Digesto Econômico nº 457

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Marketing ACSP

Ser responsável é da nossa natureza. A Certificação NBR 16001:2004 é mais uma conquista da ACSP.

A Associação Comercial de São Paulo, ao conquistar a certificação NBR16001:2004 Responsabilidade Social, reafirma seu compromisso na relação ética e transparente com as partes interessadas, com base nessa norma. Isso é o resultado mais do que esperado para uma instituição que vem há mais de 100 anos agindo de forma pioneira em defesa dos interesses, tanto do empresário como de toda a sociedade. Aqui, na Associação Comercial de São Paulo, aprende-se desde cedo que o futuro é fruto da forma com que lidamos com nosso meio, seja nos campos econômico, ambiental ou social.

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MAIS INFORMAÇÕES : 3244 3030 - www.acsp.com.br

Associação Comercial de São Paulo, crescendo com responsabilidade.


O Brasil passado a limpo

Renina Katz assina o desenho acima, uma representação da morte de Tiradentes, mártir que lutou pela independência do Brasil e contra a alta carga tributária cobrada pela Coroa Portuguesa. A ilustração faz parte do livro Romanceiro da Inconfidência, que reúne versos da escritora Cecília Meireles. Tiradentes e os ideais da Inconfidência Mineira são lembrados neste mês de abril.

blicos e privados pode significar um salto de qualidade na área da Saúde, um tema que, sem dúvida, estará na pauta de todos os candidatos à Presidência. José Roberto Afonso, economista de carreira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), faz em seu trabalho um diagnóstico preciso e atualizado do investimento público no Brasil, e propõe medidas e políticas para a sua elevação. Apesar de todo o alarde sobre as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), principal bandeira da candidata do governo à Presidência da República, Afonso traz a informação de que os investimentos públicos no Brasil estão entre os mais baixos do mundo. Por fim, o professor Nelson Marconi (FGV e PUC) aborda a gestão de recursos humanos no governo federal. É preocupante a informação de que as despesas com pessoal têm sido bem superior à inflação desde 1995, e se intensificaram de forma significativa no atual governo, que não tem cumprido o seu dever de enxugar a máquina pública e cortar seus gastos. Pablo de Sousa/LUZ

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oi um sucesso a primeira edição da série Pro postas para o Próximo Presid e nt e , da revista Dig esto Econômico. O objetivo desta série especial é fazer um completo diagnóstico dos grandes temas nacionais, e dessa forma ampliar o debate junto à sociedade e aos candidatos à Presidência da República nas próximas eleições. Por conta da qualidade dos primeiros artigos e da relevância dos temas abordados, recebemos muitos elogios dos meios empresarial, acadêmico e político. Logo nas primeiras semanas após a revista estar em circulação, registramos milhares de acessos à sua versão eletrônica (www.dcomercio.com.br). Os autores dos artigos também foram entrevistados e puderam comentar seus trabalhos no jornal Diário do Comércio. Isso tudo ampliou a repercussão desta nossa iniciativa. Nesta segunda edição da série, mais cinco especialistas de renome trazem suas valiosas contribuições para o debate. O ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda de São Paulo, Clóvis Panzarini, discute em seu artigo propostas para uma reforma tributária voltada para o ICMS. Trata-se de um tema polêmico, com grandes barreiras políticas, mas cujo debate é necessário caso o País queira avançar rumo à modernidade. O futuro do agronegócio brasileiro é o tema do economista José Roberto Mendonça de Barros, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Ao mesmo tempo em que expõe os principais entraves ao desenvolvimento pleno do setor, Mendonça de Barros aponta soluções para corrigir as distorções e deficiências das políticas atuais. Geraldo Biasoto Jr., ex-secretário de Gestão de Investimentos do Ministério da Saúde e atual diretor da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo, discute a renovação do Sistema Único de Saúde (SUS). Para ele, o desenho de novas formas de convivências entre os setores pú-

Boa leitura

Alencar Burti Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo

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ÍNDICE

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Presidente Alencar Burti

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Superintendente Institucional Marcel Domingos Solimeo

O Futuro do Agronegócio José Roberto Mendonça de Barros e equipe

ISSN 0101-4218

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Alex Ribeiro/DC

Coordenador da Série Especial Eleições 2010 Roberto Macedo

A Saúde Brasileira em Tempos de Renovar o SUS Geraldo Biasoto Jr. e Ricardo Oliva

Diretor-Responsável João de Scantimburgo Diretor de Redação Moisés Rabinovici Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira Editores Carlos Ossamu e Domingos Zamagna Chefia de Reportagem José Maria dos Santos Editor de Fotografia Alex Ribeiro Pesquisa de Imagem Mirian Pimentel

Alfer

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O Nó dos Investimentos Públicos José Roberto Afonso

Editor de Arte José Coelho Projeto Gráfico e Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo

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Ilustrações e Infográficos Alfer, Max e Zilberman Gerente Comercial Arthur Gebara Jr. (agebara@acsp.com.br) 3244-3122 Gerente Executiva de Publicidade Sonia Oliveira (soliveira@acsp.com.br) 3244-3029 Gerente de Operações José Gonçalves de Faria Filho (jfilho@acsp.com.br)

Alfer

A Gestão de Recursos Humanos no Governo Federal: Diagnóstico e Proposta Nelson Marconi

Impressão Printcrom Gráfica e Editora Ltda. REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055 FAX (011) 3244-3046 www.dcomercio.com.br

Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimax fosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.

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DIGESTO ECONÔMICO ABRIL 2010

CAPA Fotomontagem de Paulo Zilberman sobre fotos de Mauricio Lima/AFP e Epitácio Pessoa/AE

L. Adolfo/AE

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br

Conceitos para uma Reforma Tributária Clóvis Panzarini


Na edição passada, a primeira da série de seis especiais do Digesto Econômico, cinco especialistas apontaram problemas do Brasil e trouxeram propostas para o próximo presidente. Foram eles:

Claudio de Moura Castro Hél io Zylberstajn José Pastore Joaquim Elói Cirne de Toledo Ethevaldo Siqueira Acompanhe no site www.dcomercio.com.br

Neste número, mais cinco autores de renome fazem suas análises em outros setores e apontam soluções:

Nelson Marconi Clóvis Panzarini José Roberto Afonso José Roberto Mendonça de Barros Geraldo Biasoto Jr. Próximos temas:

Mercado de Capitais, Programas Sociais, Segurança Pública, Esportes e Turismo, Comércio Exterior, Pacto Federativo, Burocracia Antiempresarial, Política Externa Aos leitores: A sua revista Digesto Econômico (bimestral) será mensal até agosto, dedicada a um profundo balanço do Brasil pós-Lula. Chamada de "Propostas para o Próximo Presidente", esta série especial será posteriormente entregue a todos os candidatos à Presidência da República, juntamente com um documento-síntese das propostas que a ACSP irá apoiar.

Apoio:

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Conceitos para uma Reforma Tributรกria

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Evandro Monteiro/Hype

Resumo O objetivo deste artigo é o de examinar as duas principais propostas de reforma da legislação federal que trata do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços (ICMS), uma do Poder Executivo federal e outra do senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

Clóvis Panzarini Economista formado pela USP, ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda paulista, é sóciodiretor da CP Consultores Associados. Site: www.cpconsultores.com.br.

A análise conclui que o núcleo da segunda proposta – a criação, na competência federal, de um IVA amplo, limpo de cumulatividades, incidente sobre todas as bases de consumo hoje tributadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios – acrescido de alguns pontos da primeira e de outros listados ao final, poderia servir de base a esse modelo conceitual. Essa lista inclui, entre outras propostas, medidas para a viabilização do fim do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), federal, e do ISS, municipal, a manutenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), estadual, critérios para distribuição vertical da receita do novo imposto e para alteração de sua legislação, em particular de suas alíquotas, e a definição, interpretação e aplicação uniforme das normas do novo imposto em todo o território nacional.

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Introdução

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ste artigo é focado no exame de duas propostas de reforma tributária voltadas para o ICMS, naquilo que depende de legislação federal. A primeira é a que veio do Poder Executivo, na forma da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 31-A-2007. A segunda foi apresentada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), e será referida a seguir como proposta Dornelles. O texto que se segue abrange cinco seções. A primeira resume alguns princípios que devem servir de base a um sistema tributário eficiente. A Seção 2 trata da carga tributária nacional, também de forma sucinta, referindo-se a aspectos quantitativos e qualitativos. A Seção 3 é a central e trata separadamente das duas propostas, descrevendo a sua natureza e comentando vários de seus aspectos em subseções distintas. A Seção 4 apresenta algumas conclusões que emergem de uma comparação das duas propostas. A Seção 5 resume essas conclusões, e enfatizando dificuldades políticas – talvez insuperáveis – imagina um modelo tributário que representaria um avanço rumo à modernidade, constituído pelo núcleo da proposta Dornelles, acrescido de alguns pontos da PEC 31-A/2007 e de outros que enumera, que ampliariam o caráter da reforma, abrangendo também outros impostos, como o IPI e o ISS.

lidade, estabelece que o Estado deve operar de forma neutra para que concorrentes atuem no mercado em igualdade de condições. Não é por outra razão que a Constituição determina que não se institua tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Pelo princípio da simplicidade espera-se que o sistema seja suficientemente "amigável" para que não haja desperdícios de recursos, humanos e financeiros, para a obediência, pelo contribuinte, às suas regras, e para o seu monitoramento e arrecadação, pelo Fisco. Muitas vezes, o Fisco, na busca da eficiência arrecadatória, deixa de observar esses princípios, causando graves problemas para a competitividade e para o equilíbrio financeiro dos contribuintes. 2. Carga tributária e gasto público: magnitude e qualidade

1. Política Tributária e Eficiência Econômica – Princípios Básicos Um sistema tributário eficiente deve obedecer a determinados princípios, como o da neutralidade, da equidade, da simplicidade e da capacidade contributiva, que quando não observados corroem a competitividade da economia. O princípio da neutralidade, por exemplo, ensina que a tributação deve ser otimizada de forma a interferir o mínimo possível na alocação de recursos da economia, pois alterações nos preços relativos de bens e serviços, decorrentes do fator tributário, quase sempre comprometem a eficiência econômica e o bem-estar. O princípio da isonomia, complementar ao princípio da neutra-

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Zilberman

A sabedoria convencional tem concluído, erradamente, que a magnitude da carga tributária se constitui em grave fator de comprometimento da competitividade do setor produtivo nacional. Em 2009, a carga tributária brasileira deve ter superado o percentual de 35% do produto interno bruto (PIB), mas, conceitualmente, poder-se-ia ter uma carga de 33% ainda mais gravosa, ou uma de 38% menos ofensiva à competitividade, pois não é a sua magnitude que desequilibra o mercado, mas sim a qualidade dos impostos e a forma como o produto de sua arrecadação é gasto. Um país dotado de um sistema tributário "limpo", com impostos que obedeçam aos princípios da neutralidade, equidade, eficiência, transparência e simplicidade, gerido por um governo austero no gasto e que produza bens públicos em quantidade e com qualidade adequadas, certamente não terá o fator tributário como óbice à sua competitividade, qualquer que seja a magnitude da carga. Mas há um clamor nacional por redução do peso dos impostos.. O principal problema tributário brasileiro não é, pois, o tamanho de sua carga, mas a deformação dos impostos, verdadeiros "frankensteins" que agridem todos os preceitos que devem orientar um sistema eficiente. O fato


é que há generalizado clamor por redução da carga tributária brasileira, cuja trajetória persistentemente ascendente estaria, supostamente, comprometendo a competitividade do setor produtivo e o poder de compra da população. A Tabela 1 mostra a evolução da carga tributária como percentagem do PIB nos últimos anos. Mais grave do que esse despropositado peso dos impostos é o fato de que o arcabouço fiscal brasileiro é composto por tributos de péssima qualidade, que ofendem aqueles princípios que devem nortear um sistema tributário moderno: é ineficiente, complexo, injusto, gera insegurança jurídica e guerra fiscal, além de permitir a extração de uma carga de impostos desproporcional à capacidade contributiva dos contribuintes. A cumulatividade dos impostos compromete a competitividade do setor produtivo nacional tanto no mercado externo quanto no doméstico. De outro lado, o cipoal de normas, complexas e instáveis, aumentam o custo de conformidade das empresas e se constituem em um fator adicional de comprometimento da competitividade. Também, a percepção da sociedade de que a carga tributária brasileira é elevada decorre do fato de que o governo não oferece a ela serviços públicos – saúde, educação, segurança pública etc – em quantidade e qualidade proporcionais ao montante de recursos dela extraído compulsoriamente na forma de tributos. Destarte, o contribuinte brasileiro, apesar do volume de impostos que apequenam sua renda disponível, tem de alocar parcela importante de seu orçamento doméstico para pagamento de despesas com serviços que deveriam ser providos com os recursos do voraz governo. 3. A Reforma Tributária É consenso que o sistema tributário brasileiro é ineficiente, complexo e injusto. A qualidade dos impostos no Brasil ofende mais a competitividade da economia do que a magnitude da carga tributária, que é equivocadamente entendida por muitos como a principal razão para uma reforma. A complexidade do sistema faz com que os custos de conformidade sejam, muitas vezes, mais gravosos do que o próprio valor do imposto recolhido. Acrescente-se a isso as demais distorções – como as decorrentes da guerra fiscal, que gera insegurança jurídica e violência contra a competição sadia e da cumulatividade, que existindo mesmo nos insuspeitos tributos "não-cumulativos", como o ICMS, erodem a competitividade das empresas brasileiras. A elevada carga tributária e a péssima qualidade dos impostos que a compõem levam empresários, contribuintes e a população em geral a clamar por reforma do sistema de impostos, pois todos sofrem com os absurdos do quadro fiscal. Entretanto, não são poucas as dificuldades técnicas e políticas que devem ser superadas para a implantação de um novo modelo, mais racional e eficiente. Destarte, as sucessivas propostas de reforma tributária não saem do papel porque, agredindo o pacto federativo, são politicamente inviáveis ou porque são

tecnicamente frágeis e acentuam ainda mais as distorções que pretendem mitigar. A inserção na Constituição de 1988 do comando que prevê a sua revisão após cinco anos da data da promulgação, por voto de maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional – menor do que o necessário para aprovação de Emenda Constitucional, que exige três quintos daqueles votos –, teve por motivação básica as incertezas da eficácia do sistema tributário que então se aprovava. Assim, desde 1993 multiplicam-se propostas de reforma tributária. Remédios de toda espécie têm sido oferecidos para a cura do modelo doente, quase todos anunciados como panaceia, que promete curar desde complexidade até injustiça distributiva. Até a substituição de todos os tributos por uma "super CPMF", com alíquota de 7% ou 8% (teria de gerar 20 vezes mais receita do que a CPMF, que rendia R$ 40 bilhões/ano com a alíquota de 0,38%), tem sido defendida por contribuintes desesperados com o cipoal tributário ou por economistas de insuspeita estatura intelectual.

A cumulatividade dos impostos compromete a competitividade do setor produtivo nacional.

Patrícia Cruz/Ag. Luz

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Newton Santo/Hype

O modelo tributário vigente, consagrado na Constituição de 1988, promoveu ampla descentralização de competências e de receitas tributárias, destroçando o Orçamento da União, mas deixou a ela competência para recompô-lo via criação de contribuições sociais cumulativas, que transformaram o sistema tributário numa colcha de retalhos de péssimo gosto. A implementação de um sistema tributário moderno passa inexoravelmente por ampla reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), hoje o principal vilão do sistema e fator de graves ineficiências. Para dar alguma racionalidade a esse tributo, existem dois caminhos, ambos de alguma forma conflitantes com equilíbrio federativo: um, mais simples, passa pela adoção do princípio de destino nas operações interestaduais; o outro, mais radical, seria a sua federalização. A adoção do princípio de destino, além das dificuldades operacionais para a sua implantação, implica importante redistribuição de rendas entre as unidades federadas, transferindo receita dos Estados exportadores líquidos, nas operações interestaduais, para os importadores líquidos. O caminho mais ousado, a federalização do ICMS, promoveria redistribuição de poder político e, provavelmente, de receita tributária. 3.1. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 31-A/2007

Estátua viva segura manifesto da Frente Parlamentar Contra a CPMF, que pedia assinaturas contra o imposto.

Contudo, o debate sobre a reforma tributária tem obedecido a uma trajetória pendular: ora domina as manchetes dos jornais e a preocupação de contribuintes e autoridades públicas, colocando-a como fundamental para destravar a economia do País, ora desaparece completamente da agenda, como se todos os problemas tivessem misteriosamente sido solucionados. O fato é que, além do contribuinte, sujeito passivo nessa truculenta relação, nenhum ente federativo parece estar seriamente disposto a correr qualquer tipo de risco de uma reforma abrangente, que rompa paradigmas, redistribua horizontal e verticalmente rendas tributárias e, inexoravelmente, poder político. Os antagonismos federativos e a desconfiança decorrente dos desequilíbrios na correlação de forças no Congresso Nacional – tanto no que diz respeito à representatividade das unidades federadas quanto ao relevante peso da base de sustentação do governo central – conduzem sempre às calendas qualquer proposição um pouco mais ousada de reforma do sistema fiscal. Não é, pois, tarefa trivial a aprovação, em ambiente democrático, de uma proposta de reforma fiscal que almeje, ao mesmo tempo, a eficiência do sistema tributário, o equilíbrio da Federação, a qualidade do gasto público e a redução das disparidades sociais e regionais. Até porque esses objetivos são, muitas vezes, conflitantes.

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A última proposta de reforma tributária do Governo Federal, a PEC nº 31-A/2007, terceira do governo Lula, promete importantes melhorias no sistema tributário, com ganhos para o Fisco e contribuintes. Mas além dos conflitos a serem superados, está longe de trazer modernidade ao sistema de impostos do País. Esta proposta supostamente simplifica o sistema tributário, elimina as distorções que comprometem a competitividade da economia e põe fim à 'guerra fiscal'. Além de alterações estruturais em alguns tributos, promove importantes mudanças em dispositivos que definem base de cálculo e critérios de rateio de fundos constitucionais, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e a cota-parte municipal do ICMS. Na competência federal, prevê a criação de um novo imposto, não cumulativo, o IVA-F, cujos núcleos da hipótese de incidência são as "operações com bens e prestações de serviços". Esse novo imposto deverá ter alíquota que proporcione arrecadação igual à soma da receita da atual COFINS, da CIDE-Combustíveis, do PIS e da contribuição do Salário-Educação. Além disso, a lei poderá estabelecer adicional do IVA-F para substituir parcialmente a contribuição sobre folha de pagamento recolhida pelo empregador (art. 195, § 13, CF-88). Já o IRPJ deve absorver a CSLL, inclusive, mediante fixação de alíquotas diferenciadas por setor de atividade econômica (art. 153, § 2º, III, CF-88). Lei federal definirá redução gradativa, entre o 2º e 7º ano subsequente à promulgação da Emenda, da alíquota da contribuição do empregador sobre folha de pagamento, pelo que o Poder Executivo deve remeter projeto de lei nesse sentido, no prazo de 90 dias após a referida promulgação. (nota do Relator da Proposta, Deputado.Sandro Mabel) Como a arrecadação das contribuições que serão extintas e substituídas pelo IVA-F somou, em 2009, R$ 163 bilhões, a alí-


quota do novo tributo, necessária para repor no orçamento da União àquele montante, terá de ser algo equivalente a 70% da atual alíquota média do ICMS, que no ano rendeu aos Estados R$ 225 bilhões. Na esfera federal, a proposta prevê ainda a extinção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que será fundida com o Imposto de Renda Pessoa Jurídica. O setor de serviços, cujo índice de valor agregado é elevado, terá expressivo aumento de carga tributária com a criação do IVA-F, caso não tenha alíquota diferenciada, que incidirá praticamente sobe o faturamento de vez que o setor praticamente não terá créditos a recuperar, relativos às operações anteriores. O ICMS é o "calcanhar de Aquiles" da reforma tributária, por envolver entraves técnicos e políticos ainda longe de solução. O problema do ICMS é genético. Esse imposto nasceu com 26 "cromossomos" a mais. Impostos do tipo valor agregado, como é o caso do ICMS, têm natureza nacional, uma vez que a cadeia de débito e crédito faz com que a decisão de política tributária de um Estado contamine a economia dos demais, com os quais seus contribuintes mantêm relação comercial. Impostos dessa natureza devem, então, ser unos, de competência federal, mas no Brasil, sua competência foi outorgada aos Estados e o imposto foi desdobrado em 27. Guerra fiscal, insegurança jurídica, acumulação de crédito, cobrança do imposto na fronteira, no momento da entrada da mercadoria no território do Estado, multiplicidade de regras e "passeio" de notas fiscais são exemplos de distorções decorrentes da equivocada outorga. A proposta de reforma tributária ora em pauta – a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 31-A/07, recentemente aprovada na Comissão de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados – supostamente modernizará o sistema tributário, saneando os seus principais problemas.

"por dentro" ou de 21,95% "por fora". A alíquota "por dentro" não ilude o sonegador, mas o consumidor, que imagina estar pagando apenas 18% de ICMS na compra de seus sapatos novos. 3.1.2. A questão da neutralidade Problemas relativos à eficiência e neutralidade do ICMS também, ou não estão resolvidos, ou a solução está de tal forma postergada que muitas empresas não sobreviverão para dela usufruir. A vedação ao crédito do imposto incidente sobre bens de uso e consumo e o aproveitamento em quatro anos do crédito relativo aos bens de capital, por exemplo, constituem forte ofensa ao princípio da não-cumulatividade e, portanto, da neutralidade do imposto. Os Estados alegam que tais desonerações constituir-se-iam em perda de receita insuportável. Ora, o quantum de receita desejável é, evidentemente, definido pelas alíquotas dos impostos, mas está sendo dada preferência a alíquotas nominais aparentemente baixas, enquanto o verdadeiro ônus tributário está sendo definido por "alíquotas" invisíveis ao cidadão consumidor. Aquele mesmo par de sapatos, cuja alíquota "por fora" já é de 21,95%, tem ônus tributário ainda maior

COMENTÁRIOS 3.1.1. A questão da transparência. O ICMS, atualmente, por regra constitucional, compõe a sua base de cálculo, ou seja, é cobrado "por dentro", fazendo com que a alíquota nominal de 18% seja, de fato, 21,95%, sem que o consumidor perceba. Na Proposta, essa distorção é mantida e, mais do que isso, contamina também o novo IVA federal, pois há previsão de que o imposto possa compor a sua base de cálculo. Dizem os defensores dessa sistemática que a alíquota "por fora", necessária para arrecadar o atual montante de recursos, teria de ser muito alta, induzindo aumento de sonegação. Esse argumento não pode prevalecer, pois o contribuinte fraudador não sonega alíquota, mas sim dinheiro público. Na venda de um par de sapatos, cujo preço sem ICMS é de R$ 82, o comerciante sonegador ganha R$ 18 quando não emite nota fiscal, seja a alíquota de 18%

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Renato Luiz Ferreira/e-Sim

quando se contabiliza, também, a bitributação dos bens de uso e consumo utilizados em sua produção. Caso fosse imposta, digamos, a alíquota de 23% sobre aquele par de sapatos, mas sem a mágica da cobrança "por dentro" e sem a bitributação dos bens de uso e consumo, a sua carga tributária seria rigorosamente a mesma, só que mais inteligente e transparente. A citada PEC propõe a eliminação da bitributação dos bens de uso e consumo num processo que demorará 19 anos: um décimo por ano a partir do nono ano subsequente ao da promulgação da emenda constitucional. Deve se ressaltar que o creditamento do ICMS incidente sobre a conta de energia elétrica continuará sendo permitido apenas àquela "consumida no processo de industrialização", o que exclui o setor comercial de seu aproveitamento. Também o ICMS incidente sobre serviços de comunicação utilizados na cadeia produtiva não será objeto de recuperação. Então, essas importantes fontes de cumulatividade do imposto, que comprometem a sua neutralidade, não serão sanadas – ou o serão em prazo insuportavelmente longo – pela PEC-31-A/2007. O segundo problema, a desoneração dos bens de capital, será feita via devolução à vista ao investidor – atualmente isso é feito em 48 meses –, mas o processo de transição do creditamento do ICMS do atual período de 48 meses para devolução à vista, de acordo com a proposta, dar-se-á em 8 anos. Outro fator que agride a neutralidade do ICMS é a guerra fiscal, que faz com que mercadorias idênticas concorram no mesmo mercado com cargas tributárias diferentes. 3.1.3. A questão da uniformização horizontal das alíquotas do ICMS De acordo com a proposta, as alíquotas do imposto serão implementadas por lei complementar federal, que definirá entre elas a alíquota padrão, aplicável a todas as hipóteses não sujeitas a outra alíquota e resolução do Senado Federal, aprovada pela maioria de seus membros, definirá o enquadramento de mercadorias e serviços nas alíquotas diferentes da alíquota padrão, exclusivamente mediante aprovação ou rejeição de proposição do futuro "CONFAZ" ou de iniciativa de um terço dos governadores de Estado e Distrito Federal ou das Assembleias Legislativas, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros, desde que estejam representadas, em ambos os casos, todas as regiões do País. A unificação das alíquotas do ICMS implicará no aumento da carga tributária, pois a padronização, inexoravelmente, se fará pelo teto. O óleo diesel, por exemplo, é tributado a 12% de ICMS nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Nos demais Estados, a alíquota praticada é de 18%. Outros exemplos de diversidade de alíquota em insumos estratégicos podem ser apontados, como a que grava a energia elétrica, as telecomunicações, a gasolina etc. Há o risco concreto de que a carga tributária incidente sobre alimentos seja aumentada e não diminuída, pois os Estados, cuja base econômica seja a agricultura, provavelmente não concordarão com a isenção nacional dessas mercadorias, que atualmente são desoneradas apenas nos Estados mais desenvolvidos.

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O ICMS é o "calcanhar de Aquiles" da reforma tributária, por envolver entraves técnicos e políticos ainda longe de solução.

3.1.4. A questão do princípio de destino 3.1.4.1. Aspectos políticos: redistribuição horizontal de receita tributária. A proposta prevê a adoção do princípio de destino (ou "quase destino"; no caso, 2%) nas operações interestaduais, transferindo a quase totalidade da receita do imposto para o Estado onde a mercadoria é consumida. Remanescerá para o Tesouro do Estado vendedor apenas 2% do valor da operação interestadual. O princípio de destino nas operações interestaduais, que, pondo fim à guerra fiscal, daria alguma eficiência ao modelo, desagrada tanto aos Estados exportadores líquidos, perdedores de receita, quanto aos importadores, que ganham receita tributária, mas perdem o poder de fazer política de desenvolvimento regional com o ICMS. Nas recentes discussões sobre a reforma tributária, os Estados consumidores, importadores líquidos, ganhadores, portanto, de receita com o princípio de destino, têm sido mais resistentes à mudança do que os Estados produtores. Estes perdem receita; aqueles a capacidade de atrair atividade econômica para seus territórios. 3.1.4.2. Aspectos operacionais. A operacionalização do princípio de destino também não está equacionada. Existem duas formas para implantá-lo: a mais óbvia, a adoção da alíquota zero na fronteira; a outra, através da cobrança da alíquota "cheia" na origem e repasse da receita ao tesouro do Estado importador. Ambas as alternativas apresentam problemas operacionais ainda não solucionados. Ademais, qualquer uma das alternativas agrava o já grave problema de acumulação de crédito do ICMS. A primeira – alíquota zero na fronteira – implica aumento de crédito acumulado na escrita fiscal dos contribuintes do Estado exportador: qualquer operação interestadual terá efeito idêntico ao de uma exportação para o exterior na conta fiscal do contribuinte remetente da mercadoria. A segunda alternativa – cobrança da alíquota "cheia" na origem com repasse


Newton Santos/Hype

O principal problema tributário brasileiro não é o tamanho da carga, mas a deformação dos seus impostos.

da receita ao Estado importador – implica no aumento de crédito acumulado no Estado de destino, quando a mercadoria adquirida em operação interestadual, ou o produto dela resultante, for objeto de exportação para o exterior. De fato, sendo a operação interestadual praticada com a alíquota "cheia" (a interna), o contribuinte destinatário, se exportador, terá agravado seu problema de crédito acumulado. Atualmente, uma siderúrgica capixaba, por exemplo, compra minério em Minas Gerais e se credita de 7% de ICMS, que acaba virando "moeda podre", congelada na sua escrita fiscal. Aprovada essa proposta, esse crédito decorrente da operação interestadual aumentará em 157%, uma vez que o minério sairá de Minas Gerais tributado com 18% de ICMS. A soja, que sai de Mato Grosso para São Paulo com 12% de ICMS, passará a ser tributada na fronteira com alíquota de 18%, dando direito a idêntico crédito ao comprador interestadual. É verdade que nesse desenho o Estado destinatário é "ressarcido" pelo contribuinte do Estado remetente. Entretanto, nada garante que os Estados destinatários de matérias-primas dispor-se-ão a honrar créditos acumulados – depois da reforma maiores do que os de hoje – tendo em vista que não há nenhum vínculo entre o seu aumento de arrecadação e a necessidade dele honrar tais compromissos. Também, nada garante que os mecanismos de auditoria, sempre exigidos para a homologação e a respectiva devolução ou autorização de transferência dos créditos para terceiros, sejam mais ágeis que os atuais. Além do problema do crédito acumulado, ambas as alternativas apresentam outros problemas operacionais que precisam ser solucionados. A imposição da "alíquota zero" (no caso, "quase zero": 2%) na fronteira exigiria a instalação de verdadeiras aduanas interestaduais para o controle físico das mercadorias, uma vez que o enorme diferencial entre a alíquota interna e a interestadual induziria a exacerbação do já existente problema da simulação de destino da mercadoria. O contribuinte fraudador remete efetivamente a mercadoria para destinatário interno, acobertada por documento fiscal a destinatário interestadual fictício. De outro lado, a cobrança do imposto na origem, antes da saí-

da da mercadoria, com o repasse da receita ao Estado de destino, opção preferida pelos secretários de fazenda, também apresenta entraves operacionais sérios. Aqui, também se abrem duas possibilidades: ou o contribuinte-remetente recolhe o imposto diretamente ao Estado da localização do seu cliente ou ao tesouro de seu Estado, que o repassa ao Estado destinatário. A primeira alternativa implicaria enorme aumento na complexidade do já complexo ICMS: cada empresa que pratica operações interestaduais haveria de ser contribuinte inscrito em tantas secretarias de fazenda – e ser por elas fiscalizada – quantos forem os Estados onde tem clientes. Contribuintes que fornecem para todo o País seriam auditados por vinte e sete fiscos! Nessa hipótese, o objetivo da reforma tributária de simplificar o modelo claramente fica frustrado. A segunda alternativa – o recolhimento do ICMS ao tesouro de seu Estado, que o repassaria ao Estado destinatário – implicaria em transferências horizontais entre entes federativos de mesmo nível e exigiria confiança mútua entre eles, o que não existe e não haveria como punir o Estado que inadimplisse ao repasse de receita aos Estados importadores. 3.1.5. A questão da unificação da legislação e a simplificação do sistema A PEC 31-A/2007 estabelece que o Regulamento do ICMS, que define a forma como as obrigações tributárias devem ser cumpridas, será nacional, editado pelo novo 'CONFAZ'. Essa unificação da legislação do ICMS, principal elemento mercadológico da proposta – que encanta economistas, políticos e leigos em geral em administração tributária – poderá resultar em enorme complexidade, pois, o Regulamento Nacional do ICMS, feito "a 54 mãos", pelas 27 representações estaduais no CONFAZ, deverá tornar-se verdadeira "árvore de Natal", repositório de todas as exigências descabidas ou anacrônicas, anulando avanços e simplificações já conquistados em alguns Estados. Homogeneizar-se-á nacionalmente as complexidades locais. Para as corporações multiestaduais – e só para elas – a troca talvez seja benéfica. Como a grande maioria das empresas não tem filiais fora do Estado, é certo que o Regulamento Nacional do ICMS, na média, represente mais complexidade do que cada um dos 27 regulamentos estaduais do ICMS. 3.1.6. A questão dos fundos compensatórios. A PEC 31-A/2007 prevê que a base de cálculo dos fundos compensatórios será mais ampla do que a atual (que considera apenas o produto da arrecadação de IPI e IR), pois incluirá nela, também, o produto da arrecadação do novo "IVA-F". O Fundo de Participação dos Estados (FPE) será abastecido com onze inteiros e um décimo por cento do produto da arrecadação daqueles impostos e o Fundo de Participação dos Municípios, com onze inteiros e seis décimos por cento e mais cinco décimos por cento, no primeiro decêndio do mês de dezembro de cada ano. Cria, ainda, mais dois fundos compensatórios para neutralizar eventuais perdas de receita ou de capacidade de fazer política tributária, ambos alimentados com recursos da União: o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) e o Fundo de Equalização de Receitas (FER).

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O primeiro, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regiotos reconhecidos em relação à fruição desde a data de concessão nal, será abastecido por: até a data da promulgação desta Emenda Constitucional". 1. um inteiro e cinco décimos por cento para aplicação em programas de financiamento ao setor produtivo das regiões 3.2. A Proposta Dornelles Norte, Nordeste e Centro-Oeste, por meio de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regioO senador Francisco Dornelles (PP-RJ), relator da Subcomisnais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do são Temporária de Reforma Tributária, apresentou relatório Nordeste a metade dos recursos destinados à região, na forma com sugestões de mudanças no sistema tributário brasileiro. Suque a lei estabelecer; gere a criação do Imposto Nacional sobre Valor Adicionado 2. cinco décimos por cento para (IVA Nacional), nele incluindo o ImAndrei Bonamin/Luz aplicação em programas de desenposto sobre Circulação de Mercadovolvimento econômico e social, serias e Serviços (ICMS), e o produto da gundo diretrizes estabelecidas pelos arrecadação seria partilhado entre os organismos regionais a que se refere três níveis de governo. o art. 43, § 1º, II, nas regiões onde Segundo ele "as experiências bem houver assegurados, no mínimo, nosucedidas na repartição das cotas do venta por cento nas tegiões Norte, ICMS e IPVA, bem assim do rateio do Nordeste e Centro-Oeste; FUNDEF e FUMDEB, indicam que é 3. onze centésimos por cento para possível repartir o produto da arretransferência a fundos estaduais, para cadação já na rede bancária, de modo aplicação em investimentos voltados automático e em curto período de ao desenvolvimento econômico das tempo, sem que a receita transite peáreas menos desenvolvidas do País los cofres do governo responsável nas regiões Sul e Sudeste; pela coleta do imposto". 4. oito décimos por cento para A inclusão do ICMS na base ampla transferência a fundos estaduais e disdo IVA Nacional é uma das diferentrital de desenvolvimento das regiões ças fundamentais entre a proposta Norte, Nordeste e Centro-Oeste, para do senador e a solução proposta pelo O senador Francisco Dornelles aplicação em investimentos em ingoverno em seu modelo de reforma (PP-RJ), relator da Subcomissão fraestrutura voltados para a manutentributária encaminhada ao CongresTemporária de Reforma Tributária, ção e atração de empreendimentos do so. Dornelles explicou que sua intensugere a criação do IVA Nacional. setor produtivo, incluindo subvenção foi sugerir a construção de um ções econômicas e financeiras, na fornovo sistema tributário, e não soma da lei estadual ou distrital. mente propor uma reforma. Disse, O segundo, o Fundo de Equalização de Receitas (FER), que ainda, que não teve a pretensão de propor um modelo acaobjetiva compensar as unidades federadas por eventuais perbado, mas alinhar os pontos mais relevantes para o início da das de arrecadação decorrentes do novo desenho tributário, endiscussão. O objetivo central, conforme assinalou, será metregará aos Estados e Municípios nove décimos por cento do lhorar a qualidade da tributação no País – sobretudo com a produto da arrecadação daqueles tributos. simplificação do sistema – para reduzir os custos do cumpriComo serão extintos os repasses decorrentes da Lei Kandir e, mento das obrigações fiscais indiretas que recaem sobre as também, o Fundo de Exportação, alimentado com 10% da arempresas, classificadas de "custos invisíveis". recadação do IPI, os Estados exportadores líquidos – perdedoPara reduzir o custo de conformidade, ele propõe a fusão de res de receita com a reforma – entendem que a compensação sevários tributos existentes, acompanhada da extinção de diverrá feita com moeda que já lhes pertence e começam a impor resas contribuições sociais. O IVA Nacional passaria a incorporar, sistência à proposta. Também os Estados 'guerreiros', apesar da entre outros, os seguintes tributos federais: Imposto sobre Procriação do FNDR, relutam em abrir mão do enorme poder podutos Industrializados (IPI), Contribuição de Intervenção no lítico que representa sua capacidade de atrair indústrias para Domínio Econômico (CIDE), Contribuição para o Financiaseu território com benesses tributárias ilegais. mento da Seguridade Social (Cofins), o Salário-Educação e o A PEC 31-A/2007, em suas disposições transitórias, cria rePrograma de Integração Social (PIS). gras de legitimação dos benefícios fiscais de ICMS concedidos à Ainda no IVA Nacional, entrariam as receitas do Fundo de margem da legislação tributária no contexto da guerra fiscal, o Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) e o que eliminará as enormes contingências tributárias que hoje peFundo Tecnológico para o Desenvolvimento das Telecomunicasam sobre a maioria das empresas que adquirem mercadorias ções (Funttel). O Imposto de Renda (IR), por sua vez, incorporaria em operações interestaduais. O § 3º do Art. 6º daquela PEC esa Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O senador tabelece que "os incentivos e benefícios, que tenham sido concetambém cria um único imposto sobre a propriedade imobiliária, didos até 5 de julho de 2008, sem observância aos requisitos prea partir da fusão do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e conizados pela Lei Complementar nº 24, de 1975, têm seus efeio Imposto Territorial Rural (ITR), atribuído aos municípios.

