Digesto Econômico nº 452

Page 1


Bom pagador ou mau pagador? Você por acaso tem bola de cristal?

Agora a palavra de ordem é prevenção. Isso significa continuar vendendo e comprando, mas tomando o maior cuidado para não correr riscos. Ou seja: antes de fazer qualquer negócio, consulte sempre o SCPC. O SCPC reúne o mais completo banco de dados de informações comerciais sobre CNPJs e CPFs do Brasil, garantindo transações comerciais mais seguras e preservando a rentabilidade do seu negócio.

SCPC | A solução para bons negócios.

M A I S I N F O R M A Ç Õ E S : (11)

3244 3030

www.acsp.com.br


Newton Santos/Hype

Juros nas alturas e crédito em baixa

E

m março completamos seis meses do início da fase mais aguda da crise financeira, que ocorreu com a quebra, no dia 15 de setembro, do banco de investimentos Lehman Brothers, na época o quarto maior banco dos Estados Unidos. Hoje, não há mais dúvidas de que a origem de tudo decorreu de uma crise de valores, em que a ética, condição indispensável para o bom funcionamento dos mercados, foi substituída por uma ganância sem limites. Felizmente, o Brasil se encontra em uma situação mais favorável para enfrentar estes tempos difíceis, pois o nosso sistema financeiro está sólido, as contas públicas estão sob controle, assim como a inflação. Por outro lado, as empresas exportadoras e a indústria em geral sofreram um forte impacto com a retração da economia, ocasionando um aumento no desemprego - dados divulgados pelo Dieese revelam que na região metropolitana de São Paulo, em fevereiro, o contingente de desempregados era de 1,4 milhão de trabalhadores, 92 mil a mais do que em janeiro. O País tem hoje melhores condições de enfrentar esta crise do que no passado, mas é preciso que se utilizem mais rapidamente os instrumentos que as autoridades fiscais dispõem, a primeira sendo uma redução mais acelerada da taxa Selic. E neste momento delicado da economia, o Copom, que estabelece as diretrizes da política monetária, deveria se reunir mensalmente e não a cada 45 dias. A situação exige agilidade e ousadia, pois é inadmissível que continuemos a praticar as maiores taxas de juros do mundo. É preciso que o governo não confunda gastos com investimentos e de forma urgente, tome providências para estimular o setor produtivo. As reduções de impostos em alguns setores são bem-vindas e precisam ser ampliadas, pois já mostraram que são eficazes, basta ver a recuperação nas vendas de automóveis. Mas além disso, é necessário o retorno urgente do crédito para as pequenas e médias empresas, que hoje se encontram sem alternativas. As grandes companhias, que antes buscavam créditos no exterior, passaram a disputar o crédito doméstico. Com o crédito mais escasso, caro e com prazos menores, as vendas no varejo foram fortemente afetadas, invertendo o círculo virtuoso dos últimos três anos. Isso vem gerando um comportamento defensivo por parte dos consumidores e dos empresários. Lições devem ser aprendidas com esta crise e devemos usar o momento como um fator agregador, de forma que governos e setores da sociedade se unam com o objetivo de fortalecer o País.

Alencar Burti Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

3


ÍNDICE Arte de ALFER sobre foto divulgação

6

O mundo além do próprio umbigo Por Carlos Ossamu, Domingos Zamagna e José Maria dos Santos

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br Presidente Alencar Burti

Reprodução

18

Superintendente institucional Marcel Domingos Solimeo

O presidente Lula, do G20 ao Brasil Roberto Macedo

ISSN 0101-4218

ers eut /R yer

Editores Carlos Ossamu e Domingos Zamagna

Um balanço (realista) dos seis meses da crise Roberto Fendt

ha

Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira

22

cT

Diretor de Redação Moisés Rabinovici

Eri

Diretor-Responsável João de Scantimburgo

Chefia de Reportagem José Maria dos Santos e Arthur Rosa Editor de Fotografia Alex Ribeiro

24

Pesquisa de Imagem Mirian Pimentel Editor de Arte José Coelho

Lições de Delfim Netto sobre a crise financeira Por Carlos Ossamu

Projeto Gráfico Evana Clicia Lisbôa Sutilo Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo e Lino Fernandes Ilustrações Abê, Alfer e Jair Soares Gerente Comercial Arthur Gebara Jr. (agebara@acsp.com.br) 3244-3122 Gerente de Operações José Gonçalves de Faria Filho (jfilho@acsp.com.br)

Abê

Impressão Lene Gráfica REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055 FAX (011) 3244-3046 www.dcomercio.com.br

Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimax fosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.

4

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

CAPA Arte: ALFER.


Maria Bastone/AFP

50

O mundo está fazendo tudo errado Por Carlos Ossamu

32

As 7 crises de Delfim Renato Pompeu

Newton Santos/Hype

Collage digital: ALFER

38

54

Exercício de McLuhan Antoninho Marmo Trevisan

Obama: a revolução desde cima Olavo de Carvalho

40

Dimitar Dilkoff/AFP

58

Adam Smith, o intervencionista? Diogo Costa

O trabalho nosso de cada dia Por Carlos Ossamu

Reprodução

42

As dimensões do Direito contemporâneo LusoBrasileiro e a crise mundial Ives Gandra da Silva Martins

62

Luiz Prado/Luz

Sigam o exemplo do Brasil Immanuel Wallerstein Divulgação

64

O que tem a justiça a ver com a eficiência? Bruno Meyerhof Salama ALFER

Jair Soares

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

5


Arte de ALFER sobre foto divulgação

O mundo além do próprio umbigo Aqueles que criaram a crise não se importaram com as consequências, só pensaram no lucro e nos bônus

6

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009


P

oucos são os expoentes que podem se gabar de possuir a experiência e os conhecimentos sobre os problemas econômicos e sociais do mundo do ex-ministro e diplomata Rubens Ricupero. Com 72 anos de idade, ele se mantém em plena atividade, agora como diretor da Faculdade de Economia da FAAP e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo. De pele muito clara e olhos azuis profundos, Ricupero não lembra em nada a figura de um banqueiro, talvez pudesse ser confundido com um filósofo que, com uma fala calma e pausada, escolhe as palavras com cuidado para delinear os pensamentos de forma clara e simples, mas que nas entrelinhas remetem à profunda reflexão. Rubens Ricupero é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Diplomata de carreira desde 1961, exerceu as funções de assessor internacional do presidente Tancredo Neves (1984/1985), foi assessor especial do presidente José Sarney (1985/1987). Foi embaixador Representante Permanente do Brasil em Genebra (1987-1991), embaixador em Washington (19911993) e em Roma (1995). Assumiu o Ministério do Meio Ambiente entre 1993 e 1994 e o Ministério da Fazenda em 1994. Foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) nos mandatos de 1995 a 1999 e de 1999 a 2004. O ex-ministro concedeu uma entrevista para a revista Digesto Econômico. Ricupero falou sobre a boa imagem que o Brasil goza atualmente no exterior, a atuação da diplomacia brasileira, a crise econômica e o governo do presidente Lula. Mas a principal mensagem que deixou, foi um alerta à sociedade mundial. Na sua opinião, o que ocasionou a crise atual foram a cobiça, a desonestidade, a injustiça e a falta de valores morais. Aqueles que criaram a crise não se importaram com as consequências além do próprio umbigo. Partiu-se da premissa de que a economia era um valor em si, o valor absoluto era o lucro, era o ganho, era o bônus, e não havia mais nenhuma referência de outros valores. Sem essa compreensão e se não aprendermos a lição, a sociedade estará condenada a uma espiral de crises sucessivas, até a sua completa destruição.

Por Carlos Ossamu, Domingos Zamagna e José Maria dos Santos

Digesto Econômico - O presidente Lula foi um dos primeiros chefes de Estado a conversar pessoalmente com o presidente Barack Obama. Lula também foi destaque na reunião do G20 e até recebeu elogios do presidente norte-americano. Como o senhor analisa esse sucesso do presidente brasileiro? Jonathan Ernst/Reuters

Rubens Ricupero - É a combinação de dois fatores: a liderança pessoal, que ele certamente tem, o que explica o fato de um líder sindical ter chegado à presidência, combinado com o papel cada vez mais afirmativo do Brasil, que sem dúvida nenhuma está entre os três ou quatro países que mais têm se destacado, sobretudo após a estabilização da moeda, além do tamanho do Brasil, da força de sua economia e também de uma diplomacia que tradicionalmente é muito ativa. Há países que não são, em termos do tamanho de território, da economia e da população, muito diferentes do Brasil, mas que em termos de diplomacia, são menos ativos, casos da Austrália, do Canadá e do México ultimamente. No caso do Brasil, há esta combinação de tamanho e a vocação de participação. E, por sorte, um presidente que gosta destas oportunidades internacionais e sabe aproveitá-las muito bem. Acho que estas combinações de fatores explicam este reconhecimento do Brasil e do presidente Lula, em particular. E no caso dele acho que, além das qualidades, há a história pessoal, que não é muito diferente da história do Obama. No caso deste último, trata-se do primeiro presidente afro-americano, mas suas origens não são tão humildes como as de Lula, que realmente foi operário, retirante do Nordeste, teve uma vida passada muito mais difícil e isso impressiona muito internacionalmente, pois são raríssimos esses casos. Essa combinação de fatores torna a posição do nosso presidente muito propícia para a liderança, coisa aliás, que ele faz muito bem – essa facilidade que ele tem de comunicação, mesmo em meios ou línguas que ele não conhece.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

7


Sérgio Lima/Folha Imagem

DE - Em relação à diplomacia brasileira, na história republicana houve algumas tentativas de afirmação nesta área, a última foi na época do presidente Jânio Quadros. Como o senhor vê a diplomacia brasileira e como ela tem ampliado o seu espaço? RR - Não basta querer, é preciso poder. No passado, nós queríamos e não podíamos. O caso citado do governo Jânio Quadros eu conheço bem, pois eu era oficial de gabinete do ministro Afonso Arinos, que era o chanceler, e eu estava em Brasília, fui voluntário e um dos primeiros funcionários a ser transferido para Brasília, isso foi no dia 10 de março de 1961, pouco depois da posse de Jânio Quadros e estive lá o período todo. Jânio Quadros foi um cometa que atravessou o panorama brasileiro. Tudo aquilo que ele queria não passou de veleidade. Depois ele renunciou, o Brasil passou por um período complicadíssimo – crise econômica, exacerbação dos problemas políticos – , que durou anos e anos. Um país só exerce liderança se ele tem condições objetivas para isso. Na época do Jânio não tinha, e na maior parte dos períodos da história brasileira, o Brasil não teve essas condições. Não é por acaso que o período áureo da diplomacia brasileira coincida com os dez anos do Barão de Rio Branco, entre 1902 e 1912, quando ele morreu. Esse período coincide, principalmente, com os primeiros seis ou sete anos com os dois melhores governos da Primeira República – Rodrigues Alves e Afonso Pena. O Brasil foi um país caótico no início da República, um país ameaçado pelo encilhamento, pela inflação, crise econômica, por uma dívida muito grande, pelos conflitos sociais, como de Canudos e a Revolução Federalista – as tropas revolucionárias chegaram a ocupar Curitiba. Foi um período muito complicado e cobre todos os primeiros governos da República, até Campos Sales, que é quem vai estabilizar a situação econômica e política. Então, só se criaram as condições objetivas de liderança com Rodrigues Alves – o País era próspero, tinha uma grande administração. E aí a diplomacia brilhou. Mesmo com o maior gênio diplomático, se ele estiver vivendo em um país em situação crítica de conflitos civis ou de abusos e problemas econômicos, a eficácia que ele pode ter é muito reduzida. Então, eu digo que hoje isso está acontecendo porque é indiretamente um resultado da estabilização da moeda lograda em 1994 com a introdução do Plano Real e consolidada depois. Este movimento começa com Fernando Henrique Cardoso. Embora com um estilo diferente, também era um líder muito valorizado e apreciado internacionalmente, mais como um intelectual, um homem que gozou de um tratamento muito

8

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

especial por parte de (Bill) Clinton, (Tony) Blair, dos grandes líderes europeus. É que no Brasil, como a memória é curta, parece que o mundo está sempre começando naquele momento; não é verdade, houve períodos anteriores. DE - Falando no presidente Fernando Henrique, o senhor acha que, pela sua figura, ele conseguiu romper com o preconceito que havia contra o Brasil, um país de terceiro mundo? E outra pergunta: não acabou sendo uma dádiva para nós termos Fernando Henrique e Lula, ambos duas vezes? RR - Eu acho que foram momentos diferentes, com personalidades diferentes, cada um cumprindo o seu papel. Se o Lula representa esse tipo de liderança que demonstra possibilidade de ascensão social no Brasil, e tem muito este simbolismo da preocupação com os mais pobres, através da própria política que ele tem desenvolvido, por outro lado, o Fernando Henrique Cardoso preenchia um outro papel, que era o de representar algo que o Brasil nem sempre tem em seus presidentes – um homem de uma cultura e erudição extraordinária, considerado um dos maiores sociólogos do mundo. Então, são duas coisas boas e complementares, pois nem o Lula tem fama de ser um gênio acadêmico, nem o Fernando Henrique pode dizer que ele representa uma revolução social, como no caso do Obama. Cada um tem a sua história pessoal.

Fernando Henrique Cardoso é um homem de uma cultura e erudição, um dos maiores sociólogos do mundo.


Há anos o mercado americano representa para o Brasil em torno de 20%. Em anos piores chega a cair para 17% ou 18%.

José Luis da Conceição/AE

Marcos D'Paula/AE

DE - Fora o carisma do presidente Lula, o Brasil cresceu em importância no cenário internacional. A crise econômica demorou um pouco mais para chegar aqui uma vez que o País está menos dependente economicamente dos EUA, epicentro da crise, e ampliou o comércio com outros países. Por que os governos passados não buscaram ampliar o comércio internacional? Não havia condições no momento para isso? RR - Na questão há dois elementos diferentes. Um, a razão de a crise chegar mais tarde e atenuada, e a outra, se isso se deve a uma menor dependência dos EUA. Eu começo pela segunda parte. A menor dependência em relação aos EUA é um fenômeno que vem de algumas décadas, não é recente. A última vez que o Brasil foi realmente muito dependente dos EUA e precisou do socorro americano quase que completo para organizar sua economia foi em 1964, quando os militares tomaram o poder. Para o presidente Castelo Branco o papel

dos americanos foi fundamental. Eles socorreram praticamente todos os setores da economia. Depois, isso nunca mais aconteceu. Houve episódios da crise da dívida dos anos 80 ou da própria crise que ocorreu na época do presidente Fernando Henrique, em 1998, quando o Brasil foi socorrido pelo FMI e também pelo Tesouro Americano, mas aí de uma forma diferente, porque já nestas ocasiões o comércio brasileiro com os EUA não tinha mais aquele papel preponderante que tinha no passado. Os EUA até hoje, tirando essa crise momentânea, ainda é o nosso maior parceiro. Ultimamente tem sido a China, mas é um caso de momento. A título individual, os EUA ainda são o maior parceiro. Há anos que o mercado americano representa para o Brasil alguma coisa em torno de 20%. Em anos piores chega a cair para 17% ou 18% o destino das exportações; em anos melhores, pode chegar a 24%. No conjunto, a União Européia representa mais, mas a título individual não. E o Brasil tem um comércio externo diversificado não é de agora, tem mais de 30 anos. O Brasil tem quatro grandes áreas de destino de exportação, que a grosso modo se parecem em tamanho – os EUA; a União Européia, que é um pouco maior; a Ásia, em conjunto com China e Japão; e a quarta é a América Latina, com Argentina e demais países. Estes são os grandes mercado para o Brasil e é curioso, porque nenhum deles representa menos do que 15% ou mais do que 25%. A soma destas quatro áreas quase dá o total do conjunto das exportações brasileiras. Isso é muito diferente do México, que tem nos EUA mais de 80% do destino das exportações e da fonte das suas importações. O México sim é dependente dos EUA. Esse fenômeno da menor dependência do Brasil em relação aos EUA, tanto em comércio como em finanças, deve ser visto qualificadamente. Individualmente, os EUA ainda é o mais importante em qualquer setor – investimento, empréstimo etc. – , mas já não é uma coisa tão maciça, tão exclusiva como foi nos anos 30 e 40. No começo do século 20, os EUA representavam 36% do destino das exportações brasileiras. Nunca mais se chegou a isso, nem de perto. O Brasil se diversificou, mas isso nada tem a ver com o governo Lula. Esta é uma tendência histórica, que vem de muitos anos e seja lá qual for o governo, tende a se acentuar e se acentuou muito nos últimos 15 anos, devido ao fato de que o Brasil se tornou cada vez mais um exportador concentrado de produtos que dependem de recursos naturais, tanto minerais, como ferro, pellets, pe-

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

9


tróleo (em que o País está sendo um exportador crescente), alumínio, e também produtos agrícolas e agropecuários, tanto in natura como beneficiados. Para este tipo de comércio, os EUA não são normalmente um bom mercado. No comércio com os EUA e América Latina, há um grande peso das manufaturas. Já para a China, Japão e Europa, o Brasil vende commodities, matérias-primas. Os EUA não são um bom mercado para commodities, pois eles também são um grande produtor, sempre foram, até maior que o Brasil. Para o Brasil foi uma circunstância muito feliz que esta fase de maior eficácia brasileira nesta área tenha coincidido com a emergência da China. A China sim, tem uma grande demanda por commodities e provavelmente vai ter por muito tempo. Estes são os fatores que explicam a questão do comércio. Na questão da crise, as razões são outras. O fato de a crise não ter chegado aqui tão cedo não tem a ver tão diretamente com os EUA. É mais algo que resulta da natureza desta crise, que nasceu no setor financeiro americano, teve muito a ver com aquelas hipotecas de alto risco, derivativos, com a securitização. A grande diferença é que esta é a primeira crise financeira em que somos importadores, e não exportadores. As outras crises, como a da dívida externa de 1992 ou a de 1998, foram geradas aqui e chegaram a afetar outros países. Neste caso, não foi gerada aqui, ela vem de fora. Mesmo na importação da crise, o Brasil foi menos afetado porque o seu sistema bancário e financeiro permanece intacto. A grande diferença nesta crise entre o Brasil, os EUA, Europa e Japão é que aqui nenhum banco quebrou, não houve corrida às agências, os bancos não têm ativos tóxicos. O sistema financeiro e bancário brasileiro está intacto por causa do trabalho que se fez na época em que tanto eu e como o presidente Fernando Henrique dirigimos o Ministério da Fazenda. Ao mesmo tempo em que nos preocupamos com a estabilização da moeda, sabíamos que isso iria por à prova os bancos brasileiros, que estavam muito amarrados à inflação. Houve um programa para socorrer esses bancos, alguns foram saneados, muitos desapareceram. Era o Proer. O trabalho foi feito por muitos anos, desde a minha época. Houve problemas com bancos em Minas Gerais, na Bahia. Isso foi feito gradualmente. Até por efeito desta experiência passada, a regulamentação do BC aqui foi muito mais prudente, aqui nunca se permitiu a alavancagem enorme que está na raiz da crise dos bancos

10

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

americanos e europeus, alavancagem de emprestar muitas vezes mais do que o capital do banco. Para se ter uma ideia, as regras de Basileia 2, que são as que estabelecem o compulsório dos bancos, exigem 8% de reserva. O Brasil tem mais do que o dobro disso, tem 17% ou 16%. Então, as regras daqui foram muito mais severas, mais capazes de proteger os bancos, que não tinham nenhum estímulo para comprar hipotecas de alto risco, já que o mercado brasileiro já é muito rentável para os bancos – quem é que iria procurar se meter numa coisa dessa? DE - O governo também tem repetido que a crise foi importada, mas o Brasil fez a lição de casa completamente? RR - O País estava preparado no fundamen-

Sérgio Amaral/AE

Era FHC: a estabilização da moeda, com o Plano Real, e o Proer fortaleceram o sistema bancário brasileiro.


tal. Agora, não há dúvida que numa economia tão interconectada como é a atual , é impossível evitar o contágio, que vem, por exemplo, pelo comércio internacional, na medida que nestes países em crise as demandas caem muito. O comércio internacional está caindo este ano enormemente. A Organização Mundial do Comércio estima que haverá uma contração de 9%, coisa que eu duvido, não acho que vai ser tanto. Mas isso não deixa de afetar os países, mesmo que você faça a lição de casa, os mercados estão lá, se eles começam a não comprar, você não pode vender, tanto que o Ministério da Indústria e Comércio já prevê uma redução de 20% nas exportações. Então, isso não depende de você, depende do mundo. Da mesma forma as finanças. Uma parte importante do financiamento das grandes empresas brasileiras, as que se internacionalizaram, como a Vale, a Petrobras, foram levantadas lá fora, não no Brasil. No momento em que o crédito internacional desaparece, a liquidez estreita muito, eles vão ter de vir para cá, eles vão disputar espaço, como está acontecendo, com os pequenos e médios. Não adianta fazer a lição de casa, já não há dinheiro para ser levantado nas praças externas, isso tem a ver com a situação que independe de seu poder de influir nos acontecimentos. Foram estes os mecanismos principais de transmissão da crise. DE - O senhor comentou sobre as grandes empresas estarem correndo atrás do crédito internamente. O senhor enxerga um plano B de crédito para as pequenas e médias empresas? RR - O governo tem tentado isso com os bancos oficiais – Banco do Brasil, Caixa e BNDES. Há também um programa que já foi anunciado pelo Banco Central. É um programa para oferecer aos bancos pequenos condições favoráveis para que eles possam aumentar o crédito para os pequenos e médios. Vamos ver se isso vai funcionar. No momento atual há três grandes bancos – Bradesco, Itaú e Santander –, que estão de fato emprestando. Mas boa parte da capacidade destes bancos está sendo embarcada para as grandes empresas. DE - Os grandes bancos também consideram que os pequenos representam um risco maior. RR - Os riscos nestas condições são maiores por causa das condições da economia mundial. Enquanto não houver confiança de que ela vai se recuperar e crescer, isso afeta todo mundo, afeta o Brasil, o próprio risco da economia interna. Aqui, até um certo ponto, o Brasil pode sofrer um pouco menos, mas é óbvio que isso vai afetar sobretudo um fator,

que é o investimento. O número de empresas que já anunciaram ou vão anunciar suspensão ou cancelamento de investimentos é muito grande. No momento de incerteza, quando a demanda cai, quando a atividade econômica está mais lenta, as empresas que têm dinheiro preferem guardar, as que não têm, não vão levantar no mercado, pois é difícil. As que têm alguma capacidade preferem aguardar uma oportunidade de compra – ao invés de fazer um investimento novo, comprar um terreno, construir desde os fundamentos, eles estão esperando que outras empresas sejam oferecidas à venda. Isso tudo vai afetar o investimento muito acentuadamente. Por aí é que a economia brasileira será mais afetada. Só se reestabelece isso com a volta da confiança. Marcelo Soares/Luz

A Associação Comercial de São Paulo defende o Cadastro Positivo. Na foto, Alencar Burti, presidente da ACSP

DE - O senhor acredita que se houver um Cadastro Positivo de empresas que são boas pagadoras, isso aumentaria a oferta de crédito e diminuiria o spread? R R - Eu acredito que sim. É indubitável que tudo o que possa ajudar em termos de informação, que possa diminuir o risco, vai ajudar neste sentido. E outra coisa é a própria redução dos juros. A taxa de juros demorou muito para cair no Brasil e é uma área em que ainda há muito espaço, deveria ter sido feito algo mais vigoroso. Um exemplo que costumo dar é o do Chile. Na última reunião que eles fizeram para a redução da taxa de juros, de um só golpe ele reduziu 2,5%, muito mais do que o Brasil. Eles estão com uma taxa de 2,25%, apesar de que nos últimos 12 meses tiveram uma inflação maior do que o do Brasil. Então, o Banco Central deveria reduzir ainda mais e isso teria um efeito positivo sobre os spreads e também no crédito para as pequenas e médias empresas. DE - Entre a Selic e o que é cobrado na ponta, há uma grande diferença. Como os senhor analisa a questão do spread? RR - Isso tem a ver com a própria história bancária do Brasil, a concentração, o fato de que se avalia que o risco está crescendo. O go-

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

11


verno vem fazendo um esforço, fazendo uma campanha de médio prazo para tentar reduzir os spreads, mas isso não vai acontecer da noite para o dia, porque a tradição brasileira nestes últimos 30 anos era de um país com inflação e taxas de juros muito altas, e spreads também muito altos. DE - O senhor vê também uma questão cultural dos bancos, acostumados a ganhar muito? RR - Há sim a necessidade de maior concorrência, há o fato de que, até hoje, apesar de que no Brasil nos últimos dois anos tenha melhorado, o crédito no Brasil ainda é modesto em relação ao PIB. Enquanto aqui se chegou a 40%, nos países mais avançados é de 150% do PIB. Mesmo o Chile tem uma parcela do crédito bruto que é o dobro do Brasil. Então, ainda há muito espaço para ampliar a oferta de crédito. No Brasil e grande parte da América Latina, calcula-se que apenas 30% das empresas tenham acesso ao crédito bancário. Em comparação com a Ásia, lá são mais de 70%. DE - Como o senhor analisa o gerenciamento que o Brasil está fazendo da crise. De alguma forma este momento pode ser bom para o Brasil? RR - Uma crise como esta não é boa para ninguém. Pode ser menos ruim para nós do que para outros. Estamos com o sistema bancário intacto, acho que o Brasil ainda tem um certo espaço monetário. O fiscal não é muito grande, porque o Brasil tem déficit de lançamento. O superávit primário é porque não se computa o custeio da dívida. Se computar, o que vemos é um déficit, pequeno comparado aos EUA e outros países agora, mas mesmo assim é um déficit. O caminho para o Brasil claramente é a redução de juros para criar mais espaço fiscal e para reduzir toda a cadeia do custo do crédito.

