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hegamos à terceira edição da série Propostas para o Próximo Presidente, de um total de seis edições que a revista Digesto Econômico está publicando mensalmente; ou seja, já percorremos metade do caminho que nos propusemos. O nosso objetivo é o de levantar e debater os grandes temas nacionais, mostrando os problemas que o Brasil precisa enfrentar para se tornar uma nação desenvolvida. Mais do que fazer um diagnóstico, queremos também indicar soluções. Para tanto, contamos com a colaboração de mais de 30 especialistas de renome, que estão dedicando parte de seus tempos e compartilhando conhecimentos na elaboração de estudos aprofundados sobre os diversos temas em questão. Esperamos, dessa forma, contribuir ao debate eleitoral, para que ele seja de alto nível, abordando questões relevantes para o desenvolvimento do País. Neste número, a economista Patricia Marrone propõe novas diretrizes para a política industrial. Em seu artigo, ela conta que, com a recente crise financeira, vários países desenvolvidos, em particular a Inglaterra, Alemanha e EUA, voltaram a pensar em política industrial. Todos estão buscando atuar em segmentos e produtos de maior valor adicionado. Muitos estão em posição de vantagem em relação ao Brasil, pois têm mão de obra qualificada, e seus problemas de infraestrutura e "custos de fazer negócios" são infinitamente menores que os nossos. Para ela, o Brasil deve buscar nichos de mercados mais dinâmicos de cada setor, por meio da incorporação de tecnologias e de aumentos de produtividade. A economista Lídia Goldenstein, por sua vez, aborda a "Economia Criativa". Para ela, no atual cenário, torna-se crucial o fomento à criatividade e à inovação, as quais, contando com adequados mecanismos de transmissão, são as chaves para que o resto da economia e sociedade possam se beneficiar. Daí a importância das indústrias criativas ou, mais amplamente falando, da economia criativa, entendida como um conjunto de setores com forte potencial de inovação e criatividade a partir dos quais a economia ganha competitividade e sustentabilidade no mundo globalizado.
Pablo de Sousa/LUZ
Os caminhos para a construção de um novo Brasil Renato Casali Pavan e Josef Barat assinam o estudo sobre os desafios do novo governo nas áreas de logística e transporte. O artigo enfatiza a necessidade de compatibilizar os investimentos nestas áreas com uma visão sistêmica, bem como de dar maior eficiência na integração e coordenação das cadeias de suprimentos (supply-chains) dispersas no território. É fundamental, segundo eles, promover maior conhecimento e preparar um capital humano compatível com o avanço tecnológico. Na área financeira, o economista Carlos Antônio Rocca propõe em seu artigo medidas voltadas para a elevação da taxa de poupança doméstica, em particular por meio da adoção de programas de ajuste fiscal de longo prazo, visando a recuperação da poupança do setor público, ao lado da criação de uma nova Previdência Social com regras iguais para os novos trabalhadores dos setores público e privado e com respeito a direitos adquiridos. Ele defende ainda a ampliação do mercado de capitais, criando-se as condições regulatórias, tributárias e cambiais para o desenvolvimento do mercado de dívida privada, e mantendo os avanços de governança do mercado de ações. Por fim, Gustavo Krause, que foi Ministro da Fazenda, Secretário da Fazenda, vice-governador e governador de Pernambuco, faz propostas de políticas ambientais para o futuro governo, um tema que tem criado conflitos entre ruralistas e ambientalistas. Para Krause, o que está em jogo não é apenas a integridade da natureza, mas sim o futuro da vida humana. Boa leitura!
Alencar Burti Presidente da Associação Comercial de São Paulo e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo
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ÍNDICE
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Novas diretrizes para a política industrial no Brasil Patricia Marrone
Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030 CEP 01014-911 - São Paulo - SP home page: http://www.acsp.com.br e-mail: acsp@acsp.com.br Presidente Alencar Burti Superintendente Institucional Marcel Domingos Solimeo
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Coordenador da Série Especial Eleições 2010 Roberto Macedo
O desafio da Economia Criativa Lídia Goldenstein
46 Alfer
Diretor-Responsável João de Scantimburgo
Editor-Chefe José Guilherme Rodrigues Ferreira
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Editores Carlos Ossamu e Domingos Zamagna Chefia de Reportagem José Maria dos Santos
Financiamento da economia brasileira - Evolução recente, desafios e oportunidades Carlos A. Rocca
Editor de Fotografia Alex Ribeiro Pesquisa de Imagem Mirian Pimentel Editor de Arte José Coelho
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Projeto Gráfico e Diagramação Evana Clicia Lisbôa Sutilo
Gerente de Operações José Gonçalves de Faria Filho (jfilho@acsp.com.br) Impressão Printcrom Gráfica e Editora Ltda. REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADE Rua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911 PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055 FAX (011) 3244-3046
Rogério Cassimiro/Folha Imagem
Ilustrações e Infográficos Alfer, Max e Zilberman Gerente Executiva de Publicidade Sonia Oliveira (soliveira@acsp.com.br) 3244-3029
Logística e Transporte no Brasil propostas para o novo Governo Federal Renato C. Pavan e Josef Barat
Os Impactos Subversivos da Questão Ambiental Gustavo Krause
www.dcomercio.com.br
Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimax fosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.
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CAPA Fotomontagem: MAX
Foto: Paulo Pampolin/Hype Arte: Ariane Zambaldi/Hype
ISSN 0101-4218
Diretor de Redação Moisés Rabinovici
Danilo Verpa/Folha Imagem
Foto Divulgação, com arte de Zilberman
Nas duas primeiras edições da série especial Propostas para o Próximo Presidente, da revista Digesto Econômico, dez especialistas apontaram problemas do Brasil e apresentaram suas propostas. Foram eles:
Claudio de Moura Castro Hélio Zylberstajn José Pastore Joaquim Elói Cirne de Toledo Ethevaldo SiqueiraNelson Marconi Clóvis Panzarini José Roberto Afonso José Roberto Mendonça de Barros Geraldo Biasoto Jr. Acompanhe no site www.dcomercio.com.br
Neste número, mais seis autores de renome fazem suas análises em outros setores e apontam soluções:
Patricia Marrone Lídia Goldenstein Renato C. Pavan Josef Barat Carlos A. Rocca Gustavo Krause Próximos temas:
Programas Sociais, Segurança Pública, Esportes e Turismo, Comércio Exterior, Pacto Federativo, Burocracia Antiempresarial, Política Externa, Petróleo e Pré-sal, Mercosul Aos leitores: A sua revista Digesto Econômico (bimestral) será mensal até agosto, dedicada a um profundo balanço do Brasil pós-Lula. Chamada de "Propostas para o Próximo Presidente", esta série especial será posteriormente entregue a todos os candidatos à Presidência da República, juntamente com um documento-síntese das propostas que a ACSP irá apoiar.
Apoio:
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Novas diretrizes Luiz Prado/LUZ
Patricia Marrone Economista e mestre em Economia pela Universidade de São Paulo, com cursos de especialização na Universidade de Chicago e na Wharton School (EUA). Ex-secretária do Conselho de Desenvolvimento Econômico da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. Atua como consultora empresarial e de entidades de classe, sendo sócia da consultoria Websetorial. Coordena o Departamento de Economia de várias entidades de classe: ANIP Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos; Abigraf - Associação Brasileira da Indústria Gráfica; Abrigraf-SP; Sindigraf, Sinafer - Sindicato da Indústria de Artefatos de Ferro, Metais e Ferramentas em Geral do Estado de São Paulo, Abimed - Associação Brasileira dos Importadores de Equipamentos, Produtos e Suprimentos Médico-Hospitalares, Abraidi - Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Implantes; CBDL - Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial; e SiamfespSindicato da Indústria de Artefatos de Metais não Ferrosos no Estado de São Paulo.
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para a política industrial no Brasil
Foto Divulgação, com arte de Zilberman
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Resumo Este artigo faz breve retrospectiva das visões de política industrial – especificamente, a voltada para a indústria de transformação –, e de suas versões adotadas no Brasil como pano de fundo para examinar o tema no momento atual. Inclui uma análise crítica da iniciativa mais recente, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), propondo que se mantenha sua linha conceitual e o arcabouço institucional seguidos nos últimos anos, mas com novas diretrizes. Entre elas, a de adicionar aos quatro desafios e macrometas existentes outros quatro novos: um para acompanhar o desenvolvimento de novos produtos, preferencialmente os ligados à construção civil e à economia sustentável da pequena empresa, destinados ao consumo da base da pirâmide de renda, onde emerge parcela importante da riqueza nos BRICs; outro, para acompanhar o aumento de produtividade da indústria; mais um que estimule a geração de emprego nesse setor para parcela da mão de obra residente em municípios e áreas urbanas de baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH); e finalmente um que estimule a incorporação pela indústria de parte do contingente de mão de obra pouco qualificada e dos jovens ociosos. Para atingir essas oito diretrizes, as ações propostas são muitas, detalhadas na Tabela 7. Ela também inclui sugestões voltadas para programas estruturantes de sistemas produtivos e para o aprimoramento de alguns mecanismos de coordenação e controle da política industrial. A análise não avalia especificamente cada instrumento da PDP, nem cada projeto setorial, nem o "custo Brasil" e seus efeitos sobre a competitividade das empresas. Também não objetiva rediscutir todo o sistema nacional de incentivo à inovação, pois esses temas, ou já estão adequadamente explorados, ou mereceriam textos específicos.
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Leonardo Rodrigues/Hype
No início da década, o Brasil era responsável por 1,66% dos bens manufaturados mundialmente, ocupando a 12ª posição, subindo para 10ª em 2009.
Introdução
D Vito Lee/Reuters
Em dez anos, a China dobrou sua produção, e no mesmo ano teve 15,6% da fatia mundial, sendo o segundo maior produtor de bens industriais.
e acordo com estatísticas recentemente divulgadas pela Unido, a organização da ONU para o desenvolvimento industrial, em 2008 o valor total da produção industrial mundial era de US$ 6,8 trilhões. Com a crise que se manifestou em 2008, em 2009 esse valor se reduziu em 10%. No início da década, o Brasil era responsável por 1,66% dos bens manufaturados mundialmente, ocupando a 12ª posição. Nesse contexto mundial, o Brasil não avançou desde então. Em 2009 a Unido mostrou nosso País como o décimo colocado, mas com parcela pouquíssimo maior (1,8%), e nesse ano foi superado pela Índia, que alcançou 2%. Em dez anos, a China dobrou sua produção, e no mesmo ano teve 15,6% da fatia mundial, sendo o segundo maior produtor de bens industriais. Do total, 19% vêm dos EUA. A Europa responde por 27% e a Ásia, incluindo a China, já é responsável por 44%. A indústria brasileira de transformação emprega cerca de 3,6 milhões de pessoas, ou aproximadamente 16% da população economicamente ativa (PEA) do País (21,7 milhões de pessoas). A atual política industrial brasileira objetiva ampliar a competitividade e a capacidade de crescer e de inovar da indústria a partir de uma visão de longo prazo, adotando a visão chamada "evolucionista" com a qual concordamos. Mas, entendemos que deva também tentar aproveitar o humano e capital fixo e disponíveis, inclusive com avanços tecnológicos, para aproveitar as oportunidades abertas pelo ambiente nacional e internacional, tentando minimizar os efeitos das nossas fragilidades internas e das ameaças impostas pelos concorrentes internacionais. Na sequência da recente crise econômico-financeira, vários países desenvolvidos, em particular a Inglaterra, Alemanha e EUA, voltaram a pensar em política industrial. Todos estão buscando atuar em segmentos e produtos de maior valor adicionado. Muitos estão em posição de vantagem em relação ao Brasil, pois têm mais mão de obra qualificada, e seus problemas de infraestrutura e "custos de fazer negócios" são infinitamente menores que os nossos. Dada a nossa desvantagem, teremos que "pensar por fora da caixa", ou seja, encontrar soluções não convencionais. Nesse sentido, propomos que a nossa política industrial continue na linha evolucionista que tem sido adotada no Brasil na úl-
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tima década. Propomos também que objetivemos ocupar posição relevante no cenário global, buscando os nichos de mercado mais dinâmicos de cada setor, por meio da incorporação de tecnologia e de aumentos de produtividade. Devemos buscar também absorver mais a mão de obra em idade ativa, mesmo parte daquela sem qualificação, para que assim possamos contribuir para o crescimento econômico e o bem estar social do País. Para tanto, entre outras iniciativas, teremos que especializar rapidamente os nossos engenheiros para que atuem nesses nichos e incentivar nossos empresários a fazer o mesmo. E temos pressa, pois, conforme ressalta Arbache (2010), isso terá que ocorrer antes que o nosso perfil demográfico se altere na direção do envelhecimento. O texto foi estruturado em seis seções. A primeira trata dos aspectos conceituais junto com a questão da produtividade, e a segunda faz uma breve retrospectiva da política industrial no Brasil. A Seção 3 aborda as iniciativas tomadas no governo Lula e na seção seguinte é feita uma avaliação específica da PDP, em particular dos seus quatro desafios e suas macrometas. A mesma seção inclui também uma avaliação do papel do BNDES. A Seção 5 repensa esses desafios, tendo como pano de fundo uma reavaliação dos ambientes doméstico e internacional, por meio de uma análise que enfatiza forças, fraquezas, oportunidades e ameaças. A Seção 6 conclui com propostas específicas. 1. Aspectos Conceituais O papel do Estado na política industrial Toda a polêmica em torno de uma política industrial decorre de concepções diferentes quanto às causas e formas de promover o desenvolvimento econômico e sobre como o Estado deve intervir na economia, com o objetivo de corrigir falhas de mercado. A linha neoliberal ou neoclássica prega que as falhas decorrem do poder indevido dos agentes de mercado. Assim, a melhor forma de promover o desenvolvimento é deixar o mercado se equilibrar, via forças naturais de oferta e procura. Nessa visão, o mercado é visto basicamente como competitivo e a intervenção só deverá ocorrer quando, por exemplo, algum agente estiver distorcendo esse equilíbrio. Desta forma, a melhor política industrial seria a de o governo "sair" do mercado, só atuando para evitar que algum agente interferisse na sua competitividade. Há outra linha, favorável ao mercado, mas que admite falhas nas situações de atraso econômico e em face de um conjunto limitado de falhas de mercado. Aqui se permite alguma intervenção, cuidadosa e limitada, gerando condições para a acumulação de capital e o aumento da produtividade via fortalecimento do sistema educacional, do mercado de capitais e do acesso a informações. Numa terceira linha, a revisionista, as falhas de mercado são vistas como generalizadas, sobretudo num contexto de desenvolvimento e de progresso tecnológico, justificando políticas industriais gerais e seletivas. Segundo esta concepção, as situações de desenvolvimento tardio somente são superadas mediante a necessária intervenção do Estado, cuidadosa e limitada, mas não necessariamente mínima.
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Nessas três visões, o referencial é a eficiência econômica e busca-se a maximização de resultados e o equilíbrio entre os que atuam no mercado. O tratamento do desenvolvimento econômico e, nele, do papel do Estado e das políticas industriais, decorre do grau em que se percebe como o mercado falha em cada uma dessas visões. Existe ainda uma quarta visão, chamada evolucionista, cuja fundamentação conceitual é mais sofisticada. Nela, as falhas de mercado – comportamentos oligopolistas e assimetrias – são vistos como fruto do processo natural do capitalismo, de busca por lucros e da apropriação dos ganhos da inovação, tecnológica e mercadológica, entre outras formas. Assim, a concorrência e a perspectiva de obtenção de rendas monopolistas motivam a geração de inovações e acarretam o progresso. Este último é o resultado de um processo cumulativo, no qual o resultado alcançado num período depende do desenvolvimento alcançado no período anterior. As empresas, submetidas a pressões competitivas, voltam-se para atividades de desenvolvimento de novos produtos, processos e novas formas de organização, criando uma certa diversidade. Ao mesmo tempo, o mercado atua como ambiente seletivo, excluindo rotinas e empresas não geradoras de lucros. As empresas dinâmicas atuam sobre outras atividades, gerando padrões de especialização setoriais e desdobramentos para o desenvolvimento econômico. Desta forma, a principal força explicativa do desenvolvimento econômico é a mudança tecnológica, inclusive sob o aspecto organizacional.
Nessa linha, o desenvolvimento econômico decorre da evolução da competição em cada país e da possibilidade da superação das suas defasagens tecnológicas e econômicas em relação à fronteira mundial, por meio de um contínuo aprendizado. Assim, somente alterações no padrão de especialização tecnológica e produtiva geram o potencial para o engate de um país no dinamismo econômico mundial. Por isso, exige-se rupturas nas rotinas e estruturas de mercado existentes. Quanto maior for a distância entre o padrão tecnológico das empresas, setores e países em relação à fronteira mundial, maior a intensidade de ruptura requerida. Já a capacidade de aprendizado depende da forma pela qual as instituições das economias nacionais organizam a produção. Assim, o aprendizado tecnológico depende da estruturação e do funcionamento dos chamados sistemas nacionais de inovações, que incluem seus sistemas educacional e financeiro, a capacidade de intervenção dos estados nacionais, o modo de organização das atividades empresariais, da estruturação das atividades de pesquisa e desenvolvimento e o padrão de interação na cadeia produtiva entre fornecedores e usuários. Na síntese de Grabois Gadelha (1999), "... a dinâmica industrial ocorre conjuntamente com a evolução institucional". A questão da produtividade num sentido mais amplo Um estudo de Bart van Ark e Robert H. Mc. Guckin (1999), que não perdeu atualidade, pois aborda questões estruturais e ins-
titucionais, ajuda a compreender como os padrões de vida e o desempenho econômico estão relacionados entre si. E, como estes aspectos são objeto de políticas públicas, em especial da política industrial, a análise auxilia a identificar alguns parâmetros internacionais para que políticas desse tipo devam atingir. O mesmo estudo também mostra que a produtividade é apenas um dos fatores determinantes do nível de bem estar, o qual depende principalmente de "quantas bocas determinada economia necessita alimentar", a partir daquilo que ela consegue produzir. Os autores observaram que, entre 1991 e 1997, a taxa de crescimento da produtividade do trabalho na indústria brasileira havia aumentado cerca de 5,3% a.a., enquanto a de países como os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido e o Japão foi de 3,6%, 2,3%, 2,5% e 2,0%, respectivamente. Se essas taxas de crescimento fossem o único fator a ser considerado, o Brasil estaria então em uma posição de vantagem relativa, já que aqui as taxas de crescimento da produtividade do trabalho são bem acima da média. Entretanto, para compreender como os padrões de vida e desempenho econômico estão relacionados, faz-se necessário desenvolver medidas comparáveis de produtividade em valores absolutos. Assim, esses autores calcularam a produtividade a partir de comparações internacionais de PIB/hora trabalhada e de padrões de vida a partir de PIB/população (ou "per capita") em vários países e converteram os resultados a uma mesma paridade de poder de compra (PPC), com dados de 1996. Os resultados encontrados foram os seguintes: (a) os Estados Unidos estão muito à frente da União Europeia (UE) e do Lalo de Almeida/Folha Imagem
A principal força explicativa do desenvolvimento econômico é a mudança tecnológica, inclusive sob o aspecto organizacional.
Japão, tanto em termos de PIB "per capita" (renda), quanto em produtividade do trabalho, com destaque para o fato de que na UE seus trabalhadores atuam com um menor número de horas, as regras trabalhistas são mais rígidas e é mais baixa a participação da população em idade ativa; (b) no Japão, é o oposto, pois em geral a produtividade do trabalho é abaixo da média da OCDE, mas o PIB "per capita" é superior, o que se explica pelo maior número de horas por trabalhador, menor desemprego, maior participação da mão de obra em idade ativa e menor dependência da população em idade não ativa. Os mesmos indicadores foram analisados para a Ásia e a América do Sul, e comparados aos dos Estados Unidos. Nesses dois continentes, o PIB "per capita" e a produtividade do trabalho em ambas as regiões estão muito aquém dos níveis norte-americanos, e importantes diferenças podem ser observadas. Em primeiro lugar, a produtividade do trabalho e o PIB "per capita" são mais baixos na Ásia do que na América Latina. Em segundo lugar, o hiato de produtividade em relação aos Estados Unidos (em valores absolutos) é maior do que o hiato de PIB "per capita" no caso da Ásia, enquanto a produtividade do trabalho na América do Sul está mais próxima do nível norteamericano do que do seu PIB "per capita". Tanto na Ásia quanto na América Latina, as horas anualmente trabalhadas são maiores do que nos EUA. Entretanto, a baixa participação da força de trabalho em idade ativa na mão de obra empregada anula esse efeito do número de horas trabalhadas sobre o PIB "per capita". Quanto ao Brasil, sabe-se que mesmo crescendo, inclusive mais recentemente, a produtividade ainda é muito baixa. Essas informações nos levam a concluir que as políticas públicas devem ter como foco o número de horas trabalhadas, o aumento da participação da mão de obra em idade laboral, a qualificação da mão de obra para que o produto "per capita" aumente, os custos salariais, inclusive encargos, e os estímulos relativos à opção entre o uso relativo de mais capital ou trabalho, visando aumentar o nível de vida da população. Ou seja, fazer também com que o nível de produção atenda às necessidades do "número de bocas a alimentar". 2. Políticas Industriais no Brasil Breve Retrospectiva Nas diversas fases da industrialização brasileira até o final da década de 90 foram adotados três instrumentos principais, não necessariamente simultâneos, de política industrial: proteção tarifária e não tarifária muito elevadas, controles de câmbio e, em determinados períodos, até desvalorizações cambiais, com a finalidade de elevar excedente exportável. Muitas vezes, importações consideradas essenciais foram subsidiadas e exportações foram prejudicadas devido ao imposto implícito no câmbio, quando sobrevalorizado. Para neutralizar esse viés, aplicaram-se, especialmente durante o período 1965/85, diversos esquemas de apoio às exportações. No governo Sarney (1985 a 1990), houve o ensaio de algumas políticas de âmbito setorial ("industrial targeting"), através dos PSIs – Programas Setoriais Integrados, negociados no âmbito das Câmaras Setoriais. A tarefa da formulação dos PSIs
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foi atribuída às entidades de classe patronais representativas dos setores de atividade então eleitos. Nesse sentido, cabe observar que o exercício de reflexão sobre as demandas setoriais e formulação de pleitos, iniciado com os PSIs, acabou por se internalizar em algumas entidades patronais. O benefício disso é que essas entidades aprenderam a organizar e manifestar de forma ainda mais contundente as suas demandas junto à sociedade e ao governo, e adotam esta prática, legítima em um regime democrático, até os dias de hoje. Tal amadurecimento institucional tem viabilizado a condução da política industrial do período Lula. As políticas setoriais foram alteradas com a administração Collor (1990 a 1992), que simplificou radicalmente o sistema de política industrial e de comércio exterior até então vigente, fazendo uma revisão da política de importações e abolindo vários incentivos fiscais e/ou regionais. Entre 1990 e 1994, nesTanto na Ásia quanto se governo e no de Itamar Franna América Latina, co, a liberalização comercial e a as horas anualmente privatização foram praticatrabalhadas são mente os únicos novos instrumaiores do que nos mentos da política industrial. EUA. Entretanto, a De acordo com a filosofia do baixa participação Plano Real (1994), a criação de da força de trabalho uma economia eficiente deveem idade ativa na ria se fundamentar em mercamão de obra dos livres e numa economia empregada anula aberta para o comércio. Dado esse efeito do esse contexto, uma das priorinúmero de horas dades esteve em identificar trabalhadas sobre o áreas em que houvesse falhas PIB "per capita". de mercado. Entretanto, devido Quanto ao Brasil, à extensa lista de possíveis fasabe-se que mesmo lhas e à dificuldade de agir socrescendo, inclusive bre elas sem dispor das reformais recentemente, mas constitucionais e das regua produtividade lações necessárias, não se pôde ainda é muito baixa. atuar muito nesse sentido. De qualquer forma, foram mantidas as linhas gerais das políticas industrial e de comércio exterior, inauguradas em 1990 e baseadas em duas estratégias principais: uma política de competição, ou de concorrência, e uma política de competitividade. A política de concorrência compreendia a liberalização comercial, que expôs a indústria brasileira à competição externa, e a política contra o abuso de poder de mercado visava melhorar as condições de competição no mercado interno. Entretanto, as alterações na estrutura e atribuições do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e da Secretaria de Direito Econômico (SDE) sugerem que o governo deu mais atenção a esses aspectos somente a partir de 1996. Já em relação à política de competitividade, associada ao PCI (Programa de Competitividade Industrial), ao PBQP (Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade) e ao PACTI (Programa para o Aumento da Competitividade Tecnológica Industrial), os resultados estiveram aquém do esperado. O primeiro deveria propor as diretrizes gerais e ins-
trumentos da política de competitividade, além de indicar as iniciativas de governo na área. No entanto, o programa não conseguiu articular diretrizes, ações e instituições envolvidas para cumprir os seus objetivos. O PBQP foi organizado em programas de conscientização e motivação, desenvolvimento e difusão de métodos modernos de gestão empresarial e capacitação de recursos humanos, entre outros. Esse programa foi razoavelmente bem-sucedido, dado o empenho das agências governamentais envolvidas e, principalmente, pela convergência de suas propostas com as necessidades da indústria num quadro marcado pelo processo de ajustamento induzido pela abertura comercial. Quanto ao PACTI, só a partir de 1997 os incentivos passaram a ser concedidos e utilizados de forma mais apreciável. A questão do emprego caiu no âmbito da política industrial Fábio Motta/AE
dentro da visão do Plano Real. A argumentação foi de que a chave para o emprego repousaria em políticas para o mercado de trabalho, políticas de treinamento, educação e saúde. A questão da infraestrutura também não foi considerada nesse contexto de política industrial, apesar da sua importância. Portanto, o período 1990/95 resultou na adaptação das empresas ao então novo contexto de liberalização do comércio externo, no avanço do processo de desestatização e nas perspectivas de retomada em investimentos produtivos, principalmente de capital estrangeiro. Houve pouco avanço nos esforços de capacitação tecnológica e a política macroeconômica gerou fortes déficits na balança de transações correntes. Nos anos 1995/96 veio um novo conjunto de medidas e mobilização de diversos novos instrumentos que introduziram uma certa ruptura em relação ao padrão de política vigente entre 1990 e 1995 sem, no entanto, ressuscitar o modelo protecionista vigente até a década de 80. Tal fase da indústria brasileira
foi denominada de etapa de reestruturação e expansão competitiva do sistema industrial. Para concretizar seus objetivos gerais, a ação governamental foi formulada em duas principais linhas de ação. A primeira consistiria na criação e manutenção de um ambiente favorável ao desenvolvimento das estratégias empresariais, por meio do combate aos fatores que compõem o "custo Brasil", refletido nas carências de infraestrutura econômica e educacional, nas distorções do sistema tributário, no elevado custo do financiamento, no elevado custo da mão de obra (dados os pesados encargos sociais que incidem sobre esses custos), e na regulamentação excessiva e inadequada da atividade econômica, entre outros aspectos. A segunda linha consistiria no apoio e estímulo a expansão e modernização do parque industrial brasileiro. Nesse sentido, pode-se notar que aumenta a preocupação com a melhoria da competitividade, como meio para alcançar os objetivos de crescimento econômico, de maior inserção na economia internacional e do aumento do emprego. Em comparação com o quinquênio anterior, as políticas de competitividade tornaram-se mais diversificadas, pela eliminação de parte do viés antiexportador dos períodos anteriores, por meio da desvalorização cambial que veio em 1999. No governo FHC, o principal documento oficial de enunciado de orientações e intenções intitulava-se Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, e veio em setembro de 1995. Esse documento apontava como principal objetivo da política industrial do governo a consolidação de um novo padrão de expansão para o sistema industrial brasileiro. A ideia central seria criar condições para que as empresas migrassem para uma etapa que deveria ser caracterizada por uma postura ofensiva, baseada no crescimento da capacidade de produção e de inovação tecnológica. Nesse contexto, as políticas industrial e de comércio exterior foram formuladas com três objetivos: a) expandir a produção e o consumo interno de bens e serviços, com auxílio da expansão e melhoria do intercâmbio com o exterior, b) desconcentrar geograficamente a produção industrial, mediante o apoio e estímulo ao fortalecimento dos polos industriais já existentes e o aproveitamento de novas oportunidades de investimento em nível regional; e c) aumentar e melhorar a qualidade das oportunidades de trabalho, com apoio no dinamismo da atividade industrial, na formação e capacitação da mão de obra e na cor-
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reção de distorções no mercado de trabalho desestimuladoras da geração de empregos na atividade formal. No campo da competitividade, o governo FHC parece ter enveredado por uma linha de maior ativismo relativamente aos dois anteriores, ao mesmo tempo em que pretendeu corrigir alguns excessos da liberalização comercial, seguindo os seguintes objetivos: (a) fomentar a expansão dos investimentos, principalmente por meio de políticas horizontais de liberalização dos mercados e de desoneração das inversões e da produção, inclusive participando ativamente da competição para atrair novos investimentos externos; (b) dar sequência ao objetivo de manter a pressão da concorrência doméstica e externa sobre o parque industrial brasileiro, mas preservando os produtores locais de práticas comerciais não aceitas pela OMC (Organização Mundial do Comércio) e criando condições diferenciadas e mais fa-
cesso de privatização dos portos – aquele que poderia mais rapidamente produzir impactos favoráveis à competitividade das exportações – foi o que avançou com maior lentidão. As políticas subnacionais ou estaduais se aprofundaram nesse período em relação aos anteriores. A ênfase dessas iniciativas concentrou-se na concessão de incentivos ligados ao ICMS, para a atração das empresas de grande porte, como as montadoras de veículos. Entre outros desdobramentos, vale destacar: (a) as ações para a redução do custo Brasil no quinquênio foram menos enfáticas do que no período anterior, apesar do lançamento de programas como o Avança Brasil; (b) na arena das políticas setoriais, apenas o Acordo Automotivo de 1995 sobreviveu; e (c) a convivência de países de tamanhos, estrutura produtiva e sistemas tarifário-cambiais muito distintos trouxe grandes dificuldades de convivência no Mercosul. Lula Marques/Folha Imagem Sob o ponto de vista macroeconômico, a partir de meados dos anos 90, predominaram os esforços de consolidar a estabilização da No governo economia ante os desafios representados pelas do presidente crises mexicana, asiática e russa, que exigiram, dado o recurso à âncora cambial então adotaFernando da, ajustes via políticas monetárias, com forte Henrique Cardoso elevação dos juros reais em momentos especí(foto), o principal ficos no tempo logo em seguida àquelas crises. documento oficial Essa estratégia foi seguida até o começo de de enunciado 1999, quando o Brasil optou por desvalorizar o câmbio e passou a adotar um regime de taxas de orientações cambiais flutuantes. Um dos resultados desses e intenções ajustes foi o crescimento do PIB a taxas bem inintitulava-se feriores às socialmente necessárias e desejáPolítica Industrial, veis. Outra das principais implicações dos Tecnológica e de ajustes macroeconômicos com abertura comercial e reforma do Estado foi a escassa criaComércio Exterior, ção de novos postos de trabalho, que fez com e veio em setembro que a taxa de desemprego urbano aumentasse de 1995. de 1995 a 1999, depois de ter diminuído entre 1992 e 1995. A abertura comercial e financeira e a privatização contribuíram para que ocorressem ganhos de produtividade durante boa parte da década de 90. Entretanto, os ganhos de produtividade voráveis para a recuperação dos setores mais fortemente impacda mão de obra industrial ocorreram com prejuízo da criação tados pela liberalização comercial; (c) transferir para as instânde novos postos de trabalho no setor. cias subnacionais , em especial, aos Estados da Federação, as Tais efeitos macro e microeconômicos modificaram a agenfunções de desenho e implementação de instrumentos de poda de políticas de competitividade e ampliaram a sua complelítica industrial e de gestão pública da infraestrutura. xidade. Por um lado, acentuou-se a necessidade de gerar exVale observar que a política de exportação, em que pese a portações. De outro, a necessidade de gerar novos empregos sua óbvia relevância para o programa de estabilização da ecotornou-se ainda mais aguda em face do aumento da taxa de denomia, não se consolidou como prioridade de fato, na medida semprego, aumento esse que decorreu, como vimos, da conem que iniciativas de fomento à exportação esbarravam na junção das forças da desaceleração econômica com as da revoinadequada estrutura institucional responsável pelo setor, lução da produtividade. Isto colocou as empresas de pequeno com funções e responsabilidades dispersas entre vários minise médio porte em posição mais central entre os objetivos das térios. E estava sempre presente o problema da valorização políticas de competitividade, em vista dos elevados volumes cambial, que se agravou com o Plano Real. de emprego que geram. A pluralidade de comando resultou na baixa eficiência das Assim, a agenda do final da década de 90 apresentou novos medidas adotadas formalmente. As dificuldades encontradas desafios, dado o novo entorno micro e macroeconômico, e veio nas áreas de financiamento e de promoção comercial parecem a requerer novos instrumentos e estratégias. A palavra de orparadigmáticas deste ponto de vista. Da mesma forma, o pro-
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dem foi dar prioridade à geração de emprego e de renda, complementada com a da necessidade de gerar exportações para reduzir a limitação externa. As duas novas e principais orientações estratégicas foram as destinadas a aumentar o nível de emprego, e aí aparecem como atores privilegiados as PME e o apoio às exportações, com destaque para as iniciativas de aperfeiçoar os mecanismos de financiamento às vendas externas, tanto no âmbito do BNDES quanto fora dele. A política industrial de fato praticada na década foi uma síntese de alguns instrumentos herdados das fases anteriores de industrialização, mantidos muitas vezes por questões de ordem política (Zona Franca de Manaus e outras políticas regionais do governo federal), com os instrumentos básicos do período de liberalização do início dos anos 90 e com novas políticas de fomento e de regulação introduzidas ou consolidadas nos dois últimos anos da década, nos Celso Júnio/AE níveis nacional e subnacional. A principal medida de política industrial do período foi de cunho marcadamente setorial, o referido Acordo Automotivo de 1995. Houve também iniciativas de políticas horizontais, dentre as quais se destacam algumas medidas para a redução do custo Brasil, legislação de defesa comercial, política de financiamento do BNDES e a política de competição (antitruste). Entretanto, a prioridade recaiu sobre a política macroeconômica de estabilização e as ações para a redução do custo Brasil mostraram-se esparsas e sem coordenação. As preocupações com o desempenho exportador e com a insuficiência de geração de postos de trabalho relativamente ao crescimento da população economicamente ativa (PEA) estimularam o surgimento de um grande número de iniciativas e instrumentos de política econômica relacionadas com políticas de competitividade. Entretanto os resultados observados foram aquém do esperado. Segundo Bonelli (2001), a falta de êxito da aplicação das políticas se deve principalmente à falta de correspondência entre as medidas e ao fato de que as principais iniciativas governamentais ficaram restritas às áreas de crédito e financiamento e de isenções fiscais. O discurso e a prática oficial em matéria de política industrial e de comércio exterior são únicos apenas na medida em que os ministérios relevantes justificaram suas medidas em nome da necessidade de equilíbrio na balança comercial e da manutenção de empregos nos setores da indústria mais afetados pela abertura comercial. No dia a dia da condução da política econômica, no entanto, houve divergências quanto ao grau de estímulo necessário, qual setores estimular, qual o papel a ser atribuído à política cambial e qual atribuir à política de crédito (sob controle do Banco Central e, em parte, do Banco do Brasil, ambos na órbita da Fazenda) e de financiamento do BNDES (então no âmbito do Ministério do Planejamento e Orçamento). O resultado foi a adoção de medidas aqui e ali, sem um traço
integrador em termos de política industrial. No todo, o conjunto de medidas que teve maior impacto sobre a indústria continuou a ser a liberalização comercial e financeira. 3. A Política Industrial no Governo Lula Os programas de competitividade introduzidos no Brasil no início dos anos 90, de visão neoliberal, enfatizaram a diretriz de exposição abrupta da indústria nacional à competição internacional como meio de elevar sua competitividade no curto prazo, relegando a um segundo plano os objetivos de capacitação tecnológica e reduzindo assim sua capacidade de alcançar uma eficiência dinâmica no médio e longo prazo. Já o governo Lula desenvolveu dois programas de intervenção que visaram a acelerar o processo de absorção tecnológica
Em março de 2004, no primeiro mandato do presidente Lula (foto), foi lançada a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), com a meta de promover US$ 100 bilhões em exportação e, com isso, a corrente de comércio ultrapassar 35% do Produto Interno Bruto (PIB).
