indianistas lutam para que os índios continuem sendo primitivos, peças de museus, devendo ser preservados, em seu atraso civilizacional, para gáudio dos povos civilizados que poderão dizer que no passado pré-histórico os homens viviam como os índios brasileiros. Por outro lado, as organizações internacionais – e a matéria já tem sido denunciada – procuram tratar o território como indígena, mais

do que brasileiro, razão pela qual em eventual internacionalização da Amazônia para imposição da política externa, os verdadeiros titulares da terra seriam os indígenas e não os brasileiros. E o Brasil assinou declaração na ONU neste sentido!!! Outros países, como Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos, não a assinaram, porque têm índios. Dissociando os índios do povo brasileiro e suas terras do Estado, pretendem, tais organizações, tornar o problema indígena do Brasil em problema de preservação dos costumes primitivos, que é dever da humanidade. À evidência, desta forma, torna-se mais fácil a exploração de 13% do território nacional, reservado aos 380 mil remanescentes da população indígena, que terminam por firmar acordos convenientes a tais grupos mais do que a interesses do País. E apesar de o inciso XV do art. 5º dizer que qualquer pessoa pode andar pelo território na-

Sérgio Lima/Folha Imagem

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cional, livremente, sem autorização da FUNAI, nenhum brasileiro pode ingressar em território indígena e se entrar será por horas. Um funcionário da FUNAI concede o direito de entrar em tais territórios por horas apenas. É impressionante o "lobby" que os indianistas brasileiros – e principalmente os estrangeiros – fizeram para que o capítulo VIII fosse plasmado na Constituição! Faz ainda o dispositivo menção que caberá à União demarcar as terras indígenas (13% do território nacional) e nela preservá-las, protegendo e fazendo respeitar seus costumes primitivos, de preferência desestimulando-os de se civilizarem, como as outras raças que compõem o perfil étnico brasileiro, como é o caso da raça negra. O § 1º está assim redigido: "São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições". O § 1º do artigo 231 é dedicado a aproximadamente 13% do território nacional, que deve ser transformado em museu do primitivo índio vivo. Todas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios lhes pertencem e a mais ninguém, desde que os índios lá estejam em caráter permanente. À evidência, como os índios primitivos não saíram de seus lugares de nascimento, por não terem descoberto nenhum dos meios de transporte modernos e ainda vivem – é destes índios que o constituinte fala – no seu estado primitivo, todas as terras por eles habitadas hoje servem-lhes de habitação permanente. A meu ver, apenas aquelas que habitavam na data da promulgação da lei suprema (05/10/88). Além destas, devem ser preservadas aquelas terras utilizadas para suas atividades produtivas – entenda-se atividades agrícolas de sobrevivência, que sempre existiram entre os povos pré-históricos, os índios brasileiros, alguns povos da Malásia no início do século etc. – aquelas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar – entenda-se as florestas e a natureza não cultivada – assim como às necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo suas crenças, costumes e tradições. À nitidez, apenas aquelas terras limítrofes a aldeia e não terras já habitadas por outros brasileiros há dezenas de anos. Em outras palavras, o constituinte brasilei-

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ro garantiu ao índio 15% do território nacional para que ele não evolua, visto que para manter uma "Disneyworld" primitiva, preservará todo seu ambiente pré-histórico, a fim de que suas crenças, costumes e tradições continuem os mesmos, proibidos de evoluir para os costumes civilizados do século 20/21, visto que o objetivo constituinte foi preservar no tempo, o atraso cultural do indígena. O § 2º está assim redigido: "As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes". Na linha de conservação de um Museu Primitivo e Vivo do Índio com 13% do território nacional, continua o constituinte a entender que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios – leia-se as que ocupavam naquele momento – destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos, nelas existentes. Não cuida do subsolo, pois este é de exploração da União quanto a seus recursos minerais e sua exploração só pode ser autorizada ou concedida. O discurso, embora tautológico, cria indiscutível privilégio em relação a todos os demais cento e oitenta e pouco milhões de brasileiros. O próprio argumento de que a terra lhes pertencia antes da descoberta e que lhes garantirá agora a posse em torno de 13% do que tinham no passado, não é senão reconhecer que foram expropriados em 87%, argumento pouco convincente. A população, hoje, é residual. Os índios civilizados agem nas suas próprias atividades, quase sempre longe das terras de seus antepassados. Aqueles índios que permanecem nas terras, principalmente na Floresta Amazônica,

Jonne Roriz/AE

Aqueles índios que permanecem nas terras, principalmente na Floresta Amazônica, são os índios de civilização pré-histórica proibidos de evoluir para se tornarem peças vivas de um mundo selvagem para gáudio dos ecologistas e antropólogos.


são os índios de civilização pré-histórica proibidos de evoluir para se tornarem peças vivas de um mundo selvagem para gáudio dos ecologistas e antropólogos. O constituinte faz menção à sua posse permanente, não podendo, a meu ver, atingir sua propriedade, daqueles que eram proprietários destas terras antes da Constituição de 88. Por isto entendo ser a Reserva Raposa Terra do Sol com extensão de terra contínua de manifesta inconstitucionalidade, por atingir terras de brasileiros que lá estavam há muito tempo. Estes comentários são escritos antes do pronunciamento do STF sobre a matéria. Por outro lado, o usufruto de todas as riquezas do solo é exclusivamente das populações de índios primitivos, devendo-se entender que as propriedades antes exploradas por brasileiros não pré-históricos, com títulos de propriedade ou posse, estão preservadas, a meu ver. Agricultura, pecuária, pastoreio, agroindústria, transportes ferroviários etc. são atividades que passam a ser nestas terras de exclusiva exploração pelos indígenas, pois faz questão, o legislador supremo de referir-se ao "exclusivo usufruto" de tais riquezas pelas populações indígenas a serem preservados nos seus costumes pré-históricos. O § 3º do art. 231 está veiculado da forma que se segue: "O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei". O § 3º do art. 231 continua na linha de proteção ao indígena. Determinados empreendimentos exigem muito capital, sobre ser o subsolo propriedade da União, como, de resto, os rios interestaduais e de fronteiras. Nada mais lógico que não se permita que povos primitivos sejam detentores dos meios de exploração de tais recursos, que, de rigor, não lhes pertence. A proteção, todavia, consiste em dar-lhes direitos que outros brasileiros não têm sobre os bens que pertencem ao Poder Público.

O primeiro destes direitos é o de que exploração dos recursos mencionados só pode ser autorizado pelo Congresso Nacional, o que vale dizer, as duas casas do Parlamento devem se manifestar a respeito. O segundo aspecto é o de que as comunidades indígenas devem ser ouvidas, pois a exploração poderá afetá-las. Preferiu, o constituinte, utilizar-se do verbo "ouvir", o que vale dizer, a oitiva de tais comunidades objetiva apenas permitir o Congresso o conhecimento de seus argumentos, em caso de oposição ao projeto pretendido. Não têm, as comunidades indígenas, todavia, o poder de veto. Se forem contrárias à exploração, mas o Congresso favorável, há de prevalecer a autorização do Congresso sobre a opinião das comunidades. Por fim, assegura a Constituição a participação, nos benefícios e nos resultados da exploração, das comunidades em cujas terras a exploração se der. A seguir, determina o § 4º que: "As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis". As terras de posse das populações indígenas são inalienáveis e indisponíveis, o que vale dizer, perpetuou, o constituinte, a manutenção em mãos dos índios daquelas terras demarcadas nos termos impostos pela lei suprema. Sobre serem inalienáveis e indisponíveis, são tais direitos imprescritíveis, o que representa que mesmo que as terras não venham a ser utilizadas, não haverá prescrição dos direitos de seus possuidores, o que vale dizer, utilizando-se ou não das terras, que podem inclusive ser ocupadas, elas continuam suas, em termos de posse. Não há, pois, usucapião possível de tais terras. A seguir o § 5º determina que: "É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do país após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco".