Declarações do presidente Lula de que a crise chegaria aqui como 'marola' foram muito criticadas.

12

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

DE - O presidente Lula até hoje tem sido muito criticado ao declarar que a crise viria para cá como uma marola. Alguns dizem que ele cumpriu o seu papel no momento, para tranquilizar a população e o mercado, de forma que as pessoas continuassem comprando e não houvesse uma estagnação da economia. Qual a sua opinião sobre este fato? RR - A imagem não é feliz, pois eu não acho que seja verdade que para difundir a confiança se deva esconder a realidade. Acho perfeitamente possível ter uma atitude de confiança com sobriedade, sem exageros. Tudo que é


Wilton Júnior/AE

exagero e que é irrealista, acaba tendo um efeito contrário. Nada justifica que aqui a crise será pior do que em outros lugares. Tudo indica que os efeitos aqui serão menos graves, mas serão graves. Não adianta tentar esconder, a queda da produção industrial foi catastrófica no último trimestre do ano passado e continua ainda em níveis muito baixos; perdemos muitos empregos formais. Então, não se pode deixar de olhar as coisas como elas são. Acho que o importante é procurar apresentar todos os dados, tanto negativos quanto positivos, porque há muitos fatos positivos no Brasil e que não estão presentes em outros países. Por exemplo, esta redução de impostos, que permitiu que se recuperassem as vendas de automóveis, o socorro ao setor agrícola, ao setor imobiliário, isso tem ajudado esses setores a terem desempenhos razoáveis. O próprio comércio exterior nos últimos dois meses teve um bom desempenho. É preciso mostrar todos os sinais e procurar acentuar esses sinais positivos, mas admitindo que a situação é difícil. Não é criando ilusões que se vai resolver esta crise. Esta frase, infelizmente, é uma ilusão. DE - Há um desejo dos EUA de dependerem menos do petróleo dos países árabes e da Venezuela. O Brasil tem o pré-sal e os biocombustíveis. Como o Brasil deveria conduzir uma parceria neste setor com os EUA? RR - Primeiro, nós devemos ver como será o futuro do petróleo no mundo. No final deste ano, em Copenhagen, deve-se chegar a um acordo a respeito do novo regime internacional sobre as mudanças climáticas com o aquecimento global. O governo americano mudou de posição, ele agora aceita que é necessário ter um teto de emissão. Isso vai seguramente impor um futuro mais restrito para o crescimento do petróleo. A não ser que se encontrem formas de capturar o carbono que é emitido pelos combustíveis fósseis, não se pode imaginar que o futuro do petróleo seja como foi no passado. Provavelmente, vai haver uma busca cada vez maior por energia renovável, como o mundo está tentando fazer, com um esforço gigantesco na busca dessas energias. É possível que a qualquer momento haja descobertas importantes, como motores movidos a eletricidade. Mas isso vai ser de médio a longo prazos. Para os próximos anos, é importante para os EUA terem mais uma fonte. Não é que o Brasil seja a única, como se pensa aqui ingenuamente. Os americanos têm jogado suas fichas principalmente

Marcos Brindicci/Reuters

na costa ocidental da África, suas posições são fortíssimas em Angola e outros países que são produtores de petróleo e que também têm grandes recursos no mar. Boa parte da diversificação que eles têm procurado é em relação à África. No caso do Brasil, também podemos ser uma alternativa. Não se pode esquecer que um dos maiores sucessos no pré-sal foi alcançado pela Exxon, uma companhia basicamente americana, que vai ter, portanto, a possibilidade de exportar. Quem decide a exportação é a produtora, a Exxon vende para quem ela quiser, pelos contratos ela tem essa autonomia. Pode haver outras iniciativas dos EUA em relação ao Brasil, mas acho que esta matéria tem mais uma dinâmica comercial. A meu ver, quando a Petrobras começar a extrair esse petróleo, ela irá vender no mercado para quem

Os EUA têm alternativas ao petróleo brasileiro. Acima, militares bolivianos em instalações da Petrobras.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

13


Kena Betancur/Reuters

Participação do Brasil comandando a Força de Paz da ONU no Haiti é positiva em todos os aspectos.

der mais. Provavelmente, os americanos vão ser os clientes mais atrativos. DE - Esse fato não criaria um mal-estar com a Venezuela? RR - Não, pois é no terreno comercial. Não vejo um acordo político e nem sei se é necessário. O mercado de petróleo não tem nada a ver com acordos. Os EUA compra de vários países do mundo por causa das condições, da qualidade, do preço, não é por acordos políticos. A Venezuela, com toda essa retórica de discurso que tem, ela basicamente vende para os EUA, o que prova o que estou dizendo. Às vezes o Chávez diz alguma coisa, mas ele nunca, na prática, deixou de vender para os EUA. O dinheiro fala mais alto do que as palavras. DE - Existe uma retórica de valorização do Mercosul e o relacionamento com alguns desses países não tem sido só pautado pelo comércio, como com a Venezuela, Equador, Bolívia, Paraguai e Argentina. O que o senhor acha que seria desejável no relacionamento com esses países? O senhor poderia também fazer um balanço das ações do Brasil no Haiti? RR - Começando pelo Haiti, o balanço é altamente positivo, embora o destino desse país continue incerto, pois sempre foi um país problemático. É positivo qualquer que seja o ponto de vista – humanitário, diplomático, a presença das Nações Unidas, de solidariedade. Até mesmo para as Forças Armadas, como

14

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

treinamento, como exposição a situações internacionais, eu aplaudo essa nossa participação, até acho que o ideal seria que o Brasil pudesse ter mais dessas experiências, mas nem sempre se pode, porque não há recursos. Sobre a América Latina, a minha convicção é que o Brasil não pode ser orientado apenas por considerações do tipo de lucro, de ganhos comerciais, considerações de curto prazo, mas uma visão também mais de longo prazo, contribuir para que os vizinhos alcancem a estabilidade, a prosperidade, que também será bom para nós. Acho muito importante que o Brasil procure ter o melhor relacionamento possível com todos esses países, mas isso não significa que o País deva aceitar por parte desses vizinhos violações de compromissos internacionais. Acho, por exemplo, que no caso do gás boliviano, o Brasil errou, porque, quando a Bolívia tomou aquela atitude no dia 1º de maio de 2006, apossar-se daqueles campos, rasgou não só os contratos com a Petrobras, mas tratados que havia com o Brasil. O País deveria ter manifestado claramente que não se pode aceitar violações de tratados, pois o relacionamento internacional fica comprometido. Embora o Brasil tenha conseguido contornar o problema com a Bolívia e depois com o Equador, não há dúvidas de que esses episódios deixam um saldo muito negativo. Mesmo que o governo não diga isso em público, é óbvio que essas ações comprometeram irremediavelmente a


Itaipu: o Brasil abriu a oportunidade de rever o tratado com o Paraguai. É importante evitar a ruptura.

confiança em acordo de longo prazo. Prova do que estou falando é que o próprio presidente Lula declarou que o Brasil está investindo em gás para não ficar dependente da Bolívia. Ele disse claramente que, no dia em que tivermos gás aqui, os bolivianos não vão ter o mercado que tinham antes. E é óbvio que esses investimentos de integração energética, seja o gás boliviano, seja a eletricidade de Itaipu com o Paraguai, seja aqueles projetos que havia com a Venezuela, eles são bons para os dois lados, mas eles aumentam a vulnerabilidade energética. Pois no momento em que um país como o nosso, no lugar de desenvolver os próprios recursos, resolve investir em um gasoduto para trazer o

gás da Bolívia, o que estamos fazendo é aumentar a nossa dependência em relação a esse país, pois se amanhã acontecer alguma coisa, nós não temos a possibilidade de suprir as nossas necessidades. Nós aumentamos a nossa vulnerabilidade. Só se pode aceitar o aumento da vulnerabilidade se a contrapartida for a segurança jurídica. Esses investimentos são de longo prazo, um gasoduto, um oleoduto, demora 25 anos ou mais para se amortizar. Se não houver essa segurança de longo prazo, não vai se fazer o investimento. Então, esses países, quando adotam atitudes desse tipo, estão destruindo o fator confiança e comprometendo o futuro. Eu não acredito mais na integração energética dentro da América do Sul, que durante muito tempo era o campo mais promissor, pois com muitos dos nossos países vizinhos, nós tínhamos muito para vender, mas pouco para comprar deles. O que nós queríamos comprar eram energias, petróleo, gás, eletricidade. No momento em que esses países começam a ter esse comportamento, não digo todos, mas alguns, fica muito difícil acreditar em projetos de longo prazo. Uma coisa é a retórica que se usa em discursos, outra é a realidade. Qualquer que seja a retórica, esses episódios são irremediáveis, pois afetam o valor da confiança. DE - Itaipu não está se tornando uma espada na cabeça do governo? RR - Sempre foi, desde que foi construído sempre existiu isso. Itaipu é dos anos 70, tem várias décadas; por outro lado, à medida que o tempo passa, Itaipu tem cada vez menos expressão na matriz energética brasileira. No início, a proporção era muito alta, agora vai declinando. O importante é negociar uma solução que não atinja o fundamental do tratado. Esta questão do tratado é importante, pois os tratados são celebrados para durarem e não para serem modificados a cada troca de governo. DE - Como poderia ser a atuação do Itamaraty em casos assim? RR - De maneira geral eu acho que a nossa atitude tem sido correta. Agora mesmo em relação ao Paraguai, o Brasil abriu a oportunidade de rever o tratado, ofereceu a construção de uma linha de transmissão para Assunção. É preciso encontrar, pela negociação, uma fórmula que evite a ruptura.

Robson Fernandjes/AE

DE - Todos falam que o protecionismo seria ruim

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

15


neste momento de crise, mas muitos países adotaram mecanismos de proteção para os seus mercados. Neste contexto, é oportuno discutir novamente a Rodada de Doha? RR - A Rodada de Doha são tentativas de ampliar a liberalização comercial já existente. Para o Brasil é importante, pois ele está muito interessado na liberalização do comércio agrícola. Se a Rodada de Doha não se concluir, isso não vai avançar neste campo. Agora mesmo começou a haver retrocesso. Os europeus, que tinham se comprometido como todos os outros a não mais utilizar subsídios à exportação de produtos agrícolas, agora reestabeleceram essa medida para o leite em pó, para o queijo, manteiga etc. Para o Brasil, concluir a Rodada de Doha seria bom, mas eu acho que nas condições atuais não é fácil, embora o interesse brasileiro é continuar pressionando por uma liberalização agrícola, apesar de as condições não serem propícias. O protecionismo é uma outra coisa, é a violação de compromissos já existentes. O que houve até agora não é muito, apesar de haver muito estardalhaço. Os episódios que houveram até hoje são fragmentados, é um ou outro caso, tem sido mais anúncios. Mesmo a lei americana "buy America", a preferência por produtos americanos por parte das empresas americanas, ela nem foi posta em execução. Essa lei tem um dispositivo que diz que quando for implementada, ela será feita em consonância com compromissos internacionais americanos. Ninguém sabe se vai haver de fato algum tipo de violação. Existem alguns casos de protecionismo concreto, dos quais os que mais têm atingido o Brasil são os argentinos. A Argentina é um país que faz isso há vários anos, mesmo antes da crise já fazia, mas agora tem feito mais. O Brasil tem procurado uma acomodação através de negociações. É uma pena. Compreende-se que a situação da Argentina é complicada, que eles queiram evitar que o que restou de indústria lá, desapareça; mas por outro lado, isso afeta muito a credibilidade brasileira. O Brasil, quando censura o protecionismo americano, fica em sua situação falsa em relação à Argentina, que ele aceita, negocia, procura acomodar, criando uma incoerência muito grande.

16

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

No futuro, a sociedade internacional será julgada pela maneira como trata os povos mais pobres.

DE - O senhor foi ministro por duas vezes, representou o Brasil em diversos países, rodou o mundo. O senhor talvez não conheça todos os problemas mundiais, mas por sua vivência deve ter feito observações muito abrangentes, certamente o senhor é uma pessoa privilegiada neste aspecto. O senhor também trabalha numa universidade e tem como público os jovens. Nossa revista é enviada a todas as universidades. No último número, abordamos um componente da crise, que é a ganância. Como o senhor vê o relacionamento dos valores com essa crise mundial? Que mensagem o senhor daria para os jovens? RR - Eu tenho me esforçado muito em mostrar aos jovens que os valores deDivulgação vem estar na base de qualquer atividade humana, inclusive na economia. Eu sou de opinião que uma das causas mais profundas da crise atual foi justamente a violação dos valores fundamentais, porque na raiz desta crise está não só a ganância ilimitada, mas uma atitude de desonestidade, muito calcada no setor financeiro norte-americano ao criar situações em que se sabia que o riscos eram grandes, mas eles eram passados adiante, através da securitização. O próprio banco que emitia a hipoteca não era quem iria responder se ela não fosse paga. Então, houve uma atitude de ganância, de cobiça excessiva, que acabou provocando uma injustiça muito grande na sociedade americana e nas sociedades que adotaram este fundamentalismo de mercado. Nos EUA, em 1970, a diferença entre o salário mais alto do principal executivo e o salário médio dos empregados era de 1 para 70. Hoje, é de 1 para 365. Perdeuse inteiramente o limite. Viu-se agora o caso dos bônus (para executivos que quebraram as empresas). Portanto, não foram apenas ganância e cobiça, foi também injustiça, pois os outros trabalham 8 horas por dia e mal ganham para se sustentar. E como não tinham poder de consumo, eram obrigados a se endividar, e o endividamento foi uma das principais causas da crise. Até nos mecanismos econômicos desta crise nós vamos encontrar violação dos princípios morais, o que mostra que não há nenhum setor que seja autônomo em relação à moral, à ética e aos valores. Todo esse fundamentalismo de mercado foi construído sobre a premissa de que a econo-


Stephen Hird/Reuters

mia era um valor em si próprio, o valor absoluto era o lucro, era o ganho, era o bônus, e não havia mais nenhuma referência de outros valores. Nós estamos vendo que uma sociedade que vai por este caminho acaba se autodestruindo. Eu estou convencido de que, se o mundo ocidental não extrair desta crise estas lições, ele vai se destruir. Ele pode até sair desta crise, mas a próxima será mais grave. Cada vez será maior o dano obtido, até o ponto em que a população passará a não se sentir mais representada por este sistema, este é o grande perigo, a perda da legitimidade. Eu acho que a preservação de valores é fundamental, que são ensinados em todas as religiões. Eu sou cristão, acredito no Evangelho, na Bíblia. Todas as grandes religiões acentuam o lado ético. Confúcio, por exemplo, era um homem que valorizava acima de tudo as qualidade morais. Sou da opinião de que os valores morais são importantes. As relações entre os seres humanos devem ser baseadas em valores como a colaboração, a solidariedade e até mesmo um comportamento que não descam-

be para o luxo excessivo, para a ostentação, coisas que vemos com muita frequência, quando há tantas pessoas necessitadas. É aquilo que eu disse tantas vezes quando era secretário-geral da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), e eu cuidava desses países que eram os mais pobres entre os pobres – são 50 os países de menor desenvolvimento relativo, dos quais 34 são africanos – e eu dizia: da mesma forma que cada sociedade vai ser julgada pela maneira como ela trata os seus elementos mais frágeis, mais vulneráveis, a sociedade internacional também será julgada pela maneira como trata os mais pobres; assim como nós seremos julgados aqui no Brasil pela maneira como tratamos os nossos co-cidadãos mais necessitados. Uma sociedade tem de se basear no princípio da solidariedade e esta economia que nós tivemos até hoje esqueceu isso e acabou provocando esta situação. Acho que este princípio deve ser restituído na economia. Oxalá saiamos desta crise com esta compreensão.

Durante a reunião do G20, manifestantes protestaram contra a crise financeira e as mudanças climáticas.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

17


O presidente Lula, do G20 ao Brasil Newton Santos/Hype

Roberto Macedo Roberto Macedo é economista (USP e Harvard), professor associado da Faap e vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo. Este artigo constitui uma versão ampliada de outro publicado no jornal O Estado de S.Paulo (2/4/09). O autor agradece a colaboração de Patrícia Marrone, da Websetorial Consultoria Econômica, na elaboração deste artigo.

Manifestantes protestam contra a crise global em Londres durante a reunião do G20.

Toby Melville/Reuters

18

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

O

s resultados da reunião do G20 ocorrida em Londres no dia 2 de abril último superaram nossas expectativas e também as de outros observadores, acostumados a reuniões desse tipo usualmente vazias de significado e de conteúdo. Desta vez, o significado veio da percepção de que o G20 se firmou como o grupo relevante para discutir e buscar soluções coletivas para a crise em andamento, com o velho G8 revelando-se um clube muito exclusivo para lidar com as dimensões mundiais com que ela se revelou. Acrescente-se que ocorre num cenário em que os países com melhores perspectivas não são os desse clube menor, e entre os do G20 destacam-se os emergentes, cujo sucesso no período recente credenciou-os a serem reconhecidos como importantes parceiros, exigindo assim esse clube mais amplo. O conteúdo se expressou no entendimento de que os diversos países devem fazer um esforço comum, a ser traduzido em medidas co-


Lula foi destaque no encontro do G20; o primeiro ministro Gordon Brown foi o anfitrião

imex

rcross/Not

Will Winte

mo a ampliação dos recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI) em cerca de US$ 1 trilhão, um valor que é aproximadamente o do PIB anual do Brasil. Essa medida não foi suficientemente valorizada aqui, pois mesmo em crise, hoje não precisamos de ajuda do FMI. Contudo, ela levou muitos países a dificuldades cambiais, com destaque para os do Leste Europeu e, mais aqui perto, o México. Entre as demais medidas a serem tomadas coletivamente estão a mais forte e abrangente regulação do sistema financeiro, inclusive mediante contenção da alavancagem exagerada e alcançando também as agências de risco, bem como o cumprimento de regras de transparência para os "paraísos fiscais". Também importante é que o G20 passará a ter uma Diretoria de Estabilidade Financeira, substituindo o fórum que existia sobre o assunto, a qual, segundo o comunicado, "colaborará com o FMI para prover aviso antecipado de riscos financeiros e macroeconômicos e as ações necessárias para enfrentá-los". E será marcada uma nova reunião de cúpula do G20 ainda este ano para acompanhar o andamento das medidas acordadas. Com esse significado e esse conteúdo, só se frustraram com os resultados da reunião os ingênuos que continuam a sonhar com decisões desse tipo imediatamente executadas nos vários países, independentemente das suas instituições e da soberania nacional. E é preciso firmar também a percepção de que a reunião dos líderes do G20 numa quinta-feira em Londres não foi algo feito às pressas, pois na realidade seu objetivo era sacramentar, com a indispensável chancela de tantos figurões, os compromissos já ajustados em incontáveis reuniões preparatórias dentro dos países do grupo e entre eles, e que agora prosseguirão com sua agenda ampliada. Nosso presidente se saiu bem na reunião, com direito, pela antiguidade do mandato

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

19


Reprodução

Câmera de TV flagram o momento em que o presidente Barack Obama faz elogios ao presidente Lula.