em alguns setores considerados essenciais para a matriz produtiva e objetivando acelerar o seu processo de aprendizado. Essa política está conceitualmente melhor assentada, ao ser fundamentada na visão evolucionista, mas requererá ajustes. Em março de 2004, foi lançada a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), com a meta de promover US$ 100 bilhões em exportação e, com isso, a corrente de comércio ultrapassar 35% do Produto Interno Bruto (PIB). A PITCE foi construída a partir da afirmação da inovação e do avanço científico-tecnológico como estratégia de enfrentamento da competição e ampliação da inserção externa. Nessa etapa, a grande conquista foi o fortalecimento do arcabouço institucional que se capacitou para conduzir as ações de política industrial no Brasil. Foi então criada a Agência Brasileira de Política Industrial (ABDI), responsável por articular as iniciativas com as entidades empresariais e executar as políticas, "juntando o desenvolvimento tecnológico com as ne-
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cessidades da indústria, para produzir resultados na última linha da produção industrial". Além disso, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (APEX), que funcionava como uma Gerência Especial do Sebrae Nacional, em março de 2003, passou a ser denominada APEX-Brasil, constituindo-se em um Serviço Social Autônomo ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ganhando autonomia e passando a desempenhar, no Governo Federal, a função de coordenar e executar a política de promoção comercial do País. Entre 2003 e 2004, a Agência passou por uma modernização gerencial, quando foram implantados sistemas de planejamento, gestão estratégica e de inteligência comercial e aumentando significativamente o número de atividades e ações de promoção no Brasil e no exterior. Na PITCE foram escolhidos quatro Newton Santos/Hype setores prioritários para a política industrial: semicondutores, fármacos, software e bens de capital. As demais medidas horizontais, que, infelizmente, perderam força com a saída do Ministro Furlan, foram: o RECOF, que consistia num programa do Ministério da Fazenda, que buscava agilizar o trabalho das aduanas e o programa de reestruturação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Em maio de 2008, num momento em que a conjuntura econômica interna e externa mostravam-se extremamente favoráveis, a PITCE foi reformulada e denominada de Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), com o objetivo geral de dar sustentabilidade ao ciclo de expansão vivido naquele momento. 4. Os quatro desafios e as macrometas da PDP - uma avaliação
1º Desafio: Fortalecer MPEs - Macrometa: dinamização das micro e pequenas empresas via aumento de 10% no número de micro e pequenas empresas exportadoras, saindo de 11.792 empresas para 12.971 em 2010. Esta meta não foi atingida pois, com o dólar sobrevalorizado, a pequena empresa percebe que exportar dá muito trabalho e pouco lucro, e de um modo geral tem havido a redução de empresas industriais exportadoras. Os principais instrumentos para alcançar a meta foram as desonerações fiscais e os financiamentos. As desonerações fiscais são muito complexas para o aproveitamento da pequena empresa e não compensam a valorização do câmbio e os juros elevadíssimos. Quanto aos financiamentos às exportações e aos investimentos oferecidos por bancos oficiais à pequena
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2º Desafio: Ampliar capacidade de oferta - Macrometa: ampliação do investimento fixo de 17,6% do PIB, ou R$ 450 bilhões, para 21% do PIB, ou R$ 620 bilhões, via crescimento médio anual de 11,3% entre 2008-2010 Segundo documento da Fiesp, a meta não foi atingida devido aos efeitos da crise que sobreveio em 2008. Mas, a questão é que os estímulos ao investimento acabam surtindo efeito em setores onde há maior concentração de grandes empresas, que geram proporcionalmente menos empregos, estão mais concentradas nas regiões mais desenvolvidas e têm maior poder de fixação de preços. As médias e pequenas, que mais absorLeonardo Rodrigues/e-Sim
As principais fontes de financiamento das MPEs são: a negociação de prazos (71%), o cheque especial/cartão de crédito (49%) e cheque pré-datado (45%).
Na PDP o governo federal definiu quatro desafios, relacionados ao cumprimento de grandes objetivos, ou diretrizes, para o País, relacionados a quatro "macrometas" que deveriam ser alcançadas até 2010, a saber:
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empresa, o problema é o acesso ao crédito, conforme apresentaremos no detalhamento da macrometa seguinte.
vem mão de obra em idade ativa, proporcionalmente, e que estão mais dispersas regionalmente, ficam de fora. Cabe assim uma avaliação da ação do BNDES. Ele tem exercido um papel importantíssimo na disponibilização de instrumentos para a ampliação dos investimentos, a despeito do cumprimento ou não dessa meta no prazo estipulado. Em 2009, o banco registrou o maior volume de desembolsos de sua história (R$ 137,3 bilhões). O crescimento foi de 49% em relação aos desembolsos de 2008. Incluindo repasses para operações de giro a bancos federais, o valor vai a R$ 139,7 bilhões. As liberações para o setor industrial atingiram R$ 60,1 bilhões, uma alta de 54% em relação a 2008. Os desembolsos para infraestrutura totalizaram R$ 46,5 bilhões, um aumento de 32% na comparação com o ano anterior. Conforme citado anteriormente, há, entretanto, dois vieses no perfil de empresas que o BNDES financia. As liberações estão concentradas em indústrias de grande porte e o acesso
ocorre em setores mais oligopolizados, que, por sua vez, absorvem relativamente pouca mão de obra. Apesar de um grande esforço, no sentido da ampliação da abrangência da atuação do BNDES para as empresas industriais de menor porte, através do cartão BNDES (1) , ainda há fortes limitações na atuação junto a esse segmento numeroso, porque muitas empresas pequenas não têm seus impostos em dia, e estão listadas no CADIN - Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (2). Por isso, não têm acesso a financiamentos dos bancos oficiais. Contudo, dos R$ 60,1 bilhões liberados para a indústria em 2009, apenas R$ 2,9 bilhões foram destinados para financiar micro, pequenas e médias empresas (MPEs) (3) do setor industrial, de acordo com o próprio BNDES. Fábio D'Castro/Hype
Rodolfo Buhrer/Divulgação
equipamentos, produtos de metal, plástico e gráfico. Nesse sentido, o acesso do financiamento público ao investimento nas empresas de setores menos concentrados precisa ser ampliado, para que a indústria como um todo possa investir e contribuir mais para a geração de oportunidades de emprego. A Tabela 1 mostra os desembolsos do BNDES em 2008 e 2009 e o emprego formal no final deste último ano, com ambas variáveis discriminadas segundo os gêneros industriais. O financiamento, por meio do BNDES, foi assim o instrumento mais efetivo da PDP. O banco também atuou de maneira complementar à referida política, com o objetivo de formar multinacionais brasileiras, financiando grupos nacionais na compra de empresas no exterior. Até o final de 2009, concedeu recursos da ordem de R$ 8 bilhões por meio de sua linha de internacionalização (Oi /Telemar, Totvs, Fibria, BRF Brasil Foods e JBS). Tal iniciativa é válida, pois permite certa diversificação de riscos ao fortalecer a cadeia de fornecedores dessas empresas, além de permitir certa inversão do movimento de remessa de lucros.
3º Desafio: Elevar capacidade de inovação - Macrometa elevação do gasto privado em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de 0,51% do PIB, ou R$ 11,9 bilhões em 2005 segundo a PINTEC, para 0,65% do PIB em 2010, ou R$ 18,2 bilhões É comum, entre as várias linhas de pensamento acadêmicas nacionais, a percepção de que o Brasil encontra-se em estágio intermediário de desenvolvimento tecnológico e que existe a necessidade de difusão de inovações O Brasil encontra-se em estágio intermediário de desenvolvimento tecnológico em vários setores. Somado a isso e see há a necessidade de difusão de inovações em vários setores da economia. guindo a lógica de pensamento de política industrial "evolucionista", a mudança tecnológica, através da política de inovação, é a alavanca para o desenvolvimento ecoDe acordo com a pesquisa do Sebrae/SP realizada em 2009, nômico. Mas, muito ainda há que aprimorar quanto aos insas principais fontes de financiamento ainda utilizadas pelas trumentos oferecidos pelo Estado para estimular a inovação. MPEs são: a negociação de prazos com os fornecedores (71%), Por exemplo, segundo pesquisa da Fiesp, 80% dos recursos o cheque especial/cartão de crédito (49%) e o cheque pré-dadestinados a essa finalidade levantados pelas empresas intado (45%). Essas proporções superam em muito a de tomadodustriais, advém de recursos próprios (4). res de empréstimos em bancos que foi estimada em 22% . Além disso, o principal instrumento desenvolvido no PDP paAlém disso, cinco setores da indústria de transformação ra o fomento à inovação – e também para o aumento das exporconsomem 66% dos recursos do BNDES, mas estes setores tações – foi a criação de regimes tributários especiais, através da empregam apenas 15% da mão de obra da mesma indústria. chamada de Lei do Bem. No entanto, a adesão a esses regimes, São eles: siderurgia, petroquímica, veículos/montadoras, cinco anos após a aprovação desses benefícios, foi muito baixa. veículos/autopeças eletroeletrônica e papel e celulose. Para Especificamente no programa que, entre outros incentivos, completar, o poder de fixação de preços em setores produtoconcede descontos no pagamento de Imposto de Renda para res de bens intermediários como: siderurgia, petroquímica e pessoas jurídicas que realizam pesquisa e desenvolvimento papel e celulose – que têm se tornado cada vez mais fortes e (P&D), a adesão foi de 552 empresas até 2008, mas só 441 tivemais concentrados – reduz a competitividade das empresas ram o pedido de incentivo autorizado sem restrição pelo Mimenores, já que ditam as regras no fornecimento dos insumos nistério da Ciência e Tecnologia. Esse número corresponde a para setores menos concentrados como os de máquinas e
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menos de 1% do universo das 6 mil empresas que poderiam se candidatar a receber o benefício. Nem as empresas maiores entendem muito bem a lei. As desonerações fiscais são ainda mais complexas para o aproveitamento da pequena empresa, que segundo o Sebrae (2009), inova essencialmente com recursos próprios. Em particular, a grande maioria dos instrumentos de desoneração se aplica apenas às empresas tributadas sob o regime de lucro real. Portanto, as tributadas sob o regime de lucro presumido e sob o regime do Simples não podem usufruir dos benefícios fiscais disponibilizados pelos mesmos. Portanto, os instrumentos de desoneração não conseguem alcançar as micro, pequena e nem algumas médias, um conjunto que abrange 90% do universo. O uso das compras governamentais como instrumento de estímulo à inovação também tem sido pouco difundido no Brasil,
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mas é aplicado com maior ênfase e com bons resultados nas compras de medicamentos junto ao setor farmacêutico. Outra modalidade de estímulo à inovação na indústria tem ocorrido via financiamento à aquisição de equipamentos. Entretanto, fomentar a compra de equipamentos não é a única forma de estimular a inovação. A integração entre a universidade e a empresa seria também um instrumento poderoso, mas até hoje não recebeu a ênfase suficiente para que ocorra. Por isso, com ou sem crise, esta meta seria dificilmente atingida. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA aponta que apenas 1,9% dos 26 mil doutores empregados está na indústria, enquanto 66% permanecem na universidade, e outros 18% estão no setor público. Isso se deve a fatores que devem ser corrigidos, com urgência (5). Do lado da indústria, a dificuldade das empresas absorverem
Divulgação
pesquisadores decorre das leis trabalhistas, que dificultam a formalização do trabalho temporário do pesquisador na mesma empresa e da falta de diálogo entre a indústria e a universidade, o que dificulta especificação e o aprofundamento das linhas de formação e de pesquisa de interesse da primeira. Do lado da academia, o sistema de avaliação da produção científica, apesar de a partir de 2004 ter passado a pontuar a produção de patentes, não tirou o viés de estímulo à produção de artigos no exterior. Em síntese, o pesquisador ainda não tem estímulos suficientes para se engendrar nos problemas da indústria. Programas de extensionismo industrial, que envolvem a presença de consultores (em geral mestres e doutores) em pequenas empresas com o objetivo de sugerir melhorias (inovação incremental) em gestão, em produtos e em processos industriais não tem recebido a atenção que merecem. Nos Estados Unidos, a participação nesses programas pontua na avaliação da carreira acadêmica, tanto quanto a produção científica. No que tange ao estímulo à inovação, especificamente na área industrial ambiental, percebemos, nas entidades patronais em que atuamos, a total inexistência de soluções em engenharia ambiental voltadas para o desenvolvimento de "kits" que consistam no fornecimento de conjuntos de equipamentos (seja para o tratamento de efluentes na água, de emissão de poluentes no ar ou de redução do ruído) direcionados para a pequena empresa, de acordo com o tipo de problema ambiental gerado em cada setor. Eles deveriam ser financiados pelo BNDES, e a concessão dos recursos deveria estar totalmente desvinculada da sua situação em termos de dívidas fiscais, ou seja, da sua presença ou não na listagem do CADIN. 4º Desafio: Preservar o balanço de pagamentos – Macrometa: ampliação das exportações e aumento da participação do Brasil nas exportações mundiais de 1,18% em 2007, ou US$ 160,6 bilhões, para 1,25%, ou US$ 208,8 bilhões em 2010 Aqui vale observar que a sobrevalorização do real neutraliza a força de todos os instrumentos governamentais desenvolvidos para o fomento à exportação, com ou sem crise. O que se viu no período foi o forte crescimento das importações de produtos industrializados e o aumento da importância da indústria extrativa, que passou de 26% do PIB em 1991 para 34% em 2009, bem como das suas exportações. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), cerca de 580 empresas deixaram de exportar entre 2002 e 2009 e 8.491 novas empresas importadoras foram criadas nos últimos sete anos. Sem contar os hipermercados ,que deixaram de usar tradings e passaram a importar diretamente. As exportações cresceram, mas ficaram concentradas em commodities. No médio e longo prazos, depender de exportações de commodities (produtos básicos e alguns semimanufaturados) torna as receitas externas mais vulneráveis às oscilações de preços. Mais uma vez estamos estimulando o desenvolvimento de setores (como os produtores de commodities) que absorvem pouca mão de obra. Muitas medidas de desoneração criadas para fomentar as exportações também tiveram baixa adesão devido à sua complexidade. Por exemplo, o RECAP- Regime Especial de Aquisição
O financiamento, por meio do BNDES, foi o instrumento mais efetivo da PDP. O banco financiou grupos nacionais na compra de empresas no exterior.
de Bens de Capital para Empresas Preponderantemente Exportadoras isenta as empresas que exportam em mais de 60% da sua produção de PIS e Cofins na compra de máquinas e equipamentos. Segundo dados da Receita Federal, até dezembro de 2009, apenas 222 empresas haviam aderido ao programa. Apenas as grandes empresas conseguem entender essas medidas e lançar mão dos recursos disponibilizados pelas mesmas. Além disso, os acúmulos de créditos fiscais não recuperados pelos exportadores agravam o problema da falta de competitividade das exportações imposto pelo câmbio. Estes representam 5,8% da carga de 22,9% que recai sobre a receita de exportações no processo produtivo industrial, segundo o Depecon/Fiesp. Estima-se que os exportadores tenham a receber R$ 32 bilhões em créditos acumulados. Destes, R$ 12 bilhões são da dívida federal e R$ 20 bilhões em ICMS dos Estados. Passando ao plano das negociações comerciais, muitas negociações de acordos bilaterais que o governo Lula promoveu nos últimos anos não foram selecionadas a partir das prioridades comerciais do setor produtivo brasileiro, mas foram ditadas pela agenda da política internacional do Itamaraty. Como exemplos, podemos citar os acordos com países como Israel,
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Tabela 2 - Participação das importações no consumo aparente, e participação das exportações no valor da produção da indústria de transformação e medida de agregação de valor na indústria Classificação Nacional de Participação % das importações Participação % das Valor da transformação/Valor no consumo aparente exportações na produção da produção (PIA-IBGE) Atividades Econômicas (CNAE)
Total indústria de transformação
2002
2007
2009
2002
2007
2009
2002
2007
16%
11%
13%
25%
16%
15%
55%
51%
Diferença= 2007-2002 -4%
Fonte: Pesquisa Industrial Anual - A Produto e SECEX/MDIC; Metodologia: Matriz de Correspondências Prodlist e NCM. Atualizado em 26/04/2010. Elaboração: Websetorial. As tabelas com detalhamento setorial poderão ser solicitadas à autora por e-mail: patriciam@websetorial.com.br
Egito, Guiana e Marrocos, com os quais temos pouco interesse efeitos indiretos de estímulo às exportações da PITCE e do comercial. A ordem deveria ser inversa: os interesses comerPDP, apesar de seu impacto ter sido menos relevante se comciais setoriais deveriam direcionar esses acordos. parados aos fatos anteriormente citados. Com relação ao nosso vizinho mais importante, a Agência A Tabela 2 traz informações interessantes sobre como tal Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) passou a licomposição da produção doméstica da indústria de transforderar iniciativas com o objetivo de discutir os setores considemação se alterou de 2002 até 2009. Não incluímos dados da inrados estratégicos para as relações entre Brasil e Argentina, e dústria extrativa nessa tabela, porque distorcem muito as inforde identificar de complementaridades de produção entre as mações. Ela descreve a participação das importações no consuindústrias de ambos os países. mo aparente na indústria de transformação brasileira e a parOs governos dos dois países estão comprometidos com o ticipação das exportações no valor da produção nominal, programa e, como principal eixo de estratégia de integração convertidos ao dólar médio de cada ano considerado: 2002, 2007 econômica, deverão adotar para os próximos e 2009. A tabela traz também informações sobre anos ações como: a promoção de investimenos percentuais que essa indústria agregava de tos bilaterais, a participação acionária cruzavalor sobre a produção em 2002 e em 2007, e a Os acúmulos de da, consórcios e redes para compartilhamento diferença verificada nesses cinco anos (6). O que se verifica, quanto à participação das da logística, além de acordos de fornecimento créditos fiscais não importações no consumo aparente, é que com a de longo prazo e empreendimentos conjuntos recuperados pelos sobrevalorização do real, enquanto as importade desenvolvimento tecnológico. Numa priexportadores ções dos produtos da indústria de transformação meira fase, já identificaram oportunidades de agravam o aumentaram em 102% de 2002 para 2007, a parcomplementaridades em setores como: petróproblema da falta ticipação dessas mesmas importações no consuleo e gás, aeronáutica, mineração, indústria mo aparente desses produtos caiu cinco pontos naval, material ferroviário, autopeças, biode competitividade porcentuais (p.p.). Ou seja, o efeito das importacombustível, softwares e construção civil. das exportações ções ficou diluído pelo crescimento da demanda É iniciativa muito válida, dada a relevância imposto e da produção doméstica no mercado interno, esdo continente latino-americano para os intepelo câmbio. timulados pelo aumento da renda. A questão é resses políticos e estratégicos brasileiros e o que a capacidade de absorver importações tem grande peso econômico do Brasil em relação às um limite. E este limite já foi atingido em 2007, a nações vizinhas. Tal iniciativa, além de contripartir de quando as importações já começam ocupar mais dois buir para reduzir as assimetrias entre os países, contribuirá pontos porcentuais. Ademais, dados do primeiro trimestre de também para manter a estabilidade e a segurança regionais. 2010 já mostram que parcelas maiores da produção doméstica no Cabe também uma referência quanto à questão da desinconsumo aparente estão sendo ocupadas por importados em vádustrialização. As mudanças no contexto macroeconômico rios setores (pneus, produtos editoriais e ferramentas). Quanto à que ocorreram no Brasil de 2002 a 2009 exerceram impactos parcela da produção da indústria de transformação exportada a muito fortes sobre a composição da produção na indústria de queda de 25% para 15% descrita na Tabela 2 não deixa dúvidas transformação como um todo, com impactos diferentes em desobre o fato que o câmbio desestimulou bastante as exportações terminados setores da indústria e sobre as linhas de produção de produtos da indústria de transformação no período. de muitas fábricas, principalmente as multinacionais. Já a questão da desindustrialização em si pode ser evidenEntre essas interferências sobre os preços relativos e sobre as ciada a partir dos dados da terceira grande coluna da mesma, quantidades demandadas de produtos da indústria de transonde é calculada a parcela que a indústria de transformação formação, podemos citar a sobrevalorização do real, o ciclo de agrega de valor sobre o valor bruto da produção industrial. Daprosperidade que se viveu até final de 2008, a maior agressidos mais detalhados do mesmo período demonstram que houvidade dos chineses no seu direcionamento de exportações ve queda no coeficiente de valor adicionado em quase todos os para o Brasil, a partir de 2005, o crescimento da renda no mer122 setores da indústria de transformação, estratificados pela cado doméstico e a crise de 2008-2009. Somam-se a estes os
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classificação CNAE a três dígitos. As exceções ocorreram em ações sistêmicas, 2) destaques estratégicos e 3) programas chaapenas onze setores. O aumento no valor agregado foi supemados "estruturantes" ou setoriais. rior a 5% nas seguintes atividades: serviços de acabamentos As ações sistêmicas procuraram gerar externalidades posiem fios, tecidos e artigos têxteis, por terceiros (+6%); reconditivas para o conjunto da estrutura produtiva, mas dependem cionamento ou recuperação de motores para veículos automoda ação de políticas em outras instâncias governamentais. São tores (+6%); fabricação de tintas, vernizes, esmaltes, lacas e elas: desoneração tributária do investimento, aprimoramento produtos afins (+7%); reprodução de materiais gravados do ambiente jurídico, ampliação dos recursos e redução do (+7%); fabricação de máquinas, aparelhos e equipamentos de custo do financiamento ao investimento fixo e ampliação dos sistemas eletrônicos dedicados à automação industrial e conrecursos para inovação. trole do processo produtivo (+8%); fabricação de produtos farOs destaques estratégicos são temas de política pública que macêuticos (+8%); fabricação de fibras, fios, cabos e filamentos foram escolhidos em razão de sua importância para o desenvolcontínuos artificiais e sintéticos (+10%); fabricação de cronôvimento produtivo do País no longo prazo, como a ampliação metros e relógios (+12%); processamento, preservação e prodas exportações, a integração produtiva com AL e Caribe, o fordução de conservas de frutas, legumes e outros vegetais talecimento das MPEs, a integração com a África, a regionaliza(+13%); construção, montagem e reparação de veículos ferroção e a produção limpa com desenvolvimento sustentável. viários (+14%); fabricação de máquinas para Renato Luiz Ferreira/Luz escritório (+16%). Em outros 21 setores, os aumentos no valor transformado em relação ao produzido foram positivos, mas bem pouco significativos, entre 1% e 5%. Vale lembrar que estamos tratando de um período de cinco anos de grande prosperidade. O efeito mais perverso ocorreu sobre as indústrias nacionais chamadas "terceiristas" (em usinagem, fundição, moldes e forjarias), que produzem, sob encomenda, peças para as indústrias naval, de motores, de máquinas e equipamentos, de veículos e de autopeças. São setores importantes, que detêm estoque de equipamentos e conhecimento na área de engenharia de processo. Como resultado da taxa de câmbio sobrevalorizada, muitos desses produtos intermediários, partes, peças e componentes, foram gradualmente substituídos por conjuntos importados, já que a importação de bens de menor O impasse político no Brasil atrasa as reformas estruturais, principalmente custo melhora os resultados dos fabricantes de as que afetam a competitividade, como a tributária e a trabalhista. bens finais. Em outras palavras, as propostas de desoneração fiscal e os estímulos definidos para os setores da PDP, quando aproveitados, foram úteis apenas para a ponta da cadeia produtiva, mas não beneJá os programas estruturantes para os sistemas produtivos foficiaram setores como esses do complexo metalmecânico. ram desenvolvidos a partir de planos de ação específicos para diNas empresas multinacionais, o efeito da desindustrializaversos setores da economia, com o objetivo de promover avanços, ção tem sido ambíguo. Muitas fecharam linhas de produtos e a partir da ótica evolucionista. Estes foram separados por grupos realocaram sua produção para plantas em outros países ao londe setores de acordo com o objetivo que se almejou alcançar, a pargo desses anos. Chamo este fenômeno de "efeito queijo suíço": a tir da aplicação da referida política industrial PDP: áreas estratéfábrica está aqui, mas está cheia de "buracos" na linha de progicas, fortalecimento de competitividade e liderança. dução. No sentido inverso, depois da crise, em 2009, com a queOs programas mobilizadores em áreas estratégicas da na demanda nos EUA e na Europa tem ocorrido a transfeabrangem atuação sobre os seguintes setores: Complexo da rência de linhas de produção de produtos finais de consumo paSaúde, Energia Nuclear, TICs, Indústria de Defesa, Nanora o Brasil, para aproveitar do aumento de renda da população tecnologia e Biotecnologia. que tem mantido o mercado local aquecido. O efeito líquido é Os programas para fortalecer a competitividade abrangem que o Brasil gradualmente se transforma numa "montadora". iniciativas de política industrial nestes setores: Complexo Automotivo; Bens de Capital; Têxtil e Vestuário; Madeira e Móveis; Mecanismos da PDP para a Implementação Higiene, Perfumaria e Cosméticos; Construção Civil; Compledas Macrometas xo de Serviços; Biodiesel; Indústria Marítima; Couro e Calçados; Sistema Agroindustrial; Plásticos; e Eletrônica de Consumo. A as ações da PDP foram concebidas em três níveis: 1) as E os programas para consolidar e expandir a liderança reu-
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niram intervenções nos setores que se seguem: Indústria Aeronáutica, Mineração, Siderurgia, Papel e Celulose, Petróleo e Gás, Carnes e Bioetanol. Para alcançar esses grandes objetivos foram lançadas 66 medidas de caráter horizontal. Destas, 31 medidas objetivaram ampliar o acesso ao crédito, nove visaram à desoneração dos investimentos e outras oito são medidas regulatórias. Além disso, segundo o relatório do IPEA, seis, das 66 medidas, até o final de 2009 não haviam sido regulamentadas. O Plano Brasil 2022 Em outubro de 2009, o presidente da República encomendou à Secretaria de Assuntos Estratégicos a elaboração de um Plano para o Brasil para 2022, que indicasse e sintetizasse o que o Brasil aspira ser. Nesse plano, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, propõe novos desafios e macrometas para a PDP. Os desafios relacionam-se à inclusão da questão da produção limpa e sustentável na PDP e à articulação da PDP com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com a Copa do Mundo, com a Olimpíada e com os investimentos no Pré-Sal. As novas macrometas relacionam-se ao aumento da produtividade e à formação de recursos humanos para a indústria, mas continuam a ser definidas apenas a partir da visão restrita do contexto econômico doméstico. Nossa avaliação da PDP - uma síntese Quanto às ações sistêmicas, principalmente quanto às medidas para a desoneração tributária para o investimento – com exceção da medida anticíclica de redução do IPI, que foi de fácil divulgação e aplicação – elas se tornaram uma "colcha de retalhos". Ao invés de se simplificar com uma reforma tributária abrangente, que incluísse a desoneração para os investimentos e a concessão clara e objetiva de incentivos para a inovação, o sistema está se tornando cada vez e mais incompreensível. Quanto aos destaques estratégicos o que vier, de fato, a ser considerado relevante entre estes destaques, deve ser incluído entre os desafios e as macrometas, como veremos a seguir em nossas propostas. Sobre os programas estruturantes ou setoriais, devem ser mantidos, mas reorientados na linha da especialização produtiva, a partir do aproveitamento de oportunidades que se apresentam dentro do contexto da concorrência global, com empresas do mesmo setor de outros países com diferentes dotações de recursos. Além disso, deve ser substancialmente ampliado o acesso aos programas por parte das pequenas e médias empresas, e nesses casos deve haver em cada programa a clara inclusão de incentivos para a produção sustentável, desvinculados da regularidade da empresa no CADIN. Quanto à institucionalidade da política industrial, a ação da ABDI tem contribuído para que as instituições gradualmente passem a atuar de forma sistêmica, mas ainda há dificuldades de coordenação, pois os papéis de algumas instituições se confundem e se sobrepõem algumas vezes.
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5. Repensando os desafios: uma reavaliação dos ambientes doméstico e internacional O impasse político no Brasil, há décadas, atrasa as reformas estruturais, principalmente as que afetam a competitividade das empresas nacionais, como a tributária e a trabalhista. A PDP tenta contornar o problema tributário, com desonerações. Outra questão é que nela os desafios a enfrentar e as macrometas foram traçados olhando-se simplesmente as necessidades da economia doméstica. Partiu-se da visão conceitual evolucionista e das demais macrometas, mas não foram consideradas nem as oportunidades de mercado, nem as restrições impostas pelo o resto do mundo, nem as iniciativas de outros países em matéria de política industrial. Nesse sentido, a crise internacional modificou as premissas que orientaram a concepção do PDP, mas mesmo sem que a crise se tivesse deflagrado, notamos o predomínio desta visão autocentrada. Ou seja, a PDP ficou descolada da compreensão do novo contexto internacional, que já havia despontado anteriormente à crise, pois a emergência dos RICs (Rússia, Índia e China), enquanto mercados consumidores de produtos industriais e enquanto concorrentes do Brasil, são fatos que a precedem. Por isso, deve ser mantida a concepção evolucionista em que a nossa política industrial está fundamentada, mas as demais orientações gerais estratégicas – os desafios e as respostas a eles –, devem ser revistos: a) à luz do contexto doméstico em que se insere a indústria brasileira na atualidade, olhando-se frontalmente o problema do câmbio – dado que as perspectivas são de continuidade de ingresso de capitais estrangeiros –, e as suas consequências sobre a rentabilidade operacional, em particular nos ramos da indústria de menor valor agregado e sobre o estímulo ao próprio investimento em inovação; e b) à luz do contexto internacional vigente. Mostraremos esses e outros argumentos a partir de uma análise SWOT voltada para a indústria brasileira (7). "Trata-se de ferramenta utilizada para a gestão e o planejamento estratégico a partir de uma análise de cenários, com o objetivo de perceber a posição estratégica de uma empresa no seu ambiente para fundamentar as ações a serem tomadas. O termo é uma sigla oriunda do inglês, e é um acrônimo de Pontos Fortes ou Forças (Strengths), Fraquezas (Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats)" (8). Nossa análise é aplicada à indústria brasileira e desdobra-se numa análise do ambiente interno onde essa ferramenta foca nas variáveis internas a concorrentes, e numa análise do ambiente externo, das suas oportunidades e as ameaças, da qual são extraídas as perspectivas de evolução do mercado e de outras circunstâncias externas à nossa capacidade de decisão. Os pontos fontes e as fraquezas são determinados pela posição atual da indústria e se relacionam, quase sempre, a fatores internos. Já as oportunidades e ameaças são antecipações do futuro e estão fundamentalmente relacionadas a fatores externos. O ambiente interno pode ser controlado, uma vez que é resultado das estratégias de atuação definidas pelos próprios membros da organização. Desta forma, durante a aná-
lise, quando for percebido um ponto forte, ele deve ser ressaltado ao máximo; e quando for percebido um ponto fraco, a organização deve agir para controlá-lo ou, pelo menos, minimizar seu efeito. Já o ambiente externo está totalmente fora do controle. Mas, apesar disso, deve-se conhecê-lo e monitorá-lo com frequência, de forma a aproveitar as oportunidades e evitar as ameaças. Começaremos pela Tabela 3 onde são apresentadas ameaças identificadas no contexto internacional Na Tabela 4, e no mesmo contexto internacional, são identificadas oportunidades. A Tabela 5 lista pontos fracos no contexto doméstico. Vários desses e outros pontos fracos são detalhados em artigos que também integram esta série especial da revista Digesto Econômico. A Tabela 6 relaciona pontos fortes no contexto doméstico. 6. Propostas para adequação da política industrial A PDP é um plano de longo prazo com uma visão correspondente. Trata-se de uma política permanente, que deve
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perpassar administrações de governo. Ou seja, deve ser uma política de Estado. Se decidirmos alterar os seus objetivos, devemos fazê-lo não em função da conjuntura (crise), mas da percepção de que os problemas que ela trouxe seriam bem menores se nossa política industrial tivesse uma visão mais abrangente. Ou seja, nessa política foram considerados corretamente os objetivos econômicos nacionais de longo prazo, mas sem levar em conta a atuação de outros países. E, com crise ou sem ela, as nossas dotações e restrições de capital humano. A grande questão que se coloca, olhando as oportunidades e ameaças descritas nos quadros acima, que tratam do cenário internacional é: se China, Índia, Estados Unidos e Reino Unido já têm ou estão formulando políticas industriais, que também objetivam produzir bens manufaturados de maior valor agregado, como poderemos nos diferenciar? Como agregar valor a produtos, concorrendo com os países que estão buscando o mesmo objetivo e têm vantagens sobre o Brasil? Olhando as nossas forças e fraquezas descritas nas tabelas anteriores, que tratam do contexto doméstico, outras grandes questões são: como aumentar a taxa de inovação nas empresas, incluindo as de médio e pequeno porte? Como fazer com que os estímulos ocorram rapidamente e em setores que absorvam bastante mão de obra? Como qualificar rapidamente os nossos
engenheiros, para que contribuam com a taxa de inovação? Como incorporar na indústria, ao menos parte do contingente de 6,7 milhões de pessoas em idade ativa, sem qualificação? Que atributos humanos a maior parte deles teria para que fossem aproveitados no setor produtivo, mesmo que continuem sem se qualificar? Nossas respostas ou propostas a essas e outras questões discutidas ao longo deste artigo são apresentadas na Tabela 7. As justificativas são as próprias ameaças e fraquezas a minimizar e as oportunidades e forças que necessitamos salientar. Consideramos também válidas as propostas expressas no documento Decontec/Fiesp (2009, pp. 29 a 41). Nossas propostas são mais voltadas para uma revisão da orientação geral da política do que à sua operacionalização, como ocorre nesse documento da Fiesp. Além disso, entendemos que no plano macroeconômico permanecem por serem enfrentados os problemas da sobrevalorização cambial e das altas taxas de juros. E há, ainda, a imperiosa necessidade de os governos, nos seus vários níveis, adotarem procedimentos correspondentes aos que exigem dos contribuintes, devolvendo rápida e integralmente todo o enorme montante de créditos fiscais a que têm direito, os quais incluem os ligados à política industrial, em particular no seu fomento às exportações.