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O desenho de Dornelles traz regras modernizantes ao sistema tributário: o imposto deve taxar apenas o consumo, desonerando completa e automaticamente todas as exportações e todos os investimentos produtivos, via manutenção e aproveitamento dos créditos dos impostos cobrados ao longo da cadeia de produção dos bens exportados e dos bens de capital adquiridos e o IVA deve atingir o mesmo bem ou serviço, independentemente de onde seja produzido ou se importado, sujeito à mesma forma de apuração, aos mesmos incentivos (se for o caso) e às mesmas alíquotas. Sugere, ainda, que o valor adicionado deve ser apurado pelo regime financeiro ("uma apuração simples, contrapondo todas as saídas a todas as entradas") e não mais pelo regime físico hoje adotado no ICMS, segundo o qual somente dão direito ao crédito as aquisições de matérias primas, que se incorporam fisicamente ao bem a que deu origem. Todos os demais itens de custo tributados pelo ICMS não geram crédito, sendo, portanto, bitributados na saída subsequente. Dornelles abre duas alternativas para a divisão federativa do IVA: em prevalecendo o entendimento de que o princípio da simplificação do sistema é fundamental, adotar-se-ia um único imposto, com a cobrança concentrada nos Estados e a arrecadação compartilhada entre eles e a União; ou, se o princípio da divisão federativa for considerado o mais relevante, caberia definir competências complementares ou suplementares em relação ao novo IVA. No primeiro cenário – aplicação de um único IVA nacional – a legislação e a regulamentação seriam as mesmas em todo território nacional e os Estados não teriam qualquer poder para legislar ou regulamentar o imposto de modo diferenciado – especialmente, não poderiam conceder isenções ou benefícios, nem financeiros, para evitar a guerra fiscal (que seria potencializada pela cobrança integral na origem). Esta hipótese coloca a repartição da receita como a questão crucial do novo imposto. A divisão da receita entre União e Estados seria mais fácil de calcular e levaria em conta a situação vigente no momento da entrada em vigor do novo modelo, tomando por base a

arrecadação de cada tributo a ser fundido no novo IVA e, em tese, congelando tal divisão federativa no novo sistema. O outro caminho envolve o compartilhamento do IVA ou a criação de dois IVAs, modelo que na literatura econômica é chamado de "IVA dual". Ao contrário da unificação da arrecadação prevista antes, neste segundo cenário institucional, tanto Estados cobram e fiscalizam o IVA, quanto a União. Mesmo nesta hipótese, o IVA estadual teria as alíquotas fixadas em caráter nacional, pelo Senado Federal, que poderia tomar a iniciativa de fixar as classes de alíquotas (cestas vazias) dentro das quais, por deliberação de um colegiado dos Estados (CONFAZ?) seriam distribuídos os bens e serviços sujeitos à tributação ou, em processo inverso, "menos vulnerável a questionamentos judiciais", os Estados tomariam a iniciativa de propor as alíquotas e as bases e, em caráter terminativo, o Senado decidiria sobre elas. Vislumbra Dornelles a hipótese de que cada Estado possa aplicar uma alíquota diferente da nacional, "mas o acréscimo ou a redução, relativos, deverão atingir igualmente todas as categorias de alíquota, porque sua finalidade seria apenas arrecadadora, de ajustar a receita do imposto ao tamanho pretendido do orçamento daquela unidade federada, que queira gastar mais ou menos que o padrão nacional". Na proposta Dornelles, ainda que parte importante da receita do IVA nacional pertença à União, o Executivo Federal não teria ingerência no processo de fixação de alíquota – nem para tomar a iniciativa, nem para vetar e, em nenhuma hipótese caberia a edição de medida provisória para regular o imposto estadual ou a parcela estadual do imposto. "Na hipótese do mesmo IVA ser compartilhado pela esfera federal e pela estadual, caberia ainda examinar a hipótese de uma vinculação entre as duas alíquotas: ou prevendo uma relação automática e direta entre elas, ou ainda fixando um teto para a federal em relação à estadual". Com isso, evitar-se-ia que a União aumentasse o imposto ou a parcela federal do IVA em detrimento do imposto estadual ou de sua parcela. Quanto ao atual Imposto sobre Serviços (ISS), de competência municipal, sua opção é por mantê-lo inalterado, fora da base ampla do IVA Nacional e de regime não cumulativo – ideia que encontra muitos

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defensores entre especialistas da área tributária. Segundo Dornelles, essa fusão poderá ser adotada no futuro, tendo como contrapartida a transferência das receitas derivadas do Simples, regime de cobrança simplificada de tributos para as pequenas empresas que ele também preserva em sua proposta. Dornelles reconhece que para solucionar a questão da complexidade e má qualidade da tributação indireta no Brasil, o ideal seria "a unificação de todos os impostos num só IVA, com legislação, regulamentação e alíquotas nacionais, integralmente cobrado nas saídas (sem tributação interestadual) e com o produto da arrecadação compartilhado, automaticamente na rede bancária, em termos verticais (uma parcela caberia à União) e também em termos horizontais (descontada uma alíquota mínima que caberia ao Estado fiscalizador, a parcela que caberia aos Estados também seria rateada entre as 27 unidades federadas de modo imediato)".

COMENTÁRIOS 3.2.1. A questão da partilha da receita x esforço fiscal próprio. Sempre que se discute a adoção do princípio de destino – ou a tributação do consumo – em IVA subnacional, a alocação da receita do ICMS ao Estado consumidor da mercadoria esbarra na dificuldade da tributação de fronteira. O princípio de destino, tanto via adoção da alíquota zero na fronteira quanto da adoção da alíquota "cheia" na origem com repasse da receita ao tesouro do Estado importador (consumidor) apresenta problemas operacionais até agora longe de serem solucionados. Sinteticamente, a arrecadação do Estado i, mensurada pelo lado da oferta, admitindo-se desoneração plena dos investimentos e das exportações para o exterior, pode ser especificada da seguinte forma:

Newton Santos/Hype

ivai = a ["PIB"i – (X –M)i – Ii - (x – m)i ] Onde :

A ACSP defende que é possível discriminar na NF o valor do imposto.

A questão fundamental nessa hipótese seria a repartição vertical e horizontal da receita do novo imposto, especialmente esta última. Propõe que o Estado de origem ficaria sempre com uma parcela da receita, até para estimular a boa fiscalização, que poderia ser equivalente a uma alíquota arbitrada de 4% ou uma proporção fixa da cota estadual do IVA nacional (por exemplo, 5% a 10%). Descontada esta parcela do Estado de origem, a cota estadual da arrecadação seria redistribuída entre as 27 unidades federadas segundo a distribuição nacional do consumo, calculada anualmente pelo IBGE, com base em parâmetros pré-fixados em lei e com ponderações diferenciadas para aproximar o consumo realizado em cada unidade – é o caso de variáveis como população e o consumo de energia elétrica residencial, de telefonia também residencial e de gasolina e álcool. A exemplo do que ocorre com partilhas hoje, seria considerado o consumo realizado em exercícios anteriores e os índices publicados com antecedência para a devida auditoria e questionamento pelas partes interessadas.

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a = alíquota interna ivai = arrecadação do estado i "PIB"i = produção do estado i (X –M)i = balança comercial do estado i com o exterior do país Ii = vendas de bens de ativo permanente no estado i (x – m)i = balança comercial interestadual do estado i A questão da balança comercial interestadual (x – m)i é o "calcanhar de Aquiles" para a implantação do princípio de destino no ICMS, pois esse componente – a "tributação de fronteira" – representa receita gerada em uma unidade federada mas pertencente a outra(s). O núcleo da proposta Dornelles é a "federalização" do IVA, com rateio da arrecadação proporcionalmente ao consumo (ou de variável que o represente) e terceirização da fiscalização para os Estados. Propõe, pois, medir o consumo para efeito de distribuição do produto da receita tributária pelo lado do consumidor, contribuinte de fato, e não, como sempre se fez, pelo lado do produtor, contribuinte de direito O quinhão de cada Estado na arrecadação nacional do ICMS seria, então, medido pela sua participação no consumo nacional, estimado pelo lado da demanda (do consumidor, pessoa física). A forma de partilha da receita do imposto pode ser assim especificada: ivai = (ci/C)IVA Onde: ivai = receita do estado i IVA = arrecadação nacional do IVA C = consumo total ci = consumo do estado i


Nessa proposta, o quinhão de receita de cada Estado não problema maior a ser superado é o político. Naturalmente, os mais depende do montante arrecadado em seu território, ou do governos estaduais, mesmo que tivessem a garantia de maesforço da máquina fiscal do seu Estado, mas sim da arrecadanutenção de sua receita orçamentária no novo desenho tribução nacional ponderada pelo seu consumo relativo. O peso do tário, não se conformariam em perder competência para faesforço de sua máquina fiscal na arrecadação total é medido zer política tributária com seu principal imposto. pela participação do Estado na arrecadação nacional. Assim, determinado Estado que contribua, por exemplo, com 0,2% na 4. Conclusões arrecadação nacional do ICMS (Acre) terá o resultado de seu esforço fiscal praticamente nulo na definição da magnitude de 4.1. PEC- 31 – A/2007 seu quinhão de receita, pois do acréscimo de arrecadação que promover no IVA nacional, apenas 0,2% retornará para seus Tanto a PEC- 31 – A/2007 quanto a proposta Dornelles vêm cofres, que dependem, sim, do esforço fiscal dos (n-1) Estados, corroborar a tese de que impostos do tipo valor agregado têm que contribuem com 99,8% ao IVA nacional. De outro lado, um natureza de tributo nacional e não são adequados à competênacréscimo no consumo relativo do Nordeste, por exemplo, iria cia subnacional, uma vez que os efeitos da política tributária reduzir a receita orçamentária dos Estados do Sudeste, ainda adotada por uma unidade federada extrapolam suas fronteique o esforço fiscal e o consumo destes permanecessem inalras contaminando a economia das demais. Destarte, ambas as terados. Perderiam receita porque perderam participação no propostas apresentam uma "federalização envergonhada" do consumo nacional. ICMS. A PEC- 31–A/2007 Massao Goto Filho/e-Sim O interesse de cada Estado mantém o ICMS na compena arrecadação do IVA em tência estadual, mas uniforseu território passaria a ser miza suas regras – alíquotas, ponderado pela sua particiobrigações acessórias etc – pação na arrecadação nacioem nível nacional. O ICMS nal. Não parece razoável desserá gerido coletivamente vincular o esforço da máquipelo colegiado dos Estados e na fiscal (custo) do benefício a resultante será a soma das do aumento de arrecadação, irracionalidades indivipois a simples frouxidão do duais. Os Estados, ainda que Fisco poderia ser fator de coletivamente, continuarão atração de empresas com utilizando o tributo de natucusto próximo de zero para o reza arrecadadora para faorçamento do Estado pouco zer política tributária. Deixa Impostômetro da ACSP: a carga tributária brasileira interessado em fiscalizar. intocados seus problemas equivale a 35% do produto Interno Bruto do País. operacionais, como a tribu3.2.2. A questão tação de fronteira, a acumuda centralização de lação de créditos e as fontes competência x sistema federativo de cumulatividade, que tanto ofendem a neutralidade do imposto. Centraliza apenas a definição de alíquotas, as normas Há quem entenda que se poderia arguir a inconstitucionaoperacionais e o regulamento do imposto. Não é improvável lidade da proposta Dornelles por ofensiva ao sistema fedeque o novo ICMS, gerido coletivamente, seja mais complexo e rativo, cláusula pétrea da Constituição, que não poderia ser ineficiente do que o atual. O desenho tributário proposto é sigmudada por emenda constitucional. De fato, na medida em nificativamente mais complexo que o já complexo ICMS e os que a magnitude da carga tributária dos Estados passa a ser Estados continuarão tendo margem para fazer política tribufixada pela legislação federal, não mais é dada ao contribuintária. As importantes fontes de cumulatividade do imposto, te-eleitor estadual a possibilidade de escolha entre uma plaque comprometem a sua neutralidade, serão sanadas apenas taforma de governo que prometa, por exemplo, redução da parcialmente e a longo prazo pela PEC-31-A/2007. carga tributária e outra, oposta, que prometa aumentar a O princípio de destino nas operações interestaduais, que pooferta de bens públicos. Dornelles vislumbra a possibilidade ria fim à guerra fiscal e daria alguma eficiência ao modelo, dede cada Estado poder aplicar linearmente em seu território sagrada tanto aos Estados exportadores líquidos, perdedores de um diferencial de alíquota com efeito meramente arrecadareceita, quanto aos importadores, que ganham receita tributádor, que balizaria o tamanho do seu orçamento. Entretanto, ria, mas perdem o poder de fazer política de desenvolvimento dado o modelo de partilha sugerido, essa medida resultaria regional com o ICMS. A operacionalização do princípio de desinócua uma vez que a arrecadação do Estado seria centralitino também está longe de ser equacionada. Ademais, essa PEC, zada em um fundo nacional a partilhada segundo critério que promete pôr fim a essa farra, acaba por incentivá-la – pelo desvinculado (ou muito pouco vinculado) da arrecadação menos até que a alíquota interestadual atinja seu patamar deprópria. O quinhão de cada Estado seria definido, basicafinitivo de 2% a partir do 12º ano – ao abrir verdadeira tempomente, pelo consumo relativo. Afora a questão jurídica, o rada de caça aos investidores, convalidando todas as agressões

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à lei nacional do ICMS feitas até 5 de julho de 2008 e – o que é pior – incentivando novas concessões ilegais até a data da promulgação da emenda constitucional, que valerão desde que o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), por maioria absoluta de seus membros, não as desconstitua. Inverte-se o processo: em vez da unanimidade para concessão do benefício, como é hoje, exige-se maioria absoluta para sua derrubada. O fato é que essa PEC mal tangencia o principal problema tributário do País, que é a errada alocação do ICMS, imposto de natureza nacional, com a competência outorgada aos Estados. 4.2. A Proposta Dornelles O núcleo da proposta Dornelles é a federalização do ICMS, com manutenção de sua fiscalização e arrecadação na competência estadual, o que resolve o problema de alocação das imensas e caras máquinas fiscais estaduais, que de outra forma ficariam ociosas ou teriam de ser, também, federalizadas. Propõe a partilha da receita por critério desvinculado do esforço fiscal estadual (rateio de acordo com o consumo relativo dos Estados). Mais ousada, a proposta parece trazer mais racionalidade ao sistema, ainda que sua viabilização política seja muito mais difícil. Dois pontos merecem reflexão e podem ser melhorados na proposta: a compatibilização do rateio da arrecadação nacional pela ótica do consumo, sem desvincular o esforço arrecadador de cada Estado do quinhão que a ele pertence e a manutenção de alguma margem para o Estado fazer política fiscal sem comprometer as qualidades do novo tributo. O problema da vinculação do quinhão estadual ao seu esforço arrecadador poderia ser solucionado com a adoção de uma fórmula mista, que contemplasse, também, a arrecadação do IVA no território de cada Estado nos períodos 0 e 1, ou seja: ivai1 = ivai1/IVA1 – [(ivai0/IVA0 – ci0/C0)IVA1]

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Nessa alternativa, define-se o "saldo da balança comercial interestadual" de cada Estado em um período base (período zero) como sendo a diferença entre sua participação na arrecadação nacional (supostamente, uma medida aproximada de sua participação na produção) e sua participação no consumo nacional (ivai0/IVA0 – ci0/C0). O quinhão de cada Estado no período é definido apenas pela sua participação no consumo. Então, ceteris paribus, a variação da participação relativa de cada Estado na arrecadação nacional, corrigido pela medida aproximada do saldo da balança interestadual, reverterá para o seu quinhão no período seguinte (ivai1) e irá aumentar ou diminuir na medida em que sua participação relativa na arrecadação nacional nesse período (ivai1/IVA1) aumente ou diminua. As variáveis do período zero – tanto a participação relativa na arrecadação nacional como no consumo nacional – poderiam ser atualizadas periodicamente, expurgando-se da arrecadação de cada Estado os efeitos exógenos, não decorrentes da produtividade fiscal, como, por exemplo, a variação na participação relativa do PIB estadual e nacional. As simulações apresentadas nas Tabelas 2 e 3 mostram que por esse critério, o aumento absoluto do quinhão de um Estado consumidor (importador líquido), ceteris paribus, será maior do que o ganho absoluto de arrecadação em seu território, enquanto que no Estado produtor (exportador líquido) ocorrerá o contrário. No exemplo, o Estado exportador, quando promove um aumento de R$ 5bi na arrecadação, tem retorno de R$ 4,5 bi, enquanto o Estado importador líquido, com o mesmo aumento de arrecadação tem retorno de R$ 5,25 bi. A diferença é o vazamento de receita decorrente do déficit/superávit na balança interestadual. Estado que tem balança equilibrada fica com a totalidade do ganho/perda de arrecadação. Com essa mudança no critério de partilha da arrecadação nacional do ICMS (ou novo IVA), o quinhão de receita do IVA de cada Estado dependerá, basicamente, da eficácia de sua máquina fiscalizadora.


Ademais, com esse critério de rateio do novo IVA, faz sentido a sugestão de Dornelles de que os Estados tenham, além da competência de gerir a administração tributária, alguma margem para fazer política fiscal, com a definição de uma banda de alíquota dentro da qual os Estados possam definir o montante de extração tributária que pretendem fazer de seus cidadãos-eleitores. Essa banda poderia ser, digamos, de 2 pontos percentuais, aplicáveis linearmente sobre todas as alíquotas incidentes nas operações internas definidas na lei complementar federal, com a qual os governos estaduais teriam margem para calibrar a carga tributária – e a magnitude de seu orçamento – sem comprometer a neutralidade do tributo. Os investimentos e as exportações – tanto para o exterior (imunes) quanto para os outros Estados – não seriam afetados, pois a banda somente incidiria sobre as operações internas, agravando – ou aliviando – apenas o consumidor-eleitor do Estado que a Leonardo Rodrigues/e-SIM pratica. Observe-se que 2 pontos percentuais aplicados linearmente sobre todas as alíquotas representa algo como 10% da arrecadação total definida pela alíquota nacional. Destarte, a proposta Dornelles, ainda que mais difícil de ser viabilizada politicamente, poderia, com as modificações e acréscimos aqui sugeridos, representar avanço muito mais significativo na melhoria do sistema tributário nacional.

produzir a discriminação atual da receita dos tributos substituídos observados no momento da transição. 5. Dentro de uma banda de 2 pontos percentuais, os Estados terão competência para alterar as alíquotas nacionais do IVA, aplicando o diferencial linearmente ao conjunto de alíquotas definidas pelo Senado Federal. 6. IVA será instituído por Lei Complementar Federal, suas alíquotas implementadas por resolução do Senado Federal e demais regramentos (prazos de recolhimento, obrigações acessórias etc) por legislação federal; à exceção da competência para modificar as alíquotas dentro da banda prevista no item anterior, os Estados não poderão editar qualquer norma relativa ao imposto. 7. Qualquer alteração da legislação do IVA, promovida ou proposta pelo Poder Executivo Federal, que resulte em redução da arrecadação somente produzirá efeitos se acompanhada de ressarcimento aos Estados de valor idêntico ao da renúncia fiscal. 8. Partilha da arrecadação entre os entes federados deve obedecer a critério que leve em conta, também, a arrecadação no território do Estado (como a sugerida neste trabalho). 9. Definição, interpretação e aplicação das normas uniforme em todo o território nacional. O Regulamento do IVA, as respostas à consulta (interpretação da legislação) e as decisões normativas serão editados 5. Resumo e Conclusão pelo Poder Executivo Federal. O núcleo da proposta Dornelles é a federalização do ICMS, 10. Jurisprudência da legiscom fiscalização e arrecadação na competência estadual. Abstraindo-se as dificuldalação tributária uniforme em des políticas – talvez insuperátodo o território nacional: a deveis – pode-se imaginar um fesa (primeira instância do modelo tributário que represente avanço rumo à modernidade. contencioso administrativo) será julgada pelo Tribunal AdmiO núcleo da proposta Dornelles – a criação, na competência fenistrativo do Estado; o recurso (segunda instância), quando deral, de um IVA amplo, limpo de cumulatividades, incidente sohouver, será julgado pela Conselho Administrativo de Recursos bre todas as bases de consumo hoje tributadas pela União, EstaFiscais da Receita Federal do Brasil. dos, Distrito Federal e Municípios – acrescido de alguns pontos 11. Instituto da substituição tributária somente poderá da PEC 31-A/2007 e de outros abaixo anotados, poderia servir de ser aplicado em nível nacional, sendo que nas operações inbase a esse modelo conceitual. terestaduais o valor retido por substituição, recolhido ao 1. Viabilização do fim do IPI: concessão de crédito presumido IVA nacional, será, para efeito de aplicação da fórmula de ra(que tem efeito "para frente") do novo imposto de forma a reteio da arrecadação nacional, contabilizado com receita paproduzir os atuais incentivos fiscais das empresas instaladas na ra o Estado de destino da mercadoria. ZFM, lei de informática etc; 12. Criação de um Fundo de Equalização de Receitas, com 2. Viabilização do fim do ISS: Outorga de competência para recursos do orçamento federal para compensar perdas de municípios instituírem, com alíquota limitada, imposto sobre arrecadação decorrentes da implantação do novo modelo consumo final de bens e serviços (Retail Sales Tax- RST) e/ou (PEC 31-A-2007). aumento no percentual destinado aos municípios do novo IVA 13. Criação de um Fundo Nacional de Desenvolvimento Rerelativamente ao quinhão do ICMS; gional (FNDR), com recursos do orçamento federal, para suprir 3. Manutenção do IPVA na competência estadual. O seu desa perda dos Estados de sua capacidade de fazer política de delocamento, como sugere Dornelles, para a competência munisenvolvimento regional (PEC 31-A-2007). cipal acirraria a já existente guerra fiscal promovida com base 14. Convalidação dos benefícios fiscais de ICMS concedidos nesse imposto. sem a observância da legislação pertinente (PEC 31-A-2007). 4. Distribuição vertical da receita do novo imposto deve re15. Securitização dos créditos acumulados de ICMS.

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José Roberto Mendonça de Barros Alexandre Lahóz Mendonça de Barros Ana Laura Menegatti Cesar de Castro Alves Renata Marconato

Tiago Queiroz/AE

O FUTURO DO


AGRONEGÓCIO

Dirceu Portugal/AE

A definição original do termo agronegócio refere-se à integração da cadeia produtiva entre os setores produtores de insumos, a produção agrícola e o processamento e distribuição de alimentos, energia e fibras.


Patrícia Cruz/LUZ

José Roberto Mendonça de Barros é economista (USP), doutor em Economia pela mesma universidade e pósdoutorado no Economic Growth Center, da Yale University, EUA. Foi professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e Secretário Executivo da Câmara de Comércio Exterior da Presidência da República. É sócio-diretor da MB Associados, empresa de consultoria econômica. Alexandre Lahóz Mendonça de Barros é engenheiro agrônomo e doutor em Economia Aplicada pela ESALQ/USP. Foi professor da mesma escola, leciona na FGV-SP e atua como membro do Comitê de Assessoria Externa da Embrapa Pecuária Sudeste. É Sócio-Consultor da MB Agro e da Ruralcon Consultoria em Gestão Agropecuária. Ana Laura Menegatti é engenheira agrônoma (ESALQ/USP), com mestrado em Economia Aplicada, pela mesma instituição. Como os demais autores deste trabalho, integra o corpo técnico da MB Agro. Cesar de Castro Alves é engenheiro agrônomo (UNESP), com mestrado em Economia Aplicada pela ESALQ/USP. Renata Marconato é economista (ESALQ/USP). Foi analista da Lafis Consultoria. É pós-graduanda em Informações Espaciais pelo Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP.

Resumo Este artigo desenvolve um quadro analítico da agricultura brasileira com o objetivo de estabelecer balizas para uma política agrícola coesa e consistente. Apresenta oportunidades no mercado agrícola mundial para o Brasil, as principais características da agricultura brasileira e lista seus maiores desafios e vários riscos com que se depara o setor. Ao mesmo tempo em que expõe os entraves ao desenvolvimento pleno da agropecuária nacional, o texto sugere propostas para corrigir as distorções e deficiências das políticas atuais. Entre as diversas propostas que resultam da análise estão o desenvolvimento de um sistema de resseguro para a agricultura, a criação de um fundo de catástrofe para o setor, o estímulo ao mercado de opções, o desenvolvimento de uma "Central de Riscos", que permitiria criar um cadastro positivo dos produtores, a promoção do ajuste fiscal como meio para redução da taxa básica de juros, o desenvolvimento de um modelo tributário na linha de um Simples Agrícola, a criação de regras claras para o desenvolvimento, uso e multiplicação dos diferentes produtos e processos da biotecnologia, e a ampliação dos investimentos em pesquisa pública no País.

Alex Ribeiro/AR


L. Adolfo/AE

É possível aumentar a produção sem ampliar o desmatamento. O Brasil possui 180 milhões de hectares de pastos que podem ser convertidos em áreas agrícolas com uso da moderna tecnologia agrícola.

Introdução

O

texto que se segue aborda vários aspectos do agronegócio brasileiro e do seu futuro, identificando vários problemas com que se defronta e apresentando propostas que possam solucionálos. Procura desenvolver um quadro analítico da agricultura nacional para estabelecer balizas para uma política agrícola coesa e consistente. Quatro seções constituem o texto. A primeira analisa as falsas dicotomias com que se defronta a política agrícola nacional. A Seção II volta-se para as várias oportunidades presentes no mercado agrícola mundial e a seção seguinte trata de características e desafios da agricultura brasileira. A Seção IV concentra-se nos seus principais riscos, numa análise que alcança a agropecuária como um todo. I – Falsas Dicotomias A política agrícola brasileira vem se pautando por falsas dicotomias. Construiu-se ao longo da última década uma miríade de intervenções públicas que carecem de consistência estratégica e, no mais das vezes, são claramente contraditórias. Entendemos que muitas das contradições de política econômica se devem a embates ideológicos que se cristalizaram em interesses econômicos difusos, o que acaba por prejudicar um projeto de crescimento da agricultura brasileira. Parte da confusão estratégica deve-se ao mau uso da teoria econômica. Criou-se um conflito permanente entre o agronegócio e a pequena produção, atribuindo a cada um desses segmen-

(1) Atribui-se a definição original do termo agronegócio aos economistas norte-americanos Davis, John Herbert e Goldberg, Ray Allan. em A concept of agribusiness. Boston : Division of

tos políticas econômicas específicas, aglutinadas nos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Ora, o conceito de agronegócio não tem relação alguma com escala da produção ou o tipo de produtor. A definição original do termo agronegócio refere-se à integração da cadeia produtiva entre os setores produtores de insumos, a produção agrícola e o processamento e distribuição de alimentos, energia e fibras (1) . A integração produtiva permite acesso a capital e tecnologia, não obstante os conflitos de interesses naturais em qualquer cadeia de produção. As integrações produtivas nas cadeias de frango e suínos constituem exemplos claros de benefícios do conceito de agronegócio e se associam frequentemente à produção em pequena escala. Outra falsa dicotomia diz respeito ao conflito entre meio ambiente e agricultura. É certo que a expansão agrícola brasileira, assim como a norte-americana, africana, europeia e asiática, se deu sobre áreas com vegetação natural. É certo, também, que o desmatamento da Amazônia segue ocorrendo. É errado, entretanto, imaginar que não seja possível aumentar a produção sem ampliar o desmatamento. O Brasil possui cerca de 180 milhões hectares de pastos que podem ser convertidos em áreas agrícolas com uso da moderna tecnologia agrícola. O aumento da produtividade da agricultura é forte aliado da preservação do meio ambiente. Mais uma vez, ao tratar essas duas áreas como antagônicas, limita-se o potencial de resolução dos conflitos entre os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura. O caso dos transgênicos é emblemático. As novas variedades resistentes à seca, por exemplo, ampliariam consideravelmente a área agrícola brasileira em regiões tradicionais, já há muito antropizadas.

Research, Graduate School of Business Administration, Harvard University, 1957.

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A essas dicotomias somam-se outras: questão indígena versus agricultura; quilombolas versus agricultura; semterra versus grandes agricultores; agricultura versus indústria. A ausência de convergência nas políticas públicas vem criando restrições adicionais àquelas presentes nos mercados agrícolas, e que se somam às tradicionais políticas agrícolas protecionistas existentes em todo o mundo. As limitações criadas desnecessariamente pelas políticas públicas brasileiras precisam ser rapidamente eliminadas para que se possa aproveitar as grandes oportunidades que estão sendo dadas pelo mercado internacional. II. Da oferta para a demanda: as oportunidades presentes no mercado agrícola internacional. A economia internacional vem passando por transformação significativa. O século 20 foi marcado por uma distribuição de renda profundamente desigual entre poucos países ricos, de pequena população relativa, e um contingente grande de países (com alta densidade populacional), que se caracterizou pelo baixo dinamismo econômico. A má distribuição de renda não permitiu que a demanda por alimentos e fibras se manifestasse em todo seu potencial. O baixo dinamismo da demanda se combinou com a disseminação das modernas tecnologias agrícolas, o que acabou por produzir uma redução consistente nos preços reais dos alimentos. Essa tendência secular parece ter se invertido nos últimos anos. Acumulam-se evidências de que o desenvolvimento econômico de regiões tradicionalmente estagnadas vem acelerando a procura por proteína animal e, consequentemente, a demanda por grãos. A procura por alimentos se soma ao desenvolvimento do mercado de biocombustíveis, energia elétrica, bioplástico e outros produtos, constituindo um cenário promissor para a agricultura brasileira. Parece-nos relevante avaliar mais detidamente os componentes da procura por produtos agrícolas.

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Crescimento populacional De acordo com os dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial deve atingir, em 2025, 8 bilhões de habitantes. Entre 2005 e 2025, o aumento populacional será de 1,8 bilhão de pessoas, crescimento equivalente a 1,04% ao ano. Enquanto na Ásia, na África e nas Américas a população cresce a taxas superiores a 1%, no continente europeu a população decresce a 0,11% ao ano, com destaque para os países do Leste Europeu, como a Rússia (-0,57%). Outros números do crescimento demográfico previsto para esse período são apresentados no Gráfico 1, na forma de um mapa. O crescimento populacional continua sendo maior nas regiões menos desenvolvidas, que deverão chegar a 6,7 bilhões de pessoas em 2025. Além disso, aumentará o grau de concentração dessas regiões, e se cerca de 75% da população mundial estava aí localizada em 1975, é esperado que em 2025 atinja 85% da distribuição. As regiões menos desenvolvidas apresentam taxa anual de crescimento de 1,22% ao ano, enquanto que a região mais desenvolvida crescerá a modestos 0,18% a.a.. Entre as regiões, a distribuição populacional em 2025 estará concentrada principalmente na Ásia e a China não será somente o país mais populoso, como também terá concentração maior do que outras regiões, assim como a Índia, que, isoladamente, terá população maior do que outros continentes. Juntas, China e Índia representarão 60% da população asiática e mais de um terço da população mundial estará nesses dois países. O Gráfico 2 mostra outros aspectos dessa evolução. Outro aspecto que deve ser levado em conta é a distribuição dessa população entre rural e urbana. Atualmente, a população mundial de 6,7 bilhões de pessoas está praticamente divida ao meio entre rural e urbana, e em 2025, cerca de 60% dos previstos 8 bilhões de pessoas estarão nas cidades. O índice de urbanização nas regiões mais desenvolvidas, já bastante alto (76%), deve chegar a 80% em 2025. O maior incremento da população urbana virá nas regiões menos desenvolvidas , onde se prevê que ela passará de 43% para 57%.


À medida que a população se urbaniza, a dieta básica sofre alterações, que acabam por refletir na demanda final de commodities. Esse aspecto está também diretamente ligado com a elevação da renda, assunto tratado a seguir, quando também é feita uma breve discussão sobre o potencial futuro da demanda de carnes e a consequente necessidade de grãos para atender a procura. Renda Considerando o plano macroeconômico, um dos principais direcionadores para a evolução da demanda por commodities agrícolas no mundo é o crescimento econômico, especialmente nos países em d e s e n v o l v imento, devido ao seu impacto n a re n d a e n a modificação da dieta da população. Sem dúvida alguma o aumento da renda mundial nos últimos anos foi um fato importante na recente elevação da demanda por commodities agrícolas.

Apesar da crise mundial, iniciada no final de 2008, que causou forte desalavancagem no sistema financeiro e dúvidas ao longo de todo o ano de 2009, a expectativa para 2010 é da volta lenta do crescimento mundial, que começará pelo processo de limpar os excessos de políticas monetária e fiscal dos últimos anos. O último relatório do Fundo Monetário Internacional já aponta um crescimento mundial de 4% para este ano. Na maioria das economias avançadas, a recuperação deverá ser lenta, enquanto que em muitos países emergentes, especificamente na China, e economias em desenvolvimento, a retomada da atividade deverá ser relativamente vigorosa, e fortemente impulsionada pela demanda interna. Para os próximos anos, essa tendência deve ser mantida. As projeções do FMI para 2014, sintetizadas no Gráfico 3, são de crescimento mundial ao redor de 4,5%, enquanto que nos países avançados será de 2,4% e nas economias emergentes, 6,7%. A Ásia continuará sendo o continente de maior crescimento da renda, puxados pelas economias chinesas e indianas.