Satiro Sodré/AGF

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Não há direito adquirido contra a Constituição. O artigo mencionado é de confisco doentio. Tudo o que o direito regula até 5 de outubro de 1988, garantindo relações obrigacionais e as restrições jurídicas utilizadas caem por terra, com confisco do governo de toda a propriedade, posse e direitos antes detidos por terceiros não índios. Não cuida o dispositivo da propriedade. O constituinte declara que são nulos, com conseguinte exteriorização, todos os atos jurídicos vinculados a ocupação, domínio ou posse das terras a que se refere este artigo. À evidência, os atos a que se referiu eram atos jurídicos e acabados, de outra forma não precisaria o constituinte se referir a eles pois sua nulidade, ou anulabilidade, seria imediata. O mesmo se diga em relação à exploração das riquezas na-

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Fotos: Fábio Rodrigues/ABr

O § 5º engessa ainda mais a atuação do governo brasileiro perante os indígenas na proteção de suas terras e costumes primitivos. Os grupos indígenas não podem ser removidos de suas terras, vale dizer, salvo nas expressas autorizações constitucionais, os grupos indígenas devem nelas permanecer. As hipóteses de remoção são poucas. A primeira delas vincula-se à ocorrência de catástrofe, que pode ser provocada pelo homem ou ação da natureza. A segunda hipótese refere-se às epidemias que ponham em risco sua população. O indígena não tem o contato permanente com o homem branco, por isto não criou anticorpos capazes de neutralizar "vírus" e "bactérias" de epidemias. É, pois, alvo mais fácil de todas as moléstias, que, muitas vezes, podem se espalhar, pela pouca resistência do silvícola, por todo o território por ele habitado. Nesta hipótese, é fundamental que as autoridades tomem conta das populações e se houver necessidade devem retirá-las de seu "habitat" para levar para lugares, onde seja mais seguro o tratamento e a não infecção. A remoção, nas demais circunstâncias, pode ser determinada "ad referendum" do Congresso Nacional. Uma vez cessadas as causas que levam à retirada, devem as populações retornarem às suas terras. O constituinte fez questão de enfatizar que o retorno terá que ser imediato, a fim de que os índios não pensem que sempre que o Estado os retirar, nunca mais voltarão, sendo as terras destinadas a outros. Prudentemente, o constituinte, impôs o retorno imediato. O § 6º resta assim redigido: "São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeção a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé".

Em última análise, objetivando ofertar 13% do território nacional aos índios, feriu, o constituinte, duramente os direitos de posse e domínio, as relações jurídicas correntes e as garantias constitucionais.

turais do solo, rios e dos lagos nela existentes. O tratamento é rigorosamente o mesmo. Retira-se do titular do direito todos seus direitos legítimos, para depois transferi-los ao "Museu do Índio Vivo" e para que se torne ele beneficiário da dádiva governamental espoliatória. Há a ressalva ao relevante interesse público da União, nos termos da lei complementar, que a retira da aplicação do referido dispositivo. De qualquer forma, o confisco de terras é feito sem indenização. Retira o governo de quem tem legitimidade, sem indenizá-lo, e entrega a quem recebe graciosamente tais direitos, sem quaisquer ônus. Entre os direitos, afasta-se, inclusive, aquele referente a eventuais ações para preservação transitadas em julgado, à luz da Constituição anterior. As benfeitorias, feitas de boa-fé, todavia, são indenizáveis. Mesmo estas benfeitorias devem corresponder a ocupação de boa-fé para gerar a indenização. Em última análise, objetivando ofertar 13% do território nacional aos índios, feriu, o constituinte, duramente direitos de posse e domínio, as relações jurídicas correntes e as garantias constitucionais. Na minha interpretação, todavia, por entender que se trata das terras que ocupavam no momento da promulgação da lei suprema, tal extensão territorial deveria ser restringida a


Marcello Casal Jr/ABr

O § 4º do artigo 174, por outro lado, restringe as concessões às cooperativas de garimpeiros, em primeiro lugar, não lhes dando prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minérios garimpáveis, nas áreas de sua atuação, e depois também naquelas áreas fixadas de acordo com o artigo 21, XXV da Constituição Federal, cuja dicção é a seguinte: "Art. 21 Compete à União: ... XXV. estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa"

menos de 1% do território nacional. Reza o § 7º que: "Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º". O artigo 231 § 7º objetiva retirar a exploração das riquezas minerais, inclusive garimpagem do Título 7, isto é, do regime jurídico do planejamento econômico estatal. O artigo 174 é aquele que determina no campo do direito econômico o papel do Estado no planejamento econômico, que deve ser determinante para o setor público e apenas indicativo para o setor privado, nada obstante a realidade dos planos econômicos sempre apontarem em caminho inverso. O Estado controla as empresas privadas e ninguém controla as empresas estatais. O § 3º, todavia, no contexto regulatório, suprimiu da intervenção estatal a atuação dos garimpeiros e os seus princípios são simples, a saber: a) favorecer a criação de cooperativas de garimpeiros (cooperativas de produção); b) proteger o meio-ambiente; c) promover o trabalhador dos garimpos social e economicamente. Sendo das mais antigas atividades econômicas e sempre com pessoas que preferem viver a vida com um certo grau de aventura, em que o planejamento e a solidez dos negócios para o futuro não representam a maior preocupação – quase sempre os garimpeiros vivem do dia-a-dia – o dispositivo objetiva nitidamente auxiliar a atividade garimpeira, permitir maior proteção desses trabalhadores em relação àqueles que os exploram e prepará-los para uma vida melhor e mais digna pela própria evolução da atividade, adoção de técnicas mais modernas e provisão para o futuro em caso de doenças, velhice ou incapacidade de trabalhar. Tal dispositivo não se aplica, todavia, aos índios que, devendo conservar-se de acordo com suas tradições primitivas, não deverão ter o estímulo do "homem branco" para se tornarem "homens brancos". Em suas terras, farão a exploração que quiserem, nos termos dos parágrafos anteriores, não devendo a União interferir, a não ser naquelas hipóteses.

Ora, tanto o disposto no § 3º quanto no § 4º não se aplicam, visto que em suas áreas tem o indígena primitivo, enquanto preservador de suas tradições e culturas – esta é a única interpretação possível para garantir-lhes 13% do território nacional –, liberdade de agir absoluta, havendo de prevalecer tal maneira de ser sem influência, benefícios e, evidentemente, problemas que, na luta pela vida, o resto da nação deve enfrentar. Por fim, determina o artigo 232 que: "Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo". O artigo 232 contém inequívoca contradição. Considera competentes todos os índios e suas comunidades para ingressar em juízo para a defesa de seus direitos e interesses, mas os considera "hiposuficientes", na linguagem de Cesarino Jr., de tal maneira que o Ministério Público intervirá em todos os atos de todos os processos em sua defesa. Dá-lhes plena capacidade processual e legitimidade ativa, mas limitada autonomia processual, visto que o Ministério Público ao intervir não fará como defensor da lei, mas como autêntico advogado auxiliar dos patronos dos indígenas. Faz menção, o constituinte, a três pontos, os índios, isoladamente, suas comunidades e as organizações que os congregam. Distingue, portanto, as comunidades das organizações, devendo-se entender que as comunidades são as organizações sem personalidade jurídica e as organizações são feitas das comunidades, mas com personalidade jurídica. A presença do Ministério Público como advogado tem sentido. Como todo o Capítulo VIII objetiva manter um "Museu Vivo do Índio Primitivo", com vasta extensão territorial ofertada a tais comunidades (parte da Amazônia é-lhes assegurada), sua cultura deverá ser mantida com o primitivismo próprio dos tempos de Caramuru ou João Ramalho, razão pela qual estão menos preparados para defender seus interesses e direitos, até mesmo na contratação de advogados, que assim não poderão, na visão do constituinte, "iludí-los" Por esta razão, houve por bem, o constituinte, exigir a presença de quem tem a função de defesa da lei no País, para patrocinar as questões indígenas e de suas comunidades e organizações em eventuais processos, evitando que sejam mal conduzidos ou mal direcionados. Protegê-los contra terceiros e contra sua própria presumida ignorância. Por este prisma, o dispositivo tem sua razão.

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Gabriel Bouys/AFP

Divulgação

Olavo de Carvalho Jornalista, escritor e professor de Filosofia



Adnan Abidi/Reuters

Hoje em dia, o interesse nacional de todos os países está subordinado a planos de envergadura global impostos por uma elite econômica, burocrática e intelectual (...)

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"Q

ue se pode esperar do governo Obama?" é a pergunta do momento. Para respondê-la, analistas acadêmicos e jornalísticos usam invariavelmente de um método que já se consagrou pela sua capacidade de errar: examinam a tônica geral dos discursos de campanha e confrontam-na com os problemas objetivos – econômicos, militares, diplomáticos – que o novo governante terá de enfrentar. Esse método falha por duas razões: Primeira: raciocina com base no pressuposto de que o quadro institucional permanecerá inalterado e de que, portanto, o novo presidente desempenhará, a seu modo, substantivamente as mesmas funções do seu antecessor. Não concebe que dentro de uma estratégia revolucionária, uma das funções primordiais do governante é precisamente a de redefinir essas mesmas funções. Obama aprendeu isso desde a juventude com seu guru Saul Alinsky: "Mudança é desorganizar o que está organizado e criar em cima uma nova organização."