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Notas
Eduardo Nicolau/AE
Dados do primeiro trimestre de 2010 já mostram que parcelas maiores da produção doméstica no consumo aparente estão sendo ocupadas por importados em vários setores.
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(1) Em 2009 o cartão BNDES financiou empresas preponderantemente dos setores de móveis, calçadista, confecções, plásticos - hoje já são 250.181 cartões emitidos, liberando R$ 2,2 bilhões em 152.074 operações. (2) Regulado pela Lei nº 10.522, de 19 de Julho de 2002, o Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal - CADIN é um banco de dados onde se encontram registrados os nomes de pessoas físicas e jurídicas em débito para com órgãos e entidades federais. (3) A classificação de porte de empresa adotada pelo BNDES é aplicável a todos os setores segundo a receita operacional bruta anual: Microempresa (menor ou igual a R$ 2,4 milhões), Pequena Empresa (maior que o último valor e menor ou igual a R$ 16 milhões), Média Empresa (maior que o último valor e menor ou igual a R$ 90 milhões), Média-grande Empresa (maior que o último valor e menor ou igual a R$ 300 milhões) e Grande Empresa (maior que R$ 300 milhões). (4) "Pesquisa FIESP sobre Intenção de Investimento 2009: o Impacto da Crise", citada em FIESP/ DECOMTEC (2009) (5) Paraguassu (2009). (6) O IBGE somente irá divulgar os dados de 2008 em julho de 2010. (7) Wikipedia: disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%A1lise_SWOT Acesso em 05 Abril 2010. (8) "Não há registros precisos sobre a origem desse tipo de análise, segundo PÚBLIO (2008) a análise SWOT foi criada por dois professores da Harvard Business School: Kenneth Andrews e Roland Christensen" (ver nota anterior).
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Com o dólar sobrevalorizado, a pequena empresa percebe que exportar dá muito trabalho e pouco lucro, e de um modo geral tem havido a redução de empresas industriais exportadoras.
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Danilo Verpa/Folha Imagem
O DESAFIO DA ECO
A criação de consumidores e produtores culturais é o que dará massa crítica para o desenvolvimento de um setor de economia criativa robusto e dinâmico. Entre outras propostas, a autora sugere financiar largamente centros culturais, galerias de arte, bibliotecas, salas de cinema como elementos formadores de público consumidor, mão de obra qualificada, espaços de conexão e trocas.
NOMIA CRIATIVA
Márcia Foletto/O Globo
Resumo
Zé Carlos Barretta/Hype
Lídia Goldenstein Formada em Economia pela USP e doutora na mesma área pela Unicamp. Foi analista da Fundação Seade, pesquisadora do Cebrap e comentarista de vários programas de televisão. Exerceu o cargo de assessora da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de Planejamento do Estado de São Paulo e da presidência do BNDES. Foi docente de diversas instituições, entre as quais a Unicamp, a Fundação Armando Álvares Penteado e o Instituto Rio Branco. Entre outras publicações e estudos, é autora do livro "Repensando a Dependência" (1994). É sócia da LGoldenstein Consultoria. A autora agradece as críticas e sugestões de Stela Goldenstein
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O objetivo deste artigo é o de chamar atenção para o setor denominado Economia Criativa e sua importância para o desenvolvimento de uma estratégia que permita ao Brasil finalmente conseguir uma inserção internacional competitiva e um crescimento sustentável, tanto do ponto de vista econômico como ambiental, e com mais equidade social. Entre as várias propostas apresentadas, destacam-se o mapeamento do setor, para se ter a noção do seu tamanho e potencial no País, e a criação de um fórum interministerial que conduza a formatação das políticas para o setor, uma vez que seu desenvolvimento depende de articulações que perpassem todo o governo na construção de uma estratégia de longo prazo.
1. Introdução: o retorno a um crescimento sustentável e novos desafios
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epois de quase vinte anos de sucessivas crises, com baixas taxas de crescimento, elevada inflação e recorrentes problemas no balanço de pagamentos, o Brasil vive atualmente um cenário macroeconômico bastante positivo. Como resultado de mais de duas décadas de ajustes difíceis, e beneficiada pelo crescimento da economia mundial, finalmente a economia voltou a crescer. A redução da vulnerabilidade externa – graças às elevadas exportações de commodities como da percepção generalizada de que o Brasil continuará a ser um dos países mais atrativos para os investimentos externos –, garantiu a acumulação de reservas e permitiu que o País passasse pela última crise internacional sem os traumas que sempre nos abateram nas crises anteriores. Internamente, a inflação não só foi controlada, como permanece em um nível baixo, permitindo a redução da taxa de juros a qual, apesar de ainda elevada e uma das mais altas do mundo, já caiu significativamente, situandose no menor nível desde os anos 80, mesmo após a elevação implementada pelo Banco Central em abril de 2010. O controle da inflação e a queda dos juros vêm permitindo uma elevação importante do crédito na economia a qual, somada à elevação da renda proveniente do programa Bolsa Fa-
mília, da elevação do salário mínimo como tal e como benefício previdenciário e assistencial e, mais recentemente, do aumento do emprego, geraram um círculo virtuoso, de aumento de renda, emprego e consumo. Tudo junto vem finalmente permitindo não só a elevação das taxas de crescimento, como também das taxas de investimento. Temos, assim, uma oportunidade única para pensarmos o futuro do País sem o peso das sucessivas crises, internas e externas, que nos abateram por longos anos. É o momento, quando os mais variados indicadores macroeconômicos mostram-se bons, ou no mínimo razoáveis, de fortalecer as bases para que a economia brasileira consolide a atual fase de crescimento e finalmente entre em uma trajetória de crescimento sustentável. Entretanto, apesar do inequívoco bom momento pelo qual a economia brasileira vem passando, no qual crescer a taxas elevadas por um ou dois anos está se revelando muito possível, não se pode contar para sempre com um cenário tão positivo. Não só ciclos e crises sempre existiram e continuarão a existir, como podem ser de tal magnitude que comprometam a sustentabilidade do crescimento. A capacidade de o País passar por novas eventuais crises sem desarranjos mais profundos na economia, e de manter uma trajetória de crescimento de longo prazo, depende do enfrentamento de certas questões que ainda estão sendo perigosamente postergadas, levando ao acúmulo de problemas que cedo ou tarde ameaçarão o desempenho da economia. Alguns dos problemas já são muito conhecidos e discutidos pela imprensa e diferentes analistas econômicos, quando não já sentidos pelos empresários e pelo público em geral. O baixo nível de investimentos (1), em especial em infraestrutura, é um deles, e vem afetando significativamente a competitividade da economia brasileira. O volume e perfil dos gastos públicos é outro, afetando a capacidade de gasto público, sua qualidade e seu custo de financiamento. Os impactos negativos da péssima estrutura educacional do País no mercado de trabalho e no custo das empresas são mais um dos problemas entre os que urgem serem enfrentados. A consciência da necessidade de se enfrentar estas questões – caso contrário se tornarão um obstáculo à continuidade do bom desempenho da economia –, tem sido crescente. Para algumas delas já estão mapeados os investimentos e ações prioritários, tanto públicos como privados. Infelizmente, existem ainda outras questões que estão longe de serem debatidas, quanto mais enfrentadas. Apesar da nítida re-
dução da vulnerabilidade externa brasileira, não se pode esquecer que ela é fruto de um lado da imensa liquidez no mercado financeiro internacional e, de outro, da elevação dos preços das commodities em decorrência da demanda chinesa. A reversão deste cenário poderá não trazer o nível de stress com o qual convivemos por tanto tempo, mas, sem a menor dúvida, imporá limites às nossas taxas de crescimento. Por mais sofisticado tecnologicamente que seja o agronegócio brasileiro e por maior que seja o volume de nossas exportações de commodities, é perigoso que se escore o crescimento nacional apenas nestes setores. Não só devido às suas suscetibilidades aos preços internacionais, cujas oscilações estão atreladas a fatores os quais não controlamos, mas também ao fato de estes serem setores com uma capacidade de geração de empregos insuficiente para as necessidades demográficas e sociais do País. O Brasil, dadas as características de sua população – tamanho, escolaridade e estrutura etária –, e sua imensa desigualdade na distribuição de renda, não pode dar-se ao luxo de prescindir de um setor manufatureiro, tanto por sua capacidade de gerar empregos, muito superior ao setor agrícola e aos setores produtores de commodities em geral, como por sua capacidade de amortecer os ciclos decorrentes das vicissitudes do comércio internacional.
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No mundo atual, no qual a intensificação do processo de globalização graças às novas tecnologias continua provocando impactos profundos na distribuição geográfica mundial da produção, a China, juntamente com outros pequenos países da Ásia, vem se transformando no grande supridor internacional de manufaturados, ameaçando não só as estruturas produtivas dos países emergentes, como a de tradicionais produtores. A forma como os diferentes países vêm enfrentando esse novo cenário internacional não é única. Muitos, principalmente os emergentes, quer por dificuldades na sua estrutura produtiva, quer por dificuldades políticas, muitas vezes por ambas, têm conseguido, a duras penas, agir apenas defensivamente. A indústria brasileira tem conseguido sobreviver, mas sempre sob uma perspectiva defensiva, driblando as sucessivas crises. No momento, graças ao crescimento do mercado interno de baixa renda, a indústria tem crescido, mas nem sempre se modernizando. A atual retomada do crescimento da economia brasileira vem sendo claramente liderada por alguns setores altamente beneficiados pelas elevadas taxas de crescimento internacional – em especial pelo fenômeno chinês, que provocou um claro deslocamento da demanda nos setores de mineração, papel e celulose, siderúrgico e agronegócios em geral –, e pelo consumo interno das famílias brasileiras, em especial as de baixa renda, cujo acesso às transferências do governo e ao crédito farto e de prazos longos para os padrões brasileiros, vem Valéria Gonçalvez/AE liberando uma demanda historicamente reprimida. No caso dos setores de mineração, papel e celulose, siderúrgico e agronegócios em geral, a retomada dos investimentos vem ocorrendo de forma significativa. São setores altamente competitivos, nos quais o Brasil se destaca com vantagens comparativas óbvias, e nos quais, com exceção do siderúrgico, no qual a China investiu pesadamente nos últimos anos, dificilmente teremos competidores que representem ameaça séria. Entretanto, esses setores ou são pouco intensivos em mão de obra, ou insuficientes para gerar os empregos que o País precisa, dadas as características sócio-econômicas de sua população. No que se refere aos demais setores industriais, salvo exceções, o principal foco das empresas tem sido o segmento do mercado interno que está aquecido, o de baixa renda. As empresas não só estão deixando de exportar, como se adaptando à baixa exigência desse mercado em termos de produtos e de tecnologia embarcada. No médio e no longo prazo isso significa que, independentemente do câmbio, dos gargalos de infraestrutura e da elevada carga tributaria atual, o Brasil não está se preparando para enfrentar as mudanças que vêm ocorrendo no cenário internacional. Ao contrário, ao voltar-se novamente para o mercado interno, perde-se espaço nos mercados externos e também,
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Paulo Pampolin/Hype
No caso dos setores de mineração, papel e celulose, siderúrgico e agronegócios em geral, a retomada dos investimentos vem ocorrendo de forma significativa, porém, são pouco intensivos em mão de obra, ou insuficientes para gerar os empregos que o País precisa.
com isso, um determinado tipo de empreendedorismo fundamental para as empresas sobreviverem no mundo atual. Por terem que competir no mercado internacional e terem mais contato com compradores e concorrentes mais sofisticados, as empresas exportadoras tendem a ser mais produtivas, pagar melhores salários, e a investir mais em inovação de produtos e processos, tecnologia, padrões de qualidade, design e marcas do que as empresas exclusivamente voltadas para o mercado interno ou para países menos desenvolvidos, com mercados menos complexos (2). Nesse contexto, a questão mais premente e simultaneamente mais difícil que se coloca hoje para o Brasil é como construir um caminho que resulte na sustentabilidade do crescimento. Como aproveitar o atual "bom momento" e não só consolidálo, mas ampliá-lo, ousando, rasgando fronteiras, colocando o Brasil no mapa do mundo de forma diferenciada, garantindo uma inserção internacional privilegiada num mundo cada vez mais competitivo e complexo? Para competir com a China, com suas escalas de produção e mão de obra barata, é preciso muito mais. Para enfrentar este desafio precisamos de empresas com uma mentalidade inovadora, capazes de construir marcas fortes, produtos com design, de-
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senvolver tecnologia e inovar, gerando maior valor agregado para seus produtos. Em particular, é preciso introjetar na estrutura produtiva das empresas a capacidade de inovar. Mas se esta mentalidade não floresce espontaneamente, como fazê-lo? 2. A competitividade no mundo atual As transformações são profundas nas tecnologias e, consequentemente, na velocidade e intensidade do processo de globalização, abrindo mercados maiores e mais diversificados e facilitando a troca de ideias e tecnologias entre os países. Novas gerações de tecnologias permitiram a queda de preços no lado da oferta, enquanto consumidores mais ricos, diversificados e sofisticados sustentaram a demanda por bens e serviços de maior valor agregado. Uma mão de obra mais qualificada e educada passa a ser requisitada. Neste processo, a manufatura "tradicional" também sofreu grandes transformações, as quais, entretanto, ficam menos visíveis dada a grande visibilidade das indústrias de alta tecnologia. Na verdade, as velhas divisões entre manufatura e serviços, ou entre alta ou baixa tecnologia, estão se tornando obsoletas. Mesmo indústrias consideradas de baixa intensidade tecnológica (low tech) foram altamente afetadas pela mudança para a chamada "economia do conhecimento". Trata-se de um novo paradigma produtivo que vem impondo novas formas de competição e uma nova divisão internacional da
produção, exigindo, tanto das economias desenvolvidas como das em desenvolvimento, respostas muito diferentes das dadas no início dos processos de industrialização. A competitividade e desempenho das empresas e organizações são crescentemente determinados pelo seu investimento em ativos baseados no conhecimento, ou intangíveis, definidos como recursos humanos, competências organizacionais (tecnológicas, processos, cultura), software especiais, rede de consumidores, rede de fornecedores, pesquisa e desenvolvimento (P&D), design, e marcas (brand equity) e Fábio Rossi/O Globo não tanto em ativos físicos, como máquinas, construções e veículos. Em uma economia baseada no conhecimento, o papel da inovação não tecnológica é também importante, especialmente nas indústrias que não são tipicamente investidoras em P&D, mas que investem em outros intangíveis. Gastos em ativos de conhecimentos não científicos passaram a ser tão críticos quanto gastos em P&D. Na verdade, as "fronteiras convencionais entre serviços e manufatura estão esfumaçando e deixando de ser relevantes à medida que as manufaturas estão incorporando serviços de alto valor agregado nos processos produtivos: manufatura e serviços estão ficando integrados em um processo produtivo comum." (3) É muito mais do que uma transição de manufatura para serviços. Os investimentos das manufaturas em ativos físicos (plantas e máquinas) estão caindo como proporção do PIB e os investimentos em serviços e intangíveis crescendo. Tanto nos EUA como no Reino Unido (RU) os investimentos em ativos intangíveis tornaram-se iguais ou maiores que os investimentos em ativos físicos (4). Em 2004, no RU, as manufaturas investiram £32 bilhões em intangíveis: duas vezes mais do que o investimento em ativos físicos. Em 1970, a proporção dos investimentos das empresas em intangíveis era de 40% dos tangíveis e em 2004 passou a 130% (5). A razão entre investimentos em intangíveis e em tangíveis foi mais
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elevada nas manufaturas (2,3/1) do que no resto da economia gíveis (conhecimento e inovação) –, como, além disso, o pro(1,3/1). Estimativas recentes mostram que para cada emprego na cesso de retroalimentação entre produção e consumo ficou manufatura existem dois em serviços que lhe são relacionados. mais rápido e mais amplo, exigindo uma contínua e intensiva Ou seja, é cada vez mais difícil separar manufatura dos serviços: capacidade de adaptação por parte das empresas e das políé arcaico e irrelevante graças à integração de ambos (6). ticas públicas. Existe uma permanente demanda para upgrade A distinção tradicional mascara mudanças fundamentais e inovação não só do que está sendo produzido quanto de coque estão ocorrendo devido às novas tecnologias, novos pamo está sendo produzido. Faz parte desta nova dinâmica a drões de demanda e comportamento social. Assim, uma estrapermanente interação da tecnologia com os consumidores tégia industrial moderna tem que olhar para além da divisão mais sofisticados, criando uma economia com mais capacidaentre manufatura e serviços e focar no processo real de criação de e confiança na criação e transmissão do conhecimento. de valor, inovação e crescimento. Criatividade e inovação são conceitos que se sobrepõem. "As indústrias de baixa intensidade tecnológica têm sobreviCriatividade é originar ideias, novas formas de olhar um provido nas principais economias da OCDE porque estão mais inblema que já existe ou olhar novas oportunidades. Inovação é o tensivas em conhecimento e mais aptas a respostas ao mercado. sucesso na exploração de novas ideias, é o processo que leva a Os setores de sucesso não estão mais competindo simplesmente novos produtos e serviços ou novas formas de fazer negócio. através de custo unitário, mas oferecendo produtos e soluções Portanto, no atual paradigma produtivo, torna-se crucial o fopersonalizados: serviços de pós vendas, lidemento à criatividade e à inovação, as quais, conrança em responder a regulação do meio amtando com adequados mecanismos de transbiente e mudanças no gosto dos consumidores. missão, são as chaves para que o resto da econoCriatividade e A oferta de produtos físicos tem que ser subsmia e sociedade possam se beneficiar. Daí a iminovação são conceitos tituída por oferta de um sistema de produtos e portância das indústrias criativas ou, mais serviços capazes de preencher a demanda do amplamente falando, da economia criativa, enque se sobrepõem. consumidor, reduzindo custos e impactos amtendida como um conjunto de setores com forte Criatividade é originar bientais. Design, logística, serviços de pós venpotencial de inovação e criatividade a partir dos ideias, novas formas das e marketing cresceram de importância coquais a economia ganha competitividade e susde olhar um problema mo parte do valor total dos produtos. Estes sertentabilidade no mundo globalizado. que já existe ou olhar viços, antes vistos como parte do setor de serviços, tornaram-se parte fundamental das 3. Economia criativa novas oportunidades. empresas de manufatura para mantê-las comInovação é o sucesso na petitivas em um mundo globalizado." (7) Apesar do grande debate conceitual que exploração de novas Nesse cenário, as estatísticas tradicionais soexiste em torno da definição do que é a Econoideias, é o processo que bre os setores precisam ser revistas. Em alguns mia Criativa (9), para efeitos dessa discussão leva a novos produtos e pode-se considerá-la um conceito estritamente países desenvolvidos pode parecer que a maligado ao impacto das novas tecnologias na nufatura está diminuindo, porém o fato é que as serviços ou novas formas produção, nos mercados e na organização das empresas estão produzindo no exterior e mande fazer negócio. atividades não só econômicas, mas também tendo os serviços de alto valor agregado, P&D e sociais e culturais. São setores dinâmicos, que design, no próprio país. Além disso, a manufatêm mais capacidade de criar empregos, printura é tradicionalmente analisada pela sua procipalmente entre os jovens, e que, se bem articulados e apoiadução física e por seus investimentos em ativos físicos, porém dos, tornam-se propulsores de inovação e da ampliação da caatualmente a manufatura investe duas vezes mais em ativos do pacidade produtiva do conjunto da economia nacional, incluconhecimento do que em fábricas, máquinas e veículos. sive dos setores considerados mais tradicionais. Na verdade, conhecimento e criatividade sempre tiveram paTrata-se de criar um ambiente no qual a chamada "economia pel chave em qualquer momento econômico, mas o conceito de do conhecimento" não se restrinja apenas à ciência e tecnolo"economia do conhecimento" vai mais longe, pois permite capgia, mas amplie a capacidade de utilização dos benefícios da turar uma mudança marcante no paradigma atual no qual a inovação através do conhecimento em todos os setores. Um massa crítica da atividade econômica passa a dar-se na categoria ambiente no qual os "ativos intangíveis", a geração de valores de produção com conhecimento e uso de novas tecnologias (8). Trata-se de uma evolução da concepção de crescimento historiatravés do capital intelectual, se disseminem e impulsionem camente baseada no trinômio terra, capital e trabalho. A tecnoos mais diferentes setores da economia, capacitando-a para enlogia, que sempre foi importante, passa a ter um impacto mais frentar permanentemente os novos desafios. sistêmico e de maior transformação, assumindo, junto com a A Unesco trabalha com o conceito de economia da cultura, criatividade e a inovação, o papel central de serem simultaneaque engloba atividades relacionadas "à criação, produção e comente consequência e condutores destas transformações. mercialização de conteúdos que são intangíveis e culturais em "Economia do conhecimento" é mais do que a intensificação sua natureza e que estão protegidos pelo direito autoral e podo uso de P&D. Trata-se de uma nova dinâmica, na qual, não só dem tomar a forma de bens e serviços. São intensivos em trao conhecimento é o coração do valor adicionado – o que exige balho e conhecimento e estimulam a criatividade e incentivam uma nova estrutura econômica mais baseada em ativos intana inovação dos processos de produção e comercialização."
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Para a Unctad, a economia criativa "é um dos setores mais dinâmicos do comércio internacional, gera crescimento, empregos, divisas, inclusão social e desenvolvimento humano. É o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a criatividade e o ativo intelectual como principais recursos produtivos." O RU trabalha com o conceito de indústrias criativas, definidas pelo seu Department of Culture, Media and Sport em 2001 como "aquelas indústrias que têm sua origem na criatividade, na habilidade e nos talentos individuais e que têm o potencial para a geração de riqueza e de trabalho por intermédio da criação e da exploração da propriedade intelectual": propaganda, arquitetura, mercados de arte e antiguidades, artesanato, design, design de moda, filme e vídeo, softwares interativos de lazer, música, artes performáticas, publicações, software e serviços de computação, televisão e rádio. É diferente de país para país. Na verdade, todos esses conceitos não são excludentes. Muito pelo contrário, podem ser vistos como complementares e ajudam a entender uma nova dinâmica que se impõe às economias. A vitalidade da economia criativa de um país estimula a criatividade e capacidade de inovação na economia como um todo. Mas esse forte vínculo depende dos mecanismos de transmissão adequados para encorajar a conectividade e transportabilidade da economia criativa para o resto da economia. Não existem receitas prontas para se construir estes mecanismos de transmissão. Entretanto, pode-se dizer que o próprio sucesso da economia criativa vai criando estes mecanismos na medida em que engendra a demanda por uma população mais educada e por empresários mais empreendedores e, consequentemente, por produtos e serviços mais sofisticados. O desenvolvimento de um setor de economia criativa fortalece a capacidade das empresas do próprio setor e de outros setores a criarem, lidarem e explorarem conhecimento, criando capacidade para interagir e responder à evolução da demanda. Pode-se dizer que o sucesso da economia criativa transborda para os outros setores os quais, através dos investimentos em intangíveis (pesquisa e desenvolvimento, sistemas organizacionais, software, design, marca, capital humano), passam a ter maior capacidade de criatividade e inovação, em novos produtos, processos, serviços além de sistemas mais desenvolvidos dos que os já existentes. O significativo poder de alavancagem dos setores da economia criativa para a economia em geral decorre também de sua maior diversidade e abertura, de sua interdisciplinaridade, da sua capacidade de interação com arte e ciência. Mais ainda, a economia criativa cumpre um precioso papel, pois, além de ser mais pró-cíclica que outros setores, reconhecidamente cria mais empregos e de maior remuneração (10). Obviamente, ao gerar tão profundas mudanças nos padrões da atividade econômica, a economia do conhecimento impõe mudanças importantes nos padrões de investimento. Enquanto está cada vez mais difícil para as empresas se diferenciarem nos setores nos quais a rotina domina os processos que, além disso, podem ser codificados e transplantados para outras empresas, nos setores nos quais a parte principal dos ne-
A vitalidade da economia criativa de um país estimula a criatividade e capacidade de inovação na economia como um todo. Nas fotos, escritórios da norte-americana Google.
gócios é mais difícil de ser roteirizada, onde se depende da capacidade dos trabalhadores resolverem problemas e comunicar ideias complexas, a capacidade competitiva se desenvolve. Decorre daí que "o desafio não é só encorajar as indústrias criativas, é encorajar todas as indústrias a se tornarem criativas". Nesse novo paradigma o papel da demanda como fator de dinamismo das economias se acentua. O aumento do poder de compra permite o surgimento de um mercado consumidor mais complexo, poderoso e diverso. Consumidores mais ricos e bem educados têm demanda maior por produtos mais sofisticados e bens e serviços mais individualizados sendo, muitas vezes, cocriadores da economia do conhecimento. A pressão da demanda acelera as melhorias de qualidade, a atualização e renovação dos produtos e a customização (termo genérico para explicar as múltiplas formas nas quais os produtores buscam satisfazer a demanda crescente de consumidores mais ricos, mais bem educados, com preferências e gostos). Reduz-se a vida útil dos produtos (bens e serviços), que passam a ter uma contínua reapresentação para incorporar mais qualidade e desempenho. Não só as novas tecnologias permitem às firmas oferecerem respostas mais sofisticadas para as demandas, como os negócios tornam-se estimulantes da demanda de outras empresas que agem como consumidoras e provedoras de serviço, como
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Espera-se que a força de trabalho participe, experimente, ofereça sugestões de como melhorar os processos de produção.
por exemplo, as empresas de software que sustentam eficiência em outros setores. Portanto, a existência de uma classe média (e média alta) passa a ser um grande diferencial para os países, dada sua capacidade muito forte de alavancar mais crescimento através de uma demanda diferenciada. A pressão da demanda é que leva as empresas a construir capacidade organizacional de criar e inovar por meio da incessante renovação dos processos. Do lado da oferta, torna-se imperativo abraçar a complexidade e sofisticação da demanda moderna e inovar na cadeia, nos processos internos e no engajamento dos consumidores, o que só é possível se a inovação tornar-se um processo sistêmico. Tradicionalmente, inovação era concebida de forma hierárquica e linear: uma elite de ciências nas universidades e nos laboratórios das grandes corporações gerava fluxo de invenções e de tecnologia que eram comercializadas. Se a inovação não ocorresse, ou ocorresse de forma insuficiente, a culpa era da universidade, dos laboratórios de pesquisa e das empresas que investiam pouco. Agora, a chave para a inovação não está restrita à P&D e as habilidades (high skills) estão mais difusas. Espera-se que a força de trabalho participe, experimente, ofereça sugestões de como melhorar os processos de produção e não apenas aplique a informação em sequência mecânica. No RU, um dos países que mais tem investido na chamada economia criativa, a redução de sua estrutura produtiva tradicional com a ampliação da produção na China e na Índia foi "compensada" pela geração de empregos e pela capacidade de exportação deste conjunto de setores que, depois do mercado financeiro, é o maior do país e atualmente o que
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mais cresce. São setores dinâmicos, que têm mais capacidade de criar empregos, principalmente entre os jovens, e que, se bem articulados e apoiados, tornam-se propulsores de inovação e da ampliação da capacidade produtiva do conjunto da economia nacional. A comprovada e elevada capacidade de geração de empregos de nível mais alto e maior remuneração permite à economia criativa cumprir um papel extremamente relevante de ampliação de uma classe média e média alta, consumidoras de bens e serviços mais sofisticados. Consequentemente, ao mesmo tempo em que se alavanca um mercado consumidor mais complexo e diversificado com a elevação do seu poder de compra, moldase uma mão de obra mais preparada e educada para impulsionar a criatividade e inovação dentro das empresas. Podemos considerar a economia criativa como sendo a essência da economia do conhecimento, onde consumidores e criadores se confundem, assim como as empresas são ao mesmo tempo provedoras e consumidoras de serviços e bens sofisticados. Consumidores mais sofisticados obrigam as empresas a se sofisticarem e, ao fazê-lo, as empresas geram empregos e renda que estimulam novas demandas. O caminho para destravar o reconhecidamente baixo investimento em inovação das empresas brasileiras passa pelo fortalecimento dos setores que compõem a chamada economia criativa, por sua capacidade de criar uma demanda mais sofisticada, assim como as condições de resposta da oferta para suprir esta demanda. Dependentes de uma mão de obra mais educada, os setores que compõem a economia criativa remuneram melhor seus trabalhadores os quais,
Setores como o têxtil, "vitaminados" pela economia criativa, criam "ativos intangíveis" como forma de competição, inovando, quer em design, em produtos, em processos ou em materiais, tornando-se setores dinâmicos.
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competição, inovando, quer em design, em produtos, em processos ou em materiais, tornando-se setores dinâmicos, com capacidade de exportar, atrair investimentos, gerar empregos e sobreviver à violência da atual concorrência internacional. Indústrias tradicionais deixam de ser tradicionais quando incorporam ao seu cotidiano o desenvolvimento de novos processos e produtos, novos materiais e design. Setores tão diversos, como o financeiro, o automobilístico, o de cosméticos, o calçadista e o têxtil têm, na economia criativa, um mínimo denominador em comum que, se trabalhado conjuntamente, tem o poder de alavancar a capacidade de criação de bens intangíveis, os únicos, em um mundo cada vez mais "commoditizado", capazes de, através da diferenciação, criarem riqueza e garantirem crescimento. Mais do que tudo, trata-se de fomentar a criação de um "caldo de cultura", de um ambiente no qual a chamada "economia do conhecimento" não se restrinja apenas à ciência e tecnologia, mas amplie a capacidade de utilização dos benefícios da inovação através do conhecimento em todos os setores. Um ambiente no qual os "ativos intangíveis", a geração de valores através do capital intelectual, se disseminem e impulsionem os mais diferentes setores da economia, capacitando-a para enfrentar os novos desafios que inevitavelmente surgirão. Só através da economia criativa é que se pode encarar o desafio de tornar todas as indústrias criativas. As características culturais do Brasil representam uma imensa oportunidade de desenvolver suas indústrias criativas Image S
consequentemente, têm demandas mais sofisticadas, renda para exercê-las e capacidade para produzi-las. Este é o caminho para solucionarmos um velho enigma que ronda o debate sobre inovação no Brasil. Ora se culpam as empresas por seus baixos investimentos, ora o isolamento das universidades e, na prática, todas as tentativas de elevar o grau de inovação e de investimentos tecnológicos têm tido resultados aquém das expectativas. É a falta de uma maior depressão da demanda por produtos melhores, mais modernos e tecnologicamente mais avançados que leva à acomodação das empresas resultando no seu baixo grau de investimentos em inovação. Quando a economia brasileira era fechada, todos consumiam produtos de baixa qualidade e defasados tecnologicamente. Com a abertura da economia, houve uma nítida melhora a qual, entretanto, não resultou em um processo profundo e permanente de inovação das empresas. A nosso ver, a grande explicação é a inexistência de uma classe média robusta com suficiente poder aquisitivo para demandar produtos de mais valor agregado e maior incorporação tecnológica. O tamanho do mercado interno para esses produtos e as dificuldades de exportação (câmbio, infraestrutura e políticas comerciais do País), não justificam sua produção em ampla escala. Portanto, a garantia não só de maior sustentabilidade, mas de maior equidade do crescimento atual, passa necessariamente pelo fortalecimento da economia criativa. É a economia criativa que pode garantir a geração de um ambiente inovador e robusto, que se espraie para todos os setores da economia, criando e alavancando os instrumentos necessários para o fortalecimento do setor manufatureiro brasileiro, o qual tem perdido espaço, quer nacionalmente para as importações, quer no mercado internacional, para outros países exportadores. Setores considerados tradicionais, como o têxtil, por exemplo, articulados e "vitaminados" pela economia criativa, passam a assumir a construção de "ativos intangíveis" como forma de
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e, com elas, elevar o valor agregado do setor de serviços e segmentos do setor industrial. Mas, para isso, é fundamental contarmos com um projeto pró-ativo que envolva governos, agências de governo, setor privado, empresários dos mais diferentes setores, economistas e representantes dos setores criativos e culturais.