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Biocombustível Parte significativa dos expressivos aumentos do preço do petróleo ao longo de 2007 e até julho de 2008 é resultado do aquecido processo de crescimento econômico que o mundo vinha apresentando até então. A recente queda das cotações do petróleo no mercado internacional reflete exatamente a inversão desse comportamento, trazendo incertezas de curto prazo quanto à continuidade da demanda vis-à-vis o desaquecimento da economia global e da necessidade de utilização de petróleo e seus derivados. A queda do preço do petróleo afeta diretamente o setor agrícola, seja através do custo de produção ou através da demanda de energia renovável. O petróleo mais barato pressiona a margem da indústria norte-americana de biocombustível, que tenta se equilibrar para continuar no mercado, espremida entre o custo de aquisição dos insumos (grãos) e o preço de venda do produto final, o qual tem seu teto dado pelo preço do petróleo, uma vez que não deixa de ser um substituto energético. A indústria de biocombustível dos EUA enfrentou recente processo de ajuste, dada a aquisição de matérias primas a um preço muito elevado e a consequente redução do preço do petróleo, que torna a gasolina mais barata do que o etanol. De acordo com a Renewable Fuels Association, a capacidade instalada nos EUA é de 12,5 bilhões de galões, dos quais apenas 10 bilhões foram utilizados para produção em 2008. Há ociosidade de 2 bilhões de galões, sem considerar os projetos que estavam em construção e foram paralisados. Apesar dos contratempos, nos-

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sa pressuposição básica é que o preço do petróleo volte a subir no longo prazo, dando fôlego novo para a expansão da indústria de biocombustível nos EUA, com o milho sendo o insumo base da produção desse país. Nesse contexto, o esmagamento de milho para etanol projetado pelo próprio governo norte-americano é de 142 milhões de toneladas em 2022. O Gráfico 4 mostra essa projeção e outros aspectos dos volumes de biocombustíveis previstos até essa data no mesmo país. Em relação à política protecionista do setor, consideramos que a tarifa de importação de US$ 0,54 por galão será mantida, uma vez que o país está num esforço conjunto de aquecimento da economia interna para sair da crise em que se encontra. Desse modo, também esperamos que o crédito para o misturador seja mantido em US$ 0,45/bu. Do ponto de vista da produção brasileira de etanol e das exportações de álcool para os Estados Unidos, a hipótese básica suportada por nosso trabalho é que no curto prazo haverá uma redução das exportações de álcool para os EUA em decorrência da crise por que passa o setor produtor de etanol naquele país. Entretanto, no médio prazo deve haver um incremento no consumo de etanol nos EUA, e com ele, a volta das importações será essencial para equilibrar a demanda norte-americana, dado que há clara limitação quanto ao volume máximo de milho a ser produzido naquele país, conforme indicado no gráfico anterior. No início de fevereiro de 2010, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA – a EPA, em seu relatório de regulamentação de uma nova versão da Renewable Fuel Standard (RFS2), posicionou o etanol de cana-de-açúcar como um biocombustível


Nelson Almeida/AFP

Novos usos para o etanol estão sendo desenvolvidos e postos em práticas no País, como o plástico de fontes renováveis.

renovável de baixo carbono que pode contribuir com a redução das emissões de gases do efeito estufa. A Renewable Fuel Standard é a legislação que define a produção e uso de biocombustíveis nos Estados Unidos e estipula as metas de segurança energética e de redução de gases de efeito estufa. Segundo essa agência, o etanol de cana pode ser classificado como um biocombustível avançado, com capacidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 61% em relação à gasolina. Esta classificação abre dois fortes precedentes para o etanol: o de posicionar o combustível no mercado internacional como um produto regulamentado a ponto de obter o status de commodity, e o de suprir uma futura demanda específica do mercado norte-americano de uso de combustíveis renováveis. Segundo o RFS2, os EUA deverão alcançar o consumo de 21 bilhões de galões (quase 280 bilhões de litros) de biocombustíveis "avançados", ou seja, os que reduzem em 50% ou mais as emissões de gases de efeito estufa. Destes 21 bilhões, 16 bilhões devem advir de biocombustíveis produzidos a partir da celulose e o restante, 5 bilhões (aproximadamente 20 bilhões de litros), são de biocombustíveis de origem indeterminada, que reduzam em mais de 50% as emissões. Este nível de redução de emissões não é alcançado pelo etanol

de milho produzido no país. Portanto, considerando a tecnologia vigente, o etanol de cana deverá ser o produto que suprirá esta demanda da lei de redução de poluentes dos Estados Unidos. Novos usos para o etanol estão sendo desenvolvidos e postos em prática no País. O Brasil está na vanguarda da produção de plásticos de fontes renováveis. O bioplástico, ou plástico verde, além de reduzir o uso de matérias-primas fósseis, reduzindo as emissões de efeito estufa, é reciclável, impactando positivamente no volume de lixo produzido nas áreas urbanas. Ele é produzido com 100% de matéria-prima renovável, como o álcool de origem vegetal, tem as mesmas especificações dos plásticos petroquímicos e é 100% reciclável. Ao contrário dos plásticos petroquímicos, que emitem CO2 – para produzir 1 kg de plástico verde de álcool de cana-de-açúcar, são eliminados de 2,1 a 2,5 kg de CO2 na atmosfera, a partir da fotossíntese da planta. A produção anual de plástico verde, de acordo com estimativas, deve aumentar para cerca de um milhão de toneladas métricas até 2011, o que representa 0,7% de todo o plástico utilizado atualmente. O consumo de plástico no mundo alcança um volume de 150 milhões de toneladas. No campo do biodiesel, o Brasil, a Argentina e a Europa continuam sendo os principais atores. A União Europeia pretende

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Dirceu Portugal/AE

cortar em 20% a emissão de gases causadores do efeito estufa até 2020, além de elevar em 20% o consumo de energia renovável e reduzir em 20% o consumo de energia através da elevação da eficiência energética. Além disso, 10% da energia consumida no setor de transporte devem ser renováveis, seja por biocombustível, elétrica ou a base de hidrogênio. De acordo com o Instituto de Pesquisa Política em Agricultura e Alimentação (FAPRI), o bloco demandará 2,9 bilhões de galões de biodiesel em 2018 e a importação será de 291 milhões de galões, suprida principalmente pela Argentina e pelo Brasil. Os programas internos de consumo de biodiesel, tanto no Brasil como na Argentina, devem passar para a mistura B5 em 2010, aumentando a demanda interna e reduzindo o potencial exportador. Para 2018, a produção argentina de biodiesel sai de 269 milhões de galões e alcança 500 milhões em 2018, de acordo com projeções da FAPRI. Com consumo crescente após o programa B2, o Brasil deve produzir, em 2018, 857 milhões de galões e a demanda, que foi de cerca de 300 milhões galões em 2008, deve atingir 178 milhões daqui a 10 anos. Em se tratando de biocombustível, é importante ter em mente que foi o desaquecimento da economia que levou o petróleo de US$ 136,9 o barril para US$ 43 no auge da crise, em dezembro de 2008. Assim que a economia iniciar sua retomada, a trajetória normal – a de longo prazo – do preço do petróleo deve reagir instantaneamente. O retorno a patamares elevados e seu efeito sobre as economias cada vez mais dependentes deste insumo, associados à preocupação mundial com relação aos problemas ambientais causados pela queima de combustíveis fósseis, continuarão sendo o pano de fundo para o desenvolvimento do setor de biocombustível. III. Características e desafios da agricultura brasileira Após quatro décadas de mudanças parece que a agricultura brasileira começa a delinear um padrão agrícola único no mundo: moderno, de larga escala, intensivo em tecnologia e essencialmente tropical. Não é fácil antever todos os aspectos desse modelo ainda em construção, mas é possível levantar suas principais características, bem como delinear alguns desafios a serem superados a fim de que o processo de expansão do agronegócio brasileiro seja sustentável no tempo. Trata-se de um sistema complexo. O País apresenta diversas cadeias completas de produção. Todo o segmento de insumos (máquinas agrícolas e tratores, fertilizantes, defensivos, sementes etc), junto com a produção agrícola (que contempla as principais culturas e animais produzidos no mundo), e toda a cadeia processadora e de distribuição, e de outros serviços associados ao agronegócio, constituem um amplo sistema produtivo. Ao comparar a agricultura brasileira com os maiores sistemas produtivos do mundo desenvolvido (América do Norte e Europa), é possível dar conta de dois aspectos que caracterizam o sistema nacional: em primeiro lugar, pode-se afirmar que a moderna agricultura brasileira é um sistema relativamente novo do ponto de vista histórico; em segundo lugar, não há outra grande agricultura tropical de larga escala no mundo. Assim,

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O domínio tecnológico da agricultura em ambiente tropical permitiu ao País elevar a produtividade .

fica evidente que este sistema exigiu desenvolvimento tecnológico específico, e que foi essencialmente construído no decorrer dos últimos 40 anos. Ademais, pode-se dizer que as novas tecnologias permitiram assegurar ao País elevado grau de competitividade frente às principais agriculturas do mundo. O evento tecnológico mais relevante ocorrido na agricultura brasileira nos últimos 40 anos foi, sem dúvida, o Sistema de Plantio Direto. Esse sistema foi decisivo para viabilizar o desenvolvimento da agricultura nas áreas de cerrado. Clima tropical requer proteção do solo, e o sistema de cultivo tradicional e o de mecanização a ele atrelado mostraram-se inadequados a esse regime climático. O plantio direto, juntamente com a nutrição de plantas e o desenvolvimento genético, garantiu expressivo aumento da produtividade da agricultura na região central do País. Foi necessário desenvolver conhecimento nas áreas de manejo de plantas, de máquinas e equipamentos, de novos defensivos e dessecantes, de nutrição de plantas, e de manejo de solo para que o plantio direto se viabilizasse. O domínio tecnológico da agricultura em ambiente tropical permitiu que a natural abundância de solo, luminosidade, temperatura e água pudessem ser utilizadas a fim de elevar a produtividade da agricultura. Em poucas palavras, o desenvolvimento tecnológico permitiu ao País fazer uso de suas vantagens comparativas na agricultura. A possibilidade de produzir duas safras em um único ano também tornou-se maior graças ao desenvolvimento do siste-


ma de plantio direto. A realização de duas safras por ano é hoje usual no Mato Grosso, em Goiás e no Paraná, embora nesse último Estado, em decorrência da elevada precipitação por quase todo o ano, o sistema de safra de verão e de inverno já fosse utilizado, no passado, com maior frequência (2). A técnica de plantio direto reduz o tempo gasto com mecanização, permitindo a execução de duas safras com menor risco climático. O País possui um volume expressivo de área potencialmente agricultável. Há diferentes estudos referentes à disponibilidade de terra que, em geral, tendem a convergir para uma área potencial superior a 100 milhões de hectares na região do cerrado. Há, ainda, uma enorme área de pastagem caracterizada por baixa produtividade das forragens, e que atualmente começa a ser integrada ao sistema de grãos, configurando um inovador sistema de rotação. Em trabalho recente, Brandão et alli (2005) (3) , concluem que cerca de 80% do aumento da área cultivada com lavouras nos últimos 15 anos no Brasil deu-se em antigas áreas de pasto. A área total de pastagem situa-se ao redor de 170 a 180 milhões de hectares. A área agrícola atualmente cultivada no Brasil está num patamar de 60 milhões de hectares, o que permite dar dimensão do enorme potencial produtivo do País. Ao longo da última década iniciou-se um sistema de produção que procura interagir a produção de culturas anuais (grãos e algodão) com a pecuária bovina. Este sistema passou a ser conhecido como integração lavoura-pecuária. Existe um leque de variações dos tipos de integração, mas o princípio ge-

ral é a rotação de pastagem com grão, entre anos ou em um único ano (inverno e verão). O sistema de plantio direto requer palhada para proteger o solo. Ao final do período de chuvas, é usual o cultivo de alguma lavoura para garantir a proteção do solo com palha quando do plantio da safra em setembro/novembro. Ocorre que o pasto pode perfeitamente ser utilizado para esse propósito, conferindo excelente proteção ao solo. Além disso, com a rotação com lavoura há melhoria da fertilidade do solo, elevando a produtividade das pastagens. A rotação com pasto permite, por sua vez, reduzir a infestação de doenças, o que reduz as pulverizações necessárias às lavouras anuais. O sistema de integração lavoura-pecuária é uma novidade que não é frequente em nenhuma outra grande agricultura do mundo. Este sistema traz vantagens agronômicas decorrentes da rotação, reduzindo a incidência de pragas e doenças, especialmente na lavoura de soja. Entretanto, é importante ressaltar que esses sistemas de produção inovadores requerem permanente desenvolvimento tecnológico, em especial dos setores produtores de insumos agrícolas. A presença da agricultura nas regiões tradicionais de pecuária permite ampliar a qualidade da nutrição dos bovinos. O processamento da safra colhida acaba por gerar subprodutos que podem ser utilizados em rações de confinamento, semiconfinamento ou suplementação a pasto a um custo reduzido, o que amplia consideravelmente a produtividade da pecuária. É interessante notar a presença de estruturas de confinamento disseminadas por todo País, até em regiões do cerrado que nunca fizeram uso dessa tecnologia por razões de custos de produção. Além disso, a presença de uma dieta de melhor qualidade amplia consideravelmente o benefício advindo do melhoramento genético, estimulando a adoção dessa tecnologia. É notório que ao longo dos últimos anos o uso de técnicas de melhoramento genético (touros provados, inseminação artificial, transferência de embrião e fertilização in vitro) cresceu muito no País. Note-se, portanto, que há forte sinergia entre a produção de grãos e a pecuária bovina. Afora as vantagens tecnológicas, a diluição de risco decorrente da diversificação configura outro ganho do sistema de integração. O sistema agrícola brasileiro dependeu e continuará dependendo pesadamente de seu sistema de pesquisa. O sistema de pesquisa federal, liderado pela Embrapa, desenvolve pesquisas em todo País, englobando diferentes condições edafo-climáticas e distintos produtos. Há, ainda, um conjunto de centros de pesquisas estaduais, notadamente no Estado de São Paulo, que desenvolvem tecnologia adaptada às condições locais. Além disso, diversas associações privadas foram criadas por produtores rurais a fim de desenvolver pesquisa nas áreas de nutrição de plantas e de seu melhoramento genético. Existe amplo nú-

(2) O sistema de plantio direto foi inicialmente desenvolvido por

agricultores paranaenses em meados dos anos 70. Após essas experiências iniciais a tecnologia de plantio direto foi sendo desenvolvida, disseminada e adotada na região do cerrado. (3) Brandão et alii (2005), Crescimento agrícola no período 19992004, explosão da área plantada com soja e meio-ambiente no Brasil. Texto para discussão 1062, IPEA/DIMAC.

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mero de empresas privadas que adapta e desenvolve material genético, novos equipamentos e técnicas de pulverização e mecanização, nutrição de plantas etc. A maior parte das multinacionais produtoras de insumos tem longa tradição no País. No decorrer das últimas décadas, diversas escolas de engenharia agronômica e florestal, medicina veterinária, zootecnia e biologia foram criadas, multiplicando consideravelmente o número de profissionais em ciências agrárias. Número igualmente significativo de programas de pós-graduação foi fundado, elevando a qualidade dos profissionais que atuam na área. Atualmente, o Ministério da Educação requer que as universidades mantenham em seus quadros professores e pesquisadores com um mínimo padrão de formação. A maior parte das universidades públicas, e parcela crescente das privadas, em seus quadros têm profissionais com mestrado e doutorado. Parte desses profissionais obteve sua pós-graduação em instituições internacionais, elevando o padrão de conhecimento do País. Os profissionais de ciências agrárias atuam em empresas privadas de insumos, nos centros de pesquisas, públicos e privados, nas empresas agrícolas, nas cooperativas, em empresas de consultoria etc. É interessante notar que as propriedades mais modernas contam com consultoria especializada nas diversas etapas do processo produtivo: nutrição, pulverização e mecanização, caracterizando forte especialização do conhecimento, o que acaba por elevar a produtividade do sistema. É importante mencionar que todas as empresas de insumos possuem em seus quadros um corpo de profissionais para aplicar e disseminar tecnologia. No passado, esse processo foi essencialmente feito pelo Estado, mas em decorrência tanto do crescimento do setor, quanto da crise fiscal dos anos 80 e 90, as empresas privadas assumiram a liderança na disseminação do conhecimento como uma estratégia de marketing. Atualmente, muitos encontros tecnológicos são organizados pelas empresas privadas e cooperativas. A inovação é o elemento central do agronegócio brasileiro. Dadas as especificidades do meio ambiente não há como garantir a continuidade do desenvolvimento do agronegócio sem um fluxo permanente de inovação. É necessário, portanto, assegurar um marco institucional que garanta e estimule o processo de geração e incorporação de novas tecnologias, que permitam às empresas produtoras de insumos agropecuários poderem seguir expandindo, ganhando dimensão e escala internacional. É fundamental que o País se consolide como grande exportador de tecnologia agropecuária, o que inclui todos os segmentos produtores de insumos: biotecnologia, agroquímica, máquinas e equipamentos, equipamentos industriais, genética de plantas e animal. IV. Principais riscos e desafios da agropecuária brasileira A despeito de diversas características positivas da agricultura brasileira, é forçoso reconhecer que o sistema produtivo convive com um conjunto não desprezível de elementos de risco. Destacam-se os riscos de produtividade, de preços dos produtos, de preços dos insumos, de volatilidade da taxa de câmbio, risco sanitário, de riscos institucionais, de volatilidade na oferta de crédito privado e ambientais. A manutenção da trajetória de

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sucesso da agricultura brasileira passa pela organização de um conjunto consistente de políticas públicas que busquem mitigar cada um dos elementos de risco supracitados. IV.1. Risco de produtividade O risco de redução de produtividade por razões climáticas ou biológicas é intrínseco à produção agrícola. D i v e r s a s re g i õ e s d o País padecem de clima instável. Em decorrência, o risco da atividade agrícola é relativamente elevado, o que requer algum tipo de proteção. Por essa razão, diversos países, inclusive o Brasil, procuraram desenvolver sistemas de seg u ro , q u e p e r m i t a m manter a estabilidade do setor produtivo ao assegurar uma proteção à quebra de safra. As experiências internacionais sugerem que a participação do setor público no mercado de seguro agrícola é quase indispensável. Entretanto, não existe no Brasil um sistema de seguro agrícola compatível com as necessidades do País. No mundo todo o seguro agrícola conta com participação do Estado. Ocorre que o setor privado tem dificuldades em entrar no seguro agrícola por três razões principais: 1) é difícil precificar o seguro agrícola em decorrência das especificidades e nuances da produção agropecuária; 2) alto custo de administração do seguro; e 3) risco de catástrofe. A despeito das dificuldades, é preciso avançar no desenvolvimento de um moderno sistema de seguro agrícola para garantir maior estabilidade de renda aos produtores, evitando assim as recorrentes crises de endividamento do setor. O governo aprovou recentemente a lei que permite a atuação de resseguradoras nacionais e estrangeiras no País. Outro passo importante será a regulamentação do Fundo de Catástrofe. Assim, faz-se necessário desenvolver alguns elementos para que o risco de produtividade seja mitigado: 1. Criar um fundo de catástrofe; 2. Desenvolver sistema de resseguro;


3. Desenvolver amplo estudo técnico para normatização do seguro agrícola no Brasil; 4. Estimular a adesão ao seguro através de subsídios ao prêmio; 5. Envolver empresas do setor privado a fim de reduzir custos administrativos; 6. Selecionar culturas com maiores problemas (grãos). Divulgação

IV.2. Risco de variação nos preços dos produtos e dos insumos

Sobra ao agricultor a estratégia de diversificação de cultura, que, dependendo do tamanho da propriedade em questão, pode limitar os ganhos em escala decorrentes da especialização. O risco de variação nos preços do produto e dos insumos é especialmente relevante nas regiões de pior logística. Ocorre que, quanto mais distante dos portos, mais alto é o preço dos insumos e mais baixo o do produto. O custo do frete reduz a margem de rentabilidade e, assim, para uma mesma variação no preço do produto e/ou dos insumos, o efeito sobre a rentabilidade será tanto mais severo quanto pior for a logística da região. As sucessivas crises por que passou a agropecuária brasileira que marcaram os anos 90 e 2000 tornou claro que há um grande risco de oscilação dos preços pagos e recebidos pelos agricultores. As oscilações dos preços no mercado internacioNo decorrer das nal (inerente aos ciclos agrícolas) se somaram às últimas décadas, oscilações na taxa de câmbio, que se tornaram frediversas escolas quentes após adoção do regime de câmbio flexível. de engenharia A volatilidade conjunta desses dois vetores de preagronômica e ços impôs à agropecuária brasileira um risco eleflorestal, medicina vado. A continuidade do crescimento do setor reveterinária, quer que sejam desenvolvidos mecanismos de zootecnia e proteção ao risco de preços. Entendemos que é prebiologia foram ciso alinhar os seguintes elementos a fim de tentar criadas, reduzir os riscos de preço da atividade: multiplicando 1. O elemento de defesa de risco mais adequaconsideravelmente do ao uso pelos agricultores é o mercado de o número de opções, pois neste mercado não há ajuste de profissionais em margem; ciências agrárias. 2. É preciso desenvolver e estimular o mercado de opções no Brasil; 3. A Conab tem larga experiência no uso desses instrumentos. O Banco do Brasil vem fazendo uso crescente das opções em suas operações de crédito. É preciso alinhar os diferentes órgãos do governo e, junto ao setor privado, estimular a adoção dessa ferramenta pelos produtores, cooperativas e empresas ligadas ao setor; 4. A expansão do mercado de opções dependerá da redução da taxa básica de juro, posto que os custos atuais dificultam o lançamento de opções por parte do setor privado; 5. Deve ser dado estímulo ao mercado futuro, desenvolvendo linhas de crédito para o financiamento de margens.

A volatilidade nos preços dos produtos agrícolas, bem como dos principais insumos consumidos pelo setor, é uma realidade inerente ao setor agropecuário. A forma de defesa dessa volatilidade encontra-se tradicionalmente associada às operações de mercado futuro e de opções. Fora das economias agrícolas desenvolvidas, como há falta de políticas de garantia de renda ao produtor, as oscilações na oferta internacional de qualquer produto são corrigidas na margem pelo produtor nacional (redução de renda seguida de diminuição de área plantada). Os ajustes na estrutura produtiva são muito mais severos.

IV.3. Risco de variação da taxa de câmbio A partir do final de 1998, a taxa de câmbio brasileira passou a flutuar livremente. A abertura na conta de capital, associada à alta liquidez nos mercados internacionais, sugere que a volatilidade da taxa de câmbio será a regra na economia brasileira. A integração ao mercado internacional por parte da agricultura brasileira faz com que todo sistema de preços no País tenha como referência básica a taxa de câmbio. As mudanças na taxa de câmbio foram expressivas, expli-

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cando boa parte da expansão e da crise na última década no País. Frente a este risco, o agricultor só tem duas alternativas: travar a taxa no mercado futuro ou transferir o risco para uma empresa (esmagadora ou trading). IV.4. Volatilidade na oferta de crédito privado e as limitações do Sistema Nacional de Crédito Rural (4) Após uma rodada de medidas emergenciais para elevar a disponibilidade de crédito para o produtor rural, num momento de restrição frente à crise mundial e viabilizar a safra 2008/09, o Plano Safra 2009/10 apresentou desde seu início maior quantidade de recursos voltados a atender a necessidade de financiamento do setor. Porém, mesmo sendo superior a quantidade disponibilizada, esses recursos foram suficientes para atender a demanda do setor? Em outras palavras, o modo com que o programa de crédito rural está estruturado atende as necessidades dos produtores rurais? Procuramos nessa parte do texto discutir alguns pontos pertinentes ao financiamento do setor agropecuário brasileiro. A disponibilização de recursos oficiais para o setor vem crescendo ano a ano. De 2005 para cá, o aumento foi de 90%, sendo que entre 2008 e 2009 cresceu 38%. Dividido entre recursos destinados à agricultura familiar e à empresarial, esta corresponde a 86% do total disponibilizado no último plano safra (R$ 93 bilhões). O Gráfico 5 mostra a evolução anual desses recursos. Dentro da estrutura do crédito oficial, o montante voltado para a agricultura empresarial – ou comercial como foi referida no último Plano de Safra – foi dividido em três linhas de financiamento: Custeio e Comercialização (a juros livres e controlados), Investimento e Linhas Especiais, conforme esclarece o Gráfico 6. Os volumes supracitados são significativos e seriam suficientes para financiar parcela representativa da agricultura brasileira. Não obstante, o sistema vem sendo fortemente limitado por duas características essenciais. Em primeiro lugar, existe um estoque de dívida elevado, que impede que muitos produtores não tenham acesso à linha de crédito oficial, uma vez que estão inadimplentes (em alguns casos há muitos anos). O segundo elemento de limitação diz respeito ao mon-

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tante de capital que é possível ser tomado por CPF ou CNPJ. Em se tratando de capital para girar a safra, é o crédito para custeio a principal fonte oficial disponível ao produtor. Desse total, cada produtor está apto a tomar empréstimos dentro de certo limite estipulado, de acordo com a cultura em questão, conforme esclarece a Tabela 1. Os limites do Sistema Nacional de Crédito Rural tornam-se evidentes para aqueles grupos que operam em larga escala. Ora,

(4) Agradecemos a contribuição dada pelo professor Guilherme Leite da Silva Dias para a elaboração deste tema.


para a maior parte das culturas, os limites atuais permitem o plantio de área de no máximo 400 a 500 hectares, como é o caso da soja, uma das lavouras de mais baixo custo operacional. Assim, dado que o limite de empréstimo é fixo para todos independentemente do modelo do produtor em que a propriedade está inserida, acaba sendo mais favorável para aqueles que possuem menor área cultivada, estrutura característica da região Sul do País, do que àqueles que produzem em grandes extensões, escala produtiva típica da região Centro-Oeste. Em números gerais, estima-se que cerca de um terço do financiamento do produtor rural ocorra através do crédito oficial, e que o restante fica a cargo do crédito próprio, tradings, empresas de insumos, bancos privados e fundos de investimento, parcela essa que vem crescendo nas últimas safras. Entre os anos as participações podem mudar como ocorreu na safra 2008/09 quando a época da instalação da safra coincidiu com o estouro da crise de liquidez mundial, mas o fato é que é grande a dependência de fontes não oficiais de financiamento para viabilizar uma safra brasileira. Grande também é a dívida agrícola. Iniciada geralmente a partir de financiamento para custeio e investimentos, as sucessivas crises pelas quais o agronegócio passou (sendo a de 2005 a pior, principalmente no Centro-Oeste) dificultam bastante qualquer ação voltada para elevar o ingresso de dinheiro novo no setor. As fontes privadas de financiamento, ao verem a situação da dívida e a ausência de informação em relação aos ativos que foram dados como garantia em empréstimos anteriores, classificam o produtor como de alto risco, cobrando elevadas taxas de empréstimos e, quando há alguma crise no campo, acabam por sofrer os efeitos da própria taxa cobrada, pois aumenta o índice de inadimplência. Nesta última crise, aliás, muitos agentes privados perceberam que não adianta cobrar taxas exorbitantes, pois os produtores partem para a estratégia da inadimplência, o que resulta em longos processos judiciais para a recuperação dos ativos, que nem sempre trazem a mesma remuneração esperada no começo da operação. Além de não resolver o problema da dí-

vida completamente, é estancado o processo de entrada de novos recursos privados no setor, pois os financiadores preferem aplicar os recursos disponíveis em mercados mais estruturados, e quando decidem investir novamente no setor, procuram selecionar os melhores pagadores. Embora ainda seja bastante impreciso esse processo de seleção, dada a falta de informação, o resultado é que o ingresso de capital se reduz. A solução dessa questão passa em parte pela reorganização da estrutura tributária do produtor rural e do setor agrícola como um todo. Criar um ambiente transparente para as empresas agropecuárias é essencial, dada a elevada quantidade de contratos que existem ao longo da cadeia produtiva do agronegócio, que começam na aquisição dos insumos e seguem até a fase final de comercialização. Algumas propostas estão em discussão e entre elas a ideia do Simples Rural tem ganho força. Nesse caso, o produtor rural passaria de pessoa física para jurídica e aderiria ao pagamento de uma única alíquota de imposto, que agrega todas as existentes, aumentando indiretamente a organização do processo financeiro das empresas agrícolas. Além disso, a criação conjunta de um cadastro positivo e de uma central de riscos que agregaria as informações de todos os produtores agrícolas que tenham algum tipo de financiamento facilitaria o processo de empréstimo, reduziria o risco de inadimplência dos bancos e do setor privado e consequentemente viabilizaria crédito, não só em maior quantidade, quanto à menor taxa de juros. Por parte dos produtores, embora já haja aqueles que concordam com a criação do Simples Rural, a "pejotização" é vista como elemento de risco na medida em que se poderia imaginar, dada a história recente da evolução dos impostos no Brasil, que os tributos seriam aumentados conforme a base de arrecadação estiver estruturada pelo Governo. Em outras palavras, com o tempo o Simples Rural poderia ser abandonado e a trajetória de elevação dos impostos penalizaria os agricultores. Outro elemento de limitação da aceitação do Simples Rural diz respeito ao acesso ao crédito rural oficial, uma vez que é prática comum a tomada de financiamentos por mais de uma

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pessoa física dentro da mesma família, por meio de pedidos por CPF´s diferentes para conseguir maior recurso do crédito oficial a taxas de juros inferiores àquelas praticadas no livre mercado, uma vez que geralmente o limite liberado por produtor fica aquém do solicitado. A pessoa jurídica permitiria um único financiamento por empresa agrícola. No Governo, a discussão do Simples Rural e a revisão da estrutura tributária geram polêmica. Para que a proposta do Simples Rural siga adiante, é necessário que se tenha uma carga tributária inferior ao pago pelo produtor na pessoa física. Esse item não é dos mais simples a ser definido, pois possui ampla interface com a Receita Federal e fortes empenhos, tanto na esfera jurídica quanto na política, são necessários para efetivar essa categoria de contribuição com sucesso. É preciso contrapor os riscos da mudança de política tributária aos benefícios advindos dessa mudança. É certo que o Sistema de Crédito Rural está saturado e a alternativa da transformação da atividade agrícola em pessoa jurídica, se por um lado há redução da flexibilidade, de outra parte eleva o ganho em decorrência do acesso ao crédito privado. Entre as propostas para a criação do Simples Rural que estão em discussão, a principal diz respeito ao PIS/COFINS. A ideia inicial proposta seria o Governo eliminar esse tributo federal, pois se espera que ao abrir mão dessa arrecadação, o volume levantado com o processo de formalização das empresas rurais, através da oficialização do trabalho e contribuição previdenciária, mais que compensaria a arrecadação perdida com a eliminação dos PIS/COFINS. Soma-se a isso, o fato de que os efeitos dessa medida seriam também estendidos para toda a cadeia do agronegócio, visto que a informalidade ocorre em todos os elos, resultando em um processo global de elevação da arrecadação. Muitos empreendimentos agrícolas já se organizam na forma de pessoa jurídica, alguns dos quais sob a forma de empresas abertas, sendo claro que essas empresas têm mais acesso ao crédito. Porém, somente a formalização do setor não é suficiente para organizar o ambiente institucional. É preciso também abordar a renegociação e regularização da dívida rural para que haja consistência no projeto do Simples Rural. Logo, com a criação da pessoa jurídica e da Central de Riscos, que teria o cadastro de todos os produtores, as empresas teriam certo período para colocar suas contas em ordem, e a partir de certa data, somente empresas que estejam organizadas sob essa nova ordem tributária, e pertencentes ao cadastro único dessa central, teriam acesso ao crédito rural. A questão da transição não é, entretanto, trivial. Na proposta de reformulação da política de crédito rural, a atuação do Governo seria através do Fundo de Alavancagem, que é um fundo constituído para dar parte do suporte financeiro necessário para as carteiras de crédito dos bancos. Logo, a formação e a responsabilidade pelas carteiras de clientes ficaria a cargo dos bancos, tradings, cooperativas de crédito e agentes do setor, que junto com o capital próprio do produtor, continua compondo cerca de dois terços do necessário para financiamento para custeio e comercialização. A diferença é que a liberação do dinheiro, ou parte dele, pelo Fundo de Alavancagem levaria em conta o risco da carteira apresentada pelo

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banco, sendo uma opção para evitar novas crises da dívida. O fato marcante da atual agricultura brasileira é que não há aporte novo de capital no setor devido à dívida e à falta de transparência que existe no setor, mas não se resolve essas questões porque o setor não cresce devido à falta de capital para investimento e pela limitação da estrutura tributária incidente na empresa rural. Essa dicotomia deve ser encarada, e de frente, para permitir a continuidade do crescimento do agronegócio brasileiro. Caso contrário, continuará estagnado, pois quem não quer correr risco, tomando crédito de bancos e fundos de investimento que cobram altas taxas de juros, fica ancorado no capital próprio e no que existe de financiamento oficial, e acaba limitado pela escassez de recursos. É crescente a participação do setor privado no financiamento da agropecuária brasileira. Nos últimos dez anos foram criados mecanismos financeiros bastante modernos e adequados ao financiamento privado. Entretanto, o alto custo imposto pelas taxas de juros existentes no País faz com que a adoção desses papéis seja diminuta. A redução da taxa básica de juro permitirá que o mercado privado se desenvolva e garanta parcela significativa do financiamento agrícola. Assim, julgamos interessante desenvolver os seguintes elementos no que diz respeito ao crédito à agropecuária brasileira: 1. Promover ajuste fiscal como forma de reduzir a taxa básica de juro; 2. Estimular e divulgar os mecanismos de financiamento da agricultura; 3. Estimular o Banco do Brasil a divulgar os mecanismos de financiamento; 4. Estimular a adesão dos produtores ao regime de pessoa jurídica; 5. Para tanto, é interessante desenvolver um modelo tributário como o Simples Agrícola; 6. É preciso desenvolver uma "Central de Riscos" que permitiria criar um cadastro positivo dos produtores. IV.5. Risco sanitário O aumento no tamanho do agronegócio brasileiro elevará o risco sanitário envolvido na produção. Além disso, a expansão do comércio internacional traz consigo o risco de contaminação com doenças existentes no exterior. Em outras palavras, a probabilidade de problemas sanitários se eleva conforme a integração internacional aumenta. O Brasil tem um histórico recente relacionado à sanidade animal que não pode ser esquecido quando se trata de políticas futuras para geração de divisas do setor agropecuário, dado o aprendizado que ficou de episódios de negociações mal conduzidas e de falhas no sistema de vigilância sanitária do rebanho bovino. Com o crescimento da participação do Brasil no comércio mundial de carne bovina, ocorreu um aumento das pressões protecionistas dos países importadores da carne brasileira, principalmente aqueles que também são produtores. Neste sentido, a implantação de um sistema de controle sanitário e de rastreabilidade eficiente e que atenda às necessidades dos diversos mercados consumidores é essencial para que o País con-


Paulo Liebert/AE

Com o crescimento da participação do Brasil no comércio mundial de carne bovina, ocorreu um aumento das pressões protecionistas dos países importadores, principalmente aqueles que são produtores.

tinue disputando os melhores nichos de mercado, além de ampliar sua representatividade global e a capacidade de geração de receita para todo o setor de pecuária. Após o aumento dos surtos do mal da vaca louca (BSE - Encefalopatia Espongiforme Bovina), na década de 90, em diversos países europeus, foi criado um sistema de controle em que os animais são identificados individualmente, logo após o nascimento, sendo acompanhados até o abate. Controla-se todo o processo produtivo, dieta, condições de criação, movimentação de animais, medicamentos utilizados etc. Como na Europa as propriedades são pequenas, apesar de numerosas, e os rebanhos por propriedade são menores, a identificação individual dos animais foi possível de ser implementada. Este criterioso modelo de rastreabilidade foi estabelecido em função do risco associado ao mal da vaca louca, enfermidade que ocorre em rebanhos alimentados exclusivamente à base de ração. Apesar de a região Sul brasileira depender de alimentação suplementar no inverno, dada a ausência de pastagens adequadas, devido à rigorosa época de seca, e os confinamentos terem crescido nos últimos anos como estratégia de abastecimento dos frigoríficos na entressafra, a maior parte do sistema de produção no Brasil é a pasto durante o ano todo, sendo a dieta a base de capim, o que torna o rebanho brasileiro livre do mal da vaca louca. Apesar de livre desta enfermidade, o Brasil ainda não conseguiu erradicar a febre aftosa, embora tenha diminuído de 589 casos em 1995 para nenhum caso em 2002. Em 2004 foram registrados 5 focos e, em 2005, 34 focos. A partir de outubro de 2005, o Brasil sofreu embargos de inúmeros mercados externos imediatamente após a notificação à Organização Internacional de Epizootias (OIE) dos focos de aftosa relatados no Mato Grosso do Sul e Paraná. Além desses dois Estados, São Paulo também sofreu embargo total por fazer fronteira com os Estados onde foram descobertos os focos, mesmo não tendo sido relatado nenhum caso em território paulista há uma dé-

cada. A carne suína também foi embargada por muitos países, inclusive pela Rússia, principal cliente do produto brasileiro, que reduziu em 22,5% o volume importado de carne suína do Brasil em 2006, contribuindo para uma queda de 12% no total exportado pelo País naquele ano. Outro mercado que se fechou para a carne suína no final de 2005, e que até hoje ainda não se abriu, é a África do Sul, para onde o País enviou quase 18 mil toneladas em 2005. Dada a escala comercial que o Brasil desenvolveu ao longo dos anos, esses embargos foram bastante nocivos ao setor, pois os bloqueios dos mercados compradores mais exigentes foram acompanhados da mesma atitude por muitos outros países compradores, em tese menos exigentes. Naquela ocasião, apesar de os grandes frigoríficos terem sido menos prejudicados (pois conseguiram realocar a produção dos Estados bloqueados para outros destinos, principalmente o mercado interno, enquanto a produção dos Estados não embargados alimentou o restante da demanda externa) os produtores sofreram diretamente as consequências, uma vez que houve retração imediata no preço da arroba do boi gordo diante do menor interesse de compras por parte dos frigoríficos. As mais relevantes reduções da quantidade exportada de carne in natura entre janeiro e setembro de 2006 e em relação ao igual período de 2005 (que precedeu os embargos), ocorreram no Chile (-96,2%), na Rússia (-20,5%) e na União Europeia (-5,4%). Após o surto da vaca louca na Europa, com a consequente criação do sistema europeu de rastreabilidade, foi pedido ao Brasil o estabelecimento de um processo similar, de modo a garantir a origem do produto destinado ao bloco. Em 2002, foi criado o Serviço de Rastreabilidade de Bovinos (Sisbov), com um ambicioso projeto de identificação individual de animais e controle da produção ao abate, para a carne destinada àquele mercado. Na prática, o Sisbov nunca funcionou em perfeita conformidade, dadas as dificuldades de manejo, despreparo e/ou má fé de algumas certificadoras e produtores, além dos elevados