DIGESTO ECONÔMICO SET/OUT E NOV/DEZ 2008

Segunda: raciocina sempre com o pressuposto de que o governante representa o interesse nacional e há de defendê-lo, com toda a sinceridade, conforme o acordo que logre encontrar entre as exigências da militância que o elegeu, as reivindicações dos aliados de ocasião e as pressões da situação objetiva. Essa premissa já não faz o mínimo sentido numa época que se caracteriza, acima de tudo, como a da emergência e implantação do governo mundial. Hoje em dia, o interesse nacional de todos os países está subordinado a planos de envergadura global impostos por uma elite econômica, burocrática e intelectual, cujo poder transcende o de qualquer nação em particular, inclusive o dos EUA. Muitos presidentes e primeiros-ministros são colocados em seus postos com a ajuda e sob a orientação dessa elite, não para defender o interesse nacional, mas para contrariá-lo em função de objetivos de escala imensamente maior que, embora já descritos há mais de meio século por autores do porte de um Arnold Toynbee e de um Carroll Quigley, quase nunca são levados em conta por aqueles analistas, e não o são por um motivo


Oliver Laban-Mattei/AFP

muito simples: como o admitiu publicamente David Rockefeller, um dos líderes máximos do globalismo, a luta pela implantação do governo mundial fracassaria se fosse divulgada prematuramente, sendo portanto a discrição, a desconversa e a desinformação algumas das funções essenciais da grande mídia no período intermediário. Entre os "meios antidemocráticos" que Toynbee considerava indispensáveis à implantação do governo mundial, está, com toda a evidência, o controle do fluxo de informações fornecido ao público. A uniformidade crescente do jornalismo mundial, da qual a campanha contra os supostos agentes humanos do aquecimento global, a gritaria universal anti-Bush ou as ondas de entusiasmo em torno de Lula, de Obama, ou do Fórum Social Mundial dão amostras eloqüentes, explica-se facilmente pela concentração cada vez maior da propriedade dos órgãos de mídia nas mãos, precisamente, dos grupos econômicos mais interessados no governo mundial. Que uma parte dos agentes menores do processo reclame contra essa concentração, alegando

ver nela o efeito espontâneo da pura mecânica do capitalismo, deve-se em parte a um automatismo ideológico residual, em parte ao desejo astuto que esses grupos e pessoas têm de camuflar suas próprias ações sob o manto de pretensas tendências ou leis históricas anônimas, atribuindo a culpa das mudanças mais desagradáveis à situação anterior que as transformações em curso visam precisamente a suprimir. Como, por outro lado, a mídia também tem por função condensar o "senso comum" (no sentido sociológico e gramsciano do termo), fornecendo à população um sentimento de orientação e certeza quanto ao que está acontecendo, o leitor culto será levado, mais dia menos dia, a ter de escolher entre acompanhar a opinião geral ou buscar uma compreensão mais realista e científica do estado de coisas. No primeiro caso, ganhará aquela reconfortante sensação de segurança que advém de se enganar a si próprio junto com a maioria. No segundo, alcançará a certeza razoável que lhe permitirá fazer previsões acertadas, à custa de parecer estranho ou maluco aos olhos de muitos. Como a minha escolha já foi feita faz tempo, o

Num tempo de mudança acelerada, forçada desde cima por grupos cuja linha de ação permanece discreta, é praticamente impossível prever o curso geral das ações de um novo governo.

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Thomas Mukoya/Reuters

Toda a carreira de Obama e sua ascensão ao poder foram subsidiadas inteiramente por forças anti-americanas.

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Ethan Miller/AFP

método que emprego para responder a perguntas como aquela que abre este artigo não se baseia nas convenções acadêmicas e jornalísticas usuais, mas em precauções científicas elementares, o que tem me permitido alcançar algum sucesso na previsão do curso das coisas, sucesso cujo preço é, naturalmente, o ódio daqueles que não o alcançaram. Uma dessas precauções é a seguinte: num tempo de mudança acelerada, forçada desde cima por grupos cuja linha de ação permanece discreta, é praticamente impossível prever o curso geral das ações de um novo governo. Tudo o que podemos e devemos fazer é abdicar das previsões gerais e ater-nos àqueles pontos particulares, poucos, mas significativos, já determinados pelo curso da ação anterior, de tal modo que o novo governo tenha de lhes dar continuidade necessariamente. Em vez de deduzir do quadro geral as ações particulares que o governante deverá hipoteticamente empreender para enfrentálo, é preciso partir das ações particulares já existentes ou praticamente inevitáveis, e daí, se possível, ir laboriosamente subindo

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até o quadro geral. Digo "se possível" precisamente porque na maior parte dos casos só podemos alcançar uma certeza razoável quanto às linhas de ação particulares, ficando o sentido geral das coisas tão fora do nosso alcance intelectual quanto do controle do próprio governante. Mesmo os poderes mais formidáveis só são capazes de determinar uma fração mínima dos resultados de suas ações. Daí que todo prognóstico sério quanto aos rumos de um novo governo deva se ater às ações que ele tenha de empreender tão somente para manter e ampliar o poder de que foi investido, especialmente aquelas que derivem de compromissos imediatos já assumidos com as forças políticas e econômicas que o geraram. A esse preceito acrescenta-se um segundo, de igual obviedade: quaisquer que sejam os seus objetivos proclamados, um esquema de poder zelará sempre, acima de tudo, pela sua própria continuidade e expansão. Para agir é preciso ser, dizia Sto. Tomás de Aquino. A existência e continuidade do esquema são a condição prévia para que o esquema faça o que quer


que seja. Portanto, o que se deve averiguar antes de tudo é o que um governante terá de fazer necessariamente, não para alcançar tais ou quais metas, nem para enfrentar as dificuldades objetivas que acossam a nação ou uma parte dela, mas simplesmente para conservar – e, no caso de um governante revolucionário, ampliar – o poder de ação que já tem. Não sei, portanto, o que Obama vai fazer em linhas gerais. Não sei e ninguém sabe. Mas sei o que ele já está fazendo e vai ter de continuar a fazer, não para alcançar certos fins, mas simplesmente para conservar e ampliar o domínio dos meios. Observo, de passagem, que foi por esse método que anunciei, logo após a primeira eleição de Lula, que ele nada faria de efetivo contra o narcotráfico, pela simples razão de que fora colocado no poder – e poderia ser apeado dele – pelo esquema internacional do Foro de São Paulo, cujos interesses se identificavam visceralmente com os das Farc, então e ainda hoje a maior

fornecedora de cocaína ao mercado nacional. Excetuando-se a hipótese de que seja louco, um governante pode fazer muitas coisas, mas não destruir os meios de fazer qualquer coisa. Toda a carreira de Obama e sua ascensão ao poder foram subsidiadas inteiramente por forças notoriamente anti-americanas. Alegar que são apenas anti-Bush e não antiEUA é apenas um giro retórico de ocasião, indigno de exame. A função essencial que o novo presidente desempenhará no cargo não é muito diferente daquela que Strobe Talbott recomendava a Bill Clinton: "Vender o multilateralismo como se fosse um meio de preservar e ampliar a liderança americana no mundo." Trata-se, em resumo, de debilitar e submeter a instâncias supranacionais o poder nacional que se finge incrementar. Nos seus discursos de campanha, bem como em declarações de seus assessores, Obama prometeu diminuir o orçamento militar americano em até 25%, desacelerar as pesquisas nucleares e,

A eficácia da ação diplomática é, por definição, proporcional ao poder militar que lhe dá respaldo.

Mario Tama/AFP

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pasmem, "desmilitarizar o espaço". Isso, alegadamente, tornaria os EUA mais simpáticos aos olhos da humanidade e lhes daria uma tremenda liderança diplomática no mundo. Só mocinhas de cabeça oca – que não por coincidência constituíram a parcela mais decisiva do eleitorado de Obama – podem acreditar numa coisa dessas. A eficácia da ação diplomática é, por definição, proporcional ao poder militar que lhe dá respaldo.

fotos: Toru Yamanaka/AFP

Na cidade japonesa de Obama, donas de casa dançam após o anúncio da vitória.