Mas esta indefinição é, talvez, exatamente uma das principais fontes de dinamismo do setor cultural, querendo sempre "surpreender" o mercado, apesar de saber (e talvez querer), que o mercado se aproprie de sua produção. É do confronto entre "não para o lucro" e "só para lucro" que ambos os setores se alimentam. Do outro lado, também existe o preconceito do setor econômico (empresários e autoridades) para quem o setor cultural é 4. Cultura e economia criativa visto como marginal: ou como política social compensatória para as mazelas do País ou como preservação da "alta" cultura. Ao transformar a dinâmica da competitividade entre ecoAs políticas culturais são vistas como "socialmente boas/cornomias e regiões e, consequentemente, a divisão geográfica inretas" ou atividades nobres e estéticas. Em suma, para muitos ternacional da manufatura, o novo paradigma tecnológico reas indústrias culturais são menos importantes do ponto de vissulta na necessidade de crescente competição através de novas ta econômico e a economia criativa simplesmente não existe, armas que não mais apenas baixos salários, abrindo enormes não é reconhecida como um setor que deve ser desenvolvido e, oportunidades para os setores culturais. mais ainda, de importância crescente por qualquer ângulo que Pela primeira vez o setor cultural pode ser visto como um se analise: geração de emprego, renda, exportações, atração de grande diferencial de competitividade que permite cidades, reinvestimentos e turismo, em suma, uma das mais importantes giões ou países competirem, uma vez que a economia criativa é o alavancas da competitividade de um país no mundo atual. lugar no qual os mais contundentes instrumenPara avançar no entendimento da economia tos de diferenciação e competição podem ser criativa e de sua importância, antes de tudo é preconstruídos. A economia criativa bebe e come do ciso desfazer a confusão usual entre essa econoPara muitos, as setor cultural, nas suas mais diferentes manifesmia e indústria cultural, ou indústria do entreteindústrias culturais tações: popular, clássica, nas mais diferentes trinimento. A economia criativa é um conceito muibos e grupos que constituem a sociedade. to mais amplo, que engloba os produtos e servisão menos Tradicionalmente o setor cultural ou as políços culturais, a indústria do entretenimento, a importantes do ticas culturais são vistas como políticas de incluchamada alta cultura e a cultura popular. ponto de vista são para setores de baixa renda ou como políticas Como já dito anteriormente, existem atualeconômico e a de preservação do exótico, do folclórico e popumente várias definições do que é a economia criaeconomia criativa lar, ou ainda, no outro extremo, como políticas de tiva. Desde as primeiras definições, introduzidas proteção da produção cultural considerada de pelo RU em 1997, muito se avançou. Mas, mesmo simplesmente não "alto nível" tais como sinfônicas e balés. apesar dos avanços, a discussão do conceito muiexiste, não é Agora, pela primeira vez, impõe-se a necestas vezes ainda é realizada sob um ângulo paterreconhecida como sidade das atividades culturais estarem no cennalista, privilegiando seu caráter de promoção um setor (...) tro das preocupações políticas e econômicas e de inclusão social, diversidade cultural e desennão em segundo plano. Na economia do conhevolvimento humano, os quais são irrefutáveis, cimento, as novas tecnologias introduzem uma mas que ao serem destacados diluem a relevânnova dinâmica, abrindo novos espaços para a cultura na sua cia do papel macro e microeconômico do setor e, ao fazê-lo, acamais ampla definição, níveis e percepções. Cada vez mais o subam por reduzir o assunto ao âmbito das políticas sociais. Perdecesso de uma economia depende do sucesso do seu setor criase assim, a capacidade de ungir o setor como uma das prioridades tivo que, por sua vez, depende do sucesso do setor cultural. das políticas públicas que ditam as regras de financiamento, triO setor cultural passa a ter um momento especial no atual pabutação e incentivo aos mais diferentes setores da economia, nem radigma, abre-se uma grande oportunidade e um grande desasempre tão relevantes em termos de criação de empregos, renda, fio, muitas vezes não percebido pelo próprio setor que teme e crivalor adicionado e exportação, entre outros aspectos. tica o chamado mercado, mostrando-se preconceituoso com reObviamente a proposta que se segue não visa esconder o calação a ele. Há o medo de ser manipulado, medo de que "a pureza" ráter socialmente inclusivo da economia criativa, mas pretende da produção cultural seja apropriada pelo mercado. ir além ao destacar também sua importância econômica e, porFalando de uma forma caricata, mas não muito longe do distanto, a necessidade de o setor ser encarado pelos governos de curso de várias pessoas ligadas aos setores culturais, o preconceiuma forma mais sistêmica, com a construção de políticas públito é decorrente do medo dessa possível manipulação, da utilizacas que dêem conta de sua complexidade e importância. ção da cultura pelos setores empresariais, associados ao que genericamente rotulam de "mercado", o qual é visto como uma en5. Estado e economia do conhecimento: frente a uma tidade absoluta que, por definição, é uma força do "mal" e está nova economia e política associada a outras, como a globalização e o velho imperialismo. É fato que mercado tem relação antropofágica com a cultuO debate sobre o papel do Estado e das políticas públicas é ra, e isto é intrínseco a ele. Mas isto existe desde que mercado pendular, sujeito a modismos e ideologias. É no final da Segunexiste e a dinâmica sempre foi esta. Quais as ligações entre culda Guerra Mundial, durante a Guerra Fria, que podemos lotura e mercado? Quais as fronteiras? Elas não são claras. calizar a raiz da distorção que sustenta a ideia de que Estado e
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Moacyr Lopes Jr/Folha Imagem
Governos têm papel central no desenvolvimento de uma economia criativa estável, através de políticas públicas específicas.
mercado são conflitantes e, consequentemente, de que o Estado não pode, não faz e não deve se envolver na economia. A dicotomia entre Estado versus mercado emerge como claro resultado dos imperativos políticos e ideológicos (11). Linda Weiss (12) mostra como a associação com militarismo, comunismo e nazismo contribuíram de forma decisiva para que a autonomia do Estado virasse uma ideia sinistra depois da Segunda Guerra. Colocar desta forma a questão – dicotomia entre capitalismo/Estado fraco e comunismo/Estado forte – servia para o propósito político de diferenciação do Ocidente de "mercado livre" e o sistema soviético totalitário. Entretanto, apesar do discurso enfático, nos países desenvolvidos, a intervenção do Estado através de políticas as mais diversas foi sempre intensa desde o início de seus processos de industrialização. A sua condenação por organismos internacionais é relativamente recente e, em geral, não os impede de continuar a implementá-las largamente em novos setores de ponta. No Brasil, a "ressaca" do intervencionismo dos anos 50 e 60 e a importação dos modismos, associada à pressão dos organismos internacionais, interditaram o debate que, agora, começa a ressurgir. Entretanto, atrelado às experiências do passado, no início da industrialização do País, e retomado desde aquele ângulo, o debate envelheceu, pois não está levando em conta que a economia internacional vem se transformando rapidamente em uma eco-
nomia do conhecimento, impondo uma nova agenda. Se o Estado desenvolvimentista foi importante para o sucesso econômico no século 20, será muito mais importante no século 21, no qual necessidades estratégicas das economias e dos países demandam uma capacidade muito maior do setor público (13). Mas, para enfrentar esses desafios do desenvolvimento no século 21, as instituições do século 20 vão precisar passar por profunda revisão. Para Evans, "o tipo especifico de envolvimento ou sinergia Estado/sociedade que foi crucial no processo do século 20 – densas redes de amarras conectando o Estado às elites industriais –, terá que ser substituído por vínculos muito mais amplos para assegurar o sucesso desenvolvimentista no século atual" (14). A mudança do perfil da atividade econômica – com a condução do crescimento passando a ser liderada mais por ideias e informação do que pela transformação física da natureza –, exige um novo tipo de arranjo institucional que melhor permita às sociedades gerar habilidades, conhecimento, ideias e as redes necessárias para a difusão e obtenção de vantagens sobre estes conhecimentos. Evans (15) mostra como a centralidade da produção de ideias em lugar da acumulação de capital físico exige a reconstrução das conexões políticas com a sociedade para habilitar o Estado a mudar suas estratégias.
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Newton Santos/Hype
"No século 20, quando o projeto de desenvolvimento era focado na manufatura, a simbiose entre a lucratividade privada e um projeto nacional compartilhado era mais fácil de ser executada. Projetos comuns em torno da industrialização dependiam de se contrabalançar a aversão ao risco do setor privado, e empurrar as perspectivas privadas em direção a um horizonte de tempo mais longo, mas a eventual capacidade produtiva servia facilmente na lógica de mercado focada na lucratividade. Quando a expansão das habilidades e conhecimentos passa a ser a meta, os riscos e prazos não compensam a distância entre retornos públicos e privados. A expansão da habilidade/conhecimento não se ajusta tão bem num projeto compartilhado com o capital privado." (16) Em outras palavras, governos têm papel central no desenvolvimento de uma economia criativa estável através de políticas públicas específicas. Ainda que só governos e agências governamentais possam representar, regular e aplicar os direitos de propriedade intelectual, seu papel não é apenas regulatório. O envolvimento de todo o sistema educacional, por exemplo, estimulando gostos e cabeças criativas, é fundamental. O investimento público é essencial para nutrir os talentos criativos e dar espaço a experimentos. A importância do investimento do Estado, não apenas através de subsídios, é condição sine qua non na viabilidade de uma economia criativa competitiva e sustentável. Mas, as empresas individuais e o investimento privado são importantes assim como o investimento público em artes e educação. É essa economia mista que oferece o modelo mais moderno e flexível para uma economia criativa robusta. 6. Propostas Apresentaremos algumas propostas, umas mais genéricas, outras mais específicas, todas elas visando o fortalecimento da economia criativa e buscando dar-lhe o papel de destaque que achamos imprescindível para o Brasil construir uma política que viabilize uma economia balanceada, na qual a indústria manufatureira e a indústria de serviços se complementem para moldar um parque produtivo competitivo, capaz de gerar empregos diferenciados e cadeias de valor integradas, da pesquisa à comercialização, passando pela produção. Acreditamos ser este o caminho para uma inserção internacional competitiva e um crescimento sustentável, tanto do ponto de vista econômico como ambiental e social. São apenas algumas das inúmeras propostas que precisam ser ampliadas, aprofundadas e articuladas. Muitas delas são inspiradas em experiências internacionais de sucesso, de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, que já perceberam a importância de uma estratégia baseada na economia criativa. a) O ponto de partida para a formulação de uma política para a economia criativa é o mapeamento do setor de forma a conscientizar a sociedade da sua importância em termos econômicos (17). Na cidade de São Paulo, um primeiro mapeamento está sendo realizado com uma metodologia especialmente desenvolvida para abarcar os diferentes segmentos que compõem o setor, e os primeiros dados já revelam o seu enorme po-
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Proposta: criação de um centro de difusão e promoção de P&D&Design, que seria um hub para a indústria criativa...
tencial para a economia da cidade e, consequentemente, para o País. Propomos expandir o mapeamento para o Brasil, aproveitando a metodologia já desenvolvida. b) Aplicar os esforços e recursos necessários para transformar o setor em uma locomotiva do desenvolvimento, deixando de considerá-lo como algo marginal, secundário do ponto de vista macroeconômico e "apenas" como política de inclusão social ou política cultural. c) Explorar a transversalidade do tema, buscando identificar as conexões, sinergias e o alcance inter-setorial que possa alcançar. O exemplo do RU mostra a importância do comprometimento de todas as instâncias do governo na idealização e implementação das políticas para o setor, uma vez que sua agenda deverá perpassar todas as ações governamentais. É fundamental a construção de um compromisso de governo, e não de um ministério isolado, pois se trata de uma agenda que envolve praticamente todas as políticas governamentais: cultura, educação, esportes, turismo, fazenda, planejamento, meio ambiente, energia, governos estaduais e municipais, agências de governo, bancos públicos e agências de fomento.
leonardo Wen/Folha Imagem
líticas especificas de financiamento. O exemplo do cinema de animação no Canadá, cuja capacidade de geração de empregos, renda e exportação é tão significativa quanto os de setores considerados "nobres", como o setor automobilístico, deveria inspirar os formuladores de políticas os quais, em geral, continuam privilegiando os setores tradicionais, em detrimento dos setores mais modernos, os quais simplesmente desconhecem ou não dão a necessária importância. g) Adequar as políticas fiscais e tributárias às necessidades dos setores criativos em geral muito diferentes dos chamados setores tradicionais. Uma revisão das leis de incentivo à cultura (Lei Rouanet, Lei Mendonça e outras) deve ser realizada na perspectiva mais ampla de dar à economia criativa um papel de relevância inexistente na estrutura atual. h) Atrelar as políticas para o setor às políticas de renovação urbana que fomentem nas grandes cidades a sua capacidade de multiplicar e gerir redes de contato, circulação de informações e formação de negócios. i) Financiar largamente centros culturais, galerias de arte, bibliotecas, salas de cinema como elementos formadores de público consumidor, mão de obra qualificada, espaços de conexão e trocas.
... com diversos programas para ajudar pequenas e médias empresas a superarem sua falta de conhecimento.
d) Dada a importância do setor privado no desenvolvimento da economia criativa, propõe-se a criação de fóruns adequados, de alto nível institucional, a exemplo de um de ministros do governo, com a participação de empresários dos mais diferentes setores, para avaliar como as atuais políticas do governo influenciam a atividade das indústrias criativas, e que outras medidas o governo poderia adotar para promover tal atividade em diferentes partes do País. Caberia ainda ao fórum analisar as necessidades com relação às políticas e investimentos governamentais, e identificar formas de maximizar o impacto econômico do setor, bem como verificar as ameaças ao crescimento contínuo das indústrias criativas no Brasil. e) Introduzir a "cultura" em suas mais diferentes manifestações (artes plásticas, design, cinema, fotografia, teatro, dança, música e outras) em todos os níveis de educação como área central e não periférica. A criação de consumidores e produtores culturais é o que dará massa crítica para o desenvolvimento de um setor de economia criativa robusto e dinâmico. f) Identificar os setores capazes de ter um maior efeito multiplicador em termos de geração de emprego e renda e criar po-
j) Criação de um grande Centro de difusão e promoção de P&D&Design (18). O objetivo é estreitar a interação entre diversos atores envolvidos na promoção e representação dos setores criativos e serviços. O local seria um hub para a indústria criativa, com diversos programas para ajudar pequenas e médias empresas a superarem sua falta de conhecimento sobre a importância e papel da criatividade. Um verdadeiro centro de excelência multidisciplinar que combine estudos e trabalhos de administração, engenharia e tecnologia e artes criativas. k) A articulação de políticas que alavanquem a capacidade de desenvolvimento de tecnologia no País é decisiva para a criação de uma estrutura de oferta competitiva no cenário internacional. Neste sentido, apesar dos avanços recentes, é imprescindível o desenvolvimento de parcerias mais sistemáticas entre o setor privado e os institutos de pesquisa/universidades de modo a ampliar o leque de capacitação tecnológica das empresas atuantes no Brasil. l) Ampliar e modernizar o suporte do governo para inovação canalizando fundos públicos para negócios voltados para inovação nas áreas nas quais existem as maiores oportunidades para crescimento futuro: novas energias, biotecnologia, games, softwares e os mais diferentes segmentos da economia criativa. m) A experiência internacional mostra que novos negócios, especialmente em áreas não tradicionais, têm dificuldades enormes de acesso ao financiamento, uma vez que os bancos não se dispõem a correr os riscos embutidos neste tipo de empresa ou setor. A criação de mecanismos novos de financiamento para esses setores é decisiva para a sua possibilidade de
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florescimento. As possibilidades são inúmeras. (i) A política de compras do governo pode e deve ter um enorme impacto no setor de economia criativa (19). As compras governamentais podem ter poderoso papel em formatar mercados com o potencial para novas tecnologias, habilidades e processos: desde a compra de material didático, passando pela compra de uniformes profissionais, militares e escolares, até a compra de material para o Exército, tudo pode passar por uma política de incentivo à inovação. (20) (ii) BNDES, outros bancos públicos e agências de fomento precisam incorporar às suas políticas uma visão mais moderna, na qual os setores da economia criativa deixem de ser vistos como periféricos, e inovar nas condições de financiamento que levem em conta as especificidades desse setor, muitas vezes baseado em pequenas e médias empresas e in-
vestimentos em ativos intangíveis. n) A necessária mudança no padrão de consumo energético vai requerer uma enorme transformação estrutural na geração e uso de energia, criando uma enorme oportunidade de negócios em decorrência da expansão da demanda por bens e serviços de baixo consumo de carbono e maior eficiência energética e de recursos. O governo tem um papel central em criar os incentivos que levarão a esta transformação. Políticas de regulação, taxação e financiamento estão sendo usadas nos mais diferentes países. o) ExercitarograndeimpactodopoderderegulaçãodoEstado para moldar demandas ou condições de oferta nos mais diferentes setores como, por exemplo, através da imposição de requerimentos de baixo carbono na construção civil.
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Cada vez mais o sucesso de uma economia depende do sucesso do setor criativo que, por sua vez, depende do sucesso do setor cultural. Danilo Verpa/Folha Imagem
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Notas (1) Apesar da taxa de crescimento dos investimentos prevista para 2010 ser de 18,5% do PIB, mostrando um retorno dos investimentos se comparada com os 17,4% de 2009, ainda estamos longe dos 25% considerados necessários para sustentar uma taxa de crescimento de 5% ao ano do PIB sem pressão inflacionária. (2) Ver Scheinkman, José Alexandre. "Aprendendo com a exportação", in Folha de São Paulo, Janeiro 2008. (3) Manufacturing and the Knowledge Economy. A knowledge economy programme report. Preparado por Ian Brinkley, Work Foundation, janeiro de 2009. (4) Segundo Carol Corrado, do Board do Sistema Federal de Reserva dos EUA, de 1999 a 2003 os investimentos em intangíveis contribuíram para o crescimento da produtividade do trabalho tanto quanto investimentos nos tangíveis. Ver: Staying ahead: the economic performance of the UK's creative industries. The Work Foundation. (5) Idem (6) Idem (7) Idem (8) Idem (9) A primeira oficina de trabalho para o projeto de "Estudo da Economia Criativa no Estado de São Paulo", realizada na Fundação Seade, fez uma boa síntese dos diferentes conceitos utilizados pelas diferentes instituições que vêm trabalhando o tema. As definições aqui apresentadas foram baseadas nessa síntese. (10) É sabido que empregos crescem mais no setor de serviços do conhecimento (financeiro, negócios, informação e computação e P&D) e indústrias do conhecimento (telecomunicações, saúde e educação). (11) Ver Weiss, Linda. The State in the Economy: Neoliberal or Neoactivist? In Oxford Handbook of Comparative Institutional Analysis, organizado por John Campbell, Colin Crouch, Peer Hull Kristensen, Glen Morgan, Ove Kai Pedersen e Richard Whitley. Oxford: University Press. (12) Idem. Todas as citações em tradução livre. (13) Evans, Peter B. In search of the 21st Century Development State. Working Paaper nº 4. The Centre for Global Political Economy. Universidade de Sussex. Brighton, Reino Unido, dezembro de 2008. (14) Idem (15) Idem (16) Idem (17) Em 1999, foi realizado o primeiro mapeamento do setor no RU. Em 2001 foi realizado um segundo mapeamento mais abrangente, que revelou uma participação de 5% do PIB. Entre 1997 e 2002 os empregos nas indústrias criativas cresceram 3% ao ano, enquanto no país cresceu 1%. Em 2002, o setor gerava 1,1 milhões de empregos diretos e 800 mil empregos criativos em outros setores (por exemplo, arquitetos na construção e designers nas indústrias manufatureiras). Entre 1997 e 2002 os empregos nas indústrias criativas cresceram 3% ao ano, enquanto na economia como um todo cresceu 1%.
Um novo mapeamento em 2004 mostrava que o setor era responsável por 8,2% do valor adicionado bruto de toda a economia, com um crescimento médio anual de 8%, comparado com 2,6% da economia como um todo. Além disso, as exportações do setor cresceram 15% enquanto a da indústria de serviços cresceu 7% e a do país apenas 4%. Depois do mercado financeiro, já é o maior do país e atualmente o que mais cresce. (18) A China, por exemplo, vem realizando um esforço enorme, além de injetar muitos recursos, para criar uma capacidade endógena de design. Vem repetindo o caminho dos Estados Unidos e Alemanha no inicio do século 19, do Japão mais recentemente e depois da Coreia e Taiwan. Depois de começar copiando e produzindo grandes quantidades com custo baixo, vem investindo em desenvolver capacidade de pesquisa e capacidade de transferir a competência tecnológica para produtos e serviços de maior valor adicionado. Tem investido especialmente em avançar sua capacidade de design para conseguir transferir as possibilidades tecnológicas em produtos e sistemas apropriados, usáveis e acessíveis, além de atrativos para pessoas em diferentes situações culturais e econômicas. A Inglaterra, percebendo a ameaça que o avanço chinês nesta área pode significar, vem desenvolvendo, através do Design Council e outras agências, programas específicos para ajudar pequenas empresas a identificar onde o conhecimento de criatividade e design pode ajudar a melhorar suas performance e ações. A Coreia construiu o Korea Design Center, um complexo de 12 andares em Songnam City, que serve de hub do Korean Institute of Design Promotion's. Chamado de Design Mecca of Korea é um centro que trabalha para desenvolver a competitividade nacional através do design. Taiwan tem um National Design Center, aberto em 2004. Singapura tem o Fusionopolis Creative Center aberto em junho de 2007, a um custo de 158 milhões de libras. (19) No RU, o setor público é o maior consumidor de bens e serviços, gastando 175 bilhões de libras anualmente. (20) A inovação americana deve-se em grande parte aos contratos do governo para comprar produtos e serviços do setor privado que ainda não existem ou precisam ser adaptados para o uso público. O orçamento para compras do governo federal é de US$ 450 bilhões, ou US$1 trilhão se incluirmos os estados, tornando-se um grande instrumento para uma ação proativa de incentivo à inovação, através de suas compras. Apesar do mito do puro desenvolvimento de mercado, é sabido o papel das compras governamentais na promoção do setor de tecnologia. O sucesso do Vale do Silício como hub internacional de tecnologia deveu-se em parte ao desdobramento da indústria de defesa americana subsidiada. Da mesma forma, os Estados Unidos se manteve na liderança em setores como aeroespacial e energia nuclear graças a uma expressiva ajuda e apoio do governo, muitas vezes através dos gastos militares. Mais ainda, o governo americano foi o grande "anjo" que providenciou capital e demanda, o que explica o desenvolvimento inicial do setor de inovações, sem venture capital privado ou mercado de capitais.
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LOGÍSTICA e TRANSPORTE no Brasil Propostas para o novo Governo Federal Fotos: Zé Carlos Barretta/Hype
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Renato Casali Pavan
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Engenheiro Civil formado pela Universidade Mackenzie e diretor da empresa Macrologística Consultoria. Foi assessor especial para assuntos de transporte e agricultura dos ministros Dílson Funaro (Fazenda), Íris Rezende (Agricultura) e Eliezer Batista (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República), e presidente da FepasaFerrovia Paulista S.A., no governo Mário Covas.
Economista e Doutor LivreDocente pela UFRJ. É consultor de entidades e empresas públicas e privadas, sócio-diretor da Planam Consult e articulista do jornal O Estado de S. Paulo. Foi superintendente da Área de Projetos do BNDES, Secretário dos Transportes do Estado do Rio de Janeiro nos governos Faria Lima e Moreira Franco, presidente da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos do Estado de São Paulo e diretor da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC.
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Resumo O objetivo deste artigo é o de apresentar uma avaliação e sugerir propostas para a superação dos gargalos de natureza institucional, tributária, infraestrutural e operacional que comprometem o desenvolvimento da logística e do transporte no Brasil. O artigo obedece a uma sequência de seis seções, iniciando pela evolução no conceito de logística, seguida da análise das mudanças ocorridas em função da globalização e dos avanços tecnológicos. A terceira seção aborda os impactos sobre o mercado interno e as distorções na nossa matriz de transporte, enquanto a quarta oferece uma visão do sistema de transportes e enfatiza a necessidade de mudanças de paradigmas nas soluções. A quinta seção apresenta as perspectivas e os papéis que deverão ser desempenhados pela logística e o transporte, como fatores de apoio a um novo ciclo de desenvolvimento.
Finalmente, na sexta seção são apresentadas as propostas. Entre outras propostas, o artigo enfatiza a necessidade de compatibilizar os investimentos em logística e transporte com uma visão sistêmica, bem como de dar maior eficiência na integração e coordenação das cadeias de suprimentos (supply-chains) dispersas no território. É fundamental, também, promover maior conhecimento e preparar um capital humano compatível com o avanço tecnológico. Do ponto de vista governamental, há necessidade de dar maior eficiência e eficácia às ações governamentais relacionadas com: (i) planejamento estratégico, (ii) governança, (iii) diminuição de despesas, (iv) velocidade de decisão, (v) critérios econômicos e sociais para alocação de investimentos, e (vi) definição de regras mais claras para os licenciamentos ambientais. Importante, também, será o fortalecimento das especializações regionais e dos arranjos produtivos locais.
Divulgação
1. Conceituação
O
conceito correto de logística vem do grego Logistikós (aquele que sabe calcular racionalmente) e tem implícita a visão de custo. Portanto, a logística tem forçosamente uma abordagem sistêmica da origem até o destino final dos produtos – interna e externamente – e está inserida na cadeia de suprimentos (supply chain), ou seja, matéria-prima, insumo, produção, transporte, impostos, distribuição, fluxo de informação, burocracia, gargalos institucionais e, principalmente, a eficiência gerencial.
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A aplicação da logística difundiu-se largamente após o término da Segunda Guerra Mundial. A partir da intensiva aplicação militar no conflito, consolidou-se gradualmente o conceito de logística empresarial, abrangendo tanto as atividades de suprimentos e de distribuição, quanto os métodos e procedimentos relacionados à logística interna das empresas. Por outro lado, o conceito de uso militar evoluiu também para escopos mais abrangentes no âmbito governamental, relacionados às necessidades de escoamento de mercadorias destinadas às exportações, ao abastecimento do mercado interno e aos processos de estocagem e distribuição, inclusive aqueles voltados à segurança alimentar. Nestes casos, as concepções da lo-
gística implicam em planejar alternativas, buscar a redução de custos e contornar as dificuldades causadas por gargalos físicos e ineficiências nas operações. Os planos de governo passaram igualmente a dar atenção à superação dos obstáculos de natureza institucional, legal e burocrática em cada uma das etapas do escoamento e distribuição. As infraestruturas de transporte, em seus diversos modais, constituem o principal suporte para as atividades relacionadas com a logística. Os estudos e ações de logística centraram-se, inicialmente, na administração das funções de transporte e estocagem. Neste estágio, as preocupações diziam respeito aos aumentos de produtividade e às aplicações incipientes da informática. Esta abordagem intensificou-se com a globalização, a partir dos anos 70, na medida em que as empresas tornaram seus processos produtivos cada vez mais globalizados – e com cadeias produtivas mais extensas e dispersas – na busca de suprimentos (ou frentes de exportação e importação) de matérias-primas, peças e componentes. Nos anos 90, num mercado caracterizado pela intensificação da concorrência global, surgiram novas prioridades, tais
unidades de produção. (Para uma visão da evolução da logística, v. Ballou, 2003). Mais recentemente, com a globalização, os sistemas de produção flexível e a sofisticação das técnicas mercadológicas, redefiniram-se os princípios da logística e alteraram-se as prioridades e estratégias. Surgiu uma preocupação maior com a racionalização de tempo e custo, uma vez que a concorrência apenas em função de qualidade e preço já não garantia a sustentação de vantagens competitivas. A realidade atual é a de uma vastíssima gama de produtos demandados e ofertados, reduções nos ciclos de vida, maiores exigências dos consumidores e a variada segmentação de clientes, canais e mercados. (V. Ballou, 2003, cit.). Hoje, os consumidores demandam flexibilidade crescente, disponibilidade e segurança da mercadoria procurada, tudo ao menor custo final. Desta forma, a demanda pela utilização de operadores logísticos tem aumentado, principalmente, devido à complexidade operacional e à sofisticação tecnológica. O conceito de logística já não diz respeito exclusivamente às cadeias de distribuição, mas sim a um processo estratégico de planejamento e técnicas de controle de estoques e fluxos de
Newton Santos/Hype
Transporte e estocagem são pontos básicos em logística.
como as reestruturações organizacionais e os controles de custos baseados em segmentos específicos de atividades. As preocupações passaram a ser relacionadas principalmente com tempo e qualidade. Os desafios voltaram-se para a integração interna, acompanhada de esforços em terceirização e difusão das tecnologias de informação. Ao longo de mais de trinta anos, portanto, a logística empresarial vem sendo tratada de forma sistemática, passando por abordagens inovadoras e ajudando a resolver problemas complexos de armazenagem, transporte e cadeias de distribuição de produtos e insumos. Este tratamento também passou a dar suporte às decisões de localização e de dimensionamento das instalações de novas
materiais, desde o ponto de origem da produção até o seu destino final, para fins de transformação, embarque ou consumo. (Para uma abordagem integrada do conceito de logística, v. Quayle e Jones, 2002). A fragmentação dos sistemas produtivos induziu a especialização produtiva de regiões e países, com uma lógica de produção orientada pela oferta de produtos diferenciados e personalizados. Constatou-se a necessidade de respostas baseadas na demanda, estando a produção fortemente condicionada às exigências do mercado. É crescente, assim, a importância da logística apoiada em cadeias de transporte cada vez mais complexas e altamente dependentes de novas tecnologias de
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informação, nas quais a estratégia das empresas é basicamente renciamento de cadeias de suprimento (supply chains), procentrada em aspectos ligados à localização e à comunicação. cedimentos de compras (procurements) e distribuição Neste sentido, houve a intensificação da aplicação de tecnotiveram grande expansão em escala mundial. Para assegurar logias de localização e transmissão de dados por meio de Siscompetitividade nos mercados globais, produtores e varejistemas de Satélite de Navegação Globais (GNSS), assim como tas, em todo o mundo, passaram a valer-se do estado da arte no grande avanço nas concepções dos chamados Sistemas de gerenciamento das cadeias de suprimento para reduzir estoTransportes Inteligentes. As vantagens oferecidas pelas tecnoques e custos de armazenagem. Com isto, diminuíram, de forlogias de satélites de observação, telecomunicações e navegama vertiginosa, os tempos de estocagem e de entrega de insução, passaram a ser adaptadas às necessidades específicas dos mos e produtos finais. (V. Quayle e Jones, 2002, cit.). diversos modais de transporte. Adquiriram, no entanto, espeNote-se que a rápida adoção da terceirização e do "offshocial importância para as complexas cadeias logísticas basearing" levou muitas empresas, que tinham no deslocamento das das no transporte multimodal. Tanto nos Estados Unidos cosuas mercadorias um fator crucial para seus negócios, a se tormo na União Europeia, foram notáveis os avanços na aplicação narem também ofertantes de serviços de logística, inclusive dos sistemas de monitoração por satélites aos transportes inprovendo armazenagem e planejando serviços de abasteciteligentes, com informações em tempo real quanto à identifimento e distribuição. Assim, os serviços de logística, armazecação, por meio de "ID Tags", das cargas na sua movimentação, nagem, transporte, distribuição, bem como os de gerenciaposicionamento dos veículos, monitoração de velocidade etc. mento de cadeias de suprimento e compras, tornaram-se de tal – desde a origem até o destino final. forma entrelaçados, que acabaram por gerar O atual estágio de evolução das tecnolograus de eficiência jamais imaginados há três gias de informação permite que bancos de dadécadas. No entanto, como os gargalos nas inA difusão no uso dos sofisticados possam acompanhar "onlifra-estruturas de transporte comprometem a da internet e os sistemas ne" níveis de estoque, despachos e deslocaeficiência dos sistemas de logística, obviamenmentos de mercadorias em escala mundial, te a globalização impôs grandes desafios comde tecnologia de via internet. Por conseguinte, as tecnologias petitivos para sua superação por parte de goinformação trouxeram associadas às cadeias logísticas constituíram vernos e empresas. Assim, a competitividade mudanças radicais um dos segmentos de crescimento mais acetem o seu principal suporte nos investimentos nas cadeias logísticas, lerado no vasto campo da telemática. Numa realizados nas infraestruturas. principalmente economia mundial cada vez mais integrada, o Na verdade, a globalização e formação dos fator mais importante de diferenciação comgrandes blocos econômicos vêm sendo conduem decorrência das petitiva entre países e regiões é adequação da zidas pelos grandes conglomerados transnatendências em direção logística das cadeias produtivas, racionalicionais. Eles detêm o comando da produção e à terceirização zando rotas de abastecimento e escoamento, induzem padrões inovadores de consumo. Dee ao "offshoring". bem como reduzindo custos. Portanto, como terminam, ainda, como se formam as cadeias mencionado anteriormente, a logística tem produtivas e, portanto, os sistemas de logística que ter uma abordagem sistêmica da origem e os processos de distribuição de bens e serviaté o destino final dos produtos e deve estar inserida na caços pelo mundo. Como foi visto, as mudanças nas formas de deia de suprimentos (supply chain). (V. Pavan, 2008). produção e de distribuição foram radicais, impulsionadas, sobretudo, pelos grandes avanços nas comunicações, informa2. Globalização, logística e transporte tização, logística e transporte. Por outro lado, a maior participação privada nas infraestruturas e o menor peso dos Estados Tornou-se lugar comum afirmar que a globalização – assona sua provisão, corresponderam a um movimento que associada à evolução tecnológica acelerada – alterou radicalmente ciou a liberalização à regulação. as características da produção de bens e serviços. De fato, a gloCabe acrescentar, por outro lado, que as grandes aglomerabalização trouxe a fragmentação e o espalhamento das cadeias ções industriais deixaram de ser relevantes para os processos produtivas em escala mundial, dispersando-se a produção de produtivos. Com isto, os conceitos tradicionais de territoriacomponentes, partes e montagens finais. A forte integração lidade tendem a desaparecer e as localizações de atividades horizontal estimulou a terceirização da produção e serviços a pautam-se pelos sistemas em rede. Isto porque tornou-se cada qual, por sua vez, ampliou o alcance dos deslocamentos de vez mais frequente a formação de amplas redes mundiais de matérias-primas e produtos. As novas cadeias produtivas imempresas fornecedoras e produtoras, com o objetivo de encapuseram, assim, o surgimento de novas logísticas de abastedear conjuntos de atividades voltadas para o atendimento das cimento e escoamento, por meio da utilização mais intensiva necessidades de mercados globalizados. (V. Barat, 2008). dos contêineres e do transporte multimodal. O transporte maciço de granéis e a difusão do uso de conA difusão no uso da internet e os sistemas de tecnologia de têineres irromperam em rotas ou corredores regionalizados. informação trouxeram, por sua vez, mudanças radicais nas caPropiciou-se, assim, a integração de diversas funções e modais deias logísticas, principalmente em decorrência das tendênpara garantir deslocamentos porta a porta com níveis elevados cias em direção à terceirização e ao "offshoring". Em consede produtividade e ao menor custo. Por rotas ou corredores, quência, as atividades de logística e transporte, incluindo o geentende-se o conjunto de infraestruturas, sistemas operacio-
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Luciana Rodrigues/Ag. O Globo
nais e meios logísticos que, em diferentes escalas e especializações, integram-se para propiciar a continuidade do transporte desde a origem da produção até o destino do beneficiamento, transformação, consumo ou embarque nos portos. Desta forma, os fluxos de mercadorias se materializam, de forma crescente, no transporte multimodal, sendo os portos e aeroportos os elos mais importantes do transporte terrestre com as rotas de longo curso ou de cabotagem. Com a expansão do comércio mundial, gerou-se grande diversidade de opções de rotas ou corredores, o que impôs acirrada concorrência na atração de cargas. Os portos e aeroportos tornaram-se, assim, empreendimentos comerciais, com forte influência no desenvolvimento regional. Os grandes complexos portuários e aeroportuários norte-americanos e europeus não competem mais como meros polos individuais de carga e descarga de navios, mas sim como polos cruciais de ligação de complexas cadeias de suprimento em escala mundial. Assim, a competitividade de um porto ou aeroporto tornou-se cada vez mais dependente da coordenação e controle por parte de atores exógenos às suas gestões (Para uma visão mais ampla do ambiente competitivo dos portos, v. OECD, 2008). Por outro lado, ganharam importância novos fatores de gestão de custos, no contexto de acirrada competição, quais sejam: (i) custo do tempo para a transferência de mercadorias com maior valor agregado; (ii) confiabilidade e capacidade para atenPara que um país, região ou empresa possam competir nos mercados, torna-se der as premências de tempo; e (iii) maior imperativo acompanhar as tendências mundiais da logística e do transporte. flexibilidade na concepção de rotas alternativas disponíveis para o atendimento das cadeias logísticas. Na globalização, portanto, a logística e o transporte passam a atuar como fatores - Intensificação da logística integrada porta a porta, para atenessenciais para uma inserção mais plena no comércio mundial, der aos procedimentos "just in time" e diminuir os estoques; redução de assimetrias e adição de valor às cadeias produtivas - Evolução tecnológica nas etapas de produção, ao longo das nacionais. A existência de sistemas eficientes e empresas naciocadeias produtivas; nais privadas de porte para a logística e o transporte é hoje con- Agregação de valor nas cadeias produtivas, ou seja, maior dição essencial para que as negociações entre países e blocos peso da transformação, diminuição de custos e aumento das possam ser feitas em bases de maior reciprocidade. (Para uma escalas de produção; abordagem mais ampla do impacto da globalização na logística - Geração de novos produtos – não tradicionais – a partir das e no transporte, v. Barat, 2007-B). matérias-primas, como, por exemplo, o que ocorre no Brasil Em síntese, para que um país, região ou empresa possam com as cadeias produtivas ligadas ao etanol, à alcoolquímica e competir nos mercados de um mundo globalizado, torna-se o biodiesel; imperativo acompanhar as tendências mundiais da logística e - Globalização das empresas produtoras, com consequente do transporte, cuja permanente mudança envolve, entre ouespalhamento das cadeias produtivas e aumento das escalas tros, os seguintes fatores (Sobre os fatores envolvidos na comde produção; petitividade, v. Pavan, 2008, cit.): - Evolução tecnológica dos modais de transporte, especial-
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mente o marítimo de cabotagem e transoceânico – com a nova geração de navios PósPanamax – assim como os modernos portos e aeroportos aglutinadores de cargas, como os que estão sendo implantados na Ásia; - Maior desenvolvimento da China e da Índia, com forte impacto das estratégias destes países nas decisões de localização da produção mundial; - Maior instabilidade no mercado mundial de energia e aumento das perspectivas de escassez de recursos naturais, como petróleo, commodities agrícolas e água. 3. Mercado interno, logística e transporte No Brasil, a evolução da logística e dos sistemas combinados de transporte se deu de maneira tardia. Para se ter uma ideia do quanto o setor ainda pode se desenvolver, o País encontra-se, na média, na transição entre as fases 2 e 3, de acordo com o processo evolutivo ilustrado na Tabela 1. Esta esquematização permite identificar as mudanças de paradigmas ocorridas no campo da logística. Em cada uma das etapas, notam-se as redefinições do escopo de atuação e do foco na prestação dos serviços logísticos. Os Estados Unidos, por exemplo, comparativamente ao Brasil, encontram-se atualmente entre as fases 5 e 6. Somente a partir da segunda metade da década de 90, as empresas brasileiras conseguiram integrar suas atividades de forma a difundir o uso e a aplicação dos conceitos da logística. Isto foi possível, sobretudo em decorrência da estabilização da economia decorrente do Plano Real. Mas o interesse maior pelos serviços logísticos deveu-se, também, à busca pela competitividade da indústria nacional em decorrência dos desafios impostos, de início pela abertura comercial e, posteriormente, pela valorização cambial. Em 1997, a receita anual do setor de logística era estimada em cerca de R$ 1 bilhão e as empresas operadoras não passavam de 35. Dez anos depois, o faturamento saltou para próximo de R$ 20 bilhões e as empresas, entre elas gigantes multinacionais, ultrapassavam 120. O crescimento acelerado do setor no Brasil começou, portanto, há pouco mais de uma década, período no qual se intensificou a diversificação do lançamento de produtos e quando ocorreram, também, reduções importantes nos seus ciclos de vida. Dentre as operadoras de serviços logísticos, cerca de 70% atuam no mercado há menos de dez anos, contra apenas 30% que existiam anteriormente. Com a abertura da economia e a inserção gradual no processo de globalização, as atividades produtivas passaram a enfrentar
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acirrada concorrência internacional, sendo obrigadas a se ajustar aos padrões de competição mundial. Criou-se a necessidade de aumentos da eficiência e da produtividade, bem como de esforços na gestão da logística de distribuição. Por outro lado, vale insistir, com a globalização estreitaram-se de tal maneira as distâncias entre as nações e os novos mercados, que as dinâmicas de circulação de mercadorias alteraram-se radicalmente. Apesar de o Brasil apresentar graves deficiências nas infraestruturas de transporte, armazenagem e distribuição – tendo como referência os países desenvolvidos – o setor de logística ocupa posição importante na economia brasileira. Os principais usuários encontram-se nos setores químico e petroquímico, automotivo, alimentos, farmacêutico (englobando higiene, limpeza e cosméticos), bem como de eletroeletrônicos, nesta ordem. Entre os principais serviços oferecidos pelas operadoras logísticas destacam-se os de armazenagem, controle de estoques e transporte nas funções de coleta, transferência e distribuição, compondo o núcleo central da gestão integrada da logística. Infelizmente, os sistemas de logística do País são dependentes de uma matriz do transporte de carga bastante distorcida. A Tabela 2 mostra que o transporte rodoviário é responsável por 61% da movimentação de cargas do País. Se excluído da matriz o minério de ferro (principal carga cativa da ferrovia) a participação do transporte por caminhões se aproxima dos 70%, o que não tem paralelo em países com as dimensões continentais do Brasil. Nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Rússia e China, as ferrovias, dutos e navegação (fluvial ou costeira) têm participação muito mais expressiva, apesar do inevitável avanço do transporte rodoviário.