20

exercido, a um assento ao lado da Rainha Elizabeth. Ainda que não tivesse a cara da reunião, acabou como "o cara" da reunião, nas palavras do presidente Obama, e colheu mais pontos para sua popularidade mundial e para reforço da nacional, que anda caindo. Pouco antes de viajar para Londres, recebeu a visita do primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, e mais uma vez aproveitou a oportunidade para jogar nos países desenvolvidos a culpa pela crise em andamento. Desta vez, sobrou até para os branquelos de olhos azuis. De início ele via a crise como uma marolinha, mas agora já percebeu que é mesmo um vagalhão. É verdade que veio dos países desenvolvidos, em particular dos EUA. Mas, nosso presidente nunca reclamou da enorme onda de prosperidade pela qual passou a economia mundial de 2003 até o terceiro trimestre de 2008, e que muito beneficiou o Brasil. Em particular livrando-nos de um velho problema, conhecido como restrição externa ou escassez de divisas, com o qual convivi por 40 anos desde que passei a estudar Economia e a seguir os passos do nosso País nessa área. Por vezes esse problema nos trouxe graves crises econômicas, inclusive levando-nos a vários e humilhantes pedidos de socorro ao FMI. Foi essa onda de prosperidade, acompanhada de forte expansão do crédito, que levou a enorme valorização de ativos e a movimentos especulativos que por fim sucumbiram. Isso ocorre quando os agentes econômicos percebem que tal valorização carece de fundamentos econômicos, com o que acaba explodindo como uma bolha. Nesse processo, a crise no mercado de hipotecas de segunda linha – as "subprimes" –, nos EUA, foi uma das

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

dimensões desse fenômeno maior, e que atuou como uma agulha a penetrar a bolha. Assim, o próprio crescimento da economia mundial produziu as sementes da crise que eclodiu no ano passado, e que se não acontecesse então viria mais à frente, seguindo a história econômica mundial e seus inevitáveis ciclos. Mas, lembrando um ditado popular, não adianta chorar sobre o leite derramado. Cabe buscar maneiras de sair da crise e, sobretudo, não agravá-la a partir dos nossos próprios pecados. Nisso, nosso presidente tem também sua culpa em cartório, pois com sua imprevidente gestão das finanças públicas criou sua própria marola, que já mostra suas consequências e o risco de agravar-se mais à frente. Mais uma vez e em companhia de muitos economistas, refiro-me à questão fiscal do governo federal, cuja má situação ficou ainda mais clara com os resultados do primeiro bimestre deste ano. Em síntese, a combinação de queda de receitas e de aumento de despesas fez com que o superávit primário do governo federal – aquilo que o governo procura reservar para pagar parte dos juros da dívida pública e evitar um déficit final maior –, caísse 85,1% (!) nos dois primeiros meses de 2009. Em particular, no mês de fevereiro o governo federal registrou déficit primário de R$ 926,2 milhões, o primeiro nesse mês em doze anos! Na sua natureza esse agravamento revela um sério problema. Segundo cálculos do economista José Roberto Afonso, conhecido especialista em questões fiscais, só um por cento da deterioração do resultado primário federal foi devido ao aumento dos investimentos públicos, cuja expansão é recomendável em tempos de crise econômica. Os principais culpados foram a alta das despesas com servidores, por conta da ampliação do número de funcionários e de reajustes salariais em cima de remunerações às vezes já exageradas, e a ampliação do déficit previdenciário. A perspectiva é de piora desse quadro, pois as previsões são de queda da arrecadação, a qual depende muito de fontes mais afetadas pela crise, como a indústria e os lucros das empresas. Isso, ao mesmo tempo em que o governo imprevidentemente instituiu reajustes salariais para seus servidores a vigorar nos próximos dois anos, enquanto que mais um generoso aumento real do salário mínimo deverá novamente agravar neste ano as contas da Previdência Social, cuja receita também poderá cair. Ora, essa marola que pode virar coisa pior é tipicamente "made in Brazil", e não há como


culpar os companheiros ricos do Hemisfério Norte. Com ela, nosso País corre o risco de voltar a aumentar a sua dívida pública como proporção do PIB, revertendo assim um movimento que vinha contribuindo para redução do risco-país como devedor, com reflexos favoráveis sobre a situação cambial. E vale repetir que a gastança ocorreu principalmente nas despesas de custeio, e não nos investimentos públicos de que o País tanto carece. Nesse contexto, e ainda vacilando em cancelar aumentos previstos na folha de salários do governo federal, o presidente Lula gerou manchetes pouco antes de viajar ao dizer, com razão, "que não é hora de o trabalhador pedir aumento". Mencionando sua experiência como sindicalista, recomendou "que os trabalhadores contribuam para que as empresas possam recuperar as vendas, ao invés de apresentar uma pauta de reivindicações que inclua aumento salarial." Bem, pensou ainda como sindicalista, e achou que não é hora de o trabalhador pedir aumento. Mas, como presidente da República, patrão de seus funcionários e com a responsabilidade de cuidar dos interesses maiores do povo brasileiro, deveria assumir essa condição, e dizer que também não é hora de dar aumento, como o fez comprometendo exercícios fiscais futuros. Aliás, na sua estada em Londres, o presidente bem poderia ter aprendido o significado do termo "trade-off". Ele resume bem a situação de pessoas e instituições diante de es-

colhas nas quais é preciso sacrificar alguma coisa para obter um benefício. A situação atual é desse tipo, pois não é mais possível acreditar no crescimento da arrecadação para fazer benesses de cunho sindical e sócioeleitoral, ademais de ser necessário ampliar investimentos para fortalecer a economia para que possa sofrer menos com a crise e sair dela mais rapidamente. Além da questão fiscal, o presidente Lula irá enfrentar outros "trade-offs", e alguns já se apresentam para definição imediata, como a necessidade de mexer nos rendimentos da caderneta de poupança, ou criar tributação para as contas de grande porte, ou adotar alguma outra medida para evitar com que o nível atual desses rendimentos desequilibre a indústria de fundos. Há também a pressão dos prefeitos às voltas com a queda, por conta da crise, do que recebem via repartição de tributos federais, por meio do Fundo de Participação dos Municípios. E, ainda, o desconforto dos governadores, sempre às voltas com suas dívidas com o governo federal, cujas condições leoninas se evidenciaram, pois essa dívida custa mais caro do que a própria dívida federal. Na linguagem presidencial, "pepinos", e dos grandes, é o que não falta. São as crises que realmente testam os governantes, e este é o momento de o presidente Lula realmente demonstrar a que veio, e como concluirá seu governo. As linhas mais recentes de um currículo é que costumam definir o prestígio de um profissional.

Foto oficial do encontro do G20: entre as medidas anunciadas está a liberação de US$ 1 trilhão ao Fundo Monetário Internacional. Até o Brasil vai contribuir.

John Stillwell/AFP

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

21


Um balanço (realista) dos

D

ecorridos seis meses do início da fase mais aguda da crise e das mais variadas análises sobre suas causas, começa-se a suspeitar que possa haver algo de errado com o diagnóstico e, em consequência, que possa haver também algo de errado com as medidas que vêm sendo tomadas para revertê-la. A natureza sistêmica da crise vem aos poucos sendo reconhecida pela maioria dos analistas. Na sua raiz, seus antecedentes são conhecidos: os crônicos déficits em conta corrente dos Estados Unidos, que atingiram, em 2006, 788 bilhões de dólares; a manutenção de uma política monetária extremamente expansionista nos EUA e que teve como consequência uma inundação de liquidez no mercado financeiro internacional; a política Nicky Loh/Reuters cambial chinesa, mantendo ar ti fi cia lm en te de sva lor iza da sua taxa de câmbio como instrumento de promoção de suas exportações e Mauricio Lima/AFP p ro t e ç ã o à i ndústria doméstica; e a disposição desse país de absorver parte expressiva da liquidez internacional, comprando e encarteirando títulos do Tesouro norte-americano. Mais recentemente, serviu para transformar uma crise em estado latente em crise aberta a decisão desastrada do Executivo e do Congresso americanos de financiar habitações a cidadãos de baixa renda sem colateral e capacidade de pagamento, juntamente com o abatimento, para fins tributários, dos juros pagos nesses financiamentos. Com isso, adicionou-se à imensa liquidez existente uma bolha imobiliária, pronta para ser rompida na primeira elevação expressiva da taxa de juros. Montado esse quadro, a questão era apenas esperar para que alguma bolha se rompesse. Nos EUA, a fase aguda da crise foi deflagrada pela insolvência dos devedores, primeiro pelos de maior visibilidade – o dos mutuários de empréstimos imobiliários nos Estados Unidos – e posteriormente por algumas instituições bancárias. Essas instituições contagiaram o siste-

22

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

ma bancário americano e rapidamente o contágio espalhou-se pelos sistemas financeiros dos demais países do centro do sistema, afetando principalmente alguns países europeus. A esse respeito, cumpre distinguir com clareza o contágio da primeira etapa aos países do centro do sistema do contágio a países como o Brasil, onde uma regulação mais estrita do sistema financeiro impediu uma alavancagem nos moldes praticados no primeiro grupo de países. Aqui, como nos países da Ásia e do Leste Europeu, a primeira etapa da crise manifestou-se por uma súbita e violenta contração das linhas de crédito ao sistema bancário. Passamos a conviver, no Brasil e em outros países emergentes, com uma crise de liquidez – distinta da crise de solvência dos países do centro do sistema, m a s n ã o m eMario Tama/AFP nos danosa. Com a liquidez apertada, contraiu-se bruscamente a atividade econômica, tanto nos países ind u s t r i a l i z ados como nos p a í s e s e m e rgentes. Nos Estados Unidos, a desacel e r a ç ã o c h egou mais cedo. A crise financeira é transitória Os primeiros ou estrutural? A cada dia fica sinais podem mais claro que estamos diante s e r l o c a l i z ade uma crise sistêmica estrutural. dos em agosto de 2007. De acordo com os critérios do National Bureau of Economic Research, os Estados Unidos estão em recessão desde o início de 2008. A desaceleração chegou aqui mais tarde. A partir de outubro do ano passado, a produção industrial brasileira passou a cair no ritmo e em padrões similares aos experimentados pelos países do centro do sistema durante a Grande Depressão. Seguindo a queda da produção e a deterioração das expectativas, desde outubro o emprego formal reduziu-se em mais de 750 mil postos de trabalho. O que fazer a respeito? O diagnóstico só ficará completo se, além de distinguirmos crises de solvência de crises de liquidez, distinguirmos também crises transitórias de crises estruturais. Além disso, há que perguntar o que será desejável depois que a fase aguda da crise tiver sido superada. Trata-se de


Divulgação

seis meses da crise capitais ao País. É razoável supor que a regulamentação mais rígida dos mercados financeiros terá como Roberto Fendt consequência uma menor taxa de Economista e crescimento da economia mundial vice-presidente do nos próximos anos – em decorrência Instituto Liberal de um menor crescimento da produtividade – e que esse menor crescimento afetará a demanda por nossos produtos de exportação. É possível que a taxa real de câmbio, nesse cenário, sustente a desvalorização cambial de quase 50% ocorrida nos últimos seis meses. Nessa circunstância, será necessário controlar a absorção doméstica (consumo mais investimento), de forma a evitar o surgimento de pressões inflacionárias. Esse balanço não é propriamente otimista, embora seja o que me parece mais realista, dado o estado do conhecimento hoje a respeito do desdobramento da crise e seu impacto sobre o País. Há outros riscos do cenário que cumpre chamar a atenção, particularmente os que dizem respeito a um maior grau de intervenção do Estado através de uma regulamentação mais rígida da atividade econômica. Os riscos são de várias naturezas. Uma delas é o acirramento do protecionismo – que se tentou implantar aqui e que felizmente foi evitado, mas que está aumentando em 17 dos países do G20. Outros riscos podem se manifestar como uma sobre-regulamentação do mercado financeiro internacional. O futuro dirá.

Frente do prédio do New York Stock Exchange, em Wall Street.

ic

Er s

ter

eu

/R

er

ay

Th

saber se o que se pretende é recompor a oferta de crédito précrise, que permitiu a notável expansão da economia mundial e permitiu que milhões de famílias fossem retiradas da pobreza, ou que se pretende agora um crescimento mais moderado da economia mundial, passada a crise. A cada dia fica mais claro que estamos diante de uma crise sistêmica estrutural. Para tanto, basta olhar os números do déficit em conta corrente dos EUA e a forma como esses déficits têm sido financiados. Na raiz do desequilíbrio, como já foi apontado, estão os déficits em conta corrente do balanço de pagamentos dos EUA e a política cambial chinesa, que viabiliza o déficit. Cabe observar que não deixa de ser surpreendente que a fase aguda da crise tenha iniciado justamente quando os EUA começaram a ajustar seus níveis de consumo à disponibilidade de recursos interna – outra forma de dizer que o déficit em conta corrente americano começou a reduzir-se. Tendo chegado em 2008 a 788 bilhões de dólares, o déficit havia sido reduzido a 731 bilhões em 2007 e 664 bilhões em 2008. A estimativa é de que em 2009 se reduza para menos de 500 bilhões de dólares. De qualquer forma, os desequilíbrios externos não serão corrigidos rapidamente. Essa correção demanda, dos EUA, uma queda da absorção interna (redução do consumo e do investimento) e uma depreciação do dólar. Do lado chinês, se requer uma apreciação do yuan e um aumento da absorção interna (mais consumo e investimento). Não se promove uma mudança dessa natureza da noite para o dia. Fosse transitória a crise, seria recomendável utilizar os instrumentos de política econômica de forma a financiar o ajustamento, usualmente sob a forma de expansão da liquidez do sistema financeiro e do gasto público. O problema é que esta crise dá todas as mostras de não ser transitória. Nessa circunstância, medidas de ajuste estrutural se tornam necessárias, embora dolorosas. Do ponto de vista brasileiro, a persistência da retração em escala mundial continuará afet a n d o n e g a t i v amente tanto os preços como as q ua nt i da de s exportadas, como os fluxos de

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

23


24

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009


Lições de Delfim Netto sobre a crise financeira Se o mundo fosse absolutamente moral, isto nunca poderia produzir uma crise, pois todos se comportariam de forma correta. Se todos fossem assim, o sistema não teria problemas.

Por Carlos Ossamu

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

25


Reprodução

Usando a liberdade e a imaginação, o homem começou a incorporar ao processo produtivo o desenvolvimento tecnológico e a ciência.

A

crise financeira global é passageira e deve terminar em 2010, caso siga a duração das crises anteriores. Não há nada de extraordinário nas intervenções do Estado na economia e o capitalismo não vai acabar e nem haverá grandes mudanças no sistema econômico mundial. Esta crise é cíclica e após superada e iniciada uma nova fase de prosperidade, já estará gestando o germe de uma nova crise, que fatalmente eclodirá em algum momento. O que se pode tentar fazer é espaçar mais estes ciclos e minimizar os seus efeitos. Basicamente, esta crise é de confiança e o Banco Central brasileiro demorou para agir, o que resultou num apagão do crédito. Por outro lado, o Brasil está menos vulnerável e precisará de menos ajustes em comparação aos países desenvolvidos e emergentes. Estas são as opiniões do economista e ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto, que em meados de março proferiu uma palestra em uma faculdade em São Paulo. "Há conceitos que estão se generalizando, que dão a impressão de que o mundo sairá da crise totalmente diferente de como entrou. A minha opinião é que isso não ocorrerá. Nós vamos sair desta crise com uma organização econômica parecida com a atual, porém mais forte e menos sujeita a este tipo de crise. Mas sem dúvida, quando estivermos saindo dela, ela estará gestando uma nova crise, pois isso faz parte do processo de desenvolvimento", disse. Segundo ele, a economia de mercado é a forma mais eficiente de produção. Desde os primórdios da civilização, o homem sempre buscou formas de exercer sua atividade econômica com razoável liberdade, que ele fosse livre para exercitar a sua imaginação, incorporar as suas inovações e escolher a maneira

26

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

de viver. "O aumento da produtividade se deveu à divisão do trabalho. Quando se consegue dividir o trabalho, há um aumento da produtividade. Mas a divisão do trabalho exige uma coisa antes dela, que eu confie no outro. A divisão do trabalho antecede a organização do mercado. Ela exige o estabelecimento de uma confiança", comentou. "Antes da economia de mercado havia a organização medieval, em que cada um produzia um produto, levava para o mercado, trocava por outros. E como era possível alguém se especializar? Ele só podia se especializar, por exemplo, na produção de selas, se alguém se especializasse na produção de alimentos. E no mercado se trocavam esses produtos. Isso só funciona se as pessoas confiarem entre si, se elas desenvolverem um mecanismo de confiança, permitindo o funcionamento deste mercado. A divisão do mercado, portanto, a essência do aumento da produtividade, exige a confiança. Estou chamando a atenção para este fato pois foi exatamente o desaparecimento da confiança que originou a crise que estamos vivendo". Este mecanismo de mercado vem se aperfeiçoando ao longo do tempo e foi sendo desenvolvido com a incorporação das inovações, ou seja, usando de sua liberdade, da sua capacidade de imaginação, o homem começou a incorporar ao processo produtivo o desenvolvimento tecnológico e da ciência, que se autoestimula. À medida que o homem foi introduzindo esse desenvolvimento, aumentou a sua capacidade produtiva e assim ele teve mais tempo para inventar outras coisas, colocando em marcha um processo que se autoalimenta. Para Delfim Netto, este sistema tem algumas virtudes, a primeira é que ele é compatível com a liberdade individual, e a


segunda, é a forma mais eficiente de produzir que o homem descobriu. "É importante compreender isso: o homem não inventou a economia de mercado, o homem descobriu ao longo da história a economia de mercado. Ele descobriu que era possível, através da divisão do trabalho e da troca de bens, produzir um sistema eficiente e que era compatível com sua liberdade de escolha. Este sistema é simplesmente o único que permite que a inovação possa ser introduzida no processo produtivo, com a vantagem que ele pode se apropriar dos benefícios, das vantagens desse processo. Mas ele só pode se apropriar se houver a propriedade privada", afirmou. Por trás de toda essa economia de mercado está o Estado, que é o garantidor do funcionamento dos mercados. "Essa discussão se o Estado é a parte mais importante ou menos importante da economia é uma discussão estéril. Sem o Estado não há economia de mercado, sem o Estado há o sistema anárquico, nem os mercados sobrevivem. Assim, essa discussão de que o Estado está voltando (a interferir no mercado) não existe, o Estado está simplesmente cumprindo o papel que ele sempre cumpriu e do qual, durante algum tempo, por processos ideológicos, ele foi afastado. Mas este sistema tem também alguns defeitos: as inovações só podem se efetivar se ele conseguir crédito, pois ele precisa que alguém financie a execução dessa ideia. "O desenvolvimento econômico é simplesmente a combinação da capacidade inovativa do homem com a capacidade de obter crédito. Como ele é composto por inovação e crédito, o primeiro defeito é que ele flutua. Cada vez que surge O sistema de um invento realmente inovador, há rapieconomia de damente um grande desenvolvimento, mercado, uma grande expansão na medida que há chamado crédito", disse. Mas num certo momento, a capitalismo, é capacidade de inovação vai se esgotando e extremamente o crescimento vai diminuindo, até aparecompetitivo e cer um novo processo de inovação. O sisferoz, em que tema de economia de mercado, que chanão existe mam de capitalismo, mudou durante o moralidade. tempo. Aquilo que se chamava de capitaÉ um sistema lismo no século 18 era diferente no século que ressalta 19, era outra coisa no século 20 e agora no as diferenças. século 21, também é diferente. "Ele é um

mecanismo adaptativo extremamente eficiente, mas tem esse defeito de flutuar. Essa flutuação significa que não se tem segurança sobre o emprego, por exemplo, observou o economista. O segundo defeito deste sistema é que ele é extremamente competitivo. É um processo de competências, de excelências – quanto maior a sua competência, maior a capacidade de crescer e de se apropriar de um produto. Ele é um sistema em que não existe moralidade, é um sistema competitivo e feroz. "Mas como se introduz a moralidade? O que é preciso para uma corrida ser moral, decente? Que os competidores saiam do mesmo lugar e que todos tenham iguais condições na competição. O que um sistema de economia de mercado tem de negativo? É que nós não partimos da mesma posição. E o que é isso? Sou eu, o lugar em que eu nasci, mais a loteria genética que me produziu. É por isso que este sistema tem de ser acompanhado por mecanismos de políticas públicas, que reduzam as desigualdades e nivelem as oportunidades, de forma que a posição que o indivíduo vai estar no final da corrida não dependa se ele nasceu debaixo de um lampião ou no Waldorf Astoria", exemplificou. "Quanto menos a origem for importante, melhor será o resultado final, pois depende apenas da loteria genética. Este sistema tem, então, estes dois defeitos: ele flutua e separa os homens, ele aumenta a distância entre os indivíduos. Então, o Estado tem um papel importante de reduzir estas flutuações e minimizar estas diferenças de oportunidades. Nunca se consegue fazer isto, mas é importante que se entenda que o sistema não sobrevive sem estas duas coisas. Num regime

Paulo Pampolin/Hype

Mark Wilson/AFP

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

27


Paul J. Richards/AFP

de sufrágio universal, você não consegue manter uma política razoável a não ser que ela atenda a estas duas condições. Fizemos progressos significativos nestes campos, aumentando a produtividade e reduzindo as diferenças e as desigualdades", disse. Montanha russa Se tomarmos como exemplo a evolução do PIB americano, vamos notar as flutuações e cada um dos ciclos, que são persistentes e permanentes. Cada um é diferente, tem sua origem em determinado momento e varia a sua amplitude. Uma característica importante desse processo é que cada ciclo tem sua origem e ele exige uma mudança no entendimento do processo. Cada ciclo aperfeiçoa a teoria econômica e cria para si novos instrumentos de controle para o próximo ciclo. "O ciclo é ínsito ao sistema. O que se precisa é, através do Estado, do controle das instituições, reduzir a amplitude e estender o seu período. O ideal é ter períodos mais longos e amplitudes menores. Mas eu volto a insistir, ele faz parte do processo". Para Delfim Netto, a crise atual não só parece diferente das anteriores, como realmente tem características particulares. Os ciclos anteriores foram produzidos pela combinação entre inovação e crédito. Quando o mercado está crescendo demais, vem o Banco Central e aumenta a taxa de juros, reduzindo a perspectiva de crescimento, que efetivamente cai. Em seguida, O BC começa a baixar a taxa de juros e ele volta a subir, ou seja, forma-se um ciclo. "A maioria dos ciclos, com exceção de 1929, os economistas eram capazes de produzir e controlar. No que estamos vivendo, os economistas foram capazes de fazer o ciclo, mas são absolutamente incapazes de controlá-lo. Essa é a principal diferença. A razão é que este não é um ciclo produzido como os outros, ele foi produzido por uma enorme quebra da confiança entre as pessoas". Na economia real funciona assim: de um lado estão os consumidores, que oferecem a força de trabalho. A demanda de consumo depende da perspectiva de continuar no emprego. Não depende apenas da renda do trabalhador e das preferências dos consumidores. A demanda aumenta ou diminui de acordo com as perspectivas se haverá renda futura. Do outro lado estão as empresas, que vão comprar a força de trabalho para produzir os produtos. A produção depende da perspectiva de que a demanda vai continuar. O trabalhador vende a força de trabalho, recebe o salário e compra os produtos fabricados pelas empresas. Para funcionar perfeitamente, o ciclo depende basicamente das crenças, do trabalhador em acreditar que terá emprego e do empresário de que venderá seus produtos. "Um outro componente, que seria uma espécie de lubrificante, é a moeda, que é uma instituição social e que depende absolutamente das crenças – se inventa uma moeda e ela é aceita por todas as partes, quem vende a força de trabalho a aceita como salário e quem vende produtos a aceita como pagamento. Tudo isso está apoiado na confiança". No meio deste sistema está o mercado financeiro, que é onde se produz esse "lubrificante" que facilita estas trocas. "O mercado financeiro dá a impressão de que é uma coisa física, poderosíssima, mas está apoiada em algo extremamente tênue, que é a confiança. É a confiança de que você vai cumprir o seu

28

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

Mario Tama/AFP

A crise de 2001 foi muito rápida. Ela foi resolvida pelos economistas facilitando o crédito e criando as hipotecas subprime.

papel e eu vou cumprir o meu. Na verdade, se o mundo fosse absolutamente moral, isto nunca poderia produzir um ciclo, pois todos se comportariam de forma correta. Se todos fossem assim, o sistema não teria problemas", afirmou. Falta de crédito A crise de 2001, que foi uma crise que os economistas criaram e resolveram, foi muito rápida. Foi resolvida facilitando o crédito e criando as hipotecas subprime. "Era uma ideia absolutamente generosa , muito próxima ao que estamos tentando fazer agora com esse nosso programa imobiliário – dar casa para quem não pode pagar. É interessante porque se destinava a dar casas a afrodecendentes e para latinos que estavam nos EUA. Começaram a se inventar alguns papéis praticamente sem garantias. Você tinha uma casa e como os preços das casas estava sempre subindo, nunca se teria problema de pagamento – para pagar a hipoteca eu vendia a casa, arranjava outra casa com hipoteca maior, sobrava um dinheiro e eu comprava um automóvel. Mas para isso funcionar, os preços deveriam subir permanentemente, e como todos sabem, nada pode subir exponencialmente, senão ocupa o mundo".


larry Downing/Reuters

Mario Tama/AFP

Acima, o presidente Barack Obama e o secretário do Tesouro dos EUA Timothy Geithner anunciam medidas de socorro às empresas em dificuldade por causa da crise. Ao lado, manifestação em frente a Wall Street contra essa ajuda.