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custos e baixos prêmios para se produzir o boi rastreado. Divercipalmente devido ao risco de sanidade (febre aftosa), à desasas missões técnicas europeias de auditoria visitaram estabelecreditada rastreabilidade e/ou por questões protecionistas. cimentos frigoríficos, fazendas e certificadoras desde sua criaPortanto, apesar do aumento expressivo das exportações de ção, sempre seguidas de relatórios negativos e com sugestões de carne bovina nos últimos anos, o setor tem enfrentado enorme diaprimoramento. Com o tempo, o tom dos relatórios foi pioranficuldade em garantir a rastreabilidade e sanidade do rebanho do e ameaças de embargo sendo sinalizadas, enquanto o País nacional. É tendência mundial a preocupação do consumidor fimanteve a postura de negociar com promessas de reparos ao nal com a origem dos alimentos e o rigor tem aumentado cada vez sistema, que permaneceu sem total credibilidade por parte desmais nos mercados consumidores externos. Segundo a Associases compradores. Depois de ter anunciado embargo total à carção Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne ne in natura procedente do Brasil, em 31 de janeiro de 2008, a Suína (Abipecs), caso o País conseguisse erradicar a febre aftosa, o União Europeia reabriu seu mercado um mês após ficar totalaumento potencial das exportações somente de carne suína seria mente fechado, porém o bloco definiu um critério bastante ride 1 milhão de toneladas, o equivalente a dez vezes o ganho pogoroso de autorização individual de fazendas, que por sua vez tencial que o Brasil pleiteou na Rodada Doha. são auditadas pelo Ministério da Agricultura brasileiro. O Brasil é hoje o maior exportador mundial de carne vermelha Como as exigências de controle da produção são de difícil e de carne de frango. A inserção internacional do País requer que execução e os prêmios pagos pelo animal com destino à Euroos seus padrões sanitários sejam compatíveis àqueles dos países pa são insuficientes, houve pouco estímulo aos produtores e desenvolvidos. É preciso construir um sistema moderno e efienorme dificuldade operacional nas auditorias, com falta de ciente de vigilância sanitária. O tema "defesa sanitária" deve ser pessoal e demora nas checagens individuais eleito como prioritário no novo governo. nas fazendas. Com isso, a lista das propriedaNesse sentido, julgamos relevantes os seApesar do des autorizadas dois anos após o embargo soguintes aspectos: mou pouco mais de 1.800 fazendas, ante cerca 1. É preciso resgatar o orçamento da defesa aumento expressivo de dez mil propriedades aptas até 2007. sanitária; das exportações de Em janeiro de 2008, a União Europeia era 2. É preciso renovar o quadro de técnicos da carne bovina nos responsável por 59% do total de carne fresca vigilância sanitária, ampliá-lo e capacitá-lo de últimos anos, o setor exportado pelo Brasil. Já em 2009, em média, moderna tecnologia; tem enfrentado esse percentual foi de apenas 23%. Como esse 3. É preciso desenvolver um trabalho conproduto é o mais caro dentre os que o setor exjunto com as vigilâncias sanitárias estaduais, a enorme dificuldade porta, essa perda implicou em forte redução de fim de maximizar os resultados das estruturas em garantir a receita às empresas exportadoras, e em retraexistentes; rastreabilidade e ção no preço médio das exportações. 4. É preciso envolver o setor privado no consanidade do A OIE devolveu somente em julho de 2008 o trole. Diversas entidades, associações de classes e rebanho nacional. status de livre de febre aftosa, com vacinação de criadores etc, contam com estrutura que pode para o Estado do Mato Grosso do Sul, devido à auxiliar no controle e combate às doenças; notificação dos casos em setembro de 2005, o 5. É preciso desenvolver um trabalho de harque implicou em praticamente três anos de prejuízos econômimonização dos sistemas de vigilância do Brasil com os demais cos para aquele importante Estado produtor. Os demais Estapaíses da região. dos que também tiveram status suspenso – São Paulo, Paraná, Mais especificamente, seria relevante à pecuária nacional: Goiás, Mato Grosso, Distrito Federal, Minas Gerais, Tocantins, 1. Erradicar a febre aftosa sem distinção de região. Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Sergipe – recuperaram o 2. Priorizar a erradicação e controle de zoonoses: tubercustatus de livre com vacinação um pouco antes. Acre, Rio Grande lose, raiva, brucelose, clostidiose. do Sul, Rondônia e o Sul Paraense também são áreas livres de 3. É preciso desenvolver a educação sanitária dos produtores. febre aftosa com vacinação, e apenas Santa Catarina tem o me4. O Programa Nacional de Controle de Resíduos deve ser lhor status, o de livre da doença sem vacinação. objeto de priorização. O fato de alguns Estados, como Mato Grosso, Mato Grosso 5. É preciso dotar o País com laboratórios com nível adequado Sul e Paraná fazerem divisa com países onde o controle é do de biossegurança; precário, torna o objetivo da erradicação definitiva da doença 6. É fundamental ter representantes permanentes em orgauma tarefa difícil. O Brasil evoluiu bastante na vacinação prenismos técnicos, como OIE e CODEX. ventiva à febre aftosa nos últimos anos, porém, a falta de re7. No caso de aves, é fundamental a prevenção à Influenza cursos do governo e a precária vigilância das fronteiras ainda Aviária, bem como a continuidade do controle das doenças de mantêm o País em condição de risco de ressurgência do vírus. New Castle e Marek, principalmente. Apesar do crivo da OIE para as áreas livres da febre aftosa, há 8. No caso de aves e suínos, a regionalização é fundamental países que não reconhecem tal classificação (caso da China) e para a segurança sanitária. outros que exigem que todo território seja livre de aftosa sem A garantia de uma agricultura de qualidade requer práticas vacinação. O Brasil não acessa alguns mercados consumidores produtivas que assegurem ao produto final um padrão elevado, externos de grande relevância, caso dos Estados Unidos, Jacompatível com os níveis de exigências das economias desenvolpão, Canadá, México e Coreia do Sul e a própria China, prin vidas. Para tanto, faz-se necessário que os produtos apresentem

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Rivaldo Gomes/Folha Imagem

Outro elemento de incerteza refere-se às leis ambientais que foram criadas nas últimas décadas. A nova legislação trouxe grandes incertezas quanto a adequação das propriedades agrícolas ao novo Código Florestal.

rastreabilidade (ou seja, procedência) e que um sistema de certificação garanta que o alimento atenda aos padrões de qualidade exigidos pelo consumidor. Assim, torna-se fundamental: 1. Estimular a adoção voluntária de certificação. 2. Organizar e divulgar aos produtores os diferentes sistemas de certificação. 3. Exigir rastreabilidade em produtos de maior risco sanitário. IV. 6. Riscos institucionais: titulação das propriedades e legislação ambiental São grandes os riscos institucionais na agricultura brasileira. Elemento de incerteza relevante diz respeito à precária titulação em parcela significativa do País. O investimento no setor agrícola requer a garantia de posse da propriedade. Esse fato representa uma séria barreira ao investimento privado na agricultura. Nesse sentido, torna-se fundamental regularizar a titulação de todas as propriedades brasileiras. Para tanto, faz-se necessário unificar os cadastros estaduais e federais no que diz respeito à titulação das propriedades, estabelecendo um cadastro único de terras. Existem ainda outras ameaças que geram incertezas, especialmente a contínua demanda de novas áreas para entrega a populações indígenas e quilombolas, geralmente baseadas em esparsa evidência. Mais recentemente, a legalização de fato das invasões de terras contidas na proposta da Política de Direitos Humanos coloca-se como a última das ameaças ao direito de propriedade. Outro elemento de incerteza refere-se às leis ambientais que foram criadas nas últimas décadas. A nova legislação trouxe grandes incertezas quanto a adequação das propriedades agrícolas ao novo Código Florestal. A questão central reside nos direitos adquiridos, uma vez que boa parte da área plan-

tada no Brasil seguiu os princípios da antiga legislação. Regiões produtoras consolidadas, como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais, que dependem da agricultura de pequena escala e que, no mais das vezes, são conduzidas em áreas de relevo ondulado a fortemente ondulado, deveriam interromper o ciclo de produção à luz da nova legislação ambiental, o que acarretaria danos econômicos e sociais não desprezíveis. Ademais, há grande discricionariedade na questão ambiental quando se considera que tanto os órgãos ambientais federais, quanto os estaduais e municipais, acabam por interferir na produção agrícola. Há exemplos de municípios que criaram leis limitando a área plantada de cana-de-açúcar, por exemplo, o que gera uma questão relevante quanto à escolha dos eleitos que estariam autorizados a plantar essa cultura. Nota-se, portanto, que há grande confusão nas questões ambientais, o que acaba por gerar um passivo não desprezível para a agricultura brasileira. É realmente difícil ao consumidor perceber que o alimento que chega à sua mesa é resultado da combinação entre água, solo, nutrientes orgânicos e minerais, sol e derivados de petróleo. Mas essa dificuldade não deveria ser comum a quem formula, tanto a política agrícola, como a ambiental. Algumas discussões, embates e entraves que paralisam investimentos ou penalizam alguns setores produtores da sociedade poderiam e deveriam ser evitados, por meio da integração das pautas do setor agropecuário e de defesa ambiental. Muitas vezes, a descentralização dos debates e o conteúdo político velado nas propostas, acabam por causar prejuízos à imagem de um dos países que possui a maior disponibilidade de recursos naturais para promover a expansão da produção de alimentos, sem provocar graves decréscimos ao meio ambiente. A evolução da produção agrícola no País mostra que os ganhos de produtividade alcançados nos últimos 30 anos são um fenômeno que poucas nações do mundo experimenta-

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Henry Milleo/Gazeta do Povo

Há uma mobilização mundial a respeito dos problemas ambientais, especialmente mudanças climáticas.

ram. Entre 1980 e 2009, a produção de grãos cresceu 176%, enquanto a área plantada com estas culturas cresceu 19%, de acordo com dados históricos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O aumento da produtividade agrícola, fruto do investimento em pesquisas, aumento do uso de novas tecnologias e da profissionalização do setor, é mais do que uma prova que há a possibilidade de expansão agrícola paralela ao uso sustentável dos recursos naturais. A pauta das discussões ambientais que envolvem diretamente a produção agrícola é grande e muitas delas serão debatidas em 2010, como as modificações no Código Florestal, o Zoneamento-ecológico-econômico da Amazônia e a exploração dos recursos hídricos. O Código Florestal brasileiro foi instituído em 1965. Em 2009, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Especial para analisar propostas de alteração do Código (Projeto PL 6424/05). Algumas organizações da sociedade brasileira classificaram as propostas como um ataque à legislação ambiental. Outras, como um avanço, já que o primeiro código foi instituído, segundo elas, sem nenhum critério científico e com abrangência em todo território nacional. A aprovação ou não das alterações no Código Florestal de-

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verão ter fortes repercussões, principalmente na comunidade internacional, já que há uma mobilização mundial a respeito dos problemas ambientais, especialmente com relação às mudanças climáticas. Talvez esta seja a questão mais importante a ser discutida neste ano, já que seus resultados podem interferir nas relações comerciais do Brasil com seus parceiros. (5) Isto porque, uma forma usual de estabelecer restrições ao comércio internacional de commodities tem sido as alegações quanto os impactos ambientais causados pela produção destes bens. Um exemplo disso foi a discussão gerada pela expansão da produção de etanol de cana-de-açúcar. O etanol brasileiro, um dos combustíveis mais eficientes no balanço energético da produção, foi apedrejado por indagações a respeito de sua relação com o desmatamento por países que pretendiam proteger seus mercados de um combustível verde e competitivo. Ainda falta a consciência nos formuladores das políticas ambientais e agropecuárias de que a continuidade do descompasso na resolução destas questões abre precedentes para que o País sofra embargos que afetam ambos os setores. Na área de comércio internacional (6), várias exigências vêm aumentando, incluindo, por exemplo, questões trabalhistas, sanitárias e ambientais. Muitas vezes são utilizadas como mecanismos inaceitáveis de proteção e barreiras ao comércio. Temos que separar o que é razoável daquilo que é maliciosamente utilizado. As autoridades do Itamaraty têm um papel fundamental neste quesito. Uma grande discussão que permeia a sociedade, e é de fundamental importância para o estabelecimento de diversas diretrizes, como o próprio Código Florestal ou o zoneamento da Amazônia, reside na estimação do volume real de terras disponíveis para o uso agrícola. Um estudo publicado por pesquisadores da Embrapa avaliou e estimou as terras legalmente disponíveis para atividades agrícolas intensivas e outras formas de uso (urbanização, sistemas energético-mineradores, industriais e de infra-estrutura) (7) . De acordo com o estudo, aproximadamente 70% do território está legalmente destinado a minorias, à proteção e preservação ambiental ou indisponível para uso e ocupação intensivos, dada a existência de outros mecanismos, restrições e condicionamentos ambientais (planos diretores, conselhos, planos de manejo, comitês gestores etc). Em resumo, descontando-se toda a região sob unidades de conservação, terras indígenas, áreas de preservação permanente e áreas de reserva legal, o estudo chegou à conclusão que existe uma área disponível correspondente a 29% do Brasil, o equivalente a 245 milhões de hectares. Pela conclusão do estudo, e consideradas todas as demandas de ambientalistas, índios, quilombolas, agricultores e do Incra, para reforma agrária, não haveria terra suficiente no País. O estudo, criticado em parte por sua metodologia, apresen-

(5) e (6) Não tratamos de política comercial externa não por

julgá-la sem importância, mas porque optamos em focar áreas em que há novas informações. (7) Esse estudo pode ser consultado em http://www.alcance.cnpm.embrapa.br/index.htm.


ta uma utilidade indiscutível: mostra o nível de complexidade cola e a produção pecuária também desempenham um papel ímpar que existe em se atender de forma plena as questões ammitigador de gases de efeito estufa. bientais e sociais e a necessidade de produção de alimentos no Um artigo apresentado pelo Embrapa Meio Ambiente (PráPaís. Ele mostra como a legislação ambiental vigente cumpre ticas Agropecuárias e Mitigação das Emissões de Gases de apenas um papel teórico, é ineficaz e colocaria diversos setores Efeito Estufa), mostra que algumas práticas já consolidadas, e da sociedade sob total ilegalidade, como produtores de frutas outras de grande potencial de implantação, contribuem para a nas margens do Rio São Francisco, produtores de leite em Mimitigação de gases desse efeito, principalmente o CO2. Entre nas Gerais, a população ribeirinha no Acre e no Pará, arroz no elas estão a fixação biológica do nitrogênio, a redução da queiRio Grande do Sul, produtores de café em São Paulo, Minas mada de cana-de-açúcar, o uso de resíduos vegetais como bioGerais e Espírito Santo, entre outros casos. combustíveis, a recuperação de áreas de floresta, a integração No que concerne à reserva legal, parece bastante razoável a lavoura-pecuária, o rotacionamento de pastagens, o plantio proposta de se aceitar nas regiões antigas as áreas de preservadireto e cultivo mínimo, a melhoria da nutrição animal. ção das matas ciliares como parte integrante da reserva legal. Na área agroindustrial, também o progresso tecnológico Outra questão que deixa clara a dissonância entre os diproduz, a cada dia, novas formas mais eficientes de produção. versos departamentos governamentais, reside no fato que Exemplo disso, são novos modelos de usinas de produção de os inúmeros projetos desenhados pelos diversos órgãos goaçúcar e álcool que, além de reduzir o uso de água, recuperam vernamentais não possuem o alinhamento necessário quana água utilizada e produzem biofertilizantes. to à política de conservação. No início de O alinhamento das questões ambientais e da 2009, um documento examinado pelo jornal continuidade do crescimento da produção agríO Globo revelou, em um artigo publicado em cola passa por um modelo único, que trate não A legislação 23 de março, que o desmatamento nos assensomente de punições, mas também de compenambiental vigente tamentos do INCRA, no Mato Grosso, era sações, como a definição e normatização do me18% superior ao apresentado nas autuações canismo de Pagamento por Serviços Ambiencumpre apenas um sofridas pela entidade. O Ibama descobriu tais (PSA). Essa ferramenta estabelece o ressarpapel teórico, é que o desmatamento foi de 330.290 hectares cimento aos produtores em relação a áreas preineficaz e colocaria da Floresta Amazônica, 57.890 hectares a servadas. Este seria, por exemplo, um primeiro diversos setores da mais que o calculado antes. passo em direção à convergência de políticas no sociedade sob total Segundo o Ibama, os assentamentos desPaís. Expostas estas questões a respeito dos rismataram sem autorização de órgãos ambiencos institucionais no agronegócio, são indicadas ilegalidade, como os tais, impedindo a regeneração de floresta prialgumas propostas para o setor: produtores de frutas mária e não tinham licença ambiental. A au1) a regularização da titulação de todas as nas margens do Rio ditoria apontou que os 330.290 hectares despropriedades brasileiras; São Francisco. matados representaram 59% do total dos sete 2) uma unificação dos cadastros estaduais e assentamentos autuados e identificou outros federais; crimes, como desmatamento e ocupação de 3) o estímulo à pesquisa científica para estaáreas de preservação permanente. Um relatório encomendabelecer novas diretrizes e legislações; do pelo Ministério do Meio Ambiente a uma consultoria ex4) o respeito às diferenças regionais para elaboração das norterna para avaliar a evolução do projeto, indicou, em uma mas de reserva florestal e de preservação; amostragem de 170 assentamentos criados até 2002, que me5) a introdução de inclusão de áreas de mata ciliar e de tade foi erguida em áreas com 50% ou mais de cobertura floproteção de nascentes na reserva legal no Novo Código restal nativa. Depois de cinco anos, 45% deles tinham menos Florestal; de 20% de floresta primária. Outra amostragem, com 207 as6) um maior esforço para dar consistência às legislações musentamentos criados entre 2003 e 2006, revelou a tendência de nicipais, estaduais e federal; e aumento no desmatamento. 7) a exigência do cumprimento da garantia de propriedaO estudo mostra apenas uma característica da complexidade de da terra, em resposta a ocupações realizadas pelo MST, redo problema fundiário no País. Afora os problemas ambientais jeitando todas as propostas (por exemplo, a do Programa Narelacionados aos assentamentos oficiais promovidos pelo INcional de Direitos Humanos) que relativizem o direito de CRA, existem, distribuídas por todo o território, ocupações de propriedade. propriedades por membros de movimentos de reforma agrária, o Movimento dos Sem Terra (MST) e outros, que causam grande IV.7. Desenvolvimento tecnológico e insegurança institucional a investimentos na área agropecuária. instabilidade de regras. Além da necessidade de todo um enquadramento das políticas nacionais para agricultura e meio ambiente, há ainda o A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), enquadramento na conjuntura global de redução das emiscuja finalidade é prestar apoio técnico e assessoramento ao Gosões de carbono, com vistas a minimizar os efeitos do aqueciverno Federal na formulação, atualização e implementação da mento global. Um ponto passa ao largo das discussões agroPolítica Nacional de Biossegurança relativa a Organismos Gepecuário versus meio ambiente: o fato de que a atividade agríneticamente Modificados (OGM), aprovou em 2009 a libera-

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ção comercial de nove variedades de sementes geneticamente variedades transgênicas e não-transgênicas no campo, bem modificadas, sendo três de algodão, cinco de milho e uma de como da possibilidade de riscos em longo prazo derivados do soja. Essas variedades conferem resistência a insetos ou são toconsumo desses produtos e também para o meio ambiente, colerantes a certos tipos de herbicidas, podendo ainda, combinar mo o surgimento de resistência nos insetos. ambas as características simultaneamente, como é o caso do alA lei brasileira exige que alimentos que contenham mais de godão Widestrike, da empresa Dow Agrosciences, que é resis1% de ingredientes de origem transgênica sejam rotulados com tente a insetos e também possui tolerância ao herbicida glufoa letra "T" dentro de um triângulo amarelo, acompanhado da sinato de amônia ou do algodão MON 531 da Monsanto, com frase "transgênico". Os primeiros alimentos rotulados no País resistência a insetos e tolerância ao herbicida glifosato. foram os óleos de soja, no final de 2007, e já há também produtos Data de 1998 o primeiro parecer técnico favorável concedido rotulados derivados de milho. Para a Associação das Indústrias pela CTNBio para um produto transgênico no Brasil, caso da soBrasileiras de Alimentação (ABIA), a rotulagem com o triângulo ja Roundup Ready, da empresa Monsanto, tolerante ao herbiamarelo é exagerada, pois passa a mensagem de "perigo" para o cida glifosato, porém seu plantio em escala comercial somente consumidor devido à associação com o sinal de alerta. Outra foi legalizado em 2003, devido a ações judiciais de ONGs ampreocupação das indústrias é referente às carnes suína e de franbientalistas e de direitos do consumidor contra a empresa. Já a go, maiores consumidores da produção nacional de milho. A lei segunda aprovação no País ocorreu em 2005 para o algodão 531, exige que a carne de animais alimentados com grãos transgêniresistente a insetos, porém o cos também seja rotulada. Paulo Liebert/AE ritmo das autorizações cresDo lado da demanda pelos ceu a partir de 2007. Em janeiprodutos transgênicos, há tero de 2010, o Brasil dispunha mor de que uma eventual dide 19 autorizações, sendo minuição da tolerância à duas de soja, onze de milho e transgenia implique em barseis de algodão. Apesar das reiras comerciais ou até mesonze variedades de milho temo num embargo por parte rem sido aprovadas desde da União Europeia, onde a 2007, o plantio de milho pressão de grupos contra os transgênico em larga escala alimentos transgênicos é basse deu pela primeira vez na tante expressiva. Apesar dissafra 2008/09, e mesmo asso, os europeus são imporsim, somente a Monsanto tetantes importadores tanto de ve sementes disponíveis ao soja quanto de milho, inclusiTransgênicos: o Governo liberou três variedade de algodão. mercado. Ainda assim, a área ve transgênico dos EUA, da ocupada com milho transgêArgentina e do Brasil, para nico representou 9% do total alimentação dos rebanhos e cultivado, segundo a Abramilho, citando dados da consultoria produção de carne local. Diferentemente do Brasil, em que a Céleres. Para a safra 2009/10, estima-se que o percentual de utiCTNBio dá a palavra final, sendo responsável pela avaliação de lização de sementes transgênicas de milho passará de 50% do risco e pelas permissões de plantio e comercialização dos produtotal cultivado. Para a soja, a Céleres estima que o percentual do tos transgênicos, de acordo com a legislação comunitária, a Auproduto transgênico chegue a 71% na safra 2009/10 ante os 65% toridade Europeia para Segurança dos Alimentos (EFSA), uma da safra 2008/09. A adesão ao cultivo da soja transgênica é comissão científica independente, dá seu parecer aos estadosmaior no Rio Grande do Sul, chegando a quase 100%, onde o membros, que podem ou não acatar a decisão. As autorizações problema com plantas daninhas é mais grave. Já no Mato Grosda EFSA para alimentos transgênicos podem ser de três tipos: 1) so, a soja convencional ainda é a mais plantada, devido à falta de para alimentação humana e animal, 2) para importação e procesvariedades adaptadas ao clima do Estado, altos índices de prosamento e 3) para cultivo. Em janeiro de 2010 havia autorização dutividade da soja convencional, mas também devido à estrada Comissão Europeia para o consumo (humano e animal) de tégia de explorar nichos específicos de mercado da Europa. Coquatro variedades de milho transgênico e para importação e conmo tanto os EUA quanto a Argentina produzem principalmensumo de outras oito variedades. No caso da soja, duas variedate a soja transgênica, o mercado para a oleaginosa convencional des estão autorizadas para importação e consumo, além de uma tem sido cada vez mais demandante. variedade de algodão. Há ainda uma autorização para beterraba O menor uso de defensivos, o aumento da produtividade, e (alimentação), três para canola (sendo duas para importação e consequentemente da rentabilidade dos produtores quando processamento e uma para importação, processamento e consuse utiliza tal tecnologia, explica a rápida adoção das sementes mo) além de autorização para importação de uma variedade de modificadas no Brasil. Apesar disso, há um intenso debate moflor. Não há atualmente nenhuma autorização para cultivo de tivado principalmente por ONGs ambientalistas e grupos de variedades transgênicas, embora haja relatos de plantios em consumidores, juntamente com a comunidade técnico-cientíPortugal e principalmente na Espanha. fica acerca da segurança alimentar dos produtos transgênicos, Mesmo com as autorizações da Comissão Europeia para todos da rotulagem dos mesmos no mercado, da coexistência entre os estados-membros, os países podem utilizar a chamada cláu-

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Divulgação

sula de salvaguarda para bloclareza institucional quanto quear a entrada e a comerciaà questão da biotecnologia. lização de transgênicos. De Em todo o mundo avança a acordo com a cláusula, se um legislação relativa a plantas e estado-membro tiver razões animais geneticamente moválidas para considerar que dificados e é preciso dar um um OGM que tenha recebido alinhamento de médio e lonautorização para colocação go prazo às empresas ligadas no mercado constitui um risa pesquisa e desenvolvimenco para a saúde humana e pato de genética vegetal e anira o ambiente, pode restringir mal. A agricultura brasileira ou proibir provisoriamente a depende e seguirá depenutilização e/ou venda desse dendo do progresso tecnolóproduto no seu território. Paígico e não é possível existir Sérgio Castro/AE ses como França, Áustria, Ludesenvolvimento tecnológixemburgo, Alemanha, Grécia co em um ambiente de instae Reino Unido já utilizaram bilidade de regras. da cláusula, sendo o mais reAssim, julgamos de vital cente caso o bloqueio do miimportância que: lho MON 810, da Monsanto 1. É preciso criar regras pela Alemanha em abril de claras para o desenvolvi2009. Ou seja, ainda que a Comento, uso e multiplicação missão Europeia tenha um dos diferentes produtos e critério de permissões coprocessos da biotecnolomum para o bloco, cada país gia. A falta de clareza das as usa conforme seus próregras vem desestimulanprios interesses. do o investimento privado, Outro importante país proc o m p r o m e t e n d o s e r i aA agricultura brasileira depende do progresso tecnológico, dutor que vêm avançando no mente o surgimento de nocujo desenvolvimento depende de regras claras. uso de variedades transgênivas tecnologias. cas é a China. O governo da2. É preciso resgatar o paquele país iniciou em 2008 um pel central da CTNbio. As programa de investimentos em pesquisas com alimentos transdecisões acerca de biotecnologia devem ser tomadas por espegênicos e orientação aos consumidores da ordem de US$ 3,5 bicialistas, pois são necessários diversos estudos científicos que lhões. De acordo com o site europeu de informações sobre transexigem conhecimento específico e profundo no que diz respeigenia GMO-Compass, 64 variedades transgênicas de algodão – to aos processos e produtos da biotecnologia. Seriedade e agiresistente a insetos – são cultivadas em larga escala no país, oculidade são os elementos-chave para que novas tecnologias perpando 3,7 milhões de hectares ou aproximadamente 70% da área mitam o contínuo desenvolvimento da agricultura brasileira. total de algodão do país, evitando o uso de 650 mil toneladas de 3. É preciso ampliar os investimentos em pesquisa públipesticidas. Até recentemente a China vinha resistindo em comerca no País. cializar sementes GM de alimentos, como arroz, milho e soja, po4. É fundamental integrar na forma de redes de trabalho os rém esse princípio tem mudado na medida em que as lideranças sistemas federais e estaduais de pesquisa. chinesas têm aceitado cada vez mais que o avanço deste tipo de 5. É preciso estimular e fortalecer os centros estaduais de tecnologia será fundamental para o país lidar com a necessidade pesquisa (a Embrapa não consegue sozinha atender toda a dede alimentar tamanha população. Já no final de novembro de manda e complexidade da agropecuária brasileira). 2009, a China aprovou sua primeira variedade de arroz Bt (resis6. A rede de desenvolvimento tecnológico deve envolver as tente a insetos), desenvolvido localmente, porém a produção universidades de ciências agrárias e biológicas. Há um enorme com fins comerciais ainda demanda autorizações extra. Estimapotencial de pesquisa subaproveitado nas universidades. É prese que a produção em larga escala se iniciará em dois ou três anos, ciso estimular nas universidades públicas o desenvolvimento de acordo com o Comitê de Biossegurança do Ministério da Agride novas tecnologias em conjunto com o setor privado. cultura da China. A China é o maior produtor de arroz do mundo, 7. É preciso assegurar proteção jurídica e policial aos centros com 60 milhões de toneladas, e consome quase tudo localmente. de pesquisa do País (sejam eles públicos ou privados). Tamanha demanda vem se traduzindo cada vez mais em preo8. É preciso melhorar o sistema brasileiro de patentes, dando cupação com a oferta de alimentos face aos enormes desafios da mais agilidade ao mesmo. degradação dos solos, da escassez de água, da falta de áreas aptas 9. É fundamental garantir o respeito ao direito de propriepara as lavouras e do aumento populacional. dade sobre a patente, reprimindo o uso indevido dos diferenDa avaliação acima, torna-se evidente que é preciso ter mais tes produtos e processos (pirateamento).

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Zé Carlos Barretta/Hype

Geraldo Biasoto Jr. é economista formado na Unicamp, com mestrado e doutorado na mesma universidade, da qual também é professor. É diretorexecutivo da Fundação do D e s e n v o l v imento Administ r a t i v o ( F u ndap), do Estado de São Paulo, e f o i c o o r d e n ador de Política Fiscal do Ministério da Fazenda, Secretário de Finanças de Campinas (SP) e Secretário de Gestão de Investimentos do Ministério da Saúde. Ricardo Oliva é médico, com pós-gradução em Saúde Pública, e assessor das presidências da Fundap e da Fundação Butantan. Foi diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, secretárioadjunto de Saúde de São Paulo e superintendente da Fundação do Remédio Popular da Secretaria de Saúde, do Estado de São Paulo.

Alex Ribeiro/DC


Resumo

A Saúde Brasileira em Tempos de Renovar o SUS

O artigo aborda as origens do Sistema Único de Saúde (SUS), uma série de características suas e várias questões a ele relacionadas: as implicações do crescimento populacional, da transição da estrutura etária e da transição epidemiológica, o financiamento desse sistema público, a assistência que presta à população, o Sistema Suplementar, a assistência farmacêutica, vacinas, assistência hospitalar e equipamentos médicos, e o complexo industrial da Saúde. Defende uma renovação do SUS com propostas voltadas, entre outros aspectos, para associar o direito à saúde a responsabilidades individuais com a própria saúde e com a saúde coletiv a ; a m p l i a r o i nvestimento público e privado em capacidade instalada para o atendimento; recorrer à atenção básica como porta de entrada no SUS; estabelecer serviços de regulação associados a um modelo que viabilize a hierarquização de complexidade dentro do sistema e nos diferentes níveis de governo, com recurso à tecnologia de informação, como a um cartão inteligente com informações pessoais de saúde; criar novos produtos e serviços; ampliar a competitividade no complexo industrial da Saúde; aumentar a produção nacional em todos os setores desse complexo – destacando a sua importância como grande gerador de empregos –; e garantir maior articulação entre o SUS e o sistema de saúde suplementar, entendendo ser possível também ampliar este último, sem ônus significativo para o consumidor.


Introdução

O

texto deste artigo foi organizado em 11 seções. A primeira abrange aspectos históricos e a Seção 2 aborda implicações do crescimento populacional, da transição da estrutura etária e da transição epidemiológica. A Seção 3 volta-se para o financiamento do SUS e a seguinte para a assistência prestada por este sistema. A Seção 5 trata do Sistema Suplementar e a assistência farmacêutica é analisada na Seção 6. As Seções 7 a 9 têm como temas as vacinas, a assistência hospitalar e os equipamentos médicos, e o complexo industrial da Saúde , respectivamente. A Seção 10, intitulada Tempos de Renovar o SUS, apresenta uma série de propostas com esse objetivo, já referidas no resumo deste artigo. A seção final sintetiza a conclusão da análise. 1. Aspectos Históricos Durante a maior parte do século 20, a política brasileira de saúde foi pautada em dois grandes eixos. Um de assistência à saúde dos trabalhadores com carteira assinada, como instrumento de seguridade social, através dos Institutos de Assistência e Previdência (IAPs), constituídos com base nos grupos específicos de trabalhadores da indústria, comércio, serviços bancários etc. O outro, voltado para a saúde coletiva ou saúde pública, era responsável pela atenção às doenças endêmicas (febre amarela, tuberculose, malária, hanseníase, esquistossomose etc.), ao controle de vetores, à internação de doentes mentais, e à realização de pré-natal e atividades de puericultura e vacinação, em áreas urbanas e industriais. (Gerschman e Borges dos Santos, 2006). Esse modelo excluía a maior parte da população brasileira de qualquer garantia formal de assistência à saúde, com o que ficava dependendo da limitada rede de hospitais públicos e da benemerência das Santas Casas, dos hospitais filantrópicos e dos hospitais universitários para todo o atendimento médico necessário. A transformação desse modelo se consolida na Constituição de 1988 com a definição dos direitos constitucionais à saúde e o estabelecimento do SUS de caráter universal, financiado pelo Estado – mediante a contribuição de empregadores, empregados e de toda a sociedade através de impostos. A criação do SUS constituiu uma das maiores políticas de inclusão social no Brasil, em especial para o trabalhador rural e para aqueles não vinculados ao mercado formal de trabalho, sendo um marco histórico de reconhecimento internacional. A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988, ocorreu em meio ao intenso processo de discussão e construção das bases de redemocratização do País depois de mais de 20 anos de ditadura militar, mas é importante ter em conta que esse momento foi fruto de um longo trabalho na discussão de políticas de saúde pública e de assistência à saúde individual por profissionais de diferentes organizações, em todo o País, que estabeleceu as raízes desse processo de mudança. Um importante conjunto de atores constituiu o que se chamou de "Partido Sanitário", composto por profissionais de diferentes campos do conhecimento e inseridos em diferentes órgãos públicos, em especial no Ministério da Saúde, secretarias estaduais

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Durante quase todo o século 20, a política brasileira de saúde foi pautada em dois grandes eixos: um de assistência à saúde dos trabalhadores com carteira assinada, como instrumento de seguridade social, e outro voltado à saúde pública, responsável pela atenção às doenças endêmicas, como febre amarela, tuberculose etc.

de saúde e em órgãos da previdência social (1). É importante ressaltar que esta discussão de mudança, por ocorrer durante a ditadura militar, limita de maneira significativa a participação formal das organizações representativas dos trabalhadores. O processo de unificação das ações públicas de saúde se inicia, em algumas regiões, mediante acordos entre governos estaduais e o Ministério da Previdência Social, através do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), no que se chamou, a princípio, de Ações Integradas de Saúde (AIS) e a seguir de SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde), mas se torna efetivo, a partir de 1990, com a Lei Federal 8080/90. Chamada de Lei Orgânica da Saúde, ela define as responsabilidades gerais das três esferas de governo e estabelece os modelos operacionais da universalização, descentralização e municipalização, e se complementa com a Lei Federal 8142/90, que estabelece o modelo de financiamento, com participação da União, Estados e municípios. A mesma lei instituiu em seus artigos 2º e 3º o Fundo Nacional de Saúde e a forma pela qual os recursos federais, para a gestão do SUS, são administrados através do Fundo Nacional de Saúde, mediante a transferência de recursos federais para Estados, municípios e o Distrito Federal.

(1)

Apesar de não existir uma organização formal este conjunto de pessoas estabelecia discussões organizadas e, portanto, esta é a razão do nome.


Arquivo AE

Arquivo AE

Desde então, o SUS vem se desenvolvendo e passando por importantes transformações e mudanças. O aspecto mais marcante é o significativo avanço obtido na universalização do acesso à assistência a saúde, principalmente em decorrência da descentralização de responsabilidades, atribuições e recursos da esfera federal para Estados e municípios, com a ampliação da base de financiamento, em especial pela inclusão de recursos municipais, antes praticamente inexistentes. Os principais instrumentos de gestão do SUS são normas infra legais, denominadas Normas Operacionais Básicas do SUS (NOB), instituídas por meio de portarias ministeriais. As NOBs definem as competências de cada esfera de governo e as regras para que Estados e municípios assumam novas responsabilidades e atribuições para a efetiva implantação e ampliação da assistência do SUS. As NOBs representam a formalização dos acordos estabelecidos entre as três esferas de governo, que se processam na Comissão Gestora Tripartite (chamada simplesmente de Tripartite), na qual se reúnem representações formais do Ministério da Saúde, das Secretarias Estaduais de Saúde – estas representadas no por meio do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (CONASS), e das Secretarias Municipais de Saúde, que têm como órgão representativo o Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). As discussões e propostas se consolidam e operacionalizam por meio das Comissões Bipartites nos Estados com representação das Secretarias Estaduais de Saúde e dos Municípios, estes com representação nos Conselhos Estaduais de Se-

cretários Municipais de Saúde (COSEM). (Sousa, 2002). Nestes 20 anos de construção, apesar de todos os avanços e conquistas e da ampliação da base de financiamento, o SUS vive constante crise de financiamento, inicialmente pela perda de fontes financiadoras oriundas da Previdência Social, e que se acentuou no longo período de recessão econômica da década de noventa. Essa crise levou, no ano 2000, à aprovação da Emenda Constitucional nº 29, que estabelece o mínimo percentual que cada esfera de governo deve aplicar em ações e serviços públicos de saúde, assim como as regras de aplicação de recursos para o período de 2000 a 2004. O Artigo 198 da Constituição Federal diz que a Emenda deve ser regulamentada por Lei Complementar, ainda não aprovada, que deverá ser reavaliada a cada cinco anos. Caso esta lei não seja aprovada, como é o caso atual, permanecem válidos os critérios da própria Emenda Constitucional. Assim, a EC 29/2000 representou um avanço para ampliar o financiamento, sendo uma vitória da sociedade na vinculação orçamentária enquanto instrumento da redução dessa instabilidade.