seis décadas. Por exemplo, as concessões das ferrovias, rodovias e instalações portuárias incentivaram a miCargas Transportadas/ano Modais Matriz de Transporte (%) g r a ç ã o d e e m p re s a s d e Brasil transporte para a atividade EUA Milhões Mil de TU Distância C/ Minério S/ Minério de Ferro de Ferro de TKU Média (Km) logística. Muitas empresas 73,0 60,0 595.000 933.000 638 rodoviárias (e algumas ferRodoviário 26,0 roviárias), pressionadas pe8,0 24,0 244.000 432.000 564 Ferroviário 34,0 la acirrada disputa no mer15,0 12,0 120.000 429.000 280 Aquaviário 25,0 cado de fretes, tomaram es3,0 3,0 29.000 33.000 880 Dutoviário 14,0 sa decisão estratégica. Ao 1,0 1,0 3.800 3.800 1.000 Aeroviário 1,0 adotarem o conceito de 100,0 100,0 992.000 1.830.000 542 Total 100,0 OTM (Operador de Trans40,00 Custo Médio (US$ / 1.000 TKU) 37,00 27,00 porte Multimodal), adicioFonte: COPPEAD, UFRJ e Macrologistica naram novos serviços e capacidades aos seus portfólios. Ocorreu, inclusive, um processo de consolidação de empresas de transporte rodoviáA mesma tabela mostra, também, a baixa participação da rio de cargas que, embora limitado, atenuou, em certa medida, cabotagem num país cuja extensão costeira é de mais de 8 mil a ainda grande fragmentação do setor. km. Por outro lado, o modal rodoviário está saturado em treO fato de a economia brasileira ter parte do seu dinamismo chos vitais e com infraestrutura deteriorada em grande extencalcado no agronegócio torna a logística dos granéis o grande são da malha viária. Por seu turno, a malha ferroviária – com desafio. Neste setor, o transporte responde por 60% ou mais exceção do escoamento do minério de ferro – apresenta baixas dos custos logísticos. Muitos são os problemas de infraestruvelocidades médias, graves deficiências de traçado ou saturatura que deverão ser sanados para facilitar o escoamento de ção da capacidade física de transporte, tanto em termos da via granéis, reduzir custos e, em consequência, aumentar a compermanente, como de sistemas de apoio de comunicações e de petitividade das exportações. Por outro lado, no que diz resmaterial rodante e de tração. peito à produção industrial, os principais usuários de logísAcrescente-se, por fim, que a precariedade do transporte tica demandam serviços de armazenagem, controle de estoafeta a confiabilidade e presteza dos sistemas de logística, uma ques e transporte de suprimentos, transferência e distribuivez que ocorrem atrasos constantes e perdas devido a roubos, ção, que, como foi visto, constituem o núcleo da gestão acidentes e avarias. A maneira que os operadores logísticos enintegrada da logística. contram para se proteger dos riscos e incertezas decorrentes de atrasos, anulações de entregas, entre outros, é a constituição de Albari Rosa/AE grandes estoques. Comparado com o sistema norte americano, o brasileiro carrega, em média, 22 dias adicionais de estoque, equivalentes a um acréscimo desnecessário de investimento estimado em cerca de R$ 120 bilhões. Por outro lado, os custos logísticos no Brasil são estimados em 12,6% do PIB, contra 8,6% nos Estados Unidos. O transporte é responsável por 7,5% dos custos logísticos no Brasil, contra 5% dos custos norte-americanos. (V. Caleffi, 2008). Por outro lado, a Tabela 3 faz um comparativo entre o transporte de cargas no Brasil e nos Estados Unidos. Tomando-se como unidade a TKU (Tonelada Quilômetro Útil), notase que relativamente àquele país o desbalanceamento da nossa matriz de transporte onera o custo Brasil em cerca de US$ 10 bilhões ao ano (1,0 Tri de TKU/ano x US$ 10,0/1000TKU, incluindo o minério de ferro), dada a diferença de custo médio de transporte apontada na última linha da tabela.
Tabela 3: Comparativo entre Brasil e Estados Unidos na matriz do transporte de cargas e fretes médios Ano de 2008.
4. Mudanças de paradigma No Brasil, como foi visto anteriormente, os sistemas de logística estão baseadas em uma matriz de transporte (e, consequentemente, energética) distorcida. Esforços têm sido feitos no sentido de mudar o paradigma que prevaleceu por mais de
Com o crescimento do agronegócio brasileiro, a logística dos granéis passou a ser o grande desafio.
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O número de empresas transportadoras é estimado em cerca de 145 mil e o de caminhoneiros autônomos de 769,8 mil, o que evidencia a grande fragmentação do modal rodoviário. Luiz Ferreira/LUZ
A infraestrutura deficiente dos sistemas de logística é, todavia, um problema grave que persiste. Em todos os modais identificam-se (em maior ou menor grau) problemas relacionados ao estado de degradação das infraestruturas e das instalações de apoio. Além disso, também são graves os problemas relacionados: (i) aos elevados custos operacionais do transporte (insumos, combustíveis e pedágios); (ii) à lenta absorção de inovações tecnológicas e de gestão (idade elevada das frotas e equipamentos, assim como um baixo nível de automação); (iii) à carga tributária elevada; (iv) à insegurança e roubo sistemático de cargas; e (v) às exigências crescentes (e, nem sempre coerentes) da legislação ambiental. Deste modo, as deficiências nas infraestruturas de suporte à logística e ao transporte acarretam a perda de competitividade e, portanto, a elevação do chamado "Custo Brasil". São, portanto, amplos e profundos os problemas do transporte de cargas, podendo se destacar, em linhas gerais as questões relacionadas com: - A insuficiência de investimentos em manutenção das infraestruturas; - A carga tributária, a burocracia estatal e as práticas de corrupção; - As deficiências de fiscalização e controle; - A crônica escassez de informações; Apesar da persistência dos gargalos, cabe lembrar que ocorreram grandes mudanças nos últimos quinze anos. Toda a malha ferroviária para o transporte de carga já é operada por empresas privadas. Os programas de concessão rodoviária avançaram bastante nos âmbitos da União e de muitos estados. A operação de terminais portuários é quase inteiramente privada, muito embora o sistema de gestão pública dos portos ainda permaneça muito centralizado. No caso dos portos, acrescente-se uma burocracia complexa, cara e manipulada por interesses políticos, o que sobrecarrega os custos das operações.
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Cabe chamar a atenção para o fato de que paradigmas que prevalecem por longos períodos orientam a busca de soluções para o desenvolvimento posterior no âmbito das suas próprias premissas. Esta é a grande dificuldade que se interpõe às mudanças. Desta forma, no Brasil, o processo de mudança no paradigma dos transportes não é nada simples, tanto em função da persistência de abordagens estanques e da defasagem tecnológica, quanto pela amplitude dos problemas e proporções significativas do setor. Uma ideia das dimensões do setor de transportes pode ser proporcionada pelos dados que se seguem: A) Rodovias: - A extensão da malha rodoviária (somadas as malhas sob a responsabilidade da União, Estados e municípios) era de cerca de 1,75 milhão de quilômetros, em 2007. Trata-se da 4ª malha rodoviária do mundo em extensão. No entanto, apenas 196,3 mil quilômetros são pavimentados, ou seja, 11,2% do total; - A extensão da malha rodoviária concedida à exploração privada, em 2007, era de 9,7 mil quilômetros, representando apenas 5,6% do total das malhas pavimentadas sob a responsabilidade da União e dos Estados, que é de 173,5 mil quilômetros; - O número de veículos de carga e de transporte coletivo que circulavam na extensão total da malha rodoviária, em 2006, era de 3,2 milhões de caminhões, cavalos mecânicos, reboques e semireboques (com idade média de 15 anos) e 186 mil ônibus interestaduais, intermunicipais, urbanos e de fretamento; - O número de empresas transportadoras de carga é estimado em aproximadamente 145 mil e o de caminhoneiros autônomos de 769,8 mil, o que evidencia a grande fragmentação do modal rodoviário. B) Ferrovias: - A extensão da malha ferroviária brasileira útil, em 2006, era de 29,3 mil quilômetros, operada por 11 concessionárias. Tratase da 10ª maior malha ferroviária do mundo;
rovias da Vale do Rio Doce (E.F.Vitória-Minas e E.F.Carajás) e pela MRS Logística. A s t rê s c o n c e s s i o n á r i a s transportaram, em 2006, nada menos que 83% da carga ferroviária, expressa em toneladas úteis. - As ferrovias da Vale e a MRS Logística operam com níveis elevados de produtividade, comparativamente à ferrovias norte-americanas e canadenses. Sem estas ferrovias, no entanto, os indicadores ferroviários brasileiros são muito baixos, como pode ser visto na Tabela 4.
- O número de locomotivas que circulavam nos trilhos desta malha, em 2006, era de 2.492. Os vagões de todos os tipos em tráfego eram em número de 121.880 (sendo 62.744 vagões próprios das empresas concessionárias). - Os vagões ferroviários transportaram, em 2006, 238,1 bilhões de toneladas-quilômetro úteis (TKU) e 389,1 milhões de toneladas úteis anuais. Predominaram no transporte ferroviário o minério de ferro (66% do total) e o complexo de soja e farelo (aproximadamente 10% do total); - O transporte de minério de ferro é realizado pelas duas fer-
C) Portos marítimos: - O Brasil possui 40 portos marítimos e 43 terminais privados, que movimentaram, em 2007, 754,7 milhões de toneladas, sendo 457,4 milhões de carga granelizada sólida, 194,6 milhões de granelizada liquida e 102,7 milhões de carga geral. - Somente os portos de Tubarão (ES), Itaquí (MA) e Itaguaí (RJ) movimentam 280 milhões de toneladas – basicamente minério de ferro – representando 37,1% do total das toneladas movimentadas e 61,2% dos granéis sólidos. - Os portos brasileiros movimentam 4,2 milhões de contêineres (6,6 milhões de TEU; vide definição na Tabela 5) representando 68 milhões de toneladas. A cabotagem envolve apenas 16,4% do número de contêineres e 12% da tonelagem. - O porto de Santos movimenta sozinho cerca de 40%, tanto das unidades, quanto da tonelagem de toda a carga conteinerizada do País. - A participação do transporte por hidrovias é muito reduzida, utilizando somente 20% dos rios navegáveis (Região Norte 77% e Hidrovia Tietê-Paraná, 7,9%). Uma visão da inexpressiva posição dos portos brasileiros no que diz respeito à movimentação de cargas em contêineres, comparativamente aos maiores portos mundiais é dada pela Tabela 5.
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D) Dutos: - A extensão da malha dutoviária brasileira era, em 2007, de 22,2 mil quilômetros, sendo a 15ª do mundo. - A movimentação de cargas na malha dutoviária brasileira foi de 251,3 mil toneladas nos oleodutos, 18,3 mil nos minerodutos e de 14 mil nos gasodutos. - Esta malha é constituída por oleodutos (que movimentam petróleo, óleo combustível, gasolina, diesel, álcool, GLP, querosene e nafta), minerodutos, (para o sal-gema, minério de ferro e concentrado fosfático e gasodutos (para o gás natural). - O Gasoduto Brasil-Bolívia (com 3.150 km de extensão) é um dos maiores do mundo, abastecendo o Centro-Sul do País com o gás natural importado. E) Aeroportos: - O Brasil possui 4.263 aeroportos e aeródromos, sendo a segunda maior rede do mundo, apenas superada pela dos Estados Unidos, com 14.497. - Dos 67 aeroportos operados pela Infraero, 31 são internacionais e 36 domésticos. Movimentaram, em 2007, um total de 110, 5 milhões de passageiros e 1.318,6 mil toneladas de cargas. - O número de passageiros em tráfego doméstico foi de 97,9 milhões e no internacional de 12,6 milhões. Na movimentação de cargas, 697,7 mil toneladas corresponderam ao tráfego internacional e 620,8 mil ao doméstico. - Do total da movimentação de cargas, o aeroporto de Guarulhos respondeu por 32,2%, Viracopos por 18% e Manaus por 12,6%. Os três aeroportos concentraram nada menos que 63% da carga aérea movimentada no País. - No que diz respeito à movimentação de passageiros, os aeroportos de Guarulhos e Congonhas concentraram, em 2007, 31% do total do País (18,7 e 15,3 milhões de passageiros/ano, respectivamente). Agregando-se Brasília e Galeão, a concentração de passageiros elevou-se a 50% do total. Uma visão da posição dos aeroportos brasileiros quanto à movimentação de passageiros e cargas, comparativamente
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aos maiores aeroportos mundiais, é dada pela Tabela 6. Dado este panorama geral das dimensões e posicionamento do setor de transportes brasileiro e voltando à questão da mudança de paradigma, cabe lembrar que as transformações mundiais não foram somente de natureza tecnológica, gerencial e de métodos e escalas das operações. Diante do colapso na capacidade de investimento público, novas formas de financiamento passaram a ser buscadas. Com relação a este aspecto, cabe lembrar que duas últimas décadas trouxeram profundas modificações no sistema financeiro internacional e nos fluxos de recursos entre países. Os financiamentos dos investimentos nas infraestruturas por parte de entidades multilaterais de fomento ou financiamentos de governo a governo, predominantes ao longo dos anos 70, cederam lugar às participações de grupos financeiros privados. Estes lideraram consórcios de investimentos para a exploração das infraestruturas, mediante concessões de longo prazo. As mudanças interferiram, também, na dinâmica dos investimentos em transporte: saiu-se da perspectiva predominante da intervenção estatal, para aquela dos interesses do mercado e da maior competitividade. (Para uma visão aprofundada do processo de concessões e parcerias, v. Hakim, Seidenstat e Bowman, 1996, assim como Estache e De Rus, 2000). A recente crise financeira internacional, todavia, pode reverter parcialmente esta tendência, na medida em que a carência de recursos privados e a instabilidade do ambiente regulador podem exigir esforços adicionais de investimentos estatais (Ver a esse respeito, Barat, 2008, cit.). Na verdade, a junção dos fatores de mudança tecnológica, gerencial e operacional, de um lado, e os de financiamento e planejamento, de outro, ocorrida nos países desenvolvidos nos anos 80 e 90, teve uma consequência importante. As cadeias produtivas – cada vez mais complexas – engendraram "sistemas de logística" igualmente complexos que, por sua vez, se materializaram, para o consumidor, no transporte porta a porta, resultante da combinação mais competitiva de modais em termos de custo final do transporte. Os "sistemas de logística" implicaram necessariamente na implementação de investimentos e sistemas operacionais combinados e coordenados. Neste sentido, com a crise podem surgir novas oportunidades para parcerias entre interesses privados e governamentais para a configuração de sistemas de logística voltados para a consolidação de infraestruturas e meios logísticos integrados em "Eixos de Transporte regionalizados". Tais Eixos podem propiciar o aumento da competitividade, no deslocamento das cargas em níveis elevados de produtividade e custos mais
Rafael Neddermeyer/AE
Do total da movimentação de cargas, o aeroporto de Guarulhos respondeu por 32,2%, Viracopos por 18% e Manaus por 12,6%. Os três aeroportos concentram 63% da carga aérea no País.
baixos para os consumidores. (Para uma perspectiva ampla quanto ao planejamento e as mudanças nos transportes, v. Adams, 1981 e Nijkamp, Reichman e Aldershot, 1987). Com relação às mudanças de paradigmas, um último aspecto – mas não menos importante a ser lembrado – diz respeito ao forte entrelaçamento das infraestruturas e operações de logística e transporte com a questão ambiental. Dois temas devem ser ressaltados para uma reflexão mais aprofundada por parte de governos e empresas. Primeiramente, a tendência recorrente, no Brasil, por falta de uma fiscalização adequada a implantação principalmente de uma nova rodovia pode provocar uma ocupação desordenada do solo e impactos no meio ambiente. Cabe lembrar que o País carece de uma legislação mais realista e rigorosa que, tanto coíba o impacto negativo das infraestruturas, quanto regule a ocupação e uso do solo nas áreas próximas ou lindeiras principalmente às rodovias. A segunda tendência é a da distorção da nossa matriz energética em função do predomínio do modal rodoviário no transporte de cargas e passageiros, tanto interurbano, quanto urbano, por consumir muito combustível em relação a carga transportada e ser um grande emissor de poluentes. Neste caso, a mudança de paradigma aponta para dois caminhos simultâneos a médio e longo prazo: a) o fortalecimento do papel dos modais não-rodoviários, especialmente em eixos regionalizados (ferrovias, dutos, e navegação); e b) a substituição (ou adição) de combustíveis oriundos da biomassa (etanol e biodiesel) para movimentação do transporte rodoviário. Note-se que, em escala mundial, o uso de biocombustiveis no transporte é ainda bastante baixo comparativamente ao dos derivados do petróleo. Nos Estados Unidos, o etanol representa menos de 2% do combustível utilizado no transporte, enquanto no Brasil ele representa aproximadamente 30 %. Toda a experiência brasileira na pesquisa e desenvolvimento de combustíveis da biomassa, assim como dos motores "flex", não só garantirá uma posição de destaque no cenário internacional, como poderá dar suporte a uma mudança mais profunda na nossa matriz energética.
Cabe destacar, por fim que, enquanto os preços de produção dos biocombustíveis são fáceis de medir, os benefícios de seu uso são difíceis de quantificar. Mas isto não significa que os benefícios não sejam substanciais e muito amplos, podendo ser citados: (a) a melhoria da segurança energética; (b) a redução de emissões de poluentes e, consequentemente, do efeito estufa; (c) a melhoria de desempenho dos veículos; (d) o estímulo ao desenvolvimento rural; e (e) a proteção de ecossistemas e dos solos, desde que a produção obedeça a critérios ambientais corretos. Mas como esses benefícios são difíceis de quantificar, o preço de mercado dos biocombustíveis, por não refleti-los adequadamente, torna-se ainda "caro" frente aos derivados do petróleo, tornando mais difícil a sua difusão em escala mundial. (V. a esse respeito OECD, 2004). No entanto, no Brasil os custos de produção dos biocombustíveis (especialmente do etanol) são muito mais baixos do que em países desenvolvidos e mais próximos dos custos dos combustíveis de petróleo, o que nos abre perspectivas bastante promissoras. 5. Perspectivas Num mundo em que a economia é crescentemente globalizada, para competir no mercado internacional são necessários investimentos continuados e consistentes em aumentos de capacidade, assim como em inovação tecnológica e gerencial. No que diz respeito às políticas e ações relacionadas com as infraestruturas é importante levar-se em conta a tendência mundial de rápidos avanços tecnológicos e de escala em todos os segmentos infraestruturais. Apesar das restrições impostas pela estagnação econômica prolongada que assolou o Brasil por 25 anos, houve avanços extraordinários na incorporação de novos padrões de gestão e novas tecnologias ao processo produtivo em muitos setores da indústria, agricultura e serviços. Isto resultou de um esforço contínuo de empresários e trabalhadores, que não dependeu, via de regra, de planos ou iniciativas governamentais Houve um crescimento significativo da produção física, foram gerados, direta e indiretamente, milhares de em-
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pregos e fez-se a prosperidade de centenas de cidades médias tos como fatores de: e pequenas. Alteraram-se as cadeias produtivas, assim como - Suporte à competitividade e inserção mais plena no proas logísticas de abastecimento e escoamento, e surgiram cesso de globalização; "clusters" de especialização. - Articulação da estrutura produtiva e indução do desenvolAs infraestruturas de apoio, porém, não acompanharam esvimento tecnológico; te crescimento e diversificação da economia. Assim, as ativi- Geração de oportunidades de emprego nas infraestruturas dades de produzir, armazenar, escoar e distribuir ou embarcar e operações; a produção implicaram em redução da competitividade das - Articulação de novas cadeias produtivas, clusters de espenossas exportações e encarecimento desnecessário do consucializações e integração regional; mo interno (principalmente de alimentos e insumos indus- Suporte à sustentabilidade ambiental; triais e agrícolas). - Reestruturação da matriz energética. Não há dúvida, portanto, que é inadiável a provisão de um São tantos e tão complexos os problemas relacionados com a complexo de infraestruturas integradas, com os objetivos de definição de uma política de logística de transporte que cumaumentar os níveis de competitividade em geral e melhorar pre, na etapa atual de nosso desenvolvimento, mudar paradigas condições de movimentação da produção. Mas como atinmas por meio da: (i) reformulação de conceitos; (ii) discussão gir tal objetivo, se a disponibilidade de recursos públicos é de métodos; e (iii) revisão, em profundidade, da concepção trarestrita e se as políticas públicas – apesar do alarde feito em dicional centrada na ampliação extensiva (e compartimentatorno do Programa de Aceleração do Crescida) da infraestrutura viária. Trata-se basicamento (PAC) continuam a contemplar visões mente de olhar para os problemas de operação, fragmentadas, com ênfase nas ações voltadas no contexto mais amplo do manuseio, acondipara o curto prazo? É importante ressaltar, cionamento e armazenagem das cargas transO planejamento e nesse sentido, que países como a China, Índia, portadas, bem como de conservação ambiental a política de transportes Rússia investem de 3% à 5% do PIB nas ine segurança do tráfego nas vias. Ou seja, tratase pautarão em dar fraestruturas de transporte, enquanto o Brasil se de redirecionar políticas para uma visão de mais ênfase aos Eixos investe apenas 0,9% do PIB, considerando os sustentabilidade ambiental, eficiência econôde Transporte formados investimentos do PAC. mica, incorporação e difusão de modernas tecO caminho possível passa, primeiramente, nologias e métodos de gestão, resultando em por modais mais pela racionalização das aplicações dos recursos aumentos contínuos de produtividade. competitivos, onde públicos, por meio da implementação de proIndependentemente da atual crise financeira haverá a prevalência da gramas que: (i) gerem sinergias entre os divermundial em fase de superação – e, talvez, até em hidrovia sobre a ferrovia sos segmentos infra-estruturais envolvidos; e decorrência – o novo ciclo de desenvolvimento (ii) integrem as ações dos três níveis de governo, e desta sobre a rodovia. econômico que se configura para o País se relavalorizando da forma mais elevada o espírito fecionará simultaneamente com a ampliação do derativo. Em seguida, pelo envolvimento da mercado interno e a inserção mais profunda da iniciativa privada em programas conjuntos de moderna agricultura e da indústria brasileiras no melhorias e novos investimentos por meio, tanto de concessões mercado internacional. Esta nova dinâmica englobará, inclusive, de longo prazo, como de parcerias confiáveis e duradouras. as atividades agrícolas "industrializadas" (em grande escala e Trata-se, na verdade, de programas que englobarão, desde com elevada produtividade), além dos serviços decorrentes das providências simples ou pequenas obras que garantam metecnologias de ponta. O suporte do transporte, em particular, e da lhorias operacionais imediatas, até a execução de projetos de logística no seu sentido mais amplo, ao novo ciclo de desenvolgrande porte, estruturadores do processo de ocupação terrivimento, estará vinculado essencialmente à competitividade e ao torial e do desenvolvimento sustentável. A perspectiva básica barateamento da produção nacional, tanto internamente quanto desta concepção é, antes de tudo, a da complementaridade e nos mercados consumidores externos. integração entre as ações de planejamento, fixação de prioriNeste sentido, o planejamento e a política de transportes se dades e execução de projetos, por parte da União, Estados e pautarão em dar mais ênfase aos Eixos de Transporte formamunicípios. Além disso, a iniciativa privada prestará a sua codos por modais mais competitivos, onde haverá a prevalência laboração naquelas atividades em que pode (e deve) supleda hidrovia sobre a ferrovia e desta sobre a rodovia, de modo a mentar ou substituir a ação governamental. adequar a matriz de transporte brasileira e torná-la mais comA inserção da logística do transporte na agenda do desenpetitiva em relação aos nossos competidores. volvimento passa pelo planejamento estratégico, que leve em consideração as questões sócio-econômicas e não apenas o 6. Propostas planejamento de longo prazo, formulação de políticas públicas consistentes e consolidação de projetos sinérgicos, que Em síntese, o Brasil necessita se desenvolver de forma integrapropiciem a remoção de gargalos nas infraestruturas. Sem isda e sustentável, para superar as desigualdades sociais, gerar emto, não se conseguirá atender as necessidades impostas pelas pregos estáveis e reduzir drasticamente os danos ambientais. Paexportações e pelo abastecimento interno. ra isto, torna-se inadiável desencadear ações coordenadas (V. PaCabe ressaltar que a logística e transporte devem ser visvan, 2008, cit.) no sentido de:
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Divulgação
gando aos principais portos marítimos e aeroportos, formando os Eixos de Transporte, com a função de integrar as economias por onde passam (A respeito de eixos de transporte, v. Barat, 1978 e Pavan, 2008, cit.) Note-se que, pelo critério geoeconômico, a área de abrangência econômica dos Eixos de Transporte competitivos, se estrutura independentemente das fronteiras geopolíticas. São macrorregiões estratégicas e econômicas, cada uma com um adensamento econômico próprio, que se transformarão em grandes Eixos de Desenvolvimento, atraindo os investimentos, aumentando a produção, agregando valor aos produtos, gerando emprego e renda, elevando o Ìndice de Desenvolvimento Humano Regional, sendo, portanto, fundamentais paWannia Corredo/O Globo
- Compatibilizar os investimentos em logística e transporte com uma visão sistêmica, com vistas a atender às necessidades dos mercados consumidores, tanto interno, quanto externo; - Dar maior eficiência na integração e coordenação de todas as cadeias de suprimentos (supply-chains) espalhadas geograficamente; - Promover maior conhecimento e preparar capital humano compatível às vocações regionais; - Dar maior eficiência e eficácia às ações governamentais relacionadas com: (i) planejamento estratégico, (ii) governança, (iii) diminuição de despesas, (iv) velocidade de decisão, (v) critérios econômicos e sociais para alocação de investimentos, (vi) definição de regras mais claras para os licenciamentos ambientais, entre outras; - Definirestratégiasadequadasparacompetirnomercadoglobalizado, principalmente se complementando com os grandes blocos econômicos, como com as economias da China e Índia; - Viabilizar, institucionalizar, desburocratizar e criar regras flexíveis que permitam às empresas nacionais se adaptarem ao ambiente global altamente competitivo e volátil; - Fortalecer as especializações regionais e os arranjos produtivos locais. - É fundamental, para isso, que se retome o planejamento estratégico das infraestruturas, principalmente no que diz respeito ao transporte de cargas, considerando, em linhas gerais, a seguinte metodologia: - Identificação das principais cadeias produtivas, bem como os fluxos de suprimento, escoamento e distribuição por elas gerados, tanto para o abastecimento interno, quanto para as exportações; - Sobreposição desses fluxos, e suas projeções futuras, às infraestruturas existentes nos espaços nacional e regional; - Identificação das deficiências nas infraestruturas de logística e transporte existentes, suprimindo as inadequadas e complementando com soluções baseadas em modais de grande capacidade e de menor custo; - Transposição das fronteiras geográficas dos Estados, che-
É preciso um aporte em maior escala de recursos privados, uma vez que a escassez de recursos públicos não tem permitido a adequação dos portos brasileiros à competitividade internacional.
ra direcionar as políticas públicas e prioridades de investimento. Os Eixos devem propiciar ainda a integração física, econômica e política dos Estados, a exemplo do que fizeram recentemente os Estados de Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo. É importante ressaltar, como parte importante dos problemas relacionados com a logística e o transporte no Brasil, a questão dos gargalos de natureza institucional. A sua superação depende muito mais de iniciativas da sociedade e do meio empresarial. Estes devem pressionar por mudanças, no sentido de alterar a inércia e os padrões tradicionais de comportamento dos governos. É apresentada, a seguir, uma listagem das principais propostas para a eliminação dos gargalos de natureza institucional, tributária, infraestrutural e operacional, que comprometem o desenvolvimento da logística e do transporte no Brasil. A) Rodovias: - Seleção por parte do Governo Federal, das rodovias de interesse nacional, de forma a completá-las e mantê-las, transferindo para os Estados as que forem dos seus interesses, juntamente com os recursos da CIDE; - Atualização do regulamento do Transporte Rodoviário de Cargas e estabelecer requisitos adicionais para registro e habilitação; - Estabelecimento de critérios para frota mínima para fins de registro e escolha de responsável técnico; - Definição de padrões de área mínima para os terminais de carga; - Reformulação dos critérios de vistoria anual;
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Eliandro Figueira/AE
- Contingenciamento das autorizações e limitação da idade máxima da frota. B) Ferrovias: - Liberação do tráfego mútuo e o direito de passagem, em especial e principalmente no acesso aos terminais portuários; - Redefinição de metas de produção das concessionárias; - Estabelecimento de metas de desempenho operacional; - Eliminação das restrições de participações acionárias; - Permissão para a conversão do pagamento da concessão em investimento na ferrovia. C) Cabotagem: - Racionalização do relacionamento do OGMO com os sindicatos na definição da remuneração, composição dos ternos e demais condições de trabalho; - Desburocratização da liberação de recursos financeiros do Fundo da Marinha Mercante, bem como disciplinamento do retorno de parte dos recursos arrecadados às empresas de navegação de cabotagem; - Oferecimento às empresas de cabotagem nacionais dos mesmos custos e impostos que privilegiam as empresas de bandeira estrangeira, em especial o combustível, bem como facilitar o "transhipment" de cargas internacionais; - Desvinculação dos estaleiros nacionais da política do transporte por cabotagem, permitindo ao setor adquirir, em outros países, navios usados e em excelentes condições, utilizando a bandeira brasileira. O setor ferroviário faz isso com as locomotivas, e o aéreo com as aeronaves; - Adequação da infraestrutura dos portos brasileiros à evolução tecnológica, capacidade e calado dos navios. D) Portos marítimos: - Revisão geral do modelo de gestão dos portos brasileiros. A gestão portuária é pública (com exceção do porto de Imbituba) e os terminais são privados, mas serviços como a infraestrutura portuária, dragagem, água, energia elétrica, acesso aos terminais cabe à Administração Portuária, que é pública. - Aporte em maior escala de recursos privados, uma vez que a escassez de recursos públicos não tem permitido a adequação dos portos brasileiros à competitividade internacional; - Urgência na modernização dos principais portos do País, para serem competitivos com os "benchmarks" internacionais, uma vez que os portos são os elos mais importantes dos sistemas de logística. - Adequação da Lei dos Portos, segundo modelo adotado nos países mais desenvolvidos, e transferir a gestão e a operação dos portos para iniciativa privada, assim como foi feito com o sistema ferroviário, e parte do rodoviário; - Estadualização ou municipalização de alguns portos, o que é permitido pela lei n° 9.277/96, o que em alguns casos pode melhorar a situação, porém sem resolvê-la totalmente.