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Em toda ação política – e esta é a terceira precaução metodológica que recomendo –, é preciso distinguir entre as metas finais anunciadas e a substantividade dos atos empreendidos para alcançá-las. Estes são uma realidade, aquelas apenas uma hipótese, quando não um pretexto. Logo, o sentido da ação revela-se antes na natureza dos meios usados do que nos fins nominais proclamados. Debilitar militarmente uma nação é... debilitá-la militarmente. Que isso possa fortalecê-la diplomaticamente é uma hipótese de longo prazo, rebuscada demais e contrária a toda experiência histórica. A conexão que aí se pretende ver entre os fins alegados e os meios escolhidos baseia-se, ademais, numa premissa que é, uniformemente, a do discurso antiamericano geral: os EUA são odiados por causa de sua força militar; se aceitarem tornar-se mais fracos, serão amados perdidamente pela humanidade. Note-se que, no caso, aquilo que o candidato enfatizou no discurso de campanha não foi a materialidade dos meios e sim a suposta beleza dos fins, sob aplausos frenéticos de multidões de estudantes para os quais mesmo a completa destruição dos EUA não deixaria de ser


Gabriel Bouys/AFP

uma idéia investida de algum sex appeal. Idêntico poder de atração tem essa idéia sobre todos aqueles que financiaram a carreira de Obama desde sua adolescência: milionários árabes, agitadores próterroristas, corporações globalistas e, last not least, George Soros. Se uma coisa é certa, é que o objetivo de debilitar militarmente os EUA, já perseguido com notável tenacidade pelo governo Clinton, será seguido à risca por Barack Obama pelo simples fato de que realizá-lo é uma das razões fundamentais da sua existência como político. É algo que ele simplesmente não pode deixar de fazer, tal como, mutatis mutandis, Lula não pôde deixar de sacrificar os interesses e a soberania da nação aos objetivos maiores do Foro de São Paulo e do esquema globalista que o sustenta, como se viu no caso das pressões bolivianas contra a Petrobras, e mais claramente ainda na questão Raposa Serra do Sol. Não deixa de ser curioso – e deprimente – observar que, numa época em que as soberanias nacionais são contestadas abertamente nas altas esferas da política

mundial, e sua limitação ou eliminação progressiva é mesmo proclamada como uma condição básica para a sobrevivência da espécie humana, analistas com pretensões científicas continuam tomando como premissa, ao menos implícita, de suas previsões a suposição de que os governantes agem sempre em função do interesse nacional, como se fossem príncipes da Renascença empenhados em quebrar a unidade do império e instaurar novas unidades soberanas. Hoje em dia, um governante pode contrariar na base os mais vitais interesses da sua nação e receber, por isso mesmo, tanto apoio da opinião internacional que a própria população do seu país, julgando as coisas pela aparência mais visível e não pela substancialidade das ações envolvidas, acabe vendo nele uma espécie de herói nacional. A fórmula de Talbott foi seguida à risca por Bill Clinton, por isso mesmo um dos presidentes americanos mais aplaudidos pela mídia mundial. Ele diminuiu o arsenal americano de armas atômicas sabendo que a China aumentava consideravelmente o dela; fomentou o quanto pôde os

Obama já está formalmente comprometido com o projeto de anistia total para os ilegais (...)

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Obama não foi eleito só para fazer de novo o que Clinton já fez. À debilitação do poderio americano no quadro internacional ele associará um aumento prodigioso do poder de controle do Estado americano sobre as vidas dos cidadãos e sobre a formação da opinião pública.

Qualquer que seja o teor dessas mudanças, a primeira delas é e tem de ser a consolidação do poder de ação necessário para empreendê-las. Foi por ter descuidado disso que George W. Bush fracassou.

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investimentos americanos na China, ao mesmo tempo que estrangulava com impostos e legislações restritivas a indústria americana; bloqueou as investigações sobre a espionagem chinesa no laboratório nuclear de Los Alamos e, nos últimos dias do seu governo, quando o principal agente chinês envolvido na operação já estava preso, deu-lhe indulto sem qualquer motivo razoável. Não é preciso explicar que em tudo isso ele agiu contra o interesse nacional americano e praticou o mais estrito "multilateralismo", fomentando a transformação da China numa potência econômica e militar com pretensões a tornar-se o centro dominante nas próximas décadas. Também não é preciso dizer que os aplausos daí decorrentes na mídia internacional deram uma tremenda impressão de prestígio americano crescente, fazendo com que o declínio aparecesse como ascensão aos olhos do povo. Ainda mais entusiasticamente foi aplaudido o ex-presidente americano pela sua intervenção "humanitária" em Kosovo, a qual, sob o pretexto de punir um genocídio que hoje sabemos ter sido perfeitamente inexistente, só teve como resultado efetivo fazer de uma região que era cristã uma praça-forte islâmica, e isto ao preço do genocídio verdadeiro aí empreendido pelas tropas muçulmanas treinadas e subsidiadas pelo próprio Bin Laden. Aí, novamente, a simpatia da mídia internacional foi vendida à população americana como prova de grande sucesso da ação anti-americana ordenada pelo presidente. Quando Obama promete melhorar a "imagem" internacional dos EUA em troca da redução do poderio militar americano, ele está aplicando de novo a fórmula de Talbott: trocar a realidade por uma imagem e em seguida vender a imagem como realidade. Que ele vai realmente fazer isso é algo de que não se pode duvidar seriamente, pois essa proposta é a razão fundamental ou quase única do apoio que recebeu de toda parte no mundo, apoio que só um perfeito idiota imaginaria nascer das preferências espontâneas da população e não de um esforço coordenado da elite globalista que domina as organizações de mídia em todos os quadrantes da Terra. Se ele voltar atrás nesse compromisso, sua carreira política não durará mais um dia.

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Mas Obama não foi eleito só para fazer de novo o que Clinton já fez. À debilitação do poderio americano no quadro internacional ele associará um aumento prodigioso do poder de controle do Estado americano sobre as vidas dos cidadãos e sobre a formação da opinião pública. Não digo que ele "pode" fazer isso ou que "tende a" fazer isso. Digo que o fará necessariamente, se não for impedido, porque fazê-lo é preciso para consolidar o poder das forças que o elegeram e bloquear desde já um possível retorno dos republicanos ao domínio das duas casas do Congresso em 2010. Conservar e aumentar o seu poder é a condição mais básica da existência das forças políticas, e tais condições se tornam tanto mais necessárias e urgentes quando se trata de uma força política empenhada em fazer mudanças profundas na sociedade. Qualquer que seja o teor dessas mudanças, a primeira delas é e tem de ser a consolidação do poder de ação necessário para empreendê-las. Foi aliás por ter descuidado disso que George W. Bush fracassou por completo. Em vez de consolidar a hegemonia republicana, debilitando o adversário, ele preferiu improvisar uma aliança suicida com este último, forjando um simulacro de união nacional contra um inimigo externo. Essa união, ao esboroar-se com velocidade mais que previsível (exceto aos olhos dos gênios do Departamento de Estado), levou junto consigo o prestígio da presidência e o controle republicano das duas casas do Congresso. Os democratas não costumam cair tão facilmente nesse equívoco. Já antes mesmo da posse de Obama estão preparando o retorno da legislação restritiva, ironicamente denominada Fairness Doctrine ("Doutrina da Eqüidade"), que visa a destruir o pouco de equilíbrio que ainda resta entre os meios de comunicação americanos, transferindo aos democratas metade do tempo de que os republicanos desfrutam no rádio, sem conceder a estes nem uma fração sequer da hegemonia democrata nos jornais e na TV. Alguns comentaristas republicanos, e não dos piores, raciocinando erroneamente segundo a premissa de que as regras do jogo permanecerão inalteradas, chegam a imaginar que a vitória de Obama foi boa para o seu partido, pois lançará sobre o novo presidente a responsabilidade de enfrentar a crise econômica e previsivelmente fracassar,


preparando assim um retorno triunfal dos republicanos nas eleições legislativas de 2010. É um dos erros de método a que me referi. Em 2010, as regras do jogo estarão tão radicalmente alteradas que os republicanos em geral, e os conservadores em especial, mal terão como fazer-se ouvir pela opinião pública. A "mudança" aí prometida por Obama pode começar já antes da sua posse na presidência: encorajados pela vitória no pleito presidencial, os senadores e deputados democratas não vêem a hora de aprovar o retorno da catastrófica e antidemocrática Fairness Doctrine. A essa mudança fundamental, que dará ao establishment esquerdista o controle quase completo dos meios de comunicação, Obama pretende acrescentar um item mais complicado, mas cuja implementação é um compromisso explícito que ele assumiu com a ala enragée da sua militância, cujo apoio ele terá de continuar cortejando caso não pretenda

voltar contra si a parcela mais ousada e vociferante da nação americana, coisa que ele só fará se for louco. Refiro-me ao projeto da "Força Civil de Segurança Nacional". Obama já vem trabalhando nesta idéia há muitos anos, no quadro da ONG "Public Allies". Trata-se, muito simplesmente, de armar a militância radical e fazer dela, segundo as próprias palavras do novo presidente, uma força tão poderosa e tão bem subsidiada quanto o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. A verba que deverá ser alocada para isso já é calculada pelos planejadores obamistas em 500 bilhões de dólares anuais. Cada voluntário recrutado receberá aproximadamente 1.800 dólares por mês, mais a garantia de bolsas de estudo, vagas nas melhores universidades e inumeráveis outras vantagens sociais que, associadas ao armamento e ao adestramento militar, farão dessas hordas de fanáticos, muito rapidamente, uma classe privilegiada

Senadores e deputados democratas não vêem a hora de aprovar o retorno da catastrófica Fairness Doctrine.