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Luiz Prado/Luz

2. Crescimento populacional, transição da estrutura etária e transição epidemiológica A transição demográfica é uma característica comum aos países em desenvolvimento, em especial naqueles em que o processo de industrialização acelerada estabeleceu forte urbanização com deslocamento de grandes contingentes populacionais de áreas rurais para as cidades. O Brasil, a partir dos anos sessenta do século passado, vem apresentando uma redução, ainda que lenta e com grande disparidade regional e em diferentes classes sociais, da taxa de fecundidade, da mortalidade infantil e geral, com aumento da esperança de vida em todas as classes sociais e em todas as regiões. Estas características causaram impacto significativo na diminuição da velocidade do crescimento populacional e profunda transformação da pirâmide etária, com redução progressiva da proporção entre jovens e idosos. Todavia, ainda que mantidas estas características de redução de crescimento populacional, o Brasil somente alcançará uma posição estacionária por volta de 2063. (Oliveira, Albuquerque e Lins, 2004). Assim, ainda é esperado um aumento significativo da população brasileira nas próximas décadas, parte pelos efeitos da fecundidade passada sobre a pirâmide etária da população, caracterizada pela grande proporção de mulheres em idade reprodutiva, o que viabiliza o aumento da população, apesar dos baixos níveis de fecundidade atualmente existentes. As projeções mostram que em 2050 a população brasileira será de cerca de 250 milhões de habitantes, a quinta maior do planeta, sendo somente menor que a da Índia, China, EUA e Indonésia. O acréscimo previsto seria, portanto, de cerca de 60 milhões de habitantes à atual população nos próximos 40 anos, ou seja, o equivalente a 15 milhões de habitantes a cada dez anos, em média. Ainda que não seja uma explosão demográfica, é um crescimento populacional expressivo, principalmente quando se tem em conta que a rigidez estrutural da sociedade brasileira não é favorável à mobilidade social, sendo possível afirmar que existe grande probabilidade de que a maioria dos nascimentos ocorra na população mais pobre. Esses resultados remetem a enorme responsabilidade dos governantes na formulação de políticas públicas abrangentes de inclusão e acesso, em especial no setor saúde, e que possam ir além da política de transferência de renda como principal instrumento de desenvolvimento social. Com essas profundas transformações demográficas, desde os anos 50 do século 20 elas levam o Brasil a situar-se numa situação de "transição epidemiológica" – que é caracterizada pela mudança, em longo prazo, dos padrões de morbidade e mortalidade da população brasileira. A transição epidemiológica é caracterizada por três modificações fundamentais: (i) as doenças não transmissíveis (doenças crônicas, degenerativas e causas externas, entre outras) substituem as doenças transmissíveis (doenças infecciosas) como principais causa de morbidade e mortalidade; (ii) o grupo de indivíduos mais velhos passa a ser responsável pela maior carga de doenças e mortes (a mortalidade infantil deixa de ser um indicador sensível das condições de saúde desta população) (2); e existe predominância de doenças, em especial as crônicas, sobre a mortalidade, como principal carga de doenças desta população.

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Nestes 20 anos, apesar de todos os avanços, o SUS (Sistema Único de Saúde) vive constantes crises de financiamento.

Ou seja, existe uma relação direta entre a transição demográfica e a transição epidemiológica. Ao tempo em que a queda inicial da mortalidade concentra-se principalmente entre as doenças infecciosas, beneficiando as faixas etárias mais jovens da população, que por viverem mais longamente, passam a constituir um grupo mais suscetível ao risco de doenças crônicas e degenerativas, que implicam em longo tempo de utilização de serviços de saúde, em geral mais caros e dispendiosos em termos de assistência. É importante salientar que a transição epidemiológica também se expressa de maneira distinta entre as diferentes regiões, pois as modificações nos padrões ocorrem ao mesmo tempo em que persistem as doenças típicas dos países em desenvolvimento, tais como a malária, a hanseníase, a leishmaniose, entre outras, e que apresentam padrões diferenciados de ocorrência em diferentes regiões, atingindo, em geral, as populações mais pobres.

(2) Carga de doença é um índice que define as condições de saúde de

uma determinada população, e que leva em conta variáveis tais como prevalência de doenças, a esperança de vida, tempo de vida perdido por incapacidade e perdido por morte prematura, entre outras.


Luiz Prado/Luz

3. O financiamento do SUS A Constituição de 1988 introduziu o conceito de Seguridade Social com o espírito de consolidar uma base de financiamento para todas as ações previstas para a seguridade, tendo como fonte de recursos as contribuições sociais federais, recolhidas pelas empresas sobre o lucro líquido (Fonte 151), sobre o faturamento (Fonte 153) e sobre a folha de salários (Fonte 154). É importante salientar que, apesar de recolhidas na fonte pelas empresas, todas essas contribuições e impostos são, de fato, pagos pelo consumidor, pois compõem as planilhas de custos sendo, portanto, parte do preço final. Apesar de não existir vinculação no texto constitucional aprovado em 1988, o artigo 55 das disposições transitórias estabelecia que até que fosse aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), 30% (trinta por cento), no mínimo, do orçamento da Seguridade Social deveria ser aplicado em ações voltadas para a saúde. Durante o início da década de 90, apesar de as sucessivas LDOs estabelecerem a destinação de recursos para a saúde seguindo as determinações desse dispositivo constitucional, a execução orçamentária nunca chegava a atender ao volume de recursos previsto, sendo que a partir de 1994 foram suspensos todos os repasses do Ministério da Previdência Social para o Ministério da Saúde. Esta situação determinou não somente a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a partir de 1994, como levou à aprovação, em 2000, da referida Emenda Constitucional 29, que vincula recursos de cada esfera de governo para a saúde, na proporção apresentada na Tabela 1. Para o governo federal, a Emenda Constitucional 29, em seu artigo 77, previu que: (a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; (b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto ( PIB). Apesar da determinação legal, o Ministério da Saúde, em que pese dispor de recursos crescentes, não vem cumprindo essa determinação, conforme se observa na Tabela 2. Após a edição da mesma Emenda Constitucional, houve significativa mudança na participação das diferentes esferas de governo no financiamento do SUS, com redução percentual do gasto federal sobre o gasto total e aumento proporcional na participação de Estados e municípios, conforme se observa na Figura 1, em função do quantitativo de recursos estaduais e municipais que passaram a compor o gasto total a partir dessa emenda.

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Finalmente, quando se comparam as despesas do Brasil em saúde com outros países, verifica-se que o quantitativo de recursos é significativamente mais baixo que os países desenvolvidos, existindo, portanto, enorme dificuldade no atendimento à universalidade e integralidade prevista na norma constitucional, conforme se demonstra na Tabela 3. Os números demonstram que o Brasil possui, dentre os países apresentados, o menor percentual do PIB em saúde e a menor despesa per capita, com percentual público frente ao total das despesas em saúde igual aos dos Estados Unidos, aonde ainda prevalece o modelo liberal de mercado para acesso e financiamento, conquanto mudanças recentemente aconteceram por iniciativa do governo de Barack Obama. No que tange às despesas públicas totais, é possível incluir como despesa pública a renúncia fiscal referente ao desconto integral do Imposto de Renda das despesas privadas com saúde, que representaram cerca 4, 7 bilhões em 2008, mas ainda assim, o percentual público estaria ao redor de 50%. Estes números demonstram o quanto é necessário, não somente o crescimento econômico, como também uma profunda revisão das políticas de financiamento da saúde de forma a ampliar os gastos de forma significativa. 4. A assistência à saúde No campo da atenção direta à saúde prestada pelo setor público ao cidadão, o avanço é absolutamente indiscutível quando se consideram os números apresentados na Tabela 4. Aliás, é possível afirmar que, apesar das filas e das dificuldades, o acesso universal a diferentes níveis de complexidade da assistência tem sido atingidos, ainda que com diferenças consideráveis entre as regiões e unidades federadas. Todavia, ao herdar do INAMPS o modelo de atenção, o SUS herdou também sua lógica de financiamento. Dessa forma, o SUS atua na área da assistência à saúde em caráter universal, utilizando-se essencialmente de um modelo de atenção criado e organizado para prestar assistência a uma parcela limitada da população. Esse modelo inclui o pagamento de serviços a hospitais conveniados filantrópicos ou privados pela unidade de serviços prestados, o que determina grande distorção no quantitativo de recursos alocados em diferentes regiões, com maior concentração de recursos nos locais de maior concentração da complexidade da assistência. Esta herança vem sendo progressivamente superada pela implantação de modelo assistencial focado na atenção básica, através do Programa de Saúde da Família, e pelo repasse direto de recursos aos municípios com base na população e em alguns indicadores de saúde, de maneira a fortalecer a redistribuição de recursos para áreas mais carentes. 5. A Saúde Suplementar A Constituição definiu que o Sistema de Saúde no Brasil é aberto para as atividades privadas, em caráter suplementar. O significado do caráter suplementar é extremamente discutido, pois na verdade as atividades do setor privado, em

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grande parte, conformam um subsistema complementar ao SUS, e não um totalmente à parte. A atividade privada de assistência à saúde pode ser dividida em dois grandes grupos: (a) a assistência à saúde, prestada pelos planos ou seguros de saúde e pagas pelas empresas ou famílias; e (b) a atividade exclusivamente de atenção, prestada de forma liberal no mercado e paga diretamente pelos usuários. Os planos de saúde surgiram na década de 60 do século 20, nos grandes centros urbanos de rápida industrialização, como instrumento alternativa aos IAPs para ampliar a cobertura e qualidade da assistência ao trabalhador e sua família. Mesmo


senvolvimento econômico das localidades onde se concentram o processo industrial e de serviços, evidenciando uma maior cobertura nas áreas metropolitanas das regiões Sudeste e Sul, com baixa cobertura em áreas rurais e do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Existe, portanto uma dupla concentração de serviços de saúde nas áreas de maior desenvolvimento econômico, os serviços do SUS e os do sistema suplementar, em detrimento das áreas rurais do Norte e Nordeste e Centro-Oeste, com tendência de perpetuação destas diferenças. Vale ressaltar que a contribuição privada, ainda que isenta da incidência de Imposto de Renda, não isenta os contribuintes, sejam pessoa física ou jurídica, das contribuições e taxas para a seguridade social, tornado-os iguais a todos os outros cidadãos no acesso ao serviço assistencial público universal. 6. Assistência Farmacêutica depois da criação do SUS, de forma mais ampla permanecem como alternativa, ainda que com grandes disparidades no custo, na dimensão e na qualidade da assistência prestada aos associados ou segurados. Para estabelecer mecanismos de regulação das atividades dos planos de saúde, foi criada em 2000 a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que estabelece as normas e fiscaliza sua aplicação para a operação e sustentabilidade dos planos de saúde em todo o País. Dados da ANS, apresentados na Tabela 5 mostram que no Brasil mais de 39 milhões de pessoas têm acesso a planos privados, o que representa cerca de 20% da população. Desses, quase 80% dos beneficiários é parte de planos coletivos e 20% pertencentes a planos individuais, o que determina uma concentração de cobertura nas pessoas com idade até 50 anos, ou seja, pessoas em fase produtivas empregadas e com filhos. Estas características determinam uma relação direta com o de-

A mesma herança do passado que praticamente condiciona o modelo assistencial é também determinante das políticas de assistência farmacêutica do SUS. Até a criação do SUS, o acesso a medicamentos era possível de três formas: (a) os trabalhadores do mercado formal de trabalho, com algum financiamento pelos IAPS e pelo antigo INAMPS, quando internados; (b) a população em geral que tinha acesso aos medicamentos fornecidos pelo Ministério da Saúde para o tratamento das moléstias endêmicas e, portanto de "interesse estratégico" (tuberculose, hanseníase, malárias etc.), para alguns medicamentos utilizados nos postos de puericultura para atendimento de gestantes e crianças, e a assistência farmacêutica nos hospitais especializados (saúde mental, tuberculose, hanseníase etc.); (c) aquisição direta pelo consumidor em farmácias. Somente no final de década de setenta, após a criação da Central de Medicamentos (CEME), é que se iniciou um pro-

Moacyr Lopes Jr./Folha Imagem

Todos os sistemas de saúde apresentam um crescimento de despesas com medicamentos acima do crescimento de qualquer indicador econômico, como o PIB, não sendo diferente no Brasil.

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cesso de ampliação da assistência farmacêutica, ainda que lento, para atendimento de moléstias relacionadas à atenção básica em saúde. Hoje, o SUS, para a gestão da assistência farmacêutica, incluindo o financiamento, divide as ações em três grupos: (a) medicamentos da Atenção Básica – financiados com recursos da União, Estados e municípios, para o atendimento da grande maioria das doenças agudas e das doenças crônicas mais frequentes e prevalentes; (b) medicamentos estratégicos, adquiridos e distribuídos pelo Ministério da Saúde para tratamento de moléstias endêmicas de alta prevalência e de interesse público – tuberculose, hanseníase, AIDS, hepatites, diabetes, planejamento familiar, entre outras; e (c) medicamentos excepcionais, um nome herdado do antigo INAMPS, que o utilizava para o fornecimento de medicamentos ambulatoriais não padronizados, para moléstias de baixa prevalência, em geral crônicas e para as quais o tratamento é complexo e de alto custo. (CONASS, 2007). O custo crescente da d e s p e s a c o m m e d i c amentos é preocupação de caráter mundial. Todos os sistemas de saúde apresentam um crescimento de despesas com medicamentos acima do crescimento de qualquer indicador econômico, como o PIB, não sendo diferente no Brasil. Os gráficos das Figuras 2 e 3 apresentam o crescimento das despesas totais de medicamentos ambulatoriais (os utilizados nos hospitais são cobertos pelo pagamento da Autorização de Internação Hospitalar) e a taxa de crescimento dessas despesas por parte do Ministério da Saúde, nos últimos anos (Vieira e Mendes, 2007) . O mesmo crescimento se observa nas despesas estaduais e municipais, sendo, portanto, uma preocupação de todos os

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gestores em todos os níveis. Apesar deste crescimento, 70% da produção nacional de medicamentos é vendida em farmácias, sendo o principal item de despesa, com recursos próprios, das camadas mais pobres da população. Finalmente, na questão dos medicamentos, assume caráter relevante a ação da Justiça na concessão de direito de acesso, mediante fornecimento pelo SUS por força de decisão judicial, a cidadãos em geral portadores de doenças graves e devastadoras. O fornecimento desses medicamentos novos, muitas vezes sem comprovação de eficácia superior quando comparados com similares já existentes, representam hoje custo significativo para secretarias estaduais e municipais de Saúde.


Diomício Gomes/O Popular1

ao programa, também exerce forte poder de regulação de preços de mercado, gerando economias significativas para o Ministério da Saúde na compra de vacinas no mercado privado nacional. 8. Assistência Hospitalar e Equipamentos Médicos A tendência progressiva de especialização das atividades profissionais no campo da saúde, seja no âmbito das atividades médicas diagnósticas e assistenciais ou das equipes multiprofissionais de saúde, tem provocado permanente aumento no custo da assistência, com impacto tanto para o setor público quanto para o privado, principalmente no que diz respeito à disponibilidade de recursos de investimento. Os instrumentos de tecnologia da informação para a gestão e assistência, incluindo a telemedicina (por exemplo, o prontuário médico eletrônico, prescrição online, controles estatísticos de processos e procedimentos, diagnósticos a distância, entre outros) poderão, em médio prazo, ser instrumentos de melhoria da qualidade e de redução de custos, mas no curto prazo exigem grande volume de investimentos. Para tratar desta questão, o Ministério da Saúde constituiu a Comissão para Incorporação de Tecnologias, composta por organismos do próprio ministério e associada a uma Rede Nacional de Avaliação Tecnológica (RENAST), composta por grupos acadêmicos e de institutos de pesquisa em saúde de todo o País, Arquivo AE

O Instituto Butantan e a Biomanguinhos/ FIOCRUZ produzem 75% das vacinas utilizadas no País. Essa produção, além de garantir as vacinas necessárias para atender a população, exerce forte poder de regulação de preços de mercado, gerando economia para o Ministério da Saúde.

Thiago Bernardes/Luz

7. Vacinas As vacinas, de forma diferente dos medicamentos, a partir dos anos 80 e em função de crise de abastecimento provocada pela saída do mercado de produtores privados existentes no Brasil, são objeto de política específica de acesso e produção. A instituição do Programa Nacional de Imunização (PNI), em 1973, um modelo internacional de ação pública na gestão da prevenção e erradicação de doenças passíveis de prevenção por vacinas, e do Programa Nacional de Auto-suficiência em Imunobiológicos, na década de 80, houve grande expansão da pesquisa e produção por intermédio de instituições públicas, em especial o Instituto Butantan, do governo do Estado de São Paulo, e da Biomanguinhos/FIOCRUZ, do governo federal, permitindo que 75% das vacinas utilizadas sejam produzidas por estas instituições. Vale ressaltar que essa produção, além de garantir vacinas necessárias

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para realizar avaliação das diferentes tecnologias passíveis de incorporação, tanto pelo setor público, quanto pelo privado. A avaliação tecnológica é hoje um instrumento utilizado em muitos países para, com base em estudos de custo de efetividade, indicar o uso racional de processos e equipamentos para melhoria da qualidade com custos adequados da assistência. 9. O Complexo Industrial da Saúde Todos os componentes acima descritos conformam conjunto do que conceitualmente se denomina Complexo Industrial da Saúde. Assim, ele abrange um conjunto de atividades produtivas, de compra e venda de bens e serviços e de gestão da ciência e tecnologia, associada ao desenvolvimento do setor. Mais ainda, dentro da lógica de mercado, é um grupo de atividades que conforma um mercado peculiar, dadas suas características intrínsecas, como a distribuição desigual de informação com incapacidade de escolha do consumidor final, entre outras. O Ministério da Saúde afirma que o déficit de balança comercial desses produtos é de cerca de US$ 5 bilhões ao ano, em especial pela importação de produtos e equipamentos de grande valor tecnológico agregado, tais como os imunobiológicos, fármacos e medicamentos e equipamentos médicos de diagnóstico por imagem. (Gadelha, 2006) . Considerando a relevância social da assistência à saúde e a repercussão econômica que ela tem tanto para as instituições públicas e privadas quanto para o cidadão, é necessário a definição de políticas estratégicas de longo prazo, que permitam associar uma política de saúde a um modelo assistencial e a um processo de regulação de oferta e acesso. Essa política deve também garantir qualidade e disponibilidade em sintonia com o desenvolvimento e produção de novas tecnologias em saúde, considerando ainda que o complexo industrial da Saúde é um importante gerador de desenvolvimento, renda e emprego. 10. Tempo de Renovar o SUS Cada um dos aspectos anteriormente abordados deve ser objeto de estudos aprofundados com vista ao estabelecimento de políticas públicas, apoio ao desenvolvimento econômico de mercado e gestão de ciência de tecnologia e informação, entre outras políticas. Contudo, é possível, de maneira sucinta, apontar aspectos capazes de serem instrumentos de renovação. 10.1. Direitos e Deveres O primeiro é o preceito constitucional de ser a saúde um "Dever de Estado e um Direito do Cidadão". Não resta dúvida de que os direitos individuais e coletivos de direito à saúde são um dos instrumentos fundamentais da cidadania e de que é dever do Estado propiciar, por todos os meios disponíveis, a possibilidade do exercício desse direito de forma equânime. Por outro lado, o desenvolvimento do conhecimento sobre os determinantes e condicionantes de saúde demonstra que esse direito deve estar associado a algumas responsabilidades individuais com a própria saúde e com a saúde coletiva. Em especial, com relação ao ambiente, para que a saúde seja um bem comum de direito de

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todos. Esta não é uma questão simples, em função dos direitos individuais de escolha e de comportamento, mas o processo de redução do tabagismo tem mostrado que é importante a ação do Estado no fornecimento de todas as informações possíveis para que cada um possa escolher entre fumar e não fumar. Mas, ainda que faça a escolha individual, não é direito de alguns prejudicar a saúde de terceiros por força de sua escolha. Assim, é preciso discutir de forma ampla e coletiva os limites do dever do Estado e a amplitude das responsabilidades de todos e de cada um. 10.2. Ampliação do Financiamento e o Investimento Mesmo que se questione a qualidade e a dificuldade de acesso, não resta dúvida de que o SUS faz muito com poucos recursos. O crescimento da economia é fator fundamental para que o financiamento do setor saúde possa ser ampliando de forma significativa, mas é importante que seja regulamentada e cumprida a norma constitucional de vinculação de recursos para o setor e que seja cobrada a responsabilidade dos gestores, nos três níveis de governo, pela aplicação devida e correta dos recursos disponíveis para a saúde. Soma-se a isto a necessidade de serem estabelecidos mecanismos mais equitativos de redistribuição de recursos de forma a não aprofundar as diferenças regionais nos indicadores de saúde em função da injusta redistribuição de recursos. É muito importante que seja estabelecida uma estratégia para a definição dos montantes a serem gastos nos próximos anos e sua distribuição regional. Essa distribuição deve ser realizada como um processo de redistribuição da capacidade de atendimento, de forma a conseguir uma efetiva descentralização do sistema. Se a manutenção das atividades atuais da rede ambulatorial e hospitalar é uma questão que está longe de ser trivial, mais complexa ainda é a questão do investimento em capacidade instalada para o atendimento. Isto envolve tanto as áreas físicas de hospitais e ambulatórios quanto os equipamentos necessários para o seu funcionamento. O último grande movimento de investimento massivo em capacidade de atendimento ocorreu entre 1998 e 2002. Como resposta à forte crise vivida em meados da década de noventa, foi obtido um grande financiamento internacional, com recursos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Somando-se a esse financiamento recursos próprios do Ministério da Saúde, os investimentos superaram R$ 1 bilhão, a preços da época. Atualmente, a montagem de outro pacote de investimentos no setor se faz crucial. Não há outra maneira de modernizar o sistema como um todo. As novas tecnologias e os equipamentos com grau de sofisticação indicam que cerca de R$ 2 bilhões seriam necessários para repor a capacidade de atendimento de forma a atualizá-la dos pontos de vista quantitativo e tecnológico. 10.3. Atenção Básica como Porta de Entrada do Sistema O Brasil apostou no programa Saúde da Família, por alguns anos, para garantir uma aproximação entre o sistema de saúde e a população. Nos últimos anos, essa opção entrou em compasso de estagnação: nem ganhou existência sistêmica, nem experimentou reversão. É fundamental que o Saúde da Família seja


Renato Stockler/Folha Imagem

O atual estágio do conhecimento no campo dos fármacos e da biotecnologia aponta para que, em muito pouco tempo, seja possível a existência de produtos específicos para populações específicas.

Fábio Motta/AE

truir um hospital (sem condições para funcionar) em cada cidade, mas exige que a equipe tenha condições de responder e articular atendimentos complexos com os outros sistemas. Vale frisar, também, a grande importância da articulação entre as equipes do Saúde da Família e as unidades de atendimento ambulatorial de especialidades e média complexidade. A forte expansão destas, que vem ocorrendo em diversas realidades urbanas, agora com apoio federal, não terá o efeito desejado se não houver a necessária conexão com a atenção básica, uma função a ser desempenhada pelos médicos de família, em articulação com as unidades ambulatoriais. 10.4. Regulação, Modelo de Assistência e o Cartão SUS

adequada às realidades regionais e municipais, e encontre articulação com o conjunto do sistema. Os ganhos envolvidos nas grandes cidades para o conjunto da assistência são expressivos, tanto no tocante à chegada do paciente à rede ambulatorial e hospitalar, quanto no monitoramento do paciente no período de tratamento. Mas é fundamental dar poder, dentro do sistema, ao médico de família, para que ele seja a garantia de acesso do paciente aos diferentes níveis hierárquicos do sistema, como instrumento de garantia da integralidade de assistência à saúde. Nas regiões não metropolitanas o papel do Saúde da Família é outro, mas não menos importante. As equipes de saúde são a referência exclusiva para populações que não têm a possibilidade de chegar rapidamente a uma unidade de emergência ou ambulatório. A equipe cumpre a função, sempre, do primeiro atendimento, e é responsável pelo acesso do paciente a outros sistemas de saúde (municipais ou estaduais). Logicamente, isto é algo mais eficiente e de menor risco à saúde do que tentar cons-

É impossível que seja ofertado tudo para todos em todos os lugares a qualquer momento e, portanto, a racionalidade da aplicação dos recursos somente será alcançada se o SUS puder garantir o acesso aos serviços para aqueles que mais precisam no momento em que dele necessitam. Para isto é obrigatória a implantação de serviços de regulação associados a um modelo de assistência que viabilize a hierarquização de complexidade dentro do sistema e nos diferentes níveis de governo. A tecnologia de informação dispõe de instrumentos para que isso seja possível, ainda que com investimentos significativos. O cartão inteligente com informações pessoais de saúde, a utilização de Registro Pessoal de Informações de Saúde em plataformas da Web, a utilização de marcação e confirmação de consultas por meio telefônico e "torpedos", o uso intensivo de instrumentos de tele diagnóstico e de segunda opinião a distância em plataformas de vídeos via Web, o acompanhamento da adesão aos tratamentos medicamentosos de doenças crônicas, capacitação técnica a distância, e a

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educação do cidadão, entre outras, são exemplos das possibilidades de regulação e de estabelecimentos de modelos de atenção de acordo com as especificidades de cada região. Vale notar que o Brasil tem uma capacidade instalada de atendimento (recursos humanos e materiais) bastante expressiva. A grande questão é reduzir a sua ociosidade e esta é uma questão intrinsecamente gerencial. Considerando as dimensões geográficas continentais, a necessidade de padronização nacional, a capacitação técnica e o volume de recursos de investimento e custeio que são exigidos para implantação e operação deste tipo de serviço em âmbito nacional, é possível que estes serviços possam ser objeto de parcerias público-privadas em estratégias de prestação de serviços de longo prazo. Há que se compreender que o serviço público não é necessariamente estatal, e há formas de contratualização com entidades privadas ou sem fins lucrativos, que podem representar grande melhoria gerencial e em expansão da capacidade de atendimento sem grande incremento de recursos. Importante lembrar que o sistema de saúde brasileiro ainda carece de instrumentos para coleta e utilização das informações de forma estratégica, especialmente na vigilância em saúde. O Cartão Nacional de Saúde, o Cartão SUS, já conta com mais de 150 milhões de cidadãos cadastrados sem que as informações sejam utilizadas para o monitoramento das condições de saúde da população e para a melhoria de gestão. Infelizmente, o Ministério da Saúde naufraga em questões menores, e não realizou a difusão dos sistemas abertos, como o desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo. Os ganhos em monitoramento e as condições que seriam abertas para o aparato regulador em nível local e regional poderiam ampliar em muito a capacidade de atendimento da rede hoje instalada. 10.5. Novos Produtos e Serviços Os instrumentos disponíveis de avaliação de novos pro-

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dutos e processos com a utilização de avaliação do custo efetividade, associados à ampla capacitação profissional para compreensão e prática da Medicina baseada em evidências, são os principais instrumentos para a regulação da incorporação de novas tecnologias. Mas é importante ressaltar que o setor produtivo já reconhece o esgotamento do modelo de "Blockbuster" – em que produtos únicos são consumidos em caráter extensivo e intensivo em âmbito mundial –, em função não somente dos problemas recentes com novos produtos que tiveram que ser retirados do mercado, como também pela demanda de governos, de planos de saúde, da sociedade e das agências de regulação, de produtos eficazes, seguros e sustentáveis. Sustentabilidade neste caso significa a utilização de produtos financiados pelos sistemas públicos nacionais, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. A pandemia do vírus influenza A H1N1 é um exemplo da necessidade de viabilidade econômica de uso por todos, a preços acessíveis, e da possibilidade de ganhos sustentáveis pelos produtores. O atual estágio do conhecimento no campo dos fármacos e da biotecnologia aponta para que em muito pouco tempo seja possível a existência de produtos específicos para populações específicas. Isto obriga a que os Sistemas de Apoio ao desenvolvimento de ciência e tecnologia no Brasil (CNPq, FINEP, fundações estaduais, fundos setoriais etc.), estejam atentos para incentivar e apoiar o desenvolvimento de projetos nacionais que permitam nossa independência tecnológica. Este não é um projeto somente de governo, e demanda a existência de um parque produtivo disposto ao investimento de capital de risco de médio prazo. A Lei de Inovação é um poderoso auxiliar para a relação público-privado na gestão de tecnologia, mas ainda existem barreiras burocráticas e de interpretações legais que permitam uma circulação mais livre e efetiva de conhecimento, de pessoas, recursos e produtos entre a academia produtora de conhecimento (predominantemente pública) e o setor produtivo.


10.6. O Complexo Industrial da Saúde, o Emprego e a Qualificação Profissional Como já foi dito, o déficit da balança comercial neste setor é enorme e crescente. O governo federal estabeleceu um programa intersetorial (o PAC-Saúde) para estimular a competitividade e ampliar a produção nacional em todos os setores do complexo, com vistas à redução do déficit e alcance da autosuficiência. Todavia, como tantos outros exemplos do PAC, as propostas são muito mais retóricas do que práticas. Muito pouco avanço (incluindo aplicação de recursos) ocorreu tanto no setor público quanto no apoio ao setor privado. É necessário que a sociedade, e em especial o setor produtivo, estejam atentos para cobrar transparência e eficácia no desenvolvimento de projetos que definam o futuro de médio e longo prazo, mais ainda porque eles transcendem o tempo de um governo, sendo, portanto projetos de Estado. A importância do setor Saúde não decorre unicamente do seu grande poderio indutor sobre a atividade econômica e de seu impacto nas contas comerciais com o resto do mundo. O emprego gerado pelo setor saúde é crucial no que toca aos índices gerais de emprego e desemprego, além de cobrir um amplo espectro de profissões e níveis de escolaridade e de rendimento. Conforme mostra a Tabela 6, no final de 2007, o setor Saúde como um todo era responsável por nada menos que 10,5% da força de trabalho formal do Brasil, segundo a RAIS. Seus serviços respondiam por 3,25 milhões de empregos, enquanto o comércio varejista e atacadista de produtos de saúde era responsável por 500 mil empregos. A indústria (com destaque para medicamentos e equipamentos), os operadores de planos e seguros, a educação e os profissionais de saúde envolvidos em outros segmentos da atividade econômica, completavam os 3,95 milhões de empregos formais gerados pelo complexo da saúde. Não há dúvida de que o setor Saúde pode ser um polo gerador de emprego de grande relevância para os próximos anos. De um lado, empregos para profissionais de alta qualificação de-

vem continuar em crescimento exponencial, alavancados pela contínua introdução de novos medicamentos, equipamentos e materiais e pelos novos serviços envolvidos no cuidado à saúde. De outro lado, as posições para trabalhadores de nível de qualificação menor serão significativamente impulsionadas pelas novas exigências em termos de capacitação e pelas políticas públicas, que apostam na ampliação da prevenção e da vigilância em saúde. Estas tendências deverão reforçar as estratégias de saúde da família, com ênfase para a equipes de saúde, e na qualificação dos profissionais da área ambulatorial e hospitalar, notadamente os técnicos em enfermagem e nas atividades de operação de equipamentos de diagnóstico. A possibilidade que se abre para a expansão de emprego no setor terá, no entanto, que ser seguida de maior capacidade do aparelho formador. Isto, em três dimensões: a quantidade, a necessidade de novos programas de capacitação, relacionados às inovações, e o incremento da qualidade de cursos e entidades formadoras. Tradicionalmente, o setor Saúde acolheu trabalhadores com baixíssimo nível de formação, dos mais baixos ao superior. O exemplo mais agudo foi dado pelos atendentes de enfermagem, cuja participação era dominante nos hospitais até meados dos anos noventa. Foi preciso que o Ministério da Saúde lançasse um programa de formação em larga escala, com recursos financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, para que a qualificação, ainda de nível de escolarização fundamental, fosse estendida a quase 300 mil profissionais de saúde. Vale dizer, a montagem de estratégias governamentais que consigam articular recursos públicos, entidades públicas e o aparelho formador em geral é crucial para que a qualificação necessária seja levada aos profissionais de saúde. É a única forma de transformar oportunidades de emprego em emprego efetivo. Ao mesmo tempo, é a forma de viabilizar um sistema de saúde com força de trabalho qualificada, em condições de enfrentar as inovações em todos os campos da atenção.

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10.7. Saúde Suplementar: articular o público e o privado A busca da eficiência na aplicação de recursos, públicos e privados, para atendimento das necessidades sociais, é o papel mais relevante que um governo tem a realizar. No caso da saúde, embora os recursos públicos e privados sejam de magnitudes semelhantes, há que se considerar a absoluta falta de composição entre ambos. A o sistema público sempre procurou desconhecer a existência de um privado, enquanto este último procurou viver de forma autônoma e desregulada e, mais ainda, tirando benefícios do princípio constitucional da universalidade do acesso, empurrando pacientes onerosos para o atendimento do SUS. A ANS tem exercido seu poder de regulação como instrumento de ampliação e atualização dos planos, no que tange à cobertura de novos procedimentos diagnósticos e terapêuticos disponíveis. Todavia, é possível ampliar a saúde suplementar sem ônus significativo para o consumidor. Uma solução economicamente mais eficiente está por vir e ela depende de propostas regulatórias e assistenciais que renovem a relação entre o público e o privado. Um delineamento possível seria a segregação do alto risco e da transferência de pacientes dos planos e seguros de saúde para o setor público. Os planos deveriam tomar, mês a mês, os recursos atuarialmente indicados (e cobrados) para casos de alto custo, e realizar o depósito dos mesmos numa entidade pública de resseguro. Identificada a necessidade de tratamento, a operadora de saúde poderia fazer o saque dos recursos ou manter acordo com prestadores de serviço do SUS para viabilizar o atendimento. O custeio estaria previamente garantido e o risco estaria repassado à entidade de resseguro. Para o SUS, o ganho seria sair da polêmica do ressarcimento e garantir seu financiamento prévio. Um efeito fundamental para as operadoras de planos e seguros seria a redução de risco relativo a eventos de alto custo, tornando possível um rebaixamento dos prêmios de seguro atuais, o que possibilitaria a expansão dos segurados e, o que é mais importante, uma nova redução de risco, dada a ampliação da população atingida. Em verdade, é um circuito virtuoso, onde a saúde suplementar ganha condições de expansão a níveis inferiores de renda, relativamente aos atuais. Note-se que não se trata de algo novo, pois a existência do Medicare nos EUA é justamente a forma que aquele país encontrou para reduzir os riscos e custos do sistema privado de saúde americano (3). O sistema privado de saúde padece de outro problema especialmente relevante para o beneficiário. A competição entre operadoras é restrita por barreiras derivadas do aparato regulatório e das práticas empresariais. Enquanto os segurados pagam mensalidades que entendem como uma espécie de pou-

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pança, na ótica do conjunto de sua vida, as operadoras têm uma lógica de curto prazo. Para elas, importa o desempenho corrente entre os gastos com o conjunto dos segurados e suas receitas gerais. A solvência de longo prazo da operadora vai depender, afora o alto risco, da manutenção de um perfil etário de segurados compatível com despesas estáveis. Mas esta manutenção, no longo prazo, dependerá de uma série de fatores. O estabelecimento da obrigatoriedade de manutenção de reservas individuais, correlacionadas aos pagamentos efetuados na trajetória de vida do segurado, seria uma forma de garantir a aproximação entre a expectativa de este último estar realizando uma poupança e a forma de gerir os recursos da operadora de saúde. Um fundo de solvência gerido pela ANS poderia ser a forma institucional para este arranjo. Com isto, poderia ser viabilizada a possibilidade de migração entre planos – a portabilidade –, eliminando as travas relativas ao cumprimento de períodos de carências. Esse instrumento de reforço à competitividade em preços e qualidade geraria credibilidade no sistema e avanços na gestão. No que tange à ampliação dos planos, é oportuna a discussão da renúncia fiscal para os planos de benefício farmacêutico, da mesma forma que para os planos de saúde, em especial para o fornecimento de medicamentos para doenças crônicas (hipertensão, diabetes, asma etc.), como instrumento de redução da demanda pública por estes serviços e para reduzir as complicações destas doenças a longo prazo. De toda forma, um segmento privado fortalecido e com capacidade de aperfeiçoar a aplicação de seus recursos deve implicar em melhoria no segmento público. De um lado, mais recursos seriam liberados para ampliar o acesso às populações mais carentes, especialmente pela melhoria da atenção básica. De outro, o ordenamento do acesso aos cuidados de alto custo, com o compromisso efetivo de recursos do sistema privado, traria mais condições à viabilização de um acesso melhor por parte de pessoas que têm acesso à porta de entrada do sistema, mas que se perdem em intermináveis filas de acesso aos serviços mais complexos. Não há dúvida de que a dinamização da saúde ofertada por entidades privadas depende de proposições novas que consigam adequar a capacidade de assumir riscos de estruturas privadas aos custos envolvidos nos chamados eventos catastróficos. Não há como deixar de inserir o Estado na regulação des-

(3) O Medicare transfere dos planos ao governo americano a

responsabilidade pelo atendimento dos idosos. Ou seja, o custo mais pesado, em geral, não é arcado pelos seguros de saúde, mas é transferido ao governo.