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Na adequação do planejamento da rede de aeroportos, é preciso definir os aeroportos "feeder" (alimentadores) e os aeroportos "hubs", que são concentradores. Andrei Bonamin/Luz
E) Transporte fluvial: - Aporte de recursos por meio de parcerias publico-privadas, considerando que o transporte fluvial padece dos mesmos problemas da navegação de cabotagem e dos portos marítimos, que é a falta de recursos do poder público, para a manutenção adequada da hidrovia; - Adequação do planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos pela ANA, para arbitrar a disputa da água para uso múltiplo em irrigação, geração de energia elétrica e transporte fluvial, obrigando a construção de eclusas quando se construir barragens em vias navegáveis ; - Concessão para exploração do setor privado de algumas hidrovias de relevância econômico-financeira. Isto é possível pela lei n° 10.233/01 e este modelo pode ser viável, por exemplo, para a hidrovia Tapajós -Teles Pires-Juruena; - Desvinculação dos estaleiros nacionais da política do transporte fluvial, permitindo ao setor adquirir barcaças, em excelentes condições de outros países. F) Aeroportos: - Adequação do planejamento e gestão do sistema de aviação civil, como um todo, ao crescimento da demanda pelo transporte aéreo; - Aprovação de projeto de lei específico, disciplinando a transferência gradativa para a iniciativa privada, não apenas da administração aeroportuária, mas também da ampliação da sua infraestrutura;
- Adequação do planejamento da rede de aeroportos, de forma a definir os aeroportos "feeder" (alimentadores), que levam e trazem cargas para os aeroportos "hub" (concentradores)
Referências Bibliográficas
G) Dutos: - Planejamento do crescimento do transporte dutoviário, que tende a se expandir no Brasil, da mesma maneira que é utilizado nos países mais desenvolvidos; - Consideração do transporte dutoviário como mais competitivo em termos de custos (dez vezes menor que o transporte rodoviário), além das suas grandes vantagens em termos de preservação ambiental.
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H) Legislação Tributária e de Incentivos Fiscais: - Adequação urgente das alíquotas de ICMS. Sua variação entre 7% e 18%, e diversos incentivos fiscais estaduais dificultam o uso eficiente da logística ocasionando um passeio dos produtos, desperdício de combustíveis e impedem o funcionamento da multimodalidade. I) Fiscalização: - Fortalecimentodafiscalizaçãorodoviária,umavezqueapulverização das origens e destinos, o uso múltiplo das rodovias e a falta de recursos financeiros dificultam a fiscalização do excesso de velocidade, excesso de peso, sonegação fiscal e outras; - Utilização de parte dos recursos vinculados à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) deve ser utilizada por essa finalidade; - Revisão da regulamentação do transporte voltada ao fortalecimento da fiscalização. J) Questões Ambientais: - Aplicação da lei n° 9.433/97, que prevê o uso múltiplo das águas; - Racionalização do licenciamento ambiental, reduzindo a sua burocracia; - Criação na legislação ambiental, através de deliberação do CONAMA, de metodologia específica para obras de infraestrutura de logística e transporte.
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Financiamento da Patrícia Cruz/Luz
Carlos A. Rocca Economista e doutor em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP; foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. É consultor econômico-financeiro e diretor técnico do CEMEC - Centro de Estudos de Mercado de Capitais, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). O autor agradece a contribuição do economista e professor Lauro Modesto dos Santos Júnior. A maioria dos dados utilizados neste trabalho tem por fonte o CEMEC, do IBMEC, unidade que conta com o apoio da ANBIMA, da BM&F-Bovespa e suporte técnico e operacional da FIPECAFI. Relatórios do CEMEC estão disponíveis no site do IBMEC em www.ibmec.org.br.
economia brasileira Evolução recente, desafios e oportunidades Foto: Paulo Pampolin/Hype Arte: Ariane Zambaldi/Hype
Resumo O objetivo deste artigo é identificar ações de política econômica voltadas para a elevação da taxa de poupança interna, a redução do custo de capital e a criação de condições para o desenvolvimento de um amplo mercado de capitais de dívida privada, tendo como propósito elevar as taxas de crescimento da economia brasileira de modo sustentável e absorver poupança externa minimizando riscos cambiais. Nossas propostas incluem medidas voltadas para a elevação da taxa de poupança doméstica, em particular por meio da adoção de programa de ajuste fiscal de longo prazo, visando a recuperação da poupança do setor público, ao lado da criação de uma nova Previdência Social com regras iguais para os novos trabalhadores dos setores público e privado, e com respeito a direitos adquiridos. Propõe-se também a ampliação do mercado de capitais, criando-se as condições regulatórias, tributárias e cambiais para
Image Source/Folhapress
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o desenvolvimento do mercado de dívida privada, e mantendo os avanços de governança do mercado de ações. Além disso, esse mercado poderá alavancar a atuação do BNDES sem o comprometimento adicional de recursos do Tesouro, os quais seriam limitados à cobertura de subsídios à taxa de financiamentos, explicitados no orçamento da União. Defende-se, ainda, a redução dos principais componentes do "spread" bancário, incluindo a redução de depósitos compulsórios, de tributação e de aplicações compulsórias. Na mesma linha, o cadastro positivo pode contribuir para a redução de custos de inadimplência e para melhorar padrões de concorrência.
Introdução
D
esde o início da década de 80, a economia brasileira perdeu o dinamismo que apresentava nas décadas anteriores. Mesmo nos últimos anos, até a crise de 2008, em que uma gestão mais adequada da política macroeconômica permitiu que se auferisse os benefícios de uma conjuntura excepcionalmente positiva da economia mundial, sucedida pelo dinamismo da demanda doméstica, o crescimento ainda permaneceu abaixo da maioria das economias emergentes. Qualquer análise das razões subjacentes a esse desempenho certamente levaria a alguns fatores que atuaram nesse período e que resultaram numa queda acentuada da taxa de investimento em relação ao PIB. De números em torno de 23% em média nas décadas de 70 e 80, a taxa de investimento caiu para valores próximos de 18% em média no período de 1990 a 2009, sendo mais próximas de 17% no período de 2000 a 2009. Depois de um período curto em que o forte crescimento das exportações e a evolução modesta da absorção doméstica produziram superávits em contas correntes, a aceleração do crescimento rapidamente reverteu esse ciclo, revelando os limites da capacidade de poupança interna. Para que seja mantido o crescimento da economia no nível esperado pelo governo, da ordem de 5,5% a.a de 2011 a 2014 (1), a insuficiência da poupança interna implicaria certamente em forte ampliação do déficit em conta corrente. As projeções do setor privado indicam a permanência e eventual elevação do déficit em contas correntes, mesmo quando as expectativas de crescimento são mais modestas, em torno de 4,4% a.a.
Um breve exame das razões da queda da taxa de poupança interna nas últimas décadas mostra que ela resulta integralmente da redução da poupança do setor público, que tem destinada todo o aumento de carga tributária para a cobertura do aumento das despesas correntes, complementado ainda pela redução da taxa de investimentos públicos. Dada a dificuldade de elevar em curto prazo a taxa doméstica de poupança, a manutenção do crescimento no ritmo esperado vai requerer a complementação da poupança externa. Pelo menos enquanto prevalecer o atual cenário internacional de baixo crescimento dos países da OECD, existem razões para acreditar que uma parcela considerável do déficit em conta corrente poderá ser financiada pela entrada de investimento direto estrangeiro. (2) Estudo recente (3) sugere que a poupança interna é o fator mais limitante para a aceleração e sustentação do crescimento
bancos estatais, mediante aportes adicionais de recursos do tesouro, visando o financiamento de empreendimentos a taxas inferiores ao custo de captação da dívida pública. Argumenta-se que em muitos casos a implementação de políticas voltadas ao apoio dos denominados setores prioritários podem ser mais eficientes e transparentes, na medida em que os bancos estatais atuem de modo complementar ao sistema privado e ao mercado de capitais, num contexto em que os eventuais subsídios sejam objeto de dotações específicas do orçamento federal. Adicionalmente, existem razões para acreditar que o desenvolvimento do mercado de dívida privada em reais pode representar alternativa da maior relevância para conduzir a absorção do investimento estrangeiro adequado para financiar o déficit em contas correntes. O desenvolvimento desse merca-
Reinaldo Canato/Hype
A taxa de investimentos da economia brasileira, que já atingiu cerca de 23% do PIB nas décadas de 70 e 80, reduziu-se para um patamar médio pouco superior a 16% no período de 2002 a 2006, para iniciar um lento ciclo de recuperação até os 19% observados em 2008.
da economia brasileira. Esse mesmo trabalho mostra que a taxa de investimento do País é relativamente baixa em termos internacionais, não por falta de oportunidades rentáveis de investimento, mas pela permanência de elevado custo de capital. O desempenho recente da economia brasileira de algum modo ratifica essa hipótese, na medida em que o aumento da oferta de recursos de financiamento que se seguiu à redução da taxa de juros e aos avanços do mercado de capitais explicam boa parte da aceleração do crescimento observada a partir de 2004. Esse processo sofreu uma interrupção com a crise internacional. Nesse momento, a forte ampliação das operações dos bancos públicos impediu que as dificuldades enfrentadas pelo mercado de capitais e a redução da oferta de crédito por parte dos bancos privados induzissem um movimento recessivo de maior intensidade da economia brasileira. Entretanto, medidas adicionais adotadas têm sugerido a opção de dar continuidade ao aumento de participação dos
do abre a oportunidade de trazer o investimento estrangeiro em carteira para títulos denominados em reais, minimizando portanto os riscos de descasamento de moedas das empresas nacionais, fatores relevantes no agravamento das crises associados a ciclos de menor liquidez internacional. O objetivo deste trabalho é contribuir para o debate, buscando agregar alguns elementos e considerações voltados para o equacionamento das duas questões mencionadas anteriormente, relacionadas com a elevação da taxa de poupança interna e o papel do sistema financeiro nacional e especialmente do mercado capitais, num contexto em que a complementação da poupança externa será essencial para a sustentação das taxas projetadas de crescimento. A primeira questão, abordada na Seção 1, diz respeito principalmente à relevância da taxa de poupança interna como determinante da taxa de crescimento sustentável da economia brasileira, e ao alto custo de capital também como fator restritivo.
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Leonardo Rodrigues/e-Sim
A economia brasileira oferece grandes oportunidades de investimentos em consumo e habitações.
Na Seção 2, busca-se mostrar o significativo crescimento que o mercado de capitais tem apresentado na mobilização de poupanças e no financiamento da economia, bem como no papel que o mesmo pode desempenhar na sustentação de maiores taxas de crescimento com menor risco de crises cambiais. A Seção 3 apresenta algumas observações finais e sugestões de medidas ligadas ao assunto. 1. Poupança interna insuficiente e alto custo de capital: os fatores mais restritivos 1.1. A poupança interna Os modelos mais simples de crescimento econômico mostram que a taxa de crescimento da economia depende essencialmente da taxa de investimentos e de sua produtividade. A taxa de investimentos é a parcela do PIB destinada à ampliação do estoque de capital. Embora seja mais correto considerar capital físico e capital humano, dada a ausência de indicadores relativos à mensuração de capital humano, nesses modelos é usual concentrar o foco em capital fixo, tais como construções, equipamentos e estoques. Nesse modelo
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simples, o efeito da acumulação de capital humano e de avanços tecnológicos é alocado usualmente para o parâmetro de produtividade, na forma de elevação da relação marginal produto/capital ou na forma de um componente autônomo para representar o progresso tecnológico. A taxa de investimentos da economia brasileira, que já atingiu cerca de 23% do PIB nas décadas de 70 e 80, reduziu-se para um patamar médio pouco superior a 16% no período de 2002 a 2006, para iniciar um lento ciclo de recuperação até os 19% observados em 2008. Com a crise, em 2009 observou-se novo recuo para 17,3%. Não obstante o conceito e a medida de produto potencial tenham limitações (4), a maioria das estimativas sugere que uma taxa de investimentos de 19% poderia sustentar um crescimento da ordem de 4%. A manutenção de um ritmo de crescimento como o anunciado, de 5.5% a.a., certamente exigiria elevar os investimentos de modo significativo. A realização de uma taxa de investimento mais elevada depende essencialmente da existência de oportunidades rentáveis de investimento, de um quadro institucional e político favorável, e da possibilidade de mobilizar recursos de poupança, de modo a financiar o novo patamar de forma sustentável. Isso implica a necessidade de oferta de recursos com custo de capital e de demais condições compatíveis com a taxa de retorno e os riscos desses empreendimentos. Existem razões para acreditar que na atual situação da economia brasileira a poupança interna é o fator mais restritivo à aceleração sustentável de crescimento econômico. Embora a deficiência de poupança interna e o alto custo do capital sejam mencionados há muito tempo como obstáculos ao crescimento brasileiro (5), a hipótese de que esse é o fator mais restritivo no momento é sustentada com base numa cuidadosa argumentação apresentada no trabalho já citado de Hausmann (2009), mediante utilização de metodologia que busca identificar as ações que podem ter o maior impacto potencial sobre a taxa de crescimento econômico. O objetivo é identificar os fatores mais restritivos, ou seja, que oferecem a maior limitação ao crescimento de uma dada economia num dado período de tempo. A ideia é muito simples. Trabalhos que se dedicam à análise das experiências bem sucedidas de crescimento de economias em desenvolvimento em geral conduzem à mesma lista de recomendações. A receita típica recomenda um ambiente favorável ao investimento privado, com estabilidade política, inflação controlada, instituições que garantam a proteção à propriedade e obediência a contratos, alto nível de poupança doméstica, complementadas por integração à economia mundial, investimento em qualificação de recursos humanos, avanços tecnológicos, sistema tributário simples, baixa carga tributária, governo eficiente no suprimento de bens públicos e da rede de proteção social. O problema é que recomendações desse tipo ajudam muito pouco na identificação das ações mais eficazes para acelerar o crescimento em cada momento. Usualmente, essas economias apresentam insuficiências na maioria desses fatores, dificultando muito a definição de prioridades, ou seja, a identificação de um número limitado de ações que realmente produzam o maior impacto potencial de curto prazo sobre as taxas de crescimento. Se o diagnóstico estiver correto, uma ação voltada para deslocar positivamente o fator mais restritivo deverá
gerar o maior impacto sobre o crescimento. Num contexto dinâmico, superada essa restrição, certamente outros fatores passarão a ser os mais limitantes, e assim por diante, como é natural num processo de desenvolvimento econômico. No trabalho de Hausmann, são alinhados vários argumentos e evidência empírica no sentido de demonstrar que atualmente o fator mais limitante ao crescimento da economia brasileira é a oferta de poupança doméstica. Essa limitação, combinado com outros fatores, tem conduzido à manutenção de custos de capital muito elevados, que deprimem a taxa de investimento Inicialmente é rejeitada a hipótese de que o investimento é baixo pela ausência de oportunidades de investimento. É praticamente consensual que atualmente a economia brasileira oferece grandes oportunidades. Além dos projetos relacionados com a expansão da demanda de consumo e habitações, estimulada também pela expansão do crédito, podese mencionar as oportunidades existentes em toda a cadeia de oferta ligada à exploração do petróleo do Pré-sal, aquelas ligadas à enorme demanda reprimida de serviços de infraestrutura (6), sem falar no potencial relacionado com commodities agrícolas, minerais e de energia renovável (como etanol, biodiesel e bioquerosene). Hausmann utiliza algumas comparações internacionais para argumentar que a eficiência marginal do investimento é relativamente alta no Brasil, rejeitando assim a hipótese de que a taxa de retorno seja baixa. Tomando os dados para algumas dezenas de países, mostra-se que no período de 2005 a 2007, ao apresentar os maiores custos de financiamento entre todos os
países considerados, a taxa de investimentos ou de formação bruta de capital fixo (FBCF) observada no Brasil assume ainda valores superiores a alguns outros países com custos de financiamento muito mais baixos. Outra indicação que aponta na mesma direção resulta da comparação entre taxa de investimento e taxa de crescimento econômico. No Gráfico 1 , toma-se o valor médio dessas duas variáveis no período de cinco anos, compreendidos ente 2004 e 2008, para uma amostra de países. Neste gráfico, observa-se que a posição relativa do Brasil situa-se muito acima da reta que representa a relação média estimada entre a taxa de investimento e a taxa de crescimento ao longo de cinco anos para os países considerados. Essa posição é compatível com a ocorrência de uma relação produto/capital acima da média na economia brasileira. Se realmente existem grandes oportunidades de investimento, é importante identificar as razões pelas quais a taxa de investimento no Brasil é relativamente baixa quando comparada com outras economias emergentes, e inferior àquela que provavelmente seria necessária para manter crescimento mais próximo de outras economias emergentes. Os números já mencionados sugerem que isso resulta do fato de que o custo de capital praticado na economia brasileira tem se situado há vários anos entre os mais elevados do mundo, superando assim a taxa de retorno de um grande número de projetos de investimento, projetos esses que seriam economicamente viáveis com o custo de capital observado na maioria das outras economias. Outra indicação da insuficiência da oferta de poupança interna resulta da observação de que a recente aceleração do
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crescimento da absorção doméstica em termos de consumo e investimento já tem produzido a necessidade de se contar com a importação de poupança externa. As projeções de mercado sinalizam um aumento do déficit em contas correntes de US$ 24 bilhões em 2009 para U$ 50 bilhões em 2010, e cerca de U$ 60 bilhões em 2011 e 2012 (ou 3% do PIB), para um crescimento médio esperado de 5,5% em 2010, e 4,4% em 2011 e 2012(7). A situação atual das contas externas é confortável, em função da forte redução da dívida externa ocorrida nos últimos anos e do alto nível de reservas. Pode-se até argumentar que a situação da economia brasileira no contexto da economia mundial é hoje muito diferente daquela que no passado conduziu à recorrência de crises do balanço de pagamentos (8) . Entretanto, deve-se admitir que a poupança externa pode ajudar, que o País deve preparar-se para extrair o máximo proveito desse ciclo favorável, mas ninguém questiona a importância de elevar a taxa de poupança interna. O exame de alguns indicadores do comportamento da poupança e do investimento na economia brasileira nas últimas décadas em relação ao PIB revela uma queda da ordem de cinco pontos porcentuais na taxa de investimentos e de quatro pontos porcentuais na taxa interna de poupança, como mostrado na Tabela 1.
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A queda da poupança do setor público nesse período explica esse desempenho, como demonstrado na Tabela 2, de vez que a mesma reduziu-se em quase sete pontos porcentuais do PIB entre a década de 70 e o período de 2000 a 2009. É relevante notar que essa queda da poupança do setor público em relação ao PIB ocorreu num período em que a parcela da renda apropriada pelos três níveis de governo, na forma de carga tributária, elevou-se em quase oito pontos porcentuais do PIB (de 25,4% para 33,1%). Nesse contexto, é interessante verificar o que ocorreu com a relação entre a poupança do setor público e sua receita tributária, ao mesmo tempo em que se pode comparar a poupança do setor privado com o valor remanescente do PIB, abatida a parcela transferida ao governo na forma de impostos, como na Tabela 3. Esses dados permitem dimensionar melhor a deterioração das contas públicas ocorrida a partir da década de 80 sobre a taxa de poupança doméstica. Enquanto na década de 70 o setor público poupava 17,4% dos impostos arrecadados do setor privado, a partir de 1990, em média, seus gastos correntes são maiores que suas receitas tributária, conduzindo a uma taxa de poupança negativa superior a 7%. Ao mesmo tempo, ao se calcular a taxa de poupança do setor privado sobre a parcela do PIB restante após a dedução dos impostos, verifica-se que houve um salto da ordem de oito pontos porcentuais na taxa de poupança assim calculada. É interessante notar ainda que nesse critério de cálculo, a taxa de poupança do setor privado apresenta uma notável estabilidade nas últimas três décadas, com média geral de 27,3% e o maior desvio porcentual em relação a essa média é de menos de um ponto. Levando em conta também que nesse período não foi possível manter a complementação da poupança interna por poupança externa, até pela ausência de condições macroeconômicas consistentes, o resultado final foi a significativa redução da taxa de investimento da economia. Do lado do setor público, o aumento da carga tributária foi ainda insuficiente para cobrir o crescimento das despesas correntes, do que se resultou a poupança negativa, enquanto o investimento, embora em níveis mais reduzi-
dos, passou a integrar o déficit público. Do lado do setor privado, além do impacto direto da elevação da carga tributária, as empresas se defrontaram com elevados custos de capital, do que resultou também a redução de seus investimentos. No Gráfico 2 é possível visualizar a evolução da taxa de investimento em relação ao PIB do setor público (no eixo à direita), e do setor privado (no eixo esquerdo), no período de 1970 a 2009. Não obstante existam dificuldades de mensuração que introduzem limitações à qualidade das estimativas desses indicadores (9), até pela intensidade da inflação ocorrida especialmente a partir da década de 80 e até o Plano Real em 1994, o Gráfico 2 sugere a identificação de alguns subperíodos, cuja delimitação coincide, a grosso modo, com as décadas sob exame. Na década de 70 as taxas médias de investimento do setor público (quase 4%) e do setor privado (cerca de 20%) atingem os maiores valores de todo o período. Nas duas décadas seguintes, dos anos 80 e 90, ambas se reduzem, para um valor médio de 2,3% do setor público e 15,8% do setor privado. Finalmente, após o ano 2000, as taxas de investimento se reduzem ainda mais, para 1,7% do setor público e 14,8% do setor privado. O início de recuperação desses valores, observado a partir de 2007, foi revertido em 2009, com o impacto da crise internacional. A análise da evolução histórica do nível e composição da taxa de poupança doméstica sugere que sua elevação nos próximos anos dependerá principalmente do crescimento da poupança do setor público. A redução da taxa de poupança do setor público, que já é clara quando é calculada em relação ao PIB, fica ainda mais evidente quando a mesma é definida como uma proporção da carga tributária bruta, que se elevou fortemente no período
analisado, entre 1970 e 2009. Por outro lado, numa avaliação que toma por base o conceito da taxa de poupança do setor privado em relação ao valor do PIB líquido da carga tributária, verifica-se que seu valor tem permanecido praticamente constante nas últimas três décadas, em torno de 27%. Ao se examinar em maior detalhe a composição do gasto público, é difícil encontrar razões de otimismo quanto à probabilidade de elevação significativa da poupança do setor público nos próximos anos. Como vários trabalhos têm mostrado, a mudança fundamental se deu com a implementação das mudanças introduzidas na Constituição de 1988, cujo efeito foi a redução da flexibilidade da despesa pública, associada a um Paulo Pampolin/Hype
Uma reforma do regime previdenciário para novos trabalhadores limitaria o crescimento dos gastos nesta área.
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forte aumento das transferências. Na Tabela 4, pode-se observar a evolução da carga tributária e das transferências relativas a assistência social, previdência e subsídios. Cabem algumas observações. No período mais longo, entre 1970 e 2009, verifica-se que quase 80% do aumento da carga tributária bruta (+7,7 p.p.) pode ser atribuída ao aumento das transferências de assistência e previdência social, que aumentaram 5,9 p.p. Observa-se ainda aceleração de crescimento dessas transferências nas últimas três décadas: 1,7 p.p. na década de 80, 2,0 p.p na década de 90 e 2,4 p.p. entre 2000 e 2009. As projeções relativas a gastos previdenciários, que respondem por quase 80% dessas transferências, mostram tendência crescente nos próximos anos, seja pelos critérios de indexação dos benefícios, seja pelo envelhecimento da população. A evolução dessas taxas no período mais recente, entre 2004 e 2008, mostra que essas transferências mantêm a mesma tendência crescente ano após ano; entretanto, identifica-se duas mudanças significativas na direção de aumento de outros gastos correntes: o aumento do coeficiente das transferências representa agora apenas 40% do aumento da carga tributária, en-
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quanto a totalidade da redução do gasto com juros foi alocado para o aumento de outros gastos correntes, fazendo com que o aumento da carga tributária líquida menos juros (+2,9 p.p.) seja praticamente igual ao aumento da carga tributária bruta (+3,0 p.p.). Também no caso de outras despesas correntes, as indicações são as de que a tendência de crescimento seja mantida pelo menos em 2010 e 2011, em função de compromissos já assumidos com o reajuste de servidores públicos, sem contar com a possibilidade de aprovação de novos aumentos, caso sejam aprovados vários projetos em tramitação no Congresso Nacional (10). A composição do gasto público e suas características representam obstáculo considerável à possibilidade de reverter sua tendência de crescimento, fazendo com que uma perspectiva mais realista a médio e longo prazo, se o governo perseguir esse objetivo, será fazer com que seu aumento seja limitado a um porcentual inferior ao crescimento do PIB durante um período suficientemente longo para elevar de modo significativo a taxa de poupança do setor público. Estudos relacionados com os níveis de produtividade dos serviços públicos sugerem que essa meta pode ser atingida sem qualquer prejuízo à quantidade e qualidade dos serviços públicos, mediante a obtenção aumentos de produtividade a partir de elevação da qualidade de gestão. Nesse contexto, dada a magnitude e os fatores subjacentes que promovem a tendência de crescimento dos gastos previdenciários em relação ao PIB, é difícil visualizar uma estratégia bem sucedida nessa direção sem que se promova a implementação de um novo regime previdenciário. Proposta feita nesse sentido (11), de um novo regime previdenciário para novos trabalhadores, abre a possibilidade de limitar o crescimento dos gastos previdenciários, ao mesmo tempo em que se eleva o nível de poupança previdenciária, com respeito aos direitos adquiridos de todos aqueles hoje inseridos no atual sistema. 1.2. Custos de capital ainda elevados Nos últimos anos, o equacionamento da vulnerabilidade externa e a redução do endividamento público em relação ao PIB têm permitido manter a tendência de redução da taxa básica de juros, embora se mantenha ainda em níveis elevados quando comparadas com outros países de classificação de risco semelhante ao Brasil.
O custo de captação mediante a emissão de dívida privada no mercado de capitais tem acompanhado de perto a queda da taxa de títulos públicos. No caso de crédito bancário, a redução mais sensível tem ocorrido na taxa média de empréstimos a pessoas físicas, bastante influenciada pela mudanças de composição em favor de operações de menor risco, como é o caso de crédito consignado e financiamento de aquisição de automóveis. No Gráfico 3 é apresentada uma comparação entre o custo médio de debêntures estimada a partir de dados do mercado secundário (12) e a taxa de empréstimo divulgada pelo Banco Central para empréstimos para pessoas jurídicas destinados à aquisição de bens (13), que é a modalidade com menor custo financeiro, no período de 2004 a 2009. Para fins de comparação, são mostradas também as taxas do swap de DIxpré de 720 dias. Pode-se observar que todas as taxas apresentam tendência declinante, sendo que a taxa média das debêntures acompanhada de perto as taxas do swap de 720 dias. Deve-se reconhecer, entretanto que para uma expectativa de inflação da ordem de 4,5% a.a., os custos de capital dessas operações em termos reais ainda são elevados. No caso de crédito bancário para empresas, note-se que a taxa média ainda se situava acima dos 25% a.a. em fins de 2009. Não é objeto deste trabalho aprofundar a análise do spread bancário. É suficiente registrar que vários estudos têm demonstrado que sua dimensão, além de apresentar alta correlação com a taxa básica de juros (14) está menos relacionada com o grau de concentração bancária e resulta principalmente do elevado nível de depósitos compulsórios, carga tributária, inadimplência elevada e direcionamento de aplicações. Além disso, a ausência de um cadastro positivo, além de elevar custos e dificultar a redução do risco de crédito, mantêm elevados os custos de deslocamento dos clientes entre os bancos, de certo modo moderan-
do os efeitos da competição. Tudo indica que, além da redução da taxa básica de juros, a atuação sobre os citados componentes de custo e a criação do cadastro positivo podem reduzir significativamente o spread e o custo do crédito bancário. 2. Desenvolvimento do Sistema Financeiro, Mercado de Capitais e crescimento econômico 2.1. A experiência internacional A experiência internacional tem demonstrado que mesmo em situação de igualdade em relação a outros fatores relevantes, países que dispõem de sistemas financeiros mais desenvolvidos conseguem apresentar maiores taxas de crescimento. Embora o reconhecimento da importância do sistema financeiro para o desenvolvimento econômico seja muito antigo, especialmente a partir da década de 80 surgiram dezenas de estudos que dão sustentação (15) empírica à existência de uma relação causal no sentido de que um sistema financeiro desenvolvido pode alavancar crescimento econômico. Sistemas financeiros eficientes e adequadamente regulados melhoram a qualidade das informações, reduzem custos de transação, promovem a mobilização de poupanças individuais e a melhor alocação de recursos, além de apoiar iniciativas de inovação tecnológica, do que resulta aumento da produtividade dos investimentos e aceleração do crescimento econômico. De um lado, a institucionalização da poupança, com o aumento de importância de fundos de pensão, planos de previdência abertos e fundos de investimento, tem contribuído para a mobilização de poupanças individuais, a profissionalização da gestão de recursos a democratização do capital e do acesso de um grande número de pequenos investidores a
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duziu a adoção de excessos de alavancagem e aceitação de riscos por parte dos agentes de mercado, incentivado por sistemas de remuneração atrelados exclusivamente a lucros de curto prazo sem adequada provisão para riscos. Quando a acumulação de desequilíbrios e excesso de valorização de ativos ficou evidenciada, instalou-se a crise de confiança e a busca desesperada de liquidez, semelhante a uma corrida bancária tradicional, mas desta vez com seu impacto difuso em todos os mercados de ativos financeiros, cuja importância aumentou fortemente com os avanços da securitização de recebíveis. Existe hoje considerável grau de consenso de que a lição a extrair dessa crise não é no sentido de abrir mão das modernas ferramentas criadas para mobilizar e alocar recursos de poupança e administrar riscos, que caracterizam um mercado de capitais eficaz. Na verdade, existe o reconhecimento de que parcela considerável da contribuição do desenvolvimento do sistema financeiro para o excepcional crescimento da economia mundial nos anos anteriores à crise. A questão é cuidar para que o uso desses novos instrumentos financeiros seja adequadamente regulado, os sistemas de remuneração e de governança assegurem transparência e um conjunto de incentivos ao comportamento responsável dos agentes, não mais baseados nos lucros de curto prazo, mas assegurada adequada provisão para cobertura de riscos. Por outro lado, tem sido reforçada a posição de que a política monetária não pode concentrar-se exclusivamente no mercado de bens e serviços e ignorar o que ocorre nos mercados de ativos, apesar da dificuldade prática de identificação de bolhas nesses mercados. 2.2. O desenvolvimento do sistema financeiro nacional e a emergência do mercado de capitais
grandes projetos de investimento. Do outro lado, novos instrumentos e veículos do mercado de capitais (por exemplo, "seed money", "venture capital" e "private equity"), têm permitido o financiamento de ideias e de novos empreendimentos, além do crescimento de empresas individuais, promovendo aceleração do progresso tecnológico e à multiplicação de oportunidades. Avanços dos padrões de governança por sua vez reduzem a assimetria de informações e reforçam a cobrança de resultados das empresas. A recente crise financeira não contradiz esses resultados. Trata-se do resultado da adoção da hipótese de que a adoção de um sistema de regulação prudencial mais restritiva seria dispensável, dada a capacidade de autorregulação dos mercados. Esse posicionamento coincidiu com a manutenção de taxas de muito baixas durante um período relativamente longo, que in-
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Durante muitos anos o sistema financeiro nacional teve seu desenvolvimento inibido e sua funcionalidade comprometida pela instabilidade macroeconômica, insegurança jurídica e deficiências institucionais. Nesse contexto, o mercado de capitais não se desenvolveu, o sistema bancário buscava sobreviver com operações de tesouraria, visando ganhos inflacionários ou a segurança e a rentabilidade dos títulos públicos, em detrimento das operações de crédito. A única fonte de recursos para financiamento e investimentos era proveniente de bancos estatais, com base em recursos de fundos de poupança compulsória e transferências de recursos orçamentários, além da captação de recursos externos, nos raros períodos em que esse acesso era viável. Com a consolidação do processo de estabilização macroeconômica, iniciado em 1994, o sistema bancário começa a recuperar sua funcionalidade, ao mesmo tempo em que os avanços regulatórios implementados a partir de 2002 criam as condições para a expansão do crédito bancário e um crescimento sem precedentes do mercado de capitais, interrompido em fins de 2008 em função da crise internacional. A relação entre ativos financeiros totais e o PIB é um indicador frequentemente utilizado para medir o desenvolvimento do sistema financeiro. Em trabalho produzido pelo CEMEC, verificase significativo crescimento desse indicador, especialmente a
partir de 2005 (16). Esse crescimento é mostrado pelo Gráfico 4. Do lado da mobilização de poupança, verifica-se que os instrumentos e veículos do mercado de capitais respondem pela maior parcela do crescimento do estoque de ativos financeiros. Como se observa no Gráfico 5, os ativos adquiridos diretamente no mercado (ações, títulos de dívida) ou mediante contribuições ou aquisição de quotas de instituições que constituem veículos do mercado de capitais (fundos de pensão, previdência aberta, fundos de investimento e companhias de seguros) respondem por 91% do aumento de ativos entre 2000 e 2008. Note-se que embora esses números sejam muito influenciados pela valorização das ações, mesmo excluindo a capitalização de mercado, o coeficiente dos demais ativos do mercado de capitais em relação ao PIB elevou-se em 29,8 pontos porcentuais (de 64,5% para 94,5% do PIB). Nesse mesmo período, os ativos mais tradicionais, na forma de depósitos bancários, títulos públicos e fundos de poupança compulsória se elevaram em apenas 6,3 pontos porcentuais (de 36,4 % para 42,7% do PIB) É relevante notar que o avanço do mercado de capitais na mobilização de poupança foi liderado pelos investidores não financeiros, pessoas físicas e jurídicas, e investidores estrangeiros, enquanto os investidores institucionais ainda concentraram sua carteira preferencialmente em títulos públicos e operações compromissadas. Na Tabela 5, observa-se que em
dezembro de 2009 mais de 80% dos ativos de mercado de capitais, na forma de ações e títulos de dívida corporativa, se concentravam nas mãos de investidores nacionais não financeiros e investidores estrangeiros, enquanto que quase 90% dos títulos de dívida pública estavam na carteira dos investidores institucionais. Mais recentemente, verifica-se uma tendência ao aumento de participação dos investidores institucionais no mercado de capitais, como resultado da redução das taxas de remuneração dos títulos públicos e a busca de maior nível de rentabilidade via diversificação de carteiras.