Michael Nagle/AFP

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Massoud Hossaini/AFP

Obama promete melhorar a imagem internacional dos Estados Unidos por meio da redução do poderio militar americano. Ele prometeu diminuir o orçamento militar em até 25%.

investida de meios de poder assustadores. Contra quem se voltará esse poder? Destinar-se-á a "força civil" a substituir com vantagem os militares na repressão e controle do terrorismo? Impossível. A gestão Bush já reduziu a zero o número de atentados terroristas no território americano. Pretender ir abaixo de zero não faz sentido. Será então a nova força destinada a combater a criminalidade, a restaurar a segurança pública e assim a promover a paz social, a tão ansiada "reconciliação" entre as raças? Igualmente impossível. Se, por um lado, oitenta por cento dos militantes da Public Allies já se constituem de jovens de raça negra, muito provavelmente a mesma proporção se manterá na "força civil", pois onde mais, senão nas fileiras da sua própria militância, iria o obamismo recrutar os voluntários para essa tarefa? É certo, de outro lado que, da totalidade dos crimes interraciais praticados nos EUA, 85% – quase a mesma proporção dos membros da Public Allies – são cometidos por negros contra brancos, com o detalhe politicamente correto de que as estatísticas oficiais de criminalidade se recusam a tratar os hispânicos como um grupo em especial e os incluem entre os "brancos", debitando na conta destes os crimes eventualmente cometidos por imigrantes ilegais

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hispânicos contra negros. Um vasto empreendimento de repressão aos crimes interraciais poria ainda mais negros nas cadeias que eles já superlotam. Seria um suicídio político formidável, jogando contra Obama a comunidade cuja cor de pele é um dos motivos mais fortes da sua presença no cargo presidencial. (A propósito, convém lembrar que a explicação usual da proporção maior de presidiários negros como efeito do "racismo" é uma fraude completa, de vez que os Estados onde há proporcionalmente mais negros do que brancos nas prisões não são os do Sul e sim os do Norte, e não são os governados pelos republicanos e sim pelos democratas. ) Igualmente impossível é que a nova força de segurança se destine a controlar o problema da imigração ilegal. Obama já está formalmente comprometido com o projeto de anistia total para os ilegais, e muito em breve o conceito mesmo de "imigrante ilegal" terá sido abolido. Excluídas essas três finalidades, que tarefa resta para uma força monstruosa, do tamanho do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, senão policiar e reprimir os grupos políticos e religiosos considerados "suspeitos" segundo a perspectiva esquerdista? Isso já estava no programa dos democratas desde os tempos de Madeline Albright, que via uma grande ameaça à segurança nacional nos grupos formados por pessoas religiosas, conservadoras e, como metade da população americana, armadas. A gestão Clinton não contava, para a repressão a esses grupos, senão com o FBI e as polícias estaduais, onde naturalmente muitos agentes e homens de comando veriam com horror uma ação abrangente e drástica contra pessoas inocentes. A jovem militância obâmica já vem previamente vacinada contra esses escrúpulos pela doutrinação maciça. Debilitar o Estado americano no exterior e fortalecê-lo no interior são os dois pilares fundamentais da política de Obama. Ele não pode desistir nem de um nem do outro, não só porque eles se complementam, mas porque são as principais razões de ser da sua existência como político. Toda a carreira de Obama foi amparada e subsidiada por forças que desejam ardentemente essas duas coisas. Ao discerni-las como realizações fundamentais nas quais o governo Obama


empenhará o melhor dos seus talentos, não esbocei nenhum quadro geral das perspectivas desse governo, apenas chamei a atenção para duas linhas de ação já em movimento, fortemente arraigadas nas metas constantes dos democratas no poder, e já previamente articuladas com o mais vasto esforço de formação de militância que já se viu nos EUA (só para as campanhas de internet, Obama tem a seu dispor uma rede de nada menos de quatro milhões de pessoas, formalmente comprometidas a continuar fazendo pelo governo o que fizeram pelo candidato). Qualquer que seja o desenho geral que o governo Obama venha a mostrar ao mundo, essas duas linhas estarão lá e afetarão profundamente o conjunto. Que vários analistas, republicanos, democratas ou independentes, anunciem um governo "moderado" ou "centrista", só provêm do fato de que não possuem os instrumentos analíticos necessários para compreender a situação. "Radical" e "moderado", no mais das vezes, são termos que se aplicam melhor à descrição de estilos retóricos que

à de ações substantivas. O "radical" esquerdista Hugo Chávez não conseguiu desmantelar a pujante oposição venezuelana, ao passo que o "moderado" Lula foi desmantelando um a um todos os focos de resistência direitista, ao ponto de que hoje só lhe resta oposição de esquerda. Obama pode muito bem manter um perfil "moderado" nas áreas de atuação mais visíveis, ao mesmo tempo que discretamente vai implementando aquelas duas medidas que, por si, bastam no entanto não só para alterar irreversivelmente o quadro político americano, mas para "mudar o mundo". É claro que Obama pode ser impedido de realizar esses planos, seja por fatores incontroláveis, seja pela ação organizada de seus adversários. O que é certo é que o esforço de concretizá-los, de maneira mais espetacular ou mais discreta, será uma das constantes do seu governo, e qualquer sucesso que ele obtenha nesse sentido, mesmo incompleto ou mínimo, deixará uma cicatriz na face histórica dos EUA e da espécie humana.

KAL/The Economist - London, England

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Campanha de 2008 Gene Healy Vice-presidente do Cato Institute e autor do livro "O Culto à Presidência: A Perigosa Devoção da América ao Poder Executivo". Seu artigo é uma contribuição de OrdemLivre.org

Divulgação

O

meu livro chama-se "O Culto à Presidência", mas ultimamente penso que eu deveria tê-lo chamado de "A Futilidade da Esperança". Espero que você não esteja aqui para uma dose de otimismo radiante sobre o estado da presidência e o futuro da nossa política. Caso esteja, você ficará decepcionado. Vamos pensar naquela frase "a Audácia da Esperança". O que ela significa? Eu ainda não li o livro, mas, ao escutar os discursos em que Obama usa a frase, torna-se claro que "a Audácia da Esperança" é a crença na promessa de redenção através da política presidencial. É a idéia segundo a qual o presidente pode nos salvar. Quando houver qualquer coisa que nos aflige – seja desemprego ou furacões, discordância ou indisposição espiritual – o presidente conhece a cura. Como Obama disse, em discurso na Carolina do Sul há alguns meses, com

o tipo certo de liderança podemos "criar um reino aqui mesmo na terra". Se isto soa partidário, deixe-me ressaltar que muitos conservadores, que hoje criticam o culto a Obama, são as mesmas pessoas que fizeram um boneco de ação de George W. Bush. Se este livro for alguma coisa, ele é apartidário: ele é implacavelmente cínico sobre ambos os lados do espectro político convencional. O fato é que os dois principais candidatos nesta corrida subscrevem à visão messiânica da presidência. John McCain idolatra Teddy Roosevelt, que é talvez a figura mais ridícula e irritante que já ocupou o Salão Oval (este é o ponto de vista de uma minoria, garanto). Mas McCain diz que Roosevelt foi um grande presidente, porque ele expandiu os poderes do Executivo e "nutriu a alma de uma grande nação". Se a nutrição de almas é o trabalho do presidente, então acho que é uma coisa boa.