"Isso foi sendo corrigido da seguinte forma: eu ia juntando estes papéis, sobre esses papéis eu fazia o que chamam de derivativo – aparecia um banco de investimento que juntava esses papéis que não valiam nada, que nunca seriam executados se os preços caíssem. Um banco colocava um carimbo e a gente comprava. O papel do banco era o de alquimista, transformando lixo em ouro. Os papéis não tinham liquidez, ou condições de serem liquidados. Mas o papel que o banco vendia, eu acreditava que tinha liquidez, pois havia uma combinação de economistas com físicos desempregados que diziam ter desenvolvido modelos matemáticos sofisticadíssimos, através de equações diferenciais estocásticas, que garantiam que era possível estimar o risco de qualquer derivativo. Ninguém sabia o que era derivação, o que era diferencial ou estocástica, mas viam o carimbo do Lehman Brothers e compravam o papel. Até que esta mistificação explodiu, quando houve a primeira inadimplência no subprime e os preços das casas começaram a cair. E aí se viu que haviam construído uma imensa pirâmide de papéis que não valiam nada. Eles eram apenas produtos desta confiança construída neste processo", explicou. Por outro lado, foi justamente este processo o responsável pela enorme expansão mundial. De 2002 a 2007 , o mundo cresceu a 6% ao ano. Este processo terminou quando os preços das casas começaram a cair. As pessoas perguntam: mas isso não era previsível? Muitas pessoas alertaram de que o risco estava crescendo, mas todos pensam que a tragédia acontece com os outros, não com ele, e o sistema todo desabou. E como tudo isso passou para o setor real? A crise começou no setor financeiro, que tomou consciência de que aqueles papéis todos não tinham liquidez. A primeira coisa foi a quebra da confiança entre as pessoas, todo mundo tentou ficar líquido simultaneamente, guardar ao invés de gastar. "Quando todos ficam líquidos, todos morrem afogados em sua liquidez, pois se interrompe o circuito econômico. No momento que ocorre a

quebra de confiança, que era um fator catalítico que mantinha o sistema funcionando, ocorre a queda violenta nos preços dos ativos, que pode levar instituições à falência, que foi o que nós vimos; também se tem uma deflação rápida, que é a que estamos vivendo; e grande volatilidade cambial". Num momento de dificuldade, o banqueiro percebe que avaliar o risco ficou muito mais difícil e ele acredita que o devedor sabe mais do que ele sobre o que está acontecendo. Então, o banqueiro reduz o crédito e espera para ver o que acontece. Quando ele reduz o crédito, acontece o aumento da taxa de juros. Quando ele faz isso, ocorre um outro fenômeno, que é a seleção adversa. "Quando crescem os juros, quem vai procurar o crédito é exatamente aquele que não pode pagar. Piora-se a qualidade do devedor. Quando se tem essa seleção adversa, você tem mais seleção de empréstimos, mais aumento de juros. Se se permitir que isso continue, ocorre um colapso no mercado de crédito, que foi o que nos aconteceu". O nosso sistema financeiro sofreu uma limpeza após a crise de 1997, esta crise não nasceu aqui, foi importada. Na opinião de Delfim Netto, o Banco Central não foi capaz de dar tranquilidade aos banqueiros e tivemos uma morte súbita do crédito. "Foi uma coisa interessantíssima: o Lehman Brothers quebrou no dia 15 (de setembro) e no dia 16 o crédito acabou no Brasil. A crise foi importada por precaução e não teve suporte necessário do Banco Central para manter o crédito funcionando. Quando tudo isso acontece, a crise caminha para a economia do mundo real. Todos saem procurando liquidez. Todos os colaterais que os bancos tinham tomado por garantia não valem mais nada, porque o valor dos ativos de todas as empresas e suas ações estão caindo. O sistema então vê uma redução no lucro futuro. Isso derruba ainda mais o valor das ações e o sistema vai se autodestruindo lentamente, e vai caindo o consumo, investimentos e empregos. Este é um mecanismo que estamos vivendo no momento. A compreensão disso é fundamental para saber como iremos sair desta situação", alerta.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

29


Bola de cristal Mas quando vai acabar essa crise? Para Delfim Netto, ninguém sabe, é impossível saber. Pode-se tentar uma estimativa vendo as recessões passadas e calcular suas durações. Pelas últimas sete recessões, fazendo uma média, verifica-se que se levou de 2 a 3 semestres caindo, e depois levou de 3 a 4 semestres subindo. Se esta estimativa estiver correta, estaremos saindo deste processo em abril de 2010, ou algo em torno disso. E estaremos passando pelo pior em maio ou junho de 2009, que é o segundo trimestre deste ano. Mas podemos confiar neste modelo de previsão? Para Delfim Netto, não. Nesta crise há diferenças em relação às demais. Aqui não se tem o problema de controle, mas uma quebra de confiança. É preciso reestabelecer a confiança. "É isso o que o presidente Obama tem tentado fazer, dar aos americanos a esperança que ele vai reestabelecer o ritmo de crescimento. O simples fato de as pessoas acreditarem põe este processo em marcha. O Lula sabia disso mais do que o Obama inicialmente. Desde o começo, ele dizia: você não vai comprar o carro porque está com medo de perder o emprego, pois não comprando o automóvel, aí é que vai perder o emprego. É a intuição de que é preciso reestabelecer o circuito econômico". Segundo o ex-ministro, nós importamos a crise, ela não tinha nada a ver conosco. Nós estamos ligados ao mundo por três caminhos e o BC não conseguiu pavimentar estes caminhos com os recursos necessários. Estes caminhos são: - Capital subordinado - bancos brasileiros conseguiram empréstimos de longo prazo lá fora (10 a 12 anos) e tiveram a autorização do Banco Central para utilizá-los como capital, ou seja, sobre isso ele alavancou oito vezes o seu empréstimo e quando estiver vencendo este capital, se ele não puder renovar, ele tem de encolher o seu crédito para cada pagamento

Levando em conta as sete últimas crises, estaremos saindo deste processo em abril de 2010, com a fase mais aguda ocorrendo em maio ou junho próximos. Mas esta crise é diferente, é de confiança e não há como fazer previsões.

Mauricio Lima/AFP

30

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

deste capital em oito vezes, ou seja, ele vai ficar em uma situação extremamente delicada. - Funding externo - bancos brasileiros médios e pequenos tomavam crédito lá fora, que rendia bônus em dólares. Com este recurso financiava a pequena e média indústria brasileira. Também o funding vai vencendo e se vencer e não tiver recurso, o banco quebra. - Financiamento do comércio exterior "No dia 15 de setembro de 2008 quebrou o Lehman Brothers. O Banco Central tinha 200 bilhões de dólares de reserva, logo depois recebeu um swap de 30 bilhões de dólares de crédito, ou seja, o BC tinha condições de dizer para os banqueiros: o que vencer lá fora eu integro, você me dá as mesmas garantias e me paga as taxas de juros que está pagando para eles. Para os que têm o funding, o BC deveria dar o mesmo conforto e dizer que coloca o funding que o banco não conseguir renovar. E para o comércio exterior, era a coisa mais fácil, porque são créditos muito líquidos, são os que têm menores taxas de juros, menor spread, e hoje está sozinho se recriando. O Banco Central não fez isso. O BC iniciou muito timidamente, não conseguiu entender o que estava acontecendo. Houve dois erros muito sérios. Ele sempre agiu na direção certa, mas sempre atrasado e sempre em doses homeopáticas. Nunca disse com firmeza: "vem que tem". Se o BC dissesse isso, o próprio banco lá fora, vendo que o Banco Central está por trás, ele renovaria até mais do que iria renovar antes, e com taxas de juros menores. Tanto é verdade que o crédito de comércio exterior, em que o BC foi mais ousado, está renovado em 70% e com spread muito reduzido. Mas o BC não conseguiu dar este conforto e o que aconteceu foi que os bancos suspenderam o crédito instantaneamente. Por isso há uma queda praticamente vertical do PIB. Enquanto não reestabelecer isso, nós não vamos voltar a operar tranquilamente". Agora o BC começou a reduzir a taxa de juros, mas esta crise tem pouco a ver com a taxa de juros, isso tem a ver com o nível


Paulo Pampolin/Hype

Para Delfim Netto, se o governo for mais ativo, o País pode crescer 1,36%, pois o primeiro trimestre foi perdido.

de financiamento. O que o BC precisa é dar conforto ao banco de que ele pode manter o financiamento, que ele não vai ter problema de liquidez. Esta é que é a essência para sair da crise. O que está feito está feito, não pode ser desfeito, mas pode ser refeito e é isso que eu espero que aconteça. Crescimento Durante praticamente a primeira metade do século passado o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo ocidental. O Brasil cresceu a 6,5% ao ano durante todo este período, cresceu 2,2% mais do que o mundo. Mas Henrique ele tem flutuações, que estão ligaMeirelles, das ou a uma crise de energia ou a presidente do uma crise de financiamento no Banco Central balanço de pagamento. São duas do Brasil. crises que nos acompanharam desde o início do Império. "A nossa sorte é que ambas estarão sendo eliminadas simultaneamente com o pré-sal. O pré-sal é algo parecido com 70 bilhões de barris de petróleo. Nós nunca pretendemos ser exportadores de petróleo, que é um produto muito nobre para se gastar com transporte, o petróleo é para ser usado nos seus usos mais nobres, que é na peValter Campanato/ABr troquímica". Nos últimos 25 anos nós vínhamos patinando, nós só recobramos o crescimento agora em 2006/2007/2008. Nos últimos 9 semestres estávamos crescendo a 6% ao ano, e no último trimestre de 2008 nós crescemos 1,3%, ou seja, esta quebra foi causada pelo apagão do crédito. Apesar de tudo, o Brasil fechou o ano crescendo de uma forma bastante razoável, com 5,1%, que não é desprezível. "Há muitas previsões de quanto o Brasil irá crescer este ano. O banco Morgan Stanley fez uma previsão de que o Brasil vai cair 4,5%, o que é inteiramente despropositada. Ninguém sabe quanto irá cair, é impossível prever, porque a previsão exige que se

saiba o que o governo irá fazer em resposta ao que está acontecendo. Se o governo continuar burro e vagabundo, acontece uma coisa; se tiver um ataque de lucidez e ficar um pouco mais ativo, acontece uma coisa diferente. Não há mecanismos para prever, pois seria necessário saber o futuro. O primeiro trimestre acho que está perdido. Na pior das hipóteses, se nada for feito, no segundo trimestre o País cresce 1%, depois 2% no terceiro trimestre e 1,5% no quarto, pois historicamente o quarto é menor do que o terceiro. Assim, o crescimento de 2009 seria de 0,6%, que é a previsão que o Bradesco divulgou. A segunda hipótese, com o governo um pouco mais ativo, o segundo trimestre cresce 1%, depois 3% e no quarto trimestre, 2,5%. O resultado é um crescimento de 1,36%. Mas não sabemos o que o governo irá fazer, como o BC vai reagir e como o setor privado vai responder a essa ação do governo. E principalmente, como os bancos vão se comportar em face desta ação e reestabelecer a relação interbancária. Fazendo isso, todo o resto se move por gravidade. Não vamos voltar a crescer 6%, mas podemos crescer 2,5%, 3%. Depende só de nós, depende de o governo entender o que está acontecendo e agir com um pouco mais de determinação, principalmente na política monetária". Para Delfim Netto, as obras do PAC e os investimentos públicos não são suficientes, pois eles não têm potência para elevar o PIB para um nível desejado. "É preciso um complemento da política monetária, não é só baixar os juros, é voltar a abrir janelas que permitam o financiamento direto para as empresas, é voltar a reduzir o compulsório, é fazer tudo aquilo que o BC pode e deve fazer para dar um pouco de tranquilidade para que os banqueiros tomem o risco de comecem a expandir o crédito entre eles. Se isso acontecer, nós vamos crescer muito mais do que supõem os pessimistas, mas talvez um pouco menos do que acreditam os extremamente otimistas", concluiu.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

31


As Maria Bastone/AFP

Na Segunda-Feira Negra, em 19 de outubro de 1987, o Dow Jones despencou mais de 22%, enquanto a Nasdaq perdia mais de 11%.

32

7

crises de Delfim

Por Renato Pompeu

P

ara o economista Antônio Delfim Netto, as crises do capitalismo são cíclicas, elas vêm e vão e após superada e iniciada uma nova fase de prosperidade, já estará gestando o germe de uma nova crise. Mas se olharmos para trás, veremos que a atual é maior que as sete anteriores, que tiveram curta duração. Estas foram: 1) a de 1987, 2) a do México de 1995, 3) a da Ásia – 1997, 4) a da Rússia - 1998, 5) a do Brasil – 1999; 6) a da Argentina, em 2000, 7) a de 2001. Curiosamente, há um forte misticismo no número sete: foram sete as primeiras pragas do Egito (as águas dos rios transformadas em sangue, as rãs que emergiram das águas e ocuparam todas as terras do país, a transformação de todo o pó e toda a poeira em piolhos, o surgimento de enxames de moscas em todo o território, a peste que grassou em todos os animais dos rebanhos, os tumores nos homens e

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

animais, as saraivadas de chuvas de pedras), sete pecados capitais (orgulho, avareza, inveja, gula, ira, preguiça e luxúria), sete chagas de Cristo, sete dias da semana, sete meses do parto prematuro – julgado excepcional, sete grandes astros visíveis a olho nu (Sol, Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno). Em relação às sete primeiras pragas do Egito, diz a Bíblia que Deus as enviou como alerta para que o faraó libertasse o povo de Israel. Como não foi atendido, mais três pragas atingiram o país (Gafanhotos, Trevas e a Morte dos Primogênitos), totalizando dez. Da mesma forma, as crises do capitalismo podem ser vistas como alertas. Para o ex-ministro Rubens Ricupero (veja entrevista na pág. 6), a ganância, a desonestidade e a falta de valores morais foram os elementos da crise atual. Se a sociedade não aprender com seus erros, ela irá se autodestruir.


Mike Theiler/Reuters

AS SETE ÚLTIMAS CRISES ECONÔMICAS

1987 Inicialmente devemos levar em conta que existem vários tipos de crises econômicas, dos quais os principais são os que se referem às finanças, à superprodução e ao subconsumo, sem contar as crises de sonegação, como os choques do petróleo. Entre as crises financeiras se destacam as corridas bancárias, os colapsos nas bolsas, o estouro de bolhas, as crises monetárias e as moratórias. A crise de 1987 foi um típico colapso de bolsa. Depois de cinco anos de crescimento e otimismo econômico mundial, em que de agosto de 1982 a agosto de 1987 o índice Dow Jones cresceu de 776 para 2.772 pontos, na quartafeira, 14 de outubro de 1987, o Dow perdeu 3,8% e dois dias depois, sexta 16, perdeu 4,6%. Na reabertura dos negócios, na chamada Segunda-Feira Negra, 19 de outubro de 1987, o Dow despencou mais de 22%. Em comparação, o índice Nasdaq perdeu pouco mais de 11%, mas seu desempenho só não foi pior porque seu sistema eletrônico, afogado por milhões de ordens de vendas, não conseguiu dar vazão a todas elas. As transações com ações da Microsoft, por exemplo, funcionaram durante apenas 54 minutos durante todo o pregão do dia 19. Durante outubro, as bolsas de 19 dos 23 países mais industrializados caíram mais de 20%. Como agora, houve o receio de um retorno à Grande Depressão dos anos 1930, mas isso não aconteceu. Em setembro de 1989, o mercado mundial tinha recuperado tudo que perdera a partir da Segunda-Feira Negra – o prazo de dois anos é o mesmo que os mais otimistas esperam para a solução da crise atual. A crise de 1987 foi atribuída à supervalorização das ações, a efeitos perversos da evolução dos derivativos, à queda do dólar e ao au-

mento do déficit comercial americano. Seu principal resultado foi a introdução do "circuit breaking", a interrupção, por prazo maior ou menor, das transações acionárias em caso de queda acentuada das cotações.

1995 no México

O embaixador mexicano Jesus Silva Herzog (dir.) oficializa o pagamento adiantado do empréstimo de 50 bilhões de dólares.

Como típica crise monetária, a do México na verdade começou em dezembro de 1994, quando o recém-empossado presidente Ernesto Zedillo desvalorizou o peso mexicano. Foi também uma crise representativa do chamado "ciclo eleitoral", quando, meses antes da eleição, o governo adota medidas estimuladoras da economia para garantir um clima favorável a seu candidato. No ciclo eleitoral, o aquecimento pré-eleitoral da economia é insustentável a longo prazo e leva a uma instabilidade pós-eleitoral. Antes do desencadeamento da crise, ainda sob a presidência de Carlos Salinas de

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

33


Gortari, já havia preocupações com o excessivo volume de empréstimos bancários, facilitados pela baixa taxa de juros, bem como a respeito da qualidade das garantias desses empréstimos. Já fazia vinte anos que os gastos governamentais eram crescentes, apesar de os preços do petróleo, principal fonte de divisas do México, terem caído e ainda havia uma rebelião armada no Estado de Chiapas, no Sul do país. Então, em 1994, como é tradicional em muitos países no último ano de um mandato presidencial, Salinas de Gortari aumentou ainda mais, exponencialmente, os gastos governamentais e o déficit público. Para financiar o déficit, o governo lançou os chamados Tesobonos, bônus do Tesouro mexicano indexados ao dólar dos EUA. As regulamentações bancárias eram por demais frouxas e a corrupção campeava. O México tinha taxa de câmbio fixa, mas não tinha reservas suficientes para garantir a troca de toda a massa de pesos por dólares. Isso levou ao temor de que viria a desvalorização do peso, apesar das garantias governamentais anteriores de que isso não aconteceria. Os investidores imediatamente deixaram de financiar a dívida mexicana quando o governo tentou fazê-la rolar, o que levava à ameaça de moratória. O sistema bancário praticamente entrou em colapso. Os investidores passaram a vender seus Tesobonos, levando a uma escassez ainda maior de dólares. Ao assumir a presidência, em dezembro de 1994, Zedillo desvalorizou o peso em 15% em relação ao dólar, mas não foi possível manter nem mesmo essa taxa de câmbio desvalorizada e o governo passou a deixar sua moeda flutuar. Em seguida a isso, em uma semana o peso passou da relação de 4 para 7,2 por dólar. Essa semana de crise monetária afetou outros países, particularmente latinoamericanos; no Brasil, isso ficou conhecido como "efeito tequila". Alarmados, o governo americano, sob Bill Clinton, e instituições internacionais (o FMI, o Banco de Compensações Internacionais e o Bank of Canadá) imediatamente passaram a comprar pesos mexicanos e aprovaram um financiamento de 50 bilhões de dólares ao governo de Zedillo, mesmo porque a moratória

34

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

afetaria a saúde financeira dos bancos americanos e de outros países ricos credores da dívida mexicana, que se viu assim aumentada. Mas a solução de Clinton, ainda que não tenha sido aprovada pelo Congresso americano (o Executivo podia legalmente aplicá-la assim mesmo), funcionou: logo em seguida, o peso mexicano se estabilizou ao nível de 6 por dólar. O México foi se recuperando, em 1996 sua economia voltou a crescer e em 1997 pagou antecipadamente o empréstimo de 50 bilhões de dólares.

1997 na Ásia A crise da Ásia começou em julho de 1997 na Tailândia e, mais uma vez, se correu o risco de um colapso financeiro mundial. Após meses de tensão financeira causada por problemas no setor imobiliário, o governo tailandês entrou em falência financeira por impossibilidade de pagar a dívida externa e decidiu deixar flutuar sua moeda, o baht, até então indexado ao dólar. A crise monetária logo se espalhou pelo Sudeste da Ásia e pelo Japão, com grande aumento das dívidas privadas e queda nas bolsas e em outros ativos. A crise atingiu rudemente a Coreia do Sul e a Indonésia, fortemente o Laos, Filipinas, Malásia e Hong Kong, e menos duramente a China, Índia, Taiwan, Brunei e Vietnã, particularmente pela queda na demanda de bens e serviços e pelo abalo na confiança dos investidores. A Coréia do Sul viu a proporção de sua dívida em relação em PIB subir de 13% para 40%; índice que chegou a atingir 180% nas quatro maiores economias da Associação de Nações do Sudeste Asiático. O FMI entrou com 40 bilhões de dólares para recuperar as moedas da Coreia do Sul, Tailândia e Indonésia, onde a crise foi tão grande que as manifestações populares levaram à queda do regime de Suharto, que estava há três décadas no poder. De todo modo, a ação do FMI evitou que a crise se alastrasse por todo o mundo. A crise asiática se prolongou por 1998, quando as Filipinas tiveram crescimento zero, por exemplo, mas em 1999 toda a Ásia já estava começando a se recuperar.