Tânia Rego/Luz
Parcela considerável dos recursos captados no mercado de capitais na forma de capital de dívida se refere a operações de prazo médio e até longo, como é o caso das debêntures, ou mesmo na forma de ações.
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Do lado da mobilização de recursos, o País tem assistido a uma verdadeira revolução dos hábitos de poupança da população, caracterizada pela forte difusão da destinação da poupança privada para ações, quotas de fundos de investimento, planos de previdência aberta e fechada (fundos de pensão) e companhias de seguro. Ao mesmo tempo, os avanços da regulação e a consolidação da segurança jurídica do mercado de capitais brasileiro tem assegurado forte participação dos investidores estrangeiros. A obtenção do "investment grade" certamente permitiu a inclusão de ativos adquiridos no mercado de
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capitais brasileiro entre as alternativas de investimento de grandes investidores institucionais e fundos soberanos, que usualmente demandam essa qualificação para poder investir. Do outro lado, com a queda da taxa de juros, ampliou-se de modo considerável o acesso das empresas brasileiras ao crédito bancário e às operações de dívida no mercado de capitais. O crescimento da importância do mercado de capitais no fornecimento de recursos para financiar o setor produtivo tem sido muito rápido. Além do grande aumento da captação de recursos pela colocação de ações, os números rela-
tivos à composição do exigível financeiro das empresas brano mercado de capitais chegaram a ultrapassar o nível de sileiras, aí incluídas as de capital aberto e capital fechado, re30% da formação bruta de capital fixo. vela que a partir de 2006 o saldo de operações de dívida no O impacto da crise sobre a oferta de recursos do mercado de mercado de capitais tem superado o saldo de operações de capitais e dos bancos privados foi bastante significativo, mocrédito com o BNDES, tradicionalmente o maior fornecedor mento em que a atuação dos bancos públicos durante a crise (18) teve o mérito de limitar seu impacto sobre o financiamento do de recursos para o financiamento de investimento. setor privado e o nível de atividade. Verifica-se que a particiNo Gráfico 6, pode-se verificar que em 2009, quando o pação do saldo de operações com o BNDES no exigível finanexigível financeiro das empresas atingiu 38,3% do PIB, o salceiro das empresas elevou-se de 17,5% em dezembro de 2007 do de títulos colocados no mercado de capitais representou para 19,6% em dezembro de 2009. 9,7% do PIB (ou 25% do exigível), contra 6,3% do BNDES (ou Tomando-se a evolução dos saldos de crédito bancário, a 16% do exigível). comparação de desempenho entre bancos públicos e privaNesse mesmo gráfico, fica evidenciado que a partir de dos, verifica-se que no período mais longo, de 2000 a 2009, a 2005/2006 houve forte crescimento do volume de empréstiexpansão do crédito dos bancos privados foi maior, como se mos e financiamentos tomados pelas empresas brasileiras, verifica no Gráfico 8. concentrado exclusivamente em operações feitas no mercado Entretanto, esse comportamento é revertidoméstico, de vez que a parcela captada no do no período da crise, quando a expansão do mercado internacional permaneceu praticacrédito dos bancos públicos tem efeito commente constante (17). Há indicações de Parcela considerável dos recursos captapensatório à retração da oferta de recursos que a taxa de poupança dos no mercado de capitais na forma de capipor parte dos bancos privados. No Gráfico tal de dívida se refere a operações de prazo 9, pode-se visualizar a evolução das taxas de interna tem constituído médio e até longo, como é o caso das debêncrescimento em períodos de quatro trimeso limite mais restritivo tures, ou mesmo na forma de ações. Desse tres móveis, desde o quarto trimestre de 2005 ao crescimento da modo, é razoável usar a relação desses valoaté o quarto trimestre de 2009. economia brasileira. res com a formação bruta de capital fixo como Em síntese, nesta seção foi ressaltada a amOs dados sugerem que indicador de sua relevância no financiamenpla evidência internacional de que em igualto de investimentos. No Gráfico 7 esse indidade de condições, países que dispõem de sisa redução da taxa de cador foi calculado para períodos de quatro temas financeiros mais desenvolvidos e mais poupança interna trimestres móveis, desde dezembro de 2001 a eficientes apresentam taxas de crescimento tem origem na queda dezembro de 2009. Verifica-se que a partir de mais elevadas. Verificou-se também que parda taxa de poupança do 2006, e até o impacto da crise de 2008, o valor cela considerável da aceleração de crescimensetor público. das emissões primárias de dívida e de ações to observada nos últimos anos resulta da am-
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pliação da oferta de recursos de origem doméstica para o financiamento do setor privado, via crédito bancário e mercado de capitais, num movimento também influenciado pela redução da carga da dívida pública e da taxa de juros. Destacou-se, ainda, que nas atuais circunstâncias da economia brasileira, além de ações voltadas para a redução dos spreads bancários, o desenvolvimento recente do mercado de capitais mostra que o mesmo pode desempenhar papel importante na mobilização e aumento da poupança privada e na redução dos custos de capital para o financiamento do setor produtivo. Por exemplo, verifica-se que já a partir de 2006 e até 2008 os recursos captados no mercado de capitais brasileiro superam o saldo de recursos captados junto ao BNDES e ao mercado internacional. 3. Observações finais e algumas propostas A partir da análise realizada neste trabalho, é possível enfatizar algumas conclusões e formular algumas propostas que com outras podem compor um conjunto de medidas voltadas para atingir o objetivo de elevar a taxa de crescimento sustentável da economia brasileira. 3.1. Aumentar a taxa de poupança setor público Existem indicações de que a taxa de poupança interna tem constituído nos últimos anos o limite mais restritivo ao crescimento da economia brasileira. Os dados sugerem que a redução da taxa de poupança interna tem origem na queda da taxa de poupança do setor público. Embora o setor público tenha aumentado significativamente sua participação na renda, via aumento da carga tributária, destinou parcela ainda maior de recursos na ampliação de despesas correntes, passando da
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posição de poupador líquido de recursos nas décadas de 70 e 80, para a geração de poupança negativa nas últimas duas décadas. Quando a taxa a poupança do setor privado é comparada com o PIB líquido da carga tributária, ou seja, com aquela parcela que permanece de posse do setor privado, verifica-se que nas últimas três décadas sua taxa de poupança tem permanecido estável, em torno de 27%, nível ainda superior do observado na década de 70. A implicação da queda da poupança pública sobre o nível de investimentos é óbvia. Além da redução de recursos disponíveis para a realização de investimentos públicos, a deficiência de poupança pública conduz à necessidade de manter juros elevados para rolagem da dívida pública, elevando os custos de capital e inibindo também os investimentos privados. Desse modo, o esforço de elevação dos níveis de poupança interna deve concentrar seus esforços na geração de poupança do setor público. O exame da composição dos gastos públicos revelou que é difícil ser otimista quanto à possibilidade de reversão do quadro no curto prazo, dada a grande e crescente participação com transferências, especialmente aquelas com origem na previdência social. Estas últimas devem manter tendência de aumento no atual sistema, em função do envelhecimento da população e aumento da participação feminina no mercado de trabalho. Outro componente relevante nos últimos anos tem sido a parcela destinada à cobertura do pagamento de juros da dívida pública. Entretanto, verifica-se que a margem resultante de sua redução não foi utilizada para ampliar a poupança, mas tem sido destinada a financiar crescimento adicional de gastos correntes, cujo crescimento nos próximos dois anos está provavelmente assegurado por pelo aumento projetado de despesas recorrentes. Nesse contexto, um programa realista de geração e ampliação da poupança do setor público deve ter um horizonte de médio e longo prazo, mediante a limitação de aumento das despe-
sas correntes em ritmo inferior ao crescimento do PIB. Para tanto, parece indispensável promover a implementação de um novo modelo previdenciário, por exemplo, nas linhas sugeridas em recente proposta formulada no âmbito do Plano Diretor do Mercado de Capitais e já encaminhada ao Governo Federal. Referida proposta preserva os direitos adquiridos de todos os que se inserem hoje no sistema previdenciário existente e sugere a criação de um novo modelo previdenciário dirigido aos trabalhadores do setor público e privado que vierem a ingressar no mercado de trabalho a partir de sua adoção. Além da manutenção do sistema de repartição para os trabalhadores de menor nível de renda e de assegurar cobertura universal de aposentadoria por idade, a proposta prevê a adoção do regime de capitalização compulsório para uma faixa de renda média e planos voluntários acima de um certo nível. Trata-se de proposta cujos resultados a médio e longo prazo atingem objetivos de evitar a insolvência do modelo atual, reduzir a carga de despesas pública e, ainda mais importante, incentivar o crescimento da poupança previdenciária. Deve-se registrar que as tendências já observadas, de crescimento dos planos de previdência aberta e fechada seriam reforçadas, ampliando assim o volume de poupança previdenciária, que por sua natureza destina-se principalmente a projeto de longo prazo e investimentos, além de promover a democratização de acesso ao capital.
3.2. O Papel do Mercado de Capitais No exame do desempenho recente do sistema financeiro nacional, verificou-se que nos últimos anos foi possível promover a recuperação de sua funcionalidade, com forte expansão do crédito bancário. O desenvolvimento do mercado de capitais, viabilizado também pela redução da taxa de juros e os grandes avanços de natureza institucional e regulatória, fez com que os instrumentos e veículos desse mercado tenham participação dominante na mobilização da poupança financeira, e desde 2006 forneçam recursos de empréstimos e financiamentos para as empresas brasileiras em valor maior que o próprio BNDES. Verificou-se que esse crescimento resulta essencialmente da mobilização de poupança de investidores domésticos não financeiros, pessoas físicas e jurídicas, e investidores estrangeiros. Os investidores institucionais têm concentrado seus recursos em títulos públicos, tendo iniciado a diversificação de suas carteiras recentemente, em função da queda da taxa de juros. Existem razões para acreditar que o mercado de capitais pode ter papel fundamental no esforço de elevação da taxa de crescimento sustentável da economia brasileira, pelo menos em função de sua funcionalidade na absorção de poupança externa e como instrumento de atuação do BNDES. Antonio Galdério/Folha Imagem
Com a entrada de investimentos estrangeiros, será possível crescer além dos limites impostos pela poupança doméstica.
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3.3. O financiamento do déficit externo em conta corrente e o papel do mercado de capitais
Existem razões para acreditar que o mercado de capitais pode ter papel fundamental no esforço de elevação da taxa de crescimento sustentável da economia brasileira (...)
A evolução recente do saldo em contas correntes do balanço de pagamentos e todas as projeções de mercado demonstram que, pelo menos nos próximos anos, a sustentação de taxas de crescimento esperadas, da ordem de 4,4% a.a. (19) está condicionada à utilização da poupança externa, cuja magnitude seria ainda maior para atingir crescimento de 5,5% a.a. anunciado pelo governo. Depois de um longo período de melhoria dos fundamentos macroeconômicos, reconhecidos pela comunidade internacional pela atribuição do "investment grade" por parte das maiores agências de "rating", a economia brasileira se posiciona hoje, ao lado de um pequeno número de economias emergentes, como destinação preferencial para os investidores internacionais. Desse modo, parece razoável admitir que durante algum tempo (20) será possível crescer além dos limites impostos pela poupança doméstica, na medida em o financiamento do déficit seja feito principalmente pela entrada de investimentos direto estrangeiro e pela captação de recursos por empresas nacionais, igualmente destinados ao financiamento de seus investimentos (21). Na medida em que sejam preservadas e aperfeiçoadas as condições favoráveis para a participação dos investidores estrangeiros no mercado de capitais, a captação de recursos de investidores externos por parte das empresas brasileiras poderá ser feita em reais, no mercado doméstico, ao invés da colocação de seus títulos de dívida e ações em moeda estrangeira, no mercado internacional. Nesse contexto, o mercado de capitais cumprirá papel fundamental, evitando o principal fator de risco, re s u l t a n t e d o d e s c a s amento de moeda, como ficou evidenciado na recente crise internacional naqueles países que se endividaram em moeda estrangeira. Além disso, o direcionamento desses recursos para complementar o financiamento de investimentos em infraestrutura pode representar uma oportunidade para reforçar mais rapidamente a competitividade internacional da economia brasileira. Nessa mesma direção, são as propostas contidas no Projeto Brain (22), criado em março
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de 2010 por três entidades privadas, a saber ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), BM&FBOVESPA (Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros) e Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Essa associação tem a missão de articular e catalisar a consolidação do Brasil como um polo internacional de investimentos e negócios, com foco regional na América Latina, mas com projeção e conexões globais. 3.4. O Mercado de Capitais e a atuação do BNDES
Na recente crise mundial, ficou evidenciada mais uma vez a importância da existência de um sistema financeiro diversificado, constituído de bancos privados, bancos públicos e mercado de capitais. A atuação dos bancos públicos nesse período foi da maior importância para evitar que a crise dos derivativos se propagasse pelo sistema, ao mesmo tempo em que o forte crescimento de sua oferta de crédito serviu de compensação às restrições implementadas pelos bancos privados e à inibição das operações de mercado de capitais. Além disso, o BNDES tem caracterizado sua atuação com participação significativa de capital e financiamentos em apoio à internacionalização de grandes grupos de empresas nacionais. Independentemente da avaliação que se faça dessa estratégia, é relevante notar que essa atuação tem estado na dependência direta do suprimento de recursos por parte do Tesouro, até porque os recursos do FAT têm magnitude pequena face às dimensões atingidas pelo banco, e exigem a colocação adicional de dívida pública com implicações também sobre taxas de juros. Dada a reconhecida capacidade do BNDES na avaliação de projetos, tudo indica que parcela majoritária dos recursos necessários à sua atuação pode ser captada no mercado de capitais, mediante a colocação de ações e títulos de dívida das empresas que viessem a ter seus projetos aprovados. Por exemplo, o programa de internacionalização de empresas brasileiras, todas elas com escala e condições de acessar o mercado, poderá ser implementado com recursos captados no mercado de capitais, bastando para isso a chancela representada por uma participação minoritária do BNDES ou da BNDESPAR.
Notas (1) Projeção divulgada pelo Ministro da Fazenda por ocasião do lançamento do PAC-II, em 29/03/2010 . Jornal Valor Econômico: www.valoronline.com.br. (2) Na pesquisa FOCUS do Banco Central, a expectativa é a de que o fluxo de investimento direto estrangeiro financie em torno de 70% do déficit em conta corrente projetado para o período de 2010 a 2012; dado o elevado nível de reservas e as expectativas favoráveis para a economia brasileira nos próximos anos, o financiamento da parcela restante (US$ 12 bilhões em 2010 e cerca de US$ 20 bilhões em 2011 e 2012), não indica maiores dificuldades. (3) Hausmann, Ricardo (2009). Um diagnóstico do crescimento econômico brasileiro. CLP Papers - Center for International Development , nº.1, julho. Harvard University. (4) Embora todos possam concordar com a idéia de que o crescimento tenha limites definidos pela taxa de crescimento dos fatores de produção e pelo aumento de produtividade total dos fatores, deve-se admitir que sua mensuração enfrenta várias dificuldades práticas, até porque, pelo menos no curto prazo, a própria definição de capacidade ociosa está condicionada a uma particular estrutura de demanda . (5) V. por exemplo, Bacha, Edmar (2008) - Por que o juro é tão alto e o crescimento tão baixo? Notas para um colóquio no CBPF, www.iepe/cdg. (6) A qual, por sua vez, já tem representado uma limitação ao crescimento e será agravada pelas demandas para atender aos projetos ligados a eventos e internacionais, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. (7) Fonte: Pesquisa FOCUS - Banco Central de 26/03/2010; Bradesco- Compilação Sistemática das Projeções de Mercado . (8) É interessante examinar a experiência da Austrália, que tem convivido com déficits em conta corrente da ordem de 4% do PIB nos últimos 15 anos.e não teve maiores problemas na recente crise internacional. V. Analise Semanal - Consultoria Tendências - de 29/03 a 02/04/2010 e também Conjuntura Econômica, fev 2010, n. 64 - Carta do IBRE. (9) Essas limitações estão implícitas nos procedimentos adotados para chegar a essas estimativas, conforme menção nas fontes das tabelas apresentadas (10) Dados do Ministério do Planejamento (O Estado de São Paulo, 09/02/2010, pg. B5) mostram que o gasto com pessoal do Governo Federal se elevou entre 2004 e 2010 de 4,4% para 5,1% do PIB; mencionando-se também vários projetos de reajustes em trâmite no Congresso Nacional. (11) V. proposta encaminhada pelo Comitê Executivo do Plano Diretor do Mercado de Capitais: Um novo modelo previdenciário para os novos trabalhadores, 2009. (12) Estimativas preliminares elaboradas pelo CEMEC. (13) Dentre as operações de recursos livres para os quais existem dados divulgados pelo Banco Central, trata-se das operações de maior prazo de vencimento, mais próximo do
prazo médio de debêntures. (14) V. Hausmann (2009) já citado. (15) Por exemplo Levine, R. (1997). Financial Development and Economic Growth: Views and Agenda. Journal of Economic Literature, vol. XXXV (Junho, 1997), pp. 688-726; e Jeong, Hyeok e Townsend, Robert M.(2007), Sources of Total Factor Productivity Growth: Occupational choice and Financial Deepening. Economic Theory, vol. 32(1), pp. 179-221, Julho. (16) CEMEC do IBMEC: Relatório 01 - Participação do mercado de capitais na mobilização de poupança e no financiamento da economia brasileira - 2000-2008. www.ibmec.org.br (17) Note se que a participação porcentual das operações de dívida externa foi calculada com base em seu contra valor em reais; dessa forma, o aumento do porcentual atribuído ao mercado internacional entre 2007 e 2008 resulta essencialmente da elevação da taxa de câmbio entre os dois períodos, movimento esse revertido em 2009. (18) O papel dos bancos públicos durante a crise foi examinado com maior detalhe no Relatório CEMEC 03 - Financiamento da Economia Brasileira, Impacto da Crise Internacional. www.ibmec.org.br (19) Expectativa do mercado segundo a pesquisa FOCUS do Banco Central de 26/03/2010. (20) Em relação a esse ponto é interessante lembrar a experiência da Austrália, que tem utilizado poupança externa com déficit em contas correntes nas ultimas décadas, tendo apresentado desempenho modo positivo mesmo na recente crise internacional, sem crises de balanço de pagamentos. V. por exemplo Revista Conjuntura Econômica, FGV, março 2010. (21) Deve-se lembrar que a realização desses investimentos nas áreas de maior potencial, relacionadas com infraestrutura e os projetos do pré-sal devem reforçar de modo considerável a competitividade e as exportações futuras, mitigando assim os riscos futuros. (22) V. www.brainbrasil.org. Paulo Pampolin/Hype
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Os Impactos Subversivos da Questão Ambiental "Desenvolvimento é a construção de uma civilização do ser na repartição equânime do ter". (Padre Lebret)(1)
Danilo Ramos/e-Sim
Gustavo Krause Graduado em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito do Recife. Exerceu vários cargos públicos, entre eles os de Secretário da Fazenda do Estado de Pernambuco, vice-governador e governador do mesmo Estado. Foi vereador e prefeito da cidade do Recife, deputado federal e ministro da Fazenda. Exerceu também o magistério e atualmente trabalha como consultor.
Rogério Cassimiro/Folha Imagem
Se de um lado a economia gerou uma afluência nunca vista na história da humanidade, de outro, a política não conseguiu impedir a devastação ambiental nem distribuir equitativamente os benefícios do progresso.
Resumo O artigo está dividido em cinco seções. A primeira dá ênfase ao passivo ambiental gerado pelo modelo industrialista, que consagra a ideia de crescimento a qualquer custo; menciona a agonia dos recursos naturais; registra o impacto do fenômeno no plano das ideias e a incorporação do tema na agenda internacional. A segunda seção situa a questão ambiental como uma consciência crítica e um propósito estratégico de civilização e, ao reforçar a persistência das velhas ideias, identifica nas reflexões da economia ecológica e no ativismo da ecologia política novas possibilidades para uma saída da atual encruzilhada histórica. A terceira seção explora a dinâmica da ecopolítica e seus efeitos no campo das tomadas de decisão que contemplem padrões sustentáveis de políticas e gestão ambiental. A quarta defende a dimensão ambiental como elemento estratégico de um projeto nacional a partir da efetivação de alguns pressupostos, tais como a formação de uma cultura de sustentabilidade, a capacidade de responder a desafios multidisciplinares na formulação de políticas econômicas que ultrapassem os parâmetros da economia neoclássica e forneçam ao gestor ambiental, politicamente fortalecido, mecanismos capazes de viabilizar uma sociedade sustentável. A seção final apresenta várias sugestões que permitiriam significativos avanços no marco institucional da gestão ambiental, ao lado de outras ações voltadas para questões ambientais. Em particular, propõe-se a retomada de vários projetos de lei que trariam avanços desse tipo – que há anos tramitam no Congresso Nacional –, voltados para: (a) o exercício do "federalismo ambiental", corrigindo a superposição de burocracias e contribuindo para alcançar objetivo mais remoto, que é aperfeiçoar o pacto federativo; (b) a atualização do Código Florestal visando, entre outros objetivos, dirimir vários pontos de conflitos entre ambientalistas e ruralistas; (c) novas regras de licenciamento ambiental e regulamentação de dispositivo constitucional que tem sido foco de conflitos com o setor privado e com o próprio governo; e (d) a criação do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.
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Quanto a outras ações, propõe-se: (a) acelerar a implementação da gestão hídrica, cuja lei completou 13 anos; (b) conceber um projeto de desenvolvimento da Amazônia, considerando suas forças endógenas, características socioambientais e o valor dos serviços ecológicos que a região pode prestar ao Brasil e à humanidade; (c) introduzir conceitos e mecanismos desenvolvidos pela Economia Ambiental, escola de importância crescente, a partir de uma instância política interministerial, de modo que decisões de governo possam contribuir efetivamente para a realização de um projeto de sociedade sustentável; e (d) entre esses mecanismos está o das compensações ambientais, por meio do qual danos podem ser compensados de forma no mínimo equivalente ao que foi danificado. sa
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AFP
1. A Natureza Escassa
A
questão ambiental é um tema recente (2). Passou a ocupar, com destaque, a agenda contemporânea há, apenas, cinco décadas. Todavia, seu impacto sobre a humanidade tem sido espetacular em todas as dimensões. Virou o mundo de ponta-cabeça. Tornou-se lugarcomum afirmar que o impacto da questão ambiental é tão profundo que vem mudando os paradigmas sobre os quais se assenta a nossa civilização. Neste sentido, cabe ressaltar a afirmação do filósofo francês Michel Serres ao tratar do fenômeno ambiental: "O que está em risco é a Terra em sua totalidade, e os homens em seu conjunto. A história global entra na natureza, a natureza global entra na história: isto é inédito na filosofia" (3). De fato, uma observação serena sobre a relação entre o homem e a natureza, a biosfera e a tecnoesfera (natura e cultura), padrões da civilização industrial e o meio ambiente, leva a duas lições. A primeira lição: pouco mais de duzentos anos foram suficientes para demonstrar que a ideia de progresso da civilização industrial estava erguida sobre duas falácias: (a) que o crescimento econômico é sempre um bem; (b) que os recursos n a t u-
rais, abundantes e inesgotáveis, atenderiam não somente as necessidades, como também, a cobiça dos homens. Se de um lado a economia gerou uma afluência nunca vista na história da humanidade, de outro, a política não conseguiu impedir a devastação ambiental e nem distribuir equitativamente os benefícios do progresso. Emergem, pois, como contraponto à riqueza produzida, dois enormes passivos, o ambiental, revelado pela agonia dos recursos naturais, e o social, expresso pelos agudos indicadores de desigualdade de renda entre regiões e pessoas. A segunda lição: a natureza tornou-se ameaçadoramente escassa. Com efeito, esta ameaça à sobrevivência da humanidade constitui, também, impensável singularidade na combinação dos fatores de produção: dos quatro capitais que põem em funcionamento o processo produtivo, três – o financeiro, o tecnológico e o humano – por definição, escassos, tornaram-se mais abundantes e foram tratados como fluxos; o "capital natural", por definição abundante, mostrou-se escasso e foi tratado como um estoque sem o cuidado mínimo da reposição, a ponto de comprometer o futuro das próximas gerações. Do primeiro alerta do Clube de Roma em "Os limites do crescimento, 1972", (em que se propunha o crescimento zero para salvar o meio ambiente) à publicação do relatório do Painel Governamental das Mudanças Climáticas e as Verdades Inconvenientes, de autoria de Al Gore, agraciados com o Nobel da Paz, antevendo a catástrofe global, o que se avançou não foi suficiente para assegurar um futuro auspicioso às novas gerações. (4) No entanto, o tema tornou-se emblematicamente global e definitivamente incorporado à agenda internacional. (5) A partir de então, o debate tomou fôlego, assumiu múltiplas dimensões e variados matizes políticos e ideológicos. (6) Sob a perspectiva contemporânea, é legítimo indagar: o debate é econômico? sociológico? filosófico? científico? político? ético? O debate abarca todas estas dimensões. Seu ponto de partida remonta reflexões sobre a relação homem/natureza, que vêm de longe e permanecem atuais. Hoje, é procedente afirmar que existe, para além da ecologia e do ecologismo, uma ecossocioeconomia, uma ecosofia, uma ecopolítica, uma ecoética. (7) O importante, considerando a amplitude e a diversidade do pensamento ecológico, é buscar convergências mesmo quando elas parecem impossíveis do ponto de vista teórico, isto porque, do ponto de vista prático, o que está em jogo é o futuro comum da humanidade. De outra parte, é fundamental perceber o desdobramento político da ciência ecológica a partir dos movimentos ambientalistas e da importância que o tema assumiu na agenda internacional. Não são poucas as etiquetas que distinguem e separam as vertentes do pensamento ambientalista, como é o caso, por exemplo, do preservacionismo e do conservacionismo e que, de fato, divergem em conteúdo quando o primeiro confere valor instrumental à natureza e o segundo, valor intrínseco (8). Todavia, estas vertentes se situam no espaço da ética ambiental, ou seja, no campo do dever ser, do comportamento humano em relação ao meio ambiente, e preconizam, ainda que em graus diferenciados, a proteção da natureza (9).
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Como se pode observar, a raiz do debate está no tipo da relação homem/natureza. (10) Para uma expressiva tendência, a mudança de rumo da sociedade industrial de modo a assegurar um planeta ecologicamente equilibrado estaria na incorporação dos custos acarretados pelo uso dos recursos naturais aos indicadores convencionais que medem o desempenho da economia e o ideal de progresso, custos estes considerados meras externalidades pela racionalidade econômica predominante. Em outras palavras, a retórica da sustentabilidade, tão a gosto das promessas políticas, para produzir efeitos concretos resultaria na adoção de políticas públicas que, efetivamente, valorizassem a variável ambiental, punindo a sua degradação e incentivando a prática de processos produtivos capazes de respeitar a integridade dos recursos naturais. Não é exatamente assim que pensam os adeptos da "ecologia radical" (Ivan Illich) e da "ecologia profunda" (Arne Naess). Para eles, o modelo industrial, ainda que bem comportado em relação aos recursos naturais, continuará criando o problema da escassez (11). 2. O Persistente Desafio: Abandonar as Velhas Ideias e Adotar as Novas Há quem afirme, com razão, que é mais difícil abandonar velhas ideias do que adotar novas. É o que atesta a experiência histórica povoada de hereges sacrificados e transformados em gênios ou santos póstumos. Na verdade, o século 21 continua governado, em grande parte, pelos fantasmas ideológicos do século 19 e, em paralelo, pela retórica política do desenvolvimento sustentável, inaugurada no século 20, sem a correspondente efetividade dos mecanismos das políticas públicas, em especial, das políticas econômicas, que continuam privilegiando a insustentabilidade. A meu juízo, a precisa definição para os impactos ambientais sobre a humanidade foi dada por Enrique Leff ao afirmar: "El saber ambiental emerge así como una conciencia crítica y avanza
como un propósito estratégico, transformando los conceptos y métodos de una constelación de disciplinas, y constituyendo nuevos instrumentos para implementar proyecto y programas de gestión ambiental" (12), ou seja, a questão ambiental nos impõe combinar um olhar crítico sobre a encruzilhada histórica em que nos encontramos com uma visão estratégica capaz de articular um projeto de civilização sustentável para o futuro (13). Neste sentido, a articulação do projeto não dispensa o amplo ativismo – a ecopolítica – associada a uma resposta concreta aos desafios econômicos – a economia ecológica (14). Com efeito, esta construção é um projeto de grande complexidade. Sugere, antes de tudo, que a ecopolítica envolva não apenas "ecologistas"; seja ampla, larga, includente e não considere adversários aqueles que divirjam em tonalidades. Trata-se de um projeto de civilização e não um projeto restrito a determinada doutrina ou pensamento político. É um projeto em movimento; não está pronto e acabado, a exemplo do que propõem as bíblias do pensamento político convencional; não se limita a convicções absorvidas de fora para dentro, mas de dentro para fora das pessoas a partir do "verdejar do ser", na expressão poética de Petra Kelly. Com efeito, esta "revolução interior" é o primeiro passo para mudar o rumo das coisas: o segundo é a compreensão de que a sociedade industrial é energívora, voraz e perdulária. Para perceber a gula do industrialismo, basta atentar para a produção de qualquer bem industrializado: todo ele, ao longo do seu percurso, carrega pesada "mochila ecológica" e deixa, por onde passa, enorme "pegada ecológica". É fundamental, pois, atentar para o fato de que não está em jogo a integridade da natureza e do cosmos e, sim, a vida humana. A natureza rebrotará em ciclos, eras e sobreviverá à espécie humana, não sem antes fazer com os seres humanos o que o ritual taoísta faz com os cachorros de palha (15). Diante da magnitude do desafio, o terceiro passo é a ação consciente, individual e coletivamente, na tessitura de relações de poder, compromissos, e responsabilidades capazes de conferir força transformadora aos propósitos da ecopolítica.
O que está em jogo não é a integridade da natureza e do cosmos, mas a vida humana.
Rodrigo Baleia/Folha Imagem
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Marcos Vicentti/Folha Imagem
Marcello Casal Jr/Abr
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Marlene Bergamo/Folha Imagem
No plano internacional, a retórica da sustentabilidade enche a boca dos governantes; a coreografia diplomática encena um ritual dúbio para a plateia global. Na foto acima, o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, mostrando números do desmatamento na Amazônia; à esquerda, o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2007 por sua luta contra o aquecimento global e as mudanças climáticas; à direita, cartaz do grupo ambientalista Greenpeace divulgado na conferência de Copenhague ano passado.
3. Os Ecos da Ecopolítica O primeiro eco ensina: o caminho não é o confronto. Melhor dizendo, não é o único caminho. O confronto tem sido o ponto de partida comum aos movimentos sociais. Não foi diferente com o ambientalismo. Reativo e confrontacional nos primórdios, o movimento ambientalista registra grandes conquistas e enormes avanços, embora, aquém do desejável. Por sua natureza transideológica, pluralista e suprapartidária; por seu objetivo civilizatório e humanitário na busca de um futuro comum, o movimento ambientalista, motor da ecopolítica, amadurece na medida em que tem por base a busca de um pacto amplo entre os setores do sistema social – Estado, Mercado, Sociedade Civil –, e, por princípios, a solidariedade e a cooperação. Não significa que a busca da concertação de interesses em choque arrefeça a capacidade de lutar. A propósito, o acirrado e atualíssimo debate entre "criacionistas" e "céticos", de um lado e, de outro, "climatologistas", sobre os fatores determinantes do aquecimento global, não altera, independentemente de que lado esteja a verdade científica, a evidência, por exemplo, da explosão demográfica, movida por um processo de produção, consumo e um estilo de vida tendentes, segundo abalizados alertas, à catástrofe do ecocídio.
Luta e pactos, avanços e recuos, alianças estratégicas integram a dinâmica da ecopolítica, cujo desafio, mais do que um projeto de desenvolvimento, é, repita-se, construir uma civilização sustentável. Outro eco aponta na direção dos novos papéis a serem exercidos pelos atores dentro do marco da ecopolítica. O Estado e o Sistema Político De um modo geral, a questão ambiental que, inquestionavelmente, tornou-se um desafio central e estratégico para a humanidade, permanece, ainda, como preocupação periférica para os Estados. No plano internacional, a retórica da sustentabilidade enche a boca dos governantes; a coreografia diplomática encena um ritual dúbio para a plateia global. No plano interno, há uma enorme distância entre discurso e prática governamentais. Existem avanços nos mecanismos de comando e controle e, com eles, ampliam-se áreas de fricção dentro do governo e do governo com o setor privado, em decorrência da função fiscalizadora e punitiva do aparato burocrático; em paralelo, pouco avançam os mecanismos capazes de desincentivar ações predadoras e incentivar práticas econômicas sustentáveis. Daí, resulta o seguinte
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quadro: no interior dos governos eclodem conflitos intersetoriais e sobra para a gestão ambiental, justa ou injustamente, a responsabilidade pelos impasses; na sociedade, particularmente no setor produtivo, a gestão ambiental se mostra uma burocracia lenta e, não raro, avessa ao empreendimento capitalista. Por sua vez, nos embates político-eleitorais, os compromissos na área ambiental servem, apenas, como argumento canônico do politicamente correto. Em síntese, a experiência tem demonstrado que os Estados são os atores mais resistentes a assumir um papel proativo no contexto da ecopolítica. No âmbito do sistema político, as décadas de setenta e oitenta viram o nascimento e a consolidação dos Partidos Verdes, assumindo a paternidade dos programas ambientais. Paulatinamente, os partidos das mais diversas tendências ideológicas, no mundo e no Brasil, passaram a adotar semelhantes plataformas. Este fenômeno serviu para propagar a causa ambiental, infelizmente, em proporção significativamente menor do que a capacidade de exercer influência transformadora. No caso brasileiro, a explicação é simples: a fragilidade dos partidos reduz a força dos programas partidários que, praticamente, passam ao largo das políticas públicas adotadas pelos governos quaisquer que sejam as agremiações que cheguem ao poder. Em contrapartida, as organizações ambientais e o setor privado passam a assumir papel relevante no jogo político. O Mercado, as Empresas e os Consumidores Em princípio, o mercado é governado por leis inflexíveis. Mas estas leis não são cegas. No funcionamento do mercado, as preferências mudam; a institucionalidade limita; os incen-
tivos direcionam; as novas responsabilidades agregam valor; as tecnologias contam; a qualidade diferencia. Por sua vez, o modo capitalista de produção tem inúmeros defeitos, mas é inegável sua capacidade de adaptação. Neste sentido, tanto a teoria econômica quanto o setor produtivo se deram conta de que a dimensão ambiental veio para ficar e integrar os conceitos de custos, oportunidade, produtividade, competitividade e a produzir um novo ativo: o capital imaterial chamado imagem. Com efeito, as adaptações resultam, em certa medida, de instrumentos coercitivos e mandatórios, emanados do poder estatal. No entanto, é fundamental destacar os avanços ocorridos em decorrência da adoção voluntária de padrões gerenciais ambientalmente corretos, o que reflete as novas responsabilidades corporativas assumidas perante as partes interessadas (Stakeholders) na ação empresarial (16). No passado, o modo capitalista de produção driblou a luta de classes e superou a promessa da utopia comunista; agora, o desafio está em respeitar os limites biofísicos do planeta e enfrentar a distopia ambiental. Nesta linha, respeitáveis vozes propõem uma nova revolução industrial sob a lógica conceitual do que denominam capitalismo natural (17). A Sociedade Civil, o Terceiro Setor e o Movimento Ambientalista À parte o debate teórico, há de se reconhecer que a sociedade civil é uma emergência fundamental no funcionamento do mundo moderno. Sua teia organizacional – o terceiro setor – ocupa uma esfera distinta, ora em conflito, ora em cooperação com a sociedade política – a esfera estatal pública – e com a sociedade econômica – a esfera privada do mercado e dos negócios. O terceiro
Agliberto Lima/DC
A experiência mostra que os Estados são os atores mais resistentes a assumir um papel proativo no contexto da ecopolítica.