Ricardo Padue/AFG

Embora o avanço do setor público tenha sido o grande feito do setor saúde nos últimos anos, o desenho de novas formas de convivência entre o público e o privado pode significar um novo salto de qualidade para ambos.

ses custos e na gestão dos riscos. Aliás, isso já ocorre, na mais informal das operações, por exemplo, quando um segurado de operadora privada, diagnosticado como soro positivo para AIDS, vai exercer seu legitimo direito de buscar os medicamentos necessários junto ao serviço público mais próximo. A Figura 4 ilustra uma forma de distribuição dos recursos arrecadados junto aos atuais segurados. A parte de cima da figura seria carreada ao resseguro para alto risco. A parcela intermediária das contribuições em fase superavitária seria direcionada ao fundo de solvência. A parte mais importante das contribuições ficaria de posse da operadora para sua atividade corrente de assistência. 11. Conclusão Depois de duas décadas de construção do SUS, muitos sucessos podem ser contabilizados. Talvez o mais emblemático seja o fato de que uma pessoa qualquer, mesmo que dos estratos inferiores de renda, tem chances reais de receber um tratamento de alto custo e grande complexidade, como é o caso da AIDS ou dos transplantes. Em poucos países no mundo essa realidade pode ser verificada. Logicamente, a gestão do sistema, sua cobertura e as formas de relacionamento entre os gestores ainda merecem grande aperfeiçoamento. Embora o avanço do setor público tenha sido o grande feito do setor saúde nos últimos anos, o desenho de novas formas de convivência entre o público e o privado pode significar um novo salto de qualidade para ambos. A capacidade do Estado em identificar os formatos mais favoráveis, e que potencializem a racionalidade da aplicação de recursos e de uso do sistema, decidirá como ele poderá avançar no atendimento ao conjunto da população. Do mesmo modo, essa capacidade de articulação será crucial para definir o ritmo de avanço de um setor essencial para o desenvolvimento econômico.

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Newton Santos/Digna Imagem

José Roberto Afonso Economista de carreira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mestre pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Atualmente está cedido ao Senado Federal. Muito deste trabalho decorre de outros desenvolvidos em parceria com os economistas Sérgio Gobetti, Geraldo Biasoto Jr., Gabriel Junqueira e Kleber Castro. As opiniões aqui expressas são de exclusiva responsabilidade do autor e não das instituições a que está vinculado. Elaborado com base em informações disponíveis até 31/03/2010.

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O Nó dos Investimentos Públicos Resumo: Esta análise objetiva traçar um diagnóstico atualizado do investimento público no Brasil e propor medidas e políticas para sua elevação. Mesmo com a teoria recomendando a elevação dos investimentos como instrumento de combate à crise econômica e à depressão do ciclo, e apesar da prioridade e do aumento registrado nos últimos anos, os governos brasileiros estão entre os que menos investem em proporção do PIB em todo o mundo. Tal gasto no País é muito descentralizado e, em período recente, reflete um esforço fiscal por parte dos principais governos estaduais e municipais das capitais (em relação à receita própria), bem superior ao central (apesar da expansão recente, ainda destina parcela pequena de sua receita para tal fim). São levantadas alternativas para mudar esse quadro, sem a pretensão de esgotar uma questão tão difícil e controversa, que vai desde o fomento ao maior investimento privado, via tributos e créditos, a um novo desenho de parcerias deste setor com o público em torno de grandes projetos de investimentos rentáveis, até reformas institucionais que abram espaço para a adequada priorização e continuidade dos investimentos no âmbito dos orçamentos públicos.

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Malcolm Fife/Folhapress

I - Introdução

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u a n d o co mpa rado o peso do Estado na economia, o Brasil se sobressai em relação às demais economias emergentes ao menos em duas variáveis: poucos governos arrecadam tantos tributos e, pior, mais raros ainda são os governos que investem tão pouco. Este artigo trata do segundo tema, o nó que amarra os investimentos do governo federal, e procura mostrar o porquê dessa situação e apresentar propostas para desatá-lo. Seja qual for a escola de pensamento, seja qual for a ideologia, não há quem deixe de apontar a necessidade de elevar o investimento público como um dos maiores desafios, se não o primeiro, para o País crescer de forma sustentada, e alçar um maior estágio de desenvolvimento. A taxa de investimentos da economia como um todo, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), também é muito baixa. A infraestrutura básica é o segmento que mais se ressente dessa distorção estrutural, especialmente pelo reduzido esforço do governo federal, que tem competências naturais e legais relativamente aos grandes ramos da logística (como transportes, energia e comunicações). Nos últimos anos, o governo federal defendeu firmemente a ampliação dos investimentos, seja para atender um plano político de aceleração do crescimento, seja como uma política anticíclica ou de combate à crise financeira global. Porém, da promessa à realidade, há uma enorme distância. Por mais que tal categoria de gasto tenha crescido nos últimos anos, ainda está muito longe do patamar em que já chegou no passado e da média das economias emergentes, bem como do recomendado pela teoria e pelas experiências internacionais recentes. No texto a seguir, como ponto de partida, na Seção II, será feito um breve apanhado teórico sobre a questão, e na Seção III será destacada a peculiar posição brasileira em matéria de investimentos, públicos e em geral, numa comparação com outras economias emergentes. A evolução histórica de tais gastos no Brasil será apresentada na Seção IV, enquanto que a sua dimensão e estrutura recente serão objeto de análise da Seção V. A Seção VI apresenta alternativas para mudar radicalmente esse quadro, sem a pretensão de acreditar que há respostas fáceis para tantas e complexas questões. Esta análise é, antes de tudo, uma contribuição para fomentar o debate no País, que segue pálido neste e noutros assuntos, seja no âmbito acadê-

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mico, seja nos fóruns públicos. A Seção VII apresenta algumas considerações adicionais. II- Breve Referência Teórica quanto ao Investimento Público A ideia-chave de ampliar os gastos públicos a partir dos investimentos públicos, especialmente em infraestrutura e capital humano, encontra suporte teórico tanto na escola Keynesiana quanto em modelos ditos neoclássicos. Para Keynes, a manutenção de um elevado nível de investimento público seria uma estratégia que qualquer governo deveria seguir para reduzir as flutuações da economia, dada a tendência dos empresários em preferirem ativos mais líquidos (como moeda ou títulos públicos) em momentos de maior incertezas. Ou seja, o investimento público se faria necessário como forma de amenizar os solavancos que a economia sofreria se totalmente dependente das iniciativas do investidor privado. Não se trata aqui apenas de um papel anticíclico de curto prazo, que pode ser cumprido por outros gastos públicos, mas de uma política de longo prazo, que objetiva "assegurar uma situação aproximada de pleno emprego" (Keynes, 1982, p.288). Por isso, Keynes sugeria no pós-guerra que o governo sustentasse de forma direta ou indireta (por meio de semi-public bodies) até dois terços da formação bruta de capital fixo total da economia, mesmo que tivesse de se endividar para isso, o que deveria ser compensado com equilíbrio ou até superávits no orçamento de despesas correntes. Esse endividamento seria também aliviado com o adicional de receita tributária obtido com a recuperação da economia ensejada pelos investimentos.


Paulo Pampolin/Hype

Patrícia Santos/AE

Em outras palavras, Keynes propugnava poupança pública positiva ou no mínimo nula, mas não via problemas em o governo se endividar para investir, porque os investimentos eram vistos como gastos "capazes de se pagar a si próprios" (Keynes, 1980, v.27, p.319). Assim, seriam gastos que deslocariam a economia para um patamar superior, gerando um retorno em termos de receita, que pagaria seus custos iniciais. Apesar de os modelos neoclássicos originais rejeitarem formalmente qualquer papel da política fiscal ou de qualquer outro fator que não seja exógeno (derivado da produtividade dos fatores de produção) na determinação do crescimento de lon-

Para a escola Keynesiana, a manutenção de um elevado nível de investimento público seria uma estratégia que qualquer governo deveria seguir para reduzir as flutuações da economia, dada a tendência dos empresários em preferirem ativos mais líquidos (como moeda ou títulos públicos) nos momentos de maior incerteza.

go prazo, a maioria dos principais economistas dessa vertente teórica reconhece hoje que alguns gastos públicos (especialmente em infraestrutura e educação) podem ampliar o capital (físico e humano) da economia como um todo e contribuir também para a expansão dos investimentos privados. A moderna teoria neoclássica abre uma janela pela qual o gasto público não é mais visto necessariamente como concorrente do gasto privado e como fator de pressão sobre a taxa de juros. Em determinadas circunstâncias, o gasto público pode complementar os privados e melhorar a sua produtividade, gerando maior crescimento de longo prazo.

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Observe-se, mais uma vez, que não se está discutindo aqui a capacidade da política fiscal de gerar efeitos de curto prazo sobre o crescimento, como na recente crise. O ponto é outro: além dos efeitos transitórios, quais são os efeitos permanentes da elevação dos gastos (e dos investimentos) públicos? Apesar de muita controvérsia empírica sobre essa questão, com algumas opiniões mais incrédulas e outras mais otimistas, a síntese parece ser de que "o que realmente importa não é o nível, mas a estrutura do gasto público" (Tanzi e Zee, 1996). Por estrutura do gasto público, entende-se não apenas a distinção entre gastos correntes e de capital, mas a identificação de quais podem ser considerados produtivos ou improdutivos. No caso dos investimentos, poderíamos dizer que projetos em infraestrutura são produtivos, enquanto a construção de prédios públicos poderá ser supérflua ou improdutiva, dependendo de sua utilização e de suas características, como a suntuosidade. De todo modo, é importante reiterar que parece existir alguma convergência (não exatamente teórica) em torno da pro-

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posição de que o investimento público deve ser ampliado. Tanto pelo lado da demanda, quanto pelo lado da oferta da economia, o incremento da infraestrutura pública (principalmente em países carentes dela, como o Brasil) é um importante fator para sustentar taxas de crescimento mais elevadas. Tal entendimento está nitidamente por trás da aceitação recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que alguns investimentos "produtivos" recebam tratamento fiscal diferenciado, como ocorreu no Brasil a partir do Plano Plurianual de Investimentos (PPI), e mais especificamente do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). III- Baixo Investimento Público no Contexto Internacional O processo de significativa redução dos investimentos públicos no Brasil, especialmente aqueles destinados a obras de infraestrutura, não é uma questão nova. (1) Diversos trabalhos


já trataram desse movimento, que começa com a crise da dívida externa, no início da década de oitenta, e se estende até a atualidade. O que mais chama a atenção do País relativamente a outros países é sua reduzida taxa de investimento governamental a despeito do importante e notório peso relativo que o Estado tem na economia nacional. Para atualizar e aprofundar essas comparações internacionais, vale recorrer a uma extração especial de estatísticas levantas pelo FMI para o seu World Economic Outlook (WEO)de 2008.(2) Foram levantadas informações para duas variáveis: o produto interno bruto (PIB) e a formação bruta de capital fixo realizada pelas administrações públicas (FBK Pública) (3), ambas extraídas das contas nacionais.(4) Chama-se a atenção que o conceito de FBK contempla três itens: a formação de capital fixo (FBKF), ou seja, construção mais máquinas e equipamentos; as variações de estoques; e o efeito líquido da compra e venda de ativos. Em princípio, em condições de normalidade econômica e organização institucional comum, na maioria dos países não haveria porque ser importante a diferença entre capital e capital fixo no âmbito das administrações públicas, porque seus estoques não seriam expressivos como nas empresas privadas e raros governos têm uma contabilidade tão moderna que avalie os ativos. Logo, para fins desta análise, considera-se que a razão entre FBK pública e PIB, a partir da base estatística do WEO/FMI, constitui um retrato da taxa de investimento pelas administrações públicas de cada País. A grande vantagem dessa base estatística é sua ampla cobertura, pois foram considerados 135 países em desenvolvimento e subdesenvolvidos no período 2000-2007.(5) Classificados os países em ordem decrescente segundo essa taxa em cada um dos oito anos analisados, o Brasil ficou em penúltimo lugar entre os 135 países considerados, à frente apenas do Turcomenistão – a única exceção foi para 2003, quando o País ficou em último lugar, invertendo a posição com esse país asiático. O Brasil sempre esteve muito longe da média aritmética simples para o conjunto de 135 países, que cresceu de 6,5% para 7,6% do PIB entre 2000 e 2007. Enquanto a nossa taxa, no melhor dos anos, em 2002, mal chegou a 2% do PIB. Para fins de resumir a comparação, foi selecionada uma amostra com 28 economias emergentes – as maiores e aquelas que mais competem diretamente com o Brasil –, como demonstrado na Tabela 1. O índice brasileiro (1,7% do PIB) também continua muito distante da média simples de 6,4% do PIB dessa amostra menor. No topo do ranking das maiores taxas aparecem países com

regimes especiais, como a meio comunista China (6), as economias petroleiras e algumas pequenas economias africanas ou caribenhas. À parte casos atípicos, ainda assim os governos brasileiros investiram muito menos do que a média e a maioria das economias menos desenvolvidas. Excluídos 15 países, entre os que excepcionalmente muito investem (como Afeganistão e China), ou os petroleiros (dos grandes produtores do Oriente Médio até Rússia, Venezuela, México e Nigéria), a média simples das taxas de investimento governamental dos 120 países restantes cairia para 7,23% do PIB em 2007, ainda assim 4,2 vezes superior à taxa brasileira no mesmo ano. Índia e Tailândia apresentam taxas na casa de 8% do PIB. A despeito do petróleo, a Rússia e o México, ambas as federações continentais de grande população como o Brasil, também aparecem com FBK pública em torno de 5% do PIB. Até mesmo na América do Sul, as taxas se situam no intervalo de 4% a 5%, muito acima da brasileira.

IV- Breve Trajetória Histórica As atuais taxas de investimento das administrações públicas do Brasil são baixas não apenas em comparações internacionais, mas também na comparação com o próprio passado do País, pelo menos desde a década de 50, quando os dados são mais confiáveis. Durante a década de 60, os investimentos governamentais chegaram a atingir a media de 4,22% do PIB, na década de 70 foram de 3,71% do PIB e, a partir daí, passaram a cair sensivelmente, com leve tendência de recuperação no período recente, conforme o Gráficos 1 e a Tabela 2. Na comparação dos investimentos da administração pública com a FBKF total da economia, também verificamos que a década de 60 foi quando o peso relativo dos projetos governamentais atingiu seu pico (26,30% do total). Mas isso se deve ao fato de que, nesse período, os investimentos do setor empresarial da economia (incluindo estatais) ainda era muito baixo, de modo que a FBKF dependia em grande escala das ações do governo.

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à-vis os investimentos privados (ver Gráfico 3). Excetuando o período de 1975 a 1979, as duas séries parecem ser mais complementares do que substitutas, o que é um bom sinal (já que não haveria o chamado crowding-out). De todo modo, é importante salientar que a diferença entre o passado e o presente é significativamente maior se incluirmos no conceito de FBKF do setor público os investimentos das estatais federais. Isso porque a contribuição das estatais, apesar do destacado peso na recente conjuntura (1,9% do PIB), foi ainda maior na década de 70, chegando a representar 6,5% do PIB em 1976. Nesse conceito amplo, o investimento público foi em média de 7,88% do PIB nos anos 70, ante 3,05% nos 10 últimos anos iniciados em 2000. Sobre os números dos anos 80, entretanto, é importante salientar que não se sabe até que ponto as taxas de investimento

Na década de 70, como mencionado, o investimento estrito da administração pública chega a cair um pouco em proporção do PIB, mas os investimentos do setor empresarial (puxados principalmente pelas estatais) crescem significativamente, passando em média de 11,88% para 17,10% do PIB. Ou seja, o perfil de intervenção governamental nos investimentos se desloca da administração pública para o setor empresarial sob seu controle, alavancando e impulsionando o investimento estritamente privado. OGráfico 2 apresenta a evolução dos investimentos da administração pública, das estatais federais e das outras empresas do setor privado (obtido por resíduo da FBKF total) desde 1970. Verifica-se que existe algum efeito substituição entre os gastos da administração pública e das estatais, dada a limitação de poupança do setor público. O mesmo não se pode dizer, entretanto, dos investimentos do setor público considerados em conjunto (somando administração pública e suas estatais) vis-

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público não estão superestimadas pelo efeito da inflação. Isso porque os gastos de investimento público geralmente estão concentrados ao final do ano, o que faz muita diferença em situações de alta inflação, mesmo quando comparamos os valores nominais com o PIB. O que é certo é que a taxa global de investimento da economia brasileira foi menor, em termos reais, do que sugere a razão FBKF/PIB nominal, que chega a 26,86% em 1989. Isso porque os preços dos bens de capital cresceram acima do deflator do PIB na maior parte do período.(7) V - Traços Marcantes e Recentes dos Investimentos no País Pior do que a lanterna e mais que a curiosidade em torno da posição brasileira em classificações de países, o baixíssimo investimento governamental comparado ao resto do mundo deveria chamar a atenção para o fato de que o País não gasta nem o suficiente para repor a depreciação do estoque de capital já existente. (8) Essa deterioração pode ser visualizada pela participação do estoque de capital das administrações públicas no estoque de capital bruto do País, conforme divulgado pelas Contas Nacionais do IBGE. Evidencia-se, no Gráfico 4, que nunca foi tão baixo o peso relativo do governo no capital total, inclusive naquele da construção, o que reflete a retração das obras públicas nas últimas décadas. Havia uma expectativa de que esse quadro fosse alterado, primeiro por uma mudança na postura do governo, segundo pelo enfrentamento da crise. Assim, antes mesmo de irromper a crise financeira global, o governo federal prometeu ao início de 2007 priorizar dentre os seus gastos aqueles dedicados aos investimentos, especialmente em infraestrutura, no âmbito do chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Contudo, no âmbito federal, a expansão desta categoria de gasto foi tímida relativamente aos outros grupos e as Contas Nacionais reportam que a taxa de investimento, computadas as três esferas de governo, cresceram, mas para 2,29% do PIB em 2008. Na comparação internacional anterior, admitindo a hipótese simplória que os demais países repetissem a mesma taxa de 2007 em 2008 e só o Brasil a ampliasse, isso seria suficiente para ultrapassar apenas 5 entre 135 países e subiria para o 128º lugar (empatado com a República Tcheca). O aumento mais expressivo dos investimentos no País só veio a ocorrer no último ano, embalado pelo discurso oficial de adoção de medidas anticíclicas para combate à crise financeira global. Como o IBGE ainda não divulgou o detalhamento das Contas Nacionais que mostrem a FBKF dos governos em 2009, Jonne Roriz/AE

O governo federal prometeu investimentos em infraestrutura no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

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vale recorrer à apuração do economista Sérgio Gobetti, que adota metodologia um pouco diferente, mas com maior precisão na coleta de dados primários.(9) A tabulação a seguir (Tabela 3) reproduz as últimas estimativas até 2009. É inegável a ação anticíclica fiscal, se avaliada pelo incremento das taxas de investimento entre 2008 e 2009 (+0,17 pontos do produto, no caso dos governos, subindo para +0,62 pontos, depois de contadas também as empresas estatais federais),

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porém, como a dimensão na economia era muito baixa, isso foi insuficiente para atenuar a brutal queda da mesma taxa no setor privado (recuo de 2,55 pontos no mesmo período) considerado a estimativa preliminar do IBGE de que a taxa global fechou o último ano em 16,73% do PIB. Esses movimentos também podem ser visualizados no Gráfico 5, que retroage a 1990, computando os dados das contas nacionais, que, como no resto desta análise, se restrin-


girá às administrações públicas. À parte, registre-se que, pelo critério de taxa de investimento, as empresas estatais federais (basicamente, o Grupo Petrobras) fizeram um esforço muito superior aos dos governos no combate à crise, tanto que a taxa de 1,86% do PIB em 2009 é a melhor desde 1995 da série, que computava nos primeiros anos muitas outras grandes empresas, posteriormente privatizadas (mas, apesar de todo o esforço, compensaram apenas um quarto da queda do investimento empresarial privado no último ano). Voltando apenas às administrações públicas, não se nega o esforço fiscal por elevar o investimento, afinal, a taxa estimada por Gobetti (2010) de 2,47% do PIB em 2009 foi a mais alta registrada numa séria anual desde 1995, e chegou a responder por quase 15% da FBKF nacional. Mais destaque cabe ao governo federal, que conseguiu elevar sua taxa para 0,63% do produto (nunca tinha chegado nem a 0,5 pontos na mesma sé-

rie); porém, como sua base era baixa, os próprios Estados deram uma contribuição maior para a FBKF (aumento de 0,2 pontos) e superaram a casa de 1% do PIB. Tal diferenciação remete a outra característica marcante do investimento governamental no País: a profunda descentralização. Basta dizer que, em 2009, no ano em que o governo federal mais conseguiu investir depois de uma década e meia (e com toda prioridade do PAC), subiu sua participação para apenas um quarto do total da FBKF das administrações públicas – o orçamento municipal consolidado foi 1,3 vezes maior em investimentos que o federal (os movimentos são ilustrados no Gráfico 6).(10) Analisados os primeiros relatórios da execução orçamentária de 2009 divulgados pelos maiores governos do País para atender à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),(11) em comparação aos resultados de 2008, apresentados na Tabela 4, fica evidenciada a tendência de que o governo federal até conseguiu elevar os investimentos em ritmo superior ao de alguns governos subnacio-

nais, porém, quanto esse gasto é expresso em proporção da receita própria de cada governo, é enorme a distância entre eles. O ponto de partida para a análise comparativa pode ser o próprio resultado primário.(12) Como se vê na mesma tabela, praticamente todos os governos da amostra mantiveram o superávit em 2009 (à exceção de Pernambuco e Amazonas), mas, sob os efeitos da crise, como era de se esperar, o governo federal e os governos estaduais sofreram forte deterioração, enquanto os municipais trilharam o caminho inverso, com elevação do superávit – que só não surpreende pela história dos governos locais de seguir um nítido ciclo em que oscilam entre a formação de poupança no início dos mandatos dos prefeitos (e 2009 foi o primeiro do atual) e o seu gasto ao final (assim, a capital carioca e a paulistana aumentam fortemente seu primário, enquanto a mineira ficou estável). A deterioração fiscal das contas da União fica mais visível quando expressa em função da receita corrente líquida (RCL), a "unidade de conta" básica para fins de aplicação da LRF, haja vista que independente do tamanho da economia (PIB), a receita efetivamente arrecadada é que dita a capacidade de financiamento das despesas dos governos. No caso da União, a despesa com pessoal saltou de 30,5% para 34,7% da RCL entre o exercício de 2008 e de 2009, um incremento de 4,2 pontos da receita anual. Já o superávit primário caiu de 16,7% para 9% da RCL e, como consequência, a dívida consolidada líquida ao final dos respectivos anos pulou de 1,77 para 2,22 vezes a receita anual (ultrapassando o limite de 2 vezes a RCL fixado pelo Senado para os Estados). Tão acelerado endividamento em tão pouco tempo só foi possível porque a União não está sujeita a qualquer limite de endividamento. Ainda que previstos na Constituição e na LRF, tais limites nunca foram regulamentados pelo Congresso. Embora seja um conceito pouco utilizado no Brasil em detrimento do conceito de dívida líquida, a dívida consolidada (ou bruta) atingiu níveis preocupantes. Superou a barreira dos R$ 2,1 trilhões e fechou o ano com um aumento real de 21,8% em relação ao fechamento de 2008, representando, em estoque, quase cinco vezes o fluxo da receita corrente líquida de 2009. O montante é mais que o dobro da dívida consolidada líquida e, comparadas as variações reais, o valor do incremento da dívida bruta foi quase 120% maior que o incremento da dívida consolidada líquida, que já foi altíssimo – cerca de R$ 180 bilhões. A piora das contas federais contrasta radicalmente com o comportamento das contas de São Paulo (13), que se encontra

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em melhor situação dentre os nove Estados selecionados para este estudo. Apesar da forte recessão que afetou o setor industrial no País, e consequentemente a economia paulista, a receita desse Estado passou incólume pela crise, apresentando pequeno crescimento (+0,5%) entre 2008 e 2009. Como a despesa com pessoal também cresceu pouco (+1,4%), o que praticamente manteve o mesmo patamar deste indicador em relação à RCL, a explicação básica para a queda de quase um terço do superávit primário pode ser atribuída à forte expansão de investimentos promovida pelo Estado em 2009 (+37%). Portanto, a política anticíclica do tipo Keynesiana – que sugere que o combate à crise deve ser feito com aumento dos gastos, especialmente gastos de investimentos – foi feita pelo Estado de São Paulo e não pelo governo federal. O que mais chama a atenção é que, mesmo com as restrições geradas pela crise financeira, São Paulo conseguiu uma expressiva redução de 6,7% da dívida líquida estadual, que fechou 2009 em 1,5 vezes a receita corrente contra 1,63 no final de 2008. O mesmo movimento ocorreu com a dívida consolidada, que fechou o ano com queda real de 4,1%, representando quase 1,86 vezes a receita corrente líquida de 2009, muito distante do resultado da União no mesmo indicador, que chegou próximo a cinco vezes a receita corrente líquida em 2009. Os comportamentos das dívidas bruta e líquida de São Paulo e sua evolução na participação na receita corrente líquida são diametralmente

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opostos ao observado no governo federal. O mesmo ocorre com os demais estados e com os municípios, que em termos agregados reduziram sua dívida consolidada líquida em 7,1% e 2,2%, respectivamente, do fechamento de 2008 para o final de 2009. Quanto aos municípios, todos da amostra guardaram forte semelhança e, mais do que efeitos da crise, refletiram o já tradicional ajuste de orçamento que marca o início de mandato dos prefeitos brasileiros, iniciado no ano passado (14). As observações anteriores podem ser reforçadas pela comparação das despesas com pessoal e de investimentos em relação à receita corrente líquida, o que dá uma noção da prioridade fiscal de cada governo (Tabela 5). Apesar de todas as promessas do PAC e das medidas de resposta à crise, o esforço por investir do governo federal em 2009 foi de apenas 3,4% de sua receita, contra o mesmo índice de 9,1% dos maiores estados e 7,3% dos maiores municípios das capitais, selecionados em uma amostra, conforme ilustrado na mesma tabela .(15) Em relação a 2005, houve um recuo da razão investimento/receita na União, enquanto crescia a da amostra de estados e de prefeituras. Outro aspecto que merece destaque na análise do investimento diz respeito à diferença entre os valores empenhados e os efetivamente liquidados (executados) no período, com a Tabela 6 evidenciando a situação ao final de 2009. Esta diferença é conhecida como restos a pagar não processados e, como o próprio nome já diz, espera-se que seja apenas um resíduo do empenhado


no ano que deve ser liquidado e pago no período seguinte. Como visto na mesma tabela, a União aparece novamente numa situação amplamente desconfortável e diferenciada em relação aos demais governos: os restos a pagar não processados de investimentos ao final de 2009 chegaram a mais de R$ 30 bilhões, pouco mais que o dobro do valor efetivamente empregado no ano. Isso revela um problema claro da gestão dos investimentos e, mais do que isso, uma incapacidade da máquina federal de absorver e aplicar os recursos autorizados. O governo poderia ter investido pouco mais de R$ 45 bilhões em 2009, valor mais condizente com o porte e as responsabilidades do governo central, porém, o dobro do valor investido simplesmente foi deixado de lado para ser executado e pago no ano seguinte, ou seguintes, em que, dado o histórico recente, boa parte não se concretizará. Governos subnacionais são muitos mais fiéis ao conceito básico de restos a pagar. No resultado agregado dos Estados, o índice de restos a pagar em relação ao valor liquidado ficou em 18,5% no ano passado. Nos municípios, a relação entre restos a pagar e liquidações dos investimentos segue um padrão semelhante com a dos Estados. Considerando todos os municípios da amostra, a média dos restos a pagar como relação da liquidação de investimentos ficou em 33,6% em 2009, resultado absoluta-

mente inferior aos quase 206% apresentados pela União. Voltando às dificuldades do governo federal para deslanchar de forma mais contundente os investimentos, vale mencionar pesquisa realizada por Almeida (2009). Ela concluiu que há enorme distância entre o volume da dotação orçamentária e o dos pagamentos no mesmo ano das despesas realizadas em tal orçamento. Ao relacionar os problemas que mais dificultam a realização dos investimentos na visão dos responsáveis, o mesmo autor concluiu que não é um ou dois problemas que explicam a frustração, mas sim a um conjunto deles. Ao contrário do apontado por muitas autoridades e na mídia, a questão ambiental e as exigências da lei de licitações não seriam os principais gargalos, mas sim, segundo Almeida (2009), os problemas relacionados às questões administrativas, daí porque defende melhor capacitação dos funcionários públicos e coordenação da máquina pública, incluindo uma gestão mais eficiente dos convênios com órgãos estaduais e municipais. Antes de se sugerir uma estratégia para uma transformação estrutural da taxa de investimento pública no País, vale mencionar rapidamente os dilemas que vem surgindo no ralo ou parco debate em torno da política fiscal. Não há dúvida que despesas correntes cresceram e superaram por larga margem as de capital, especificamente no caso

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do governo central. A Tabela 7 reproduz a evolução das despesas primárias da União publicadas pelo Tesouro Nacional, na chamada apuração acima da linha, a mais comumente vista pelos analistas no País. Entre 2000 e 2009, a despesa primária corrente federal aumentou em 3 pontos do PIB (dos quais 2,6 pontos decorrentes de maiores pagamentos de benefícios sociais) contra míseros 0,4 pontos do produto de incremento em outros gastos de capital primários, que incluem investimentos fixos e inversões financeiras (principalmente aquisição de imóveis para reforma agrária). Um levantamento alternativo, realizado pelo economista Sérgio Gobetti, parte da metodologia das Contas Nacionais e procede a ajustes metodológicos – para levantar os gastos de execução direta do governo federal (reporta transferências para outros governos em bloco a parte), e para expressar os gastos pelo regime de caixa (conceito mais utilizado pelos analistas). Como se pode ver na Tabela 8, os gastos correntes se expandem muito mais aceleradamente do que os investimentos fixos, puxados basicamente pelos benefícios sociais. Pela classificação do IBGE, a despesa do governo federal chegou a 22,21% do PIB em 2009 (exclusive os juros e serviço da dívida), dos quais 15,32% na categoria corrente,(16) 0,67% na de capital e 6,23% em transferências para outros governos ou setores institucionais (o que inclui tanto transferências correntes quanto de capital para estados e municípios.(17) Na última década, o gasto corrente da União (sem transferências) aumentou em 1,65 pontos, enquanto o de capital (também sem transferências), irrisório 0,11 ponto do PIB. Se tomado o período mais largo, aquele diferencial fica ainda mais marcante: a despesa corrente é 3,35 pontos do PIB

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maior em 2009 do que foi em 1991, enquanto a de capital é inferior em 0,09 pontos do produto. Merece uma análise à parte a decomposição do gasto corrente, com três movimentos surpreendentes. Primeiro, podese dizer que, nessa apuração da chamada conta das administrações públicas, a expansão é toda determinada pelos benefícios previdenciários e assistenciais (a ponto de ter crescido mais que toda despesa corrente se tomados os últimos sete anos – isto é, respectivamente, 2,24 pontos contra 1,65 pontos do PIB, entre 2002 e 2009). Nesse grupo de gasto, estão computados desde aposentadorias e pensões do regime geral de previdência, até o seguro-desemprego e o bolsa-família. Segundo, o gasto corrente relativo ao consumo de bens e serviços, que poderia ser associado ao custeio no sentido mais claro, também surpreende ao recuar até 2009 em todos os cortes temporais da tabulação seguir: desde 1991, 1995, 2000 ou 2002 – em geral, quanto mais longo o período, maior seria a queda do custeio do governo federal, contrariando o senso comum que esperaria exatamente o inverso, afinal foram criados inúmeros órgãos e entidades no governo federal nos últimos anos, que também ampliou o raio de atuação. (18)

Terceiro, não deixa de ser outra grande surpresa a variação bem reduzida nas despesas com pessoal do governo federal (na década, cresceram apenas 0,13 pontos do produto), ainda mais levando em conta que estatísticas sobre o seu quantitativo de pessoal mostram um vigoroso incremento no período, tanto de concursados, quanto de cargos de confiança. A leitura da evolução dos gastos federais, seja no conceito do resultado primário, seja no conceito de Contas Nacionais, é de que não teria havido um crescimento do tamanho estatal, mas apenas sua maior presença com transferidor de renda para a sociedade, especialmente em favor dos mais pobres e dos inativos. Em consequência, se deduz que, para assegurar o ajuste fiscal e expandir os investimentos públicos, restariam tão somente duas alternativas – novo aumento da carga tributária (o que sempre traz à mente a proposta de recriação da CPMF) ou corte dos benefícios sociais.(19) Dispensável dizer quão indigestas politicamente são as duas soluções. Cabe registrar um contraponto a essas estatísticas e argumentos, sem a pretensão de querer esgotar a polêmica. Afinal, não é proposta e nem há espaço neste trabalho para aprofun-

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dar as diferentes questões e dúvidas que cercam os números sobre o gasto público no Brasil. Uma primeira ressalva seria a favor de se investigar mais porque a mesma variável fiscal, do mesmo governo, aparece com magnitude e evolução razoavelmente discrepantes conforme a fonte primária de informação. Diferenças surgem quanto observamos o conjunto de gastos primários ou correntes, tanto no caso específico dos gastos com pessoal. É bem provável que os restos a pagar expliquem boa parte dessas discrepâncias entre fontes estatísticas, seja pelas mudanças processadas no seu tratamento ao longo dos últimos anos, seja pelo recurso do governo federal cada vez mais extenso a tal figura, que permite, na prática, montar e gerir um orçamento paralelo ao oficial, com reduzidíssimo controle e transparência. No caso do gasto federal agregado, a título de ilustração vale uma observação simples das despesas reportadas no Balanço da União, comparando os valores de 2002 com os de 2009, depois de sua conversão em proporção do PIB, para se deduzir variações diferentes das que são apurados a partir de levantamentos junto ao sistema integrado do mesmo Tesouro Nacional (SIAFI). Focando nas outras despesas correntes (já excluídas transferências intergovernamentais constitucionais e legais), é constatada uma evolução diferente dos quadros anteriores: cresceram de 3,22% para 3,58% do PIB, com incremento de 0,36 pontos, conforme mostra a Tabela 9. No caso dos gastos federais com pessoal, se for adotada outra fonte, as estatísticas gerenciais de recursos humanos reportadas pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, também se pode chegar a magnitude e desempenho algo diferentes das antes demonstradas (que tinham por base o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI da Secretaria do Tesouro Nacional – STN), conforme resumidos no Gráfico 7, extraído de Mendes (2010). A título de ilustração, entre 2002 e 2009, esse autor apurou um incremento do total gasto com a folha salarial de 5,08% para 5,47% do PIB (computado também as contribuições patronais para regime próprio de servidores), ou seja, de 0,39 pontos do PIB. Ainda que a tendência em relação ao gasto federal com pessoal seja a mesma (crescente), as estatísticas gerenciais do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão indicam que o aumento teria sido o triplo do apurado a partir de estatísticas financeiras da STN. Como são duas fontes oficiais e do mesmo governo, e certamente os economistas responsáveis pelos di-