Stan Honda/AFP

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e o culto à presidência Mas, vamos direto ao assunto: quem eles pensam que são? Para qual tipo de trabalho eles pensam que estão se candidatando? Poucos americanos sequer pensam em perguntar essas questões. Você ouve os candidatos e obtém uma visão extraordinária do presidente. Ele é o psicólogo, o assistente social da América, e nosso apresentador nacional de programas de entrevistas. Ele é seu companheiro e conselheiro de vida, e também o Senhor da Guerra Supremo da Terra. Mas esta visão da presidência não poderia estar mais distante da perspectiva dos autores da Constituição dos EUA. Os autores nunca pensaram no presidente como um homem que poderia resolver todos os seus problemas, quanto mais salvar a sua alma. Eles conheciam muito bem a natureza humana para sequer pensar em colocar tanto poder e responsabilidade nas mãos de uma única pessoa. Refletindo, posso lembrar o momento exato em que percebi que havia algo terrivelmente errado no modo como os americanos enxergam a presidência. Foi em 16 de outubro de 1992. Eu estava na faculdade, assistindo ao debate presidencial com uns amigos, após tomar várias cervejas. Este debate em particular – com Bill Clinton, George W. Bush e Ross Perot – foi um daqueles debates horríveis, com a participação da platéia, estilo Oprah. Você conhece o formato: eles reúnem uma audiência de americanos supostamente normais, e colocam os candidatos empoleirados em banquinhos, tentando parecer confortáveis. E lá da audiência surge um homem que preenche o estereótipo da esquerda – um assistente social com um rabo de cavalo. Um homem que, mais tarde, descobrimos que se chama Denton Walthall. E Denton faz as perguntas mais estarrecedoras, que citarei com certo detalhe: O objetivo do meu trabalho como mediador doméstico é satisfazer as necessidades das crianças com quem trabalho... e não os desejos de seus pais. E pergunto aos três: sendo simbolicamente as crianças do futuro presidente, como podemos esperar que os três satisfaçam nossas necessidades, as necessidades em relação à moradia, segurança etc... Relembrando, pensei sobre como os presi-

dentes de outrora teriam respondido ao adulto balbuciando sobre as carências nacionais, e comparando os americanos a crianças. Andrew Jackson, que lutou dezenas de duelos em sua vida, teria provavelmente segurado Denton pelo rabo de cavalo e lhe dado uma surra de pistola em audiência nacional. O silencioso Cal Coolidge, um de nossos grandes presidentes, teria tomado uma abordagem diferente. Ele simplesmente ficaria sentado, encarandoo friamente, e o envergonhando com um silêncio constrangedor e horrível. Mas o que é realmente estarrecedor é a resposta que a pergunta de Denton Walthall obteve. Nenhum dos candidatos se sentiu confortável para sugerir – mesmo educadamente – que, meu amigo, o presidente não é sua mamãe ou papai. Em vez disso, todos aceitaram sua premissa. Ross Perot disse que ele juraria e assumiria o compromisso. Bill Clinton, sendo Bill Clinton, buscou agradar. E a resposta de Bush pai foi de doer. Ele disse: ... quer dizer, penso, em geral,

Tradução: Cíntia Shimokomaki

Como Obama disse, em discurso na Carolina do Sul há alguns meses, com o tipo certo de liderança podemos "criar um reino aqui mesmo na terra".

Jom Young/Reuters

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vamos conversar sobre estas – vamos conversar sobre estas questões; vamos conversar sobre os programas, mas a presidência envolve muita coisa. Ela envolve zelar – isto não é particularmente específico; envolve força – isto não é específico; resistir à agressão, isto não é específico em termos de um programa. Por isso, em princípio, eu aceito sua questão e acho que deveríamos discutir assistência à criança, ou o que quer que seja. Claramente, a dificuldade com palavras é um problema de família. Por mais triste que seja a análise, o presidente Bush e Denton Walthall descreveram precisamente o que seria a idéia dominante do papel do presidente na vida moderna americana. Este papel contém várias facetas: "não específico"; "força", "zelo", "moradia", "segurança", "resistência à agressão", "assistência à criança" – ou, de fato, "qualquer outra coisa". É claro, o presidente não tem praticamente nenhuma responsabilidade constitucional na área de "segurança", tampouco em relação à moradia ou assistência à criança, e você não encontrará "zelo" na Constituição, o que é uma das grandes características deste documento. No entanto, estas questões são o arroz com feijão de toda campanha presidencial moderna. Mas, diferentemente de John McCain, os autores da Constituição dos EUA não pensavam que o papel do presidente era "nutrir" a alma nacional, independentemente do que isso seja. Como Hamilton destacou no The Federalist ensaio nº 69, o presidente "não tem nenhuma porção de jurisdição espiritual". É comum hoje em dia, especialmente após os atentados de 11 de setembro, ouvir as pessoas chamarem o presidente de "nosso comandante-em-chefe" – como se ele fosse o líder de toda a sociedade, em vez de general-chefe do Exército dos EUA. Em abril, Hillary Clinton até declarou que o presidente precisa estar "preparado, a partir do primeiro dia de mandato, para ser comandante-em-chefe da economia dos EUA". Mas George Washington não saía por aí clamando ser o comandante-em-chefe de todos; na maioria das vezes, ele se referia ao seu cargo como "magistrado-chefe" – um título bem humilde. E, diferentemente do moderno George W. Bush, Washington não achava que sua autoridade como comandante-em-chefe lhe dava permissão para violar a lei que quisesse, desde que ele a fizesse em nome da "segurança nacional". George W. Bush acha que pode começar uma guerra com o Irã sem permissão do Congresso. Mas Washington não achava que tinha o

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É comum hoje em dia, especialmente após os atentados de 11 de setembro, ouvir as pessoas chamarem o presidente de "nosso comandante-emchefe" – como se ele fosse o líder de toda a sociedade, em vez de general-chefe do Exército dos EUA.

poder de lançar uma ação ofensiva contra tribos indígenas hostis. Como ele declarou em 1793, "a Constituição confere o poder de declarar guerra ao Congresso; portanto, nenhuma expedição ofensiva importante pode ser realizada até que o assunto seja deliberado e autorizado". Nos últimos seis anos, o movimento conservador tem apoiado toda proposta de ampliação do poder executivo feita pela administração Bush: o poder para declarar guerras à vontade; grampear telefones e ler e-mails sem mandado; e prender cidadãos americanos em solo americano e detê-los pela duração da guerra contra o terror – em outras palavras, talvez eternamente – sem ter que responder a um juiz. Como chegamos aos dias de hoje é uma história fascinante, e eu explico esta história no livro. Mas, agora, gostaria de concentrar em como o movimento conservador moderno abandonou sua herança de ceticismo em relação ao poder presidencial. Os intelectuais de direita que se uniram ao redor da National Review de William F. Buckley associaram presidentes poderosos ao liberalismo ativista: o "New Deal" (Novo Acordo), "New Frontier" (Nova Fronteira), "Great Society" (Grande Sociedade). Em 1964, Barry Goldwater, que representou a maior esperança de sucesso político dos conservadores, escreveu que: ...parte da idolatria atual a executivos poderosos vem daqueles que admiram qualquer tipo de força e realização. Outros aclamam a demonstração de força presidencial... simplesmente porque eles aprovam o resultado alcançado pelo uso da força. Isso é nada menos do que a filosofia totalitária, segundo a qual o fim justifica os meios... Se existe uma filosofia de governo totalmente em guerra com aquela dos Pais Fundadores dos EUA, este é um exemplo. Ronald Reagan fez um famoso discurso na televisão em favor da candidatura de Goldwater. Ele atacou o senador Fulbright de Arkansas, que algumas semanas antes havia "se referido ao presidente como nosso professor de moral e nosso líder, e ele disse que estava amarrado em seu trabalho por causa das restrições de poder impostas por este documento obsoleto. Ele deveria ser liberado (disse Fulbright) para que ele possa fazer o que sabe melhor". Reagan considerou esta idéia com desprezo total, identificando-o como o tipo de sentimento que, segundo ele, nos levaria "ao formigueiro do totalitarismo". Bom, este é o tipo de conversa que levaria Rush Limbaugh e Sean Hannity a acusá-lo hoje de traição, já que o movimento conservador enxerga as questões do Poder Executivo de modo bem diferente. Depois que os anos 1970 e