Reuters

Uma greve geral chegou a exigir a renúncia do presidente russo Boris Ieltsin. Em 1999, o preço do petróleo subiu e o país se beneficiou com baixo valor do rubro.

1998 na Rússia A crise russa, desencadeada a 17 de agosto de 1998, foi provocada em grande parte pela crise da Ásia descrita acima, que levou à queda da demanda dos países asiáticos por matériasprimas e commodities em geral, em particular do petróleo, e de seus preços. Isso prejudicou a fundo a Rússia, da qual quatro quintos das exportações são constituídos de petróleo, gás natural, metais e madeira, todos com preços em queda. No entanto, especialistas apontam que o fator direto de desencadeamento da crise russa não foi a queda nas rendas das empresas do petróleo, e sim a redução dos impostos por elas pagas ao governo. Foi em meio a uma taxa fixa de câmbio artificialmente alta, um déficit fiscal perene, agravado pelos gastos com a guerra da Chechênia, e altas taxas de juros (que chegaram a 150%) para atrair capitais especulativos externos e possibilitar o pagamento da dívida interna, que a queda na arrecadação deixou o governo russo sem condições de honrar os seus compromissos. Em julho de 1998, os juros da dívida pública superaram em 40% a arrecadação, apesar de um auxílio de 22 bilhões de dólares pelo FMI e Banco Mundial. No dia 1º de agosto de 1998, em meio a greves, havia mais de 12 bilhões de dólares de salários atrasados no país.

Houve uma corrida ao Banco Central para trocar rublos por dólares, e o banco gastou todas as suas reservas em divisas, além de terem "sumido", por desvios diversos, 5 bilhões da ajuda do FMI e Bird. A 13 de agosto a Bolsa de Moscou entrou em colapso – queda de 65%. No dia 17, foi declarada moratória de 90 dias em vários tipos de dívidas públicas, foi anunciada a reestruturação – em prazo não esclarecido – das dívidas em rublos, que foram desvalorizados e postos a flutuar dentro de uma ampla banda, e, a 2 de setembro, a flutuar livremente, passando sua cotação de menos de 7 por dólar para 21 por dólar a 21 de setembro. Vários bancos tiveram de fechar, a inflação chegou a 48% em 1998, enquanto os alimentos dobraram de preço. A partir de outubro houve manifestações de dezenas de milhares de pessoas contra o governo, em vários pontos do país. Uma greve geral chegou a exigir a renúncia do presidente Boris Ieltsin. Mas, a partir de 1999, os preços do petróleo voltaram a aumentar, o mercado interno se beneficiou da desvalorização do rublo, em especial no setor de alimentos, pois foi eliminada a concorrência externa. O colapso bancário não foi tão importante quanto seria em outros países, pois, como herança do comunismo, grande parte das empresas comerciavam entre si não por meio de moeda, mas de barganhas. No fim da crise, em 2000, a economia e a política ficaram sob um grau de controle do governo num índice não visto desde a queda do comunismo.

1999 no Brasil Segundo os pesquisadores Afonso Ferreira e Giuseppe Tullio, da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, mantida pelo governo de Minas Gerais, a crise do real em janeiro de 1999, quando a moeda brasileira bruscamente se desvalorizou, logo após se decidir a sua flutuação, depois de anos de rígida indexação ao dólar, começou muito antes disso, ao ser lançado o Plano Real, em 1994. A âncora cambial que garantiu a estabilização fomentada pelo Plano teve inicialmente êxito em reduzir drasticamente a inflação, mas a partir de 1996 ficou claro que ocorria um círculo vicioso: o real estava supervaloriza-

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

35


Fabian Gredillas/AFP

2000 na Argentina

Em dezembro de 2001 ocorreu uma revolta generalizada na Argentina, com a queda em menos de um mês do presidente Fernando de la Rua e de três presidentes que o sucederam.

36

do, o que desde então ensejou expectativas de que sua desvalorização estava iminente. Isso levou a uma grande alta na taxa de juros, a qual contribuiu para elevado nível de desemprego. Para completar o ciclo, o alto desemprego fazia se intensificarem as expectativas de iminente desvalorização da moeda. A par disso houve o impacto das crises da Ásia e da Rússia, descritas acima, e o real não resistiu, porém a causa que realmente desencadeou a crise foi o relaxamento da política fiscal característico de um ano de eleições presidenciais, o de 1998, conforme o ciclo econômico-eleitoral referido acima a propósito da crise mexicana. A crise brasileira foi eminentemente do tipo monetário. Durante as crises asiática e russa, as reservas internacionais brasileiras ficaram diretamente ameaçadas e, nas duas ocasiões, o Banco Central aumentou os juros numa proporção de mais de 20 por cento, para atrair divisas estrangeiras. Em seguida, na medida em que as reservas internacionais iam se recompondo, o Banco Central ia baixando os juros. Mas em janeiro de 1999 não foi possível mais resistir. A desvalorização da moeda inicialmente causou uma certa turbulência, mas logo levou a mais investimentos e em poucos anos o País começou a aumentar seu ritmo de crescimento, ainda que lentamente.

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

De acordo com o economista alemão Joachim Becker, a crise Argentina de 2000 se deve ao próprio êxito das medidas liberalizantes adotadas pelo presidente Carlos Menem desde 1991. A Lei da Convertibilidade fixou a cotação do peso em 1 por dólar, estabeleceu como base monetária as reservas em divisas estrangeiras e proibiu a indexação. Além disso, a hiperinflação então vigente foi também assegurada pela abertura total às importações, forçando a queda dos preços internos e das demandas salariais. O FMI e o Bird apoiaram essas medidas, que proporcionavam grandes rendimentos aos capitais externos. Dois terços dos depósitos e créditos passaram a ser feitos em dólares, e a classe média argentina se endividou em dólar. Inicialmente o PIB teve altos níveis de crescimento e até as classes mais pobres, beneficiadas pelo fim da hiperinflação, tiveram seu padrão de vida melhorado – a troco porém de um crescimento do déficit comercial e da dívida externa. Para financiar o déficit na conta-corrente, o governo promoveu privatizações em massa, principalmente para atrair capitais estrangeiros. Também se tornou crônico o déficit fiscal. Durante a crise mexicana de 1997, a Argentina foi afetada pela queda na entrada de divisas. O governo argentino decidiu não desvalorizar a moeda, e sim restringir as importações e instaurar a austeridade. O nível de vida caiu, o desemprego aumentou. Chegou a haver uma corrida aos bancos, logo contida, sem entretanto que a confiança nas instituições financeiras fosse restaurada. Quando eclodiu a crise brasileira de 1999, boa parte da opinião pública argentina, diante da nova redução do fluxo de moeda estrangeira, passou a considerar iminente a desvalorização. O presidente Menem foi sucedido por Fernando de la Rúa. Em 2000 o aumento do desemprego e da pobreza passou a ser drástico, com aguda queda do PIB, acompanhada de sucessivos aumentos da taxa de juros. Já não era possível financiar o déficit da conta-corrente. Em dezembro de 2000, um financiamento internacional comandado pelo FMI proporcionou 40 bilhões de dólares para socorrer a Argentina; o governo de De la Rúa lançou um pacote de obras públicas. Em fevereiro de


Marty Lederhandler/AP/AE

2001 a Turquia entrou em crise, novamente se agravou a crise argentina e surgiram protestos de rua. Planejou-se ancorar o peso também ao euro, mas não se cogitou de desvalorizar o câmbio. Acentuou-se a política deflacionária, com o corte de 13% dos salários dos funcionários públicos e nas aposentadorias e pensões de mais de 500 pesos mensais, o que resultou em queda no comércio e na arrecadação. A espiral recessiva levou ao surgimento de "moedas" provinciais, como o patacão em Buenos Aires. Em dezembro de 2001, nova corrida aos bancos. O governo instituiu o "corralito", limitando as retiradas dos bancos a 250 dólares semanais por pessoa. Em seguida, o FMI anunciou que não liberaria 1,2 bilhão de dólares para a Argentina, apesar de isso ter sido combinado anteriormente. A desdolarização foi lenta: se manteve a cotação de 1 peso por dólar nas dívidas, mas de 1 peso para 1,4 dólar nos depósitos bancários. Em dezembro de 2001 ocorreu uma revolta generalizada no país, com a queda em menos de um mês de De la Rúa e de três presidentes que o sucederam. Em janeiro de 2002 assumiu o presidente Eduardo Duhalde, que desvalorizou o peso em dois terços, generalizando a crise. Em 2003 assumiu o presidente Néstor Kirchner, que em setembro daquele ano conseguiu termos mais favoráveis para a dívida em relação ao FMI. A economia voltou a crescer em 2004. Em 2005, Kirchner obteve outra vitória: ganhou o apoio de mais de três quartos dos credores para seu plano de quitar apenas parcialmente os débitos. A crise tinha amainado. A dívida ao FMI foi paga em janeiro de 2006.

2001 no mundo Os atentados de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas em Nova York e o Pentágono em Washington, em que morreram mais de 3 mil pessoas, desencadearam uma crise mundial de bolsas profunda, porém curta. No próprio dia 11 de setembro, a Bolsa de Nova York não abriu, como também a de Londres e outras, e ficou fechada até o dia 17, segundafeira, quando o índice Dow Jones caiu 7,1%, recorde, como foi recorde a queda de 14,3 no to-

tal da semana. A crise se espalhou pelo mundo: as Bolsas caíram 8,5 na Alemanha, 5,7% em Londres e 9,2% no Brasil.. O Federal Reserve (Banco Central dos EUA) passou a fornecer diariamente 100 bilhões de dólares para fomentar a liquidez, agindo em conjunto com outros bancos centrais, durante os três dias após os ataques. A cotação do dólar frente ao iene, ao euro e à libra caiu, os preços do ouro e do petróleo aumentaram, levando a um aumento da gasolina nos EUA, aumento que porém durou apenas uma semana. Com a intervenção coordenada dos bancos centrais, a situação logo se aliviou, mesmo porque seus únicos fundamentos reais eram os próprios atentados, que não tiveram seguimento. De todo modo, a crise atual, iniciada em 2008, leva à conclusão de que não se aprendeu a lição de José há milhares de anos no antigo Egito, quando ele demonstrou ao faraó que, se se desejava evitar sete anos de vacas magras, era preciso armazenar grãos durante os sete anos de vacas gordas.

Os atentados de 11 de setembro desencadearam uma crise mundial profunda, mas rápida, nas bolsas de valores de todo o mundo.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

37


Exercício de McLuhan

Divulgação

Antoninho Marmo Trevisan Empresário e educador, presidente da Trevisan Consultoria e Gestão, da Trevisan Escola de Negócios, do Conselho Consultivo da BDO Trevisan e Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)

U

m dos mais importantes teóricos da comunicação, Marshall McLuhan, já afirmava na década de 1960 que uma forma de organização baseada nas mídias eletrônicas levaria informação ao mundo quase simultaneamente. Chamou a isso de "Aldeia Global". Poder-se-ia dizer que ele tornou-se um visionário da internet décadas depois. O mundo unificado pelos meios de comunicação de massa, preconizado por McLuhan, tem agora o seu maior expoente na difusão da informação, uma vez que a internet assumiu um papel central de divulgação, que tem grande influência na sociedade. Nunca antes, pelo menos até o advento da rede mundial, a repercussão do noticiário econômico de um país teve tamanha especulação e alterações de humor extremas – do desespero à esperança –, gerando efeitos simultâneos em várias outras nações e influenciando a vida de milhares de pessoas. Este fato nos mostra claramente, em todas as nuanças, o que a teoria da "Aldeia Global" de McLuhan realmente significa. Esta massa de informações vem de todos os lados e organizá-la não é tarefa simples. Para tentar entender como tudo começou, vamos procurar alguns dos pontos iniciais deste emaranhado.

38

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

A recessão nos Estados Unidos, fruto da turbulência no sistema financeiro, começou no final de 2007, segundo os analistas econômicos americanos. Em 2008, esta se acentuou, atingindo seu ápice em setembro do mesmo ano, ganhando proporções globais. Foi a partir desse período que os EUA passaram a adotar medidas para evitar o colapso econômico. O Brasil, na esteira do problema, também saiu em busca de ações de alívio à situação negativa. Em dezembro do ano passado, alguns criticaram as práticas adotadas pelo Governo Federal, considerando-as setoriais e pontuais, pois desejavam decisões macroeconômicas. Passado um tempo, deixaram de criticar o método, talvez porque os Estados Unidos fizeram o mesmo. Aliás, os americanos foram ainda mais agudos. Socorreram diretamente as empresas. O fato é que não há turbulência econômica que se resolva sem o ataque direto às questões que estão em foco. Se as soluções de longo prazo não surtiram os efeitos com a rapidez desejada, partiu-se, então, para caminhos que apagassem os incêndios. No caso do Brasil, isso foi ainda mais acentuado, até porque o problema veio de fora, de maneira repentina. Agora, tenta-se achar a dimensão da turbulência e sua duração. Alguns países adotaram ações protecionistas. Trata-se de


um redesenho do comércio mundial, com forte viés político – agradar os cidadãos próximos com práticas ao alcance do Estado é um método muito mais antigo do que a própria economia de mercado. Avaliando-se os indicadores econômicos brasileiros disponíveis nesse início de ano, é ainda precipitado apontar o rumo que a economia tomará. O certo é que não seremos tão atingidos quanto os países desenvolvidos, um resultado de uma antiga política econômica que justamente contrapunha aquilo que levou os Estados Unidos à beira do colapso: sempre se impediu o aquecimento do consumo desmesurado e as linhas de crédito de bens de consumo, que só começaram a se ampliar nos últimos dois anos. Assim, ironicamente, essa política nos foi favorável neste momento. Aqui no Brasil, a influência da turbulência é ainda obscura. Desde o ano passado, os preços das commodities têm caído gradativamente. Já a produção industrial também experimentou queda. No entanto, a inflação continua irredutível. Isso sinaliza que a manobra da política monetária é insuficiente. A realidade é que as exportações têm sofrido mais com a retração econômica, abandonando o crescimento contínuo que vivenciava nos últimos tempos. No comércio exterior, obvia-

mente, o desemprego se fez sentir de forma evidente. O mercado interno, que nos últimos anos ganhou um expressivo contingente de novos consumidores, deverá evitar que o PIB (Produto Interno Bruto) fique negativo neste ano. Pelo menos é o que se percebe nesses primeiros meses de 2009. Verifica-se a necessidade, porém, de redução dos juros, paulatinamente. É preciso também estar atento à questão do gasto público. No entanto, outras explicações macroeconômicas exigiriam um olhar mais atento nas informações disponíveis na rede mundial. Recorreríamos novamente a "Aldeia Global"? Sim, isso é importante. No entanto, devemos olhar para as nossas atitudes, acreditar na nossa capacidade, valorizar a razão, construirmos cenários futuros positivos, buscar a criatividade, objetividade, foco e obstinação. A "Aldeia Global" é uma das mais brilhantes teorias de nosso tempo e o acesso facilitado às informações em tempo real é fundamental para a sociedade de hoje. No entanto, não podemos ser afetados tão facilmente por estes extratos. Ao contrário, devemos viver com otimismo, empregando nossos conhecimentos e experiência, que estão em nossa origem primária. É isto que nos dá a base do crescimento.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

39


Paulo Pampolin/Digna 18/05/2005

O TRABALHO NOSSO

DE CADA DIA

N

o dia 1º de maio comemora-se o Dia Mundial dos Trabalhadores. A data foi instituída em 1889 pela Associação Internacional dos Trabalhadores e só não é reconhecida nos Estados Unidos, que comemoram o Labor Day na primeira segunda-feira de setembro, que este ano será dia 7. Com a crise financeira mundial, o que se pergunta é se o trabalhador tem alguma coisa a comemorar nesta data. Segundo dados divulgados pela Fundação Seade e do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) na região metropolitana de São Paulo, em fevereiro o contingente de desempregados era estimado em 1,4 milhão

40

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

Por Carlos Ossamu

de pessoas, 92 mil a mais do que em janeiro. Os números refletem a eliminação de 179 mil postos de trabalho e a saída de 87 mil pessoas do mercado. O nível de ocupação, que era de 8,9 milhões em fevereiro, recuou 2% em relação ao mês anterior (9,1 milhões). Mas apesar do crescimento da taxa de desemprego para 13,5%, trata-se do menor patamar para um mês de fevereiro desde 1996. Em entrevista para a revista Digesto Econômico, Guilherme Afif Domingos, secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo e presidente do Programa Estadual de Desburocratização (PED), fala sobre o desemprego e de soluções para o País enfrentar a crise.


Digesto Econômico - Qual a sua opinião sobre as parcelas extras do Seguro Desemprego apenas para funcionários de algumas categorias, consideradas as mais atingidas pela crise, deixando de fora trabalhadores de outros setores? GAD - É fundamental o aumento das parcelas do segurodesemprego neste momento de crise econômica. Entretanto, essa medida não pode ser discriminatória. É como se tivéssemos duas classes de desempregados, de determinados setores e de um determinado mês. Nos meses seguintes, quem ficou desempregado não tem direito ao mesmo benefício? Isso é falta de visão de equidade no tratamento dos direitos do cidadão. Esse benefício deve se estender a todos os demitidos nesse período de crise. DE - O Dieese tentou minimizar os 650 mil empregos perdidos em dezembro, dizendo que mesmo sem a crise, 350 mil seriam dispensados de qualquer maneira, pois é uma época de sazonalidade. O senhor concorda que a situação não é tão grave quanto parece? GAD - Quando o Dieese tenta minimizar o desemprego dizendo que 350 mil trabalhadores seriam dispensados de qualquer modo por conta da sazonalidade, eles estão partindo do quanto foi o ano passado nessa época. Só não perceberam que aqui esse número praticamente dobrou. Será que isto é normal? Outro ponto: esta crise vem no setor industrial (indústria de transformação) desde setembro e tem Afif: no Estado sido acobertada ou minimide São Paulo, o zada; e ela continuou nos MEI vai beneficiar mesmos setores em janeiro 3,2 milhões de e fevereiro. O perigo é que pessoas. instituições como o Dieese estejam hoje a serviço de minimizar os dados ao invés de mostrar como realmente eles estão. O Dieese realiza uma pesquisa (PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego) mensal junto com a Fundação Seade, em várias regiões metropolitanas, e essa pesquisa tem apontado uma situação de agravamento e de recorde de desemprego nestas regiões, comparada com os últimos tempos. É só olhar os dados da última PED. DE - O senhor tem dados mais precisos sobre a situação do desemprego em São Paulo? GAD - Para oferecer esses dados criamos, em fevereiro deste ano, o Observatório do Emprego e do Trabalho, que nos permite mapear a situa-

Luiz Prado/Luz

ção real do emprego, incluindo a rotatividade e a informalidade em todos os 645 municípios paulistas. De acordo com a última análise do Observatório, concluímos que em fevereiro, empresas de médio porte e trabalhadores com idade, tempo de casa e escolaridade maiores foram os que mais sofreram com a crise econômica. As médias empresas estão sem fôlego, demitindo mais, e os trabalhadores com mais escolaridade estão no sufoco. Precisamos ser realistas, tomar medidas corretas e formular políticas públicas consistentes, com base em dados reais, como os do Observatório, que podem ser consultados diretamente no site www.observatorio.sp.gov.br. DE - De que forma o MEI (Microempreendedor Individual) pode minimizar os efeitos da crise econômica e do desemprego? GAD - A criação do Microempreendedor individual (MEI) será uma verdadeira formalização em massa. No Estado de São Paulo vai possibilitar que cerca de 3,2 milhões de pessoas – o que equivale à população total do Uruguai - entrem para a formalidade, pagando uma pequena taxa única de cerca de R$ 50. Isso inclui contribuição para a Previdência Social e pagamento dos impostos federais, estaduais e municipais. O MEI deverá vigorar a partir de 1º de julho e terá um impacto social formidável, já que os trabalhadores terão acesso ao crédito, aumentarão sua renda e contribuirão para a geração de empregos. É motivo de orgulho para nós que a ideia de criação do MEI tenha surgido aqui em São Paulo, por meio do Programa Estadual de Desburocratização (PED). DE - Como o senhor avalia as ações do governo Lula para combater a crise econômica? GAD - O Governo Federal retardou muito a tomada de medidas diante da crise mundial. Disseram que essa crise econômica era apenas uma marolinha, que não iria afetar o País. O Governo Federal tem de ser mais ousado e mais lúcido. É necessária a liberação dos compulsórios do depósito à vista para criação de linhas de crédito especiais para as empresas de médio porte, bem como a aprovação do Cadastro Positivo, que é uma medida eficaz para a redução do spread bancário. O projeto está parado há quatro anos em uma gaveta do Congresso Nacional. É preciso haver maior senso de urgência e de justiça em nível federal.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

41


As Dimensões do Direito Luso-Brasileiro e a 42

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009


Divulgação

Contemporâneo crise mundial

Ives Gandra da Silva Martins

Professor Emérito das Universidades mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP, do CIEE/São Paulo e das Escolas de Comando e Estado maior do Exército - ECEME e Superior de Guerra ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária - CEU

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

43


O

século 21 deverá conhecer uma profunda revolução nos clássicos conceitos jurídicos, não só a partir de uma visão do direito constitucional à luz da soberania das nações, mas também do direito supranacional, que vai se universalizando pelo prisma da formação dos blocos regionais. Basta ter em mira o denominado "direito de ingerência", que as nações mais desenvolvidas, em nome de um pretendido consenso de representatividade do concerto das nações, outorgam-se para intervir pontualmente em outros países, como ocorreu, na década passada e na atual, no Iraque, Afeganistão, Kosovo, e Haiti, intervenções estas de maior visibilidade e repercussão. A crise econômica mundial, que abalou o mundo em 2008 – cujos reflexos negativos ainda se fazem duramente sentir e deverão continuar a ser sentidos nos próximos trimestres, nos países desenvolvidos e também nos países emergentes –, serviu, apenas, para mostrar que a alavanca do desenvolvimento mundial, se não concorreu para facilitar a redução de tensões entre os povos e os países, servirá, de rigor e entretanto, para uma reflexão maior e conscientização quanto à necessidade de buscarmos soluções jurídicas, que transcendam às clássicas formulações do direito estável e nacional do passado. É bem verdade que, após a 2ª Guerra Mundial, os primeiros organismos supranacionais de atuação efetiva foram surgindo, como a ONU, com os órgãos a ela ligados, como FAO, UNESCO etc.; o FMI; o Banco Mundial; a própria OCDE e, mais recentemente, com assunção das principais atribuições do GATT, a OMC; além do modelo europeu, hoje compaginando, na Comunidade, vinte e sete nações, dotado de pelo menos seis órgãos de administração jurídica além fronteiras, que servem de modelo para o mundo (Parlamento, Comissão, Conselho, Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça e Banco Central). Por outro lado, formam-se blocos de menor expressão, como o Mercosul, o pacto Andino e outros grupos regionais, que começam a dar seus primeiros passos para abandonarem as características de mera zona de livre comércio e transformaremse em autênticas uniões aduaneiras, objetivando um futuro mercado comum. Estes primeiros passos, de extrema relevância, nos últimos sessenta anos, não representam senão o início de uma escalada que deverá, a meu ver, desembocar, até o fim do século, num Estado Universal, como defendi no livro escrito em 1977, O Estado de Direito e o Direito do Estado.