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ferentes levantamentos não erraram nos cálculos, as discrepâncias indicam que está sendo necessário um debate mais profundo e amplo para compreender a natureza desses levantamentos e discrepâncias de resultados que deles decorrem. Se é natural que leituras e opiniões sejam divergentes, é preciso ao menos harmonizar conceitos e fontes estatísticas. À parte essa possível polêmica estatística, vale opinar é que preciso algum cuidado com a ideia de que o gasto tido como fixo ou como um dado, o de custeio e aquele fruto de uma vinculação, seriam imunes a uma atuação estatal visando melhorar sua eficiência e eficácia, que, neste caso, só poderia ser aplicada à pequena parcela de recursos destinados a investimentos, como outros raros gastos de livre aplicação. Ainda que inegavelmente seja mais limitado o raio de manobra em relação ao gasto com o pessoal já contratado, isso não justifica a falta de critério e de avaliação em relação às novas contratações de servidores federais e a fixação de seus salários, inclusive em relação ao enorme e crescente contingente de funções comissionadas e às folhas dos outros Poderes, dito independentes. Também transferências para governos estaduais e municipais deveriam merecer mais atenção, desde a repartição constitucional, no qual há espaço para se atuar na legislação para melhorar os critérios de rateio (aliás, o Supremo Tribunal Federal acabou de condenar o atual rateio do Fundo de Participação dos Estados justamente pela falta de critérios), quanto mais no caso dos demais repasses, especialmente via convênios, em que se poderia adotar estratégias mais explícitas de descentralização de atribuições (como no caso do ensino básico e da saúde), e cobrança de esforço fiscal dos receptores. Se é inegável que houve forte expansão dos gastos com benefícios sociais, por outro lado isso não deveria ser tomado como justificativa para uma acomodação, quando não uma total inépcia em relação aos demais gastos públicos. Como se não


houvesse uma extensa agenda de melhorias possíveis na quantidade e, sobretudo, na qualidade do gasto público, a começar justamente por aquelas categorias de gastos (pessoal) e funções de governo (como saúde e educação) de maior magnitude, e alcançando também a transparência e a supervisão (inclusive com reformas nas instituições de controle, interno e externo), no qual a LRF constituiu um avanço inegável, mas não uma panacéia ou a última solução. De qualquer forma, é forçoso reconhecer que a leitura do desempenho do gasto público pode ensejar leituras as mais diferentes, desde a ótica contábil até a econômica e mesmo a política, para não dizer ideológica. Se a literatura nacional só agora começa a reunir trabalhos em torno das causas e consequências da expansão do gasto ou mesmo do Estado, a externa é farta em avaliações sobre a relação entre a carga tributária e/ou gasto público e o crescimento ou o desenvolvimento. Partindo por vezes das mesmas bases estatísticas, ainda que recorrendo a instrumentais analíticos diversos, autores já chegaram a conclusões completamente antagônicas. Exercícios econométricos e teses tanto absolvem quanto condenam a atuação estatal, ainda mais quando o foco está no curto prazo. Menciona-se que as estimativas de multiplicador dos investimentos públicos varia de valores próximos de zero para +4,0, enquanto a dos gastos correntes oscila entre algo como 0,5 e 2,0. Por que tanta variação? Justamente por causa da distinta qualidade e capacidade de interagir, ou estimular o investimento privado nos distintos contextos e países em que tais estudos

são feitos. Por outro lado, estudos que tratem de estimativas de longo prazo e tenham uma abordagem neoclássica (modelos de equivalência ricardiana), mesmo que aceitem que no curto prazo os gastos públicos podem estimular o crescimento, inferem que no longo prazo desestimulam, porque implicam maior carga tributária no presente ou no futuro. Em princípio, é preferido responder ao dilema da política fiscal brasileira mudando o foco ou o peso da resposta da ótica da quantidade (como a receita ou o gasto expressos em porcentagem do PIB) para a ótica da qualidade. Ou seja, muito mais a estrutura (e menos a evolução), tanto da receita (demasiado carregada em tributos indiretos), quanto do gasto das administrações públicas brasileiras (com baixíssimo investimento público), constitui a principal restrição ao crescimento. É inegável, porém, que, diante de uma carga tributária elevada, acima da média dos emergentes, essa falta de prioridade dos governos para investimentos é contrapartida da elevada proporção, absoluta e relativa, dos gastos públicos com consumo (20) e mesmo transferências de renda. VI - Uma Estratégia Pró-Investimento Público Em caráter preliminar, podem ser apontadas várias medidas e políticas para tentar reverter esse quadro. Antes de tudo, como há um predomínio do setor privado na geração do investimento nacional, cabe adotar medidas que o estimulem. O crédito, tendo à frente os bancos públicos, é um fator chave. Em princípio, poderia se dizer que o forte crescimento dos empréstimos, inclusive à custa de captações junto ao Tesouro Nacional, já teria equacionado a questão. Porém, é preciso ressalvar que uma parcela muito importante dessa expansão esteve voltada para as chamadas reestruturações empresariais, que, atenderiam ao princípio de preservar emprego, produção e propriedade no País, porém, não constituem uma contribuição direta para a formação de capital. Aliás, não foi por acaso que tiveram movimentos, em direções opostas, a expansão do crédito pelos bancos públicos e a taxa de investimento nacional. Agora, é preciso avaliar o retorno das operações realizadas no campo empresarial, inclusive visando a eventual saída das citadas empresas desses créditos, de

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Gustavo Miranda/Ag. O Globo

modo a liberar recursos para serem focalizados na expansão de novos investimentos produtivos Também urge melhorar a transparência e avaliar os efeitos dos subsídios concedidos pelo Tesouro Nacional às operações de crédito de bancos estatais, notadamente o BNDES, que as expandiu fortemente no auge da crise financeira global. Esse é um assunto pouco abordado, por ora mais restrito a um debate em jornais especializados e que facilmente pode descambar para um debate ideológico. Ao comparar com o fomento creditício realizado nos anos 70 e 80, o senso comum é que os beneficiários dos subsídios seriam sempre as empresas tomadoras de crédito nos bancos estatais. Porém, a situação agora é um pouco diferente. Como o Tesouro optou por perseguir taxas de juros pré-estabelecidas, por vezes o subsídio acaba beneficiando o banco ou bancos (no caso de agentes financeiros) que concedem e/ou intermedeiam a operação, e não necessariamente para a empresa que a toma. A medida central a defender aqui é que o volume de crédito, que por uma ou outra forma teve por origem o Tesouro Nacional, ao ser recuperado deve ser destinado integralmente ao fomento de investimentos novos (e não para reestruturação empresarial), que tenham impacto direto na formação bruta de capital, e que o subsídio também beneficie as empresas e não os intermediários financeiros. Em relação ao que já foi concedido em desacordo a este princípio, uma sugestão é que, quando do vencimento das operações realizadas (se não for possível contratualmente antecipar sua liquidação), o retorno seja reaplicado em novas operações aí vinculadas a novo investimento fixo. O tributo é outro campo crucial e grave para deprimir os investimentos. O Brasil é dos raros países do mundo que tributam a produção e a importação de máquinas, por mais que isenções tenham sido dadas. Teoria e experiência recomendam que o ideal é focar o benefício no investidor – ou seja, em quem realiza o investimento (até para evitar que a isenção ou redução do imposto não vire aumento da margem de lucro do produtor). Infelizmente, o governo federal continua preferindo propor incentivos localizados (para programas especiais, com exigências regulamentares que por vezes excluem todos ou quase todos potenciais beneficiários), limitados no tempo (ainda que prorrogue vez por outra depois de negociações políticas). E, pior, baseados na redução de alíquota ou na isenção (cujo benefício pode acabar limitado ao produtor de bens de capital e que nem sempre é pleno, se tiver sido tributada a cadeia de produção). À parte o enfrentamento estrutural da questão, que exige uma reforma tributária (como já foi proposto pelo governo federal, mais de uma vez), ou a construção de um novo sistema (hipótese levantada no Senado Federal), é preciso mudar a legislação infraconstitucional para assegurar, primeiro, o crédito imediato, pleno e automático de todos os tributos embutidos nos preços dos bens de capital (seja maquinário, sejam obras) adquiridos pelo contribuinte, e, segundo, agilizar a devolução de eventuais saldos credores acumulados (uma das hipóteses é permitir o pagamento de contribuições previdenciárias com tais créditos). Esta nova situação, que seria o chamado regime de crédito financeiro, pode ser adotada para o IPI e as contribuições do COFINS/PIS por projeto de lei ordinária (aliás, o Senado já o aprovou ao final de 2009 e agora está sob exame da Câmara). Já no caso do ICMS, será necessário aprovar uma lei complementar

A expansão do investimento público depende de mudanças mais profundas. A começar por impor à esfera central de governo a mesma austeridade e responsabilidade que passou a ser exigida das esferas subnacionais depois da edição da Lei de Responsabilidade Fiscal.


que restaure as regras que originalmente estavam previstas na chamada Lei Kandir (o crédito era à vista mas, posteriormente, a pedido das Fazendas estaduais foi parcelado em quatro anos). A expansão do investimento público depende de mudanças mais profundas. A começar por impor à esfera central de governo a mesma austeridade e responsabilidade que passou a ser exigida das esferas subnacionais depois da edição da LRF. Antes de tudo, é inadiável a fixação dos limites à dívida federal, seja à consolidada (que depende de Resolução do Senado), seja à mobiliária (que passa por lei), cujas propostas estão paralisadas no Congresso Nacional desde 2000 (não por acaso, quase sempre relatadas por líderes do próprio governo). Mais do que a União, que responde por mais de 90% a dívida pública nacional, passar a se submeter a algum limite de endividamento, uma hipótese seria fixar limites razoavelmente próximos

ou até mesmo inferiores ao nível atual de suas dívidas com relação à receita, traçando uma trajetória para sua redução ao longo dos próximos anos, da mesma forma que no início da década foi imposta, e cumprida com relativo sucesso, a trajetória para estados e municípios que renegociaram suas dívidas junto ao Tesouro Nacional antes da edição da LRF. A proposição é que, ao limitar a capacidade de financiamento da União, lhe seja imposta uma restrição orçamentária, do mesmo modo que governos estaduais e municipais já precisam obedecer há mais de uma década, e de uma forma muito mais efetiva e eficiente do que a aplicação de limites a despesas correntes (verificação se dá ex-post à assunção de compromissos, quando fica estreito o espaço para ajuste). Ao contrário do que parece à primeira vista, tal limitação pode contribuir para priorizar investimentos no âmbito federal: indiretamente, se

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conseguir conter o ímpeto recente de expansão do gasto cornão foi pago tenha sido automaticamente cancelado. rente federal (sem ter que escolher o que é mais prioritário denSem o recurso da figura distorcida dos restos a orçar, a contre tais gastos); e, diretamente, se eventuais exceções forem tratar e a pagar, o próprio Executivo Federal terá que apoiar e abertas para financiar projetos prioritários de investimentos. se empenhar na reforma do processo orçamentário. Para tanto, Mais especificamente, seria o caso de valorizar a chamada "rejá existe um projeto em tramitação no Senado, de iniciativa do gra de ouro", já prevista até no próprio corpo da Constituição Senador Tasso Jereissati e atualmente relatado pelo Senador Brasileira e adotada no exterior (como nos controles euroFrancisco Dornelles na Comissão de Assuntos Econômicos, peus), que aceita a contratação de crédito, com moderação, que propõe mudar radicalmente toda a sistemática vigente, indesde que vinculado diretamente a investimentos. clusive de apreciação parlamentar (que significa limitar o esÀ parte mudanças expressivas na política e nas práticas fiscais paço para emendas parlamentares). do governo central, é forçoso dar atenção especial aos investiPara fins do fomento aos investimentos, o debate chave deve mentos executados pelos governos estaduais e municipais porser o de buscar soluções mais adequadas para a definição dos que, como já foi demonstrado, é muito descentralizada no Brasil projetos de investimentos prioritários, para procurar sua viabia formação de capital fixo por suas administrações públicas. Reslidade técnica, ambiental e financeira antes da inclusão no orgatar e valorizar o princípio da "regra de ouro" na análise do poçamento e, o principal, para assegurar a continuidade das dotencial de endividamento estadual e municipal pode abrir oportações e das obras nos casos dos investimentos que envolvam tunidade para o financiamento de grandes projetos, até mesmo mais de um exercício financeiro. Ainda que seja um tema polêjunto a organismos internacionais e bancos públicos nacionais, mico, já existem propostas (inclusive no projeto antes citado) patendo em vista que o nível de dívida da grande ra assegurar o caráter plurianual da prioridade e maioria desses governos está abaixo do limite da continuidade de investimentos classificados máximo fixado pelo Senado em atenção à LRF, e como estratégicos por um governo, o que exigiPara fins do devem conseguir comprovar boa capacidade de rá uma reforma coordenada e ampla, desde o fomento aos pagamento do serviço futuro de novas dívidas. plano plurianual e as diretrizes orçamentárias, Hoje, o que impede o acesso da maioria desses até o orçamento anual. Aí caberá construir uma investimentos, o debate governos ao crédito não são restrições fiscais e espécie de rede de proteção para aqueles projechave deve ser o de sim as creditícias, impostas pelas autoridades tos que forem classificados como prioritários, e buscar soluções mais monetárias, muito mais visando a assegurar que que precisarão ter orçamento e financeiro asseadequadas para a gerem superávit primário elevado, o que objetigurado por um período de vários anos. definição dos projetos va contrarrestar o mau desempenho do mesmo No campo das empresas estatais, outras poresultado no âmbito federal. deriam receber o mesmo tratamento já dispende investimentos Uma alternativa direta e radical para romsado à Petrobras, que foi excluída do controle prioritários, para per com tal círculo vicioso seria permitir a esdas metas de necessidades de financiamento e procurar sua tados e municípios com dívidas renegociadas dívida líquida porque é uma empresa indeviabilidade técnica, junto ao Tesouro Nacional que pudessem utipendente do Tesouro – aliás, conceito já previsambiental e financeira lizar como uma espécie de nova "moeda de pato e observado pela LRF há 10 anos. Isso tamgamento" do serviço dessas dívidas os invesbém abriria espaço para terem mais acesso a antes da inclusão no timentos que realizarem em projetos considecrédito e mesmo ao mercado de capitais, incluorçamento (...) rados prioritários e monitorados pelo mesmo sive para financiar grandes projetos de infragoverno federal (como poderia ser o caso do estrutura. A grande contrapartida seria mesaneamento). Essa conexão direta permitiria lhorar a governança corporativa dessas emeconomizar custos burocráticos e agilizar as ações, que hoje presas, o que poderia ser obtido se o Congresso bem formuexigem uma longa e burocrática tramitação de convênios e emlasse e aprovasse o chamado Estatuto das Empresas Estatais, préstimos – para não falar na triagem política. previsto na Constituição e até hoje não votado. Ainda no campo dos gastos governamentais, é premente a Para unir todos os segmentos antes citados, uma boa alterrealização de uma profunda reforma dos instrumentos e do nativa poderia ser a construção de nova forma de parceria, em processo de orçamento público no País. que grandes projetos de investimentos em infraestrutura, de Para começar tal reforma, é preciso acabar com a distorção propriedade estatal, pudessem ser financiados e geridos por que assola os chamados restos a pagar, que de mero instruempreendedores privados – conforme sugestão levantada por mento normal de pagamento, se transformaram numa fonte Afonso e Biasoto (2009). de financiamento indireto e, especialmente, numa forma de ocultar um orçamento paralelo para alocar, contratar e pagar VII - Observações Finais gastos, notadamente no governo federal. É inaceitável que o volume de tais restos possa ser o dobro ou o triplo do que foi A eclosão da crise financeira global e a resposta dada em executado e pago no exercício financeiro que lhe deu origem. A 2009 pelo governo federal, com redução significativa da meta solução é simples: cancelar os restos que não forem pagos nos de resultado primário, forçou a eliminação de um dos obstámeses seguintes ao encerramento de um exercício financeiro, culos que, em tese, estariam emperrando o avanço dos invesde maneira que, passado um semestre, por exemplo, tudo que timentos públicos. Na realidade, formalmente as restrições fis-

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cais para a elevação dos gastos do governo em infraestrutura começaram a ser eliminados desde que o governo lançou o Projeto Piloto de Investimentos (PPI) em 2005 e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007. Na prática, entretanto, os investimentos não cresceram na magnitude esperada (e permitida fiscalmente) depois do PPIPAC, nem depois da crise internacional. Inegavelmente os investimentos cresceram em 2009, vimos anteriormente, mas em magnitude muito inferior ao verificado na maioria das economias emergentes. Ou seja, não assistimos em resposta à crise a tão esperada redenção do investimento governamental no Brasil, mas apenas um aumento tímido em valores absolutos, decorrente de projetos em amadurecimento.

Sem mudanças reais na estrutura da despesa pública e na taxa de investimento na economia brasileira, é preciso retomar e reforçar o diagnóstico sobre a real situação brasileira atual e sua distância da ideal. Isto é, os avanços do investimento público nos últimos anos foram inegáveis, mas o patamar a que chegaram ainda muito longe de constituir uma mudança estrutural, conforme evidenciado pelas mais recentes estatísticas e estimativas governamentais e da Contabilidade Nacional. Nem a prioridade anunciada pela política econômica para os investimentos acelerados do crescimento, nem o enfrentamento da crise financeira global, foram suficientes para mudar de forma significa o baixo padrão de investimento governamental observado na economia brasileira nos últimos anos. O governo federal não adotou uma

Divulgação

Evelson de Freitas/AE

A maior expansão dos investimentos públicos, adotando aqui um conceito amplo de "setor público", vieram em 2009 das empresas estatais, notadamente a Petrobras, demonstrando uma certa incapacidade da burocracia do governo federal para reagir à crise de forma rápida.

A maior expansão dos investimentos públicos, adotando aqui um conceito amplo de "setor público", vieram em 2009 das empresas estatais, notadamente a Petrobras, demonstrando uma certa incapacidade da burocracia do governo central federal para reagir à crise de forma rápida, mesmo depois de três anos de PAC. Inúmeros obstáculos de natureza legal ou regulatória (como o problema do licenciamento ambiental e a ação do Tribunal de Contas da União) têm sido elencados como fatores que estariam por trás da lentidão das obras públicas, mas a principal razão talvez seja de que o governo federal desaprendeu a investir. Além disso, a evolução dos desembolsos do governo federal realizados em 2009 não evidencia maiores mudanças na estrutura anterior. O incremento dos investimentos federais (0,2% do PIB) respondeu por parcela ínfima do aumento de despesas federais. A maior parte do aumento do gasto federal constatado em 2009 foi explicada por despesas de pessoal (0,5% do PIB) e com benefícios previdenciários e assistenciais (0,9% do PIB), que apenas parcialmente atuam como estabilizadores automáticos.

estratégia descentralizadora de suas ações (PAC), ignorando uma característica histórica dos investimentos, em que as administrações estaduais e municipais tendem a se mostrar mais capazes e ágeis na realização, especialmente de obras. Passado o pior da crise, especialmente no Brasil, é consensual a necessidade de reverter muitas das medidas fiscais adotadas no seu auge e aí surge o dilema: se nem com toda justificativa e prioridade imposta pela crise foi possível mudar significativamente o papel das administrações públicas e o próprio tamanho da taxa de investimento na economia brasileira, como evoluirá esse tipo de gasto? Enfim, um nó que certamente precisa ser desatado na economia brasileira é o da baixa taxa de investimento, tanto a geral, quanto a pública em especial. É preciso promover um redesenho institucional que abra caminho na direção de maior desenvolvimento econômico e social. Seja qual for esse arranjo institucional, seja qual for a matriz de pensamento econômico, com ou pós-crise, não há muitas dúvidas de que o Brasil precisa enfrentar de vez o desafio de retomar os investimentos governamentais.

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(1) Muitos são comentados em Afonso, Araújo e Biasoto Jr.(2005). Mas, em particular, chama-se a atenção para Afonso, Schuknecht e Tanzi (2006) que traçam uma análise comparativa da importância relativa dos investimentos governamentais em economias ao redor do mundo. Comparando a despesa total e o investimento, o Brasil se mostrou um caso singular, no qual o alto nível de gasto do Estado em relação ao PIB não é acompanhado por uma taxa de investimento governamental significativa – inclusive quando comparado aos países desenvolvidos, que, por princípio, necessitam de um menor esforço relativo para formar capital fixo do que os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. (2) A base de dados do WEO/IMF reproduz e consolida os dados fornecidos diretamente junto aos países. As informações prestadas por cada País em unidades monetárias locais foram extraídas da sua contabilidade nacional e segue a metodologia da ONU de 1993. Os dados não são auditados ou revistos pelo FMI, ao contrário do que ocorrem com outras estatísticas deste organismo quando elabora um estudo ou promove um acompanhamento da política econômica de um país. (3)Ver o detalhamento metodológico desse agregado das Contas Nacionais no portal das Nações Unidas: http:// unstats.un.org/unsd/sna1993/tocLev8.asp?L1=10&L2=3. (4) Note-se que a variável extraída da base do FMI, na conceituação original, é Gross public capital formation, current prices. Segundo a metodologia citada na nota de rodapé anterior, a definição é a seguinte: "Gross capital formation is measured by the total value of the gross fixed capital formation, changes in inventories and acquisitions less disposals of valuables." Sobre este ultimo conceito, menos citado na literatura, é dito: "Valuables are assets that are not used primarily for production or consumption, that do not deteriorate over time under normal conditions and that are acquired and held primarily as stores of value." (5) Os dados de 2008 são projeções e, portanto, precisariam de autorização dos respectivos países. Como se trata de um levantamento com mais de 100 países, é inviável dispor dessas permissões em período de tempo tão curto. À parte, menciona-se que, em 2008, se as projeções de todos os países forem confirmadas como apresentadas no primeiro levantamento: o Turcomenistão sairia do último lugar e dispararia na classificação (sua razão FBK pública/PIB saltaria para 4,26%) mas o Brasil (1,88%) ultrapassaria também as Repúblicas Dominicana (1,71% do PIB) e Eslovaca (1,86%), ou seja, iria para o antepenúltimo lugar no ranking de investimentos governamentais. (6) Análises específicas da China apontam taxas de FBK pública diferentes e menores – possivelmente, o levantamento aqui utilizado inclua as empresas estatais ou seja afetado pela forma como foram mensurados os estoques naquele país. Segundo Barnett e Brooks (2006) e Kuijs (2005), a taxa de FBKF total chinesa em meados desta década estava na casa de 40% do PIB. e crescia cerca de três vezes mais rápido do que o resto da economia. A estrutura da FBKF não revelava um peso desproporcionalmente elevado das administrações públicas –

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cerca de 4% do PIB em 2005. O dominante era o investimento das empresas, em torno de 31% do PIB (contra uma poupança de 20% do PIB), no qual atuam tanto estatais "puras" quanto muitas joint ventures com empresas multinacionais. (7) IPEADATA apresenta uma série ajustada da razão FBKF/PIB. (8) Esta situação crítica é destacada por Frischtak (2008). Ele faz estimativas dos investimentos em infraestrutura no Brasil entre 2001 e 2007, contemplando tanto os gastos públicos como privados. Conclui que: "... No total, os entes públicos foram responsáveis por 1,06% do PIB, muito abaixo do patamar mínimo necessário para evitar sua degradação (estimado em 3% do PIB)" (p.312). (9) Recomenda-se uma importante discussão metodológica em Gobetti (2010). (10) Para mais detalhes, ver Afonso e Junqueira (2009). (11) Para maiores detalhes, ver Afonso, Carvalho e Castro (2010). (12) Para fins de comparação resultado primário entre governos, é preciso fazer ajustes nos dados dos governos subnacionais para serem cotejados com os da União, que não segue a apuração prevista em manual da própria Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Como a União divulga nos relatórios da Lei de Responsabilidade Fiscal um superávit primário igual ao que divulga no boletim da STN, e este não leva em conta a evolução dos restos a pagar, cabe excluir dos resultados dos outros governos as inscrições não-processadas na mesma categoria, que eles passaram a reportar em separado no quadro do resultado primário anual, para uma mínima harmonização (o ideal seria recuperar todo histórico de restos a pagar). (13) Recentemente, uma avaliação equivocada, depois corrigida, sobre as contas de São Paulo decorreu de mudança na contabilização dos gastos com a previdência dos servidores que, sem ajuste, superestimaria a folha salarial do Estado – ver Schwartsman (2010). (14) Dentre as maiores capitais do país, São Paulo chama atenção especial porque, no ano passado, a despesa com pessoal caiu 0,4%, a receita permaneceu praticamente estável (+0,3%) e os investimentos recuaram em 19,4%, o que proporcionou um aumento do resultado primário de mais de 30%. Isto permitiu que a sua dívida consolidada líquida permanecesse praticamente estável de 2008 para 2009, com pequeno crescimento de 2,5%. Embora tenha conseguido um equilíbrio fiscal invejável, ao contrário dos estados o Município de São Paulo diminuiu o investimento, confirmando o ciclo políticofiscal já comentado. Outra capital a merecer destaque é Porto Alegre. Curiosamente, com movimentos de aumento de despesa (a despesa de pessoal cresceu 0,9% e os investimentos 7,1%) e de queda da receita (receita corrente líquida caiu 0,2%), a dívida consolidada líquida recuou quase 57% de 2008 para 2009 – o maior recuo dentre os municípios da amostra. (15) Na mesma linha, comenta-se que Mendes (2010) também apurou que a evolução das despesas com pessoal do agregado de estados e municípios (tomando por base a consolidação dos seus balanços, publicada pela STN até 2008) seguiu trajetória inversa à do governo federal:


"É interessante observar que, em contraposição à forte expansão da folha de pagamento federal, os estados e os grandes municípios (com mais de um milhão de habitantes) promoveram significativas contrações de suas despesas de pessoal.... Não fosse esse movimento compensatório, o consumo do governo do Brasil seria ainda mais elevado que aquele apresentado na seção anterior... " (em que o autor compara o peso do gasto público relativamente a outros países). (16) Chama-se a atenção para alguns detalhes da apuração do gasto federal no formato da Tabela 8. A folha de inativos está computada no grupo de gastos com pessoal, seguindo o formato usado em quadros da execução financeira (ao contrário das Contas Nacionais e da própria contabilidade pública, que contam apenas os ativos na despesa de pessoal). As transferências intergovernamentais compreendem um volume expressivo, não apenas pela repartição constitucional de tributos (como no caso dos fundos de participação), mas também por repasses regulares como no caso da educação (FUMDEB) e da saúde (SUS) – este último computado como se fosse custeio nas tabelas da STN. (17) No resultado publicado pela STN, as transferências constitucionais e legais para estados e municípios não são contabilizadas como despesa primária, motivo pelo qual o total da Tabela 7 é menor do que o da Tabela 8. Já as transferências voluntárias entram no grupo Outros Gastos de Custeio ou Capital, da STN. (18) Gobetti e Orair (2010) atribuem a redução do custeio à descentralização da saúde e das despesas na área de educação, que tiveram como contrapartida o aumento das transferências para estados e municípios. Ou seja, a contrapartida da queda do custeio é o aumento das transferências para outros governos. (19) Essa visão é bem sintetizada por Almeida e Pessoa (2010): "A conclusão é que não há muito espaço para redução do gasto público com o combate ao desperdício. Mesmo as medidas de gestão, por mais importantes e desejáveis que sejam, quase sempre demandam alteração constitucional ou legislativa para sua implementação. Finalmente, o gasto com juros não é tão elevado como se pensa. A manutenção do contrato social da democracia brasileira exigirá novas rodadas de elevação de carga tributária. Ou será que é chegado o momento no qual a sociedade demandará alteração do contrato social? Certamente esse será um tema que deveria ser tratado na próxima campanha eleitoral, pois a solução para esse dilema cabe ao eleitor." (20) O consumo das administrações públicas no Brasil em relação ao Produto Nacinal Bruto (PNB) foi comparado com o mesmo gasto realizado em outros 154 países por Mendes (2010). Sua conclusão é forte: "... O Brasil aparece em 28º lugar: ou seja, estamos entre os 20% com maior consumo do governo, o que indica um elevado gasto com pessoal, dada a nossa hipótese de que o consumo do governo é uma boa proxy para medir o gasto com pessoal.... Ou seja, o Brasil é o único desses países que não constitui uma economia européia desenvolvida, de elevado índice de desenvolvimento humano e com serviços públicos de alto padrão de qualidade... "

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A Gestão de Recursos Hum

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anos no Governo Federal Diagnóstico e Proposta Marcos Mendes/e-SIM

Nelson Marconi Mestre e Doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, professor da mesma escola e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ex-diretor de Carreiras e Remuneração do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (1996-99), e ex-assessor do Ministro da Ciência e Tecnologia (1999).

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Resumo Este artigo discute as características da gestão de recursos humanos no governo federal, analisando o período entre 1995 e 2009, e sugere nessa área uma política que possa contribuir para o alcance do perfil desejado para a força de trabalho no setor público federal. O diagnóstico revela uma ampliação significativa das despesas com pessoal, e também dos salários médios, principalmente no Poder Executivo. A diferença entre o salário inicial e final das carreiras foi estreitada, reduzindo incentivos para o desenvolvimento profissional. A elevação do número de servidores ocorreu tanto em áreas primordiais (educação) como em áreas de suporte administrativo, tradicionalmente superdimensionadas. O grau de qualificação dos servidores é bastante elevado, e há um descompasso entre este último e o nível de escolaridade requerido para o exercício de algumas ocupações. O desafio futuro reside na definição de incentivos ao desempenho e ao desenvolvimento profissional e de um maior controle da evolução das despesas.

As propostas incluem um planejamento da força de trabalho que oriente as ações da política de recursos humanos; uma estratégia de recrutamento permanente que possibilite contratar o número efetivamente necessário de servidores com o perfil adequado; a definição de carreiras com atribuições amplas e regras de promoção associadas à aquisição de competências; o alargamento da amplitude salarial; adoção de critérios técnicos para o acesso aos cargos em comissão; a instituição de mecanismos de avaliação de desempenho por resultados, associados ao pagamento de bônus; a definição de grandes grupos de ações de capacitação; reajustes salariais pontuais, somente nos casos em que for notado um desequilíbrio em relação aos valores praticados no mercado privado; simplificação da estrutura remuneratória; regulamentação adequada do estágio probatório e da possibilidade de demissão por insuficiência de desempenho, e o equacionamento do problema do financiamento da Previdência do Servidor Público.

Carlos Humberto/Ag. Pixel

A elevação do número de servidores ocorreu tanto em áreas primordiais (educação) como em áreas de suporte administrativo, tradicionalmente superdimensionadas.

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Introdução

E

ste trabalho discute a evolução das características da gestão de recursos humanos no governo federal, analisando o período entre 1995 e 2009(1), o qual possibilita comparar as diretrizes do atual governo sobre o tema com as implementadas pelo anterior, além de ser o intervalo para o qual se dispõe de um volume maior de informações. Com base no diagnóstico, é sugerida uma política de recursos humanos que possa contribuir, através de uma gestão mais eficiente, para o alcance do perfil desejado para a força de trabalho no setor público federal. O diagnóstico demonstra que houve uma mudança considerável na política de recursos humanos do atual governo, que em alguns aspectos resultou positiva, mas também gerou uma série de distorções que, dada a rigidez desse tipo de despesas, demorarão a ser corrigidas, principalmente quanto à evolução dos salários e despesas. Sendo assim, na Seção 1 este estudo analisará a evolução das despesas com pessoal do governo federal (desagregando ativos e inativos), e a do emprego e das remunerações praticadas no

(1) As informações de 2009 referem-se ao período entre

novembro/2008 e outubro /2009, no caso das despesas e remunerações (último dado disponível) e a outubro/2009, no caso dos quantitativos de pessoal. Os dados comentados, salvo quando expressamente indicado, são oriundos do Boletim Estatístico de Pessoal, do Ministério do Planejamento, e não incluem as informações relativas às empresas estatais.

período supra citado, discutindo conjuntamente características da atual política de recursos humanos. Na Seção 2 são apresentadas sugestões para uma política de recursos humanos com enfoque estratégico. A seção final inclui comentários adicionais. 1. Diagnóstico da evolução das despesas e do perfil da força de trabalho no governo federal A evolução das despesas com pessoal no governo federal foi bem superior à inflação desde 1995, tendo se intensificado no período do governo atual, conforme já é bastante conhecido. A Tabela 1 mostra estes dados e também apresenta outros resultados importantes que devem ser analisados. Primeiramente, o mais relevante é que as despesas com o Poder Executivo evoluíram mais no período entre 2002 e 2009 (doravante período 2) que entre 1995 e 2002 (doravante período 1), ao contrário dos demais Poderes, cujo crescimento foi maior no período 1. Assim, o Poder Executivo parece ter adotado uma estratégia de elevação dos salários, como veremos mais adiante, buscando aproximá-los dos patamares praticados nos demais Poderes, ainda que a variação das despesas no Judiciário e no Ministério Público ainda seja superior à observada no Executivo. Quando comparada a despesa anual em 2009 em relação à observada em 2002, 72% do crescimento é oriundo do Poder Executivo, e 39% de seus ativos. Na Tabela 2, é possível observar de que forma evoluiu a despesa dentro do Poder Executivo. Para os civis ativos, os gastos aumentaram o dobro (137%) do que haviam aumentado no período 1 (65%). A variação é ainda maior se considerarmos apenas os ativos da administração direta (57% no

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período 1 e 156% no período 2). Assim, parece claro que o governo federal optou por privilegiar o Poder Executivo nos aumentos concedidos. Para confirmar o argumento de que o governo buscou recuperar o nível salarial praticado no Poder Executivo, podemos observar a diferença entre os salários praticados para algumas carreiras ao final de 2002 e em outubro de 2009 na

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Tabela 3. O aumento é muito expressivo. Algumas carreiras conseguiram melhorar sua posição relativa na hierarquia salarial do Poder Executivo, como professores de 3º grau e advogados, sendo que esta alteração, no caso dos professores, é extremamente bem-vinda. Mas o nível salarial praticado, em geral, não guarda nenhuma relação com os observados no setor privado. Não há nenhuma justificativa de


ordem econômica para a adoção de tais patamares, conforme demonstrado mais abaixo. O fato de outros Poderes possuírem, até poucos anos atrás, uma grande autonomia para fixar suas remunerações, não justifica uma estratégia que faça com que o Poder Executivo se espelhe em outros Poderes que foram irresponsáveis do ponto de vista fiscal. A remuneração média (despesa mensal dividida pelo número de servidores) elevou-se mais entre os servidores civis ativos do Poder Executivo (excluídos deste cálculo o Bacen e as empresas públicas e sociedades de economia mista) que entre os militares, servidores do Legislativo e do Ministério Público, conforme mostra a Tabela 4. Só não se elevou proporcionalmente mais que a dos servidores do Judiciário. É possível argumentar que os salários dos servidores federais são bastante elevados porque eles possuem mais anos de estudo ou de experiência (neste último caso, em suas atividades atuais) e, por consequência, são mais qualificados. Isto é, a diferença de salários observada entre o setor público federal e outros setores pode ser decorrente de distintas características, chamadas de pessoais ou produtivas e não de práticas salariais diversas. Com o intuito de analisar este argumento, foram realizados testes econométricos em que se buscou isolar o efeito destas características para reconhecer se há diferenciação entre as políticas salariais adotadas nos dois setores que resulte em remunerações distintas em cada um deles para pessoas com as mesmas características. Os testes calculam qual seria o salário, no setor privado, de uma pessoa que trabalha no setor público e possui determinadas características e vice-versa. Assim, é considerada a diferente valoração que cada setor atribui às características pessoais (por exemplo, o setor público pode valorizar mais intensamente o nível de escolaridade que o setor privado). Se uma vez controladas estas diferenças, os cálculos demonstrarem que o salário que um servidor receberia no setor privado é distinto daquele que ele efetivamente recebe no setor público, então é possível afirmar que os mercados de trabalho referentes a estes dois setores adotam práticas salariais díspares. Fatores não associados às características

pessoais (que podem vir a gerar discriminação) ou produtivas, podendo ser inclusive de cunho político, explicariam os diferenciais de salários. A técnica descrita acima e utilizada nos testes econométricos foi desenvolvida por Oaxaca (1973) e detalhada em Benn (2008). As variáveis consideradas no cálculo são, além do salário ajustado a uma jornada de trabalho de 40 horas (para tornar as remunerações comparáveis), o gênero da pessoa e a cor, (características pessoais), com o intuito de isolar o impacto de práticas discriminatórias que porventura possam estar sendo praticadas em cada um dos setores; idade, experiência e anos de estudo como variáveis que refletem a qualificação das pessoas (as chamadas características produtivas) e uma vez controladas também isolam o efeito que a distinta valoração das mesmas, em cada setor, provoca sobre os salários; a filiação aos sindicatos (que pode influir sobre o nível dos salários, dado o impacto sobre o poder de barganha dos trabalhadores) e o Estado em que a pessoa atua, cujas características econômicas e mesmo políticas, conforme já observado neste estudo, impactam o emprego público e podem também terminar influindo as remunerações. Os dados utilizados são oriundos da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), realizada anualmente pelo IBGE, e a comparação se inicia em 1993 por ser um ano que antecede as mais recentes mudanças observadas na política de recursos humanos em todos os níveis de governo e por serem oriundos do levantamento em um ano cuja metodologia já se encontrava compatível com os padrões adotados atualmente pelo IBGE nesta pesquisa, e se encerram em 2008 por ser o último ano para o qual existem informações disponíveis. Foram consideradas apenas as informações referentes ao trabalho principal, dado que a ocupação secundária possui características específicas, por ser muitas vezes associada à complementação de remuneração, e poderia distorcer os resultados. A amostra inclui somente os empregados do setor público e privado (exclui os chamados "conta própria" e empregadores, além dos domésticos cujas ocupações também possuem características específicas quanto a, por exemplo, a

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jornada de trabalho). Estão considerados funcionários dos mercados de trabalho formal e informal, porque a magnitude deste último não é desprezível e existe mesmo no setor público (o chamado grupo dos "não-estatutários sem carteira"). Foram excluídos aqueles que trabalham no setor agrícola, pessoas com idade inferior a 18 ou superior a 70 anos e aqueles que possuem jornada de trabalho inferior a 10 ou superior a 72 horas semanais. Estas exclusões referem-se a características muito peculiares de parcela do mercado de trabalho que podem alterar substancialmente os resultados. Os dados incluídos na Tabela 5 indicam qual é a diferença, em termos percentuais, entre os salários praticados nas diversas subdivisões do setor público e os observados no setor privado, já controlados os possíveis efeitos das diferentes valorações que cada setor atribui às características incluídas nos testes econométricos. Assim, os percentuais da tabela refletem distintas políticas salariais praticadas nos setores público e privado, que podem inclusive ser consequência da atribuição de diferentes valorações às ocupações (mas não às características pessoais ou produtivas, já controladas). Foram incluídas outras esferas de governo, além da federal, na comparação para demonstrar que o comportamento desta última se distingue inclusive do observado nos governos estaduais e municipais. O diferencial de salários entre o setor público federal e o privado é crescente ao longo de todo o período considerado, tendo aumentado 55% (controladas as características listadas acima) entre 1993 e 2007, sendo que para os federais estatutários o aumento foi praticamente de 100% no mesmo período. Além disso, os últimos dados disponíveis demonstram que um servidor federal estatutário recebe hoje o dobro do que receberia se desenvolvesse suas atividades como empregado do setor privado. Os resultados são superiores aos

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observados na comparação entre as remunerações praticadas em qualquer esfera de governo ou tipo de vínculo e os salários praticados no setor privado, adicionados os controles mencionados anteriormente. Assim, podemos afirmar com segurança que o nível das remunerações praticadas no setor público federal estão, em média, bastante elevadas e superiores às observadas no setor privado e nas demais esferas de governo, mesmo considerando as diferentes características dos funcionários de cada setor. Certamente existirão situações localizadas em que esse diferencial não será positivo, mas os cálculos apresentados reforçam o argumento de que a questão remuneratória não é um problema para a política de recursos humanos no setor público em geral, menos ainda no governo federal; pelo contrário, os governos em alguns casos têm sido até muito condescendentes na concessão de reajustes. O nível de remunerações praticadas no governo federal parece ter mais explicações em questões políticas. Como resultado, os próximos governos terão sérias restrições para reorganizar a hierarquia salarial quando necessário, pois a recente evolução das despesas com pessoal foi muito significativa e ainda será maior, visto que uma parcela dos reajustes concedidos foram escalonados e ainda serão incorporados aos salários. Os atuais aumentos não estão gerando uma restrição fiscal mais significativa, porque a receita do setor público aumentou muito nos últimos anos, inclusive mais que as despesas com pessoal. Dados do Tesouro Nacional mostram que em 1998 (não há informações desta série anteriores a esta data) a relação entre despesas com pessoal e receita se situava no patamar de 25%, em 2002 em 22% e em 2008 em 18%. São recursos que poderiam, em parte, estar sendo alocados em outras despesas que gerariam maior crescimento econômico. Rocha


Joedson Alves/AE

O nível das remunerações praticadas no setor público federal estão, em média, bastante elevadas e superiores às observadas no setor privado.