1980 trouxeram ao colégio eleitoral a "maioria republicana emergente", a direita tornou-se vítima do "constitucionalismo situacional" e adotou a visão de presidência previamente associada a FDR, JFK e LBJ. Nossos problemas com a presidência não desaparecerão por dois motivos: primeiro, o histórico de administrações democratas passadas – incluindo aquela cujo sobrenome do presidente era Clinton – nos dá poucos motivos para acreditar que os democratas hesitarão em ampliar os poderes do Executivo. Os democratas são tão suscetíveis ao constitucionalismo situacional como os republicanos. Isto deveria nos preocupar, porque o histórico de vigilância irrestrita ao longo do século 20, na vigência do Ato de Vigilância da Inteligência Estrangeira (Fisa, na sigla em inglês), nos mostra que presidentes de ambos os partidos usaram regularmente sua autoridade de grampear para espionar seus inimigos políticos. Em segundo lugar, haverá enorme pressão para reverter à teoria de Bush de Poder Executivo, se e quando houver ataques terroristas futuros contra os Estados Unidos. Nenhum presidente pode deixar o país à prova de terrorismo, e isso não deve ser esperado de nenhum presidente. Mas se o povo impuser punição política ao fracasso do presidente em fazer o impossível, é natural que o presidente procure um poder correspondente a esta responsabilidade. Esta dinâmica é ressaltada pelas visões da presidência apresentadas na campanha deste ano, na qual o candidato democrata disse acreditar ser capaz de impedir o aumento do nível dos oceanos, e o principal palestrante republicano, Rudy Giuliani, disse ao público que "podemos confiar (em John McCain) para lidar com qualquer coisa que a natureza coloque em nosso caminho, qualquer coisa que os terroristas façam conosco... e estaremos seguros em suas mãos, e nossas crianças estarão seguras em suas mãos". Talvez você já tenha visto esta fórmula: o "Partido da Mamãe" contra o "Partido do Papai". Ela resume perfeitamente o triste estado

SCHRANK / Sunday Business Post/ Dublín, Irlanda

do debate sobre o poder presidencial. O que você deseja em um presidente: uma mamãe nacional ou um papai nacional? Você não precisa escolher. Baseado em experiências anteriores, você geralmente terá ambos. Você terá um militarismo intuitivo, que representa o pior de ambos os mundos. Quando ele passou a tocha para seu ex-rival em março, o presidente Bush declarou que John McCain "trará determinação para derrotar o inimigo e um coração grande o suficiente para amar aqueles que estão feridos". Mas há uma alternativa para o paradigma Partido Mamãe/Partido Papai. Ela requer uma visão "adulta" da presidência. Se precisamos de heróis em nossas vidas, não deveríamos procurá-los entre políticos profissionais, pelo amor de Deus! Porque, em política, toda vez que há uma promessa, também há uma ameaça velada. Mas quando um candidato presidencial promete salvar o mundo e resolver todos os seus problemas, isto virá com um preço. Uma cultura política mais saudável seguiria os autores da Constituição dos EUA não apenas em seu ceticismo diante do poder, mas no sentido de que o governo federal possui responsabilidades e poderes limitados. Até restaurarmos este sentido de limites, receio que teremos mais do mesmo, independentemente de quem se torne presidente.

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e t n e i b m A

No relatório do Banco Mundial sobre o ambiente de negócios, o Brasil ficou na 125ª posição.

Mauríci

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AFP

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a l a m

á por aí uma cambada de caras-de-pau que tem a ousadia de chamar esse verdadeiro pandemônio econômico em que vivemos de "Modelo Neoliberal". E pior: há quem acredite nisso. Eu, que me satisfaço com pouco, ficarei contente no dia que o Brasil alcançar o estágio de país capitalista. O Banco Mundial ( www.doingbusiness.org) divulgou este ano o sexto relatório sobre o ambiente de negócios no mundo, e o Brasil, para não perder o hábito, ficou perto das últimas colocações – mais precisamente, na 125ª posição, entre as 181 economias pesquisadas. Esse levantamento é baseado na análise quantitativa e qualitativa de 10 diferentes aspectos ligados ao ambiente institucional de negócios, com destaque para a burocracia envolvida na abertura e fechamento de empresas, licenciamentos governamentais, contratação de mão-de-obra – principalmente os encargos relacionados à admissão e demissão de pessoal –, registros de propriedade, acesso ao crédito, segurança jurídica dos empreendedores, pagamento de impostos (carga tributária e burocracia envolvida), facilidades (dificuldades) de comércio com o exterior e respeito aos contratos. Muitos membros do governo petista – bem como o presidente Lula – têm reclamado dessas análises, alegando que elas não representam a realidade econômica do País e que se baseiam em dados defasados e/ou tendenciosos. Qualquer empresário que já arriscou abrir um negócio no Brasil, no entanto, sabe que os resultados encontrados pelo Banco Mundial, se não são exatos, estão muito próximos da realidade.

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João Luiz Mauad

Tocar qualquer empreendimento em Pindorama é algo comparável a um filme de suspense e terror, em que uma multidão de fantasmas e vorazes monstros de toda espécie, comandados pelo funesto Leviatã, estão sempre à espreita, ansiosos para abocanhar a maior parte dos lucros e prontos a opor obstáculos de toda ordem no caminho dos intrépidos (talvez melhor fosse dizer estúpidos) empresários. Exemplos abundam. Vejam o caso da Aquamare: a empresa, fundada por empreendedores brasileiros, patenteou um processo de purificação de água do mar, baseado em nanotecnologia, através do qual se consegue manter o controle dos sais minerais durante a dessalinização da água. Isso quer dizer que os cientistas produziram água mineral – rica em boro, cromo e germânio, elementos abundantes nos oceanos e dos quais o corpo humano necessita em pequenas quantidades – a partir da água do mar. Para tornar possível a empreitada, foram investidos pelos sócios, de acordo com o jornal Valor Econômico, a quantia aproximada de US$ 2 milhões na pesquisa e desenvolvimento do produto, apelidado de "H2Ocean". No início, o objetivo era comercializá-lo no Brasil, mas, infelizmente, o projeto teve que ser alterado, já que não foi possível vencer os fantasmas da burocracia tupiniquim e sua aversão a tudo o que diga respeito à inovação. Em 2006, a empresa solicitou a licença para engarrafar e comercializar o produto no território nacional. O registro foi recusado sob a alegação de que não havia no País legislação específica sobre a matéria. Inconformados, os empresários fizeram uma segunda tentativa, pedindo esclarecimentos sobre o


Fábio D'Castro/Hype

que deveria ser feito para resolver o problema. A resposta veio quatro meses depois, indicando – pasmem! – que a empresa deveria "importar" uma legislação sobre o assunto, ou seja, apresentar, "preferencialmente por intermédio de uma associação de classe, proposta de regulamentação para avaliação pela ANVISA". Em resumo, eles deveriam fazer o trabalho da agência, uma vez que, provavelmente, deve faltar pessoal por lá para realizá-lo. Como tempo é dinheiro, especialmente quando se tem um bom produto em mãos, a Aquamare resolveu alterar sua estratégia, e partiu em busca de novos mercados. A opção foi então os EUA. Perceba, amigo leitor, pelo testemunho de um dos sócios ao jornal, a diferença de tratamento, aqui e acolá: "O registro (nos EUA) da empresa saiu em três horas e a água foi analisada em 15 dias. Conseguimos resolver em três meses tudo o que não conseguimos aqui em quatro anos". (E ainda há quem não saiba por que eles são ricos e nós somos pobres). A comercialização da "H2Ocean" estava prevista para começar em agosto último, inicialmente em três estados norte-americanos – Flórida, Nova Jersey e Georgia. A fabricação para exportação ainda continua em Bertioga, no litoral sul de São Paulo, mas em breve a fábrica deverá ser desativada e transferida para os EUA. Evidentemente, eles já perceberam que é muito mais fácil, barato e, conseqüentemente, lucrativo fazer tudo por lá. Mas não pense o leitor que as dificuldades residem só na abertura de empresas e na obtenção de registros e licenças. Depois de funcionando, os problemas enfrentados costumam ser ainda piores, principalmente quando o assunto é segurança jurídica. Vejam, por exemplo, este inusitado processo enfrentado por um restaurante em Blumenau, SC. O estabelecimento foi multado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro) pelo sacrilégio de cobrar pela espuma, também conhecida como "colarinho", contida no chope servido aos clientes. Segundo o fiscal responsável pela autuação, "a quantidade de espuma deveria ser desconsiderada", para efeito de cálculo do preço a pagar. (Eu sei: seria cômico se não fosse trágico!) Pois bem: os donos do restaurante recorreram da multa e, para espanto geral, a Justiça Federal de primeira instância manteve a estrovenga. Somente em grau de recurso, depois que a empresa gastou uma pequena fortuna com advogados e custas judiciárias, a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu anular a absurda penalidade. Em suma, foi preciso que a matéria fosse parar no colo de um desembargador com um mínimo de discernimento, para que a justiça chegasse à conclusão de que "o colarinho integra a própria bebida", sendo parte do próprio produto. Parece até filme de terror, não é mesmo? Eu juro que preferiria enfrentar o Alien, o Jason Voorhees e o Freddy Krueger, juntos, do que a burocracia tupiniquim.