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setor constitui uma instância pública não estatal. No conjunto dos movimentos sociais, o movimento ambientalista mobiliza a cidadania de modo a pressionar e influenciar as esferas política e econômica na tomada de decisões e na adoção de políticas que viabilizem um projeto de sociedade sustentável. No caso brasileiro, o percurso do movimento ambientalista tem sido marcado pelas diferentes fases do processo de consolidação da democracia política e evoluído, quanto à sua perspectiva original de natureza conservacionista, para uma visão socioambientalista, mais politizada, alcançando um estágio neoconservacionista, conforme definem os analistas do movimento (18). Do ponto de vista concreto, o saldo é positivo. Independentemente de rótulos, a verdade é que o movimento ambientalista está à frente das tipologias ideológicas clássicas e, ora em confronto ou cooperação, tem acolhimento na representação congressual e nas esferas mais permeáveis do poder executivo, influenciando as propostas programáticas de partidos e governos (19). Por fim, cabe constatar que a atuação local e global dos movimentos ambientalistas confere um papel protagônico à sociedade civil na arena política global. O Ecocidadão Este é um personagem típico da sociedade globalizada. Exerce direitos e deveres de "última geração" que ultrapassam a territorialidade do Estado-Nação e somam à longa e penosa luta, direitos às diferenças, de proteção às minorias, de proteção aos avanços no campo da bioética e direitos a um ambiente em que possa desfrutar de vida saudável e sustentável.
A um só tempo, esta nova categoria de cidadão integra o espaço local, conectado com a dimensão global, o que lhe permite viver a sensação paradoxal de poder e vulnerabilidade frente aos avanços da ciência e da tecnologia. Este é um dos ecos da ecopolítica, que amplia a consciência das pessoas diante dos riscos, ameaças e oportunidades em relação ao futuro da humanidade. 4. Brasil: Um País de Vocação Ambiental? (20) A empreitada do descobrimento de feições estatal, militar e religiosa batizou o novo achado de "Terra de Santa Cruz". Um breve triunfo da ideologia religiosa dos cavaleiros da Ordem de Cristo. De fato, durou pouco. Sob protestos indignados de Frei Vicente do Salvador, a madeira de "cor abrasada e vermelha que tinge pano" rebatizou o nosso País com o nome de Brasil (21). Uma vitória da ideologia da natureza? Não. Simplesmente, dois olhares coexistiam no ato fundador do Brasil: o olhar renascentista, a visão edênica de arrebatamento romântico proclamava o mito do paraíso perdido (22); o olhar mercantilista movia o projeto de exploração econômica em nome dos interesses colonizadores. A história certifica: o encantamento era retórico e a ação, predadora. É o que atesta a autoridade de Caio Prado: "Repetia-se mais uma vez o ciclo normal das atividades produtivas do Brasil. A uma fase de intensa e rápida prosperidade, seguia-se outra de estagnação e decadência. Já se vira isso, sem contar o longínquo caso do pau-brasil, na lavoura da cana-de-açúcar e de algodão no norte e nas minas de ouro e diamante no sul. A causa é semelhante: o acelerado esgotamento das reservas naturais por um sistema de exploração descuidada e intensiva" (23).
Reinaldo Canato/AE
É preciso reinventar a noção tradicional de progresso que nos foi legada pela civilização industrial.
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Por justiça, cabe ressaltar o registro histórico de visões lúcidas que enxergaram a natureza além do arrebatamento romântico e laudatório, antecipando a centralidade dos recursos naturais na formulação de um projeto nacional de desenvolvimento. Entre estes autores, o ideal conservacionista propunha um novo relacionamento com a natureza como alicerce de um verdadeiro desenvolvimento econômico. Com efeito, nesta linha de pensamento é possível identificar ao longo do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, a obra de José Bonifácio de Andrada, as vozes reformistas de Joaquim Nabuco e André Rebouças, a cosmovisão de um cientificismo humanista de Euclides da Cunha, o criticismo estratégico de Alberto Torres a uma noção linear de progresso e o ecologismo sociológico avant la lettre de Gilberto Freyre (24). De fato, o ideal de crescimento tracionou a civilização industrial com tamanha força que, no Brasil, o balanço do progresso não contrariou a regra ao revelar dados contraditórios: de um lado, um inegável avanço dos indicadores tradicionais na medição quantitativa dos padrões de vida; de outro, um rastro de destruição e desigualdades que compromete a qualidade de vida e a sobrevivência da espécie humana; na edificação da obra do progresso, prevalece a sensação de que a máquina do crescimento foi movida a "ferro e a fogo" (25). Diante da dramaticidade dos impactos da questão ambiental nos contextos nacional e internacional, é possível manter a esperança quanto ao futuro da humanidade e, especificamente, a uma sociedade sustentável no Brasil? É um desafio urgente e prioritário colocar a questão ambiental na agenda nacional, assim como fora e continua sendo consolidar a estabilidade econômica e aprofundar a democracia política, reconhecendo na temática ambiental significados e propósitos mais profundos, entre os quais reverter uma tendência antes que ela tome a forma irreversível de destino e reinventar a noção tradicional de progresso que nos foi legada pela civilização industrial. O momento histórico favorece. Por todas as razões, a questão ambiental assume excepcional relevo, mais ainda, por conta do debate sobre as mudanças climáticas. No plano interno, os avanços obtidos na política e na economia permitem ênfase especial na persistente questão das desigualdades sociais e legitimam a inserção, por ocasião do debate sucessório, da questão ambiental na agenda do século 21, assumindo valor estratégico na formulação de um projeto de nação. Sob esta ótica, a ambição propositiva do debate deve estar centrada em dois grandes objetivos: I - Consolidar, aperfeiçoar e ampliar os avanços alcançados no âmbito da sociedade, da economia e do Estado (26); II - Contribuir, por meio de processos educativos, para a formação da ecocidadania e construção de uma "cultura de sustentabilidade" na qual se inserem os seguintes elementos: - sólida consciência social em relação ao direito a um ambiente saudável e produtivo; - reconhecimento universal quanto ao valor da diversidade biológica, da heterogeneidade cultural e do pluralismo político;
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Daniel Aguilar/Reuters
- respeito e observância de uma ética intra e intergeracional; - prioridade à satisfação das necessidades básicas, à inclusão social e à qualidade de vida; - adoção de gestão participativa e práticas descentralizadoras; - visão cooperativa e solidária que, no plano interno e internacional, aproxime o particular do universal, o local do global. Cabe, finalmente, um comentário específico sobre o papel dos governos nas definições de políticas e nas estratégias de gestão ambiental pública de modo a complementar o primeiro objetivo supracitado. Historicamente, a tradição brasileira de planejamento governamental seguiu a ideologia do obreirismo. Esta tem sido a fita métrica do bom gestor e, não raro, do estadista. De outra parte, duas sub-ideologias consagraram a visão setorial das políticas públicas: o rodoviarismo e o barragismo. Esta constatação não nega a importância da ação governamental diante da carência de infraestrutura do País. Tampouco, justifica o rastro de destruição dos programas governamentais inspirados pela obsessão do fazer. Serve, contudo, para chamar atenção das enormes dificuldades que se antepõem à gestão ambiental, cuja concepção é nitidamente matricial, ou seja, perpassa a organização setorial da administração e, paralelamente, tem como missão impor limites aos impactos ambientais resultantes das obras do governo. Frequentemente, não é a
Christian Charisius/Reuters
A bem da verdade, não se pode negar a importância e a força dos instrumentos de comando e controle de que dispõem, hoje, os gestores ambientais; não se pode negar os investimentos públicos que buscam combater e reparar danos ambientais que contaminam o solo, o ar, a água, as florestas. Ressaltem-se, também, os avanços na gestão ambiental voluntária e o papel político dos movimentos ambientalistas.
lei ambiental que prejudica ou retarda a realização de projetos públicos ou privados; são os projetos que não atendem as prescrições legais. Vale dizer: a gestão ambiental é vista, dentro e fora do governo, como o "não" potencial e frequente à urgência e prioridades das ações que integram os "projetos de desenvolvimento". É uma espécie de mecanismo interditório ao qual se atribui a responsabilidade do "gendarme verde". E sobre ela recai, com procedência ou não, o ônus de embargar o progresso. Resultado: o gestor ambiental ocupa exatamente o vértice para onde convergem fortíssimas pressões. E mais: sofre de grave isolamento político, especialmente, se não atentar para a necessidade vital de alianças, negociação permanente, idas e vindas, avanços e recuos capazes de lograr um saldo positivo. Com efeito, esta situação pode assim ser sintetizada: o gestor ambiental, ao defender interesses difusos e futuristas frente a interesses concretos e imediatos, terá, invariavelmente, adversários à vista e aliados a prazo. Neste sentido, ou os governos assumem, como a humanidade já assumiu, a centralidade do desafio ambiental, e os chefes de governo arbitram com sabedoria e equilíbrio os conflitos, ou os gestores ambientais seguem sofrendo da fraqueza congênita dos "patos mancos". A bem da verdade, não se pode negar a importância e a força dos instrumentos de comando e controle de que dispõem, hoje, os gestores ambientais: não se pode negar os investimentos
públicos que buscam combater e reparar danos ambientais que contaminam o solo, o ar, a água, as florestas. Ressaltem-se, também, os avanços na gestão ambiental voluntária e o papel político dos movimentos ambientalistas. Entretanto, os mecanismos de política econômica continuam privilegiando a insustentabilidade. Mudar o rumo significa identificar oportunidades a partir do diálogo economiaecologia a despeito das restrições impostas pelos recursos naturais cada vez mais escassos. Ainda que timidamente, as novas possibilidades tomam corpo. A viabilidade de um novo caminho está na capacidade de responder pertinentes perguntas que nos fazemos na condição de cidadãos de uma nova era. Eis algumas delas: I - É possível tratar o capital natural como renda de modo a conservar sua capacidade produtiva? II - É possível adotar critérios de ecoeficiência de modo a reduzir a quantidade de insumos, desperdícios e, desta forma, aumentar a produtividade do capital natural e melhorar a qualidade de vida das pessoas? III - É possível associar processos produtivos limpos e novos designs, de modo a permitir reciclagem constante de materiais e uma relação mais harmônica com a natureza? IV - É possível combinar o mínimo uso de material com o máximo de durabilidade e manutenção de produtos, de modo a ampliar a economia de serviços vis a vis a economia de bens? V - É possível investir na manutenção, restauração e com-
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pensação dos estoques de capital natural, agregando, inclusive, o "capital natural cultivado"? VI - É possível criar um sistema de contabilidade nacional e de indicadores de sustentabilidade, de modo a substituir o conceito tradicional de PIB por um agregado macroeconômico em que sejam internalizados custos ambientais da atividade econômica? VII - É possível utilizar mecanismos de política econômica e política fiscal capazes de incentivar a sustentabilidade e desincentivar padrões insustentáveis de produção e consumo? VIII - É possível valorar os serviços dos ecossistemas para economia e para a vida? IX - É possível enfrentar a explosão demográfica, cujos danos para o planeta levaram James Lovelock denominar o fenômeno de "praga de gente"? X - É possível ratificar a vocação ambiental do Brasil como uma vantagem competitiva, apesar dos prejuízos já causados ao nosso patrimônio natural? As respostas estão em curso. O que não está em curso é a efetiva incorporação de um novo paradigma à vontade e à ação política. O mesmo se diga em relação à oportunidade de o Brasil exercer um protagonismo ambiental no cenário internacional compatível com suas potencialidades. Vem daí o paradoxo referido no início do artigo: a questão ambiental é central para a humanidade e periférica para os governos. Discurso e prática não batem. E o tempo limita as possibilidades. No entanto, renovam-se os compromissos no momento do pleito presidencial. É hora de propor. Temas não faltam. Vão desde a simplificação das burocracias ambientais superpostas à formulação e execução de políticas públicas, cuja agenda articule gestão e manejo de florestas, gestão hídrica, o enfrentamento dos gravíssimos problemas de ecologia urbana. Que se cuide da Amazônia como um "bem da vida", na feliz expressão de Thiago de Melo. Neste processo, o fundamental é o respaldo que dê sustentação aos gestores ambientais que sofrem menos pela carência de meios do que pela debilidade da solidão política. Em síntese, a abordagem de um tema que envolve gigantesca complexidade e sentimentos díspares – do pessimismo catastrófico a um otimismo pueril – não deveria se afastar das lições deixadas por René Dubos, um dos autores do relatório da Conferência de Estocolmo (1972), lições sábias forjadas pelo vasto conhecimento e pelo exemplo de superação pessoal às limitações impostas pelas sequelas da febre reumática. Dubos nos ensina: "Tendência não é destino"; "Muitas vezes é difícil manter a fé no destino dos homens, mas é certamente uma atitude covarde desesperar dos fatos"; "Pense globalmente e aja localmente". 5. Propostas de Políticas Ambientais Um novo governo, utilizando sua base de apoio parlamentar, lograria significativos avanços no marco institucional da gestão ambiental com a transformação em leis dos seguintes projetos em tramitação no Congresso: 1. Projeto de Lei Complementar nº 12/03, que regulamenta as competências comuns do artigo 23, incisos VI e VII, de modo
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a permitir que se exercite o "federalismo ambiental", corrigindo a superposição de burocracias e contribuindo para alcançar objetivo mais remoto que é aperfeiçoar o pacto federativo; 2. Projeto de Lei nº 1876/99, que atualiza o Código Florestal e pode dirimir vários pontos de conflitos entre ambientalistas e ruralistas; 3. Projeto de Lei nº 3729/04, que dispõe sobre licenciamento ambiental e regulamenta o inciso IV parágrafo primeiro do artigo 225 da Constituição Federal, matéria que é foco de conflitos com o setor privado e com o próprio governo; e 4. Projeto de Lei nº 3820/08 que, entre outras providências, cria o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima. Sugere-se, ainda, ações voltadas para: (a) acelerar a implementação da gestão hídrica, cuja lei completou 13 anos, considerando que a gestão hídrica é, por natureza, descentralizada, participativa e, por outro lado, a água é um elemento integrador dos demais elementos da natureza; (b) conceber um projeto de desenvolvimento da Amazônia, considerando suas forças endógenas, características socioambientais e o valor dos serviços ecológicos que a região pode prestar ao Brasil e à humanidade; (c) introduzir conceitos e mecanismos desenvolvidos pela Economia Ambiental, escola de importância crescente, a partir de uma instância política interministerial de modo que decisões de governo possam contribuir efetivamente para a realização de um projeto de sociedade sustentável; (d) entre esses mecanismos está o das compensações ambientais, por meio do qual danos podem ser compensados de forma no mínimo equivalente ao que foi danificado.
Notas (1) Citação em SACHS, Ignacy. A Terceira margem - Em busca
do desenvolvimento. São Paulo: Nova Fronteira, 2009, p. 269. (2) A novidade histórica do tema pode ser referendada pelo testemunho do próprio Sachs, hoje, um dos maiores pensadores e militantes do "ecodesenvolvimentismo", na obra citada: "A problemática do meio ambiente era, para mim, um tanto alheia. Foi em 1970 que participei em Tóquio do primeiro colóquio internacional sobre meio ambiente como desafio às ciências sociais". (p. 227) (3) SERRES, Michel. O contrato natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p.15. (4) Em 1968, a Assembleia Geral das Nações Unidas convocou a Conferência Sobre o Ambiente Humano para 1972 que foi realizada em Estocolmo. A partir de então, passou-se a analisar a intensa relação entre meio ambiente e desenvolvimento. Dentro desta perspectiva, o relatório apresentado pelo Clube de Roma, intitulado Os limites do crescimento, previa um cenário dramaticamente pessimista para o futuro da humanidade, o que fundamentou a proposta de crescimento zero. Esta proposta representava um bloqueio insuperável para os países subdesenvolvidos romperem como o círculo da pobreza e, desta forma, induzia a uma abordagem reducionista do problema que colocava em radical oposição o que Ignacy Sachs chamou de "ecologismo intransigente e economicismo estreito e rigoroso" (V. Estratégia de transição para o século XXI - Desenvolvimento Alan Marques/Folha Imagem
Renovam-se os compromissos no momento do pleito presidencial. Temas não faltam. Vão desde a simplificação das burocracias ambientais à formulação e execução de políticas públicas cuja agenda articule gestão e manejo de florestas, gestão hídrica, o enfrentamento dos gravíssimos problemas de ecologia urbana. Que se cuide da Amazônia como um "bem da vida", na feliz expressão de Thiago de Melo.
e Meio Ambiente, Ed. Studio Nobel, São Paulo, 1993, p.11). Em 1987, o Relatório Brundtland, Nosso Futuro Comum, elaborado pela Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, sob a presidência da norueguesa Gro Harlem Brundtland ampliou as conclusões da reunião de Founex (Suíça, 1971) e da Conferência de Estocolmo (1972) ao construir o conceito de DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL como sendo aquele que "atende as necessidades das gerações presentes sem comprometer o atendimento das necessidades das gerações futuras". Em 1992, a RIO-92 consolidou a temática como um compromisso estratégico da agenda internacional. (6) O primeiro impacto político-ideológico da questão ambiental foi a desconfiança gerada e a conseqüente polarização entre países ricos e países pobres na abordagem do novel conceito "desenvolvimento sustentável". A desconfiança e a polarização decorriam de uma constatação prática: as nações ricas atingiram patamares de riqueza sem respeitar os limites dos recursos naturais; as nações pobres teriam que submeter suas aspirações de crescimento aos novos limites da sustentabilidade. Isto recendia a um novo colonialismo. Impunha-se a observância do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, um belo princípio de difícil execução. De outra parte, a questão ambiental forneceu um painel de pensamentos que alimenta os movimentos ecológicos e que não vêm da agora: remonta às reflexões filosóficas sobre as relações entre o homem e a natureza. (7) Tomando-se como ponto de partida a relação homem natureza é possível explorar o campo das ideias considerando: 1. O ANTROPOCENTRISMO E O PARADIGMA DUALISTA (CARTESIANO/EUCLIDIANO/NEWTONIANO) que defende a superioridade moral dos interesses humanos sobre o interesse dos seres vivos e da natureza no seu conjunto; 2. O BIOCENTRISMO HOLISTA que defende a tese segundo a qual todo ser vivo merece respeito moral e representa uma reação às ideias que privilegiam uma classe particular de ser vivo. O antropocentrismo e o paradigma dualista refletem o afastamento do homem, do mundo da natureza, a biosfera, e sua crescente aproximação com o mundo da cultura, a tecnoesfera, colocando em campos opostos natura e cultura. Vários autores identificam na tradição judaico-cristã e no racionalismo científico da era moderna as bases do antropocentrismo. Todavia, a proposta de comunhão homem/natureza que tem como base filosófica e religiosa [(re)ligação homem/natureza] uma espécie de ecoespiritualidade e que aponta na direção de uma mudança radical no papel e nas relações dos seres vivos, vem do singular e belo exemplo dado por São Francisco de Assis, o santo ecológico da Igreja Católica. Para ele, a ecologia era muito menos a ciência do bem viver na casa planetária e, muito mais, a fraterna e sábia convivência entre todos os seres. (8) Neste contexto, é importante ressaltar que tomam corpo no debate sobre ecologia os estudos sobre ecologia política e ecologia econômica. Este assunto está abordado com profundidade no livro Ecologismo dos Pobres, de autoria de Joan Martinez, (5)
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editora Contexto, São Paulo, 2007. Nele, o autor agrupa os "ismos", aqui já referidos, em duas correntes "o culto à vida silvestre" ou "à vida selvagem" e no que chama de "credo da ecoeficiência" e aprofunda a análise do que vem a ser uma terceira corrente, "o ecologismo dos pobres", como base do movimento pela justiça ambiental em função dos conflitos ambientais causados pelo crescimento econômico e pela desigualdade social. O que une a ecologia política à economia ecológica é a discussão sobre a valoração ambiental. Paralelamente, o autor nomeia 24 conflitos distributivos que constituem a agenda da ecologia política (vai do racismo ambiental, passando pelo ecofeminismo e culminando com ecologismo dos pobres). A leitura deste livro é imprescindível para aprofundar conhecimento e atualização da bandeiras que inspiram o ativismo ambiental contemporâneo. (9) Estas ideias ganharam relevo ao longo do século 19. Resultaram da reação ao efeito devastador do extraordinário progresso capitalista americano sobre os recursos naturais. De um lado, R. Nash e John Muir defendiam, preservacionistas que eram, uma apreciação reverencial, estética e espiritual da natureza. Nesta linha, sofriam uma influência da notável obra anarcoambientalista de Thoreau que não só confrontou a lógica dominante na relação homem/natureza (A vida sem princípio e Caminhando), como também, construiu a base teórica (Desobedecendo) para Ghandi praticar os métodos pacifistas da não-violência ativa na sua luta pela emancipação da Índia. De outra parte, Gifford Pinchot, conservacionista, ao combater a idéia de progresso a qualquer custo e defender o uso eficiente dos recursos naturais, antecipava a concepção do que, mais tarde, viria a ser o conceito de sustentabilidade. (10) De fato, as correntes ideológicas se distinguem a partir de uma cosmovisão, cuja questão central é a relação entre homem/natureza. Não só se distinguem como se multiplicam em vários "ecologismos", atordoando aqueles que procuram estudar a matéria. É possível identificar várias correntes dentro do pensamento ecológico como é o caso do já referido anarcoambientalismo de Thoreau, da tríade ecológica de Felix Guattari (a humana, a ambiental, e a mental), da bioeconomia de Georgescu-Roegen, do ecodesenvolvimentismo de Ignacy Sachs, do holismo de Pierre Weil, do humanismo desenvolvimentista de Edgar Morin, da ecologia profunda de Capra, da ecoespiritualidade inspirada na ética do cuidado de Leonardo Boff, e por aí vai. (11) O pensamento de Illich é profundamente crítico da sociedade industrial. Exerceu e exerce grande influência sobre o pensamento ecológico. São criações suas os conceitos de contraprodutividade (exemplo: a congestão do espaço produzido pelo automóvel), "convivialidade" ("convivial é a sociedade onde o homem controla o instrumento") e a noção de "ecologia radical". Por sua vez, Arne Naess, filósofo norueguês, opõe a visão "ecocêntrica" ou de "igualitarismo biosférico" ao preconceito antropocêntrico segundo o qual o homem é o fim do
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universo. É dele o conceito e a expressão "ecologia profunda". (12) Leff (comp.). Ciencias Sociales y formación ambiental.
Gedisa Editorial; Barcelona, Espanha, 1994. P. 37. É importante ressaltar que o autor, renomado estudioso do tema desenvolvimento/meio ambiente, demonstra com pertinência e densidade, o significado e os efeitos da racionalidade ambiental. Neste sentido, aborda o tema da racionalidade nos seus aspectos teóricos e conceituais com ênfase nos tipos de racionalidade formal ou teórica, instrumental e substantiva – segundo a concepção weberiana. Incursiona na construção do conceito de racionalidade ambiental, seus desdobramentos e efeitos no sistema de valores, no sistema de conhecimento, processos produtivos, tecnológicos, no sistema político e institucional, bases ideológicas e atores que, articulados com a racionalidade cultural, permeia o ideal das relações harmônicas entre homem/natureza e da convivência respeitosa com a diversidade. Por fim merece destaque a análise sociológica de Leff sobre a "noção de qualidade de vida e a ecologia política e os movimentos ambientalistas" ao que denomina de "temáticas ambientais emergentes". (13) A expressão "impactos subversivos da questão ambiental" não é um exagero retórico. É importante considerar que o tema impõe à teoria do conhecimento uma articulação multidisciplinar dos saberes; faz prevalecer a noção de qualidade à de quantidade e consagra valores da harmonia, da sobriedade, do equilíbrio sobre o desequilíbrio sistêmico dos "máximos"; revaloriza uma estética contemplativa; acrescenta à ética clássica a ética intergeracional; configura uma ecopolítica, alterando as relações entre atores que detêm parcelas de poder Estado, Mercado, Sociedade Civil - e gerando efeitos sobre a "realpolitk" e os padrões de gestão ambiental pública e privada. (14) Sobre o "diálogo eco-eco" (economia e ecologia), o livro de autoria de José Eli da Veiga - Desenvolvimento sustentável Desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. - é uma referência indispensável, seja pela amplitude acadêmica, seja especificamente pela densidade analítica da relação entre os postulados da economia neoclássica e da economia ecológica. Por sua vez, Philippe Van Parijs, professor da cadeira de ética econômica e social da Universidade Católica de Louvain, advoga uma visão de sociedade que vai além do ambientalismo e das ecologias "profunda" e "radical": a ecologia política que, segundo ele, "é a doutrina articulada com base na crítica da sociedade industrial e, assim fundamentada, pretende oferecer um projeto global de sociedade comparável e oponível às duas grandes ideologias da era industrial: o liberalismo e o socialismo". Esta visão está estruturada nas seguintes bases: a. no equilíbrio entre as três esferas: estatal, privada e autônoma (é o terceiro setor ou sociedade civil); b. não se situa nem à esquerda, nem à direita (estaria além), não é um insípido "meio termo", nem um feixe de reivindicações setoriais, mas uma resposta clara ao que consiste nos limites do crescimento; c. os limites do crescimento seriam determinados por um "freio de
arrumação" voluntário que não deteriorasse o potencial produtivo total (não apenas, os recursos naturais), reorientasse parte da produção dos bens de consumo para os bens de investimentos e induzisse economicamente a preservação dos recursos naturais, tudo de forma a permitir uma trajetória de crescimento menos onerosa para os recursos naturais; d. promover uma articulação entre trabalho e renda com atividades positivas para o meio ambiente. (15) Este ritual deu nome a uma das obras mais instigantes da atualidade e de contundente descrença cujo autor John Gray é um dos mais renomados pensadores contemporâneo: Cachorros de Palha: reflexões sobre humanos e outros animais. Rio de Janeiro: Record, 2005. (16) Tem avançado sistematicamente as estratégias e os modos de gestão empresarial, adequando-se ao desafio da sustentabilidade. Além dos prejuízos ocasionados pelos grandes desastres ambientais, as empresas têm buscado diminuir riscos e mitigar danos ambientais sem comprometer sua competitividade. Por outro lado, a assunção das responsabilidades sociais e empresariais contribui para a imagem positiva das corporações.
Nesta linha, cabe registrar exemplos, em ordem cronológica, de iniciativas que vão ao encontro da adoção da gestão ambiental voluntária. Em 1984, a Canadian Chemical Producer Association foi precursora na elaboração de diretrizes para gestão ambiental; em 1991, o World Business Council for Sustainable Development estruturou o conceito de ecoeficência; em 1994, a International Organization for Standardization (ISO) que estabeleceu requisitos gerenciais para gestão ambiental e obtenção de certificação por entidades credenciadas, mediante a família ISSO 14.000, em permanente atualização; em 1999 foi criada a Rede Brasileira de Produção mais Limpa (PmaisL), iniciada pelo Centro Nacional de Tecnologias Limpas do Senai-RS (CNTL-RS), consolidada com a participação do SEBRAE nacional e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS); ainda em 1999, foi criada pelo MMA a Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P); em 2005, a Bolsa de São Paulo criou o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) a exemplo do índice Dow Jones. Paralelamente, vários programas e institutos vêm difundindo a atuação, ambiental e socialmente, responsável das
Há quem afirme, com razão, que é mais difícil abandonar velhas ideias do que adotar novas. É o que atesta a experiência histórica povoada de hereges sacrificados e transformados em gênios ou santos póstumos.
Jonne Roriz/AE
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empresas (Fundação Abrinq, Grupo de Institutos, Fundações e Empresas-GIFE, Instituto Ethos, Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social-IDIS). No conjunto, o faturamento das empresas mobilizadas em função da gestão ambiental voluntária representa cerca de 30% do PIB brasileiro e chegam a gerar 1 milhão de postos de trabalho. (17) HAWKEN, Paul; LOVINS Amory; LOVINS, L. Hunter. Capitalismo natural - Criando a próxima revolução industrial. São Paulo: Cultrix, 2005. (18) É possível identificar na formação do ativismo ambientalista três momentos que configuraram oportunidades históricas para a formação e identidade do movimento social - o processo de redemocratização (dos anos setenta à promulgação da Constituição Federal), o período de funcionamento do Congresso Constituinte (87/88) e a RIO-92 - bem como as linhas ideológicas da ação promovida pelas organizações ambientalistas em que predominou na origem uma orientação conservacionista com ênfase numa lógica científica; por sua vez, o viés socioambientalista jogou o movimento na arena política a partir das conexões com outros canais de expressão na luta pela redemocratização do país. Com efeito, estas tendências passaram a concorrer e a se alternar em importância a depender da natureza do debate, da agenda e do contexto político em que se articulavam. Neste sentido, cabe anotar que a cada oportunidade política correspondia um ciclo de protesto, um tipo de mobilização, a ação adequada e, no cerne do movimento, tornouse necessária a formação de redes, coalizões e, sobretudo, a estruturação de uma ideia força que conciliasse as tendências conservacionistas e socioambientalistas. De fato, as experiências vividas na Constituinte e na RIO-92 gestaram um pensamento, uma dicção e uma agenda comum aos movimentos ambientalistas, conciliando temas e noções que abarcam o desenvolvimento sustentável, biodiversidade, agenda verde, questões sociais, gestão hídrica (agenda azul) e o meio ambiente urbano (agenda marrom). (19) Além de uma extensa e eclética rede, o movimento ambientalista conta com uma Frente Parlamentar constituída por 12 senadores e 225 deputados. (20) O debate sobre a inserção do patrimônio natural como elemento constitutivo de um projeto nacional vem de longe e provoca a reflexão, cada dia mais atualizada, sobre as relações do modo de exploração econômica com a natureza e, mais a fundo, sobre o tipo de civilização que se pretende para o Brasil. Neste sentido, cabe destacar o texto produzido por José Augusto Pádua, organizador da publicação Ecologia&Política no Brasil. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo - IUPERJ (co-edição), 1987. O referido texto resgata preciosa trajetória do pensamento brasileiro em que vários autores (do Brasil - colônia ao início do século XX) colocam a temática ambiental no centro das reflexões que dão ênfase à concepção de um projeto nacional. Importante destacar que a obra do Prof. José Augusto Pádua serviu como uma das fontes de referência e pesquisa na elaboração deste
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artigo. (21) Idem, p.18. (22) Sobre o assunto vale registrar e consultar a densa obra de
Sergio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso - os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Nacional, 1985. (23) Apud, JUNIOR, Caio Prado. In Ecologia&Política no Brasil. P. 19 (24) José Augusto Pádua, na obra já citada, ao analisar o pensamento crítico dos referidos autores menciona trechos de seus escritos que ilustram admirável consciência ambiental e percepção antecipada do que o terceiro quartel do século 20 passaria a chamar de desenvolvimento sustentável. Em José Bonifácio, a denúncia da ação predadora leva o autor à seguinte profecia: "Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos" (Op. cit. p. 26). Para Rebouças e Nabuco, a devastação era um sintoma de atraso de um país arcaico e, especificamente para Nabuco, uma das obras da escravidão: "Onde ela [a escravidão] chega, queima as florestas, minera e esgota o solo, e quando levanta suas tendas deixa após si um País devastado em que consegue vegetar uma população miserável de proprietários nômades" (Op. cit. p. 38). O vigoroso estilo de Euclides da Cunha não deixa por menos: "Temos sido um agente geológico nefasto, e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza que nos rodeia (...) não há exemplo mais típico de um progresso às recuadas. Vamos para o futuro sacrificando o futuro, como se andássemos às vésperas do dilúvio"(Op. cit. p. 44.). Na segunda década do século XX, Alberto Torres assim vislumbra os rumos do projeto civilizatório: "a civilização humana é um produto do sacrifício da terra ao impulso das cobiças incontidas" (Op. cit. p. 51). Em 1937, Gilberto Freyre assim define sua obra Nordeste: "Este ensaio é uma tentativa de estudo ecológico do Nordeste do Brasil", num rasgo de modéstia, eis que, no referido ensaio estão presentes dimensões estruturais da ecologia: a ambiental, a econômica, a humana e a espiritual. (25) Expressão que dá título à obra de autoria de Warren Dean: A ferro e fogo. São Paulo: Companhia da Letras, 1996, um impressionante relato sobre a história e a devastação da mata atlântica brasileira. (26) Dois excelentes trabalhos se complementam e de modo exaustivo mostram um painel das políticas públicas ambientais brasileiras de 1930 aos dias atuais. São eles: Política e gestão ambiental, de autoria de Luis Henrique Cunha e Maria Célia Nunes Coelho no livro organizado por Sandra Batista da Cunha e Antonio José Teixeira Guerra, A questão ambiental - diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003; e o texto Origens mineiras do desenvolvimento sustentável do Brasil idéias e práticas que integra Desenvolvimento, justiça e meio ambiente, organizado por José Augusto Pádua, Belo Horizonte: UFMG; São Paulo - Peirópolis, 2009, p. 84-93.