(2006), por exemplo, realiza uma abrangente resenha sobre trabalhos empíricos nos quais se demonstra que as variações dos gastos com investimentos públicos geram um impacto maior sobre a demanda agregada que as variações nas despesas correntes do setor público, dentre estas, os gastos com pessoal (2) . Além destes estudos, é importante ressaltar que a estabilidade do emprego público, da forma como é disseminada no Brasil, mesmo entre aqueles que são contratados inicialmente como temporários, impossibilita a criação de postos de trabalho transitórios para amenizar os efeitos de uma contração do nível de atividade. Logo, não parece ser razoável considerar a expansão dos gastos com pessoal como um indutor consistente do crescimento da demanda agregada; na verdade, o aumento destas despesas reduz a poupança pública e a capacidade para investir do setor público, fazendo com que o efeito final seja contrário ao esperado. Há um problema adicional na estratégia adotada pelo governo federal. Os aumentos concedidos tiveram como característica a melhoria dos salários iniciais, para atrair mais candidatos. O aumento dos salários dos níveis finais de carreira normalmente provoca um crescimento muito significativo das despesas, pois impacta nas despesas com inativos, uma vez que os aumentos dos ativos são repassados a eles. Logo, os aumentos nos valores dos níveis finais de carreira foram menores. Enquanto os aumentos no salário inicial variaram entre 71% e 427%, os aumentos nos salários finais oscilaram entre 52% e 326%, conforme pode se observar na tabela 3. Como resultado, a amplitude salarial – a diferença percentual entre o salário inicial e final de carreira – diminuiu (vide Tabela 6). Este é uma distorção grave da política de recursos humanos, pois provoca um estímulo para o ingresso e poucos estímulos ao desenvolvimento profissional ao longo da carreira, dada a reduzida diferença entre o salário inicial e final. O governo anterior buscou reverter tal distorção, visto o alargamento da amplitude entre 1998 e 2002, e o atual retrocedeu nas melhorias obtidas anteriormente. Os próximos governos terão que, novamente, se preocupar com esta questão, fato cuja solução implicará certamente em aumento das despesas. Ressalta-se que a evolução das despesas com inativos no período pós 2002 foi menor que a observada no período anterior (vide Tabelas 1 e 2). As mudanças nos requisitos para a aposentadoria, derivadas das emendas constitucionais da Previdência de 1999 e 2003, bem como o arrefecimento das expectativas quanto a novas mudanças em tais requisi-

(2) O precursor destes estudos e do papel relevante do investimento é Keynes (1936) que em sua obra visava, dentre outros objetivos, analisar políticas que pudessem estimular a demanda agregada para recuperar o nível de atividade econômica de um ciclo recessivo. (3) Existem pequenas diferenças na composição dos civis do Poder Executivo para o cálculo da despesa média e do quantitativo (que não incluem o BACEN, as empresas públicas e sociedades de economia mista e os instituidores de pensão no primeiro caso), mas que não são significativas a ponto de alterar de forma substancial os resultados apresentados.

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tos, parecem ter contribuído para evitar uma evolução maior deste grupo de despesas. Este argumento se baseia no fato de que, enquanto a despesa média com inativos evoluiu de forma próxima à observada para os ativos, o quantitativo de inativos evoluiu bem menos que o de ativos (por exemplo, entre os civis do Poder Executivo, o quantitativo de ativos aumentou 12% e o de inativos cresceu 2%; já a despesa média com ativos aumentou 140% e a com inativos em percentual bem próximo, 146%) (3) . Por consequência, a participação das despesas com inativos nas despesas totais com pessoal declinou de 42% em 2002 para 39% em 2009, como demonstra a Tabela 7. De qualquer forma, o aumento verificado nas despesas com inativos é bem superior à inflação e poderá gerar sérias restrições às políticas de recursos humanos no futuro, quando o impacto inicial do alongamento do prazo de permanência em serviço tiver se dissipado.


Sérgio Lima/Folha Imagem

O governo federal não poderia ter contratado um número tão elevado de servidores sem saber se este contingente é necessário.

Outro fato a ser ressaltado no tocante às recentes diretrizes da política de recursos humanos do governo federal é a significativa evolução do quantitativo de servidores nos últimos anos. Há uma grande discussão sobre o número de servidores necessários no Brasil mas, na verdade, os fatores fundamentais para definir o tamanho do setor público em termos de servidores (e o correspondente perfil necessário) são o papel desempenhado pelo Estado (que varia entre países, regiões e esferas de governo), os serviços prestados em função desta definição e a forma como presta estes serviços – o seu modelo de gestão. Ademais, as questões quantitativas e qualitativas referentes à força de trabalho no setor público são ainda mais relevantes, especialmente em contexto de reforma administrativa e de redefinição das atribuições do Estado, como o que o Brasil e outras democracias ocidentais passaram nas décadas recentes. O processo correto para definir o número de funcionários e o correspondente perfil necessários de acordo com as funções e o modelo de gestão adotado é chamado de planejamento da força de trabalho e pouquíssimos governos o adotam para dimensionar seu número adequado de servidores. Sua realização requer levantamentos de informações sobre os objetivos e processos de trabalho em cada setor, o que a torna bastante complexa e inviável no âmbito deste estudo. Assim, não é fácil definir o número ideal de empregados

públicos no serviço público federal. O que chama a atenção nos dados, na verdade, é a acentuada mudança que ocorreu nas diretrizes em relação às contratações de servidores no Poder Executivo. Enquanto no período 1 houve uma queda, nesse Poder, de 142.000 servidores ativos (-15%), no período 2 o crescimento foi de 105.000 servidores (+13%). Entre os civis do Executivo, o aumento foi de 64.000 servidores (queda anterior de 101.000 servidores), e entre os militares, de 41.000 (para estes, equivalente à queda que havia ocorrido no período anterior). O governo federal não poderia ter contratado um número tão elevado de servidores sem saber, com base em um critério técnico bem definido, se este contingente é realmente necessário. A redução anterior não foi fruto de demissões, mas de desligamentos que não implicaram em reposição de pessoas nas vagas deixadas em aberto. Aproximadamente metade (44%) da variação observada no quantitativo de servidores civis ativos do Poder Executivo (cerca de 28.000 servidores) corresponde a acréscimos na área de educação. A expansão das universidades e dos centros federais de ensino explica uma parcela razoável deste aumento. Entretanto, os dados mostram que também neste cenário há uma distorção significativa: aproximadamente 38% deste aumento foi destinado às áreas administrativas da Educação, sendo que o total de servidores das carreiras administrativos de tais organizações é maior (104.000 pes-

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soas) que o de professores (90.000). Aqui reside uma das maiores distorções do quadro de servidores da administração pública federal, que se repete nas outras áreas do governo e vem sendo transmitida de governo para governo: não é razoável que exista um número maior de servidores administrativos que de professores no governo federal. Esta é uma característica que se repete nas demais áreas, isto é, não somente na Educação. A Tabela 8 mostra, baseada em dados da PNAD, qual é a participação dos grandes grupos ocupacionais nessa esfera de governo. Como a PNAD é uma pesquisa domiciliar baseada em questionário, cuja amostra é expandida para estimar o universo que abrange, os números não coincidem com os apresentados pelo Boletim Estatístico de Pessoal; a PNAD foi aqui adotada porque o Boletim não possibilita fazer a classificação que se segue. Além disso, é importante ressaltar que neste quadro também estão incluídos os funcionários de empresas estatais custeados com recursos próprios, que não integram o Boletim Estatístico de Pessoal. A Tabela 8 revela que há mais servidores nas áreas de apoio administrativo em geral que nas atividades finalísticas de saúde e educação (e que em qualquer outro grupo ocupacional), sem considerar que algumas pessoas que declaram ser profissionais de carreiras ligadas às áreas finalísticas também podem estar atuando em atividades meio. Esse é o problema mais significativo da composição da força de trabalho no setor público, mais relevante que o montante de servidores existente. Se considerarmos a contribuição para a variação (que corresponde à participação na variação absoluta), o grupo que mais aumentou também é o dos servidores de apoio administrativo. Logo, além de serem o maior grupo, também correspondem ao que registrou o maior número de contratações entre 2002 e 2008. Esta constatação reforça a hipótese de distorção na composição da força de trabalho.

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A política remuneratória adotada, apesar de pressionar fortemente as despesas, parece ter contribuído para a melhoria do perfil da força de trabalho. Podemos observar na Tabela 9 que o número de servidores com escolaridade de nível superior (ou mais que superior) aumentou bastante nos últimos anos. Uma parcela desta elevação pode ser derivada de atualizações cadastrais, mas mesmo assim é inegável a melhoria observada no perfil. Em relação ao nível de escolaridade do cargo (isto é, nível de escolaridade requerido para ingresso no cargo), porém, observamos que a evolução não foi a mesma: entre 1997 e 2002, a participação de cargos de nível superior aumentou, e posteriormente se estabilizou (Tabela 10). Se observarmos os ingressos, por sua vez, houve uma redução, na participação relativa, dos cargos de nível superior e um aumento dos cargos de nível intermediário (que demandam escolaridade de nível médio para ingresso). Este dado confirma os comentários sobre a Tabela 8 (evolução dos quantitativos nos grupos ocupacionais): uma parcela das contratações realizadas nos últimos anos agravou distorções previamente existentes, e que vinham sendo corrigidas, na composição da força de trabalho do governo federal. Dado os elevados níveis salariais praticados, há uma elevada oferta de pessoas querendo ingressar no serviço público, acirrando a disputa pelos cargos, o que leva o governo a conseguir atrair pessoas muito qualificadas até para os cargos que demandam apenas escolaridade de nível médio. Porém, como os ingressantes podem estar sobre-qualificados (vide a defasagem entre o perfil de escolaridade das pessoas e o exigido para o exercício dos cargos), há uma demanda por parte dos mesmos em progredir para posições de nível superior, fato impossibilitado pela Constituição, que gera um desestímulo significativo à sua atuação, pois eles tendem a avaliar que as suas atividades são muito operacionais e incompatíveis com o seu nível de conhecimento.


cialmente a atividades de suporte administrativo, às quais já existem muito servidores associados; d) as contratações para cargos que demandam conhecimentos de nível médio aumentaram e há um descompasso entre a escolaridade requerida para o cargo e a possuída pelo servidor, fato que certamente resultará em desestímulo futuro para ele realizar suas atividades; e) o perfil dos ocupantes dos cargos em comissão de mais alto nível tem se deteriorado; f) a amplitude salarial das carreiras foi reduzida, o que resulta em menor incentivo à progressão para os servidores. Em suma, foram criados incentivos remuneratórios para o ingresso no serviço público, fato que pode ser comprovado pela concorrência nos concursos; entretanto, não há uma estrutura adequada de incentivos para o servidor se desenvolver e desempenhar de forma eficiente suas atividades. O recrutamento de pessoas qualificadas é uma realidade no setor público; a política de recursos humanos já atingiu este objetivo. O desafio agora é controlar as despesas, melhorar a composição dos cargos que compõem a força de trabalho e criar estímulos aos servidores para o seu desempenho. Estas devem ser as preocupações principais da política de recursos humanos do governo federal, cujas sugestões de diretrizes serão apresentadas a seguir. 2. Sugestões de uma política de Recursos Humanos com enfoque estratégico para o governo federal Em relação aos cargos em comissão, também nota-se uma mudança insatisfatória nas características dos postos de direção mais elevados (DAS-6), que correspondem aos secretários e presidentes de autarquias. Houve uma redução no percentual de ocupantes com escolaridade de nível superior ou maior. Se em 2002 esse percentual atingia 99%, em 2009 foi reduzido para 92%. Não é razoável nomear, para cargos em comissão que demandam um nível de formação e conhecimento específicos tão elevados, pessoas com escolaridade inferior ao ensino superior. A redução deste percentual indica que critérios não técnicos podem ter sido utilizados para a nomeação de pessoas para estes cargos. Podemos resumir este diagnóstico afirmando que: a) as despesas com pessoal evoluíram significativamente nos últimos anos, e que parcela significativa da mesma resulta de aumentos salariais concedidos aos servidores do Poder Executivo, provavelmente visando alcançar os padrões remuneratórios praticados nos demais Poderes; ainda que a receita pública tenha aumentado mais que as despesas com pessoal, estes recursos poderiam estar sendo utilizados para elevar o investimento do governo, cujo efeito multiplicador seria mais significativo para o crescimento econômico; b) as despesas com inativos variaram menos, talvez pela dilatação dos prazos de aposentadoria definidos nas últimas reformas constitucionais sobre o tema, ainda que permaneçam um problema a ser solucionado para evitar desequilíbrios maiores no futuro; c) houve uma grande expansão do número de funcionários, em parte destinada a atender a expansão dos serviços de educação, mas em outra parte pouco vinculada a estudos mais pormenorizados das necessidades efetivas de servidores para a força de trabalho e associada par-

Nesta seção, será discutido o desenho de uma política estratégica de recursos humanos – isto é, alinhada com os objetivos das organizações – que possibilite a solução das distorções apresentadas acima. Como o emprego público e as despesas com pessoal são rígidas, algumas das sugestões aqui relacionadas somente surtirão efeitos no longo prazo. Mas é possível distinguir aquelas que são mais imediatas das que demorariam mais para serem aplicadas em sua plenitude. Os instrumentos adotados no âmbito desta política devem ser consistentes e interdependentes, garantindo a atratividade e a permanência dos bons servidores, devem visar o desenvolvimento profissional e incluir os incentivos adequados, tanto no que concerne aos estímulos ao desempenho como à cobrança de resultados. Os componentes principais de tal política seriam o recrutamento, as regras de desenvolvimento profissional (promoção e progressão), a estrutura de remuneração, a avaliação de desempenho e a política de capacitação, os quais devem ser desenhados de forma a possibilitar o alcance dos objetivos apresentados acima. A seguir serão apresentadas as principais características de cada um destes componentes, começando por um instrumento que auxilia consideravelmente a formulação da política de recursos humanos, o planejamento da força de trabalho, cuja aplicação seria muito importante no caso do governo federal, dadas as distorções na composição de seu quadro de pessoal apontadas no diagnóstico (4).

(4)

Uma discussão mais detalhada sobre os possíveis instrumentos da política de recursos humanos no setor público encontra-se em Marconi (2005).

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2.1. O planejamento da força de trabalho O planejamento da força de trabalho é um processo sistemático e contínuo de avaliação das necessidades futuras de recursos humanos, no tocante ao quantitativo, composição e perfil, e de definição das estratégias e ações relevantes para viabilizar o alcance de tais necessidades. Estas variam ao longo do tempo, de acordo com as mudanças na missão da organização, nos processos de trabalho e nos governos, os quais podem redefinir as prioridades políticas. A composição da força de trabalho no governo federal, apresentada na seção anterior, indica que predominam as ocupações associadas ao desempenho de atividades de suporte administrativo e operacional, o que representa uma distorção a ser corrigida. A aplicação do planejamento da força de trabalho possibilitaria a sua solução e a resposta a outras questões como: o número de profissionais de um determinado grupo é suficiente, dadas as funções de governo e as demandas da sociedade? Que tipo de contrato é mais adequado em determinada situação, o temporário ou permanente? A qualificação dos servidores que desempenham determinada atribuição é satisfatória? Qual estratégia adotar em relação a este grande contingente de servidores contratados de forma precária, principalmente aqueles que já estão vinculados à administração pública há muito tempo e que, na verdade, são funcionários permanentes? Sua elaboração envolve as seguintes etapas: a) reconhecimento da missão, objetivos, metas da organização e estratégias adotadas para alcançá-las; b) avaliação das potenciais mudanças futuras em relação ao ambiente externo e interno para determinar o cenário de atividades mais provável para o período considerado; c) estimativa das necessidades de recursos humanos, sob o ponto de vista quantitativo e do perfil, condizentes com os objetivos da organização e o cenário esperado para o futuro; d) levantamento da situação atual do quadro de pessoal sob o ponto de vista quantitativo e de seu perfil; e) identificação das diferenças entre as necessidades futuras e a oferta atual de recursos humanos; f) desenvolvimento de estratégias para eliminar tais diferenças e assegurar que a força de trabalho atual se desenvolva de forma a contribuir para o atendimento das demandas futuras, estimadas a partir dos objetivos organizacionais e do cenário esperado, levando em consideração os custos de implementação e as restrições orçamentárias. Estas estratégias incluem processos seletivos, ações de capacitação ou redistribuição dos atuais servidores, considerando os desligamentos que virão a ocorrer, e a criação de condições para reter os talentos já existentes. Assim, é fácil notar que o planejamento da força de trabalho (PFT) é um insumo fundamental para o desenho das ações a serem adotadas no âmbito de uma política de recursos humanos. 2.2. Recrutamento e seleção O quantitativo e o perfil dos servidores a serem contratados devem ser definidos pelo PFT e a política de concursos deve possibilitar o ingresso constante e planejado de servidores na

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Sérgio Marques/Ag. O Globo

O planejamento da força de trabalho é um processo sistemático e contínuo de avaliação das necessidades futuras de recursos humanos, no tocante ao quantitativo, composição e perfil, e de definição das estratégias e ações relevantes para viabilizar o alcance de tais necessidades.

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to, uma estratégia de desenvolvimento profissional para os administração pública, incluindo a publicação de um cronoservidores se faz fundamental. grama com o número de vagas ofertadas a cada ano por cargo, As atribuições de uma carreira devem ser suficientemente sem a permanência de uma lista aberta para chamadas posteamplas para permitir a movimentação de servidores e o deriores (as exceções podem ser apenas cargos em que se observa sempenho de gama maior de atividades, o que constitui um muita rotatividade, tais como professor e médico). A sistemáganho de competências para o servidor. As carreiras cujas atritica sugerida é semelhante à de um vestibular. buições sejam semelhantes em diversos órgãos, como as admiUma política de concursos que adota as características senistrativas e operacionais, devem ser unificadas (intituladas melhantes à de um vestibular permite a renovação de quadros, horizontais). Nas situações em que as atividades previstas possibilita às pessoas planejarem a sua participação em conabrangem graus de complexidade maiores e demandam cocursos, tornando esta prática comum e reconhecida pela socienhecimentos técnicos distintos, é importante definir carreiras dade, cria um estímulo ao ingresso no serviço público e inibe a e atribuições mais específicas. formação de grupos herméticos de servidores. O diagnóstico construíAurélio Martins/Ag. A Tarde do na seção anterior demonstrou que o emprego cresceu significativamente no governo federal nos últimos anos. Se o Poder Executivo tivesse optado pela adoção das sistemáticas de planejamento da força de trabalho e de recrutamento descritas acima, certamente a evolução do número de servidores teria sido mais equilibrada e ajudaria a corrigir as distorções na composição do quadro de pessoal da administração pública federal. Quanto às modalidades de recrutamento, é importante possuir um leque de alternativas que possam ser adotadas de acordo com o perfil deseO governo federal criou muitas carreiras para órgãos específicos e reverter este quadro jado: prova escrita, prátinão é simples e nem rápido, pois envolve muitas negociações e reorganizações salariais. ca, entrevistas abertas (com lista de questões padronizadas) e exames psicotécnicos. O curso de formação, essencial para que a O governo federal criou, nos últimos anos, muitas carreiras pessoa se adapte às atividades da carreira e do setor público, para órgãos específicos e reverter este quadro não é simples deve permanecer constituindo uma etapa do concurso para nem rápido, pois envolve muitas negociações e reorganizao ingresso nas diversas carreiras. Deve-se também consideções salariais. Talvez tenhamos que conviver com esta rigidez rar que uma parcela das contratações continuará ocorrendo adicional, assim caracterizada por inibir a mobilidade entre de forma temporária e, neste caso, os processos seletivos deórgãos, por um período considerável. vem ser mais simplificados (não no tocante ao conteúdo, As regras de promoção(5) devem estar associadas à aquimas em relação aos procedimentos). sição de competências por parte do servidor. A estrutura da carreira deve possibilitar que o servidor atinja seus níveis fi2.3. Estrutura de carreira nais em um prazo não muito distante de sua aposentadoria e e desenvolvimento profissional que ele visualize a progressão como uma efetiva oportuniA estabilidade, as regras de aposentadorias e os níveis salariais praticados terminam atraindo muitas pessoas qualificadas para o governo federal e que permanecerão por um período considerável nos quadros de suas organizações. Portan-

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(5)

Este texto não adotará nenhuma distinção entre os critérios de progressão e promoção, usual na administração pública; ambas palavras serão utilizadas como sinônimos.


dade de melhoria financeira (o que constitui um importante incentivo). A diferença entre a sua remuneração inicial e final deve se situar no intervalo entre 100% e 200%, observadas as restrições fiscais. Como o governo atual reduziu consideravelmente a amplitude salarial de diversas carreiras, conforme discutido anteriormente, o seu alargamento terá de ocorrer aos poucos e combinar uma redução do salário de ingresso para os futuros servidores com um aumento proporcionalmente menor dos salários das posições de final de carreira, dadas as pressões de custos que poderiam resultar do aumento acentuado destes últimos. É uma medida politicamente di-

em comissão que o governo considera estratégicos e cuja nomeação é muito suscetível a pressões políticas, como por exemplo, os de ordenadores de grandes despesas. Este processo envolve a definição das competências necessárias para o exercício de determinadas atribuições e a realização de exames (escritos e práticos) para auferir se os candidatos possuem tais competências. Somente os aprovados ou certificados no processo estariam aptos a concorrer a esta posição quando houvesse uma vaga disponível; d) a criação de um banco de talentos na administração pública. O crescimento da participação de técnicos e auxiliares (cargos que demandam nível médio de escolaridade) na composição do emprego público Newton Santos/Hype no governo federal, aliado ao número proporcionalmente maior de servidores com escolaridade de nível superior, indica que há um descompasso entre os requisitos dos cargos e a escolaridade dos funcionários, que foram se tornando sobrequalificados ao longo do tempo. Para amenizar este desincentivo, sugerese que o governo retome o desenho de carreiras que possuam dois cargos, um com requisitos de escolaridade de nível médio e outro superior, e que possibilite a progressão de um a outro cargo. Deve haver uma negociação com o Poder Judiciário em torno do tema para enUm importante incentivo para o servidor constitui-se na possibilidade contrar uma solução que de ocupação de um cargo de chefia em função de seu desempenho (...) viabilize este importante incentivo aos servidores. Nesta proposta, toda a estrutura de desenvolvimento profissional está privilegiando fícil e terá que ser amplamente negociada, provavelmente e premiando a aquisição de competências. Este é o critério báenvolvendo outros incentivos compensatórios para o desico que deveria nortear a trajetória de carreira do servidor. A senvolvimento profissional. seguir serão discutidos os critérios desejáveis para um imporUm importante incentivo para o servidor constitui-se na tante instrumento da política, a avaliação de desempenho. possibilidade de ocupação de um cargo de chefia em função de seu desempenho, e um dos maiores desestímulos, hoje, é a per2.4. Avaliação de desempenho cepção que a indicação para estes cargos segue critérios meramente políticos, como parece, por exemplo, ter ocorrido em A prática disseminada de altos salários, conforme pode se relação aos DAS-6, conforme analisado anteriormente. Assim, observar na análise inicial deste estudo, constitui um impora disseminação de critérios técnicos e competências necessátante estímulo para o ingresso no setor público, mas não nerias para a ocupação dos cargos em comissão, hoje existente cessariamente para o desempenho dos servidores, principalem alguns órgãos, é salutar. mente se os mecanismos associados à evolução profissional Quatro instrumentos podem contribuir neste processo: a) não estiverem associados à sua performance. Contratar pesa definição de comitês de busca de candidatos para cargos de soas qualificadas e pagar bons salários, prática que vem sendo alta gerência; b) um processo de recrutamento aberto; c) um adotada, mas não utilizar mecanismos que estimulem o serviprocesso de certificação de competências para alguns cargos

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dor a aproveitar seu potencial e melhorar sua performance, pela organização e inclui a concepção de planos anuais de capode caracterizar um grande desperdício de recursos. pacitação em cada organização, de forma a possibilitar o plaA avaliação de desempenho baseada no alcance de resulnejamento das ações de treinamento. tados é um dos instrumentos mais relevantes na gestão estraO diagnóstico do emprego público federal demonstrou que tégica de recursos humanos, pois possibilita alinhar as metas os servidores possuem, em média, um nível de escolaridade da organização, os objetivos das equipes, o envolvimento bastante elevado e, assim, as ações de capacitação direciona(por se sentirem co-responsáveis) e a performance dos servidas aos mesmos têm que envolver um maior grau de compledores, contribuindo para disseminar uma cultura voltada xidade. Além disso, como existe um grupo numeroso de serpara o alcance de resultados. Uma política consistente de vidores nas áreas de suporte e operacional, parcela consideráavaliação de desempenho leva os funcionários e gerentes a vel das ações de capacitação deve ser orientada para a melhodefinirem e priorizarem em conjunto as metas e objetivos, esria dos processos de trabalho nestas atividades, incorporando tabelece a contribuição das equipes para o alcance dos objeas mudanças decorrentes da evolução tecnológica, o que tamtivos da organização e reconhece e premia a busca do aumenbém contribuiria para, a médio prazo, ajustar a magnitude do to da produtividade. A performance é definida pelo percengrupo de servidores associados a estas ocupações. Por outro tual cumprido das metas pré-estabelecidas. Tais metas são lado, os gestores da política de capacitação também precisam derivadas do planejamento estratégico (cuja evitar a oferta indiscriminada de cursos de existência é um pressuposto fundamental de pós-graduação, que poderia constituir diretriz todo o modelo). Ademais, os processos de fácil em virtude da elevada qualificação dos O diagnóstico do avaliação precisam ser percebidos como jusservidores; tornar os servidores sobre-qualifiemprego público tos pelos participantes (6). cados em relação à função que desempenham Modelos de avaliação de desempenho inpode provocar efeito contrário ao esperado, federal demonstrou dividual não possuem a mesma eficácia. Há gerando desestímulo aos mesmos. que os servidores uma série de problemas em sua implementaOs grandes grupos de ações de capacitapossuem, em ção e as experiências recentes não têm apreção na administração pública devem ser os média, um nível de sentado bons resultados (7). A avaliação indiseguintes: escolaridade vidual envolve chefe e subordinado e esta rea) as ações vinculadas à disseminação da lação direta termina inibindo um processo missão, objetivos, metas gerais e específicas do bastante elevado e, efetivo de avaliação, pois a afinidade entre grupo e da estratégia adotada pela organizaassim, as ações ambos pode impedir a realização de uma anáção (extensíveis a todos os seus servidores); b) de capacitação lise isenta; adicionalmente, é difícil definir as ações destinadas ao aprimoramento das direcionadas metas individuais objetivas e os critérios adocompetências necessárias para exercer as ativiaos mesmos têm tados neste tipo de avaliação terminam sendo dades de uma determinada carreira (extensísubjetivos. A avaliação de desempenho indiveis a todos os seus integrantes); c) as ações que envolver vidual deve, na verdade, corresponder a uma destinadas a aprimorar as competências indium maior grau de entrevista anual que possibilite identificar viduais, desenhadas com base nas informacomplexidade. pontos fortes e fracos da performance dos serções advindas das avaliações individuais; d) as vidores, suas habilidades, deficiências e reaações voltadas ao aprimoramento do conhecilizações, o que auxiliará na definição das mento sobre as alterações na tecnologia e prooportunidades de capacitação aos profissionais nas áreas em cessos de trabalho; e) as ações orientadas para a mudança culque forem identificadas as dificuldades. tural dos gerentes; f) as ações necessárias à implementação No modelo aqui proposto adotaremos a avaliação de dedesse novo modelo de gestão de recursos humanos. sempenho como um instrumento destinado a definir o valor Os gerentes constituem-se em um conjunto de atores funde um bônus por resultados, citado abaixo, enquanto a avadamental para o processo de reforma da gestão pública e da liação individual será um insumo importante para a definimudança cultural orientada para a busca de resultados. Esção de ações de capacitação, as quais se constituirão no prinpecificamente em relação à gestão de recursos humanos, é cipal critério para a definição dos servidores que progrediimportante que eles entendam sua função como gestores do rão na carreira. Desta forma, o vínculo entre avaliação, cadesenvolvimento profissional de seus subordinados, prinpacitação e progressão é fortalecido e vai constituir um dos cipalmente nos aspectos relacionados à avaliação, progresprincipais alicerces da política aqui proposta. Passemos ensão e capacitação. A ENAP, a ESAF e as demais escolas de tão à discussão sobre as diretrizes da política de capacitação governo já vêm desempenhando há alguns anos um papel para os servidores. importante nesse processo. 2.5. Política de capacitação (6) Sobre o tema da avaliação de desempenho associada à

A política de capacitação deve ser desenhada de forma a garantir o desenvolvimento profissional dos servidores baseado no perfil necessário para o alcance dos resultados desejados

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performance e principalmente sua relação com o pagamento de salários e bônus, ver OECD (2005). (7) Sobre esta questão, ver Barbosa (1996).


Tiago Queiroz/AE

A política de remuneração é aspecto muito sensível da gestão de RH, pois é o maior incentivo pecuniário entre todos os existentes na relação entre a organização e seus funcionários. Na foto, fila para inscrição em concurso público em Paulínia (SP).

2.6. Política de remuneração A política de remuneração é aspecto muito sensível da gestão de recursos humanos, pois é o maior incentivo pecuniário entre todos os existentes na relação entre a organização e seus funcionários. Para que a política remuneratória seja vista como justa e estimule a atuação dos servidores, a hierarquia salarial (o ordenamento dos salários a partir do maior para o menor) de uma organização deve ser consistente. Do contrário, é possível que o governo possa estar gastando uma quantidade significativa de recursos, e mesmo assim os servidores se encontrarem insatisfeitos, enquanto o retorno desta despesa para a sociedade seria ínfimo. A consistência da hierarquia salarial de uma organização é garantida pela observância dos seguintes critérios: a complexidade das atribuições desempenhadas, as competências requeridas para tal, as responsabilidades envolvidas em sua execução e o desempenho do servidor. A definição desta hierarquia é trabalhosa e cara. Assim, um parâmetro mais simples para avaliar a adequação dos salários praticados é a comparação com os valores observados no mercado privado que, por

(8)

Ver Arvate et alli (2009).

ser mais ágil e dinâmico, promove o ajuste na hierarquia salarial de forma mais rápida e eficiente. Também é importante comparar com as remunerações praticadas nas demais organizações públicas que disputam a mesma força de trabalho. O reequilíbrio da hierarquia salarial, caso sua necessidade seja detectada, é fundamental para resgatar o caráter de incentivo dos salários, o que implica em correções setoriais e diferenciadas para as carreiras que apresentarem as maiores defasagens sob este critério de comparação. Outras variáveis que influem sobre o processo de definição dos salários no setor público são: a) a disponibilidade de recursos fiscais; b) a participação das receitas oriundas de transferências na receita total da localidade (se esta participação for elevada, o ônus da tributação não recai sobre o contribuinte do Estado e por isso o governo se torna mais suscetível a conceder aumentos) (8) e, c) as pressões políticas dos grupos mais numerosos (portanto associados a um grande número de eleitores), daqueles cujas atividades sejam essenciais ao Estado e dos mais próximos ao processo decisório (que podem influir fortemente sobre o mesmo). As duas primeiras afetam as remunerações de modo geral, enquanto a última influi sobre a estrutura de salários relativos. A análise dos salários praticados na administração pública federal realizada na primeira parte deste trabalho demons-

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trou que os níveis remuneratórios são bastante elevados. Assim, o governo federal não precisa concentrar esforços e recursos no sentido de recuperá-los ainda mais; pelo contrário, terá de se preocupar em conter avanços posteriores. Deverá aplicar reajustes apenas pontuais, visando manter a consistência da hierarquia salarial. É importante também reduzir (através da agregação) o número de parcelas remuneratórias para tornar a hierarquia salarial mais transparente, tanto para os servidores como para os gerentes e a própria sociedade. Isto o governo atual vem fazendo; entretanto, ao transformar os salários de algumas categorias em subsídio (parcela única), impossibilita a existência de um mecanismo com as características descritas a seguir. Seria muito importante para a política de recursos humanos que o governo federal adotasse um instrumento que se constituísse em um incentivo para os servidores e possibilitasse ao mesmo tempo cobrar resultados. Neste sentido, a criação de um bônus vinculado aos resultados obtidos na organização e pelas equipes, de forma a recompensar a performance e estimular o trabalho em grupo e o enSeria muito volvimento de todos os servidores no alcance das importante para a metas definidas para a organização, seria bem-vinda. Este mecanismo de remuneração variável é totalpolítica de recursos mente compatível com um modelo de gestão orienhumanos que o tado para resultados e, mais especificamente, fungoverno federal damental para complementar a consistência de um adotasse um instrumento modelo de gestão de recursos humanos baseado na que se constituísse avaliação de desempenho e na aquisição de competências. A Constituição Federal, em seu artigo 39, paem um incentivo rágrafo 7º, cria esta possibilidade. para os servidores e 3. Comentários finais

possibilitasse ao mesmo tempo cobrar resultados.

Além destes aspectos, outros devem ser considerados na construção de um modelo bem sucedido de política de recursos humanos. Destacam-se os seguintes: a) a redefinição das atividades que o Estado vai exercer diretamente e daquelas que pretende contratar, o que constitui um insumo relevante para a elaboração do planejamento da força de trabalho; b) a regulamentação adequada do estágio probatório e da possibilidade de demissão por insuficiência de desempenho; c) o cálculo do impacto das medidas a serem implementadas; d) o equacionamento do problema do financiamento da Previdência do Servidor Público; e) a definição de uma estratégia de gestão e comunicação das mudanças. Neste artigo, foram discutidos estratégias e instrumentos que possibilitem atenuar as distorções da atual política de recursos humanos do governo federal, bem como do perfil de sua força de trabalho, e potencializar as vantagens já existentes, tais como o elevado grau de escolaridade dos servidores e os níveis salariais satisfatórios. A proposta aqui apresentada visa melhorar o desempenho do setor público e contribuir para o aprimoramento da qualificação e da atuação de seu quadro de pessoal. Por fim é fundamental ressaltar que a sua implementação deve resultar em maior envolvimento dos servidores no processo decisório, o que significa importante estímulo à sua dedicação e desempenho.

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