Luiz Dantas, da Aquamare: água mineral feita a partir da água do mar não pôde ser lançada no Brasil por falta de legislação.


A importância da comunicação

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o examinarmos de perto situações e processos vitais para o futuro dos biocombustíveis no Brasil e no mundo, fica claro que na grande maioria dos casos, debates e polêmicas que muitas vezes elevam a temperatura ao redor de mesas de negociações são fruto ou da ausência de informações precisas, ou da disseminação intencional de detalhes enviesados ou baseados em exemplos isolados, que por sí só não representam padrões ou práticas habituais do setor sucroenergético brasileiro. A pressa que o mundo parece ter para adquirir alguma compreensão sobre a produção e o uso dos biocombustíveis também abre espaço para conclusões simplistas, que acabam aceitas por parcelas importantes da opinião pública, principalmente quando não são devidamente e rapidamente confrontadas com explicações baseadas em dados concretos, ao invés de "achismos". Esse cenário ilustra bem o caráter fundamental da comunicação, como ferramenta que permeia todos os esforços ligados aos biocombustíveis, tanto no plano nacional quanto no global. Com os holofotes do mundo apontados para o Brasil desde a ida de George W. Bush ao Congresso americano em 2007, para anunciar planos ambiciosos de produção e uso do etanol nos Estados Unidos, o aprofundamento do trabalho de comunicação da indústria brasileira da cana-de-açúcar passou a ser inadiável. Exercida em suas várias formas com agilidade e foco, a comunicação permite que objetivos específicos ligados à competitividade e à sustentabilidade do etanol brasilei-

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Divulgação

ro de cana sejam perseguidos com reais chances de transmitir a realidade à opinião pública. É o que se tem observado ao longo dos últimos meses, na medida em que a atuação do setor vem sendo ajustada e expandida. O relacionamento com a mídia é um dos aspectos que sofreu alterações, passando a privilegiar o atendimento pleno e ágil às inúmeras demandas que chegam diariamente. O atendimento independe da postura prévia do veículo, pois não tratar com veículos ou jornalistas que tenham se mostrado hostis ou críticos no passado significa perder a oportunidade de esclarecer as questões que geraram matérias negativas e frequentemente equivocadas em outras oportunidades. Na média, o volume de demandas por veículos de comunicação, consultorias que produzem conteúdo editorial e pesquisadores que se dedicam ao etanol em números crescentes, já ultrapassa a marca dos 40 contatos por dia na Unica, tendo superado 50 em dias mais movimentados. Cerca de 30% desses contatos vêm de agências internacionais e grandes veículos do exterior, especialmente dos Estados Unidos e da Europa: de outubro de 2007 a julho de 2008, a Unica recebeu em sua sede em São Paulo jornalistas de cerca de 50 países, sem contar os inúmeros pedidos que chegam diretamente às empresas associadas. É um atendimento que consome muito tempo, pois é comum a vinda ao Brasil de jornalistas com um nível de compreensão muito limitado sobre a indústria brasileira da cana. Para evitar que relatos incompletos ou sem embasamento técnico ou científico circulem pela mídia internacional, é essencial equipar esses jornalistas adequadamen-

Marcos Sawaya Jank Presidente da Unica – União da Indústria da Cana-de-Açúcar.

A pressa com que o mundo deseja entender os biocombustíveis abre espaço para conclusões simplistas.

Fábio Pozzebom/ABr


Fotos: Reprodução

te, garantindo acesso e transparência para que todos conheçam de perto a realidade do setor. Complementando o atendimento aos que nos procuram, a Unica assumiu uma postura pró-ativa, efetivamente levando à mídia informações inéditas e construtivas sobre o setor, seus planos e atividades. E quando informações incompletas ou equivocadas sobre o setor são divulgadas por algum veículo, a Unica também toma providências para que haja a devida correção. Dependendo da gravidade do erro divulgado, a busca pela correção pode variar do simples envio de uma carta ao editor à publicação de uma errata, chegando a uma divulgação ampla da correção para casos mais extremos, em que o veículo se recusa a informar seu público sobre erros que tenha divulgado. Esse aspecto do trabalho de comunicação é inevitável, devido à natureza conectada do mundo em que vivemos. Inúmeros estudos mostram que, se uma informação errada impacta a mesma pessoa duas ou três vezes, ela passa a ser considerada fato. Especialistas estimam que devido ao fluxo rápido da informação, um detalhe prejudicial precisa ser corrigida dentro de, no máximo, uma hora para evitar danos mais graves. A produção interna de conteúdo jornalístico, que também acaba por impactar o trabalho da mídia, passou a ser realizada por uma equipe própria que hoje acompanha, em tempo real, as principais atividades com participação dos executivos e especialistas da Unica. Reportagens, entrevistas e artigos são disseminados através do site da entidade, que foi totalmente reformulado, e da newsletter eletrônica diária Notícia Unica. Antes um veículo com distribuição restrita a associados, a newsletter agora pode ser recebida por qualquer pessoa interessada, bastando para isso preencher um cadastro simples no site da entidade (www.unica.com.br). Complementando a exposição gerada por mídia espontânea e por meio da pró-atividade, a Unica lançou em 2007 sua primeira campanha publicitária, com o objetivo de fixar na mente do consumidor brasileiro inúmeros aspectos importantes e positivos a respeito da produção e uso do etanol no Brasil – aspectos até então pouco disseminados ou compreendidos. Dessa forma, começa a crescer a conscientização sobre as contribuições do etanol de cana-de-açúcar para a sociedade como um todo, que vão muito além do preço vantajoso e incluem ganhos ambientais, sociais, tecnológicos e econômicos. A campanha de 2008, lançada em agosto, foi

Site voltado para o consumidor americano explica as vantagens dos biocombustíveis e as tarifas cobradas pelo governo.

Cresce a conscientização sobre as contribuições do etanol de cana-de-açúcar para a sociedade.

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Fotos: Reprodução

além e instituiu uma nova marca para o etanol brasileiro de cana, facilitando a disseminação dos benefícios do combustível limpo, renovável e brasileiro. (mais informações no site de apoio da campanha 2008: www.etanolverde.com.br). Nessa mesma linha, a Unica também realizou este ano suas primeiras campanhas publicitárias fora do Brasil, a primeira delas nos Estados Unidos, com foco na tarifa imposta pelo governo americano às importações do etanol brasileiro e apoio de um site voltado para o consumidor americano (www.sugarcaneethanolfacts.com). A segunda campanha no exterior, lançada na Europa e dirigida à classe política e a formadores de opinião, teve como foco o processo de aprovação da chamada Diretiva Européia, que pode levar a mais importações de etanol brasileiro pelo Continente Europeu. A julgar pela temperatura do debate, a demanda aquecida e ainda crescente pelo etanol

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no mercado interno brasileiro e o desejo, que se manifesta em várias partes do mundo, de examinar e talvez adotar solução semelhante à brasileira para diminuir a dependência nos combustíveis fósseis, fica claro que o trabalho de comunicação em nome do setor sucroenergético nacional vai continuar extremamente demandado. Qualquer setor que atinja a escala e a penetração de mercado hoje conquistada pela indústria da cana-de-açúcar no Brasil terá sempre que enfrentar diversos questionamentos, principalmente os ligados à sustentabilidade. No caso da produção e uso do etanol, a certeza quanto às valiosas contribuições para o País é plena e amplamente demonstrável. Só mesmo um grande e permanente esforço de comunicação, que fixe perante o mundo a sustentabilidade e a competitividade do produto, pode garantir o futuro fantástico que está a nosso alcance, dentro e fora do Brasil, para o etanol brasileiro de cana-de-açúcar.

Vários países estão interessados no biocombustível e talvez adotar solução semelhante à brasileira para diminuir a dependência nos combustíveis fósseis.




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