44

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

Não desconheço, todavia, as dificuldades para que isto ocorra, decorrentes das diferenças do estágio de civilização em que se encontra cada país, de costumes, cultura, conflitos de natureza religiosa e social, nacionalismo predominante e fanatismos, que levam ao radicalismo e ao terrorismo. O certo é que estes problemas ai estão à espera de solução. Quando da invasão da Europa pelos mouros, em 711, e que durou até 1492, quando foi batido o último reduto de Granada, não se vislumbrava, durante seus primeiros séculos, uma solução européia e não moura para a região invadida. O que vale dizer: sessenta anos de novas experiências convivenciais, de


Divulgação

um comunitarismo universal, nada obstante os choques, inevitáveis em qualquer processo de implantação, é muito pouco tempo, na busca de novas alternativas para a integração da humanidade, na aldeia global em que o mundo se transformou. Thomas Friedman, em seu livro O mundo é plano, demonstra, como o mundo se estreitou, na economia e no mercado de empregos, sendo hoje o custo/benefício a alavanca permanente desta integração. Principalmente, na área de serviços ela permite que pessoas no mundo inteiro prestem serviços entre si, sem que os usuários tenham qualquer noção de quem os está prestando. Quantas declarações de imposto de renda, nos Estados Unidos, são

O surgimento de organismos supranacionais representa o início de uma escalada que deverá desembocar, até o fim do século, num Estado Universal. Na foto, prédio da ONU em Nova York.

feitas por competentes e menos onerosos especialistas indianos, que desconhecem os contribuintes – chegam-lhes os números, e não os nomes – e sem que os declarantes saibam quem as elaborou. O mundo, portanto, que tanto evolui nesta integração supranacional, com a consequente e necessária formulação jurídica, deverá ultrapassar novas barreiras, nos próximos noventa anos, ou seja, até o fim do século, aprendendo com a crise atual e aproveitando-a para melhorar os instrumentos de integração. Algumas das exigências regulatórias são universais e, embora timidamente adotadas, por variados motivos, inclusive a falta de pronta adesão dos países mais poderosos, deverão ser implementadas como condição de sobrevivência mundial. As questões ambientais estão a exigir rápido entrosamento entre todas as nações – principalmente os Estados Unidos, reticentes quanto ao Protocolo de Kyoto – visto que o aquecimento global, tal qual um câncer recém detectado e no início, se não for combatido com medidas urgentes, universais e mediante sanções efetivas, também de âmbito geral, poderá gerar, ainda nos próximos 50 anos, colapsos incomensuravelmente superiores aos impactos das crises econômicas, políticas ou das guerras regionais, que continuam a macular a evolução da humanidade. A necessidade, neste campo, da implantação de regras jurídicas de preservação ambiental de caráter mundial deve suscitar o interesse das nações, principalmente após a deterioração, ano após ano, da qualidade de vida, o surgimento de tormentas e cataclismos naturais, das alterações incontroláveis do clima, com reflexo negativo em toda a produção agropecuária, como também na própria vida dos centros urbanos. As medidas são urgentes, todas as nações devendo se voltar para a questão, cuja regulação jurídica deve ser universal, com aprovação, pelo direito local de cada uma, do que for decidido no consenso das nações, como forma de preservação do meio ambiente. À evidência, as nações que têm um custo maior de preservação ambiental, principalmente se emergentes, deverão poder partilhálo com as nações mais desenvolvidas, mediante, por exemplo, um Fundo compensatório que permitiria um real combate às causas de degradação do meio ambiente. Não creio que, de imediato, isto seja possível, visto que o câncer da deterioração ambiental, do aquecimento global, começa apenas a

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

45


A crise de 2008, todavia, teve globalização semelhante à crise de 29, com a diferença de que os mecanismos de consulta e atuação conjunta das nações permitiram que seus efeitos, embora terrivelmente impactantes, fossem menores que os de 1929.

46

ser detectado. Mas, não tenho dúvidas: quando a gravidade da corrosão do meio ambiente for percebida por todos os povos do mundo, todos os paises serão forçados a participar de uma solução global. A urgência de uma regulação universal para a preservação do meio ambiente além do tímido Protocolo de Kyoto, não é um único problema a exigir a conformação de um direito supranacional. Outra questão que está a demandar regulação mundial mais precisa é a que envolve o comércio internacional, o mercado de capitais e o sistema financeiro. A crise de 1929 permitiu o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle das crises, com a multiplicação dos bancos centrais, em todo o mundo, assim como a criação e o fortalecimento do FMI, do Banco Mundial, da OMC e da OCDE, com variado elenco de medidas possíveis para solução de controvérsias. Os primeiro e segundo choques do petróleo, na década de 70, levaram as nações desenvolvidas ao retorno às soluções protecionistas, no comércio internacional, após a Rodada de Tóquio, em 1979, concomitantemente à reunião da OPEP, que estabeleceu o aumento do preço do petróleo (Viena). Na época, tal comportamento contou com a tolerância do GATT, para com as nações desenvolvidas que o adotaram, a partir dos dois eventos. As nações emergentes, todavia, altamente endividadas ainda por decorrência do 1º choque e dependendo do fortalecimento dos mercados externos, que se fecharam, despencaram. A década de 80 foi considerada uma década perdida, com inflação e crescimento pífio para a maioria das nações, inclusive com a declaração das moratórias mexicana (82) e brasileira (86). A moratória brasileira foi mais consistente, porque, não só continuou o País pagando os juros da dívida, como se comprometeu a pagar o principal em prazo certo. O Brasil, no curso daquela própria década e na seguinte, reduziu sua dependência externa a valores inexpressivos para a dimensão de sua economia, o que não ocorreu com a Argentina, ao decretar com a moratória do início do século 21, cujos reflexos perduram até hoje. O certo é que aquela crise e as posteriores, das décadas de 80 e 90, não afetaram as grandes economias. A queda do muro de Berlim e a globalização da economia permitiram que as nações emergentes se recuperassem, vencendo, inclusive, o fantasma da inflação, com crescimento superior ao das nações desenvolvidas.

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

Algumas nações emergentes ganharam especial destaque, entre elas o Brasil, a Índia, a China e a Rússia, após o colapso do império soviético. A crise de 2008, todavia, teve globalização semelhante à crise de 29, com a diferença de que os mecanismos de consulta e atuação conjunta das nações permitiram que seus efeitos, embora terrivelmente impactantes, fossem menores que os de 1929. O diferencial foi a maior resistência à recessão, nos países emergentes, que, a meu ver, por terem um padrão de vida menor que a das nações civilizadas, adaptaram-se melhor à nova realidade. De qualquer forma, revelou-se que o mercado de capitais não encontrou ainda uma regulação capaz de evitar as grandes oscilações das bolsas e do sistema financeiro. Este último, mais preocupado com o aspecto formal dos créditos das instituições financeiras, descuidou-se da verificação de sua qualidade, sobre permitir uma multiplicação de operações no vazio, a ponto de transformar-se num mercado virtual de papéis, sem lastro. Creio que será mais fácil a correção do sistema financeiro, desde que o FMI e os bancos centrais do mundo inteiro se orientem para adoção de normas mais rígidas quanto a multiplicação da moeda virtual e um controle direto e eficiente na qualidade dos papéis em que se lastreia o sistema. Mais difícil será a operacionalidade do mercado de capitais, em que o jogo é inerente a sua existência e em que os operadores do mercado têm mais força que os governos. Creio que seria desejável a adoção de regras também mais rígidas, no caso de oscilações, ocorrendo intervenção, por exemplo, sempre que os papéis experimentem, em um dia, oscilação superior a um determinado percentual não muito elevado, devendo ser retirados do mercado por período mais longo (1 ou 2 semanas), não como hoje, em que se suspende o prazo de negociação por um breve período. Dessa forma tornar-se-ia o jogo – que sempre existirá – um pouco mais controlável. Estou convencido de que uma regra mundial de controle mais efetivo é necessária, sendo a aplicação de um direito supranacional nitidamente mais abrangente, mais interventiva e mais universal. O meio ambiente e o direcionamento de investimentos são dois campos em que a integração mundial, tornando o mundo menor, faz-se necessária. E a crise, certamente, levará a soluções jurídicas universais mais abrangentes, entre elas, a de maior controle jurisdicional.


Dadang Tri/Reuters

A questão da integração entre as nações será passo decisivo para a criação de um Estado Universal ou uma confederação de países, semelhantes à União Européia, de natureza global. À evidência, tais problemas somente poderão ser superados com o diálogo à exaustão e jamais com represálias de idêntica violência. É o caso do islamismo, pluridividido, cujas correntes mais radicais ressuscitam lideranças do século 7 e 8 – do tempo da invasão da Europa –, sustentam que os poderes político e o religioso se confundem, e preconizam a eliminação daqueles que consideram infiéis, com atos de terrorismo espalhados por todo o mundo, no estilo de Bin Laden. Essa visão político-religiosa, para a qual o terrorismo é uma forma de atingir a vida eterna em grau de santidade, ao ponto de as "bombas-humanas" serem permanente instrumento de ataques inesperados, é um tipo de marginalidade que não pode ser combatida pelos métodos clássicos, utilizados contra marginais que pretendem conservar a própria vida. No fanatismo religioso, tal ataque à humanidade não-mulçumana, faz-se por convicção. Quando o terrorista está disposto a sacrificar a própria vida, é porque suas convicções são irremovíveis e age na certeza de que faz o certo e que Alá o protege, incentiva e lhe dará uma vida eterna de bem-aventuranças. Conter o terrorismo político-religioso em linha armada e ameaça de pressões, inclusive pena de morte, nada significa. Tem havido, todavia, evolução nos próprios costumes dos países sujeitos à disciplina político-jurídica religiosa islâmica. As mulheres, antes condenadas a secundário papel, hoje cursam universidades e adquirem conhecimento e força que as levará, certamente, a conquistas semelhantes às obtidas pelas mulheres ocidentais nos séculos 19 e 20. Tal nivelação levará, no futuro, uma sociedade de homens a conviver, em igualdade de condições com as mulheres, como ocorre no Ocidente, e à compreensão, como no cristianismo, de que os dois planos (político e religioso) não se confundem, a não ser na busca de valores éticos, matéria em que não há imposição possível. O futuro Estado laico não será, necessariamente, ateu, mas um Estado em que convivem os que acreditam e os que não acreditam em Deus, procurando criar uma estrutura jurídico-política capaz de dar, como dizia Bentham, a maior felicidade possível ao maior número de pessoas. Os focos de intolerância político-religiosa permanecem ainda, de rigor, no Tibete chinês, na Índia, no próximo Oriente, na Irlanda e na

Carl de Souza/AFP

Inglaterra, Paquistão, Índia, mas estou convencido, nada obstante os incidentes mais graves que ocorrem ou possam ocorrer – como, recentemente, a questão palestina –, que até o fim do século clara ficará a sábia afirmação de Cristo, ao responder aos fariseus: Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que a Deus pertence. E a regulação jurídica internacional tenderá, a meu ver, a consagrar o princípio. O problema da pobreza e das diferenças étnicas também permanece, no início do século, mas, num Estado universal, tenderão a merecer solução melhor. Muito se falou a respeito do holocausto, considerado crime contra a humanidade e contra um povo, em especial, uma das chagas na história da humanidade. Nos dias que correm, todavia, a denominada "purificação étni-

Quando o terrorista está disposto a sacrificar a própria vida, é porque suas convicções são irremovíveis e age na certeza de que faz o certo e que Alá lhe dará uma vida eterna.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

47


ismail Zaydah/Reuters

Ódio gera ódio. Contra o terrorismo não profissional, mas por convicção, a arma não é adotar reação idêntica.

48

ca" ocorre em diversas regiões da África, às vistas insensíveis da comunidade internacional, não interessada, ainda, em intervir no continente africano, como o fez na Europa e no Oriente próximo. O próprio desenvolvimento lá chegará, não apenas pelas armas que tais povos já obtiveram, mas pelo conhecimento. Creio que, nada obstante a criminosa omissão das nações desenvolvidas, haverá redução, nas próximas décadas, da violência, com a evolução desse continente de potenciais riquezas capazes de torná-lo, no futuro, um dos mais prósperos, na medida em que se detecta o esgotamento das riquezas das nações mais desenvolvidas, no potencial ofertado pela natureza. Em outras palavras, a evolução cultural de todos os povos deverá permitir um diálogo mais sério pela sobrevivência da terra. Ora, à medida e na rapidez que a evolução tecnológica torna a terra cada vez menor e os povos cada vez mais próximos, a busca de uma universalização semelhante à experiência vivida pela comunidade européia impor-se-á à humanidade, talvez com a criação de uma efetiva confederação de nações, com organismos internacionais semelhantes aos da União Européia, mas com poder de atuação mais efetivo que a UE oferta. A integração de todas as nações, numa confederação desta espécie, exigirá vocação e convivência mais harmônica, em que o direito de ingerência ganhará outro perfil, mediante forças de segurança para a integração e a paz entre as nações. Ganhará, pois, especial relevância uma confederação forte e convivencial, com forças armadas avançadas modernamente equipadas,

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

para intervir com eficácia e eficiência em qualquer parte da confederação. A ONU, pois, seria substituída por uma autêntica confederação de países, com uma autonomia quase soberana, ou uma soberania com ares de autonomia, vinculadas, todas as nações, a um poder central, como ocorre, nas Federações, com os Estados, Províncias ou Cantões, que possuem autonomia vinculada a um governo centralizador. O princípio da solidariedade universal a ser juridicizado é a única forma, que, no tempo, permitirá a superação de questões de desinteligências e desintegrações, o que implicará, necessariamente, aceitação da maneira de ser de cada povo e de cada cultura, com seus valores preservados. Ódio gera ódio. Contra o terrorismo não profissional, mas por convicção, a arma não é adotar reação idêntica. O diálogo é a única forma. Lembro-me de um conto russo que li, quando menino, de sete cavaleiros invencíveis, que um dia se reuniram para comemorar sua invencibilidade. Surgiu, todavia, um cavaleiro andante para desafiá-los. De um só golpe um dos sete invencíveis dividiu-o, mas, para sua surpresa, do cavaleiro cortado ao meio surgiram dois, que, também divididos de um só golpe, transformaram-se em quatro. Todos os cavaleiros invencíveis decidiram, então, combater os quatro, que foram se multiplicando a cada divisão até que, após sete dias de lutas, os sete cavaleiros invencíveis foram derrotados pela multiplicação de cavaleiros andantes nascidos de cada derrota individual. Temo que a luta armada contra o terrorismo derivado do fanatismo possa levar a uma multiplicação idêntica. Temo que Israel não esteja percebendo que, estando cercado de islâmicos por todos os lados, a única solução possível é o diálogo à exaustão para aprenderem a conviver. Estou convencido de que, até o fim do século, a questão será solucionada, mas, até lá, enquanto para cada ação houver idêntica reação, teremos muita instabilidade, dor e sofrimento. A estes problemas acrescentar-se-á o fantasma do desemprego, originado por crises e pela substituição do homem pela máquina. Nenhuma legislação nacional consegue equacioná-lo, pois o emprego é determinado pelo mercado e a competitividade termina por ter no fator preço elemento relevante. Como a máquina não faz greve, não tem direitos, não tira férias e trabalha sem reclamar, o desemprego crescerá. Um Estado Universal poderá melhor regular a oferta de emprego e instituir uma única legislação laboral.


Reprodução

Cena do seriado Jornada nas Estrelas (Star Trek), de Gene Rodenberry, que rendeu mais de setecentos episódios. Acima, símbolo da União da Federação de Planetas.

Creio numa confederação mundial até o fim do século mais forte que a União Européia e com mais poder de intervenção para conduzir a humanidade, com todos os povos sendo representados no Parlamento global e nos órgãos diretivos da instituição política máxima, com regulação supra-constitucional. O gênio de Gene Rodenberry, em seu "Jornadas nas Estrelas", criou uma federação que rendeu a edição de mais de setecentos episódios e dez filmes de longa metragem. Como regra primeira imposta aos comandantes das naves interestrelares estava a de não intervir na maneira de ser de cada povo, buscando sua integração à federação, em todas as galáxias, com respeito a seus costumes. Creio que o mundo, que avançou tecnologicamente com as especulações de ficção científica de um Verne, de um Da Vinci, de um Wells, poderá muito aprender com este gênio da ficção científica do cinema. Estou convencido de que, como os sonhos verneanos foram se transformando em realidade, assim também, um dia, uma confederação dos países permitirá o surgimento de um Estado universal onde, com maior facilidade, se eliminarão os conflitos. Não no ideal kantiano de uma paz perpétua, através da democracia, mas de uma integração de todos os povos, num regime jurídico universal e abrangente, que respeite a maneira de ser de cada povo. E, neste particular, a maneira de ser da civilização lusíada, em que a integração foi sempre o elemento de maior presença, poderá servir de exemplo. Haja vista que, em idêntico espaço americano, conseguiu manter um país único, com variadas formas de cultura, ao contrário da América Espanhola, que se pulverizou em um número enorme de nações. E a prova maior reside numa integração consideravelmente mais relevante entre as diversas raças no Brasil do que em outras nações, ao ponto de todas as culturas que se somaram posteriormente à portuguesa lá conviverem em perfeita harmonia, inclusive judeus e muçulmanos, que, muitas vezes, reúnem-se em cerimônias comuns, numa demonstração de que culturas diferentes podem viver harmonicamente. Adriano Moreira, no 1º Congresso das Comunidades de Língua Portuguesa, em 1964, afirmou que há uma maneira de ser diferente do português, na sua presença no mundo. E esta maneira de ser, que permitiu a criação de uma nação continental, é aquela que, talvez, possa servir de exemplo para o mundo futuro, na conformação de um Estado Universal lastreado na solidariedade entre os povos.

O gênio de Gene Rodenberry, em seu "Jornadas nas Estrelas", criou uma federação que rendeu a edição de mais de setecentos episódios e dez filmes de longa metragem. Como regra primeira imposta aos comandantes das naves interestrelares estava a de não intervir na maneira de ser de cada povo, buscando sua integração à federação, em todas as galáxias, com respeito a seus costumes.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

49


O mundo está

A

s decisões tomadas pelos líderes do G20 no início de abril em Londres serão prejudiciais ao mundo. A crise financeira atual foi resultado de uma combinação de dinheiro muito barato com intervenções muito pesadas do Estado na economia e no mercado financeiro. Agora, estão dizendo que o remédio é mais crédito barato. Os governos de vários países, principalmente dos Estados Unidos, estão fazendo tudo errado e a consequência é o prolongamento da crise financeira global. O grande perigo que o mundo corre é o acirramento do protecionismo, que deverá piorar ainda mais a situação. Estas são as opiniões de Tom G. Palmer, vice-presidente de programas internacionais da Atlas Economic Research Foundation, vice-presidente de programas institucionais do Cato Institute e autor do livro Realizing Freedom: Libertarian Theory, History, and Practice. Defensor ferrenho da liberdade de mercado e da globalização, Palmer participou como palestrante da 22ª edição do Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, no início de abril, e em passagem por São Paulo concedeu uma entrevista à revista D igesto Econômico.

Newton Santos/Hype

50

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009


fazendo tudo errado

Por Carlos Ossamu

Digesto Econômico - Que balanço o senhor faz da reunião do G20 ocorrida no início de abril em Londres? Tom Palmer - Essa foi uma reunião em que líderes do mundo se encontraram para fazer coisas que eles gostariam de fazer, independentemente do tema do encontro. E grande parte dessas coisas acredito que será muito prejudicial à economia mundial.

TP- Muitasdessasempresasvãofalirdomesmojeito.Oquese está fazendo é jogar dinheiro em um buraco com esta expansão imensa da oferta de dinheiro. Vamos olhar a história econômica em busca de uma pista de como proceder. Houve uma crise financeira em 1920, que levou a uma depressão. Quantas pessoas conhecem a depressão que aconteceu entre 1920 e 1921? Praticamente ninguém, pois ela durou pouco tempo e quando acabou a economia retomou o seu crescimento. Todo mundo conhece a depressão de 1929, porque ela acabou em 1946/47, depois da 2ª Guerra Mundial. Ela se prolongou muito porque nos anos de 1930 o governo combinou duas políticas: uma foi a de manter os preços artificialmente elevados e outra de protecionismo. Essas duas políticas combinadas derrubaram a economia mundial.

DE - O que será prejudicial à economia? Juan Medina/Reuters TP - Tivemos uma série de políticas tolas, realizadas sobretudo pelo governo dos Estados Unidos, que realizaram intervenções muito pesadas nos mercados financeiros e que tiveram resultados muito indesejáveis. Por exemplo, as taxas de juros mantidas pelo Banco Central americano (FED) chegaram a ser negativas de junho de 2003 a junho de 2004. E duas instituições estatais, a Fannie Mae e a DE - O senhor enxerga o perigo do Freddie Mac, criaram títulos lastreaprotecionismo no atual contexto? dos em hipotecas. Esses títulos enveTP - Com certeza. O próprio Banco nenaram o sistema financeiro munMundial divulgou que 17 dos países dial, chamados hoje de títulos tóxicos. do G20 já deram início a políticas proA verdadeira raiz da crise financeira é tecionistas. Para entender o significauma combinação de dinheiro muito Manifestação contra a crise econômica. do disso vamos retornar a 1930. Em 17 barato, que foi fornecido pelo FED, e de junho de 1930, o presidente ameriuma intervenção muito pesada do gocano assinou a lei Smooth-Hawley soverno americano nos mercados finanbre tarifas. A ideia era proteger os empregos dos trabalhadores ceiros. Agora, estão dizendo que o remédio é mais do mesmo. americanos das importações. A consequência foi a destruição Foi uma grande festa econômica patrocinada pelo crédito fácil das empresas de exportações dos EUA e criou uma onda de e agora nos dizem que a solução é mais crédito barato e fácil. É protecionismo no mundo. Em um ano, as exportações americomo se estivéssemos ontem à noite bebendo muita caipirinha canas caíram 50% e em dois anos, o comércio mundial caiu e hoje não estamos nos sentindo bem, mas o médico diz que o 70%. Isso foi a verdadeira depressão e uma catástrofe para o remédio é beber mais caipirinha. mundo, e o meu medo é que isso aconteça novamente. DE - Se não houvesse a ajuda do governo às empresas, o resultado DE - Todos dizem que o protecionismo seria ruim neste momento, não seria muito pior? TP - Não. Nós tivemos uma bolha imensa criada em divermas até por pressões internas, os países acabam cedendo e sas esferas por causa do crédito barato. A melhor solução seria adotando medidas de proteção aos seus mercados. Como evitar o deixar que os títulos encontrassem o seu nível no mercado. A protecionismo? TP - Esta é uma questão muito importante. A principal metentativa de injetar dinheiro na economia para manter os predida é explicar ao público que desta forma os mercados não esços dos títulos altos simplesmente vai prolongar o problema. tão sendo protegidos. Todos os consumidores e produtores esExistem duas opções agora: uma crise curta, causada por potarão sendo prejudicados. Por exemplo: imagine que o governo líticas ruins do governo, ou uma crise longa, provocada pela americano comece a restringir a importação de aço do Brasil e de continuação dessas políticas ruins do governo. outros países. Eles vão dizer que estão protegendo os empregos DE - Mas se não houvesse a ajuda do governo, muito mais dos trabalhadores das indústrias siderúrgicas americanas. Já as empresas iriam quebrar, gerando mais desemprego. Isso não seria montadoras americanas precisam de aço barato para produzir ruim para a economia? carros, assim como a Caterpillar, que produz equipamentos pe-

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

51


sados para a indústria, e a John Deere, que produz tratores. Existe um número imenso de empregos que será destruído, caso se proteja os empregos dos trabalhadores das suderurgias. A consequência é que todo mundo ficará mais pobre. DE - Na sua opinião, o governo americano não está conduzindo bem a solução para a crise, por causa da intervenção muito forte. O senhor acha que se o presidente fosse John McCain ou Hilary Clinton, seria diferente? TP - Acreditoqueosgruposdominantespossuemumconsenso, eles só pensam em termos de ganhos políticos no curto prazo. Os governos de George W. Bush e de Barack Obama têm mantido basicamente as mesmas políticas. Na minha visão, estamos vivendo o governo de "Bubama", Bush e Obama. Bush começou dando esse bailout (ajuda financeira) gigantesco para empresas que estavam indo à falência, como o programa TARP (Programa de Socorro de Ativos Problemáticos, em português). Nós vimos uma explosão do gasto governamental, um fato inédito, sem precedente na histórica americana. Fizemos um cálculo: até a metade de fevereiro, o governo americano já tinha se comprometido com gastos de US$ 11,6 trilhões. E isso vai aumentar ainda mais. Os políticos podem ter muitos poderes, mas eles não têm o poder de suspender algumas regras fundamentais da realidade. Muita gente acredita que Barack Obama pode andar sobre as águas. Ele pode ser um homem excelente, mas ele não pode suspender a Lei da Gravidade ou a lei da oferta e da procura. Essa lei se aplica tanto aos dólares quanto ao abacaxis. Se você produzir muitos dólares, eles vão valer cada vez menos. O meu temor é que passemos a viver num mar de dólares, produzidos pelo FED. Precisamos ter em mente que no encontro do G20 os países se comprometeram com o estímulo à liquidez, que significa imprimir dinheiro. Agindo dessa maneira, eles fazem com que as autoridades americanas

52

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

cubram os seus erros, fazendo com que todo mundo inflacione o dinheiro ao mesmo tempo. Isso não é bom, nem para os brasileiros, nem para outras pessoas. Os preços imobiliários nos EUA têm de descer e se você imprime muito dinheiro para manter os preços altos, você vai pagar por isso de outra maneira. DE- Na sua opinião, qual o verdadeiro papel do Estado na economia? TP - O Estado tem um papel muito importante. Mas esse papel é simplesmente decidir quais são as regras e deixar que os investidores, consumidores, poupadores coordenem eles mesmos as suas ações. O Estado deve garantir, por exemplo, um sistema monetário estável, que não seja manipulado para fins políticos, como nós vimos nos EUA; um judiciário eficiente, que possa julgar as disputas e as questões que envolvam contratos legais; e também o fornecimento de segurança básica. Mas não cabe ao Estado dizer o que as empresas devem produzir, quem eles devem empregar etc. Não é do papel e nem da competência deles. Não quero que o Obama opere o meu coração, se um dia eu precisar de uma cirurgia. Ele é inteligente, mas não é um médico. Também não quero que ele determine como os carros devam ser construídos. Mas nós cruzamos um ponto muito perigoso quando o presidente dos EUA pessoalmente despediu o presidente de uma empresa privada, a General Motors. Isso foi extremamente perigoso. Ele ultrapassou o papel de presidente do país. Infelizmente, todos os políticos têm essa visão grandiosa de si mesmos, isso faz parte do trabalho. DE - Quanto tempo o senhor acha que esta crise irá durar? TP - Isso depende das políticas escolhidas pelos governos. Se em primeiro lugar eles evitarem o protecionismo, em segundo lugar, eles pararem de estimular a economia com a impressão de


Larry Downing/Reuters

dinheiro, esta crise poderia acabar até o fim do ano. Basta lembrar a depressão de 1920 a 1921. Mas se eles continuarem com os estímulos e adotarem medidas protecionistas, esta crise poderá durar mais de uma década. Um exemplo de país que falhou ao estimular a economia, depois de ter tido uma bolha de títulos, é o Japão. Havia uma bolha imensa no Japão, criada pelo crédito fácil, dado pelo Banco Central. Eles continuaram com taxas de crescimento estagnadas por mais de uma década porque o governo ficava tentando estimular a economia. Quando você recorda essa experiência japonesa, todos os políticos ficam quietos, eles não querem falar nisso, pois está provado que foi um fracasso. DE - O senhor acredita que o mundo sairá diferente desta crise? TP - Sim, de várias maneiras, algumas saudáveis e outras não. Na maneira saudável, acredito que as pessoas vão saber sobre os riscos da intervenção do governo para atender os próprios interesses políticos. O aspecto negativo, e isso é preocupante, é a chamada coordenação de políticas financeiras em nível internacional. Por exemplo, os políticos vêm tentando acabar com os paraísos fiscais há mais de uma década. Agora é a oportunidade que eles têm. De acordo com o G20, Liechtenstein foi o culpado pela crise financeira mundial. Ninguém sério acredita nisso! DE - O senhor é a favor ou contra a extinção dos paraísos fiscais? TP - Sou completamente contra. O que nós esMuita gente acredita que Barack Obama pode andar sobre as tamos criando agora é um cartel mundial de imáguas. Ele pode ser um homem excelente, mas ele não pode postos, que dificultará as pessoas de fugirem da suspender a Lei da Gravidade ou a lei da oferta e da procura. mão gananciosa e forte dos políticos. Uma coisa importante a se lembrar de políticos é que eles sempre vão roubar o máximo que puderem. A única coisa que limita isso é a possibilidade que as pessoas têm de esDE - Haveria mais alguma coisa que o senhor gostaria de colher onde vão morar, trabalhar e investir os seus dinheiros. É comentar? por isso que eu acho que a competição fiscal é muito importante, TP - Sim, já falamos do protecionismo, mas eu gostaria de tanto dentro dos países quanto internacionalmente. Nos EUA, salientar que isso seria a pior coisa a ser feita neste momento. A por exemplo, existem 50 jurisdições fiscais diferentes. Elas comliderança política brasileira mostrou mais sabedoria nesta petem, tentando criar leis que vão atrair os pagadores de imposquestão do que um anão econômico como Sarkozy. Nicolas tos. Do mesmo modo, no Brasil existe uma competição entre os Sarkozy é um pessoa mesquinha, cuja única preocupação é a Estados para ver quem irá oferecer mais segurança, os impostos proteção das indústrias francesas às custas do povo francês e mais baixos etc. Os políticos precisam estar submetido à compedo resto do mundo. Infelizmente, ele é uma pessoa pequena, tição como as empresas. Agora, todos os políticos do mundo quecom mente mesquinha, mas com uma voz muito alta. Devo adrem atuar como um cartel e acabar com a competição. mitir que o presidente brasileiro mostrou muito mais sabedoria do que o presidente francês na reunião do G20. DE - Os paraísos fiscais muitas vezes escondem dinheiro de Os políticos brasileiros podem fazer a coisa certa no corrupção e de terrorismo. Como o senhor vê esta questão? Brasil, independentemente do que é feito em outros países. TP - Isso é absolutamente falso, não é verdade. LiechtensA melhor resposta ao protecionismo em outros países é o tein, na Suíça, e as Ilhas Cayman já deixaram bem claros que se livre comércio no mercado nacional. Se outras economias houver indícios de terrorismo ou corrupção, eles vão liberar o se tornam mais rígidas e frágeis, a economia brasileira pode acesso a todos os registros financeiros. Isso é uma calúnia mose tornar mais flexível e mais capaz de prosperar em meio tivada politicamente. à tempestade.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

53


O

jornalismo, na sua acepção mais elevada, é uma variante menor da ciência histórica. Os instrumentos de pesquisa, verificação e expressão de que o jornalista se serve são em essência os mesmos do historiador, apenas reduzidos a uma escala de precisão mais modesta, em razão do tempo mais curto. Porém, tal como acontece na própria História, a busca do conhecimento aí não é tudo. Tanto o historiador como o jornalista podem se colocar – e este último quase invariavelmente se coloca – a serviço da luta política e de poderes que não raro estão mais interessados na difusão da ignorância que do conhecimento. Daí a necessidade de uma espécie de jornalismo de segundo grau, que observe e analise o desempenho do primeiro, separando, nele, o que é investigação da verdade e o que é puro discurso de agente político, na sua tripla acepção de propagandista, de ocultador e de agente de influência. Para desgraça geral, os "observatórios de mídia" que alegam cumprir essa função não passam, na maior parte dos casos, de agentes políticos eles próprios, bem ou mal camuflados sob a capa de analistas críticos. O "Observatório da Imprensa" do Sr. Alberto Dines não passa, em úl-

dois: (a) debilitar o poderio americano na esfera internacional, tornando os EUA praticamente inermes ante qualquer iniciativa militar ou qualquer campanha diplomática mais agressiva da parte de seus inimigos; (b) no plano interno, inversa e complementarmente, aumentar o poder de controle do governo sobre a massa dos cidadãos, desarticulando e desarmando antecipadamente qualquer veleidade de oposição popular, seja ao primeiro objetivo, seja a este mesmo. Isto não é uma "interpretação". Os fatos falam por si mesmos, mas não podem ser ouvidos pela maioria, seja porque são diretamente sonegados, seja porque vêm diluídos numa maçaroca alucinante de factóides, detalhes irrisórios, desconversas e desinformação pura e simples, tornando a substância dos acontecimentos dificilmente apreensível até mesmo por pessoas letradas que, inconscientes da mudança radical das funções do jornalismo desde a década de 60, continuem tomando a "grande mídia" como fonte primordial de informações. No plano internacional, com exceção das gestões para deter a corrida armamentista da Coréia do Norte, que já vinham da presidência anterior e não têm como ser desviadas muito ra-

Obama: a revolução desde cima Divulgação

tima instância, de um comissariado político devotado a preservar a ortodoxia esquerdista hegemônica. O "Observatório de Mídia" da USP (http://www.midiasemmascara.org/index.php?option=com_content&view=article&id=103:observa tori o-d e-mi dia -da- usp -bi lion ari o-es que ma-d e-p oder ), conforme já demonstrei com documentação mais que suficiente, é apenas um braço da política globalista. Nos EUA, uma certa variedade de perspectivas ainda assegura algum confronto genuíno, mas o alcance popular dos sites de media watch é mínimo em comparação com o dos grandes jornais e noticiários de TV, que a "revolução cultural" das últimas décadas transformou, decididamente, em agentes políticos, isentos do mais mínimo compromisso com as funções que outrora garantiram ao jornalismo uma parcela da dignidade da ciência histórica. Nesse panorama, os fatos mais óbvios podem se tornar invisíveis e suas relações mais patentes um mistério insondável para a quase totalidade da população, aí incluída a elite falante, não digo pensante. Para quem estuda os fatos da atualidade com critérios de historiador, nada mais fácil do que compreender os objetivos da administração Obama, bem como as estratégias e táticas usadas para sua implementação. Esses objetivos são apenas

54

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

Olavo de Carvalho Jornalista, escritor e professor de Filosofia

Obama quer aumentar o controle do governo sobre a massa de cidadãos, desarticulando e desarmando a oposição.


Dimitar Dilkoff/AFP

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

55


pidamente do seu curso pré-escolhido, as iniciativas principais do governo Obama foram sucessivas manifestações de simpatia para com governos islâmicos profundamente comprometidos em campanhas anti-ocidentais e anti-americanas. A quase genuflexão ante o rei da Arábia Saudita é apenas um símbolo, mas ele diz muito porque vem acompanhado não só de acenos amigáveis para o governo do Irã, mas também de esforços manifestos para induzir a classe política americana a aceitar passivamente a transformação do Irã em potência nuclear (esta notícia não pôde ser ocultada nem mesmo dos brasileiros: v. http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2009/04/04/ult579u2764.jhtm). Ao mesmo tempo que despende trilhões num "plano de recuperação econômica", que beneficia acima de tudo as organizações que o apoiaram na campanha eleitoral, como por exemplo a Acorn, que caprichou no obamismo ao ponto de distribuir milhares de títulos de eleitor falsos para aumentar o eleitorado do candidato democrata, Obama anuncia um corte de 8 bilhões de dólares no orçamento das Forças Armadas. E faz isso no preciso momento em que a China completa a fabricação de um novo míssil balístico capacitado a destruir porta-aviões americanos num raio de dois mil quilômetros com um só disparo para cada um. A zona de cobertura da nova arma, versão modificada do míssil Dong Feng 21, abrange precisamente as áreas que os estrategistas americanos consideram vitais para um eventual confronto de superfície entre forças americanas e chinesas. É ainda impossível avaliar em que medida a nova arma de Beijing é devedora do ex-presidente Clinton, que após ter feito vista grossa à profusão de espiões tecnológicos chineses nos EUA, aproveitou sua última semana na Casa Branca para libertar os poucos deles que estavam na cadeia. O que é absolutamente certo é que a liberação das viagens a Cuba, planejada pelo governo Obama, vai fortalecer um bocado o regime comunista da ilha, não só "enchendo de dinheiro os irmãos Castro", como disse Otto Reich, mas facilitando o trânsito de espiões cubanos num país que já está repleto deles. Por fim, é notório que os círculos obamistas vêem com agrado as gestões cada vez menos discretas do G20 para adotar uma moeda mundial, desbancando o dólar e submetendo a economia americana ainda mais ao controle internacional. Embora o sentido de todas essas atitudes do governo Obama seja claro e insofismável, até mesmo os comentaristas mais abertamente conservadores têm extrema dificuldade em percebê-lo. Seus cérebros, entupidos de inibições, preconceitos e escrúpulos patéticos que a cultura esquerdista ambiente injetou neles desde a década de 60, funcionam com tal lentidão que só ouvem o cão latir depois de várias mordidas. Uma conversa recente na Fox News entre Sean Hannity, comentarista político da estação, e Dick Morris, ex-conselheiro dos Clintons convertido à causa conservadora, ilustra o que estou dizendo: Morris: — Há uma coisa importante que vai acontecer em Londres neste G20, e que eles estão camuflando, escondendo: a coordenação dos regulamentos internacionais. O que eles vão fazer é colocar o nosso FED (Federal Reserve) e a nossa SEC (Comissão de Títulos e Câmbio), sob o controle do Fundo Monetário Internacional... O que isso realmente é, é colocar a economia americana sob controle internacional.

56

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

Hannity: — É mesmo. Morris: — E aquelas pessoas que viviam gritando "A ONU vai tomar o poder!", "É o governo global!"... Hannity: — Teóricos da conspiração… Morris: — Eles eram malucos. Mas agora vemos que estavam com a razão. Está acontecendo. Hannity: — Quando o Geithner (presidente do FED) disse na semana passada que está aberto à ideia de moeda global, essa turma da teoria da conspiração já tinha anunciado durante anos que isso ia acontecer. Você não está errado, você não está errado… Concomitantemente – e coerentemente – com a debilitação do poderio americano no exterior, as medidas do governo Obama para aumentar o controle estatal sobre a sociedade e os cidadãos são tão vistosas que o simples fato de não provocarem escândalo geral já é por si mesmo um escândalo. Desde logo, Obama exigiu que o escritório do Censo, até então sob responsabilidade parlamentar e portanto bipartidária, fosse instalado na Casa Branca, sob sua fiscalização direta. Como o Censo determina o zoneamento eleitoral, quem controla o

A liberação das viagens a Cuba vai fortalecer o regime comunista da ilha, não só 'enchendo de dinheiro os irmãos Castro', mas facilitando o trânsito de espiões cubanos num país que já está repleto deles.

Censo controla as eleições americanas. Em tempos normais, esta simples decisão seria motivo de impeachment, mas tanto o Congresso quanto a mídia estão mais empenhados em preservar a imagem de Obama do que a segurança do país e o bom funcionamento da democracia. Até o momento, ninguém estrilou contra a usurpação do Censo, noticiada com discrição entre páginas e páginas consagradas aos novos modelos de vestido da Sra. Michele Obama. Não podendo implantar diretamente o controle de armas, que a população rejeita maciçamente, o governo Obama apelou ao expediente de diminuir o estoque de munições à disposição do consumidor, dificultando a compra ou importação dos materiais necessários à fabricação de balas. Os efeitos da medida apareceram com velocidade impressionante. Qualquer coisa mais requintada do que cartuchos para espingardas de caça é muito difícil de encontrar hoje em dia nas lojas de armas. Ao mesmo tempo, os deputados e senadores governistas já distribuem entre si uma lista de mais de setenta modelos de armas que o Procurador Geral Eric Holder – tradicional adepto da proibição total – planeja banir na primeira oportunidade. Não satisfeito com o tremendo acréscimo de poder que essas medidas lhe dão, o governo Obama, através da FDA (Food and


Toby Melville/Reuters

Drug Administration), vem ajudando a promover o Codex Alimentarius – plano da ONU para colocar a produção mundial de alimentos sob controle direto e estrito da burocracia internacional e de meia dúzia de macro-empresas globais. Os projetos de lei HR875, HR759 e S425 proíbem até mesmo a livre produção de alimentos para consumo doméstico ou comunitário, e tornam crime a chamada "alimentação natural" – plantar cenouras, beterrabas, batatas etc. sem fertilizantes, antibióticos e o que mais as autoridades determinem. Pelo Codex Alimentarius, cada galinha criada em fundo de quintal terá de ser registrada em órgãos do governo e alimentada com aquilo que o governo escolha. As penalidades incluem prisão do culpado, apreensão dos produtos considerados ilegais e desapropriação da terra onde seja cometido o "crime". Uma das empresas mais empenhadas na aprovação do projeto é a Monsanto. Quando o

É notório que os círculos obamistas veem com agrado as gestões cada vez menos discretas do G20 para adotar uma moeda mundial, desbancando o dólar.

ativista de esquerda José Bové, participante do Forum Social Mundial de 2001 em Porto Alegre, promoveu a destruição de mil acres de transgênicos dessa empresa no Rio Grande, todos os nossos liberais e conservadores protestaram, em nome da liberdade de mercado. Lamento informar: descontados os meios ilegais com que fez o seu protesto, Bové estava certo, mesmo sem saber por quê. A Monsanto não tem nada a ver com liberdade de mercado. Tem a ver com o socialismo burocrático mundial. Para completar, o senador democrata Jay Rockefeller, membro da família que controla o CFR (Council on Foreign Relations) e por meio dele a política americana, após ter feito a espantosa declaração de que o maior risco para a segurança dos EUA não é o terrorismo, nem a China, nem o tráfico de drogas, nem a imigração ilegal, e sim a internet – declaração que num primeiro momento pareceu apenas um abuso de excentricidade –, passou das palavras à ação, apresentando, na semana seguinte, um projeto de lei que coloca a rede inteira sob controle direto de órgãos da presidência americana. Tecnicamente – e creio ter demonstrado isso em sucessivos

escritos e conferências –, uma revolução define-se como um projeto abrangente de mudança social e política a ser realizado mediante uma concentração anormal de poder. Uma revolução nesse sentido estrito – uma revolução de dimensões mundiais – já está em avançado estado de realização nos EUA. O fato de que a maior parte da população e até mesmo das classes letradas nem mesmo perceba isso enquadra nitidamente o fenômeno na categoria das "revoluções desde cima", tal como descrito no livro clássico de Hermann Rauschning, The Revolution of Nihilism: a Warning to the West. Publicado em 1938 e referindo-se especialmente ao caso alemão, o alerta de Rauschning não foi ouvido. O meu também não será.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

57


Adam Smith, o intervencionista? Divulgação

Diogo Costa Editor de OrdemLivre.org e pesquisador do Cato Institute

58

U

m dos efeitos da atual crise econômica no discurso público é a interpretação do mais pesado intervencionismo estatal como um ajuste necessário de um capitalismo saudável. A Revista Veja contribuiu para essa compreensão errada dos fatos quando, em matéria de capa (18/03/09), disse que, como a política de Barack Obama não era descaradamente comunista, com expropriações de imóveis e assassinatos políticos, logo fazia parte do mais perfeito capitalismo. Essa colocação sofre de falsa dicotomia. Entre o laissez faire radical e o comunismo stalinista existe todo um espectro intervencionista que compreende todas as políticas econômicas das democracias ocidentais. Para sustentar a posição de que o intervencionismo econômico não é antônimo, mas prática necessária ao capitalismo liberal, a autoridade dos economistas liberais é trazida à questão. Um exemplo mais sofisticado dessa atitude é o ensaio de Amartya Sen recentemente publicado no The New York Review of Books. Com a autoridade de um prêmio Nobel em economia, Sen defende a interpretação de que desde que os economistas começaram a compreender o mercado, uma boa dose de intervenção estatal sempre foi considerada necessária para o bom funcionamento econômico. Sen toma Adam Smith por seu aliado nessa suposta ortodoxia intervencionista. Para justificar sua posição de que os

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

verdadeiros seguidores de Smith deveriam pedir por mais regulamentação no sistema financeiro, ele tira do contexto algumas citações de A Riqueza das Nações, insinuando significados quase que opostos à mensagem original. Sen sugere que em Smith a confiança necessária para as atividades econômicas estaria além da esfera do interesse próprio. Para tratar sobre o papel do governo em garantir a confiança no sistema econômico, Sen reproduz o seguinte parágrafo de A Riqueza das Nações: "Quando o povo de um determinado país tem confiança na fortuna, probidade e prudência de um banqueiro particular a ponto de acreditar que ele está sempre pronto a pagar suas notas promissórias a qualquer momento em que elas lhe sejam apresentadas, estas notas têm o mesmo valor que o dinheiro de ouro e prata, derivado da confiança de que esse dinheiro pode ser obtido a qualquer momento." (When the people of any particular country have such confidence in the fortune, probity, and prudence of a particular banker, as to believe that he is always ready to pay upon demand such of his promissory notes as are likely to be at any time presented to him; those notes come to have the same currency as gold and silver money, from the confidence that such money can at any time be had for them.) Note que Smith estava nesse trecho explicando como o papel moeda pode, por


Reprodução

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

59


Ao discutir as leis contra a usura, por exemplo, Smith queria que a regulamentação estatal protegesse os cidadãos dos ‘pródigos e vigaristas’ que promoviam empréstimos inseguros.

60

um processo de mercado, substituir o ouro e a prata como instrumento de troca. Essa confiança nos bancos se desenvolve a partir de suas atividades, que permitem expandir o comércio enquanto a correspondência entre papel e metal permanece válida para todos os efeitos práticos. Diferentemente da insinuação de Sen, a emergência da confiança está de acordo com o interesse corretamente compreendido dos bancos. Inflacionar o mercado com a emissão irresponsável de notas é que vai contra o interesse das partes envolvidas em interações capitalistas: "Se todas as empresas bancárias tivessem compreendido e buscado seus próprios interesses particulares, jamais teria havido excesso de papel moeda em circulação. Mas toda empresa bancária nem sempre entendeu nem buscou seus próprios interesses particulares, e frequentemente tem havido excesso de papel moeda em circulação." ("Had every particular banking company always understood and attended to its own particular interest, the circulation never could have been overstocked with paper money. But every particular banking company has not always understood or attended to its own particular interest, and the circulation has frequently been overstocked with paper money.") O principal exemplo dessa falta de entendimento neste capítulo vem do braço estatal. Smith descreve as políticas inflacionistas do Banco da Inglaterra, como o caso em que a imprudência de emitir além de suas reservas provoca uma crise monetária. O principal significado deste capítulo para os dias de hoje é que a manipulação monetária inflacionista sob o monopólio estatal arruína o comércio e a confiança. Smith conclui o capítulo elogiando as virtudes de um sistema bancário competitivo, dizendo que ele deve permanecer inteiramente livre, e que a regulamentação deve se limitar a duas

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

exigências: que as notas bancárias não sejam de valor demasiadamente baixo, e que as notas possam ser sempre imediatamente trocáveis pelo seu valor em ouro ou prata. É bom lembrar que, nos anos que precederam a crise atual, a Reserva Federal americana, com o propósito de expandir a oferta de crédito, reduziu a taxa de juros oficial abaixo do preço de mercado – chegando a ficar abaixo do nível de inflação – impulsionando uma corrida irresponsável por empréstimos nos Estados Unidos, principalmente no setor imobiliário. Se é possível deduzir dessa parte de A Riqueza das Nações uma crítica para o sistema financeiro atual, ela deve ser primeiramente voltada contra as manipulações fiscais dos governos de acordo com os caprichos dos bancos centrais. Mas Sen, querendo transformar Smith num intervencionista do século 21, ignora o antiestatismo do "pai da economia moderna" e chega a se superar na interpretação equivocada de Smith quando diz que: "Ao discutir as leis contra usura, por exemplo, Smith queria que a regulamentação estatal protegesse os cidadãos dos ‘pródigos e vigaristas’ que promoviam empréstimos inseguros: ’Grande parte do capital do país deste modo ficaria longe das mãos que mais provavelmente fariam uso lucrativo e vantajoso dela, e seria jogada nas mãos daqueles que mais provavelmente a desperdiçariam e destruiriam.’" ("Discussing laws against usury, for example, Smith wanted state regulation to protect citizens from the ‘prodigals and projectors’ who promoted unsound loans: ‘A great part of the capital of the country would thus be kept out of the hands which were most likely to make a profitable and advantageous use of it, and thrown into those which were most likely to waste and destroy it.") Entretanto, Smith não estava aí requisitando uma atividade do poder


público para conter uma prodigalidade sistemática do mercado. Na verdade, quando colocada dentro de seu contexto, essa passagem previa o efeito de uma taxa de juros artificialmente fixada muito acima do nível do mercado: "Deve-se observar que a taxa oficial, ainda que deva ficar um pouco acima, não deve ficar tão acima da taxa mais baixa do mercado. Se a taxa oficial de juros da Grã-Bretanha, por exemplo, estivesse fixada num valor tão alto quanto 8% ou 10%, a maior parte do dinheiro a ser emprestado seria Mark Wilson/AFP

Para levar uma nação da pior barbárie ao máximo grau de opulência, pouco mais do que paz, impostos baixos e uma administração tolerável da justiça é necessário; tudo o mais vem pelo curso natural das coisas.

entregue a pródigos e vigaristas, os únicos dispostos a pagar juros tão altos. As pessoas sérias, que darão pelo uso do dinheiro não mais do que uma parte daquilo que provavelmente ganhariam com este uso, não se aventurariam nessa competição. Grande parte do capital do país deste modo ficaria longe das mãos que mais provavelmente fariam uso lucrativo e vantajoso dela, e seria jogada nas mãos daqueles que mais provavelmente a desperdiçariam e destruiriam." ("The legal rate, it is to be observed, though it ought to be somewhat above, ought not to be much above the lowest

market rate. If the legal rate of interest in Great Britain, for example, was fixed so high as eight or ten per cent, the greater part of the money which was to be lent would be lent to prodigals and projectors, who alone would be willing to give this high interest. Sober people, who will give for the use of money no more than a part of what they are likely to make by the use of it, would not venture into the competition. A great part of the capital of the country would thus be kept out of the hands which were most likely to make a profitable and advantageous use of it, and thrown into those which were most likely to waste and destroy it.") Novamente, Sen interpreta como uma objeção à liberdade econômica aquilo que foi dito por Smith como uma crítica ao poder estatal. O que Smith antecipa é um desvio dos recursos para as mãos dos mais pródigos, caso o governo encareça artificialmente o preço dos empréstimos. É necessário muita ginástica retórica para transformar Smith em um aliado dos intervencionistas e concluir daí que um verdadeiro defensor do mercado deve se posicionar atualmente contra a diminuição do Estado e a favor de um papel mais ativo do governo na economia. Sen faz isso com o prestígio de um medalhista olímpico. Eu, que não tenho comparável prestígio ou destreza, tenho que me ater à cansada interpretação fiel de Adam Smith, que sintetizou assim suas prescrições de política econômica: "Para levar uma nação da pior barbárie ao máximo grau de opulência, pouco mais do que paz, impostos baixos e uma administração tolerável da justiça são necessários; tudo o mais vem pelo curso natural das coisas." ("Little else is requisite to carry a state to the highest degree of opulence from the lowest barbarism, but peace, easy taxes, and a tolerable administration of justice; all the rest being brought about by the natural course of things.") Também dar-me-ia por satisfeito.

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

61


Sigam o exemplo do Brasil Divulgação

Immanuel Wallerstein Pesquisador-sênior da Yale University. Seu trabalho mais recente é Universalismo europeu: a retórica do poder.

P

arece haver duas ocasiões que exigem dois planos para a esquerda mundial, e em particular para a esquerda norte-americana. A primeira ocasião é de curto prazo. O mundo está em uma profunda depressão, que só vai piorar pelo menos até o próximo ano ou dois. O curto prazo imediato é o que preocupa a maioria das pessoas que enfrenta desemprego, rebaixamento de renda e, em muitos casos, perda de lares. Se os movimentos de esquerda não têm um plano para esse cenário de curto prazo, eles não podem estabelecer uma conexão significativa com a maioria das pessoas. A segunda ocasião é a crise estrutural do capitalismo como um sistema mundial, que, na minha opinião, enfrenta sua extinção incontestável nos próximos 20 a 40 anos. Este é o cenário no médio prazo. E se a esquerda não tiver um plano para este médio prazo, o que substituirá o capitalismo como sistema mundial será algo pior, provavelmente algo muito pior, do que o sistema terrível em que temos vivido nos últimos cinco séculos. As duas ocasiões exigem táticas diferentes, mas combinadas. Qual é a nossa situação no curto prazo? Os Estados Unidos elegeram um presidente centrista, cujas inclinações estão um pouco à esquerda do centro. A esquerda, ou a maioria dela, votou nele por duas razões. A alternativa seria pior, de fato, muito pior. Então votamos no menos pior. A segunda razão é que pensamos que a eleição de Obama abriria espaço para os movimentos sociais de esquerda. O problema que a esquerda enfrenta não é novidade. Situações como esta são padrão. Roosevelt em 1933, Attlee em 1945, Mitterrand em 1981, Mandela em 1994, Lula em 2002 foram todos os "Obamas" em seus lugares e momentos. E a lista pode ser expandida infinitamente. O que a esquerda faz quando es-

62

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

O socialismo está em voga. "Somos todos socialistas agora", declara a Newsweek. Como diz a direita, já estamos vivendo na U.R.S.A. (trocadilho com U.R.S.S.). Mas o que aqueles que se autoidentificam como socialistas (e seus amigos progressivos) têm a dizer sobre a crise econômica global? Na edição de 4 de março de 2009, o site TheNation.com publicou o artigo "Mostrando-se à altura", de Barbara Ehrenreich e Bill Fletcher Jr., como o ensaio de abertura do fórum "Reimaginando o socialismo". Este artigo do professor Immanuel Wallerstein é uma colaboração ao debate desse fórum.

Antonio Scorza/AFP

O MST apoiou Lula em 2002 e, apesar de não ter cumprido o que prometeu, eles apoiaram a sua reeleição em 2006. Eles fizeram isso porque a alternativa seria claramente pior.

sas figuras "decepcionam", como eles devem fazê-lo, já que são todos centristas, mesmo se estão à esquerda do centro? Na minha opinião, a única atitude sensata foi aquela tomada pelo grande, poderoso e militante Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil. O MST apoiou Lula em 2002 e, apesar de não ter cumprido o que prometeu, eles apoiaram a sua reeleição em 2006. Eles fizeram isso com plena consciência das limitações de seu governo, porque a alternativa seria claramente pior. O que eles ainda fizeram, entretanto, foi manter pressão constante sobre o governo – em reuniões, em denúncias públicas quando merecidas e em mobilizações contra seus fracassos.


Tobias Schwarz/Reuters

O sistema tornou-se caótico, já que se distanciou muito longe do equilíbrio. Assistimos a flutuações desordenadas de todos os indicadores econômicos usuais.

Carl de Souza/AFP

O MST seria um bom modelo para a esquerda norte-americana, se tivéssemos algo comparável em termos de um movimento social forte. Nós não temos, mas isso não deveria nos impedir de tentar criar um do melhor modo possível e fazer como o MST faz – pressionar Obama de modo aberto, público e duro – todo o tempo e, é claro, incentivá-lo quando fizer a coisa certa. O que queremos de Obama não é transformação social. Tampouco ele deseja, ou é capaz, de nos oferecer isso. O que queremos dele são medidas que minimizem, de imediato, a dor e o sofrimento da maioria das pessoas. Isto ele pode fazer, e é neste caso que a pressão sobre ele pode fazer uma diferença.

O médio prazo é bem diferente. Nesse cenário, Obama é irrelevante, assim como todos os outros governos à esquerda do centro. O que está em curso é a desintegração do capitalismo como sistema mundial, não porque não consegue garantir o bem-estar da grande maioria (nunca pôde fazer isso), mas porque não consegue mais assegurar que os capitalistas tenham uma acumulação sem fim de capital como sua razão de ser. Chegamos a um momento em que nem capitalistas visionários e nem seus oponentes (nós) estão tentando preservar o sistema. Estamos ambos tentando estabelecer um novo sistema, mas, é claro, temos ideias muito diferentes, radicalmente opostas, sobre a natureza de tal sistema. O sistema tornou-se caótico, já que se distanciou muito do equilíbrio. Assistimos a flutuações desordenadas de todos os indicadores econômicos usuais – os preços das commodities, o valor relativo das moedas, os níveis reais dos tributos, a quantidade de itens produzidos e comercializados. Dado que ninguém sabe realmente, praticamente de um dia para o outro, para onde esses indicadores vão parar, ninguém pode razoavelmente planejar nada. Em tal situação, ninguém sabe quais medidas serão melhores, qualquer que seja sua política. Essa confusão intelectual prática leva a demagogias frenéticas de todos os tipos. O sistema está se bifurcando, o que significa que, em 20 a 40 anos, haverá algum novo sistema que estabelecerá ordem a partir do caos. Mas nós não sabemos qual será esse sistema. O que podemos fazer? Em primeiro lugar, precisamos estar cientes sobre do que se trata a batalha. É a batalha entre o espírito de Davos (por um novo sistema que não é o capitalismo, mas que, mesmo assim, é hierárquico, explorador e polarizador) e o espírito de Porto Alegre (um novo sistema que é relativamente democrático e relativamente igualitário). Nenhum mal menor aqui. É um ou o outro. O que a esquerda deve fazer? Promover clareza intelectual sobre a escolha fundamental. A seguir, organizar-se em mil níveis e de mil maneiras para empurrar as coisas na direção certa. A primeira coisa a fazer é incentivar a descomoditização, no maior grau que conseguirmos. Em segundo lugar, está experimentar todos os tipos de novas estruturas que possam fazer melhor sentido em termos de justiça global e sanidade ecológica. A terceira coisa que precisamos fazer é encorajar o otimismo sóbrio. A vitória está longe de ser certa. Mas ela é possível. Em resumo: trabalhar no curto prazo para minimizar a dor, e no médio prazo, assegurar que o novo sistema que emergirá seja melhor e não pior. Mas fazer isto sem triunfalismo, e sabendo que a luta será tremendamente difícil.

Tradução: Cintia Shimokomaki

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

63


O que tem a justiça a ver com a eficiência? Bruno Meyerhof Salama Professor Escola de Direito de São Paulo - Fundação Getúlio Vargas, Diretor do Instituto Latino Americano e do Caribe de Direito e Economia (FGVILACDE). Seu artigo é uma contribuição de Ordemlivre.org. Página na internet em http://works.bepress.com/ bruno_meyerhof_salama/

O

que a justiça tem a ver com a eficiência? Aqui pretendo esboçar em poucas linhas os contornos de uma resposta minimamente satisfatória. Parto de duas ideias. Em primeiro lugar, regras justas são, em geral, também eficientes. Em segundo, o desperdício de recursos é no mínimo indesejável, razão pela qual há algo de intuitivo no emparelhamento entre eficiência (que corresponde à ausência de desperdício) e justiça. Nas sociedades modernas, a articulação do justo é em boa parte mediada por relações jurídicas e pela solução de controvérsias pelo Poder Judiciário. Assim, sustento que o critério eficiência tem uma relação de médio alcance com o Direito: não é certamente o critério fundamental para definição do justo jurídico; contudo, também não deve ser visto como uma ponderação irrelevante. Muitas das nossas intuições sobre noções de justiça podem ser igualmente

64

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009


Leonardo Rodrigues/Hype

explicadas sob a ótica da busca pela eficiência. Pensemos, por exemplo, no princípio de que "a punição deve ser proporcional ao crime". Este princípio, além de justo, é também eficiente. Vejamos o porquê. Dado que a pena máxima no Brasil é de 30 anos de reclusão, pergunta-se: por que não estabelecer a pena de 30 anos para o crime de roubo? Afinal, os índices de roubo no Brasil são muito elevados. Não seria, portanto, eficiente estabelecer a pena máxima a fim de dissuadir as pessoas de praticarem esses crimes? A resposta é negativa. Se o roubo for punido com pena de 30 anos, não será possível estabelecer uma pena adequada para o crime de latrocínio. Afinal, a pena máxima que se poderá aplicar ao latrocínio será a de 30 anos. O problema é que se o roubo e o latrocínio tiverem ambos a mesma pena, o que fará um ladrão após roubar sua vítima? Possivelmente, uma maior quantidade deles decidirá matar a vítima após a realização do roubo; afinal, com a "queima de arquivo", diminuirão as chances de que sejam capturados e condenados. Isso quer dizer que é eficiente – não apenas justo,

mas também eficiente – impor uma pena ao latrocínio que seja mais alta do que a pena imposta ao roubo. Dito de outra forma: por que as penas devem ser proporcionais ao crime? Não apenas por uma questão de justiça, mas também por uma questão de eficiência. A discussão do eficiente, porém, não substitui a discussão do justo. Tomemos por exemplo a discussão a respeito dos custos de preservação de vidas humanas. Nenhuma sociedade, nem mesmo as mais desenvolvidas sociedades ocidentais, estão comprometidas com a preservação da vida a qualquer custo. Há muitas atividades (na verdade, a maioria delas) que, ao menos estatisticamente, certamente causarão a perda de vidas. Para ficarmos com o exemplo clássico de Guido Calabresi, "construímos um túnel sob o Mont Blanc porque ele é essencial para o Mercado Comum Europeu e diminui o tempo de viagem de Roma a Paris, ainda que saibamos que morrerá aproximadamente um homem por quilômetro construído de túnel". A noção de que não estamos dispostos a preservar vidas a qualquer custo é tão perturba-

Nas sociedades modernas, a articulação do justo é em boa parte mediada por relações jurídicas e pela solução de controvérsias pelo Poder Judiciário. Na foto, o Palácio da Justiça (SP).

MARÇO/ABRIL 2009 DIGESTO ECONÔMICO

65


Paulo Pampolin/Digna 17/05/2005

Decisões que sopesem vidas humanas e valores culturais contra custos e conveniência não são exclusivamente monetárias; contudo, tampouco são exclusivamente morais.

Agliberto Lima/DC

66

dora quanto realista. Usamos equipamentos relativamente seguros ao invés do equipamento mais seguro imaginável, porque o mais seguro de todos custa muito caro; e não se trata, necessariamente, de um mau motivo. Aliás, a própria contratação pelo Estado de um policial que enfrenta o crime diariamente sugere que a sociedade está disposta a sacrificar algumas vidas (porque é certo que alguns policiais morrerão) para atingir alguma forma de paz social (e no fim das contas, para evitar um número ainda maior de mortes). Mas será que, sendo baixo o custo em vidas para a construção do túnel sob o Mont Blanc, a sociedade deve considerar justa a autorização de sua construção? Ou, em termos mais abrangentes: será que tudo que é eficiente é também justo? Calabresi propôs como resposta um sonoro "não". A construção do direito sugere uma forma de ética pública, porque o direito está interligado com a justificação de ações tomadas no domínio público. Assim, por exemplo, a discussão sobre a legalização do aborto, das drogas, da clonagem de seres humanos, do casamento homossexual, da pena de morte – enfim, dos grandes dilemas normativos modernos – não se limita ao cálculo dos seus custos e benefícios. Tais dilemas se prestam à determinação política e devem ser decididos por meio dos sistemas políticos adotados pela sociedade. Conclusão: a questão não é saber se eficiência pode ser igualada à justiça; ela não pode. A questão é saber como a construção da justiça pode se beneficiar da discussão de prós e contras, custos e benefícios, e incentivos postos pelo sistema jurídico. A análise dos incentivos postos pela legislação é onde pode começar a discussão do justo; certamente não onde ela acaba. Grandes dilemas normativos se prestam à determinação política e

DIGESTO ECONÔMICO MARÇO/ABRIL 2009

devem ser decididos através dos sistemas políticos adotados pela sociedade. Contudo, noções de justiça – e construções jurídicas – que não levem em conta as prováveis consequências de suas articulações práticas são incompletas. O desafio é, portanto, enriquecer o debate jurídico integrando a discussão da eficiência na discussão do justo. Decisões que sopesem vidas humanas e valores culturais contra custos e conveniência não são exclusivamente monetárias; contudo, tampouco são exclusivamente morais. A ética dos meios e a ética das consequências convivem inevitavelmente no seio da formação de consensos políticos modernos. Para o bem e para o mal. As obras da disciplina chamada "Direito e Economia" (Law and Economics) compreendem a vanguarda do pensamento sobre a relação entre justiça e eficiência. Parcela considerável dos estudantes, profissionais e pesquisadores do Direito que tenha qualquer nível de familiaridade com o Direito e Economia acredita que a disciplina se proponha a dar respostas definitivas para dilemas normativos. Estas pessoas acreditam, erradamente, que a disciplina contenha um conjunto de predicados ( "receitas de bolo") que conduzam necessariamente a modelos do tipo "juízes e legisladores devem adotar a regra X na situação Y, porque esta é a solução eficiente e correta para o problema Z". Guido Calabresi há muito observou que a hipótese de que o Direito e Economia possa dar respostas definitivas para os dilemas normativos é "ridícula". Ao contrário, os estudos em Direito e Economia servem, dentre outras coisas, para definir a justificativa econômica da ação pública, para analisar de modo realista as instituições jurídicas e burocráticas e para definir papéis úteis para os tribunais dentro dos sistemas modernos de formulação de políticas públicas. A análise econômica desempenha um papel importante, embora limitado, no discurso jurídico. Ainda que longe de ser a pedra de toque para a aferição do justo jurídico, a discussão dos impactos econômicos das posturas, regras e parâmetros jurídicos é uma consideração que está igualmente longe de ser irrelevante. Todos os profissionais do Direito dão grande importância às consequências práticas da aplicação da lei. Não faz sentido desarticular a construção do direito de suas consequências práticas. Fiat justitia, ruat coelum (faça-se justiça nem que caiam os céus), gritam alguns. Mas parece-me que quem sustenta tal ordem de ideias geralmente está bem certo de que, ao final, os céus ou não cairão, ou cairão apenas sobre as cabeças dos seus adversários.


Você não precisa perder o sono por causa de uma folha de cheque.

Agora a palavra de ordem é prevenção. Isso significa continuar vendendo e comprando, mas tomando o maior cuidado para não correr riscos. Ou seja: antes de fazer qualquer negócio, consulte sempre o SCPC. O SCPC reúne o mais completo banco de dados de informações comerciais sobre CNPJs e CPFs do Brasil, garantindo transações comerciais mais seguras e preservando a rentabilidade do seu negócio.

SCPC | A solução para bons negócios.

M A I S I N F O R M A Ç Õ E S : (11)

3244 3030

www.acsp.com.br


Agora a palavra de ordem é prevenção.

A sua empresa continua fazendo negócios no escuro?

Isso significa continuar vendendo e comprando, mas tomando o maior cuidado para não correr riscos. Ou seja: antes de fazer qualquer negócio, consulte sempre o SCPC. O SCPC reúne o mais completo banco de dados de informações comerciais sobre CNPJs e CPFs do Brasil, garantindo transações comerciais mais seguras e preservando a rentabilidade do seu negócio.

SCPC | A solução para bons negócios.

M A I S I N F O R M A Ç Õ E S : (11)

3244 3030

www.acsp.com.br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.